VIII ENANCIB – Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação
28 a 31 de outubro de 2007 • Salvador • Bahia • Brasil
GT 6 – Informação, Educação e Trabalho
Pôster
BIBLIOTECÁRIO CLÍNICO NO BRASIL:
em busca de fundamentos para uma prática reflexiva
CLINICAL LIBRARIAN IN BRAZIL:
searching grounds for a reflective practice
Vera Silvia Marão Beraquet (PUC-Campinas, beraquet@[email protected])
Renata Ciol (PUC-Campinas, [email protected])
Leonardo G. Garcia (PUC-Campinas, [email protected])
Sandra L. Pereira (PUC-Campinas, [email protected])
Natália M. Chiavaro (PUC-Campinas, [email protected])
Rosimeire C. Cirilo (PUC-Campinas, [email protected])
Cleusa Telles (PUC-Campinas, [email protected])
Sara R. Valentim (PUC-Campinas, [email protected])
Resumo: Este trabalho insere-se em projeto amplo sendo desenvolvido pelos integrantes do Grupo de Pesquisa
em Gestão da Informação em Saúde da PUC-Campinas que trata sobre o delineamento de um novo perfil
profissional para atuar na área da saúde, especificamente em hospitais universitários. Tem como objetivo trazer
subsídios sobre as melhores práticas de biblioteconomia clínica, experiências concretas de trabalho do
bibliotecário inglês em equipes multidisciplinares de saúde, buscando identificar características e habilidades
essenciais para a atuação desse profissional. Os dados recentemente levantados por meio de questionários e
entrevistas estão sendo tabulados e serão discutidos pelo Grupo nos próximos meses. Pela literatura, pode-se
observar que há dificuldade em se obter consenso quanto ao conceito biblioteconomia clínica uma vez que existe
grande diversidade de experiências e modelos em andamento.
Palavras-chave: Biblioteconomia clínica. Hospital universitário. Informação em saúde. Formação profissional.
Abstract: This work is part of a wide project being developed by the members of the Research Group in Health
Information Management at PUC-Campinas whose focus is developing a new professional profile to work in the
health field, specifically in university hospitals. Its main objective is to bring about subsidies from the best
practices of clinical librarianship in the UK, from the clinical librarian's work in multidisciplinary health teams,
in order to identify characteristics and essential abilities for this kind of work. The data recently collected
through questionnaires and interviews are being summarized at present and will be analysed by the Research
Group in the next few months. From the literature review, it can be observed that there is some difficulty in
defining what exactly means clinical librarianship in the midst of the great diversity of existing experiences and
models.
Keywords: Clinical librarianship. University Hospital. Health information. Professional education.
Introdução
O século XXI está marcado pela Sociedade da Informação, na qual as relações sociais
e econômicas vêm se transformando radicalmente. Para a ciência, uma das conseqüências
mais marcantes desse novo tempo é o crescimento exponencial de publicações científicas e o
surgimento de uma variedade de formatos e meios para divulgação do conhecimento nelas
contido. Ampliam-se, portanto, o volume de conhecimento gerado e disseminado e os canais
de comunicação científica (redes e meios eletrônicos), conseqüentemente ampliando a
dificuldade em gerenciar todo esse conhecimento disponível. (Le Coadic, 1996).
No caso da Ciência da Informação as alterações sociais e econômicas decorrentes da
passagem da sociedade industrial para uma sociedade baseada em informação possibilitaram e
têm fundamentado estudos sobre a formação e atuação do bibliotecário nesse novo paradigma,
não mais restrito aos espaços tradicionais de bibliotecas e arquivos. (Le Coadic, 1996).
A Biblioteconomia, envolvida com a organização do conhecimento em todas as áreas,
mostra-se uma profissão interdisciplinar em que o campo de atuação do bibliotecário é amplo
porque, além de diferentes instituições, ao ingressar no mercado de trabalho ele pode atuar em
áreas específicas do conhecimento, que requerem habilidades e competências também
específicas para o seu desempenho. (Beraquet et al, 2006).
O interesse na informação na área da saúde vem sendo demonstrado há anos,
particularmente quando se observa as várias iniciativas da área e o grande desenvolvimento
das bibliotecas médicas universitárias e estudos sobre a atuação do bibliotecário nesse campo
do conhecimento.
Estudos realizados por Beraquet et al (2005) com profissionais atuantes do sistema
municipal de saúde da cidade de Campinas apontaram ser essencial que o profissional da
informação trabalhe em equipes multidisciplinares e tenha os seguintes conhecimentos e
competências: informática e redes, bases de dados e demais fontes de informação em saúde,
noções de saúde pública e sobre o Sistema Único de Saúde, capacidade de estabelecer boa
relação interpessoal com diferentes profissionais.
A reforma sanitária brasileira que subsidiou a criação do Sistema Único de Saúde
(SUS) em 1988 fez com que a saúde pública alterasse a prática dos profissionais de saúde, dos
gestores e, como não poderia deixar ser, a dos bibliotecários que fazem parte desse sistema.
Nesse processo cabe ao profissional da informação um papel bastante ativo, esteja ele atuando
tradicionalmente nas bibliotecas médicas (universitárias) ou inserido nas equipes de saúde
como bibliotecário clínico, num papel condizente com os princípios do SUS.
Trata-se de mais um campo de atuação no mercado de trabalho desse profissional que,
apesar dos avanços na área, ainda precisa buscar esses locais e fazer-se reconhecido como
capaz para exercer os diversos papéis que a Sociedade da Informação está oferecendo e
exigindo (Ciol, 2001).
A iniciativa do Centro Latino-americano e do Caribe em Informação em Ciências da
Saúde (BIREME/OPAS/OMS) no projeto Biblioteca Virtual em Saúde e sua liderança na
aplicação desse modelo para os países da América Latina e Caribe, bem como o
desenvolvimento/manutenção da Base de Dados LILACS, dentre outras ações de destaque
como a biblioteca online SciELO e o reconhecido apoio aos usuários e bibliotecários (por
meio de cursos presenciais e a distância), confirmam e reafirmam a existência de esforços
cujo foco é a inserção do bibliotecário na área da saúde.
O Cict - Centro de Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz traduz-se em outra
iniciativa de grande sucesso na área de informação em saúde, ao ser responsável por formular
políticas, desenvolver estratégias e executar ações de informação e comunicação no campo da
ciência e tecnologia em saúde que respondam as demandas da sociedade e do Sistema Único
de Saúde e de outros órgãos governamentais, por meio de suas três bibliotecas, a saber:
Biblioteca de Manguinhos, Biblioteca do Instituto Fernandes Figueiras e a Biblioteca da
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Guimarães et al, 2007).
Entretanto, em que se reconheçam nacional e internacionalmente essas ações e o
crescimento de estudos sobre o tema, o enfoque desse projeto pretende centrar-se em outro
aspecto, até então desconhecido na prática brasileira, qual seja, o da Biblioteconomia Clínica,
que tem como característica essencial procurar, filtrar e fornecer melhores evidências para
decisões clínicas.
O bibliotecário clínico vem gradualmente desenvolvendo um novo padrão de serviços
de informação dentro de hospitais dos sistemas de saúde de países como Estados Unidos,
Inglaterra, Canadá e Austrália.
Bibliotecários norte-americanos “saíram” de suas bibliotecas para trabalhar em
ambientes clínicos no início dos anos 70. Os primeiros registros indicam que Gertrud Lamb
foi a pioneira ao trazer o conceito de bibliotecário clínico ao lado do bibliotecário médico.
Na Inglaterra, a primeira tentativa de biblioteconomia clínica ocorreu no início dos
anos 80, no Departamento de Cirurgia do Guys Hospital de Londres, o que não deu certo,
sendo o termo retomado somente no final dos anos 90.
Vale ressaltar a experiência brasileira bem pouco conhecida entre nós, do Programa de
Biblioteconomia Clínica implantado pela Fundação Pioneiras Sociais, no Hospital das
Doenças do Aparelho Locomotor de Brasília, em 1983. (Silva, 1986).
Desde 1996, a Faculdade de Biblioteconomia da PUC-Campinas conta com um grupo
de pesquisa consolidado, cujo objeto de investigação é o profissional bibliotecário e sua
atuação nesse contexto cada vez mais multi e interdisciplinar. Esse grupo também investiga a
identificação de competências e habilidades para a atuação bibliotecária na área da saúde.
Nesse projeto, o Grupo de Pesquisa “Gestão da Informação em Unidades de Saúde”
pretende identificar as bases para a atuação do profissional da informação num hospital
universitário a partir da experiência britânica em andamento nas cidades de Coventry, Derby e
Leicester, esforço esse justificado pela existência de poucos trabalhos científicos nacionais
que tratam do perfil e da atuação do bibliotecário clínico no Brasil.
Trata-se da análise das condições necessárias para a inserção do bibliotecário em
equipes multidisciplinares da saúde dentro dos hospitais universitários, considerando a
interdisciplinaridade da Ciência da Informação e da própria Saúde e a necessidade evidente de
passar da tomada de decisão baseada apenas na opinião para a decisão com base em
evidências.
Nesse cenário, a literatura britânica e norte-americana são referências para esse estudo,
já que nesses países a prática da biblioteconomia clínica (centrada em informação específica
para casos clínicos e não apenas em buscas bibliográficas ou em leitura de artigos) encontrase em expansão e o bibliotecário clínico já é reconhecido como membro de equipes
multidisciplinares de saúde em ambientes clínicos.
1. Breve histórico da Biblioteconomia Clínica
Há aproximadamente 40 anos Gertrude Lamb identificou uma nova oportunidade de
atuação do bibliotecário ao verificar a lacuna entre o que a medicina enquanto disciplina
estabelecia como boa prática e os procedimentos que efetivamente eram adotados no cuidado
ao paciente (Cimpl, 1985). Em 1971 Lamb estabeleceu o primeiro Programa para Clinical
Medical Librarian (CML) na Universidade de Missouri-Kansas (EUA) e em 1974 teve início
um programa similar no Centro de Saúde da Universidade de Connecticut.
Cimpl (1985) sintetizou as razões para o oferecimento dos serviços de biblioteconomia
clínica (CML): prover informações rapidamente aos clínicos e outros membros da equipe;
capacitar o corpo clínico com informações relevantes e se estabelecer dentro da equipe como
membro valioso e apto a ajudar a equipe no apoio à tomada de decisão. Em 1985 havia
aproximadamente 23 programas CML, em 1993 a literatura apontava 29 programas
internacionais.
Para complementar o estudo de Lamb, pode-se citar Schacher (2001) que demonstrou
a importância da informação suplementar ao corpo clínico durante o cuidado ao paciente. Em
estudos conduzidos em Chicago, Nova Iorque e Reino Unido, os clínicos entrevistados nessa
pesquisa foram unânimes ao afirmar que as suas muitas questões foram elucidadas pela
literatura, que a seleção de informação avivou detalhes de fatos ou aumentou a confiança na
decisão a ser tomada. A conclusão deste estudo demonstrou que médicos assistidos por
bibliotecários clínicos são capazes de melhor reorganizarem a seleção de informações de
forma mais assertiva.
Nesse cenário e servindo-se do modelo implantado na década anterior para
capacitação de farmacêuticos, teve início em 1970 um programa para a formação de
especialistas em literatura médica, cuja função seria a de acompanhar clínicos e residentes em
suas visitas médicas a fim de suprir e levantar as necessidades destes usuários em seu
ambiente de trabalho (Mosby e Naisawald, 1981).
Segundo esses autores, os bibliotecários teriam que enfrentar os mesmos obstáculos
que os farmacêuticos tiveram que ultrapassar para firmar seu lugar na equipe clínica, como
alguém de saber comprovado e necessário a essa equipe.
Pelo exposto, o conhecimento acadêmico do profissional que atua em saúde precisa
ser complementado com o conhecimento prático da área, acrescentando conhecimento à
gestão da informação nessas especialidades.
2. Profissionais da informação na área da Saúde
Além de procurar, filtrar e fornecer melhores evidências para as decisões clínicas nas
equipes onde atuam, outras habilidades são também desejadas nesse profissional:
comunicação verbal e escrita, bom senso e ética, flexibilidade e domínio do idioma inglês. O
profissional da informação precisa conhecer – e dominar - a terminologia da área da saúde,
bem como sobre epistemologia, estatística e políticas públicas.
Sua atuação deve estar baseada nos seguintes objetivos: a) acesso e utilização da
informação baseada em provas ou evidência de eficácia clínica; b) identificação das
necessidades de informação dos profissionais da saúde para verificar os processos baseados
em opiniões com a finalidade de adotar a prática clínica baseada em evidências.
Esses profissionais da informação que atuam na área clínica junto ao corpo médico
podem ser denominados bibliotecários médicos, bibliotecários clínicos ou informacionistas
clínicos.
2.1 Bibliotecário Médico
Trata-se do bibliotecário atuante em bibliotecas médicas de instituições de ensino ou
de saúde. Este profissional não integra equipes clínicas, apenas colabora com os profissionais
da saúde nas seguintes linhas de atuação: cooperar no diagnóstico médico, realizar pesquisas
acadêmicas para os estudantes de medicina, distribuir informações sobre saúde às pessoas,
usar diferentes canais de comunicação para a busca de informação de qualidade, como
Internet e bases de dados.
Para Wolf (2002), os bibliotecários médicos tornam as bibliotecas de hospitais um
espaço ativo orientado a serviços. Nos Estados Unidos, apenas a “American Osteopathic
Association” exige bibliotecários qualificados em hospitais que possuem residência na área
sem, entretanto, descrever qual o nível de educação exigido a esse profissional. Segundo o
autor, a “National League for Nursing” (NLN) indica que esse profissional deve ser estar
dentro do hospital (onsite), enquanto a “Medical Library Association” (MLA) apresenta
somente diretrizes (guidelines) para os bibliotecários no gerenciamento de bibliotecas
médicas que, como sugestões, não conformam padrões impositivos.
2.2 Bibliotecário Clínico
Os programas de Biblioteconomia Clínica foram primeiramente descritos por Lamb,
onde esse profissional é “como um bibliotecário treinado para participar das rondas médicas,
cuja performance seria medida como uma contribuição à melhora do atendimento ao
paciente” (Wolf, 2002). Os cursos destinados a esses profissionais incluíam “instrução
monitorada e prática em buscas, cursos (realizados) em escolas de medicina e de enfermagem.
Atendimento em relatórios matinais, rondas e conferências clínicas como membro da equipe
de tratamento do paciente e pessoalmente comprometido com a biblioteca e a medicina”.
Os bibliotecários clínicos estão integrados às equipes multidisciplinares de saúde em
locais nos quais são levantadas as necessidades de informação (reuniões da equipe, reuniões
de orientação e educacionais). Assim, os bibliotecários localizam e sistematizam recursos
informacionais para viabilizar que os clínicos encontrem respostas mais adequadas aos
cuidados com o paciente (Rigby et al., 2002, p. 158).
Desse modo, o bibliotecário clínico atua em equipes clínicas e provê médicos e demais
membros da equipe com informações que lhes permitam a melhor decisão sobre os pacientes,
com base na informação científica disponível, contribuindo assim para o melhor atendimento
à população. O bibliotecário clínico se ocupa das atividades de recuperação e transferência da
informação, adaptando-a às necessidades de informação dos usuários, num papel de mediador
dessa informação, e não mais de intermediário.
Essa mediação envolve interação; inter, multi e transdisciplinaridade; bem como o
desenvolvimento de habilidades relacionadas à aprendizagem autônoma e crítica.
Para sua atuação nesse campo, são necessárias as seguintes habilidades, segundo
Harrison e Sargeant (2004): construção e manutenção de boa relação profissional com os
médicos, capacidade de fazer perguntas, capacidade de aprender e interesse por questões
clínicas e científicas.
Com relação aos conhecimentos, espera-se que saibam sobre anatomia e fisiologia
(conhecimento clínico), termos e descritores médicos, gestão de projetos, busca em bases de
dados, prática baseada em evidências, métodos de pesquisa e noções de epidemiologia.
2.3 Informacionista clínico
Diferente do bibliotecário médico, o informacionista pode ser descrito como um
profissional clínico de informação, de formação híbrida da convergência da Biblioteconomia
e Ciência da Informação com as Ciências Médicas. Sua missão é comunicar responsavelmente
os resultados da investigação científica à comunidade médica, atuando como ponte entre a
experiência e o conhecimento tácito do profissional da saúde com a informação-conhecimento
científico disponível na literatura (conhecimento explícito), com o objetivo de sustentar as
decisões para uma prática clínica eficaz e alcançar alto nível de qualidade na atuação clínica.
Para Davidoff e Florance (2000) e Plutchak (2000) o termo informacionista é usado
para o bibliotecário clínico que está exposto a situações clínicas e possui habilidades de
estatístico e epidemiologista. Segundo os primeiros autores, esse profissional poderia fazer a
interface entre informação/clínico e informação/familiares, pois deveria ser visto como peça
fundamental do sistema de informação na busca e triagem da informação relevante.
O informacionista realiza análises de informação próprias dos especialistas em suas
respectivas especialidades clínicas. Caracteriza-se como profissional de informação em saúde
com qualificações adicionais obtidas por meio de formação universitária ou experiência que
capacitam esse indivíduo a trabalhar colaborativamente em nível de igualdade com médicos e
outros profissionais de saúde de forma a encontrar a informação necessária durante o cuidado
ao paciente e a pesquisa médica.
No contexto norte-americano, esses informacionistas são profissionais semelhantes
aos especialistas médicos que hoje carregam o título de intensivistas, mas são também aqueles
que compartilham as características de indivíduos com o título de bibliotecário clínico.
Os informacionistas podem estar ligados a um número de outros profissionais da saúde
que exercem sua prática dentro do ambiente clínico – farmacêuticos clínicos, nutricionistas
clínicos, assistentes sociais clínicos e enfermeiros clínicos.
Em síntese, esses profissionais podem ser diferentes dos bibliotecários clínicos
dependendo de como e quem os educou, a quem eles se reportam etc…, no entanto, nota-se
que as ferramentas utilizadas por ambos os profissionais são semelhantes.
O informacionista deve possuir uma compreensão clara e sólida dos aspectos do
trabalho clínico de base, deve aprender as competências práticas de recuperação, síntese e
apresentação da informação e a capacidade de trabalhar junto das equipes clínicas. Além
disso, precisa ser capacitado por programas de formação de informacionistas, como ocorre
com os profissionais que trabalham com disciplinas clínicas.
Trata-se de um profissional híbrido, um pesquisador com formação em estatística,
epidemiologia e outras competências nem sempre presente nos clínicos, é um especialista que
analisa e verifica os conhecimentos que sustentam a prática clínica com base na literatura
científica produzida.
3. Equipes multidisciplinares em hospitais universitários
O Hospital Universitário, além de promover o ensino e a pesquisa acadêmica, visa à
recuperação, manutenção e incremento da saúde das pessoas. Para tanto, seus profissionais
precisam realizar um conjunto altamente complexo de atividades, envolvendo desde
atendimentos, tratamentos complexos e outras atividades de prestação de serviços de saúde à
comunidade, até as ações de capacitação de recursos humanos (ensino e pesquisa),
enquadrando-se, portanto, na categoria de hospitais de ensino (Marinho, 2007; Zucchi, 1998).
Os hospitais universitários, quando considerados em conjunto, compõem uma grande
estrutura de atendimento à saúde da população brasileira. Em termos numéricos, há quase 10
anos (1999), somente os 45 hospitais universitários federais já haviam realizado mais de doze
milhões de consultas, quase quatrocentas mil internações e mais de quinhentas mil cirurgias.
Na manutenção dessa estrutura, naquele ano foram gastos quase seiscentos milhões de reais.
(Marinho, 2007).
A literatura especializada aponta que no Brasil há uma demanda elevada por exames
complementares, além do tempo excessivo de permanência dos pacientes no leito hospitalar.
Somando-se a isso o excesso de demanda, fruto das características do sistema público de
saúde como um todo, os custos de operação e manutenção dessas unidades hospitalares
tornam-se elevados. (Zucchi, 1998).
Esse quadro reforça a importância de um fluxo informacional eficiente, desde a área
da gestão hospitalar até os diagnósticos e tratamentos, para as quais o bibliotecário clínico
pode contribuir de forma decisiva, como discutido nas seções anteriores. Apesar da atuação
do bibliotecário clínico ainda não ser amplamente difundida, mesmo em países nos quais a
área está desenvolvida, como a Inglaterra e os EUA, seu apoio à tomada de decisão das
equipes médicas pode trazer grandes benefícios aos usuários desses serviços (Beraquet et al,
2006).
O esforço de melhorar a interação entre os profissionais de informação e os da saúde
em hospitais universitários compreende uma definição mais clara da Biblioteconomia Clínica,
da forma como esta pode ser inserida no contexto de um hospital universitário brasileiro e,
principalmente de ações institucionais visando a capacitação desse profissional. Favorecem a
realização dessas metas, os estudos para a identificação das características e habilidades
essenciais para a atuação profissional do bibliotecário clínico, como apontaram Beraquet et al
(2006). Além disso:
No caso da Saúde, o bibliotecário apreende o saber-fazer no momento
da atuação em bibliotecas universitárias da área, em alguns hospitais
ou, especificamente no Brasil, na BIREME. Entretanto, faz-se
necessário preparar o bibliotecário para trabalhar nessa e em outras
áreas temáticas e contextos de trabalho, de forma que ao deixar a
faculdade ele sinta-se apto a enfrentar o mercado de trabalho
diversificado e exigente. (Beraquet et al, 2006).
Considerações finais
O projeto em desenvolvimento não permite ainda que se tenham conclusões sobre a
atuação do bibliotecário clínico no Brasil por se tratar de pesquisa em andamento. No
entanto, é possível vislumbrar pela literatura e pela análise preliminar dos dados coletados na
Inglaterra durante o primeiro semestre desse ano, a mudança do foco nos serviços de
biblioteca para além das paredes físicas dos ambientes tradicionais de trabalho do profissional
da informação em saúde.
A complexidade da área de informação e a incerteza das atividades que ela abrange
tem acarretado a confusa e instável terminologia da profissão – informacionista,
documentalista, cientista da informação, bibliotecário especializado – para referirem-se a
profissionais que provavelmente executam o mesmo tipo de trabalho. Entretanto esta
indefinição parece não obstruir a prática efetiva de bibliotecários na área da saúde que vem se
consolidando em determinados países e que eventualmente poderá vir a contribuir para a
definição consensual do bibliotecário clínico.
Documentos publicados essencialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra
possibilitaram extrair conceitos afins à área e ao profissional que nela atua, bem como
permitir reflexões de forma a estudar conceitos brasileiros para a área e para o profissional.
Como resultado preliminar, verificou-se que, mesmo não sendo um profissional
reconhecido no Brasil, este pode ser o mesmo bibliotecário clínico descrito na literatura
internacional. O único diferencial, no caso brasileiro, estaria na abordagem segundo as
especificidades e determinações do SUS.
Considerando a necessidade informacional dos médicos e a explosão informacional
que aumenta exponencialmente a quantidade de documentos, além da escassez de tempo
desses profissionais e a não familiaridade com as estratégias de busca em bases de dados
especializadas, vislumbra-se um novo campo de ação para o bibliotecário atuar junto ao corpo
clínico de um hospital.
A Sociedade da Informação, grande responsável por essa abertura, traz essas
exigências por causa do imediatismo nas decisões e a necessidade de soluções imediatas em
todos os campos do conhecimento, aliados às mudanças nas relações interpessoais e de
trabalho, com a valorização do saber e do fazer.
Assim, para que isso aconteça, concordamos com Belluzzo ao afirmar que “o
pensamento criativo deve se desenvolver em múltiplas conexões para poder representar uma
linguagem significativa para todas as pessoas, enquanto sujeitos históricos, a fim de que
possam estar bem informadas e saibam empregar os seus conhecimentos para tomar decisões
em seu tempo e sociedade” (2006, p. 82).
Segundo a autora, quando o pensamento crítico resolve um problema, ele assume a
forma de raciocínio: um processo pelo qual se procura chegar a conclusões a partir de
evidências, inferindo com base no conhecido, nas novas possibilidades ou nos resultados
obtidos, o que se relaciona diretamente com a competência informacional - Information
Literacy. (Belluzzo, 2006).
A educação especializada em nível de pós graduação pode ser uma opção para
diferenciar a biblioteconomia clínica dos demais campos abrangidos pela Ciência da
Informação. O bibliotecário clínico executa todas as atividades dos outros bibliotecários,
porém atua como parte integrante de uma equipe de saúde e é também responsável pela
disponibilização de informações essenciais para a decisão final sobre determinado paciente.
Como afirmava Beraquet já em 1981, a exemplo de muitas outras profissões, a
Biblioteconomia precisa criar subespecialidades segundo as diferentes clientelas e os modos
como a informação é utilizada, assim como os distintos métodos e ferramentas usados para a
efetiva gestão e disseminação dessa informação.
Pretende-se, ao final dessa pesquisa, identificar possibilidades de uma nova e eficiente
relação profissional entre bibliotecários e o corpo clínico do hospital universitário. No
entanto, já foi possível verificar que os bibliotecários clínicos devem ter como diferencial a
priorização dos serviços de apoio à tomada de decisão das equipes de saúde, possivelmente
diminuindo os serviços tradicionalmente oferecidos dentro das bibliotecas de hospitais.
Com os resultados que a pesquisa possibilitará, espera-se que as áreas Ciência da
Informação e Saúde caminhem para uma interdisciplinaridade e possam contribuir, ambas,
não somente para a delimitação e fortalecimento da especificidade de suas áreas, como
também para a melhoria da qualidade de vida da população por meio de melhores serviços e
ações na saúde.
Notas e referências
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