Aplicação de estudos de QSAR-4D em ativadores da
proteína Glucoquinase
Elaine F. F. da Cunha, Teodorico C. Ramalho e Tamiris M de Assis.
Departamento de Química – Universidade Federal de Lavras
Lavras, MG, 37200-000, Brasil;
RESUMO
Apesar de muitas opções de medicamentos contra diabetes
mellitus tipo 2, o uso eficaz de um único medicamento por um
longo período é difícil, sendo então necessária a descoberta de
novos medicamentos mais eficazes do que os já existentes. Neste
intuito, a enzima Glucoquinase apresenta um alvo atraente para
as terapias do diabetes tipo 2, pois desempenha um papel crítico
no controle da glicose através de suas ações em múltiplos
órgãos. Portanto, a ativação desta enzima, através de ativadores
glucoquinase (AGQ) é uma nova estratégia terapêutica para o
tratamento da Diabetes mellitus tipo 2.
O presente trabalho tem como objetivo estudar uma série de
compostos AGQ frente a aplicação de estudos de QSAR 4D,
visando a substituição de grupos em locais específicos, a fim de
potencializar a atividade biológica destes compostos frente a
enzima glucoquinase. Os estudos de QSAR fazem parte do ramo
que chamamos de química medicinal computacional, que
engloba o planejamento racional de novas substâncias bioativas.
Figura 1: Estrutura tridimensional da enzima Glucoquinase
Humana.
Palavras-chave: Glucoquinase, diabetes, QSAR.
1.
INTRODUÇÃO
A seleção de novos alvos para o desenvolvimento de
medicamentos hipoglicemiantes orais para o diabetes mellitus
tipo 2 (DM2) é guiado pelo estabelecimento da homeostase da
glicemia (Matschinsky e Porte, 2010). Neste sentido a enzima
glucoquinase (GQ) foi escolhida como alvo molecular excelente
para o desenvolvimento de novos medicamentos anti diabéticos
por sua função regulatória da glicose plasmática.
A GQ ou hexoquinase do tipo IV (Figura 1) é uma enzima
citoplasmática pertencente à família das hexoquinases (enzimas
que fosforilam a glicose), que catalisa o passo inicial para a
glicólise, ou seja, a fosforilação da glicose para glicose-6-fosfato
(Figura 2). Ela é expressa no fígado e nas células β do pâncreas
(Kamata et al., 2004), sendo importante na manutenção da
homeostase da glicose plasmática por secreção de insulina a
partir do reforço pancreático de células β e da síntese do
glicogênio. Esta enzima possui ponto isoelétrico de 4,85 e massa
molecular de aproximadamente 50 kDa (Jain et al., 2013).
No intuito de desenvolver novos medicamentos anti diabéticos,
nos últimos anos foram produzidas pequenas moléculas com a
hipótese de ativar o sítio alostérico da enzima GQ e produzir os
efeitos hipoglicemiantes, ou seja, o aumento da captação de
glicose no fígado e potencialização da secreção de insulina nas
células β do pâncreas (Mao et al., 2012). Essas moléculas são
denominadas ativadores glucoquinase (AGQs).
Figura 2: Reação de fosforilação da glicose.
Foi verificado que estes compostos ligam-se à um sítio
alostérico da enzima, cerca de 20Å do sítio de ligação da glicose
(Kamata et al., 2004), e que todos AGQs aumentam a afinidade
de ligação com a glicose, no entanto eles variam quanto a
velocidade máxima (Vmáx) (Cheruvallath et al., 2013). Desde
então há muitos trabalhos visando este mecanismo de ativação.
A maior parte dos trabalhos são estudos que testam
experimentalmente a ativação da enzima glucoquinase frente a
vários compostos GKAs, (Cheruvallath et al., 2013), (Bonn et
al., 2012), (Haynes et al., 2010), (Iino et al., 2009), (Nishimura
et al., 2009) e (Ishikawa et al., 2009) e servem então, de apoio
para estudos computacionais, com o intuito de planejar
racionalmente fármacos anti diabéticos. A escassez de estudos
computacionais com essa finalidade abre um amplo espaço de
estudo na área, fato que pode acelerar o processo de descoberta
de novos protótipos e produção de novos medicamentos contra a
DM2.
O processo de descoberta e desenvolvimento de novos fármacos
é complexo, longo e de alto custo. Segundo Guido e
colaboradores (2010), os avanços nas áreas de química, biologia
e a melhor compreensão de vias bioquímicas, alvos moleculares
e de mecanismos que levam ao aparecimento e desenvolvimento
de doenças, tornaram possível a descoberta de inovações
terapêuticas, proporcionando melhorias significativas na
qualidade de vida das diversas populações no mundo. Neste
aspecto, a química medicinal computacional destaca-se nos
processos de produção e desenvolvimento de fármacos.
Dentro da química computacional os estudos envolvendo
QSAR (Correlação Quantitativa Estrutura-atividade) vem
ganhando destaque. Pequenas modificações estruturais alteram a
atividade biológica de moléculas e esses efeitos podem ser
explorados com base no conhecimento de química, bem como
com o auxílio de ferramentas computacionais. Em 1997,
Hopfinger e colaboradores propuseram uma nova metodologia
de QSAR chamada de QSAR-4D. A análise em QSAR-4D
incorpora liberdade conformacional ao desenvolvimento de
modelos de QSAR-3D fazendo com que a mudança de estado
molecular constitua a quarta dimensão.
Este trabalho tem por objetivo determinar quantitativamente a
influência de descritores estruturais na atividade de derivados
heteroaril como ativadores da enzima GQ, a partir da aplicação
de estudo de QSAR-4D e propor novos protótipos como futuros
candidatos à fármacos hipoglicemiantes orais.
2.
MATERIAIS E MÉTODOS
Conjunto de Dados dos Ligantes
Os dados in vitro de EC50 para os 55 compostos heteroaril
estudados foram reportados por Benbow e colaboradores. A
estrutura tridimensional (3D) obtida por difração de raio-X da
enzima GQ, cristalizada com a glicose, e um ativador, disponível
no Protein Data Bank (PDB) sob o código 3VF6 com resolução
de 1,86 Å (Liu et al., 2012), foi utilizada como modelo para
construir as estruturas 3D de todos os compostos
específicas, isto é, cada átomo pode ser classificado de acordo
com o tipo de interação que ele é capaz de realizar.
Tabela 1: Definição dos elementos de interação farmacofórica
(IPE).
IPEs
Definição
Código
0
Qualquer tipo
A
1
Não polares
NP
2
Polares com carga positiva
P+
3
Polares com carga negativa
P-
4
Aceptores de ligação hidrogênio
HA
5
Doadores de ligação hidrogênio
HD
6
Sistemas aromáticos
AR
Para cada alinhamento testado, um complexo por vez é
posicionado automaticamente no espaço de referência da caixa,
de acordo com a sequência do alinhamento anteriormente
definida e são computados os valores de ocupação da caixa
(Grid Cell Occupancy Descriptors, GCOD) referentes a cada
elemento de interação farmacofórica.
Os GCODs com um alto peso em cada banco de dados
provenientes da redução de dados foram processados em
conjunto com os valores de atividade biológica (variável
dependente) utilizando uma metodologia que combina
algoritmos genéticos (GA, do inglês Genetic Algorithm) (Jin e
Hopfinger, 1994) e mínimos quadrados parciais (PLS),
denominada de aproximação da função genética (GFA, do inglês
Genetic Function Approximation) (Rogers e Hopfinger, 1994) e
implementada no programa 4D-QSAR (Hopfinger et al., 1997).
A grande vantagem do GFA é a construção e otimização de
múltiplos modelos, ao invés da otimização de apenas um único
modelo (Rogers e Hopfinger, 1994).
3.
H
N
X
R1
Z
Y
R3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Resultados de QSAR
O melhor modelo foi obtido a partir do alinhamento 3 e a
equação está descrita abaixo.
O
R2
Figura 3: Esqueleto principal dos 55 ativadores da glucoquinase.
Estudos de QSAR
As estruturas dos compostos otimizados no sítio ativo da GQ
foram submetidas ao processo de simulação de dinâmica
molecular com o objetivo de gerar um perfil de amostragem
conformacional.
Para o alinhamento das estruturas escolheram-se os átomos de
carbono-alfa como referênci. As três definições de alinhamento
são: (1) Val62, Pro66 e Ile159, (2) Pro66, Ile159 e Val62, (3)
Ile159, Val62 e Pro66.
Na metodologia de QSAR-4D pode-se definir sete tipos de
elementos de interação farmacofórica (Tabela 1), os quais
correspondem aos tipos de átomos que podem realizar interações
pEC50= 1,823 + 0,420 (-1,1,2,qa) + 0,511 (-1,2,3,qa)
+ 0,822 (0,1,1,ar) – 0,342 (-3,2,3,np)
– 0,387 (-2,2,3,ha) + 0,904 (-2,1,3,np)
+ 0,252 (-3,3,4,qa) -0,238 (1,-1,3,np)
Como podemos observar a partir da equação acima, o modelo
apresentou uma boa correlação (r2= 0,844), assim como uma
boa capacidade preditiva (q2= 0,738). Os GCODs (-1,1,2,qa), (1,2,3,qa), (0,1,1,ar), (-2,1,3,np) e (-3,3,4,qa) apresentam
coeficientes positivos, que correspondem à interações favoráveis
entre os substituintes dos compostos e os resíduos de
aminoácidos no sítio alostérico da GQ. Então, substituintes com
as características selecionadas (IPEs) nessas posições aumentam
a potência dos compostos. Os GCODs (-3,2,3,np), (-2,2,3,ha) e
(1,-1,3,np) apresentam coeficientes negativos, correspondendo à
interações desfavoráveis entre os substituintes dos compostos e
os resíduos de aminoácidos, portanto substituintes com as
características selecionadas (IPEs) nessas posições diminuem a
potência dos compostos.
Os descritores que mais contribuíram para o aumento da
atividade foram
(-2,1,3,np) e (0,1,1,ar), que representam
IPE não polar e sistemas aromáticos respectivamente. O
descritor que mais contribuiu negativamente para a atividade foi
(-2,2,3,ha) que representa átomos aceptores de ligação de
hidrogênio. Para o descritor
(-2,1,3,np) o composto que
apresentou maior valor foi o 55, que é o composto que possui
maior atividade biológica. Já para o descritor (-2,2,3,ha), o
composto 9 foi o que apresentou um maior valor. Portanto os
resultados serão discutidos em função destes dois compostos. As
figuras abaixo representam os compostos 55 e 9 no sítio
alostérico da GQ juntamente com os descritores.
Na Figura 4, percebemos que o GCOD (-2,1,3,np) está
localizado perto do grupo metil e representa IPE não polar. Uma
vez que este é o descritor que mais contribui para a atividade,
podemos perceber que a presença de grupos não polares nesta
localização da molécula faz com que a atividade do composto
aumente. Outro descritor presente na figura é o (0,1,1,ar), que
representa o segundo de maior contribuição para atividade. Ele
está localizado no anel aromático e indica que, a presença de
átomos em sistemas aromáticos na posição em que ele se
encontra é favorável para o aumento da atividade. O que condiz
com os resultados experimentais uma vez que o composto 55 é o
que apresenta maior atividade biológica experimental.
A Figura 5 representa o composto 9 no sítio alostérico da GQ.
Podemos ver a presença do GCOD (-2,2,3ha) que representa IPE
aceptor de ligação de hidrogênio e do (0,1,1,ar) que representa
IPE em sistemas aromáticos. O GCOD (0,1,1,ar) indica que a
atividade do composto aumenta com a presença deste grupo, já o
GCOD (-2,2,3ha) indica que substituintes com pares de elétrons
livres, o que os torna aceptores de ligação de hidrogênio
(ex.:carbonila) não favorecem para o aumento da atividade.
Comparando os compostos 9 e 55 percebemos poucas diferenças
estruturais entre eles (Figura 6). O composto 9 apresenta um
grupo tetrazol e um grupo sulfonil o que dá a molécula um
grande caráter polar, já a molécula 55 apresenta um grupo
imidazol substituído com um grupo metil e o grupo triflúormetil,
que garante a molécula um caráter mais apolar. Portanto, como o
descritor que mais contribui para a atividade biológica é o
referente à interações não polares, o composto 55 apresenta uma
atividade biológica superior ao composto 9 (pEC50= 6,4 e 4,5).
cartesianas xyz e as letras os tipos de átomos (np= não polares;
ar= sistemas aromáticos).
Figura 5: Representação gráfica dos GCODs no sítio alostérico
da Glucoquinase juntamente com o composto 9. Os três números
entre parênteses representam as coordenadas cartesianas xyz e as
letras os tipos de átomos (ha= aceptores de ligação de H; ar=
sistemas aromáticos).
4.
CONCLUSÃO
Após a análise usando a metodologia de QSAR-4D de 55
ativadores GQ, conclui-se que o modelo gerado a partir do
alinhamento 3 possui uma boa correlação com os dados
experimentais (r2= 0,844) descritos por Benbow e colaboradores
(2013) e uma boa capacidade preditiva q2= 0,738. Pôde-se
perceber que a presença de grupos não polares perto da carbonila
amenizam a interação negativa deste grupo, tornando os
compostos mais ativos.Analisando a reação química, nós
podemos notar que os resíduos de aminoácido Arg296, Tyr124 e
Trp286 são responsáveis pela estabilização do estado de
transição. Assim, nós acreditamos que os parâmetros cinéticos
calculados podem ser muito úteis para o projeto e seleção de
uma nova e mais eficiente oxima.
5.
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Figura 4: Representação gráfica dos GCODs no sítio alostérico
da Glucoquinase juntamente com o composto 55. Os três
números entre parênteses representam as coordenadas
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