Enciclopédia persona: imagem, cena e ausência
Marcelo Augusto exibe uma nova faceta do seu talento: o pintor que se
revela nesta sua primeira exposição organizada com telas escolhidas entre as
suas primeiras criações.
Provocaria espanto esta entrega e arrebatamento se o mesmo não fosse
reconhecido como professor talentoso e mais ainda enquanto cineasta, diretor
de teatro, ator, escritor, doutor em letras, entre outras áreas do seu interesse e
pesquisa e produção. Em cada uma destas áreas, Marcelo Augusto marca sua
presença pela criatividade, cultura e ousadia.
Com isso ele tangencia os academicismos, as especializações
esterilizantes, os clichês, e se permite transitar por distintas áreas, saberes e
fazeres. Pois bem, a sua vida e os múltiplos interesses exprimem as
características da racionalidade contemporânea, pós-moderna, ou seja, atual: a
desterritorialização, o nomadismo, o atravessamento de muros e espaços
institucionais, a planificação do tempo, agora condensado no instante. E o mais
relevante, a quebra dos modelos explicativos, das classificações, da taxonomia
da vida e do saber, a falência da História enquanto linha mestre e afirmação da
Verdade e a crise do pensamento racional ser o decifrador da face escura do
homem.
Enfim, a vida e a pintura de Marcelo Augusto exprimem, ilustram, se
inscrevem e saltam da racionalidade contemporânea. Com isso, ele se coloca
como um homem do novo milênio: um professor do futuro e da criação, a
negação de Funnes, o memorioso, preso no acúmulo.
Tais características se revelam em sua pintura: o nomadismo e o
trânsito,
talvez
desprezo,
entre
tendências,
escolas,
correntes.
O
enquadramento e o rótulo definidor são coisas do modernismo. Ao contrário, a
sua pintura mais do que transitar entre escolas e correntes, dialoga com a
poesia, a fotografia, a imagem cinematográfica, a boca de cena teatral. A sua
pintura é, neste sentido, enciclopédica; composta por imagens, cenas e
ausências. Uma ópera de cores e fugas; pontos e contrapontos, onde o
proscênio e o foco da câmera põem em destaque a angústia e a solidão do
homem no momento atual.
O nomadismo, a transitoriedade e o não-lugar presentes no efêmero e
no virtual podem talvez levar a duas tendências básicas: à nostalgia da perda,
à retórica da falta, à exaltação da morte ou, por sua vez, ao mergulho no olho
do furacão e à entrega ao processo de criação. Esta última é a atitude de
Marcelo Augusto expressa na sua pintura. E, por sua vez, numa outra
dimensão, é a questão da pintura na contemporaneidade.
Quais as características que marcam a pintura na Arte após o “fim do fim
da arte”, após o reconhecimento, recente (meados de 1970-1980), do estatuto
da arte contemporânea?
A resposta pode-se vislumbrar na criação do artista: uma pintura que
não se faz pelas perguntas inteligíveis na História da Arte, numa historicidade
interna e apoiada no cientificismo.
Mas, uma pintura onde está colocada a solidão, o corpo, a sexualidade,
a cidade, a violência, preenchida por referências do campo da cultura e
autobiográficas, ressignificadas esteticamente, que comparecem por intermédio
do uso de diferentes linguagens, suportes e técnicas.
Enfim, comparecem temas da vida atual; numa figuração que se
descompromete com a reprodução da realidade; onde se reconhecem
apropriações - uma das características da arte contemporânea -, onde se
vislumbram os ecos de diferentes estilos e correntes, e onde se percebe uma
pintura em processo de expansão, certamente animada de um sopro vigoroso
que vai vivificar novas criações, mas com os esboços que supomos delineia o
estilo do autor.
Ricardo Aquino
Ricardo Aquino - Curador - Diretor do Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea
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Marcelo Augusto exibe uma nova faceta do seu talento: o pintor que