Confederação Nacional do Transporte – CNT
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Transporte em Transformação XVI - Trabalhos Vencedores do Prêmio CNT
Produção Acadêmica 2011.
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Composição e Impressão:
Gráfica e Editora Positiva
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Transporte em Transformação XVI: Trabalhos Vencedores do Prêmio CNT: produção
acadêmica 2011 / Confederação Nacional do Transporte, Associação Nacional de
Pesquisa e Ensino em Transportes. -Brasília: Positiva, 2012.
216 p.
Trabalhos apresentados durante o XXV Congresso da ANPET realizado em Belo
Horizonte (MG)
ISBN: 978-85-99082-13-3
1. Ensino e Pesquisa. 2. Soluções Tecnológicas. 3. Sustentabilidade em Transporte.
4. Transporte brasileiro I. Título. II. Confederação Nacional do Transporte (CNT).
III. Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET). IV.
Congresso de Ensino e Pesquisa da ANPET (XXV: 2011: Belo Horizonte, MG)
CDU: 656:001.891(042)
Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Cristina S. de Almeida CRB 1/1817
Autores dos Trabalhos
Vencedores do Prêmio CNT
Produção Acadêmica – 2011
Rafael Roco de Araújo
Fernando Dutra Michel
Luiz Afonso dos Santos Senna
Allexandre Fortes da Silva Reis
Gustavo Peixoto Silva
Flávio José Craveiro Cunto
Manoel Mendonça de Castro Neto
Davi Sales Barreira
Brenda Medeiros Pereira
Luis Antonio Lindau
Rodrigo Alberto de Castilho
Mara Chagas Diógenes
Ana Maria César Bastos Silva
Álvaro Jorge da Maia Seco
Carlos Manuel Magalhães Real
Fernando Graeff
Francisco Giusepe Donato Martins
Leonardo Lopes Garcia
Bruno Filipe Lopes dos Santos
António José Pais Antunes
Ilton Curty Leal Junior
Marcio de Almeida D’Agosto
Bruno Vieira Bertoncini
Eiji Kawamoto
Luciana Carina Soares Costa
Francisco Giusepe Donato Martins
Carla Garcia Protásio
Confederação Nacional
do Transporte – CNT
CLÉSIO SOARES DE ANDRADE
Presidente
NEWTON JERÔNIMO GIBSON DUARTE RODRIGUES
METON SOARES JÚNIOR
JACOB BARATA FILHO
JOSÉ FIORAVANTI
Vice-Presidentes da CNT
Presidente de Seção e Vice-Presidente de Seção
MARCO ANTONIO GULIN
OTÁVIO VIEIRA DA CUNHA FILHO
Seção do Transporte de Passageiros
FLÁVIO BENATTI
PEDRO JOSÉ DE OLIVEIRA LOPES
Seção do Transporte de Cargas
JOSÉ DA FONSECA LOPES
EDGAR FERREIRA DE SOUSA
Seção dos Transportadores Autônomos, de Pessoas e de Bens
GLEN GORDON FINDLAY
PAULO CABRAL REBELO
Seção do Transporte Aquaviário
RODRIGO VILAÇA
JÚLIO FONTANA NETO
Seção do Transporte Ferroviário
URUBATAN HELOU
JOSÉ AFONSO ASSUMPÇÃO
Seção do Transporte Aéreo
Conselho Fiscal – Titulares
DAVID LOPES DE OLIVEIRA
ÉDER DAL’LAGO
LUIZ MALDONADO MARTHOS
JOSÉ HÉLIO FERNANDES
Conselho Fiscal – Suplentes
WALDEMAR ARAÚJO
ANDRÉ LUIZ ZANIN DE OLIVEIRA
JOSÉ VERONEZ
EDUARDO FERREIRA REBUZZI
Diretoria
Seção do Transporte de Passageiros
LUIZ WAGNER CHIEPPE
ALFREDO JOSÉ BEZERRA LEITE
LELIS MARCOS TEIXEIRA
JOSÉ AUGUSTO PINHEIRO
VICTORINO ALDO SACCOL
JOSÉ SEVERIANO CHAVES
EUDO LARANJEIRAS COSTA
ANTÔNIO CARLOS MELGAÇO KNITTEL
EURICO GALHARDI
FRANCISCO SALDANHA BEZERRA
JERSON ANTÔNIO PÍCOLI
JOÃO REZENDE FILHO
MÁRIO MARTINS
Seção do Transporte Rodoviário de Cargas
LUIZ ANSELMO TROMBINI
URUBATAN HELOU
IRANI BERTOLINI
PEDRO JOSÉ DE OLIVEIRA LOPES
PAULO SERGIO RIBEIRO DA SILVA
EDUARDO FERREIRA REBUZZI
OSWALDO DIAS DE CASTRO
DANIEL LUÍS CARVALHO
AUGUSTO EMILIO DALÇÓQUIO
GERALDO AGUIAR BRITO VIANNA
AUGUSTO DALÇÓQUIO NETO
EUCLIDES HAISS
PAULO VICENTE CALEFFI
FRANCISCO PELÚCIO
Seção dos Transportadores Autônomos, de Pessoas e de Bens
EDGAR FERREIRA DE SOUSA
JOSÉ ALEXANDRINO FERREIRA NETO
JOSÉ PERCIDES RODRIGUES
LUIZ MALDONADO MARTHOS
SANDOVAL GERALDINO DOS SANTOS
ÉDER DAL’LAGO
ANDRÉ LUIZ COSTA
DIUMAR DELÉO CUNHA BUENO
CLAUDINEI NATAL PELEGRINI
GETÚLIO VARGAS DE MOURA BRAATZ
NILTON NOEL DA ROCHA
NEIRMAN MOREIRA DA SILVA
Seção do Transporte Aquaviário, Ferroviário e Aéreo
HERNANI GOULART FORTUNA
PAULO DUARTE ALECRIM
ANDRÉ LUIZ ZANIN DE OLIVEIRA
MOACYR BONELLI
GEORGE ALBERTO TAKAHASHI
JOSÉ CARLOS RIBEIRO GOMES
ROBERTO SFFAIR
LUIZ IVAN JANAÚ BARBOSA
JOSÉ ROQUE
FERNANDO FERREIRA BECKER
RAIMUNDO HOLANDA CAVALCANTE FILHO
JORGE AFONSO QUAGLIANI PEREIRA
ALCY HAGGE CAVALCANTE
ECLÉSIO DA SILVA
Diretoria da ANPET
ORLANDO FONTES LIMA JÚNIOR
Presidente
GLAUCO TÚLIO PESSA FABRI
Diretor Executivo
HELENA BEATRIZ BETTELLA CYBIS
Diretora Científica
ANÍSIO BRASILEIRO DE FREITAS DOURADO
Diretor
MARIA ALICE PRUDÊNCIO JACQUES
Diretora
JORGE BARBOSA SOARES
Diretor
MARCIO DE ALMEIDA D´AGOSTO
Diretor
ORLANDO STRAMBI
Diretor
Comissão Julgadora dos Artigos
ALINE ELOYSE LANG - CNT
VENINA DE SOUZA OLIVEIRA - CNT
PROFª. HELENA BEATRIZ BETTELLA CYBIS - ANPET
Sumário
Prefácio...................................................................................................................................21
Capítulo 1 - Uma Abordagem de Resolução Integrada para os Problemas de
----------------Roteirização e Carregamento de Veículos.................................................23
Resumo..........................................................................................................23
Abstract..........................................................................................................24
1. Introdução..................................................................................................24
2. Descrição do Problema..............................................................................27
3. Proposta de um Modelo para a Resolução do 3L-CVRP .........................29
3.1 Apresentação e descrição do modelo.............................................30
3.2 Representação do carregamento....................................................30
3.3 Heurística de carregamento............................................................31
3.3.1 Procedimento para o agrupamento dos itens...............................31
3.3.2 Procedimento para construção do carregamento........................32
3.4. Busca Tabu aplicada na melhoria dos roteiros..............................32
4. Aplicação do Modelo ................................................................................36
4.1 Construção de instâncias para simulação de um caso real.............36
4.2 Instâncias propostas.......................................................................37
5. Experimentos Computacionais..................................................................37
5.1 Validação do modelo proposto.......................................................37
5.2 Aplicação do modelo em instâncias que simulam um caso real....39
6. Conclusões.................................................................................................40
Referências Bibliográficas.............................................................................41
Capítulo 2 - Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Meta heurística
VNS para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano.......... 45
Resumo..........................................................................................................45
Abstract ........................................................................................................46
1. Introdução .................................................................................................46
2. O Problema de Programação das Tripulações...........................................49
3. Método de Resolução do Problema...........................................................50
3.1 A Metaheurística VNS...................................................................50
3.2 Método de Busca Variable Neighborhood Descent - VND...........51
3.3 Estrutura de Vizinhança.................................................................52
3.4 Método de Busca VLNS................................................................53
3.5 Função de Avaliação......................................................................55
4. Resultados Obtidos..................................................................................56
4.1 Soluções com menor peso para as duplas pegadas........................56
4.1.1 Resultados considerando no máximo uma troca
de veículo por jornada.................................................................57
4.1.2 Resultados considerando no máximo duas trocas
de veículo por jornada ................................................................58
4.2 Soluções com maior peso para as duplas pegadas.........................59
4.2.1 Resultados considerando no máximo uma troca
de veículo por jornada.................................................................60
4.2.2 Resultados considerando no máximo duas trocas
de veículo por jornada.................................................................61
5. Conclusões...............................................................................................62
Agradecimentos.............................................................................................62
Referências Bibliográficas ............................................................................63
Capítulo 3 - Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em Interseções
----------------Semaforizadas de Fortaleza.........................................................................65
Resumo..........................................................................................................65
Abstract..........................................................................................................66
1. Introdução..................................................................................................66
2. Modelos de Previsão de Acidentes............................................................67
3. Metodologia para Estimação dos MPA.....................................................69
3.1 Escolha das variáveis e definição da amostra................................69
3.2 Coleta de dados e análise descritiva da amostra das
interseções semaforizadas .............................................................72
3.3 Estimação dos parâmetros dos modelos investigados....................73
3.3.1 Modelos da categoria 01 – número total de acidentes de trânsito....74
3.3.2 Modelos da categoria 02 – número total de acidentes de
------.trânsito com vítimas feridas e fatais............................................76
3.4 Avaliação dos modelos da categoria 01 .......................................77
4. Conclusões.................................................................................................80
Referências Bibliográficas.............................................................................81
Capítulo 4 - Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional de
----------------Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem................................. 85
Resumo..........................................................................................................85
Abstract .........................................................................................................86
1. Introdução..................................................................................................86
2. Elementos de Projeto e Desempenho de Sistemas BRT............................87
3. Desempenho do BRT em Função de Elementos de Projeto......................90
3.1 Elementos fixos..............................................................................90
3.2 Elementos variáveis.......................................................................91
3.3 Elementos dependentes .................................................................92
4. Resultados.................................................................................................94
4.1 Análise qualitativa..........................................................................94
4.2 Análise quantitativa........................................................................99
5. Conclusões...............................................................................................101
Agradecimentos...........................................................................................102
Referências bibliográficas...........................................................................103
Capítulo 5 - Modelação da Velocidade Segura Recorrendo ao Julgamento de _-------------.........Especialistas..................................................................................................105
Resumo........................................................................................................105
Abstract........................................................................................................106
1. Introdução...............................................................................................106
2. Pressupostos Metodológicos e Metodologia Adoptada..........................109
3. Desenvolvimento de Modelos de Estimação da Velocidade Segura.............112
3.1 Identificação das variáveis...........................................................112
3.2 Modelo de regressão múltipla......................................................114
3.3 Avaliação da qualidade do ajuste.................................................119
4. Principais Conclusões..............................................................................120
Agradecimentos...........................................................................................121
Referências Bibliográficas...........................................................................121
Capítulo 6 - Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura........................123
Resumo........................................................................................................123
Abstract........................................................................................................124
1. Introdução................................................................................................124
2. Alocação de Riscos..................................................................................126
2.1 Definição de risco........................................................................126
2.2 Riscos comuns nos projetos de parceria público-privada............126
2.3 Princípio básico da alocação de riscos.........................................128
2.4 Teoria das áleas ordinária e extraordinária e alocação de riscos
no Brasil......................................................................................128
2.5 Técnica e importância da alocação eficiente de riscos.................130
3. Metodologia.............................................................................................133
4. Alocação de Riscos nos Contratos de Serviço Público de Infraestrutura
no Brasil..................................................................................................134
4.1 Contratos de concessão de rodovias federais...............................134
4.2 Minuta de contrato do trem de alta velocidade (TAV) ................136
4.3 Minuta de contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo
do Amarante/RN..........................................................................137
4.4 Evolução da alocação de riscos....................................................138
5. Considerações Finais...............................................................................139
Referências Bibliográficas...........................................................................140
Capítulo 7 - Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
--------------.Através de uma Abordagem Multi-Objetivo..........................................143
Resumo........................................................................................................143
Abstract........................................................................................................144
1. Introdução...............................................................................................144
2. Abordagem proposta................................................................................146
3. Modelo de Otimização............................................................................149
4. Estudo de Caso........................................................................................151
4.1 Resultados para a maximização da eficiência..............................153
4.2 Impacto de adicionar um objetivo de equidade...........................154
4.3 Impacto de adicionar um objetivo de consumo energético..........155
4.4 Resultados para objetivos de eficiência, equidade e energéticos..........157
5. Conclusão................................................................................................158
Referências Bibliográficas...........................................................................159
Capítulo 8 - Melhoria da Ecoeficiência no Transporte Rodoviário de Produtos
----------------Perigosos........................................................................................................161
Resumo........................................................................................................161
Abstract........................................................................................................162
1. Introdução................................................................................................162
2. Transporte de Produtos Perigosos no Brasil e Escolha Modal................163
3. Procedimentos Empregados....................................................................165
3.1 Método de Escolha Modal e as medidas de ecoeficiência...........165
3.2 Análise Relacional Grey...............................................................167
4. Desenvolvimento.....................................................................................169
4.1 Estudo de caso..............................................................................170
4.2 Desempenho dos modos de transportes.......................................172
4.3 Ações de melhoria da ecoeficiência no transporte rodoviário
de cargas........................................................................................173
5. Conclusão................................................................................................176
Referências Bibliográficas...........................................................................177
Capítulo 9 - Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a Partir
dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções...............................179
Resumo........................................................................................................179
Abstract........................................................................................................180
1. Introdução................................................................................................180
2. Informação Adicional na Modelagem da Matriz OD Sintética...............181
3. Consideração dos Movimentos de Conversão na Modelagem da
Matriz OD Sintética.................................................................................183
4. Verificação da Proposta...........................................................................186
4.1. Análise de sensibilidade da matriz OD sintética em relação
a “real”........................................................................................188
5. Considerações Finais...............................................................................194
Agradecimentos...........................................................................................195
Referências Bibliográficas...........................................................................195
Capítulo 10 - Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público................................197
Resumo........................................................................................................197
Abstract ......................................................................................................198
1. Introdução ...............................................................................................198
2. Referencial Teórico .................................................................................199
2.1 Serviço público: breve noção, regime jurídico e princípios ..........199
2.2 O setor portuário brasileiro .........................................................201
2.2.1 Contexto histórico e legal ........................................................201
2.2.2 Arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias:---....................obrigatoriedade de licitação, natureza e regime jurídico do......
....................contrato e das operações portuárias e alterações ....................203
3. Metodologia.............................................................................................206
4. Contratos de Arrendamento Operacional: Alteração do Perfil da Carga
e Expansão de Área e Instalação Portuária..............................................207
4.1 Regras editalícias e contratuais sobre definição do objeto
_______.e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público em
------------arrendamentos operacionais .......................................................207
4.2 Alteração do perfil da carga ........................................................208
4.3 Ampliação de áreas e instalações portuárias................................211
5. Considerações Finais ..............................................................................213
Referências Bibliográficas ..........................................................................214
Prefácio
Incentivar a pesquisa acadêmica, buscar a inovação permanente e promover a
constante modernização das empresas transportadoras, com esses fins a Confederação
Nacional do Transporte criou, há 16 anos, o Prêmio CNT de Produção Acadêmica,
em uma parceria bem sucedida com a Associação Nacional de Pesquisa e Ensino
em Transporte (ANPET).
Os dez melhores trabalhos inscritos no último Prêmio estão publicados nesta
edição do “Transporte em Transformação”. A qualidade dos trabalhos apresentados
e o grande interesse que o Prêmio CNT de Produção Acadêmica desperta no meio
atestam, respectivamente, a capacidade intelectual dos acadêmicos brasileiros e o
sucesso do concurso. O que exige critérios rigorosos na seleção dos vencedores.
Atributos como originalidade, relevância para o setor transportador, rigor científico
e clareza na exposição das ideias determinam a escolha dos melhores estudos.
A CNT apresenta sua 16ª edição do Transporte em Transformação, mantendo
a tradição de publicar estudos indutores de uma reflexão sobre a necessidade
da inovação constante e com possibilidade de aplicação prática nas rotinas das
empresas. Ao longo de todos esses anos, esses trabalhos acadêmicos têm sido
aproveitados por inúmeras empresas do setor, na busca de melhores e maiores níveis
de produtividade, aumentando a capacidade de competitividade, em um mercado
altamente especializado e globalizado.
Trata-se, portanto, de estudos, análises e considerações com as aplicações mais
diversas no setor de transporte, da infraestrutura de engenharia ao gerenciamento
administrativo, do argumento ambiental ao embasamento econômico.
A CNT cumpre, assim, papel de altíssima relevância ao apresentar aos
transportadores soluções, reflexões e oportunidades de aperfeiçoamento de sua
missão empresarial de realizar um transporte de qualidade à sociedade. Ao mesmo,
tempo, a Confederação promove o incentivo à produção acadêmica, oferecendo
possibilidades de desenvolvimento e aplicações práticas para projetos criados
por pesquisadores, professores universitários e alunos de pós-graduação de
universidades de todo o Brasil.
Uma Abordagem de
Resolução Integrada para os
Problemas de Roteirização e
Carregamento de Veículos
1
Rafael Roco de Araújo
Faculdade de Engenharia/PUCRS
Empresa Pública de Transportes e Circulação - EPTC
Fernando Dutra Michel
Luiz Afonso dos Santos Senna
Lastran –Laboratório de Sistemas de Transportes
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção - Escola de Engenharia/UFRGS
Resumo
O problema da roteirização de veículos vem sendo intensamente estudado nos
últimos 50 anos. Dado o grande potencial de aplicação prática deste problema no
setor de transporte de carga, em especial, vários desenvolvimentos são propostos na
literatura com o objetivo de alinhá-lo com as operações reais. Recentemente, uma
nova abordagem vem sendo explorada pela literatura, que combina o problema da
roteirização de veículos com o problema do carregamento em duas ou três dimensões.
Este trabalho apresenta um modelo aproximado para resolução do 3L-CVRP que
combina o uso de heurística construtiva para configuração dos carregamentos
24
Transporte em Transformação XVI
com a Busca Tabu aplicada para melhoria dos roteiros. Além das restrições de
carregamento, o modelo define so luções de mínima distância considerando
restrições de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo de jornada
de trabalho. Nos testes computacionais, realizados com um conjunto proposto de
12 instâncias, são construídos cenários utilizando veículos leves e médios, de forma
separada e combinada. Nestes cenários é avaliada também a possibilidade de um
dado veículo ser alocado a mais de um roteiro e o custo operacional total da solução
obtida. Testes adicionais foram realizados com um conjunto de 27 instâncias da
literatura, mostrando resultados bastante satisfatórios.
Abstract
The problem of vehicle routing has been studied in the last 50 years. As a
consequence of the potential practical application of this problem in the freight
transport sector, several developments were proposed in the literature, aiming at
adjusting it with real operations. Recently, a new approach combines the problem
of vehicle routing with the problem of loading in two or three dimensions. This
work presents a model to solve 3L-CVRP that combines the use of constructive
heuristic for configuration of loading with Tabu Search applied to improving
routings. Besides loading constraints, the model defines solutions of minimum
distance considering constraints of weight distribution over the vehicle axles and
maximum journey work times. Computational tests were conducted considering
a set of 12 instances; taking into account separated and combined scenarios using
light and medium vehicles. In these scenarios is also assessed the possibility of a
vehicle being allocated to more than one routing and the total operational cost of the
solution obtained. Additional tests were conducted considering 27 instances from
the literature, showing good results.
1. Introdução
Muitas empresas trabalham de forma intensa com o objetivo de tornar mais
eficiente o processo de movimentação de seus produtos. Esta preocupação atinge
não somente as empresas que atuam nos setores da indústria e do comércio, mas
também aquelas que prestam os mais variados serviços. A entrega dos produtos
demandados pelos clientes no local e tempo previamente estipulados e com a
integridade preservada, é hoje um atributo básico para o estabelecimento da
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
25
vantagem competitiva. Visando atender a esta necessidade, empresas de transporte
de cargas e prestadores de serviços logísticos que operam frotas de caminhões
deparam-se diariamente com o problema de definir a melhor seqüência em que
os pontos de entrega devem ser visitados e a forma como as respectivas cargas
devem ser acomodadas nos veículos a fim de preservar sua integridade durante
a transferência entre o depósito e o domicílio do cliente, bem como facilitar seu
manuseio por parte da tripulação.
Para gerar sustentabilidade e lucratividade para uma empresa que tem o
transporte como competência central, tal atividade necessita de um planejamento
adequado, nos níveis estratégico, tático e operacional. O planejamento operacional,
em especial, apresenta certas características que tornam sua execução um tanto
desafiante para o transportador. Na distribuição física realizada a partir de um
depósito central, o curto intervalo de tempo disponível entre a chegada dos pedidos
e o instante estipulado para as entregas faz com que as decisões sobre o embarque
das cargas tenham que ser tomadas de forma rápida. Além disso, este processo
decisório envolve muitas variáveis como o local das entregas, as características dos
itens que serão transportados e a capacidade da frota disponível. Assim, o uso de
modelos matemáticos adequados para apoio à decisão pode ser de grande utilidade
para os planejadores das empresas.
No contexto do transporte rodoviário de cargas, uma decisão operacional
que vem já há algum tempo chamando a atenção dos pesquisadores da área de
pesquisa operacional é o da roteirização de veículos. Laporte (2009) apresenta uma
panorâmica dos métodos de resolução desenvolvidos nesta área nos últimos 50
anos.
O Problema da Roteirização de Veículos Capacitado (Capacitated Vehicle
Routing Problem – CVRP) pode ser definido segundo Toth e Vigo (1998), como o
caso em que: todos os clientes correspondem aos pontos de entrega; as demandas
são conhecidas antecipadamente e não podem ser divididas; os veículos são
idênticos e alocados a um único depósito (que pode ser um centro de triagem ou
distribuição); as restrições de capacidade (em peso e/ou volume) são consideradas
de forma simplificada; o problema tem como objetivo minimizar o custo total, isto
é, o número de roteiros e/ou sua extensão ou tempo de viagem.
Vários desenvolvimentos apresentados na literatura buscam alinhar o CVRP
às operações reais. Apesar da sofisticação de tais modelos, uma séria limitação
26
Transporte em Transformação XVI
encontrada para implantação prática é a forma simplificada pela qual são consideradas
as características dimensionais dos itens a ser carregados nos veículos, o que pode
conduzir a soluções infactíveis na prática.
O problema da acomodação das cargas nos veículos, ou problema de
carregamento de veículos é descrito genericamente como um problema de corte e
empacotamento (Dickhoff, 1990), e vem sendo tratado na literatura no contexto do
carregamento de contêineres e de pallets. Desenvolvimentos para a resolução do
problema de carregamento de contêineres são apresentados por Bortfeld e Gehring
(2001), Eley (2002), Pisinger (2002), Bortfeld et al. (2003), Soak et al. (2008),
Egeblad et al. (2010). Já o problema do carregamento de pallets é abordado por
Pureza e Morabito (2006) e Martins e Dell (2008). Entretanto, quando este problema
é aplicado ao carregamento de veículos, deve considerar certas particularidades
como, por exemplo, a seqüência em que as entregas serão realizadas e a distribuição
correta de peso nos eixos do veículo. Assim, levar em conta as restrições de
carregamento dos itens a serem transportados em acordo com as dimensões e a
capacidade de peso dos veículos, durante a resolução do problema de roteirização
conduzirá a resultados coerentes com as operações reais.
O tratamento integrado do problema de roteirização e do problema de
carregamento de veículos é recente na literatura, sendo apresentado através de duas
classes: o 2L-CVRP (Capacitated Vehicle Routing Problem with Two-dimensional
Loading Constraints), introduzido por Iori et al. (2007); e o 3L-CVRP (Capacitated
Vehicle Routing Problem with Three-dimensional Loading Constraints), introduzido
por Gendreau et al. (2006).
No que diz respeito às estratégias de resolução, para o 2L-CVRP dominam
as abordagens aproximadas. Gendreau et al. (2008) empregam um algoritmo de
Busca Tabu, Zachariadis et al. (2009) empregam um algoritmo de incorpora os
princípios da Busca Tabu e da Busca Local Guiada, enquanto Fuellerer et al. (2009)
empregam a Otimização por Colônia de Formigas. Mais recentemente Leung et
al. (2011) propõem uma metodologia que incorpora as teorias da Busca Tabu e
da Busca Local Guiada Estendida, enquanto Duhamel et al. (2011) propõem um
algoritmo que combina o GRASP com uma Busca Local Evolutiva. Uma abordagem
exata para o 2L-CVRP é proposta por Iori et al. (2007) aplicando um algoritmo de
branch-and-bound.
As abordagens aproximadas também dominam as propostas de resolução
do 3L-CVRP. Gendreau et al. (2006) apresentam um procedimento que combina
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
27
heurísticas de carregamento com a Busca Tabu. Araújo (2006) propõe a resolução
do problema combinando o uso de um procedimento baseado em cubóides inspirado
na Busca em Vizinhança Variável para o Bin Packing Problem com a Busca Tabu.
Portal et al. (2009) utilizam um procedimento de busca local para definição do
carregamento associado a Busca Tabu para otimização das rotas. Uma versão do
problema que incorpora janelas de tempo é resolvida por Moura e Oliveira (2009)
através de uma abordagem seqüencial e de uma abordagem hierárquica que utilizam
um algoritmo de busca local, o GRASP e Simulação Monte Carlo. Fuellerer et al.
(2010) propõem o uso da Otimização por Colônia de Formigas para resolução do
problema.
Este trabalho propõe um modelo aproximado para resolução do 3L-CVRP
que combina o uso de heurística construtiva para configuração dos carregamentos
com a Busca Tabu aplicada para melhoria dos roteiros. Além das restrições de
carregamento, o modelo define soluções de mínima distância considerando restrições
de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo de jornada de trabalho.
Nos testes computacionais, realizados com um conjunto proposto de 12 instâncias,
são construídos cenários utilizando veículos leves e médios, de forma separada e
combinada. Nestes cenários é avaliada também a possibilidade de um dado veículo
ser alocado a mais de um roteiro e o custo operacional total da solução obtida.
O trabalho está organizado da seguinte forma. Na seção 2 é feita a descrição do
3L-CVRP. A seção 3 apresenta o modelo proposto neste trabalho. A seção 4 descreve
a aplicação do modelo, enquanto a seção 5 apresenta os resultados dos experimentos
computacionais. Por último, a seção 6 apresenta as conclusões do trabalho.
2. Descrição do Problema
O 3L-CVRP pode ser descrito da seguinte forma, tendo por base a notação
apresentada por Gendreau et al. (2006). Seja V = {0, 1, ..., n} um conjunto formado
por n + 1 vértices que correspondem a um depósito (vértice 0) de onde os veículos
são despachados, um grupo de clientes (vértices de 1, ..., n) destinatários das entregas
e E um conjunto de arestas eij que representam ligações entre os vértices. Com estes
elementos é definido um grafo não-orientado dado por G = (V, E). Um custo cij é
associado a cada aresta eij em G representando o comprimento de cada aresta que liga
dois vértices. Seja v o número de veículos idênticos que se encontram disponíveis
junto ao depósito de onde partirão as entregas aos clientes. Cada veículo possui
28
Transporte em Transformação XVI
uma capacidade D dada em peso e uma capacidade volumétrica do compartimento
de carga dada por S. O compartimento de carga é definido pela largura W, altura
H e comprimento L. Assim, o espaço de carga disponível é representado por S =
W.H.L. Em cada cliente i (i = 1, ..., n) deve ser entregue um conjunto Iik de mi itens
tri-dimensionais, sendo que cada item Iik (k = 1, ..., mi) possui largura wik, altura hik
e comprimento lik. O peso total dos itens de um cliente é di. O espaço ocupado no
m
compartimento de carga por um cliente i é dado por si = ∑k =i 1 wik hik lik .
A factibilidade do carregamento em cada veículo é obtida satisfazendo as
seguintes restrições (GENDREAU et al., 2006; FUELLERER et al., 2010):
• Quando carregados, os itens devem ser posicionados ortogonalmente aos
eixos que representam as dimensões W, H e L do compartimento de carga
segundo uma orientação fixa em relação à altura (em razão das regras de
empilhamento), mas podem ser rotacionados em 90º no plano w-l;
• Cada item Iik pode ser classificado como frágil ou não-frágil, sendo então
atribuído um índice de fragilidade fik (i = 1, ..., n; k = 1, ..., mi), igual a 1 se
Iik é considerado frágil ou 0 caso contrário. Nenhum item não-frágil pode
ser colocado sobre um item frágil, mas é permitido que itens frágeis possam
ser empilhados;
• Quando um item Iik é colocado sobre outros itens, é necessário avaliar a
área de suporte correspondente. O posicionamento é viável somente se a
área de suporte não é menor do que um dado percentual limite a da base do
item, isto é, A’ ≥ awiklik, onde 0 ≤ a ≤ 1 é um dado parâmetro que representa
a fração mínima de área de Iik que deve estar apoiada. Esta restrição é
sempre satisfeita quando um item é colocado diretamente sobre o piso do
compartimento de carga.
• No instante da descarga em um cliente i, todos os respectivos itens Iik
devem estar acessíveis, podendo ser movimentados livremente sem que seja
necessário manusear itens de outros clientes. Esta restrição de seqüência
LIFO (last in first out) é também denominada de carregamento seqüencial.
O 3L-CVRP consiste em determinar um conjunto de v roteiros (um por
veículo) com início e fim no depósito onde cada cliente é atendido por exatamente
um veículo, a carga alocada a um veículo não excede a sua capacidade em peso e
volume, para cada veículo existe uma configuração de carregamento ortogonal tridimensional viável de todos os itens demandados por todos os clientes, satisfazendo
orientação vertical fixa, fragilidade, área mínima de suporte e seqüência LIFO e o
custo de trajeto ao longo do roteiro é mínimo.
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
29
3. Proposta de um Modelo para a Resolução do 3L-CVRP
O modelo de resolução do problema de roteirização e carregamento de
veículos proposto neste trabalho está diretamente relacionado com as atividades
cotidianas das empresas de transporte rodoviário de cargas que operam o sistema
de distribuição via centro de triagem e dos prestadores de serviços logísticos que
efetuam entregas a partir de centros de distribuição. Maiores detalhes sobre este
modelo são encontrados em Araújo (2010).
Aspectos que trazem complexidade adicional para este trabalho de
planejamento advém do uso de veículos com diferentes capacidades, do tempo de
ciclo que pode ser definido para cada tripulação conforme a jornada de trabalho
estabelecida, do aproveitamento de veículos em mais de uma rota e de metas
relacionadas ao custo operacional do transporte. O modelo proposto apresenta as
seguintes características:
• Determina roteiros de percurso mínimo com início e fim no centro de
triagem ou distribuição;
• É caracterizado como um CVRP com restrições de carregamento
tridimensional (3L-CVRP) que considera restrições de distribuição de peso
nos eixos do veículo e de tempo máximo para jornada de trabalho;
• Constrói roteiros e carregamentos de forma simultânea;
• Determina somente soluções iniciais factíveis em termos de carregamento
tridimensional e tempo máximo de ciclo;
• As demandas são conhecidas antecipadamente (determinísticas);
• Não é estipulado um número máximo de veículos para solução inicial, uma
vez que na prática veículos extras podem ser agregados quando necessário;
• Constrói rotas para veículos idênticos e também analisa a possibilidade de
inserção de veículo de maior ou menor capacidade;
• Lida com itens tridimensionais que apresentam restrições de fragilidade,
área mínima de suporte e carregamento seqüencial;
• Os clientes podem receber mais de um tipo de item e vários itens de um
mesmo tipo;
• Se houver possibilidade, um veículo é alocado a mais de uma rota por dia;
• Calcula o custo operacional relativo a cada roteiro após a determinar a
solução inicial e após executar a fase de melhoria.
30
Transporte em Transformação XVI
3.1 Apresentação e descrição do modelo
O modelo proposto é composto por duas etapas. Na primeira delas, os roteiros
e a acomodação dos itens no compartimento de carga são definidos simultaneamente,
respeitando as restrições de carregamento tridimensionais (fragilidade, área mínima
de apoio e carregamento seqüencial) e do tempo máximo de jornada de trabalho. É
definida assim a frota máxima de veículos que deverá ser empregada. Conhecidos
os roteiros que formam a solução inicial e os seus respectivos tempos de percurso,
é analisada a possibilidade de alocar mais de um roteiro a um dado veículo. Ao
final desta etapa é calculado um valor inicial para o custo operacional total do
transporte. Na segunda etapa busca-se uma melhoria da solução inicial através
da aplicação de um algoritmo de Busca Tabu sobre os roteiros definidos na etapa
anterior. Esta melhoria visa reduzir ainda mais a distância percorrida nos roteiros.
As iterações realizadas nesta etapa consideram infactibilidades nas restrições
citadas acima (exceto para aquelas de carregamento tridimensional), possibilitando
uma exploração mais ampla do espaço de busca. Nesta etapa busca-se também
factibilizar a distribuição de peso nos eixos. Uma vez atingido o critério de parada
é escolhida a solução com melhor valor para a função objetivo e na qual todas
as restrições são factibilizadas. Ao final desta etapa, é re-avaliada a possibilidade
de alocar mais de um roteiro a um veículo, sendo calculado novamente o custo
operacional total da solução.
3.2 Representação do carregamento
Os problemas de carregamento que consideram o arranjo de itens
tridimensionais requerem que seja adotada uma forma eficiente de representação
em termos computacionais, pois existe a necessidade de um número significativo de
iterações em que o procedimento de carregamento invoca a inserção e movimentação
de itens. Tendo em vista esta necessidade foi adotada, a exemplo de Portal et al.
(2009), como forma de representação do carregamento a matriz dinâmica proposta
por Ngoi et al. (1994), na qual pode ser feita a representação do compartimento
de carga em duas dimensões usando o menor número possível de células em cada
dimensão da matriz. Cada item é representado pelas células ocupadas, sendo que
no início uma célula representa todo o espaço livre no compartimento de carga. Na
medida em que novos itens são inseridos, as células da matriz, vão sendo subdivididas
de acordo com a necessidade. A matriz bidimensional gerada armazena ainda, para
cada uma de suas células, a altura correspondente.
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
31
3.3 Heurística de carregamento
O desenvolvimento de um procedimento específico para construção de
carregamentos tridimensionais requer que sejam consideradas as características
físicas dos itens (dimensões, pesos, fragilidade), bem como a diversidade e as
quantidades solicitadas pelos clientes. Desta forma, estarão sendo representadas
adequadamente as características reais dos carregamentos. A heurística de
carregamento foi desenvolvida de modo a lidar com situações onde os itens são de
tamanho real e representam a diversidade de dimensões; existe repetição de itens
destinados a um único cliente; a organização dos itens destinados a um cliente no
compartimento de carga é feita de modo a facilitar o manuseio e a conferência
durante a descarga. Para atender esta necessidade possibilita-se a construção de
agrupamentos de itens na forma cubos, pilhas e grupos de pilhas.
Na heurística de carregamento o compartimento de carga é representado
como um espaço cartesiano x-y-z que correspondem respectivamente as dimensões
W-H-L. São descritos a seguir os dois procedimentos que formam a heurística de
carregamento que são o agrupamento de itens e a construção do carregamento.
3.3.1 Procedimento para o agrupamento dos itens
Este procedimento é acionado sempre que a carga destinada a um cliente que
está sendo inserido em um roteiro for composta por um conjunto de itens idênticos.
Como resultado tem-se agrupamentos de itens, organizados na forma de cubos,
pilhas ou grupos de pilhas com largura de até 1,2 metros.
Eley (2002) emprega a estratégia de agrupamento de itens idênticos na
resolução de Problema do Carregamento de Contêineres. Além de providenciar uma
melhor organização dos itens no compartimento de carga o agrupamento auxilia a
reduzir o tempo de processamento do procedimento de construção do carregamento,
já que vários itens passam a ser tratados como um único. No procedimento adotado,
uma primeira análise é feita sobre a possibilidade dos itens formarem um cubo com
largura que não ultrapasse a largura do compartimento de carga. Se não for possível
a formação de cubos é avaliada a formação de pilhas. Em ambas as situações a altura
resultante é comparada com a altura interna do compartimento de carga. À medida
que os agrupamentos são formados, passam na seqüência a serem organizados no
compartimento de carga pelo procedimento de construção do carregamento.
32
Transporte em Transformação XVI
3.3.2 Procedimento para construção do carregamento
Para obter uma solução inicial para o carregamento foi empregado um
procedimento que segue em linhas gerais a heurística construtiva utilizada
inicialmente por Gendreau et al. (2006) (denominada BL3L-SV) e posteriormente por
Portal et al. (2009) e Fuellerer et al. (2010). Entretanto, algumas mudanças foram
introduzidas nesta heurística, especialmente na etapa de melhoria, objetivando
adaptá-la a situação em que são permitidos somente carregamentos factíveis (a
exceção da distribuição de peso nos eixos).
Neste procedimento busca-se ocupar primeiramente o fundo do veículo e
no sentido da esquerda para a direita e que tenha pelo menos dois apoios laterais
disponíveis. Em caso de empate, considera-se o menor valor na largura e se ocorrer
um segundo empate, o menor valor na altura. Quando um item é chamado da lista,
a primeira posição a ser testada considera sua maior dimensão colocada paralela
a dimensão do compartimento de carga. Se não for possível realizar esta inserção
no espaço disponível é feita então a rotação de 90° em torno do eixo y. Na medida
em que o carregamento é construído são verificadas as restrições de fragilidade,
área mínima de apoio e carregamento seqüencial. Se, após uma primeira rodada,
não existir ponto para inserção do item que respeite as restrições de carregamento
e de dois apoios laterais disponíveis, a lista de pontos é verificada novamente sem
verificação das laterais de apoios.
Depois que os itens de um cliente da rota que está sendo construída são
acomodados no veículo é executado pela primeira vez o procedimento de melhoria
do carregamento. Este procedimento consiste em uma heurística do tipo primeira
melhoria no qual é feita a troca da ordem em que os itens são inseridos conforme a
leitura na lista. As trocas são realizadas duas a duas gerando novas soluções até que
todos os itens sejam trocados. Este procedimento é repetido até que nenhuma das
novas soluções geradas seja melhor do que a melhor solução.
3.4 Busca Tabu aplicada na melhoria dos roteiros
Para gerar uma solução inicial foi empregada a versão paralela do método
das economias de Clarke e Wright (1964) na qual roteiros são construídos de
forma simultânea a partir da leitura de uma lista de economias si,j em ordem
decrescente dos valores. A solução inicial define uma primeira seqüência de visita
aos clientes conforme os critérios do CVRP, sem exceder o peso, o comprimento do
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
33
compartimento de carga, respeitando as restrições de carregamento tridimensionais
e de jornada máxima de trabalho. O número de veículos (que corresponde ao número
de rotas) é definido nesta etapa, sendo que este valor não poderá ser ultrapassado
na fase seguinte de melhoria. Uma modificação pré-melhoria é executada sobre os
roteiros resultantes da solução inicial. Este procedimento é idêntico ao movimento
intra-rota que será detalhado posteriormente.
O processo de melhoria da solução inicial foi realizado com a aplicação da
Busca Tabu, uma metaheurística que, desde sua introdução por Glover (1986),
vem sendo largamente empregada na resolução de problemas combinatoriais. Em
primeiro lugar é feita a inicialização da Busca Tabu tornando a solução inicial (e
a possível pré-melhoria) como solução corrente. Neste estágio a melhor solução
encontrada, até o momento, assume o valor da solução corrente. É inicializado
também o contador de tempo, uma vez que o critério de parada é um tempo limite
de processamento. A aplicação da Busca Tabu requer inicialmente a definição de um
espaço de busca e de uma estrutura de vizinhança. No modelo proposto o espaço
de busca foi definido como o conjunto de rotas que satisfaz a todas as restrições,
mas ele pode ser explorado considerando também as infactíveis a fim de favorecer
a diversificação. Já a vizinhança é explorada através de dois tipos de movimento:
inserção inter-rotas e trocas intra-rota respectivamente.
Na inserção inter-rotas para cada rota j toma-se cada um dos i clientes na
seqüência em que aparecem e insere-se cada um destes no final de cada uma das k
outras rotas. O cliente enviado é inserido na rota k e testado em todas as posições
adjacentes aos n/2 pares de melhores economias da rota (sendo n o tamanho da rota
para onde foi enviado), o que já constitui um movimento intra-rota. O movimento
intra-rota inicia quando um cliente é removido da rota j para a rota k (seguindo a
lógica da inserção inter-rotas). Na rota original (j) procura-se trocar cada um dos
clientes de posição, avaliando a distância final resultante.
Neste tipo de movimento, caso tenha sido encontrada uma ordenação de menor
distância que a inicial, é realizado o procedimento de avaliação do carregamento no
veículo desta rota. Esta avaliação contempla também a verificação da factibilidade da
distribuição de peso nos eixos do veículo (peso máximo por eixo). Tal distribuição é
calculada para cada item considerando a concentração do peso em seu ponto central.
O peso de cada item incidente no eixo traseiro é calculado através da Equação 1,
derivada de Valente et al. (1997):
34
Transporte em Transformação XVI
Cat = (Ddi x Pi)/Dee
(1)
onde:
Cat é o peso de cada item incidente no eixo traseiro;
Ddi é a distância entre o eixo dianteiro e o ponto central do item mi;
Pi é o peso do item mi;
Dee é a distância entre eixos.
Ao final é feito o somatório dos valores de Cat calculados para todos os itens.
O valor obtido é então comparado com o limite de carga conforme a especificação
técnica do veículo. A carga sobre o eixo dianteiro será a diferença entre a carga total
e a carga incidente no eixo traseiro.
Caso a avaliação da nova solução pela função-objetivo tenha sido melhor
que a inicial então esta nova solução da rota é retornada. Do contrário retorna uma
resposta informando que há uma melhor solução possível da rota inicial.
Uma segunda etapa é executada no movimento intra-rota se e apenas se
o valor da solução que a etapa anterior encontrou não foi melhor que a inicial
(probabilidade de uma ordenação diferente com distância menor gerar excessos
no carregamento) e houve uma ordenação encontrada com menor distância. É
efetuada a troca de posição dos clientes na rota dois a dois por proximidade (clientes
adjacentes) avaliando a solução gerada. Para todas as trocas realizadas dois a dois
verifica-se qual foi a melhor e se houve melhoria em relação à solução inicial.
Caso contrário retorna a solução inicialmente enviada. Se uma melhoria (menor
distância) é encontrada na troca do cliente que está sendo avaliado atualmente,
então essa nova ordenação será escolhida como a melhor, e o procedimento é
reiniciado. Quando não houver melhoria para a troca de posições realizada com
todos os clientes, então o procedimento é encerrado. A inserção inter-rotas e as
trocas intra-rotas são realizadas até que não ocorram mais melhorias na melhor
solução. O número de veículos nesta etapa não pode ultrapassar o valor definido
na solução inicial. Uma solução R gerada por um movimento é avaliada através da
seguinte função-objetivo:
f(R) = DT + α . Ept + β . Ec + δ1 . Eed + δ­2 . Eet + π . Etc + γ f(i, j)
onde:
DT : representa a distância total do roteiro definido na solução;
(2)
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
35
α : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso total e
seu valor é igual a 20ē/D onde ē representa o custo médio de uma aresta e D
o peso máximo permitido para um veículo;
Ept : representa o excesso de peso total;
β : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de comprimento
da carga e seu valor 20ē/L onde ē representa o custo médio de uma aresta e L
o comprimento máximo do compartimento de carga;
Ec: representa o excesso de comprimento da carga em relação ao comprimento
do compartimento de carga;
δ1: representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso no eixo
dianteiro e seu valor é igual a 20ē/P1 onde ē representa o custo médio de uma
aresta e P1 o peso máximo permitido no eixo dianteiro;
Eed : representa o excesso de peso no eixo dianteiro;
δ­2 : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de peso no
eixo traseiro e seu valor é igual a 20ē/P2 onde ē representa o custo médio de
uma aresta e P2 o peso máximo permitido no eixo traseiro;
Eet : representa o excesso de peso no eixo traseiro;
π : representa uma penalidade aplicada sobre a infactibilidade de tempo de
ciclo e seu valor é igual a 20ē/Tc onde ē representa o custo médio de uma
aresta e Tc o tempo máximo de ciclo;
Etc : representa o excesso no tempo de ciclo;
γ : representa um parâmetro de diversificação dado por 2n × v onde n é
o número de clientes da instância e v é o número de rotas (que provém da
solução inicial);
f(i, j) : a razão entre o número de vezes que um movimento designa o cliente
i para o veículo j e o número de movimentos aceitos.
Na Equação 2 foram adotados valores dinâmicos para α e β. Já os coeficientes
δ1, δ­2 e π são mantidos estáticos, o que produz melhores resultados conforme
avaliado previamente em testes.
A diversificação da busca é promovida pelo terceiro termo da expressão sendo
γ = 2n × v (melhor valor demonstrado pelos experimentos computacionais) e f(i,
j) a razão entre o número de vezes que um movimento designa o cliente i para o
veículo j e o número de movimentos aceitos, estabelecido da mesma forma que em
Gendreau et al. (2006).
36
Transporte em Transformação XVI
Para restrição de vizinhança, foi adotado aqui um valor de p = min [n/4; 20].
A vizinhança de um ponto é estabelecida como os pares econômicos (si,j) que contém
o ponto em consideração, ordenados conforme valores decrescentes das respectivas
economias. Esta lista é percorrida até o valor p definido anteriormente. A Lista Tabu
armazena o inverso de todos os movimentos feitos nas últimas iterações: se o cliente
i passa da rota j para a rota k nas próximas iterações, é proibido mover o cliente
i da rota k de volta para a rota j. O tabu tenure, que indica o número de iterações
durante as quais um movimento deve permanecer com o status de tabu, foi definido
experimentalmente como o mínimo valor entre n/2 e 15.
Como critério de aspiração considera-se que um movimento tabu é permitido
se este resulta em um valor melhor para a função-objetivo do que aquele encontrado
para a melhor solução. Foi adotado também um critério de intensificação duplicando
o valor de p nas 3 iterações seguintes quando a solução corrente melhora a melhor
solução.
4. Aplicação do Modelo
4.1 Construção de instâncias para simulação de um caso real
Para a aplicação do modelo proposto foram criadas instâncias que procuram
simular as operações de entrega de produtos a partir de centros de triagem ou
distribuição. A definição dos dados e parâmetros necessários para construção das
instâncias concentrou-se em quatro aspectos principais: a configuração da rede de
atendimento que representa o centro de triagem e os clientes; as cargas, formadas
por caixas na forma de paralelepípedo com os respectivos pesos, dimensões e
características de fragilidade; os veículos, com suas especificações técnicas; e a
restrição de tempo as quais o problema está submetido.
A rede de atendimento foi construída considerando o local para o centro de
triagem (porto seco) e 300 pontos de entrega que correspondem aproximadamente
ao número de clientes de uma empresa transportadora ou de um prestador de
serviços logísticos de médio-grande porte. Foram coletadas as medidas reais de
comprimento, largura e altura, além do peso, de uma série de caixas reais e as
distâncias dos pontos ao centro de triagem e entre os pontos.
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
37
Foram considerados dois tipos de veículos: leve com Peso Bruto Total –
PBT de 7850kg (custo fixo diário por veículo de R$339,10 e variável de R$ 0,58/
km) e médio com PBT de 13000kg (custo fixo diário por veículo de R$361,47 e
variável de R$ 0,76/km). Ambos os modelos são equipados com carroceria fechada
(compartimento de carga) do tipo furgão com acesso pelas portas traseiras, que é a
mais utilizada nas operações de coleta e entrega urbana.
Para definição do tempo de deslocamento (td) entre dois pontos é considerada
a distância e a velocidade média de percurso (vm), estipulada em 40km/h. O tempo de
parada leva em consideração a soma do tempo de espera, estipulado em 0,25 horas
e, o tempo de descarga que depende da quantidade de itens manuseados e de sua
respectiva classificação conforme o volume unitário: (a) tipo 1 (volume ≤ 0,2m3),
30 segundos; (b) tipo 2 (volume > 0,2m3), 40 segundos. Já o tempo de jornada de
trabalho foi estimado em 8,5 horas. Como o modelo avalia também a possibilidade
de um veículo realizar mais de um roteiro em uma jornada de trabalho, um tempo
adicional foi estipulado em uma hora, resultando então em uma jornada de trabalho
de 9,5 horas.
4.2 Instâncias propostas
O modelo foi testado em um conjunto de 12 instâncias, configuradas de
modo que a complexidade, expressa pelo número de clientes e número de itens,
fosse incrementada de forma seqüencial. A Figura 1 apresenta as características das
instâncias em termos de número de clientes, número total de itens, volume total dos
itens e peso total dos itens.
5. Experimentos Computacionais
Os testes computacionais foram realizados em um Intel Core 2 Duo 6300,
com 1,86 GHz e 2 Gb de RAM.
5.1 Validação do modelo proposto
A validação do modelo proposto foi feita com as 27 instâncias propostas
por Gendreau et al. (2006), disponíveis em http://www.or.deis.unibo.it/research.
html. Estas instâncias consideram somente itens de grande tamanho, não havendo
38
Transporte em Transformação XVI
repetição de um mesmo tipo para um mesmo cliente (itens iguais). Além disso,
o peso de cada item não é conhecido, mas somente o peso total da carga de cada
certo cliente e as demandas dos clientes variam de 1 a 3 itens. Considerando a
natureza determinística da Busca Tabu, foram adotados os mesmos tempos de
processamento utilizados por Gendreau et al. (2006). Divididas em três grupos,
foram estabelecidos tempos limites de processamento para as instâncias de 1800
segundos (para as instâncias de 1 a 9), de 3600 segundos (para as instâncias de 10
a 18) e de 7200 segundos (para as instâncias de 19 a 27).
Tabela 1: Características das instâncias
Instância
N° de clientes
N° de itens
Volume total (m3)
Peso total (kg)
Instância 1
10
400
46,221
4.882,2
Instância 2
20
587
52,092
6.167,1
Instância 3
30
571
83,199
7.511,1
Instância 4
40
570
90,039
10.341,0
Instância 5
50
808
114,824
13.779,5
Instância 6
60
1.344
117,380
15.228,9
Instância 7
70
1.650
156,425
20.021,1
Instância 8
80
1.653
172,607
20.957,5
Instância 9
90
1.996
183,768
22.965,0
Instância 10
100
1.981
226,047
27.527,1
Instância 11
110
2.182
238,339
28.495,9
Instância 12
120
2.688
245,999
31.008,3
Na aplicação do modelo proposto a avaliação de uma dada solução foi feita
através da Equação 2 sem considerar as parcelas de distribuição de peso nos eixos
dianteiro e traseiro, bem como de tempo de ciclo. Os resultados do teste indicam
um bom desempenho do modelo proposto quando aplicado a este conjunto de 27
instâncias, uma vez que em 21 delas atingiu melhores valores finais. Também em
21 instâncias apresenta um tempo de processamento sensivelmente inferior para
determinação da melhor solução. Apesar do modelo proposto não considerar
limitação no número de veículos, em 17 instâncias foi capaz de utilizar um número
menor destes. Demonstra-se assim o bom desempenho do modelo proposto para
tratar o 3L-CVRP.
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
39
5.2 Aplicação do modelo em instâncias que simulam um caso real
O tempo de processamento adotado foi de 2 horas para as instâncias (Figura 1)
1, 2 e 3 e de 3 horas para as demais. Adotaram-se estes valores por serem aceitáveis
na prática e possibilitarem um adequado número de iterações. Para as 12 instâncias
propostas foram construídos 4 cenários. O primeiro que emprega somente veículos
leves; o segundo que emprega veículos leves, mas com possibilidade de inserção
de veículos médios; o terceiro que emprega somente veículos médios e finalmente
o quarto que emprega veículos médios, mas com possibilidade de inserção de
veículos leves.
No primeiro cenário houve redução do número de roteiros em relação à
solução inicial somente em 3 instâncias (1, 4 e 10). Este fato pode estar relacionado
com as dimensões reduzidas do compartimento de carga do veículo leve que limitam
de certa forma as opções de acomodação da carga na solução inicial. À medida
que novas soluções são exploradas na Busca Tabu aumenta a probabilidade de
encontrar uma melhor configuração dos roteiros e dos respectivos carregamentos.
Com exceção da instância 3, houve melhora no valor da função-objetivo com a
aplicação da Busca Tabu.
Já para o segundo cenário observou-se na instância 1 redução no número
de roteiros entre a solução inicial e a melhor solução factível da Busca Tabu.
Em todas as instâncias a Busca Tabu propicia uma melhoria no valor da funçãoobjetivo quando comparado ao valor da solução inicial. Chama a atenção neste
cenário o aumento no tempo de processamento requerido para obtenção da melhor
solução quando comparado ao primeiro cenário. Isto se deve a maior capacidade
do veículo médio que é inserido e por conseqüência, ao aumento número de opções
de carregamento a serem avaliadas em cada movimento. Em nove instâncias houve
inserção do veículo médio.
No caso do terceiro cenário não houve redução no número de roteiros da solução
inicial para a melhor solução factível definida na Busca Tabu. Este fato pode ser
explicado pelas maiores dimensões do compartimento de carga do veículo médio, o que
facilita o processo de acomodação dos itens na solução inicial. Neste caso, o aumento
da capacidade de carga, apesar de possibilitar uma melhor ocupação do espaço, torna
muito grande o número de opções a serem avaliadas, o que pode comprometer o
desempenho em termos de tempo de processamento e, por conseqüência, o número
total de movimentos que podem ser efetuados durante a Busca Tabu.
40
Transporte em Transformação XVI
No quarto cenário não ocorreu redução do número de roteiros após a Busca
Tabu. Houve melhora no valor da função-objetivo e inserção de veículo leve em 8
instâncias com a aplicação da Busca Tabu.
A análise das variações percentuais dos valores do custo inicial e final mostra
que somente no caso de duas instâncias (instâncias 1 e 6 quando são comparados
o primeiro e o terceiro cenário) é que ocorre uma efetiva redução de custo. Nos
demais casos da comparação feita entre o primeiro cenário e o segundo (a exceção
das instâncias 2, 8, 9 e 12 onde o custo ficou inalterado) e entre o primeiro e o
terceiro cenário notou-se que há um aumento dos custos. Isto pode ser explicado
pelo fato de que a redução da distância percorrida é muito pequena e não consegue
compensar o custo de um veículo médio (que é maior tanto na parcela fixa quanto
na variável). Já na comparação do terceiro e quarto cenário há um aumento porque
não é possível a alocação mais de um roteiro ao veículo leve, pois este não pode
receber a carga que seria transportada por um veículo médio devido a sua menor
capacidade.
6. Conclusões
Este artigo propôs a resolução do 3L-CVRP através de abordagem
aproximativa que combina uma heurística construtiva para acomodação dos itens
no compartimento de carga de veículos e a Busca Tabu para melhoria dos roteiros.
Além das restrições de carregamento tridimensionais foram consideradas restrições
de distribuição de peso nos eixos do veículo e tempo máximo para jornada de
trabalho da tripulação. O modelo considera ainda o uso de veículos de diferentes
capacidades de forma separada ou combinada em uma mesma rota, a alocação de
mais de uma rota a um mesmo veículo e o cálculo do custo operacional total da
solução.
A validação do modelo foi realizada com um conjunto de 27 instâncias
da literatura, que mostrou o potencial do modelo em atingir ótimos resultados
quando comparados com aqueles encontrados na literatura. O modelo foi testado
num conjunto de 12 instâncias com dados que buscam simular da forma mais
fiel as operações reais. Os testes computacionais realizados com este conjunto
de instâncias demonstram a efetividade do modelo em atingir boas soluções em
tempos de processamento aceitáveis em problemas nos quais o número de variáveis
que devem ser analisadas é grande.
Uma Abordagem de Resolução Integrada
para os Problemas de Roteirização e Carregamento de Veículos
41
Para futuros desenvolvimentos podem ser agregados outros elementos à
estratégia de resolução, especialmente no processo de busca no espaço de soluções
que gerem uma maior diversificação das opções. Sugere-se para isso as estratégias
híbridas da Busca Tabu. Além disso, o uso de metaheurísticas baseadas em busca
global poderia ser testado.
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Rafael Roco de Araújo ([email protected])
Faculdade de Engenharia – FENG
Pontifícia Universidade Católica do RS
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 30
Bairro Partenon – Porto Alegre, RS
CEP 90619-900
Um Estudo de Diferentes Métodos
de Busca e a Metaheurística
VNS para Otimizar a Escala de
Motoristas de Ônibus Urbano
2
Allexandre Fortes da Silva Reis
Departamento de Engenharia de Produção
Universidade Federal de Ouro Preto
Gustavo Peixoto Silva
Departamento de Computação
Universidade Federal de Ouro Preto
Resumo
Este trabalho explora diferentes métodos de busca associados à metaheurística
Variable Neighborhood Search-VNS para resolver o Problema de Programação de
Tripulações do Sistema de Transporte Público. Inicialmente a metaheurística VNS
foi implementada utilizando o método clássico de busca Variable Neighborhood
Descent-VND. Posteriormente foi utilizada a técnica Very Large-scale Neighborhood
Search-VLNS como procedimento de busca. Esta técnica realiza uma busca em um
espaço maior do que as buscas clássicas, permitindo a realocação de tarefas em
uma série de diferentes tripulações. Consequentemente, suas soluções ótimas locais
devem ser melhores do que aquelas obtidas pelo método clássico. As duas versões
do VNS foram aplicadas a um conjunto de problemas de uma empresa que opera
em Belo Horizonte, produzindo resultados melhores do que a solução adotada pela
empresa. Os resultados mostram também que as soluções obtidas pelo método
46
Transporte em Transformação XVI
VNS-VLNS são mais econômicas e apresentam características mais apropriadas à
operação do que aquelas obtidas pelo método clássico.
Abstract
This paper explores different methods associated with Metaheuristic Variable
Neighborhood Search-VNS to solve the Crew Scheduling Problem from Public
Transportation Systems. Initially, the VNS was implemented using the classical
Variable Neighborhood Descent-VND. Further, we used the Very Large-Scale
Neighborhood Search-VLNS technique as local search procedure. This technique
is able to search for better solutions in a larger space than the classic search,
allowing tasks reallocation in a sequence of different crews. Consequently, local
optimal solutions must be better than those obtained by classical search methods.
Both versions of VNS have been applied to a set of problems from a company that
operates in Belo Horizonte, producing better results than the solution adopted by
the company. The results also show that the solutions obtained by the VNS-VLNS
are more economical and present characteristics more appropriate to the operation
than those obtained by the classical method.
1. Introdução
Atualmente as empresas de todos os setores da economia buscam usar ao
máximo as inovações tecnológicas para melhorar o desempenho de seus processos.
Mas as empresas do sistema de transporte público brasileiro fazem pouco uso de
softwares e modelos de otimização para alocar os seus equipamentos e a mão de
obra necessária para a sua operação, isto é, os veículos e as tripulações (motoristas
e cobradores). Isso se deve porque o uso de modelos de otimização requer: o
levantamento de dados precisos; o cumprimento das regras especificadas; a
flexibilização da operação do sistema, entre outras práticas ainda pouco difundidas
no setor. Por outro lado, em sistemas mais exigentes, como no sistema de transporte
aéreo, o uso de modelos de otimização para montar as escalas de suas tripulações,
é uma prática quase obrigatória. Além de possibilitar a geração de escalas viáveis,
os modelos conseguem reduzir os custos com esta mão de obra, que no caso do
transporte aéreo, são muito elevados. Dessa forma, o estudo e a implementação de
métodos eficientes para a resolução do problema de programação de tripulações
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
47
do sistema de transporte público, assim como a sua difusão no meio, são tarefas
importantes não somente para reduzir os custos operacionais, mas também para
disseminar a utilização de sistemas de apoio à decisão pela alta gerência das
empresas que atuam neste setor.
O Problema da Programação das Tripulações (PPT) consiste em determinar
o número mínimo de tripulações de forma a cobrir totalmente a programação de
veículos realizada previamente. A solução deste problema envolve o sequenciamento
das atividades dos motoristas, gerando um conjunto de jornadas de trabalho. As
jornadas devem satisfazer diversas restrições devido às leis trabalhistas, acordos
sindicais e ainda as regras operacionais das empresas. Desta forma, o problema se
torna NP-hard, para o qual não existe algoritmo polinomial que obtenha a solução
ótima (Fischetti et al. 1987).
A abordagem clássica para tratar esse problema formula-o como um problema
de programação linear inteira de recobrimento ou particionamento (set covering ou
set partitioning model). Para resolver o problema é utiliza a estratégia de geração
de colunas (Smith e Wren 1988, Desrochers e Soumis 1989, Fores et al. 1999,
Barnhart et al 1998). Entretanto, modelos exatos são limitados quando aplicados
a problemas de grande porte. Desta forma, torna-se fundamental a utilização de
métodos heurísticos para resolver problemas práticos, os quais são normalmente de
grande porte.
Um grupo precursor nesta área, denominado Scheduling and Constraint
Management Group da Universidade de Leeds, realizou uma série de implementações
heurísticas utilizando Algoritmos Genéticos (Kwan et al, 1999; Li e Kwan, 2003),
Busca Tabu (Shen e Kwan, 2001), Colônia de Formigas (Forsyth e Wren, 1997)
entre outras. Os modelos desenvolvidos por este grupo são largamente utilizados
no Reino Unido tanto para realizar a programação das tripulações quanto da frota
em operação (Wren, 2004).
Embora o Problema de Programação da Tripulação tenha sido largamente
estudado e aplicado nos países mais desenvolvidos, suas técnicas de resolução são
pouco difundidas e raramente aplicadas à realidade brasileira. Isso se deve, em
parte, pela falta de dados e organização necessária, por parte das empresas do setor,
como também pela carência de modelos que representem a realidade operacional
brasileira.
48
Transporte em Transformação XVI
Dentre os estudos voltados para a resolução do PPT na realidade brasileira,
podemos destacar aqueles desenvolvidos por um dos autores deste trabalho, que
utilizam as metaheuríticas Simulated Annealing, Busca Tabu, GRASP e VNS (Silva
et al. 2002; Soares et al. 2006, Souza et al. 2004). Estas implementações foram
testadas com dados de empresas que atuam no sistema brasileiro de transporte
público e os resultados mostram que existem grandes possibilidades de redução dos
custos em relação às soluções adotadas pelas empresas. Entretanto novas regras
para o problema e modernas técnicas de busca surgiram nos últimos anos, e que
podem ser utilizadas na resolução do problema. Desta forma, este trabalho explora
a utilização de uma técnica recente de busca local baseada na representação em
grafos e no uso de algoritmos de fluxo em redes para realizar buscas mais complexas
do que aquelas inerentes aos procedimentos clássicos de busca local.
A técnica de busca denominada Very Large-scale Neighborhood Search VLNS (Ahuja, 2000) foi empregada para resolver o PPT por Silva e Cunha (2010).
O modelo desenvolvido utiliza a técnica VLNS como o procedimento de busca
da metaheurística GRASP. Neste trabalho foi observado que o resultado de uma
busca do tipo VLNS é fortemente dependente da solução inicial. Sendo assim,
foi proposto adotar heurísticas construtivas que realizam perturbações periódicas
na solução corrente através de movimentos diversos. Nesta classe destaca-se a
heurística Variable Neighborhood Search (VNS), que consiste em explorar o espaço
de soluções através de trocas sistemáticas de estruturas de vizinhança.
Assim, este trabalho tem como objetivo resolver o Problema de Programação
da Tripulação utilizando a metaheurística VNS, combinada com a técnica de busca
VLNS. Para verificar a eficiência da combinação proposta, a metaheurística VNS
também foi implementada em sua versão clássica, que usa o método Variable
Neighborhood Descent (VND) tendo como procedimento de busca local subjacente
o método da Primeira Solução de Melhora (First Improvement Method). As duas
versões da metaheurística foram testadas com dados de uma empresa nacional
que opera em um sistema de transporte público, e os diferentes resultados foram
comparados permitindo uma avaliação quantitativa e qualitativa das soluções.
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
49
2. O Problema de Programação das Tripulações
Programar a realização de algum evento é uma atividade que se torna
gradualmente mais difícil com o aumento da quantidade de itens a serem programados
e também com o aumento das restrições do problema. Não diferente, a programação
das tripulações do transporte urbano torna-se um problema cada vez mais difícil
de resolver, devido às restrições trabalhistas e operacionais envolvidas. Assim,
uma programação eficiente equivale à diminuição dos custos para a empresa, ao
aumento da produtividade e à satisfação dos funcionários e dos usuários do sistema.
A escala da tripulação é criada a partir de uma programação previamente
definida para os veículos. Sendo assim, a programação dos veículos, as regras
operacionais e a legislação trabalhista são os dados de entrada do problema. A
maior parcela dos seus custos é composta pela remuneração das tripulações, dessa
forma, definir uma programação de tripulantes com custo mínimo leva a uma grande
economia para a empresa.
A programação de uma tripulação é formada por um conjunto de tarefas e
denominada de jornada, ou jornada diária da tripulação. Uma tarefa é um conjunto
de viagens de um mesmo veículo que deve, necessariamente, ser realizado por uma
mesma tripulação. O conjunto de todas as jornadas constitui numa escala para as
tripulações, também dita programação das tripulações. As jornadas são divididas
em dois tipos: Pegada Simples (PS) ou Dupla Pegada (DP). Na PS as tarefas são
realizadas de uma única vez e os intervalos de tempo entre as tarefas são inferiores
a duas horas. Caso ocorra um intervalo maior do que duas horas, a jornada é
classificada como DP. Este tipo de jornada está associado aos picos de demanda
por viagens existentes nos dias úteis e o intervalo maior do que duas horas não é
remunerado.
Para agrupar tarefas e formar uma jornada, inúmeras restrições operacionais e
normas trabalhistas devem ser levadas em conta. Neste caso foram consideradas as
seguintes restrições: i) as jornadas têm uma remuneração por 6 horas e 40 minutos de
trabalho; ii) as jornadas do tipo PS devem ter uma pausa de pelo menos 20 minutos
para descanso e refeição; iii) as jornadas não podem conter mais do que duas horasextras de trabalho; iv) o intervalo de tempo entre o final de uma jornada e o seu
início no dia seguinte deve ser de pelo menos 11 horas; v) a troca de tripulações,
durante a operação, só pode ocorrer em pontos e horas pré-determinados.
50
Transporte em Transformação XVI
O modelo heurístico implementado neste trabalho procura minimizar os custos
fixos e variáveis da escala, satisfazendo todas as restrições mencionadas acima. Os
custos fixos são representados pelo número de jornadas e os custos variáveis são
computados em função do total de horas extras encontrado na escala.
3. Método de Resolução do Problema
Para resolver o problema, foram implementadas duas versões da metaheurística
VNS, proposto por Mladenović e Hansen (1997): o VNS Clássico, que utiliza como
busca local a técnica Variable Neighborhood Descent – VND, e o VNS-VLNS,
que utiliza a técnica Very Large-scale Neighborhood Search como procedimento de
busca local. As duas versões da metaheurística foram testadas resolvendo problemas
de grande porte da realidade brasileira.
3.1 A Metaheurística VNS
A metaheurística VNS parte de uma solução inicial factível e de um conjunto
de diferentes estruturas de vizinhança para realizar buscas locais. A partir da
solução inicial, o procedimento gera um vizinho qualquer segundo uma estrutura
de vizinhança e realiza uma busca local a partir deste vizinho. Se a busca local
gerar uma solução melhor do que a solução corrente, esta é atualizada e o processo
se repete a partir da primeira estrutura de vizinhança. Caso contrário, um novo
vizinho é gerado considerando a próxima estrutura de vizinhança e a busca local é
aplicada neste vizinho. Este processo se repete até que a condição de parada seja
satisfeita. A melhor solução encontra neste processo é retornada pelo procedimento.
O Algoritmo 1 sintetiza a metaheurística VNS.
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
51
Algoritmo 1: Pseudo-código da Metaheurística VNS
Procedimento VNS (solução s)
Início:
1. Seja um conjunto de kmax estruturas de vizinhanças;
2. Encontre uma solução inicial s e determine uma condição de parada;
3. Enquanto a condição de parada não for satisfeita faça:
4.
k ← 1;
5. Enquanto k ≤ kmax faça:
6.
Gere um vizinho qualquer s’ de s na k-ésima vizinhança;
7.
Encontre o melhor vizinho s” de s’ na vizinhança k;
8. Se f(s”) for melhor do que f(s)
9.
então s ←s” e k ←1;
10.
senão k ← k + 1;
11. Fim_enquanto;
12. Fim_enquanto
13. Retorna a solução s;
Fim
3.2 Método de Busca Variable Neighborhood Descent - VND
A heurística VNS clássica se caracteriza por tem o VND como o método
de refinamento subordinado, utilizado para encontrar o melhor vizinho s” de
s’ na linha 7 do Algoritmo 1. A busca aceita somente soluções melhores que a
corrente, retornando à primeira estrutura de vizinhança se ocorrer uma melhora,
senão vai para a próxima vizinhança. Uma síntese do procedimento é apresentada
no pseudocódigo do Algoritmo 2.
52
Transporte em Transformação XVI
Algoritmo 2: Pseudo-código do Procedimento VND
Procedimento VND (solução s, vizinhança k)
Início
1. Seja s uma solução corrente dada;
2. Seja k uma estrutura de vizinhança dada;
3. r ← 1;
4. Enquanto r ≤ k faça:
5. Encontre o melhor vizinho s’ de s na vizinhança r;
6. Se f(s’) for melhor do que f(s)
7. então s ←s’ e k ←1;
8. senão r ← r + 1;
9. Fim_enquanto
10. Retorna a solução s;
Fim
De acordo com o pseudocódigo do VNS, a busca VND é realizada a partir de
um vizinho da solução corrente e uma vizinhança k, fornecida ao procedimento como
limite de variação das diferentes estruturas. Para a resolução do PPT, este parâmetro
define o número máximo de tarefas consecutivas que serão removidas de uma jornada
e introduzidas em outra. Neste trabalho foi adotado k variando de uma a três tarefas.
3.3 Estrutura de Vizinhança
Uma vez definida a quantidade máxima de tarefas movimentadas, é
necessário estabelecer os diferentes tipos de movimento que caracterizam cada
uma das vizinhanças de uma solução. Foram adotados dois tipos de movimentos:
realocação e troca de tarefas entre duas jornadas, sem haver sobreposição. Estes
movimentos são realizados para encontrar o melhor vizinho de uma solução
corrente. Exemplificando, para um dado k ≤ 3, considere duas jornadas i e j, obtidas
aleatoriamente. Então são sorteadas k tarefas consecutivas da jornada i a serem
introduzidas na jornada j. Logo, pode ocorrer uma das seguintes situações: 1) As k
tarefas de i podem ser introduzidas em j, sem a necessidade de remover qualquer
tarefa de j. Neste caso o movimento é aceito e será avaliado. 2) A introdução das k
tarefas em j exige a retirada de uma ou mais tarefas desta jornada. Neste caso, se
as tarefas removidas de j puderem ser reinseridas na jornada i, sem haver qualquer
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
53
sobreposição com as tarefas que permaneceram em i, então o movimento é aceito,
caso contrário ele é descartado. Em ambos os casos, as modificações são aceitas se
e somente se as jornadas resultantes respeitarem todas as restrições do problema.
Para encontrar o melhor vizinho da solução corrente, dentro do VND, foi
utilizado o método clássico de descida com Primeiro Movimento de Melhora
Randômico (Mladenović e Hansen 1997), que além de evitar a exploração exaustiva
da vizinhança, analisa as jornadas em uma ordem aleatória renovada a cada iteração.
Isso evita que as primeiras jornadas da escala apresentem qualidade superior em
detrimento da qualidade das últimas jornadas.
3.4 Método de Busca VLNS
Um aspecto crítico em algoritmos de busca em vizinhança diz respeito à
escolha da estrutura da vizinhança, isto é, na maneira como ela é definida. Essa
escolha define, em grande parte, se a estratégia de busca permitirá obter soluções
de boa qualidade ou não. Em geral, quanto maior a vizinhança, melhor deverá ser a
qualidade das soluções ótimas locais. Porém, vizinhanças de grande porte requerem
um tempo elevado de pesquisa. Por essa razão, uma vizinhança maior não implica
numa heurística melhor, exceto se a vizinhança for explorada de maneira eficiente.
Tais algoritmos são denominados Very Large-scale Neighborhood Search
Methods, aplicáveis a problemas de particionamento (Ahuja et al, 2000). Esses
algoritmos permitem explorar vizinhanças muito grandes, mantendo o tempo de
busca em níveis bem reduzidos. Uma forma de alcançar tal eficiência é com a
utilização de modelos de fluxo em rede para enumerar, de forma implícita, uma
vizinhança, com a finalidade de encontrar soluções melhores.
Os métodos clássicos de busca em vizinhança se baseiam em realocação e
trocas aos pares, de elementos entre os dois subconjuntos aos quais pertencem.
Uma troca cíclica pode ser definida por uma sequência de elementos i1-i2-i3-…ir-i1 pertencentes a diferentes subconjuntos do particionamente. Considerando S[ik]
o subconjunto ao qual pertence o elemento ik, então a troca cíclica i1-i2-i3-…-ir-i1
representa a alteração onde o elemento i1 é movido de S[i1] para S[i2], o elemento i2
de S[i2] para S[i3], e assim por diante. Finalmente, o elemento ir é movido de S[ir]
para S[i1]. Uma troca em caminho (path exchange) é definida por uma sequência de
nós i1-i2-i3-…-ir e difere da troca cíclica pelo fato de que o último elemento ir não é
movido de S[ir] para S[i1].
54
Transporte em Transformação XVI
Note que a vizinhança de troca cíclica e de troca em caminho contempla a
troca aos pares e ainda explora uma infinidade de outras soluções não alcançáveis
pela troca aos pares. Portanto, é de se esperar que soluções ótimas locais obtidas por
meio de múltiplas trocas sejam, em média, superiores àquelas obtidas pela troca aos
pares. Entretanto, uma vez que o tamanho da vizinhança em trocas múltiplas cresce
exponencialmente com o tamanho do problema, torna-se necessário um método
eficiente para encontrar um vizinho de menor custo na vizinhança. Este problema
pode ser contornado utilizando o conceito de grafo de melhoria e algoritmos de
fluxo em redes para explorar, de forma eficiente, uma dada vizinhança.
Um grafo de melhoria (improvement graph) para uma vizinhança com
múltiplas trocas é definido para uma solução viável S do problema, sendo
representado por G(S). Seja S[aj] a jornada que contém a tarefa aj. O grafo G(S)
é um grafo direcionado com n nós, onde cada nó i corresponde a uma tarefa ai ∈
S. Um arco direcionado (i, j) em G(S) significa que a tarefa ai deixa a sua jornada
atual e é movida para a jornada que contém a tarefa aj, isto é, a jornada S[aj].
Simultaneamente, a tarefa aj deixa S[aj]. Para se construir G(S) são considerados
todos os pares de tarefas ai e aj em S. O arco (i, j) é adicionado a G(S) se: i) as tarefas
ai e aj pertencerem a diferentes jornadas; ii) a jornada {ai}∪S[aj]\{aj} for viável. O
custo cij no arco (i, j) é definido como c({ai}∪S[aj]\{aj}) – c(S[aj]).
Denomina-se um ciclo direcionado W no grafo de melhoria G(S) se as tarefas
em S correspondentes aos nós em W pertencem a diferentes jornadas. Define-se
um ciclo válido como um ciclo direcionado de custo negativo em G(S). Assim,
um ciclo válido em G(S) corresponde a uma troca cíclica que leva a uma melhoria
no valor da função objetivo do problema. Esta é uma forma eficiente de realizar
buscas por soluções que melhoram o valor objetivo na vizinhança de S. Portanto,
é necessário encontrar ciclos válidos no grafo de melhoramentos G(S). Nesse
trabalho foi utilizado o algoritmo do rotulamento modificado com a disciplina de
fila primeiro que entra – primeiro que sai para identificar um ciclo válido (Ahuja
et al., 1993).
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
55
Algoritmo 3: Pseudo-código do Procedimento VLNS
Procedimento VLNS(solução s)
Início
1. Seja s uma solução corrente dada;
2. Construa o grafo de melhoria G(s) referente a s;
3. Enquanto G(s) tiver ciclos negativos faça:
4. Identifique um ciclo negativo em G(s);
5. Melhore a solução s devido às trocas do ciclo negativo;
6. Atualize o grafo de melhoria G(s);
7. Fim_enquanto
8. Retorna a solução s;
Fim
A idéia dos algoritmos do tipo VLNS consiste em construir um grafo G(S)
para uma dada solução S, e encontrar um ciclo direcionado em G(S) que forneça
um vizinho melhor do que S. Após efetuar a troca cíclica, inerente ao ciclo válido,
o grafo é atualizado e é procurado um novo ciclo válido. A busca termina quando o
grafo de melhoria não apresentar qualquer ciclo válido. O pseudocódigo apresentado
no Algoritmo 3 sintetiza a método.
3.5 Função de Avaliação
O custo associado a uma solução do PPT é computado por meio da combinação
linear do custo fixo e dos custos variáveis, que são: i) o total de horas extras e ii)
número de jornadas do tipo dupla pegada. A expressão final para o custo de uma
solução do PPT é:
C ppt =
tot _ trip
∑ Custo _ Fixo + w
i =1
1
× hora _ extrai + w2 × dupla _ peg i
(1)
onde Custo_Fixo representa a remuneração fixa de uma tripulação, w1 é o
peso por minutos de hora extra e hora_extrai o total de horas extras da jornada i,
expresso em minutos. Finalmente, w2 é o peso por dupla pegada e dupla_pegi é
igual a 1 se a tripulação i faz uma dupla pegada em sua jornada e 0 caso contrário.
56
Transporte em Transformação XVI
4. Resultados Obtidos
Os algoritmos foram utilizados para resolver um conjunto de sete problemas
referentes a uma semana de operação de uma empresa que atua no sistema de
transporte público de Belo Horizonte. As duas heurísticas, VNS-Clássico e VNSVLNS, foram implementadas na linguagem C/C++ e os testes foram realizados em
um computador pessoal com processador Core2 Duo e 3 GB de memória RAM. As
heurísticas foram executadas por uma hora e foram realizadas 10 execuções para
cada problema da empresa.
Os resultados apresentados abaixo foram divididos em duas subseções em
função dos pesos atribuídos ao total de duplas pegadas contido na solução. Este
tipo de análise é fundamental para o problema, pois as empresas trabalham com o
número de duplas pegadas variando entre 10 e 20 % do total de duplas. Por outro
lado, os dois métodos de busca implementados neste trabalho produziram soluções
com características significativamente diferentes em relação ao número de duplas
pegadas.
4.1 Soluções com menor peso para as duplas pegadas
A Tabela 1 contém as características das soluções adotadas pela empresa. Nas
tabelas a seguir, a linha “HE” se refere o total de horas extras, “Jornadas” ao total
de jornadas, “DP” o total de jornadas do tipo dupla pegada contidas na solução e a
“FO” se refere ao valor total da solução. O primeiro conjunto de testes foi realizado
considerando os seguintes pesos: 10.000 para o Custo_Fixo, 4 para w1, tendo as
horas extras expressas em minutos. Ao peso w2, referente às duplas pegadas, foi
atribuído o valor 600. Estes pesos foram obtidos empiricamente para se produzir
soluções com características desejáveis. Eles foram aplicados às soluções da
empresa para efeito de comparação com as soluções produzidas pelas heurísticas.
Tabela 1: Dados da escala de mão de obra operada pela empresa
HE
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sex ta
Sábado
Domingo
86:41
85:55
106:05
120:14
108:11
54:35
26:57
134
130
149
162
155
124
68
DP
6
3
5
4
1
0
0
FO
1.364.404
1.322.420
1.518.460
1.651.256
1.576.564 1.253.100
686.468
Jornadas
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
57
4.1.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada
Para os pesos mencionados anteriormente, foram realizados testes
considerando que as jornadas pudessem realizar no máximo uma troca de veículo
durante a operação. A heurística VNS-Clássico produziu os resultados apresentados
na Tabela 2 e na Tabela 3 estão os resultados do VNS-VLNS. As tabelas a seguir
apresentam um resumo dos resultados obtidos nos quais os dados HE, Jornadas e DP
se referem à solução com menor FO (FO Melhor). Além disso, são apresentadas as
médias de todas as soluções obtidas, a FO Média, assim como o desvio médio dado
por (FO Média – FO Melhor)/FO Média. Quanto menor for esta porcentagem, mais
robusto é o método. Ou seja, a diferença entre as diversas soluções encontradas,
que contam com um fator de aleatoriedade, não é significativa e a heurística tem a
capacidade de produzir soluções muito parecidas.
Tabela 2: Características das soluções obtidas pelo VNS-Clássico
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
96:58
117
50
1.223.272
1.233.332
0,82%
Terça
99:46
111
59
1.169.344
1.188.202
1,59%
Quarta
Quinta
122:37
132:06
133
141
71
93
1.402.028 1.497.504
1.410.726 1.529.976
0,62%
2,12%
Sex ta
Sábado Domingo
125:56
90:43
53:51
134
101
52
81
43
17
1.418.824 1.057.572 543.124
1.441.757 1.064.657 556.974
1,59%
0,67%
2,49%
Tabela 3: Características das soluções obtidas pelo VNS + VLNS
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
50:39
120
19
1.223.556
1.235.435
0,96%
Terça
56:28
117
14
1.191.952
1.203.345
0,95%
Quarta
Quinta
77:30
70:42
135
149
19
17
1.380.000 1.517.168
1.409.582 1.534.114
2,10%
1,10%
Sex ta
Sábado
70:33
57:21
141
107
14
10
1.435.332 1.089.764
1.451.791 1.106.525
1,13%
1,51%
Domingo
34:21
55
7
562.444
572.411
1,74%
58
Transporte em Transformação XVI
Tabela 4: Melhorias alcançadas no número
de jornadas em relação à solução da empresa
Heurística
Jornadas
HE
%DP
FO
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sex ta
10,74%
12,96% 13,55%
Sábado
Domingo
18,55%
23,53%
VNS-Clássico
12,69%
14,62%
VNS-VLNS
10,45%
10,00%
9,40%
8,02%
9,03%
13,71%
19,12%
VNS-Clássico
-11,9%
-16,1%
-15,9%
-9,8%
-16,5%
-66,3%
-100,4%
VNS-VLNS
41,6%
34,3%
26,9%
41,2%
34,8%
-5,1%
-27,5%
VNS-Clássico
42,7%
53,2%
53,4%
66,0%
60,4%
42,6%
32,7%
VNS-VLNS
15,8%
12,0%
14,1%
11,4%
9,9%
9,3%
12,7%
VNS-Clássico
10,3%
11,6%
7,7%
9,3%
10,0%
15,6%
20,9%
VNS-VLNS
10,3%
9,9%
9,1%
8,1%
9,0%
13,0%
18,1%
As melhorias apresentadas na Tabela 4 mostram uma redução de até 13,55%
e de 10,45% no número de jornadas obtidas pelo VNS-Clássico e pelo VNS-VLNS
respectivamente para os dias úteis e de até 23,53% e 19,12% para o final de semana.
As reduções de jornadas mais significativas foram obtidas pelo VNS-Clássico. Para
tanto, houve um aumento no número de horas extras, que chega a 16,5% nos dias
úteis e até 100,4% no final de semana. Por outro lado, o VNS-VLNS conta com
uma redução de até 41,6% das horas extras nos dias úteis. As soluções obtidas pelo
VNS-VLNS são de interesse prático pois estão dentro do limite de 20% do total
de jornadas. O mesmo não ocorre com as soluções produzidas pelo VNS-Clássico.
Como a empresa admite até duas trocas de veículo por motorista ao longo de
sua jornada diária de trabalho, foram realizados testes segundo esta condição, o que
representa uma flexibilização na operação da mão de obra.
4.1.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada
Os resultados das Tabelas 5 e 6 consideram que as jornadas podem conter
até duas trocas de veículo ao longo da operação. Esta é mais uma variação nas
diferentes possibilidades operacionais admitidas pela empresa.
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
59
Tabela 5: Características das soluções obtidas pelo VNS Clássico
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
96:58
117
50
1.223.272
1.233.332
0,82%
Terça
94:51
111
58
1.167.564
1.184.599
1,46%
Quarta
113:45
132
69
1.388.144
1.404.902
1,21%
Quinta
125:23
144
84
1.520.492
1.538.868
1,21%
Sex ta
105:51
136
67
1.425.068
1.441.251
1,14%
Sábado
Domingo
88:02
43:35
101
52
43
17
1.057.572 543.124
1.064.102 556.974
0,62%
2,55%
Tabela 6: Características das soluções obtidas pelo VNS-VLNS
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
Terça
50:39
55:52
120
117
19
10
1.223.556 1.189.408
1.235.435 1.203.465
0,97%
1,18%
Quarta
62:10
137
15
1.393.920
1.411.193
1,24%
Quinta
Sex ta
53:36
56:18
149
141
17
17
1.515.196 1.437.060
1.527.566 1.448.626
0,82%
0,81%
Sábado
Domingo
43:12
36:21
107
55
10
7
1.089.764 562.444
1.106.525 572.557
1,54%
1,80%
Os resultados obtidos mostram que o aumento no número de trocas de veículos
realizadas pelas tripulações levam, em alguns casos, a uma economia significativa
no número de horas extras. Este é o caso dos dados da quinta e da sexta-feira
observados no método VNS-VLNS que chegam a 24,4% e 20,4% de redução entre
o primeiro e o segundo cenário operacional.
4.2 Soluções com maior peso para as duplas pegadas
A seguir são apresentados os resultados devido aos pesos escolhidos para
produzir escalas com um número menor de duplas pegadas DP pela heurística
VNS-Clássico. Nas tabelas a seguir foram considerando os seguintes pesos: 10.000
para o Custo_Fixo, 4 para w1, tendo as horas extras expressas em minutos. Ao
peso w2, referente às duplas pegadas, foi atribuído o valor 5.000. Estes pesos são
obtidos empiricamente, com o objetivo de reduzir o número de duplas pegadas e
manter o número de jornadas em um valor próximo dos níveis dos valores obtidos
anteriormente.
60
Transporte em Transformação XVI
4.2.1 Resultados considerando no máximo uma troca de veículo por jornada
Considerando a possibilidade de cada tripulação realizar no máximo uma troca
de veículo ao longo da operação e os novos pesos, foram geradas escalas com as duas
versões da heurística VNS. Os resultados são apresentados nas Tabelas 7 e 8.
Tabela 7: Características das soluções obtidas
pelo VNS Clássico com novos pesos
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
98:00
120
29
1.368.520
1.381.195
0,93%
Terça
Quarta
Quinta
96:40
116:16
121:58
114
135
152
31
30
27
1.318.200 1.527.904 1.684.272
1.330.934 1.540.384 1.696.964
0,97%
0,82%
0,75%
Sex ta
116:06
142
23
1.562.864
1.575.031
0,78%
Sábado
Domingo
95:02
46:12
104
54
24
9
1.182.808
596.088
1.198.170
609.063
1,30%
2,18%
Tabela 8: Características das soluções obtidas
pelo VNS-VLNS com novos pesos
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
65:07
120
11
1.270.628
1.282.988
0,97%
Terça
75:44
114
11
1.213.176
1.232.681
1,61%
Quarta
Quinta
67:24
77:41
140
148
11
17
1.471.176 1.583.644
1.484.256 1.602.478
0,89%
1,19%
Sex ta
87:55
139
12
1.471.100
1.487.842
1,14%
Sábado
Domingo
52:18
27:35
109
57
10
5
1.152.552 601.296
1.164.025 606.620
1,00%
0,88%
Com os novos pesos fica mais clara a superioridade das soluções produzidas
pela heurística VNS-VLNS sobre o VNS-Clássico, não somente por meio da
comparação da FO, como também pela comparação do número de jornadas, número
de jornadas com duplas pegadas, mas principalmente pelo total de horas extras.
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
61
4.2.2 Resultados considerando no máximo duas trocas de veículo por jornada
Os resultados das Tabelas 9 e 10 consideram que as jornadas podem conter
até duas trocas de veículo ao longo da operação.
Tabela 9: Características das soluções obtidas pelo VNS Clássico
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
93:36
120
29
1.348.720
1.370.574
1,62%
Terça
89:25
115
28
1.306.088
1.316.318
0,78%
Quarta
Quinta
111:57
113:42
139
151
23
30
1.526.608 1.663.964
1.535.872 1.683.994
0,61%
1,20%
Sex ta
Sábado
110:20
98:03
143
102
24
26
1.547.540 1.148.672
1.562.788 1.178.420
0,98%
2,59%
Domingo
34:06
54
11
595.472
612.465
2,85%
Tabela 10: Características das soluções obtidas pelo VNS-VLNS
HE
Jornadas
DP
FO Melhor
FO Média
Desvio
Segunda
51:34
121
12
1.264.724
1.281.180
1,30%
Terça
58:25
118
8
1.220.112
1.233.742
1,12%
Quarta
Quinta
Sex ta
Sábado
58:19
58:33
66:05
49:39
139
150
139
110
11
14
10
11
1.449.952 1.580.160 1.461.288 1.141.916
1.465.691 1.589.927 1.478.001 1.155.537
1,09%
0,62%
1,14%
1,19%
Domingo
27:12
58
6
597.496
605.801
1,39%
Novamente foi verificada uma redução no valor da FO Melhor quando se
permite que uma tripulação faça até duas trocas de veículo ao logo da operação.
Esta redução se deve principalmente à redução das horas extras e no número de
jornadas do tipo dupla pegada.
62
Transporte em Transformação XVI
5. Conclusões
Os resultados obtidos mostram que a duas versões da metaheurística VNS
produziram resultados que melhoram a solução da empresa em praticamente todos
os testes efetuados. Comparando os resultados do VNS, a versão VNS-VLNS
produz soluções melhores, segundo a função objetivo (FO), mantendo o número
de jornadas do tipo duplas pegadas (DP) dentro dos limites aceitáveis do ponto de
vista operacional, que é de no máximo de 20% do total de jornadas e reduzindo ao
máximo o total de horas extras. Por outro lado, em alguns casos o VNS clássico
produz escalas com um número menor de jornadas, como nos problemas de quarta,
sábado e domingo. Mas como estas soluções apresentam um número maior de
horas extras e de duplas pegadas, seus custos acabam sendo superiores. Este tipo de
análise e escolha da melhor solução depende das características mais valorizadas
na prática.
O fato das soluções do VNS-VLNS produzirem um número menor de duplas
pegadas mostra que o método de busca empregado não provoca modificações tão
drásticas nas características da solução inicial, construídas com a mesma filosofia
da empresa. Ainda assim, ela é capaz de reduzir os custos dados pelo número de
jornadas e o total de horas extras.
Os resultados mostram que a utilização da metaherística VNS na construção
de escalas diárias de motoristas do sistema de transporte público pode levar uma
economia considerável para as empresas do setor. Por outro lado, comparando os
diferentes métodos de busca implementados, pode-se verificar que a técnica Very
Large-scale Neighborhood Search – VLNS produziu soluções mais compatíveis
com a prática adotada pela empresa e consequentemente mais econômicas, tendo
em vista os parâmetros adotados.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq, à FAPEMIG e à AUTUMN TI pelo apoio
recebido durante o desenvolvimento deste trabalho.
Um Estudo de Diferentes Métodos de Busca e a Metaheurística VNS
para Otimizar a Escala de Motoristas de Ônibus Urbano
63
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Gustavo Peixoto Silva ([email protected])
Departamento de Computação, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de
Ouro Preto
Campus Universitário do Morro do Cruzeiro, s/nº – 35.400-000 Ouro Preto, MG, Brasil
Allexandre Fortes da Silva Reis ([email protected])
Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto
Campus Universitário do Morro do Cruzeiro, s/nº – 35.400-000 Ouro Preto, MG, Brasil
Modelos de Previsão de
Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas
de Fortaleza
3
Flávio José Craveiro Cunto
Manoel Mendonça de Castro Neto
Davi Sales Barreira
Universidade Federal do Ceará
Departamento de Engenharia de Transportes
Resumo
As interseções viárias urbanas concentram grande parte dos acidentes de
trânsito em virtude do elevado grau de interação entre usuários, veículos e via.
Os modelos de previsão de acidentes são modelos de regressão que relacionam a
frequência dos acidentes de trânsito com atributos geométricos e operacionais da via
e lidam, com relativo sucesso, com o elevado grau de aleatoriedade desse fenômeno.
O objetivo deste trabalho é desenvolver modelos de previsão de acidentes de trânsito
para interseções semaforizadas da cidade de Fortaleza, com ênfase na metodologia
para a construção de modelos simples e confiáveis. Os modelos foram estimados
com uma amostra de 101 interseções em função do volume médio diário anual,
número de faixas, número de aproximações e tipo de separador central. O modelo
66
Transporte em Transformação XVI
contendo o fluxo e número de faixas apresentou desempenho satisfatório para a
predição do número total de acidentes de trânsito nas interseções semaforizadas
avaliadas.
Abstract
Urban road intersections concentrate a significant portion of traffic accidents
due to the high degree of interaction between users, vehicles and route. Accident
prediction models are regression models that establish a relationship between
the frequency of traffic accidents and geometric and operational attributes of the
road, dealing, with relative success, with the high degree of randomness of this
phenomenon. The objective of this work is to develop traffic accident prediction
models for signalized intersections located in the city of Fortaleza, with emphasis
on the methodology for the development of simple and reliable models. The models
were estimated based on a sample of 101 intersections, having as prediction variables
annual average daily volume (AADT), number of lanes, number of approaches, and
type of central median. The model containing AADT and number of lanes showed
satisfactory performance for the estimation of the total number of traffic accidents
at the evaluated intersections.
1. Introdução
Por ano, mais de um milhão de pessoas são mortas e entre 20 e 50 milhões são
gravemente feridas (Dinn-Zarr, 2008). Acidentes de trânsito são a principal causa de
mortes em jovens entre 15 e 29 anos. Do ponto de visto econômico, os custos dos
acidentes de trânsito chegam a mais de 30 bilhões de reais por ano (valor atualizado
para junho de 2008), o que corresponde a aproximadamente 1,2% do PIB brasileiro
(Ferraz, 2008; IPEA, 2003). Deste montante, aproximadamente 7 bilhões referemse a acidentes em vias urbanas (IPEA, 2006). Com relação ao impacto causado na
fluidez, colisões de tráfego são responsáveis por 25% do congestionamento nos
EUA e na Inglaterra (Alkaabi et al., 2011). Um estudo feito em Riyadh, capital da
Arábia Saudita mostrou que cerca de 50% dos acidentes ocorreram em interseções,
e destas, mais da metade foram consideradas severas (Al-Ghamadi, 2003).
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
67
O processo de tomada de decisão no gerenciamento da segurança viária
depende de indicadores que possam expressar de forma objetiva o nível de segurança
dos componentes de uma determinada rede de transportes (AASHTO, 2010). Nesse
sentido, pesquisadores têm procurado relacionar séries históricas de acidentes de
trânsito com atributos geométricos e operacionais da via com o uso de modelos
estatísticos de regressão denominados modelos de previsão de acidentes (MPA) ou
funções de desempenho de segurança viária. Um dos principais objetivos dos MPA
é melhorar as análises de segurança viária através de um controle mais rigoroso das
características inerentes ao processo estocástico dos acidentes de trânsito, como o
fenômeno de regressão à média e a dispersão excessiva dos dados (Hauer, 2002).
Se por um lado os MPA têm sido explorados há mais de duas décadas em países
como Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, por outro lado, no Brasil, seu
estágio de desenvolvimento ainda é incipiente. Os primeiros esforços de modelagem
para o ambiente brasileiro podem ser atribuídos à pesquisa de doutoramento de
Cardoso (2006) e sintetizados no trabalho posterior de Cardoso e Goldner (2007),
nos quais foram analisados segmentos arteriais urbanos de Porto Alegre. Acreditase que essa discrepância possa ser atribuída em parte a problemas relacionados
com a disponibilidade e qualidade e das informações sobre acidentes de trânsito
associada à relativa escassez de procedimentos para a calibração e validação de
modelos dessa natureza no âmbito nacional.
Este trabalho tem por objetivo desenvolver de modelos de previsão de
acidentes de trânsito para interseções semaforizadas da cidade de Fortaleza com
ênfase nos aspectos necessários para a construção de modelos simples e confiáveis.
2. Modelos de Previsão de Acidentes
A modelagem estatística da segurança viária baseia-se na premissa de que a
partir da freqüência de acidentes em vários locais é possível, utilizando ferramentas
estatísticas, determinar empiricamente como estratégias relacionadas ao projeto e
operação do ambiente viário podem alterar as chances da ocorrência de acidentes de
trânsito (Davis, 2004). Nesse sentido os MPA têm sido amplamente considerados
como uma das ferramentas mais promissoras na modelagem da natureza aleatória
rara associada aos acidentes de trânsito.
68
Transporte em Transformação XVI
Inicialmente os MPA foram desenvolvidos a partir de modelos de regressão
linear assumindo a normalidade dos erros e homoscedasticidade. Essas suposições
foram consideradas inconsistentes com a natureza e freqüência dos acidentes
de trânsito (Hauer et al., 1988). Pesquisas posteriores confirmaram resultados
promissores com a aplicação de modelos assumindo a distribuição do número
observado de acidentes do tipo Poisson, ou a distribuição binomial negativa em casos
onde os acidentes apresentam um padrão consideravelmente disperso (variância
superior a média) entre entidades similares (Bonneson e McCoy, 1993; Persaud e
Mucsi, 1995). Uma alternativa possível para lidar com esse padrão excessivo de
dispersão dos dados, incompatível com as suposições da regressão linear tradicional
(distribuição normal) é o emprego dos modelos lineares generalizados (Cunto,
2008; Cardoso, 2006).
A formulação geral mais comum para os MPA em interseções encontrada
na literatura pode ser expressa por (Hakkert et al., 1996; Sawalha e Sayed, 2006;
AASHTO, 2010):
(1)
em que:
Y = número esperado de acidentes em um intervalo de tempo (ano);
A e B = vetores de variáveis preditoras;
α, β, γ = vetores de coeficientes do modelo.
A estimação dos coeficientes do modelo é quase sempre feita com a utilização
de rotinas e aplicativos estatísticos como o GENSTAT, GENMOD no SAS e GLM
no R os quais aplicam o método da máxima verossimilhança e o algoritmo de
otimização Newton-Raphson (Hauer, 2002; Lord, 2006). A Tabela 1 apresenta as
principais características de MPA propostos para interseções.
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
69
Tabela 1: Modelos de previsão de acidentes de acidentes
de trânsito para interseções
Entidade
Autores
Local
#Anos
#
Int.
Variáveis preditoras testadas
Tipo de controle
Bélanger (1994)
Quebec/CA
-
149
Não semaforizada
VDMA total e por aproximação,
distância de visibilidade, presença
de faixas de conversão, limite de
velocidade e indicação luminosa da
interseção
Bonneson e
McCoy (1993)
Nebraska/EUA
3
125
Não semaforizada
VDMA da via principal e secundária
Hauer et al.
(1988)
Toronto/CA
3
145
Semaforizada
Fluxo veicular por hora e período do dia
Persaud e Nguyen
Ontário/CA
(1998)
6
500
Semaforizada
VDMA total, da principal e secundária
Sayed e
Vancouver/CA
Rodrigues (1999)
3
419
Não semaforizada
VDMA da via principal e secundária
Georgia,
Califórnia,
Michigan/EUA
6
460
Sem./Não sem.
53 variáveis preditoras
Oh et al. (2004)
3. Metodologia para Estimação dos MPA
A metodologia adotada para o desenvolvimentos dos MPA nesse trabalho
seguiu as seguintes etapas: definição dos objetivos da modelagem, escolha das
variáveis e definição da amostra, coleta de dados, estimação dos parâmetros dos
modelos investigados, avaliação e seleção do modelo mais adequado. O objetivo
da modelagem é estimar o número total de acidentes de trânsito e o número de
acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais em interseções semaforizadas a
partir de seus atributos físicos e operacionais.
3.1 Escolha das variáveis e definição da amostra
O processo de escolha das variáveis para os MPA não possui critérios
objetivos e, na maioria das vezes depende, além dos objetivos do estudo, de fatores
relacionados à experiência do modelador e à disponibilidade das informações sobre o
70
Transporte em Transformação XVI
ambiente viário da entidade. Tomando por base os critérios descritos e considerando
a freqüência com que certas variáveis aparecem na literatura, as quatro variáveis
preditoras consideradas neste estudo foram volume diário médio anual (VDMA),
número total de faixas da interseção, número total de aproximações e presença
ou não de canteiro central. A seguir serão apresentados aspectos adicionais que
justificaram a inclusão das variáveis acima:
• VDMA: variável de exposição que usualmente explica a maior parte da
variação dos acidentes de trânsito em interseções;
• Número total de faixas: acredita-se que essa variável aumente a frequência
de avanços de semáforo (colisões transversais) e freqüência de mudanças de
faixas (colisões laterais);
• Número de aproximações: Uma via com mais de um sentido pode gerar
maior interação entre os veículos, inclusive com conversões proibidas além
de exigir um grau maior de atenção dos condutores.
• Presença de canteiro central: É possível que sua presença possa de alguma
forma reduzir a quantidade de acidentes entre veículos em sentidos opostos.
Assim como na escolha das variáveis, um método de definição da amostra
para o desenvolvimento de MPA ainda não está satisfatoriamente estabelecido. De
maneira geral procura-se controlar as variáveis com objetivo de criar grupos de
entidades homogêneas para reduzir a influência de fatores desconhecidos (ou não
controlados) que reduzam o poder preditor do modelo.
Bonneson e McCoy (1993) e Lord (2006) observam, entretanto, que o
modelador deve evitar a criação de grupos excessivamente homogêneos uma vez
que isso pode culminar com amostras reduzidas comprometendo a obtenção de
valores estatisticamente significativos dos parâmetros. Uma indicação mais objetiva
do tamanho da amostra é apresentada por Lord (2006) o qual recomenda, em função
da média dos acidentes de trânsito e do parâmetro de dispersão da distribuição
binominal negativa, a utilização de amostras com mais de 100 observações.
A amostra inicialmente planejada para este estudo tinha um total de 288
semáforos da rede viária com controle centralizado do CTAFOR-Controle de Tráfego
em Área de Fortaleza. Essa amostra foi reduzida para 119 semáforos em virtude de
problemas no armazenamento dos dados de fluxo veicular junto ao CTAFOR.
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
71
Uma análise utilizando imagens aéreas do aplicativo Google Earth foi
realizada para remover interseções com características consideradas atípicas e que
poderiam influenciar negativamente os resultados. A seleção e remoção dessas
interseções obedeceram aos seguintes critérios:
•Interseções com mais de quatro aproximações;
•Interseções defasadas;
•Ângulo entre vias menor que 70 graus;
•Espaçamento menor que 50 metros entre interseções;
•Interseções com estágio para conversões à esquerda;
Um exemplo de interseção retirada da amostra está ilustrado na Figura 1.
Como resultado desse processo de seleção, 18 interseções foram eliminadas e,
desta forma, a amostra utilizada no processo de modelagem foi composta por 101
interseções semaforizadas.
Figura 1: Exemplo de interseção atípica removida da amostra
72
Transporte em Transformação XVI
3.2 Coleta de dados e análise descritiva da amostra das interseções
semaforizadas
Os dados brutos de acidentes foram coletados pelo Sistema de Informações de
Acidentes de Trânsito de Fortaleza (SIATFOR), um banco de dados informatizado
de gerenciamento de acidentes operando em Fortaleza desde o ano de 2000. Os
dados utilizados neste estudo referem-se ao ano de 2009 e têm como variáveis de
interesse o número de acidentes por aproximação categorizados de acordo com a
severidade (sem vítimas, com vítimas feridas, e com vítimas fatais).
Um aspecto importante sobre a coleta dos acidentes diz respeito à sua
localização. O processo de coleta das informações do órgão gestor de Fortaleza
conta com 10 fontes diferentes de informações e, apesar da existência de rotinas
de consistência de dados, não existe um procedimento padronizado para delimitar
a área de abrangência da interseção. Desta forma, a alocação de um determinado
acidente como sendo de interseção dependeu diretamente da interpretação do
agente público que atendeu a ocorrência e, portanto, não foi possível a aplicação
de critérios espaciais objetivos como a utilização de coordenadas ou limites físicos
para se estabelecer a área de abrangência da interseção.
O VDMA foi estimado com dados de fluxo veicular armazenados no banco de
dados do CTAFOR, cujo controle semafórico é feito pelo aplicativo inglês SCOOT
(Split Cycle Offset Optimization Technique). Tal sistema estima e armazena fluxos
horários em períodos de 15 minutos em todos os 650 links das 288 interseções
semaforizadas da região controlada.
Inicialmente uma amostra dos volumes de todos os links das interseções
disponíveis (165) contendo os 31 dias do mês de maio de 2009 foi coletada para
a estimação do volume diário médio mensal (VDMM). Realizou-se então uma
verificação para retirar da amostra os dias com possíveis falhas nos dados com a
utilização de ferramenta box plot .
Para dispensar a necessidade da aplicação de fatores de expansão do volume
de um dia para a média semanal, considerou-se que o VDMM deveria ser estimado
pela média de pelo menos uma semana completa de observações. Desta forma ao
final do processo, os links que não tivessem pelo menos uma semana de dados
válidos eram excluídos da amostra. Vale ressaltar que a retirada de um link inválido
provocou também a exclusão de sua respectiva interseção. Ao todo foram removidas
da amostra 46 interseções.
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
73
Finalmente o VDMM de maio foi expandido para o VDMA com a aplicação
do fator de expansão médio de 0,991. Esse fator foi obtido com a utilização dos
resultados de uma análise do padrão da variação espaço-temporal do volume
veicular em Fortaleza apresentado no trabalho de Oliveira (2004).
No tocante as variáveis preditoras relacionadas com a geometria das
interseções, sua coleta foi realizada com a utilização de fotografias aéreas do
aplicativo Google Earth, e também através de pesquisas em plantas com projetos
geométricos das vias fornecidas pelo órgão gestor do trânsito de Fortaleza. A
Tabela 2 apresenta uma análise descritiva das variáveis utilizadas nesse esforço de
modelagem.
Tabela 2: Descrição das variáveis
Média(*) Desv. pad. Mínimo Máximo
v1_vdma09 VDMA de 2009- via principal
23.583
7.850
8.047 44.312
v2_vdma09 VDMA de 2009 - via secundária
11.735
5.267
641 28.563
vdma09
VDMA de 2009 - interseção
35.319
10.438 15.887 65.618
ta09
Total de acidentes - interseção
7,5
7,7
0
48
taff09
Total de acidentes com feridos e fatais
1,5
1,6
0
7
nfx
Número total de faixas - interseção
5,8
1,4
4
12
nap
Número total de aproximações
2,7
0,6
2
4
0,7
0,6
0
cc
2
Canteiro central; 0=ausência, 1=em
Variável
Descrição
uma via, 2=em duas vias
(*) Amostra = 101 observações
3.3 Estimação dos parâmetros dos modelos investigados
Com base nos objetivos da modelagem e nas variáveis coletadas foram
investigadas duas categorias de modelos: a categoria 1 utilizando como variável
resposta o número total de acidentes de trânsito (ta09), e a categoria 2 com o
número total de acidentes de trânsito com vítimas fatais e feridas (taff09) como
variável dependente.
Para as duas categorias adotou-se como modelo de partida o que contém
somente a variável vdma09 na parte multiplicativa da Equação 01 e a partir daí foram
74
Transporte em Transformação XVI
sendo acrescentadas as outras variáveis preditoras no componente exponencial
dessa equação. Desta forma, para se considerar todas as combinações das variáveis
envolvidas, um total de oito modelos foram estimados para cada categoria de MPA.
Um teste inicial foi realizado com os modelos de partida para se verificar,
entre Poisson e binomial negativa, qual a distribuição mais adequada para os dados
de acidentes de trânsito coletados. Os parâmetros de dispersão σd para os modelos
da categoria 1 foram respectivamente iguais a 3,92 para a distribuição de Poisson
e 1,04 para a binomial negativa. Nos modelos da categoria 2 estes foram de 1,78
e 1,13, respectivamente. Os resultados desses testes sugerem que a dispersão
observada nos dados coletados é mais compatível com a premissa da distribuição
para as duas categorias de modelos.
binomial negativa
Os parâmetros de cada modelo foram então estimados com a utilização
da função glm.nb (binomial negativa) do aplicativo estatístico R, versão 2.13.0
adotando a função logarítmica como função de ligação (exemplo da sintaxe do R:
<glm.nb(formula = ta09 ~ log(vdma09), init.theta = 2.566679449, link = log)>).
3.3.1 Modelos da categoria 01 – número total de acidentes de trânsito
Os coeficientes de cada modelo estimado com os respectivos valores do erropadrão estão apresentados na Tabela 3. Essa tabela mostra ainda os parâmetros de
“superdispersão” (φ) da distribuição binomial negativa e o valor do logaritmo da
obtidos para cada modelo testado.
verossimilhança
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
75
Tabela 3: Parâmetros dos modelos investigados – Categoria 01
Modelos (*)
Variável
ln(α)
α
Coef.
01
02
03
04
05
06
07
08
-12,09
-5,13
-7,72
-5,65
-5,27
-7,49
-7,12
-7,23
5,61E-06 5,91E-03 4,44E-04 3,52E-03 5,16E-03 5,61E-04 8,09E-04
7,22E-04
2,59
2,52
3,06
2,85
2,65
2,68
2,89
2,61
1,34
0,52
0,90
0,59
0,53
0,70
0,60
0,55
0,23
0,26
0,30
0,14
0,28
0,26
0,29
0,26
- 0,28
- - 0,52
0,41
- 0,34
- 0,05
- - 0,14
0,08
- 0,08
- - 0,31
- - -0,39
-0,66
-0,90
- - 0,14
- - 0,27
0,31
0,28
- - - 0,52
-0,03
- 1,16
0,74
- - - 0,14
0,20
- 0,33
0,31
f
2,92
4,47
3,16
3,58
4,47
4,81
3,90
5,39
−-22
-575
-548
-570
-561
-548
-543
-556
-537
(∗∗)
vdma_09
nfx
cc
nap
(*)
Coef.
Coef.
Coef.
Coef.
parâmetros estatisticamente significante (α=0,05)
(**)
erro-padrão
Conforme mencionado anteriormente, a construção dos possíveis modelos
seguiu um processo seqüencial de inserção de variáveis a partir do modelo
com apenas a variável VDMA (modelo de partida). Esse processo baseia-se na
comparação entre os valores do logaritmo da máxima verossimilhança ( − 2 )
do modelo mais simples com o modelo imediatamente mais complexo (com uma
variável adicional). A variável que, ao ser acrescentada resulte no maior aumento no
parâmetro − 2 será a próxima a ser incluída. O processo é repetido até que todas
as variáveis significativas sejam incluídas no modelo.
Observando-se os valores da Tabela 3, por exemplo, pode-se comparar o
modelo 1 (vdma09) com os possíveis modelos de duas variáveis (modelos 2, 3 e
4). Observa-se que a inclusão da variável nfx acarreta o maior acréscimo no valor
de − 2 (27), e portanto, esta variável deve ser incluída imediatamente. Seguindo
esse raciocínio foram selecionados os modelos 1, 2, 6 e 8 para uma avaliação mais
minuciosa com o emprego de indicadores estatísticos e ferramentas gráficas.
76
Transporte em Transformação XVI
3.3.2 Modelos da categoria 02 – número total de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais
Os parâmetros das variáveis testadas em todos os possíveis modelos para
o número de acidentes de trânsito com vítimas feridas e fatais se mostraram
estatisticamente não significantes (α=0,05). Uma análise visual da Figura 2 confirma
que os acidentes da amostra apresentaram um comportamento disperso e sem um
padrão aparente de variação com o fluxo. Essa mesma análise foi verificada para as
outras variáveis.
Figura 2: Gráfico de acidentes com feridos
e vítimas fatais e exposição
Em termos práticos, os resultados obtidos confirmam que, no ambiente das
interseções onde predominam as colisões traseiras, a existência de uma maior
exposição acarreta em maior probabilidade da ocorrência de acidentes de trânsito,
não implicando, contudo, que os mesmos serão mais graves. A severidade dos
acidentes nas interseções parece estar mais associada às colisões transversais
que, para o ambiente semaforizado, tem forte ligação com o avanço semafórico
(voluntário ou involuntário). Nesse contexto a consideração de outras variáveis
como hora do dia, local da via, existência de fiscalização eletrônica pode representar
melhor esta categoria de acidentes.
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
77
3.4 Avaliação dos modelos da categoria 01
Após a verificação inicial da significância de cada coeficiente do modelo
(valor-p) um número considerável de indicadores matemáticos e gráficos tem sido
aplicado ao processo de escolha de modelos lineares generalizados. Busca-se o
equilíbrio entre a complexidade (número de parâmetros) e a aderência aos dados.
Para modelos com elevado número de parâmetros, a variância dos erros será baixa,
entretanto o modelo será viesado para a amostra utilizada (overfitting); ou seja, o
modelo se ajustará tão firmemente aos dados existentes que perderá a capacidade
de previsão de acidentes em novas interseções. Por outro lado, modelos com menos
parâmetros terão um menor viés, porém possuirão menor aderência, pois variáveis
importantes para explicar o número de acidentes estarão ausentes.
Este trabalho balizou a escolha do modelo mais adequado com a utilização dos
seguintes indicadores: estatística generalizada Pearson χ2p, parâmetro de dispersão
σd (overdispersion parameter), desvio escalonado Sp (scaled deviance), critério
de informação de Akaike (AIC) e gráfico de resíduos acumulados (CURE plot)
(McCullagh e Nelder, 1989, Bonneson e McCoy, 1993; Lord, 2000; Hauer, 2004).
A Tabela 4 mostra os valores obtidos desses indicadores para cada um dos modelos
selecionados.
Tabela 4: Indicadores dos modelos selecionados – Categoria 01
Indicador
-2l
1
Modelos
2
6
8
-575,46
-547,92
-542,85
-536,80
99
98
97
96
χ p,crítico;0,05
123
122
121
120
χ2p
135
129
119
108
Sp
103
102
101
101
581
556
559
549
1,04
1,04
1,04
1,05
gl
(*)
2
AIC
σd
graus de liberdade
(*)
78
Transporte em Transformação XVI
O indicador χ2p é utilizado para avaliar o quanto a variância explicada pelo
modelo difere da variância observada nos dados, ou seja, se o modelo proposto se
ajusta aos dados. Para um determinado nível de significância α o modelo é considerado
adequado se χ2p<χ2p, crítico,α. Os valores apresentados na Tabela 4 indicam que, de
acordo com esse critério (α=0,05), os modelos 6 e 8 são os que melhor se ajustam
aos dados. O modelo 2 entretanto teve um desempenho muito próximo ao aceitável
não devendo ser totalmente descartado. Vale ressaltar que esse indicador tem seu
desempenho questionado para amostras pequenas (Bonneson e McCoy, 1993), ou
seja, aumentando-se a amostra o modelo 2 poderia ser considerado aceitável.
Para o desvio escalonado (Sp), que é um outro indicador da falta de aderência
do modelo proposto, conclui-se que os quatro modelos estão aproximadamente
a uma mesma distância (abaixo) dos seus valores críticos (Tabela 4). Ou seja,
quando comparado com modelos saturados (uma variável para cada observação),
os modelos parecem aderir satisfatoriamente aos dados.
O critério AIC compara diferentes modelos com base no equilíbrio entre
o viés e a variância explicada pelos mesmos. Por sua formulação matemática o
modelo mais equilibrado é aquele que apresenta o menor AIC. Segundo Simonoff
(2003), uma diferença de AIC acima de 10 já pode ser considerada expressiva. O
modelo 1 é o mais simples, porém seu valor de AIC é bem superior ao dos demais
modelos. Já o modelo 2 oferece uma melhor aderência, com a redução de 25 pontos
com relação ao modelo 1. A diferença do AIC do modelo 2 para os demais ficou
abaixo de 10 pontos, favorecendo portanto a escolha do modelo 2 como a mais
plausível alternativa.
Para modelos satisfatórios, o gráfico de resíduos acumulados (CURE plot) deve
apresentar uma oscilação moderada e aleatória em torno de zero (“random walk”)
além de permanecer confinado na envoltória de dois desvios padrões (Hauer, 2004).
A Figura 3 apresenta o CURE plot para o modelo 2 com as respectivas envoltórias
de +2σd. Os mesmos gráficos foram produzidos para os outros modelos os quais
tiveram comportamento similar. Em todos os casos os modelos estiveram entre os
limites da envoltória e com oscilação em torno de zero. Um aspecto interessante do
CURE plot é o indicativo de observações extremas (outliers). Esses pontos podem
ser identificados no gráfico por “saltos” verticais. No caso da Figura 3, pode-se
identificar dois possíveis outliers um aos 37.000vph e outro no extremo do modelo
(aprox. 65.000vph). Nestes casos observaram-se 35 e 48 acidentes enquanto
que o modelo previu 7 e 17 acidentes respectivamente. Esses pontos podem ser
investigados de forma mais detalhada.
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
79
+2σd
-2σd
Figura 3: Gráfico de resíduos acumulados do modelo 2
Outro importante aspecto a se considerar é a multicolineariedade existente
entre as variáveis. A correlação entre as variáveis nfx e cc é de 0,86, entre nfx e nap
é também de 0,86, e entre cc e nap é de 0,96. Portanto, os modelos 6 e 8 possuem
alta multicolineariedade, podendo até possuir boa capacidade preditora, porém seus
coeficientes não permitem qualquer interpretação sobre relações de causa e efeito
das variáveis canteiro central e número de aproximações nos acidentes de trânsito.
Essa multicolinearidade é confirmada pela mudança nos coeficientes das variáveis
à medida que suas correlatas entram no modelo (Tabela 3).
Pela análise global dos indicadores, conclui-se que, apesar de não haver uma
preferência definitiva por um modelo específico, a expressão com as variáveis vdma
e nfx (modelo 2) apresenta características mais adequadas dentre os analisados.
Cabe ressaltar que em virtude da elevada dependência entre o fluxo e o número de
faixas, o modelo deve ser encarado predominantemente como preditor. Relações de
causa e efeito em virtude de alterações no número de faixas devem ser analisadas
com cuidado. A Figura 4 representa graficamente o modelo proposto.
Modelos de regressão, assim como qualquer outro tipo de modelo, precisam
passar pelo processo de validação. Segundo Kutner et al. (2005), na ausência de
uma amostra para se testar o desempenho do modelo, a validação também pode
80
Transporte em Transformação XVI
ser feita por meio da verificação da consistência do modelo com os fundamentos
teóricos acerca do fenômeno. Os parâmetros do modelo proposto neste trabalho
estão condizentes com aqueles encontrados na literatura, como nos estudos de
Persaud and Nguyen (1988) e AASHTO (2010).
nfx=12
nfx=10
nfx=8
nfx=6
nfx=4
Figura 4: Representação gráfica do modelo 02
4. Conclusões
Este trabalho apresentou o esforço de desenvolvimento de modelos de previsão
de acidentes para interseções semaforizadas em Fortaleza. Mais especificamente,
foram discutidos aspectos relativos à formulação geral do modelo, estrutura mais
adequada para a representação dos erros do modelo, definição das variáveis e
coleta dos dados, estimação dos parâmetros do modelo e escolha dos modelos mais
adequados. A amostra utilizada no desenvolvimento do modelo foi composta por
101 interseções semaforizadas de onde foram coletados os dados sobre a freqüência
total de acidentes para o ano de 2009. Como variáveis preditoras foram investigadas
o volume diário médio anual, o número total de faixas da interseção, a presença de
canteiro central e o número de aproximações.
Os resultados da modelagem indicaram que, para a estimação do número total
de acidentes de trânsito, o modelo com o VDMA e número de faixas apresentou
Modelos de Previsão de Acidentes de Trânsito em
Interseções Semaforizadas de Fortaleza
81
desempenho mais adequado dentre aqueles analisados. Pela elevada dependência
entre as variáveis explicativas o modelo serve mais ao propósito de predição do que
ao propósito de estimar relações de causa e efeito.
Para a estimação do número de acidentes de trânsito com vítimas feridas e
fatais, entretanto, nenhuma das variáveis investigadas foi significativa. Acreditase que a severidade dos acidentes nas interseções possa estar ligada ao avanço
semafórico que, por sua vez, sofre influência de variáveis como hora do dia, local
da via e existência de fiscalização eletrônica, não contempladas nesse trabalho.
A consolidação do uso dessa ferramenta estatística (MPA) no ambiente
brasileiro carece entretanto de outros trabalhos no sentido de aprimorar os bancos
de dados de acidentes de trânsito, integrar esses bancos de dados às outras possíveis
variáveis utilizadas na modelagem, investigar a transferência espacial e temporal
dos modelos e apresentar metodologias de validação mais robustas.
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Transporte em Transformação XVI
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Flávio José Craveiro Cunto ([email protected]). Departamento de Engenharia de Transportes,
Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60455-760 – Fortaleza,
CE, Brasil.
Manoel Mendonça de Castro Neto ([email protected]) Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60455-760 –
Fortaleza, CE, Brasil.
Davi Sales Barreira ([email protected]) Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará. Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60455-760 – Fortaleza, CE,
Brasil.
Impacto de Elementos de Projeto
no Desempenho Operacional de
Sistemas BRT de Faixa Única Sem
Ultrapassagem
4
Brenda Medeiros Pereira (1, 2)
Luis Antonio Lindau (1, 2)
Rodrigo Alberto de Castilho (2)
Mara Chagas Diógenes (1)
(1)
LASTRAN, PPGEP, Escola de Engenharia, UFRGS
(2)
EMBARQ Brasil
Resumo
Neste artigo explora-se o desempenho de um corredor BRT com uma única
faixa por sentido e sem ultrapassagem, em termos de capacidade e velocidade
operacional, através da realização de um projeto de experimentos que envolveu a
simulação de 324 cenários. Nas simulações variaram os níveis de demanda, as taxas
de embarque e desembarque, a distância entre estações, o fator de carregamento dos
veículos, o número de baias por estação, e o posicionamento do semáforo em relação
às estações. A análise qualitativa revela que esse corredor BRT quando operado por
ônibus articulado pode atingir uma capacidade de cerca de 15.000 pass/h/sentido
ao longo de sua seção crítica e uma velocidade operacional de 23 km/h. Uma
análise estatística preliminar permitiu a estimativa de um modelo de regressão que
86
Transporte em Transformação XVI
representa o impacto de elementos de projeto na velocidade operacional de um
BRT. Os resultados fornecem informações úteis para projetistas de corredores BRT
de alto desempenho.
Abstract
In this paper we explore the performance of a single lane per direction noovertaking BRT corridor, in terms of capacity and operating speed, by conducting a
design of experiments that comprised the simulation of 324 alternative scenarios. In
the simulation runs we varied demand levels, boarding and alighting rates, spacing
of stations, vehicle loadings, quantity of berths per station, and traffic signal
positioning in relation to stations. The qualitative analysis reveals that this BRT
corridor, when operated by articulated buses, can achieve a capacity around 15,000
pass/h/dir along its critical section and an operating speed of 23 km/h. Preliminary
statistical analysis enabled the estimation of a regression model representing the
impact of BRT design elements on the operating speed. Our findings provide useful
insights for designers of high-performance BRT corridors.
1. Introdução
Bus Rapid Transit (BRT) se caracteriza por ser “um transporte rápido de
passageiros que apresenta a qualidade do transporte ferroviário e a flexibilidade do
sistema ônibus” (FTA, 2009; Levinson et al., 2003; Wright e Hook, 2007). Porém,
é justamente a flexibilidade intrínseca ao conceito que pode dar margem a um BRT
com melhor ou pior desempenho. Os projetistas dispõem de diversos elementos de
projeto e a combinação ou configuração estabelecida entre eles é determinante para
o desempenho operacional de um corredor de BRT.
Quanto à capacidade, o desempenho dos sistemas BRT varia de 2.000
passageiros por hora através de 50 ônibus/h/sentido no período de pico (Levinson
et al., 2003), ao recorde do TransMilenio, sistema BRT de Bogotá, que transporta
45.000 passageiros/h/sentido (BRT Policy Center, 2004). A velocidade operacional
também é determinada pela configuração do sistema e impacta diretamente na
satisfação do usuário. Velocidades da ordem de 25 km/h estão associadas a sistemas
BRT ofertando níveis de serviço aceitáveis (Wright e Hook, 2008).
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
87
A experiência com sistemas de ônibus de alta capacidade resulta de um processo
de tentativa e erro combinado com doses de pragmatismo e empirismo (Lindau e
Willumsen, 1990). Tipicamente os projetistas tendem a tomar suas decisões com
base no desempenho observado em sistemas já implantados com configurações
físicas e operacionais que se assemelham ao proposto. A literatura tende a reportar
o impacto de vários elementos físicos e operacionais no desempenho de um sistema
BRT, porém pouco trata do efeito da interação entre eles.
Poucos são as ferramentas que possibilitam o estudo da complexidade das
interações entre os elementos de projeto de um BRT. A simulação microscópica
computacional permite testar cenários alternativos. Este artigo enfoca, através do
uso de micro-simulação computacional e de um projeto de experimento, o efeito
da interação de elementos de projeto no desempenho de sistemas BRT de faixa
única sem ultrapassagem, particularmente em termos de capacidade e velocidade
operacional.
2. Elementos de Projeto e Desempenho de Sistemas BRT
Diversos são os elementos físicos e operacionais que influem no desempenho
de sistemas BRT. Elementos físicos incluem, por exemplo: a existência ou não de
faixas de ultrapassagem, a distância entre estações, o posicionamento entre estações
e interseções, o tipo de veículo escolhido. Elementos operacionais dizem respeito
ao arranjo operacional adotado, entre eles: o ciclo semafórico, a coordenação entre
semáforos, o número de serviços operando no corredor. A Tabela 1 apresenta os
principais elementos de projeto e seus possíveis impactos no desempenho de um
sistema BRT.
Para o caso de sistemas de transporte coletivo de alta demanda, como o caso
dos BRT, a capacidade e a velocidade operacional constam entre as principais
medidas de desempenho. A capacidade de um sistema de transporte coletivo remete
a diferentes classificações. Pode-se determiná-la a partir da capacidade limite de
seu componente mais demandado como, por exemplo, um trecho da via, uma
interseção ou uma estação (Fernandez e Planzer, 2002). Em geral, a capacidade
é definida como o carregamento máximo transportado através da seção crítica em
um intervalo de tempo (Vuchic, 2007). Quedas acentuadas na velocidade são fortes
indicativos dos limites de capacidade de um corredor BRT.
88
Transporte em Transformação XVI
Os atrasos em estações e interseções são os principais contribuintes para a
redução da velocidade operacional dos sistemas tipo BRT (Gardner et al., 1991).
Entre os elementos de projeto de um BRT que dizem respeito às estações e
interseções constam: a programação semafórica (Janos e Furth, 2002); a distância
entre estações; o volume de passageiros e as condições de embarque/desembarque;
o número de interseções; o fluxo de ônibus e a possibilidade de ultrapassagem
no corredor (Gardner et al., 1991). A Tabela 2 apresenta taxas de embarque/
desembarque para diferentes combinações de veículos e plataformas; estas taxas
influenciaram os valores utilizados nas simulações.
Em geral, um corredor BRT requer semáforos para travessias de pedestres e
para o cruzamento de veículos. Em áreas urbanas de alta densidade de pedestres,
recomenda-se uma incidência de travessias de pedestres entre 100 e 500 m
(Kostanjsek e Lipar, 2007). Nos cenários modelados, os semáforos sempre foram
posicionados com espaçamento de 250 m. Ainda, buscou-se determinar o efeito de
posicionar os semáforos imediatamente antes e imediatamente depois das estações.
O estudo considera tempos de ciclo fixos de 120 s, que são usuais para vias arteriais
urbanas, com offset zero e 60 s de verde. Wright e Hook (2007) apontam que tempos
de verde no corredor durando 50% do ciclo são usuais para corredores operados por
sistemas BRT. A Figura 1 apresenta o posicionamento alternativo dos semáforos em
relação à estação utilizados nas simulações.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
89
Tabela 1: Elementos que influenciam o desempenho de um sistema BRT
Elemento
Possível influência no desempenho
Fonte
Ultrapassagem
A ultrapassagem permite a operação de serviços diferen- Gardner et al. (1991)
ciados: locais, acelerados e expressos. Resulta em maior
velocidade operacional e capacidade.
Ciclo semafórico e
Coordenação entre
semáforos
Redução do atraso nas interseções, aumento na confiabi- Gardner et al.
lidade do sistema, aumento da velocidade operacional.
(1991); Janos e
Fur th (2002)
Distância entre
estações
Quanto maior a distância entre estações, menor o tempo
perdido com a aceleração e desaceleração dos veículos e
maior a velocidade operacional do BRT. A distância média
entre estações de sistemas de ônibus é de 400 metros,
não devendo ser maior que 800 metros.
Fur th e Rahbee
(2000); Kit telson &
Associates, Inc et
al. (2003); Farewell
e Mar x apud Ceder,
2007
Posicionamento da Inter fere no per fil de acelerações e velocidades do corre- Mercedes-Benz do
estação em relação dor e no instante ideal para deixar a estação.
Brasil S.A. (1987);
à interseção
Wright e Hook
(2007)
Vuchic (2007)
Inter face do veículo A relação entre o veículo e a plataforma (diferença de
com a plataforma
nível, tempo de aber tura de por tas, docagem) influencia
no tempo de embarque e desembarque por passageiro e,
assim, na velocidade operacional do BRT.
Tamanho do veículo Influi no dimensionamento e layout das estações, nas
Wright e Hook
frequências, no número de canais e na dirigibilidade. Em (2007); Ceder
sistemas que almejam capacidades elevadas ocorre uma (2007)
tendência pelo uso de veículos ar ticulados e biar ticulados.
Número de baias
por estação
O número de baias influencia na capacidade da estação e Wright e Hook
na saturação das plataformas.
(2007)
Fator de carregamento dos veículos
Indica a relação entre a capacidade prática do veículo e
a lotação máxima. Quanto menor o fator, maior a frota
necessária.
Vuchic (2007)
Headway
Quanto menor o headway (1/frequencia), menor é o
tempo de espera dos passageiros nas estações.
Vuchic (2007)
Comboios
Permitem que ônibus acelerem e desacelerem quase
que simultaneamente. Podem aumentar tanto a capacidade quanto a velocidade operacional de um corredor de
ônibus.
Gardner et al. (1991)
90
Transporte em Transformação XVI
3. Desempenho do BRT em Função de Elementos de Projeto
O efeito da interação de elementos no desempenho de sistemas BRT foi
avaliado através de um projeto de experimentos que contemplou a simulação de
324 cenários. Utilizou-se o EMBARQ BRT Simulator cuja descrição, calibração e
aplicações anteriores encontram-se reportados em Pereira et al. (2010). Este estudo
adota a velocidade operacional como principal medida de desempenho do BRT em
todos os cenários propostos.
3.1 Elementos fixos
A capacidade de cada veículo BRT varia de acordo com o seu comprimento
e layout interno (distribuição de assentos, localização de porta, etc.). Este estudo
utiliza veículos articulados com capacidade para 170 passageiros, pois a literatura
indica este como o mais recorrente.
Figura 1: Posicionamento dos semáforos em relação à estação:
antes (esquerda) e depois (direita)
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
91
Tabela 2: Taxa de embarque/desembarque para diferentes combinações de veículos e
plataformas (adaptado de Vuchic, 2001)
Veículo
Altura do veículo/
Altura da plataforma
Passageiros por
segundo por canal
Canais por
veículo
Passageiros por
segundo por veículo
Ar ticulado
Ar ticulado
Ar ticulado
Ar ticulado
Ar ticulado
Ar ticulado
Ar ticulado*
alto/baixa
alto/baixa
alto/alta
baixo/baixa
alto/alta
baixo/baixa
alto/alta
0,5
0,5
0,9
0,9
0,9
0,9
1,2
4
6
6
6
8
8
6
2,0
3,0
5,6
5,6
7,5
7,5
7,1
Ar ticulado*
alto/alta
1,2
8
9,5
(*) esses casos utilizam taxas de embarque por canal semelhantes às encontradas no metrô.
A simulação requer que a velocidade máxima que um BRT possa desenvolver
em fluxo livre seja arbitrada; adotou-se 60 km/h para o corredor, de acordo com o
Código Brasileiro de Trânsito (Brasil, 1997). A calibração do simulador apontou que
a aceleração de veículos articulados é da ordem de 1,0 m/s² (Pereira et al., 2010),
taxa também indicada por outros autores para sistemas ônibus (Vuchic, 2007) .
A desaceleração dos veículos foi adotada como sendo o dobro da aceleração. Em
todos os cenários a extensão do trecho simulado é de 10 km.
3.2 Elementos variáveis
Seis são os elementos variáveis: a distância entre estações (D), a taxa de
passageiros embarcando no veículo por segundo (Tx), o fator de ocupação dos
veículos (FO), o número de baias na plataforma (NB), a posição dos semáforos em
relação à estação (PS) e a demanda (Dem). Com base na literatura foram identificados
os níveis de variação dos elementos que melhor representam as opções de projetos
disponíveis para sistemas BRT. A combinação de elementos e níveis de variação
resultou na simulação de 324 cenários. Todos os cenários consideram 3 horas
como o período de simulação e uma injeção constante de veículos. Para que a fase
preenchimento (warm-up) do sistema não afete os resultados da simulação, após
a primeira hora as estatísticas foram zeradas e, então, começaram a ser coletadas
novamente.
92
Transporte em Transformação XVI
Com vistas a testar a influência da demanda no desempenho dos corredores,
três foram os níveis adotados: 8.000, 12.000 e 15.000 passageiros/hora/sentido
no trecho crítico, o que representa, respectivamente, 15.000, 22.500, e 28.500
embarques/h/sentido em todas as estações do corredor. A Tabela 3 apresenta os
elementos e os valores adotados no estudo. Por ser uma variável qualitativa, a
posição dos semáforos em relação à estação foi incluída ao estudo utilizando o
recurso das variáveis dummy.
Tabela 3: Elementos e valores adotados no estudo
Distância entre
estações [m]
Taxa de
embarques
[pass/s/veic]
Fator de
ocupação
[%]
Número de
baias
Posição do
semáforo
Demanda
[pass/h/
sentido]
250
500
2
5
60%
80%
2
3
antes (-1)
depois (1)
8000
12000
750
8
100%
15000
3.3 Elementos dependentes
Para estimar a quantidade de embarques e desembarques por estação
distribuiu-se a demanda levando em conta a distância entre estações e a densidade
de demanda por metro de corredor (Castilho, 1997; Pereira, 2011). Considerou-se
que: (i) a maioria dos embarques e desembarques ocorre no início e fim do corredor;
(ii) o número de embarques decresce linearmente ao longo do corredor, enquanto
o de desembarques cresce, (iii) o número total de embarques/desembarques por
estação depende da distância entre estações – quanto maior a distância, maior o
número de passageiros por estação. A Figura 2 apresenta esta lógica.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
93
Figura 2: Distribuição de demanda ao longo do corredor
A Figura 3 apresenta um exemplo do perfil de embarques e desembarques e
do carregamento resultante ao longo de um corredor com 20 estações separadas por
500 m. Neste caso, há 8.000 pass/h/sentido na seção crítica, localizada no meio do
corredor. Nas simulações, a chegada dos passageiros ocorre de forma aleatória de
acordo com uma distribuição de Poisson.
Figura 3: Exemplo de diagrama de carregamento:
o caso de 8.000 pass/h/sentido
94
Transporte em Transformação XVI
Para cada um dos cenários, o headway operacional no despacho é função da
capacidade do veículo, da demanda a ser transportada no trecho crítico e do fator
de carregamento utilizado no dimensionamento. Nos diferentes cenários simulados,
as freqüências resultantes de despacho variaram entre 46 e 160 ônibus/hora. Porém
perturbações inerentes aos sistemas simulados fazem com que o headway varie ao
longo do corredor e ao longo do tempo.
4. Resultados
Este estudo contemplou análises qualitativas e quantitativas. A animação da
simulação proporcionada pelo software contribuiu para as análises qualitativas ao
identificar filas de veículos no corredor e de passageiros nas estações, típicas de
situações operacionais que beiram o limite de desempenho. As análises qualitativas
também tomaram por base os valores de velocidade operacional encontrados
para cada cenário. Na dimensão quantitativa, buscou-se estimar modelos que
representassem o comportamento da velocidade operacional, com base nos
elementos de projeto.
4.1 Análise qualitativa
As Figuras 4, 5 e 6 representam, respectivamente, as velocidades operacionais
resultantes de cada cenário para demandas de 8000, 12.000 e 15.000 pass/h/sentido
na seção crítica. A Figura 7 apresenta uma representação comparativa de todos
os cenários simulados. Cada ponto na figura representa, para um determinado
cenário, a média da velocidade operacional de todos os veículos simulados durante
um período de 2 horas-pico consecutivas. Para compensar a falta de repetição nas
rodadas de simulação de cada cenário, simulou-se a operação ao longo do corredor
por um período mais longo do que uma hora.
Em muitos casos, a velocidade operacional resultou inferior a 15 km/h,
indicando que os cenários que não foram capazes de atender a suas respectivas
demandas. Como esperado, esses casos ocorreram com maior frequência quando
o sistema foi submetido ao mais alto nível de demanda no trecho crítico, ou seja,
15.000 pass/h/sentido. Velocidades tão baixas quanto 5 km/h indicam condições de
saturação do sistema.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
95
Para todos os níveis de demanda, 15 km/h foi a velocidade operacional
predominante para distâncias entre estações (D) de 250 e 500 m. Para D = 750 m,
foram alcançadas velocidades operacionais de até 23 km/h, mas também se notou
uma variação considerável nas velocidades resultantes dos diferentes cenários. Esta
variação nas velocidades aumentou com o crescimento da demanda.
Figura 4: Resultados dos cenários baseados na
demanda de 8.000 pass/h/sentido
Figura 5: Resultados dos cenários baseados na
demanda de 12.000 pass/h/sentido
96
Transporte em Transformação XVI
Figura 6: Resultados dos cenários baseados na
demanda de 15.000 pass/h/sentido
Figura 7: Resultados de todos os cenários simulados
Para todos os níveis de demanda, e independentemente da distância separando
as estações BRT, o embarque e desembarque a uma taxa igual a 2 pass/s, o que
equivale a um ônibus com duas portas com 2 canais cada uma, além do desnível
entre a plataforma do ônibus e da estação, gerou grande variação na velocidade
operacional. Quanto maior a demanda e maior distância entre as estações, mais
perceptível foi este efeito. Para demandas elevadas, três baias nas estações
proporcionaram melhor desempenho do que duas baias.
A presença de semáforos a cada 250 m, em todos os cenários simulados, pode
ter contribuído para limitar a velocidade operacional em 15 km/h quando D = 250
m e D = 500 m. Para D = 750 m, quando havia mais passageiros para embarcar e
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
97
desembarcar nas estações e os veículos eram obrigados a parar por mais tempo,
semáforos localizado antes das estações contribuíram, de forma consistente, para
o aumento das velocidades, um efeito que não foi claramente observado para os
outros níveis de distância entre estações. É provável que os aspectos associados
aos semáforos não testados neste estudo, tais como a coordenação, offset, detecção
dos veículos para extensão do verde, também tenham impacto na velocidade de
operacional.
Cenários com 8.000 pass/h/sentido na seção crítica (8k) apresentam a menor
variação entre os valores das velocidades operacionais resultantes. A estabilidade
dos valores de velocidade sugere que o sistema não atingiu a sua capacidade,
exceto em alguns poucos cenários que apresentaram velocidades fora do esperado.
Analisando a Figura 3:
• nota-se que não há diferença de patamar de velocidade quando se aumenta
a distância entre estações de 250 para 500 m, mas observa-se um ganho de
cerca de 5 km/h quando a distância passa de 500 para 750 m;
• para os cenários em que a distância entre estações é de 250 m (D = 250
m) e taxa de embarque/desembarque é de 2 pass/s (Tx = 2), a velocidade
apresenta alguma variação, o que sugere a formação de pequenas filas em
certos pontos do corredor;
• os cenários 74, 86 e 98 destacam-se ao apresentarem valores de velocidade
operacional aquém dos demais referentes à D = 750 m. Como elementos
comuns a estes cenários despontam o número de baias na parada igual a 2,
semáforo localizado após a estação e fator de ocupação do veículo igual a 0,6.
Os cenários que utilizam o nível de demanda intermediário, de 12.000 pass/h/
sentido (12k), apresentam maior variação que os cenários com 8k. Nota-se este
efeito principalmente nos cenários onde Tx = 2 para D = 250 m e D = 500 m; para
D = 750 m a variação ocorre em todos os níveis de Tx. Essa variação sugere que o
sistema simulado aproxima-se da capacidade. Da análise comparativa dos cenários
de 12k constantes da Figura 4:
• verifica-se que não há diferença no patamar de velocidade quando a distância
entre estações aumenta de 250 para 500 m. Apesar da variação dos valores
de velocidade quando D = 750 m, percebe-se um patamar mais elevado de
velocidade, que tende aos 20 km/h.
98
Transporte em Transformação XVI
• nos cenários em que Tx = 2 e D = 250 ou 500 m, nota-se uma variação nas
velocidades maior que a observada para 8k, sugerindo a formação de filas
mais longas ou de maior duração em pontos da rota do corredor.
• os cenários 38, quando D = 500 m, e cenários 74 e 86, onde D = 750 m,
revelam valores de velocidade operacional muito abaixo dos demais, mesmo
considerando a variação dos valores de velocidade. Entre os fatores comuns
a estes cenários estão: número de baias de parada igual a 2, semáforo
localizado após a estação e fator de ocupação do veículo igual a 0,6.
Os cenários que dizem respeito ao nível máximo de demanda avaliado neste
estudo, 15.000 passageiros/hora/sentido (15k), apresentam as maiores dispersões
da velocidade operacional entre todos os níveis de demanda avaliados. Poucos são
os lotes de cenários em que se observa uma tendência de estabilidade da velocidade.
Ainda, são vários os cenários que resultaram em velocidades operacionais da ordem
de 5 km/h, o que indica a incapacidade em atender a este patamar de demanda
dentro de padrões aceitáveis de desempenho, além de sugerir a formação frequente
de filas. Da análise dos cenários constantes da Figura 5, verifica-se que:
• assim como nos níveis anteriores de demanda, não há diferença de patamar
de velocidade quando a distância entre estações aumenta de 250 para 500
m. Mesmo com uma variação maior nos valores de velocidade de forma
geral, em especial quando D = 750 m, a velocidade operacional atinge um
patamar médio mais elevado em relação a menores distâncias entre estações,
chegando à faixa dos 20 km/h.
• os pontos estáveis de velocidade têm em comum Tx = 5 e Tx = 8 para D =
250 m e D = 500 m. Nos cenários em que Tx = 2, independente da distância
entre estações, a velocidade operacional é bastante afetada pelas filas.
• como efeito da maior variação da velocidade, mais pontos mostram-se fora
de uma tendência. Considerando os três valores mais baixos de velocidade,
têm-se os cenários 2, onde D = 250, 38, onde D = 500 m e 74, onde D = 750
m. São fatores comuns a estes cenários a taxa de embarque/desembarque
igual a 2, numero de baias de parada igual a 2 e semáforo localizado após a
estação. A variação e os baixos valores de velocidades observados sugerem
que, muito possivelmente, os valores de velocidade cairiam ainda mais caso
a simulação durasse mais tempo, levando à estagnação do sistema.
Os cenários simulados apresentaram velocidades operacionais entre 5 e 23
km/h. Para as frequências entre 46 e 160 ônibus/hora, valores avaliados neste estudo,
estas velocidades resultantes mostram-se dentro do esperado para a literatura.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
99
4.2 Análise quantitativa
Este estudo de simulação compreende um conjunto de 324 cenários resultantes
da combinação completa de 6 elementos de projeto. Assim, a proposta inicial de
modelagem foi calibrar um modelo de regressão linear múltipla, um procedimento
comum em projetos de experimentos, mesmo entendendo que os efeitos dos
elementos de projeto na velocidade operacional não sejam necessariamente lineares.
No modelo, todas as combinações possíveis dos seis elementos de projeto
foram potencialmente consideradas como variáveis explicativas para a velocidade
operacional do corredor BRT. Combinações não representativas, do ponto de vista
estatístico, foram retiradas uma a uma. Foram aceitas as combinações com valor p
de Pearson igual ou inferior a 0,05 para o nível de significância de 5% (equivalente
a 95% de confiança estatística).
A Equação 1 apresenta o modelo mais representativo. É importante mencionar
que esta equação é válida somente para as faixas de valores testados dos elementos
de projeto. Assim, usar o modelo de regressão em extrapolações pode levar a
estimativas erradas.
Onde, V = velocidade operacional [km/h];
D = distância entre estações [m];
Tx = taxa de embarque/desembarque [passageiros/s];
FO = fator de ocupação dos veículos [decimal];
NB = número de baias na plataforma [unidade];
PS = posição dos semáforos em relação à estação [antes = -1 e depois = 1];
Dem = número de passageiros transportados na seção crítica por hora por
sentido [(pass/h/sentido)/1000].
O modelo representado pela Equação 1, com combinações de até 3 elementos,
foi o que apresentou o maior coeficiente de determinação (R ² = 0,82) entre todos
100
Transporte em Transformação XVI
os modelos gerados. Também foi o que apresentou a menor variação dos pontos em
relação à reta no gráfico de resíduos (Pereira, 2011). Modelos com combinações
de elementos levam a dificuldades de interpretação. Nesses casos, técnicas gráficas
podem fornecer meios mais úteis para a realização de análises de sensibilidade.
A Figura 8 apresenta o caso onde todos os elementos, com exceção da demanda
e da distância entre as estações, foram mantidos com valores fixos. Aumentar
a distância entre as estações resultou mais eficaz para o aumento da velocidade
operacional quando Dem = 8k.
Velocidade operacional [km/h]
25
20
15
10
Dem = 8 k
Dem = 12 k
5
Dem = 15 k
0
150
250
350
450
550
650
750
Distância entre estações [m]
Figura 8: Influência da distância das estações e da demanda na velocidade operacional
(Tx = 8; FO = 0,6; NB = 3; e PS = -1)
A Figura 9 revela que o posicionamento do semáforo antes da estação quando
Dem = 8k permite velocidades operacionais mais elevadas quando as distâncias
entre as estações forem maiores do que 500 m. Para distâncias menores entre as
estações, a posição relativa dos semáforos apresentou pouco ou nenhum efeito
sobre a velocidade operacional resultante.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
101
Velocidade operacional [km/h]
25
20
15
10
antes
5
depois
0
150
250
350
450
550
650
750
Distância entre estações [m]
Figura 9: Influência da distância das estações e da posição do semáforo na velocidade
operacional (Tx = 8; FO = 0,6; NB = 3; e Dem = 8)
5. Conclusões
Cresce tanto o interesse quanto a quantidade de sistemas BRT implantados
em todo o mundo. Já o conhecimento prático sobre os limites do desempenho
operacional de corredores BRT encontra-se limitado aos sistemas implantados,
especialmente no que se refere às velocidades operacionais e capacidades. Ainda,
no mundo real nem todas as configurações dos sistemas BRT foram submetidas ao
seu desempenho limite, já que as demandas reportadas variam de 2k a 45k pass/h/
sentido na seção crítica.
Como cada corredor é quase único em termos de configurações e que é
praticamente infinita a quantidade de combinações entre elementos de projeto, não
é razoável esperar que o desempenho de um determinado corredor de BRT possa
ser replicado em condições distintas. Nesse contexto, estudos baseados em microsimulação computacional oferecem uma oportunidade única ao propiciar, através
da análise de cenários, a determinação dos limites de desempenho operacional de
corredores BRT.
A revisão da literatura e a compreensão do estado-da-prática levaram
à identificação dos elementos de projeto considerados determinantes para o
desempenho dos sistemas de ônibus de alta demanda, em particular os sistemas
102
Transporte em Transformação XVI
de BRT implantados na América Latina. Com base em uma combinação de seis
elementos críticos (níveis de demanda, taxas de embarque e desembarque, distância
entre estações, fator de carregamento de veículos, número de baias por plataforma,
e posicionamento do semáforo em relação às estações) 324 cenários foram criados
para determinar o desempenho limite, em termos de velocidade operacional e
capacidade, de um corredor BRT.
Os resultados apontam que um corredor BRT com uma única faixa por sentido e
sem ultrapassagem pode alcançar uma capacidade de 15.000 pass/h/sentido ao longo
de sua seção crítica com uma velocidade operacional de 20 km/h. Sob combinações
ideais de elementos de projeto (estações separadas por 750 m, taxas de embarque
e desembarque da ordem de 5 pass/s ou mais, semáforos posicionados antes das
estações, e três baias por estações) foram observadas velocidades operacionais de
até 23 km/h.
Do estudo também constou a calibração um modelo de regressão multilinear,
que é convencionalmente usado em projetos de experimentos, para representar a
velocidade operacional como resultado de uma combinação de elementos. Testouse a consistência do modelo e a sua utilidade foi caracterizada através da realização
de uma análise de sensibilidade.
Esse estudo demonstra que a simulação computacional microscópica é uma
ferramenta adequada para recriar um ambiente de estudo detalhado do desempenho
operacional de corredores BRT. Este artigo destaca a importância de se levar em
conta, em fases que antecedem a implantação, os efeitos dos elementos críticos de
projeto que determinam a velocidade operacional e a capacidade de um corredor
de BRT.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio do CNPq, do WRI, da rede EMBARQ e do
ALAC, o Centro de Excelência em BRT.
Impacto de Elementos de Projeto no Desempenho Operacional
de Sistemas BRT de Faixa Única Sem Ultrapassagem
103
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Brenda Medeiros Pereira ([email protected])
Luis Antonio Lindau ([email protected]) (1, 2)
Rodrigo Alberto de Castilho ([email protected]) (2)
Mara Chagas Diógenes ([email protected]) (1)
(1)LASTRAN, PPGEP, Escola de Engenharia, UFRGS
(2)EMBARQ Brasil
(1, 2)
Modelação da Velocidade
Segura Recorrendo
ao Julgamento de
Especialistas
5
Ana M. Bastos Silva
Álvaro Seco
Universidade de Coimbra
Departamento de Engenharia Civil
Carlos Magalhães Real
Instituto Politécnico de Leiria
Departamento de Engenharia Civil
Resumo
As estradas de importância secundária caracterizam-se por atravessar
diferentes ambientes rodoviários os quais justificam a imposição de diferentes
limites de velocidade máxima. Muitos países continuam sem definir critérios
lógicos ou de ferramentas capazes de sustentar tecnicamente essa definição. Nessa
óptica, o presente artigo centra-se no desenvolvimento de um modelo estatístico
capaz de suportar objectivamente o processo de definição da velocidade segura para
um determinado trecho viário, tendo por base as suas características geométricas e
funcionais prevalecentes. O desenvolvimento do modelo é baseado em técnicas de
correlação e de regressão múltipla, suportado por uma base de dados real construída
para o efeito. Essa base de dados integra a opinião de um conjunto de especialistas,
106
Transporte em Transformação XVI
a quem foi pedida a especificação do perfil de velocidade segura ao longo de um
conjunto de itinerários, sendo o seu julgamento baseado no nível de conflituosidade
local e nas condições de funcionamento prevalecentes.
Abstract
Secondary roads are characterized by different cross-section road environments
that justify the imposition of different legal speed limits. Many countries still
lack the definition of logical criteria or tools capable of technically supporting
this definition. In this line of action, this article focuses on the development of
a mathematical model capable of supporting the process of objectively defining
the legal maximum safe speed for a given road section, based on their main
geometric and functional prevailing characteristics. The model development was
based on correlation techniques and multiple regressions which were supported by
the creation of a real database. This database includes the opinions of a group of
specialists, who were asked to evaluate the safe speed profiles over a set of different
stretches of routes, based on their judgments about the level of conflict and local
prevailing operating conditions.
1. Introdução
A rede secundária de estradas de um país serve normalmente de apoio à rede
primária na distribuição do tráfego pelas regiões, pelo que uma preocupação de base
que lhe assiste é promover uma circulação contínua e segura. É por isso planeada
e projectada para assegurar fluxos contínuos e níveis de fluidez elevados, sendo os
trechos de estradas frequentemente sujeitos a limites de velocidade máxima pouco
restritivos.
Por essa razão e até à década de 80, as recomendações técnicas valorizavam
a definição de soluções geométricas e funcionais baseadas fundamentalmente
em preocupações operacionais sem terem em consideração a sua integração no
meio rodoviário envolvente (Neuman, et al., 2002). Contudo, o aparecimento e
crescimento de povoações de forma espontânea ao longo das vias, têm obrigado a
repensar essa filosofia de concepção e de gestão das redes de estradas. Actualmente
essas vias caracterizam-se por atravessar ambientes rodoviários que passam desde o
puro rural, pela habitação dispersa envolvente, até ao domínio urbano consolidado.
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
107
A definição dos locais de fronteira apropriados à imposição de alterações ao
regime de circulação e, por consequência, à alteração dos limites de velocidade
máxima, revela-se particularmente complexa. A agravar, muitos países confrontamse ainda com a inexistência de disposições técnicas ou normativas objetivas, que
apoiem a atribuição dessa velocidade de forma coerente. A infraestrutura rodoviária
é assim caracterizada por uma falta de uniformidade e de rigor nos tratamentos,
induzindo à geração de problemas de segurança rodoviária e ao tendencial
descrédito da sinalização local. Em consequência, os níveis de sinistralidade neste
tipo de estradas mantêm-se elevados sendo a velocidade apontada como uma das
principais causas dos acidentes e da sua gravidade (TRB, 1998; ANSR, 2010;
Stuster e Coffman, 1998).
Nessa linha de acção, alguns países Europeus, Estados Unidos, Canada e
Austrália, ao longo das três últimas décadas têm vindo a defender a necessidade
de impor limites de velocidade concordantes com as expectativas naturais dos
condutores numa óptica integrada de construção de estradas auto-explicativas
(Stamatiadis, 2001; DfT, 2006; Neuman et al., 2002; Mackey, 2004; Fitzpatrick
et al, 2003). Numa evolução desta perspectiva, hoje em dia, é consensualmente
aceite que apenas uma avaliação integrada é capaz de ter em consideração de forma
coerente e lógica os interesses e necessidades associados aos diferentes utilizadores
da estrada.
Os primeiros exemplos de aplicação deste tipo de abordagem centraram-se
na definição dos limites de velocidade concordantes com a prática corrente local,
e portanto baseados na medição do percentil 85 da distribuição das velocidades.
Mas a integração de outras preocupações para além da normal corrente de tráfego,
esteve, assim, na base do desenvolvimento de outros conceitos e de iniciativas de
gestão da velocidade em diversos países, salientando-se (Mackey, 2004): “Ville
plus sûre, quartiers sans accidents”, em França; “Environmentaly adaptet through
roads”, na Dinamarca; “Village Speed Control Working Group”, no Reino Unido;
“Environmental Adaptation of the Main Street in Rural Towns”, na Austrália e,
mais recentemente o projecto (TRB’s NCHRP 20-05 - Topic 40-08) “Effective
Speed Reduction Techniques for Rural High to Low Speed Transitions”, nos USA.
Estas estratégias de gestão da velocidade justificaram a redefinição dos limites de
velocidade, seleccionando valores adequados às características próprias de cada
trecho e da sua envolvente, equilibrando as necessidades de garantir simultaneamente
condições de segurança e de mobilidade (DfT, 2006).
108
Transporte em Transformação XVI
A partir de 2000 surgem novas metodologias de abordagem, baseadas na
definição de ferramentas e de modelos de cálculo suportados por fatores físicos e
operacionais. São exemplos deste tipo de ferramentas a família de aplicações Xlimits
de origem australiana (e posteriormente adaptados para os EUA e Nova Zelândia),
os quais permitem estimar o limite máximo de velocidade em função de um conjunto
alargado de variáveis ligadas à infraestrutura, ao uso do solo, condições de operação
e sinistralidade local. Estes modelos para além de adaptados às características dos
países de origem exigem a disponibilização de um conjunto alargado de informação,
nem sempre disponível. É o caso do histórico de acidentes locais ou da distribuição
das velocidades que, de forma geral, é difícil ou economicamente insustentável de
obter para cada trecho em análise.
Em Portugal a definição da velocidade máxima continua a ser baseada no regime
de circulação estabelecido no Código da Estrada, podendo esse limite ser reduzido
em situações onde o grau de conflituosidade e risco o justifique. A inexistência de
critérios técnicos, lógicos e coerentes leva a que essa redução seja feita de forma
casuística, ficando maioritariamente dependente dos critérios pessoais de cada
decisor. Em consequência o país está pautado por uma falta de uniformidade no
tratamento das situações, sendo comum encontrar limites de velocidade desajustados
às exigências locais, resultando nomeadamente em claras violações às expectativas
dos condutores. Os eixos inter-urbanos univias, pela diversidade de ambientes
que atravessam e, consequentemente, pelas diversas funções que desempenham,
apresentam-se como a tipologia ideal para a implementação de estratégias de gestão
de velocidades capazes de atender às particularidades e especificidades de cada
trecho.
Nessa linha de ação a presente comunicação centra-se no desenvolvimento de
um modelo matemático para apoio à definição dos limites da velocidade segura em
trechos de estrada com duas vias, com uso misto, ou seja que atravessem diferentes
ambientes rodoviários e envolvam a presença de outros utilizadores. O modelo foi
desenvolvido no âmbito do projecto de investigação SAFESPEED, financiado pela
Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal. São identificadas as variáveis e
factores considerados como os mais relevantes na definição desses limites, tendo
por base a experiência internacional nesta matéria. O modelo desenvolvido assenta
na aplicação de técnicas de regressão múltipla e revelou-se capaz de estimar, de
forma lógica e coerente, a velocidade segura mais adequada a cada trecho, tendo
por base um conjunto de variáveis explicativas facilmente mensuráveis ligadas à
estrada e sua envolvente.
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
109
2. Pressupostos Metodológicos e Metodologia Adoptada
O desenvolvimento do presente trabalho assenta na premissa de que a
velocidade máxima a estabelecer em cada trecho de estrada deverá resultar da
quantificação independente de duas componentes fundamentais: (i) a conflituosidade
local relacionada com o uso do solo e com a interactividade e atrito associados às
actividades que se desenvolvem marginalmente à estrada estabelecida através da
aqui denominada velocidade segura (Vs) e, (ii) as características físicas prevalecentes
do traçado e da sua envolvente, aqui representadas através do percentil 85 da
velocidade (V85). A velocidade máxima legal em cada trecho deverá corresponder
ao menor destes dois valores (Figura 1).
Características do
traçado e envolvente
V85 em regime
livre
Interacção da estrada com
o meio envolvente e outros
utilizadores
Vs - Velocidade
segura
VELOCIDADE MÁXIMA LEGAL
(MENOR ENTRE V85 E VS)
Figura 1: Metodologia para identificação da
velocidade máxima legal em cada trecho
Importa ainda ter presente que a procura de traçados auto-explicativos
deverá exigir a definição de soluções globais combinadas devidamente ajustadas
e concordantes com as expectativas naturais dos condutores, pelo que idealmente
este processo deverá integrar indicadores de controlo. De facto, quando se compara
o valor estimado ou medido da V85 com o da Vs, duas situações podem ocorrer
(Figura 2): (1) sempre que a V85 é inferior à Vs, significa que a velocidade máxima
é imposta pelas condicionantes do traçado (por exemplo um traçado muito sinuoso,
ou com inconsistências), estando salvaguardas as expectativas dos condutores; (2)
110
Transporte em Transformação XVI
sempre que a V85 é superior à Vs, verifica-se que a velocidade máxima é estabelecida
em função do nível de conflituosidade local, contudo o traçado geral da estrada
potencia a prática de velocidades superiores o que, em termos práticos, se traduz na
geração de situações incongruentes e em problemas sérios de segurança. Neste tipo
de situações importa promover a adaptação das características físicas do traçado,
designadamente através da aplicação de medidas de controlo físico da velocidade
compatíveis com a velocidade pretendida para o local. As medidas de acalmia de
tráfego encontram aqui um dos seus domínios privilegiados de aplicação.
V85 < Vs
A velocidade máxima é imposta pelas
condicionantes físicas do traçado
EXPECTATIVAS
V85 > Vs
A velocidade máxima é imposta por
conflitos locais
EXPECTATIVAS
DO CONDUTOR
RESPEITADAS
DO CONDUTOR
VIOLADAS
Figura 2: Avaliação da qualidade do ajuste das características da infraestrutura com a
velocidade máxima estabelecida
A implementação deste processo metodológico pressupõe, em termos globais,
a quantificação/estimação de 2 variáveis: a V85 e a Vs. O presente artigo centra-se
na estimação da velocidade segura (Vs), podendo a V85 ser estimada por recurso a
modelos matemáticos existentes ou ser medida directamente na secção em estudo.
De facto, a estimação da velocidade em regime livre, face às características
físicas do traçado da estrada (traçado em planta, perfil longitudinal e perfil transversal)
tem vindo a ser objecto de diversos estudos de investigação, sendo possível contar
com alguns modelos para a sua estimação (ver a título de exemplo, Cardoso, 1996;
Fitzpatrick et al., 1997; 2003). Por sua vez, a velocidade segura não tem sido muito
estudada (Donald, 1994; Correia e Bastos Silva, 2011), pelo que continua a merecer
investigação no sentido de se definir um modelo suficientemente robusto que, com
base em variáveis fáceis de obter ou de medir, seja capaz de apontar de forma
coerente e lógica qual a velocidade mais adequada a cada trecho de estrada.
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
111
A metodologia adoptada neste trabalho assentou no julgamento daquela que é a
velocidade segura apontada por um conjunto de 4 observadores especialistas. Todos
os especialistas são docentes do ensino superior na área da segurança rodoviária,
apresentando complementarmente experiência profissional relevante nessa área.
Aos especialistas foi solicitada a identificação da velocidade máxima adequada a
cada trecho tendo unicamente por base o nível de interactividade da estrada com o
meio envolvente, desprezando aquelas que são as características prevalecentes do
traçado, designadamente a existência de um traçado sinuoso ou acidentado. Através
desse julgamento especializado foi construída uma base de dados real a qual foi
complementada pelo levantamento in situ de um conjunto alargado de variáveis
relacionadas com a infra-estrurura e com o meio envolvente e que caracterizaram
cada um dos trechos estudados.
Foram seleccionados três itinerários de estradas nacionais, todos
caracterizados pela disponibilização de uma única faixa de rodagem com uma via
em cada sentido de circulação e que no seu conjunto totalizaram 45 km de extensão.
Todos os itinerários apresentavam em comum uma grande variedade de ambientes
rodoviários, integrando designadamente vários atravessamentos de localidades.
Cada um destes itinerários foi posteriormente subdividido em trechos de análise
com 200 metros de comprimento de modo a, por um lado, constituir uma dimensão
suficientemente curta para garantir homogeneidade das características físicas e de
ocupação e, por outro lado, suficientemente longo para permitir ao especialista
avaliar, de forma global, as características gerais do trecho. Os 200 metros
constituíram ainda uma solução de compromisso para que o observador, sem se
esquecer das características do troço imediatamente anterior, pudesse percecionar
as alterações no troço consecutivo, garantindo assim uma visão integrada entre os
trechos consecutivos.
De modo a simplificar a análise optou-se por considerar que os atravessamentos
de localidades são subdivididos em 3 trechos fundamentais (Figura 3): (i) o
trecho rural e de aproximação ao espaço urbano, caracterizado pela inexistência
de actividade urbana e ao qual se atribuiu a velocidade máxima estabelecida pela
lei Portuguesa (90km/h); (ii) o trecho de transição localizado entre os trechos de
aproximação e o urbano, caracterizado pelo surgimento de algumas edificações nos
espaços marginais de forma dispersa, mantendo algum afastamento em relação à
faixa de rodagem. Foi-lhe atribuída a velocidade de referência de 70km/h; e (iii) o
trecho urbano caracterizado pela existência de uma densidade edificatória elevada
e por uma atividade marginal significativa relacionada com a presença de outros
112
Transporte em Transformação XVI
utilizadores (tais como peões ou ciclistas), de movimentos de acesso local (acessos
a propriedades, inversões de marcha, estacionamento, etc.). A velocidade máxima
atribuída a estes trechos segue, mais uma vez, a velocidade estabelecida pelo Código
da Estrada Português em regime urbano, ou seja 50 km/h.
Figura 3: Divisão do trecho de atravessamento em zonas de actuação
Nesta base, foi solicitado a cada um dos especialistas que apontasse o valor da
velocidade máxima considerada como adequada em cada trecho, limitando a gama
de opções aos seguintes 3 patamares: 90, 70 e 50 km/h.
Os dados recolhidos em cada uma das sessões foram posteriormente
introduzidos numa base de dados, tendo-se seleccionado a aplicação estatística
Statistica da Statsoft como ferramenta de apoio ao desenvolvimento dos modelos
matemáticos, os quais foram desenvolvidos tendo por base técnicas de correlação e
de regressão múltipla linear.
3. Desenvolvimento de Modelos de Estimação da Velocidade Segura
3.1 Identificação das variáveis
A seleção das variáveis a adoptar mereceu uma análise detalhada e criteriosa
particularmente apoiada pela análise de estudos publicados, designadamente no
âmbito do desenvolvimento da família de aplicações Xlimits.
Verifica-se que, ao longo do tempo, o aperfeiçoamento desses modelos tem
vindo a exigir um número cada vez maior de variáveis e de factores, os quais nem
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
113
sempre são fáceis de medir ou de obter. Essas variáveis procuram caracterizar não só
a estrada e as suas condições de operação, mas também a sua envolvente próxima,
abrangendo as seguintes áreas fundamentais (Austroads, 2005; Greibe et al., 1999):
• Condições de operação (volumes de tráfego, percentis 50 e 85 da distribuição
da velocidade de operação);
• Características físicas prevalecentes da estrada (hierarquia da via,
caracterização do perfil transversal, traçado em planta e perfil longitudinal,
violações à homogeneidade do traçado, existência de passeios, inclinação
dos taludes, faixa livre de obstáculos, etc.);
• Características da envolvente (densidade habitacional; distância das
habitações à faixa de rodagem, etc.);
• Conflitos relacionados com acessos e intersecções (densidade e tipo de
acessos e de intersecções);
• Presença de outros utilizadores ou actividades locais (peões, ciclistas,
estacionamento, travessias pedonais, paragens de BUS, etc.);
• Historial de acidentes (evolução no tempo dos acidentes e sua tipologia e
gravidade);
• Outras variáveis (velocidades máximas impostas; iluminação pública, etc.).
Como se pode constatar, a lista de variáveis reportadas nesses trabalhos é
extremamente longa e exigente, o que, por vezes, torna impraticável a aplicação
deste tipo de modelos a outros países, onde muitas destas variáveis são inexistentes
ou difíceis de obter, como é caso de Portugal. Importa contudo ter presente que
uma aplicação do tipo Xlimits, ou USlimits inclui a estimação da V85 e da Vs assim
como integra critérios de avaliação da sua adequação às expectativas do condutor,
tal como apresentados na Figura 2.
Importa contudo ter em consideração que a facilidade e aplicabilidade
generalizada do modelo depende substancialmente da capacidade do mesmo
justificar a variância observada, por recurso a um número reduzido de variáveis,
as quais devem ainda ser robustas, acessíveis ou fáceis de obter. Assim e tendo
presente os pressupostos metodológicos apresentados nas Figuras 1 e 2, o presente
trabalho apoia-se no princípio de que a maioria das variáveis relacionadas com
a operacionalidade e com as características prevalecentes do traçado estão
incorporadas na estimação da V85 ou no processo de controlo do ajuste das
características da infraestrutura ao grau de conflituosidade local, o que permitiu
reduzir substancialmente o número de variáveis integradas na análise.
114
Transporte em Transformação XVI
Assim, e tendo por base a bibliografia da especialidade consultada (Austroads,
2005; Greibe et al., 1999) e a realidade nacional, foram consideradas 14 variáveis
caracterizadoras das vias e da sua envolvente (tabela 1). Apesar de ser um conjunto
limitado, considera-se que as variáveis seleccionadas respondem aos objectivos
do trabalho, salvaguardando ainda a facilidade de aplicação do modelo. As
variáveis V1 a V11 foram registadas variáveis discretas (número de acessos, número
cruzamentos, número de postos de combustível, etc.). Por sua vez, as variáveis
V12, V13 e V14 foram tratadas como variáveis binárias, assumindo o valor 1 sempre
que é verificada a ocorrência da variável ou, de 0 se a mesma não é verificada. No
caso das variáveis V13 e V14 a sua definição assentou no julgamento de uma equipa
independente que avaliou o nível de restrições laterais, tendo por base a densidade
edificatória e proximidade das edificações em relação à estrada, sendo adoptada
uma especificação baseada em três níveis. A recolha de dados foi realizada de forma
desagregada por sentido de circulação, pelo que à excepção da variável V8, todas
as variáveis foram desdobradas em direita (representando as condições do lado da
estrada relativo ao sentido de circulação) (D) e esquerda (do lado oposto) (E).
Tabela 1: Variáveis consideradas na análise
Simbolo Descrição
Símbolo Descrição
V1
V2
V3
V4
V5
V6
V7
V8
V9
V10
V11
V12
V13
V14
Nº de cruzamentos;
Nº de acessos a garagens;
Nº de acessos motorizados a terrenos;
Nº de acessos a lugares de estacionamentos;
Nº de acessos a caminhos pedonais;
Nº de acessos pedonais a casas;
Nº de paragens BUS;
Nº de atravessamento pedonais formais;
Nº de postos de abastecimento de combustível;
Nº de semáforos de controlo velocidade;
Nº de acesso a parques;
Existência/ausência de passeios;
Nível médio de restrições laterais;
Nível elevado de restrições laterais
3.2 Modelo de regressão múltipla
O desenvolvimento do modelo baseou-se na aplicação de técnicas de
regressão estatística múltipla linear. O modelo de regressão convencional (equação
1) descreve uma relação entre as k variáveis independentes (ou regressores) xi e
a variável dependente. Neste trabalho a velocidade segura (Vs) apontada pelos
observadores especialistas foi considerada como a variável dependente do modelo,
sendo introduzidas as 14 variáveis caracterizadoras do trecho e sua envolvente
como variáveis independentes.
Vs= Β0 +Β1 x1 +Β2 x2 +….+Βκxk +ε (1)
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
115
Onde:
Vs: Velocidade segura estimada [km/h]
B0: Coeficiente independente
Βj,: com j = 1,…, k são os coeficientes de regressão (parciais)
associados às variáveis xj
xi : variáveis independentes, com j = 1,…,k,
ε: é o erro aleatório.
Os parâmetros βj , j = 1,…,k, representam a variação esperada na resposta
Vs para cada unidade de variação em xj quando todos os restantes regressores xi
(i ≠ j) são considerados constantes em termos experimentais. Como medida de
avaliação da qualidade do ajuste do modelo foi considerado o valor do coeficiente
, o qual representa um indicador mais robusto
de determinação ajustado
que o coeficiente de determinação dando uma melhor ideia da proporção da variação
da variável de resposta Vs que é explicada pela equação de regressão já que tem em
conta o número de regressores envolvidos.
Os trabalhos de modelação iniciaram-se através da introdução de todas as
variáveis no modelo, sendo posteriormente avaliado o efeito associado à eliminação
combinada de algumas das variáveis. A amostra global integrou 450 casos por
condutor (correspondentes aos 45k m x 5 (segmentos de 200m) x 2 (2 sentidos de
circulação)) o que totalizou 1800 casos de estudo. Os resultados obtidos e a robustez
da relação foram sendo avaliados progressivamente tendo por base os indicadores
de ajustamento do modelo e da coerência dos resultados designadamente através
da análise do sinal associado aos coeficientes de regressão parciais. Para além
do coeficiente de determinação ajustado, foram ainda tidos em consideração o
peso assumido por cada variável (β - parâmetro com os dados normalizados) e
o correspondente nível de significância (p-value). O modelo final seleccionado
representa o modelo que, sem perda significativa da capacidade de ajuste aos
, inclui unicamente as variáveis mais
valores observados (diminuição do
robustas e que se revelaram estatisticamente significativas, de forma consistente, na
maioria dos modelos desenvolvidos.
Os primeiros modelos de regressão linear múltipla tiveram por base a
informação na forma mais desagregada possível, ou seja incluíram a totalidade das
variáveis independentes recolhidas, segregadas em função do sentido de circulação
(Tabela 2).
116
Transporte em Transformação XVI
Tabela 2: Modelos I – Resultados da modelação com as variáveis
desagregadas por sentido de circulação
Modelo
Modelo I.A
Modelo I.B
Modelo I.C
Modelo I.D
Especialista
A
B
C
D
Coef. Determinação
(R2)
R2=0,6284
R²=0,6078
R²=0,6591
R²=0,5163
R2=0,6191
R²=0,5989
R²=0,6505
R²=0,5105
B0 = 86,17
B0 = 84,13
B0 = 89,54
B0 = 82,82
B
β
B
β
B
β
B
β
V1D
-4,25
-0,15
-4,65
-0,16
-2,53
-0,11
-4,48
-0,19
V1E
-3,21
-0,11
-2,38
-0,10
-5,33
-0,22
Coef. Independente
V2D
-1,51
-0,08
V3D
-1,45
-0,13
-1,09
-0,09
-1,22
-0,13
-1,70
-0,18
V3E
V4E
-1,35
-0,12
-1,40
-0,12
-1,33
-0,15
-1,85
-0,20
-0,48
-0,06
-3,02
-0,08
-5,77
-0,16
-5,25
-0,14
V7E
-5,00
-0,10
V8
V10D
-5,15
-0,10
V10E
-6,31
-0,13
V12D
-4,99
-0,11
V12E
-4,77
-0,11
V13D
-7,64
-0,18
-13,57
-0,31
-4,87
-0,14
V13E
-5,18
-0,13
-9,10
-0,21
-4,25
-0,13
V14D
-7,43
-0,16
-11,42
-0,23
-7,29
-0,19
V14E
-5,51
-0,12
-5,85
-0,12
-7,80
-0,21
-7,44
-0,20
-3,80
-0,11
O modelo desagregado foi desenvolvido para cada um dos quatro especialistas
(A, B, C e D) tendo por base o método regressivo, o que permitiu ir rejeitando
progressivamente as variáveis que não apresentaram significância estatística ao
nível de confiança de 95%. Os resultados obtidos (tabela 2) mostram uma grande
consistência entre os modelos relativos aos 4 especialistas. À excepção do observador
D, os coeficientes de determinação ajustados de cada modelo são bastante próximos
e compreendidos entre 0,6 e 0,65. Também a proximidade entre os valores dos
coeficientes de determinação e o ajustado revela que todas as variáveis introduzidas
nos modelos são estatisticamente significativas e trazem benefícios à qualidade
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
117
final do modelo. Foi ainda possível verificar que, independentemente do modelo,
todos os coeficientes associados às variáveis eram negativos, demonstrando que
o efeito de cada variável no valor da Vs do trecho, é penalizador. De facto, o
coeficiente independente varia entre os 82,82 e os 89,54, valores bastante próximos
dos 90 km/h, assumidos como a velocidade máxima em zona rural, demonstrando
que esse valor foi considerado pelo modelo como valor de referência. O modelo
relativo ao observador D foi o que obteve menor coeficiente de determinação.
Contudo, é notória a consistência das variáveis independentes nos quatro modelos,
o que releva a robustez dessas variáveis enquanto variáveis explicativas da Vs. As
variáveis relativas aos diferentes tipos de acessos revelaram-se, de forma geral,
estatisticamente significativas, assim como as relativas ao grau de restrição lateral
e a existência de passeio.
Um outro aspecto que importa salientar prende-se com o facto de,
maioritariamente, as variáveis consideradas estatisticamente significativas o serem
em relação aos 2 sentidos de circulação. Optou-se assim por testar o ajustamento do
modelo tendo por base as variáveis explicativas introduzidas de forma agregada em
termos de sentido de trânsito (tabela 3).
Tabela 3: Modelos II - Resultados da modelação com as variáveis
agregadas por sentido de circulação
Modelo
Modelo II.A
Modelo II.B
Modelo II.C
Modelo II.D
Especialista
A
B
C
D
Coef. de determinação
R²=0,6250
R²=0,6030
R²=0,6508
R²=0,5162
R²=0,6228
R²=0,5967
R²=0,6469
R²=0,5114
B0 = 86,19
B0 = 84,33
B0 = 89,65
B0 = 82,95
Coef. Independente
Coeficientes de Regressão
V1
B
β
B
β
B
β
B
β
-3,62
-0,21
-3,54
-0,20
-2,88
-0,20
-4,85
-0,33
V2
-0,72
-0,07
-0,84
-0,08
V3
V9
-1,38
-0,21
-1,38
-0,20
-1,38
-0,25
-1,73
-0,31
V10
-3,30
-0,12
V12
V13
-4,71
-0,19
-4,33
-0,22
-6,24
-0,30
-6,46
-0,24
-10,68
-0,37
-4,11
-0,18
-2,69
-0,12
V14
-5,50
-0,21
-8,01
-0,29
-7,11
-0,33
-11,44
-0,10
-2,66
-0,09
118
Transporte em Transformação XVI
Os resultados evidenciam uma simplificação do modelo através da redução
significativa do número de regressores, sem perda significativa em termos de
qualidade do ajuste. Mais uma vez, todos os coeficientes de regressão parciais se
apresentam negativos, sendo que os coeficientes independentes dos modelos se
aproximam de 85. Também nesta série de modelos (tabela 3) se sublinha a grande
consistência dos regressores integrados nos modelos dos 4 especialistas, sendo que
as variáveis relativas às condições de restrição lateral e ao número de acessos, são as
variáveis que, de forma consistente, se mantêm em todos os modelos. Os resultados
evidenciam uma simplificação do modelo através da redução significativa do
número de regressores, sem perda significativa em termos de qualidade do ajuste.
Mais uma vez, todos os coeficientes de regressão parciais se apresentam negativos,
sendo que os coeficientes independentes dos modelos se aproximam de 85. Também
nesta série de modelos (tabela 3) se sublinha a grande consistência dos regressores
integrados nos modelos dos 4 especialistas, sendo que as variáveis relativas às
condições de restrição lateral e ao número de acessos são as variáveis que, de forma
consistente, se mantêm em todos os modelos.
O passo final do trabalho consistiu na agregação e na eliminação de
outras variáveis que, do ponto de vista prático, se consideraram pouco fiáveis
no seu processo de medição procurando assim obter um modelo final robusto e
extremamente simples. Optou-se assim por agregar todos os tipos de acessos,
independentemente da sua tipologia e por anular as variáveis V8 (existência de
passeios) e V10 (número de semáforos de controlo de velocidade), por se considerar
que em Portugal a sua implementação não segue critérios objectivos, aumentando
assim a componente do erro aleatório. A agregação e eliminação destas variáveis
traduziu-se complementarmente pela rejeição de outras que deixaram de se relevar
estatisticamente significativas ao nível de confiança de 95%. O modelo final revelouse extremamente simples, sem contudo perder significativamente em termos de
qualidade do ajuste (Tabela 4). Saliente-se que a variável “nível médio/elevado de
restrições laterais” foi a que mais influência assumiu na estimativa do valor da Vs
(maior valor de β e menor p-value).
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
119
Tabela 4: Modelos III - Resultados da modelação com as variáveis
agregadas por sentido de circulação. Modelo final simplificado
Modelo
Modelo III.A
Observador
Coef. de Determinação
Coef. Independente
Coef. de Regressão
Modelo III.B
Modelo III.C
Modelo III.D
A
B
C
D
R²=0,6015
R²=0,5813
R²=0,6269
R²=0,4812
R²=0,5979
R²=0,5804
R²=0,6245
R²=0,4799
A = 85,82
β
B
A = 83,56
β
B
A = 89,44
β
B
A = 82,15
β
B
V1 – Número de cruzamentos
-3,52
-0,21
-3,26
-0,18
-2,20
-0,16
-3,94
-0,27
V2 – Número de acessos Motorizados
-0,83
-0,24
-0,64
-0,17
-0,79
-0,28
-0,69
-0,23
V8 – Atravessamentos Pedonais
-2,35
-0,10
-0,12
-2,35
-1,97
-0,10
V13 – Nível Médio a Elevado de
Restrições Laterais
-8,50
-0,44
-0,44
-7,00
-5,06
-0,31
-10,64
-0,52
3.3 Avaliação da qualidade do ajuste
A análise dos resíduos relativos aos diferentes modelos desenvolvidos mostrou
que, de forma geral, a sua distribuição segue de perto a distribuição normal, não
tendo sido detectada uma forma padrão muito evidente na análise individualizada
entre os valores dos resíduos e os valores das variáveis independentes. Também
a análise da colineariedade entre as variáveis independentes mostrou que as
correlações encontradas não são muito significativas (inferiores a 0,8 normalmente
considerado como valor limite).
Optou-se complementarmente por avaliar a qualidade do ajuste dos resultados
estimados aos observados nos diferentes itinerários. Veja-se a titulo de exemplo a
Figura 4 a qual representa essa comparação para dois dos especialistas (A e B)
quando aplicados os modelos II (tabela 3). Considera-se que os valores estimados
seguem de muito perto os valores resultantes do julgamento dos especialistas,
sendo os afastamentos máximos obtidos pontualmente. Sublinhe-se o km 1+400
onde o modelo consistentemente aponta para 30km/h em ambos os sentidos de
circulação, ao mesmo tempo que os dois especialistas apontaram para o valor
mínimo estabelecido na análise – 50km/h.
120
Transporte em Transformação XVI
Figura 4: Comparação entre velocidades apontadas por dois dos especialistas e velocidades correspondentes velocidades seguras estimadas
4. Principais Conclusões
A rede secundária de estradas, pelo facto de envolver uma grande variabilidade
de ambientes rodoviários, evidencia a necessidade de se estabelecerem critérios
lógicos ou ferramentas de cálculo que suportem a definição dos limites de
velocidade máxima. Este trabalho apresentou o desenvolvimento de modelos
matemáticos, onde a velocidade segura é estimada tendo em consideração as
condicionantes locais que tendem a condicionar o comportamento dos condutores.
Mais do que o desenvolvimento de um modelo validado, o trabalho procurou definir
uma metodologia de trabalho capaz de produzir um modelo robusto para apoio à
definição da velocidade segura, tendo por base um conjunto limitado de variáveis
caracterizadoras da estrada e do ambiente rodoviário envolvente.
Os resultados obtidos mostraram-se bastante consistentes, quer entre os
diferentes especialistas quer ao longo do processo de simplificação do modelo,
evidenciando a importância associada às variáveis representativas das “restrições
laterais” à via (proximidade ou afastamento edificações ou outro tipo de ocupações)
e do número de intersecções e de acessos à faixa de rodagem.
Apesar de promissores, os resultados obtidos evidenciam algumas fragilidades
metodológicas que importa ultrapassar e que devem justificar o desenvolvimento
de investigação complementar futura, designadamente assente na procura de outras
Modelação da Velocidade Segura Recorrendo
ao Julgamento de Especialistas
121
técnicas de modelação alternativas. De facto, a aplicação de técnicas de regressão
múltipla resulta no desenvolvimento de modelos contínuos enquanto que a selecção
da velocidade segura se apresenta como um processo de escolha discreta. Nessa
óptica perspectiva-se que a aplicação de modelos discretos assentes na avaliação
da utilidade associada a cada uma das alternativas se possa revelar uma técnica
de modelação mais adequada. Por outro lado, o facto da modelação atribuir uma
importância relevante associada às restrições laterais (variável qualitativa cujo
processo de avaliação introduz subjectividade ao modelo), leva a que se deva
procurar substituir esta variável por outra(s) quantitativa(s), de modo a eliminar
qualquer grau de subjectividade no seu registo.
Importa, contudo, enfatizar que a metodologia proposta deve ser tomada
apenas como uma referência de base, já que a decisão final sobre qual a velocidade
máxima a adoptar pode depender de outros fatores locais relevantes e que não são
considerados neste modelo, designadamente o histórico de acidentes, presença de
escola, etc. Também a procura de uma metodologia que permita aferir a velocidade
ao longo do itinerário justifica trabalhos futuros.
Finalmente, importa ainda referir que independentemente da qualidade do
modelo final dificilmente se conseguirá definir um procedimento de aplicação
suficientemente simples que responda à diversidade e complexidade das situações
reais existentes. Importa reconhecer que os modelos de gestão da velocidade se
afiguram como ferramentas essenciais e centrais à definição de uma estratégia
coerente e fidedigna de imposição de limites legais adaptados as exigências e
características locais, não devendo, contudo, dispensar de forma complementar e
crítica, a avaliação e a intervenção directa humana.
Agradecimentos
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto SAFESPEED - Speed
management strategies: an instrument for the implementation of safe and efficient
road management solutions, projecto de investigação financiado pela Fundação para
a Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior.
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Ana M. Bastos Silva. ([email protected]) Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil
Alvaro Seco. ([email protected]) Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil
Carlos Magalhães Real. ([email protected];) Instituto Politécnico de Leiria, Departamento de
Engenharia Civil
Uma Análise da Alocação de Riscos
nos Contratos de Concessão para
Prestação de Serviços Públicos de
Infraestrutura
6
Fernando Graeff
Francisco Giusepe Donato Martins
Leonardo Lopes Garcia
Tribunal de Contas da União
Resumo
A ocorrência de um evento desfavorável (risco) pode vir a onerar os encargos
contratuais de uma ou de ambas as partes, afetando, por conseguinte, a rentabilidade
e a eficiência do projeto. A literatura indica várias técnicas e procedimentos para
a alocação eficiente dos riscos, reduzindo, assim, incertezas e, por conseguinte,
diminuindo custos de transação. Este artigo analisa pontual e comparativamente,
com a finalidade de verificar a evolução da alocação de riscos no Brasil, as respectivas
cláusulas em contratos de serviços públicos de infraestrutura. Os resultados
sinalizam que a alocação de riscos nos contratos administrativos para a delegação
de serviços públicos tem recebido tratamento distinto em função da especificidade
do empreendimento e da legislação aplicável, e que técnicas, procedimentos e
124
Transporte em Transformação XVI
modelos para alocação eficiente de riscos, em especial, o instrumento denominado
matriz de riscos, podem subsidiar a elaboração dos contratos.
Abstract
The occurrence of an adverse event (risk) might burden the contractual rates
of one or both parties, affecting therefore the project’s profitability and efficiency.
Literature suggests several techniques and procedures for the efficient risk allocation,
thereby reducing uncertainty and therefore reducing transaction costs. This article
examines these clauses individually and comparatively in public infrastructure
contracts, in order to ascertain the risk allocation trends in Brazil. The results
indicate that risk allocation in contracts for public services administrative delegation
has received different treatment depending on the enterprise´s specificities and
the applicable law, and that techniques, procedures and models for efficient risk
allocation can support the drafting of contracts, in particular the instrument called
risk matrix.
1. Introdução
As delegações de serviços públicos no Brasil, nos termos do art. 23 da
Lei 8.987/95, denominada Lei das Concessões (Brasil, 1995), e do art. 5º da
Lei 11.079/2004, conhecida como Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei das PPPs)
(Brasil, 2004), são instrumentalizadas por contratos administrativos desenhados
para contemplar a previsão dos elementos essenciais necessários à prestação
adequada do serviço e ao estabelecimento de uma relação jurídica estável ao longo
do período de sua execução.
Esses contratos, por natureza, são instrumentos complexos, pois envolvem a
realização de um negócio jurídico que têm por objeto empreendimentos de grande
vulto e partes com interesses antagônicos, e incompletos. Ademais, normalmente,
são feitos por um prazo longo, necessário para que as receitas advindas do projeto
sejam suficientes para amortizar o investimento e ainda proporcionar o retorno justo
ao particular. Assim, cabe ao Poder Concedente elaborá-los da forma mais completa
possível, contendo todos os elementos mínimos necessários para minimizar
problemas futuros que possam impedir a prestação adequada do serviço ou causar
dúvidas quanto ao equilíbrio econômico-financeiro da avença.
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
125
Nesse sentido, encontram-se as cláusulas relativas à alocação de riscos. Os
riscos, de acordo com a literatura técnica, podem ser conceituados como a ocorrência
de eventos desfavoráveis, imprevistos ou de difícil previsão, que oneram os encargos
contratuais de uma, ou de ambas as partes (Irwin et al., 1997; Partnerships Victoria,
2001). A alocação representa, por sua vez, à repartição objetiva desses riscos entre
as partes. Quando feita de forma clara e eficiente tem o condão de diminuir as
incertezas quanto ao futuro, proporcionando maior segurança jurídica e reduzindo
o custo global do projeto (Comissão Europeia, 2003).
Na literatura internacional, encontram-se diversos trabalhos que cuidam da
classificação e de alocação objetiva dos riscos, por exemplo, Kerf et al. (1998) e
Partnerships Victoria (2001), voltados para as chamadas Private Finance Iniciative
(PFI), ou seja, para parcerias entre o setor público e o privado no desenvolvimento
de infraestrutura. Na literatura nacional, a outro turno, a doutrina jurídica clássica
brasileira, com respaldo legal no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/1993, baseia a alocação
dos riscos de acordo com a teoria das áleas ordinária e extraordinária, ideia essa que
deve ser conciliada, no caso da execução de serviços públicos, com o disposto no art.
2º da Lei das Concessões (Brasil, 1995), segundo o qual as delegações são exploradas
por conta e risco do contratado (Di Pietro, 2008; Justen Filho, 2003; Aragão, 2008).
É possível, contudo, encontrar trabalhos recentes, contemporâneos à promulgação
da Lei das PPPs (Brasil, 2004), que questionam referida teoria ao tratar da alocação
objetiva dos riscos (Perez, 2006; Aragão, Orrico Filho e Câmara, 2009).
A alocação objetiva de riscos é fundamental em qualquer contrato de delegação
de serviços públicos, contudo, toma maior significância na medida em que cresce
a complexidade do empreendimento. Assim, este trabalho busca analisar pontual e
comparativamente a alocação de riscos efetuada no âmbito de contratos de serviços
de infraestrutura.
Este trabalho, a fim de atingir seu objetivo, está estruturado em cinco seções
contando com a presente introdução.Asegunda trata do referencial teórico, enfatizando
a definição e importância da alocação de riscos; a identificação e categorização dos
riscos relevantes; e as técnicas utilizadas para uma alocação eficiente. A terceira
apresenta a metodologia adotada. A quarta analisa qualitativamente a alocação de
riscos nos contratos de concessões rodoviárias federais e na minuta de contrato de
concessão do Trem de Alta Velocidade (TAV) e do Aeroporto de São Gonçalo do
Amarante no Rio Grande do Norte (Asga) e avalia comparativamente a evolução
da alocação dos riscos nesses contratos. A quinta e última seção apresenta as
considerações finais.
126
Transporte em Transformação XVI
2. Alocação de Riscos
2.1 Definição de risco
O risco em projetos de infraestrutura, nas palavras de Irwin et al. (1997),
representa os acontecimentos que podem reduzir a expectativa de retorno do
investidor. Já, para Partnerships Victoria (2001), o risco é a possibilidade da
ocorrência de circunstâncias que possam causar diferenças entre os encargos
assumidos no projeto e o efetivamente ocorrido quanto ao lucro e à previsão de
custos. Para a Comissão Europeia (2003), o risco é definido como qualquer fator,
evento ou influência que ameace a conclusão bem sucedida de um projeto, em
termos de prazo, custo ou qualidade.
Assim, podemos caracterizar o risco, em síntese, como a ocorrência de um
evento desfavorável, imprevisto ou de difícil previsão, que onere demasiadamente
os encargos contratuais de uma ou de ambas as partes, e que está no cerne da
rentabilidade do projeto (parte privada) e da eficiência na realização dos objetivos
(parte pública).
2.2 Riscos comuns nos projetos de parceria público-privada
Esses eventos desfavoráveis, conforme se depreende da literatura internacional
(v.g. Kerf et al., 1998; Partnerships Victoria, 2001), e da literatura nacional (v.g.
Aragão, Orrico Filho e Câmara, 2009; Perez, 2006), dependendo da ótica sob a qual
são analisados, do setor de atividade em que estão inseridos e das peculiaridades de
cada projeto, podem ser classificados de diversas maneiras. A Tabela 1 apresenta
comparativamente a classificação feita pelos mencionados autores.
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
127
Tabela 1: Categorias de riscos
Partnerships
Victoria
Perez
Aragão, Orrico
Filho e Câmara
A
B
C
D
Custos operacionais
X
X
X
X
Demanda
X
X
X
X
Financiamento
X
X
X
X
Caso for tuito e força maior
X
X
Especificação do contrato
X
Construção
X
Políticos
X
Tipos de Riscos
Kerf et al.
X
X
X
X
Rede
X
Trabalhistas
X
X
X
Licitatórios
X
X
Interno dos operadores
X
X
Regulatórios
X
Fatos do Príncipe e da Administração
X
X = Tipos de riscos considerados por cada um dos autores.
Fonte: Adaptado de Kerf et al. (1998), Partnerships Victoria (2001), Perez (2006) e Aragão, Orrico Filho e Câmara (2009).
A Tabela 1 permite alguns comentários. Inicialmente, destaque-se que as
classificações encontradas na literatura internacional (colunas A e B) estão voltadas
para as chamadas Private Finance Initiative (PFI). Por sua vez, as classificações
encontradas na literatura nacional (colunas C e D) referem-se a projetos de prestação
de serviços públicos. Percebe-se, também da Tabela 1, que as categorias não são
exaustivas, Perez (2006), por exemplo, além de categorizar os riscos, alerta que
cada um desses rótulos encobre uma série de áleas sob sua formulação genérica
e não revelam a priori uma divisão de riscos entre as partes contratuais, porque
essa divisão deve se dar caso a caso, segundo o perfil e as especificidades de cada
concessão.
Pode-se concluir, ainda, que apesar das especificidades de cada projeto,
muitas categorias são semelhantes quanto ao seu conteúdo e, muitas vezes, até
na denominação dada. É possível afirmar, desta forma, que a classificação dos
riscos na maior parte é comum a qualquer tipo de delegação de serviço público,
por exemplo, os riscos de demanda, de financiamento e de custos operacionais.
128
Transporte em Transformação XVI
Contudo, a relevância de cada um vai depender substancialmente da especificidade
de cada delegação, e é nesse ponto que reside a maior dificuldade da modelagem
contratual.
2.3 Princípio básico da alocação de riscos
Uma vez identificados os riscos relevantes é necessária a sua alocação, ou
seja, a clara e objetiva responsabilização de cada parte na hipótese de sua ocorrência.
Nesse sentido, Irwin et al. (1997) afirmam que a desestatização somente irá realizar
o seu potencial se a administração alocar adequadamente os riscos enfrentados
pelo parceiro privado. Indo um pouco mais adiante, Allen (2001) afirma que, nos
projetos de parceria em que o setor público é parte, o “Value for Money”, isto é,
o aumento da eficiência da gestão pública, é atingido através da transferência dos
riscos. Ainda, segundo Allen (2001), uma vez que os riscos inerentes ao projeto
tenham sido identificados, eles devem ser alocados entre os parceiros públicos e
privados, seguindo o princípio básico de que o risco deve ser atribuído a quem tem
melhor condição para administrá-lo.
Esse princípio é largamente difundido na literatura técnica internacional, por
exemplo, Kerf et al. (1998) afirmam que os critérios para a alocação dos riscos são
bem simples: os riscos devem ser suportados pela parte que tem as melhores condições
para avaliar, controlar e gerenciar ou a parte com melhor acesso a instrumentos de
cobertura, a maior capacidade para diversificar, ou o menor custo para suportá-los.
Ainda, nessa linha de raciocínio, Irwin et al. (1997) reconhecem que existem dois
fatores que devem ser levados em consideração na alocação dos riscos: primeiro,
o grau em que o agente pode influenciar ou controlar o resultado sujeito a riscos;
segundo, a capacidade do agente em suportar o risco com menor custo.
2.4 Teoria das áleas ordinária e extraordinária e alocação de riscos
no Brasil
Apesar de consolidado na literatura internacional, o princípio básico da
alocação de riscos não é tão difundido no Brasil. Devido à nossa herança positivista,
a doutrina jurídica clássica brasileira baseia a alocação dos riscos de acordo com
a teoria das áleas ordinária e extraordinária (Di Pietro, 2008; Justen Filho, 2003;
Aragão, 2008).
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
129
As concessões, de acordo com essa teoria, são contratos de natureza
tipicamente administrativa pelos quais a Administração – Poder Concedente –
transfere a um particular – concessionário – a realização e exploração, por sua conta
e risco, de uma obra ou serviço público. A doutrina administrativista brasileira
considera os contratos de delegação como atos jurídicos bilaterais, que preveem, em
regra, igualdade de direitos e obrigações. Todavia, nos contratos administrativos, a
Administração busca o atendimento do interesse geral, enquanto que o contratado
está buscando o atendimento do seu interesse privado. Daí se justificar, nos contratos
de delegação de serviço público, a desigualdade de tratamento e a regência dos
contratos administrativos pelo direito público (Souto, 2005).
Perez (2006) afirma, por isso, que de uma forma bastante simplista a leitura
tradicionalmente feita da expressão por sua conta e risco divide os riscos na
concessão de serviço, como nos contratos administrativos em geral, em ordinários
e extraordinários e conclui que o concessionário assume os riscos ordinários
do empreendimento. A excessiva rigidez da teoria das áleas impõe limitações à
alocação eficiente dos riscos e, por conseguinte, põe em risco a própria prestação
adequada do serviço, pois, nas palavras de Di Pietro (2008), o problema é saber
como se concilia a ideia de equilíbrio econômico-financeiro com a ideia de que
a execução do serviço, na concessão, se faz por conta e risco do concessionário.
Atento a esse fato, como uma forma de atenuar o problema adaptando nossa teoria
ao princípio básico de alocação dos riscos, Perez (2006) defende que a expressão
‘por sua conta e risco’ não importa em transferência ao concessionário de todos os
riscos inerentes ao empreendimento. Importa, sim, transferência ao concessionário
dos riscos de acordo com o que foi estabelecido no contrato, ou seja, são por conta
e risco do concessionário aqueles riscos que o contrato, expressa e explicitamente,
transferir-lhe.
Com o objetivo de minimizar o efeito danoso da interpretação literal da
expressão ‘por sua conta e risco’ expressa no art. 2º, II, III e IV, da Lei de Concessões
(Brasil, 1995), bem como da rigidez da teoria das áleas consubstanciada no art. 65,
II, “d”, da Lei nº 8.666/1993, parte da doutrina e a própria legislação têm evoluído
para uma repartição mais equânime dos riscos entre as partes. A Lei Federal das PPPs
(Brasil, 2004), por exemplo, entre outras medidas mitigadoras do risco do parceiro
privado, estabeleceu regra explícita de repartição de riscos (art. 4º, VI e art. 5º, III)
entre a administração pública e o contratado, inclusive os referentes a caso fortuito,
força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. Ainda no âmbito
federal, segundo Perez (2006), a própria Lei das Concessões foi alterada pela Lei
11.196/2005, com a inclusão de duas novas regras de atenuação do risco financeiro
130
Transporte em Transformação XVI
nas concessões, criando o direito de as instituições financeiras assumirem o controle
da concessionária para promoção de sua reestruturação financeira e possibilitou,
nas concessões em geral, a cessão, em caráter fiduciário dos créditos operacionais
futuros do concessionário. Esse novo modelo de repartição, inaugurado no Brasil
pela Lei das PPPs, já encontra eco em alguns estudos no Brasil (Franco e Pamplona,
2008; Aragão et al., 2005) e, em maior proporção, na produção internacional
(Queiroz, 1999; Partnerships Victoria, 2001; Allen, 2001; Lewis, 2001; Comissão
Europeia, 2003; Oudot, 2005). Contudo, ainda é pouco explorada a possibilidade
da alocação dos riscos nos contratos de concessão comum (Aragão et al., 2005).
Percebe-se, portanto, que a doutrina e a legislação caminham juntas no sentido de
atenuar a rigidez da teoria das áleas.
2.5 Técnica e importância da alocação eficiente de riscos
Não há que se olvidar, portanto, da importância da alocação eficiente dos
riscos em projetos de longa duração. Segundo a Comissão Europeia (2003) a
alocação eficiente do risco tem um impacto financeiro direto sobre o projeto, já
que resultará em menor custo global e, dessa forma, propiciará melhor vantagens
socioeconômicas em comparação com os métodos tradicionais. A identificação dos
riscos de uma concessão é essencial não só para a verificação de sua viabilidade
econômica e financeira, como também deve conduzir, do ponto de vista estritamente
jurídico, a previsão expressa dos riscos contratuais, dos mecanismos de atenuação
contratual dessas áleas e dos mecanismos contratuais de solução de eventuais
conflitos entre as partes (divisão do ônus, inclusive), que sejam relacionados à
superveniência de situação fática identificada com os riscos previstos nos estudos
prévios à contratação. Para tanto, é necessário que essa alocação seja feita de forma
racional, seguindo técnicas pré-definidas, pois deve haver coerência entre a alocação
eficiente do risco e o estudo de viabilidade econômico-financeiro do projeto, e entre
esses e o edital e as cláusulas contratuais.
A estruturação de qualquer projeto de longa duração consiste na elaboração
de um modelo que contemple as projeções de parâmetros básicos, e toda projeção,
por melhor que seja, está cercada de riscos. Para o planejamento e desenvolvimento
do processo licitatório é essencial que esses riscos sejam identificados, analisados
e tratados dentro do modelo e, quando possível, quantificados. Desta maneira,
o primeiro passo, dentro de um processo de gestão de riscos, é mapeá-los. A
sistematização torna o processo de alocação mais fácil. Consoante Partnerships
Victoria (2001), o processo de gestão de riscos segue um ciclo que visa identificar,
prevenir, conter e mitigar os riscos de um projeto, dividido em cinco etapas:
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
131
identificação dos riscos; avaliação de risco; alocação de risco; mitigação de risco;
e monitoramento/revisão. A partir das informações obtidas, é montada a matriz de
riscos. Dependendo do escopo do projeto essa matriz poderá ser mais ou menos
detalhada e ter mais ou menos tipos e desdobramento de riscos.
Esse instrumento é construído com base no princípio da alocação ótima de
riscos e visa assegurar maior eficiência no processo de contratação pública evitando
que o concessionário assuma determinados riscos que podem ser melhores geridos
pela Administração Pública e vice-versa. A assunção demasiada de riscos pelo
concessionário, por exemplo, é precificada pelo particular, onerando ao Poder
Concedente ou ao usuário do serviço. Assim, todos os riscos relevantes devem ser
indicados de forma genérica nessa matriz, para orientar a elaboração dos estudos
e, no momento da elaboração do contrato de concessão, ter a sua mitigação
regulamentada de forma clara e precisa.
A viabilidade do negócio, assim, é avaliada com certo grau de segurança
levando-se em conta estudos sobre o potencial de geração de receitas do
empreendimento; sobre os investimentos, os custos e as despesas necessários
para gerar essas receitas; sobre a taxa mínima de atratividade; sobre as formas de
financiamento do projeto (% capital próprio / % de terceiros); tudo isso projetado
para um longo espaço de tempo. O resultado desse estudo irá apontar aspectos como:
viabilidade do projeto; necessidade de aporte público; caracterização do modelo como
PPP ou concessão comum; e o parâmetro de julgamento da licitação. Constatada a
viabilidade do empreendimento, consubstanciada no potencial do projeto para atrair
investidores em número suficiente para que seja garantida a concorrência em um
certame que resulte na melhor proposta para o Poder Público, e definido o parâmetro
de julgamento da licitação, os dados do modelo e as informações da matriz de risco
irão subsidiar a formulação das cláusulas do edital de licitação e da minuta do
contrato.
Os licitantes irão apresentar suas propostas, sendo que a vencedora servirá de
base para caracterizar a equação econômico-financeira inicial da avença respeitada
a repartição de riscos estabelecida contratualmente. É fácil perceber, portanto,
que a alocação eficiente dos riscos tem o condão de subsidiar a modelagem do
projeto, criar um ambiente seguro para os possíveis licitantes, proporcionar um
gerenciamento eficiente do contrato, delimitar o processo de reequilíbrio, aumentando
significativamente a probabilidade de a proposta vencedora ser a mais vantajosa para
a administração e do serviço ser prestado adequadamente nos termos da Lei das
Concessões.
132
Transporte em Transformação XVI
A matriz elaborada pela Partnerships Victoria (2001), por exemplo, possui um
rico detalhamento dos riscos incidentes nos projetos de PFI, divididos em diversas
categorias e subcategorias. Na Tabela 2, é apresentado o tratamento adotado para
dois tipos de riscos: de financiamento; e de alteração do projeto original.
Tabela 2: Exemplo de matriz de riscos de financiamento
e de alteração do projeto original
Categoria
do Risco
Alocação
Preferencial
Descrição
Consequencia
Medidas Mitigadoras
Risco de
Financiamento
Risco de que não esteja
disponível financiamento,
nos montantes e nas condições previstas, quando
a dívida e / ou o capital é
exigido da entidade privada.
Não haverá recursos para o
progresso ou
complemento
do projeto.
Exigência de que todas as propostas contenham garantias quanto
aos compromissos financeiros
com condições mínimas e facilmente realizáveis.
Parceiro
Privado
Risco de
alteração
do projeto
original
Risco de que o projeto
seja alterado pela administração após a assinatura do contrato.
A alteração no
projeto pode
aumentar em
demasia
os
custos da par te
privada.
A administração deve minimizar a
chance de mudar as especificações do projeto e, para o caso de
mudança, deve incluir cláusulas
claras no contrato que garantam
a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro inicial.
Parceiro
Público
Fonte: Adaptado de Partnerships Victoria (2001).
Visualizando a Tabela 2, nota-se que o princípio básico da alocação dos riscos
foi considerado na confecção da matriz, na medida em que o risco de financiamento
foi alocado preferencialmente ao parceiro privado, enquanto que o risco de
alteração do projeto original coube ao parceiro público, por reunirem, teoricamente,
as melhores condições de administrá-los no âmbito do projeto. Outro ponto de
destaque é a existência da previsão das consequências e das medidas mitigadoras,
essas colunas, nem sempre presentes nas matrizes de riscos, têm por finalidade
auxiliar o desenho das cláusulas contratuais.
Em suma, a matriz de riscos deve ser elaborada de acordo com as peculiaridades
de cada projeto, podendo ser mais ou menos detalhada, levando-se em consideração
o custo versus benefício de sua confecção.
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
133
3. Metodologia
Realizou-se neste trabalho pesquisa empírica do tipo documental aplicada nos
contratos de concessão rodoviárias federais e nas minutas de contrato do TAV e do
Asga. As respectivas cláusulas contratuais sobre alocação de riscos foram tabuladas
e analisadas qualitativamente de forma pontual, para em um segundo momento, ser
feita a análise comparativa.
Impende destacar que as concessões rodoviárias federais encontram-se
consolidadas dentro de um processo amplo de desestatização desse serviço, visto
que atualmente está em curso a 3ª fase, ao contrário do que ocorre com projetos
do tipo greenfield, como o TAV e o ASGA. Não seria possível, por exemplo, fazer
entre esses empreendimentos uma comparação em termos absolutos, pois são
modais distintos, cada um com demanda e níveis de investimento e financiamento
próprios. Cabe lembrar, ainda, que a relevância da alocação do risco para o sucesso
da concessão depende substancialmente da especificidade de cada empreendimento.
Contudo, procedeu-se à comparação entre o processo de alocação de riscos, pois
este é válido para todos os tipos de empreendimentos, independentemente das
características próprias de cada um.
Nos contratos de concessão rodoviárias federais, analisou-se um contrato
antes e três posteriores à criação da ANTT que coincidem com a 1ª, a 2ª e a 3ª
Etapa do Procofe. No entanto, a 2ª Etapa é dividida em duas fases. Assim, optou-se
pela inclusão de dois contratos da 2ª Etapa do Procofe. Entende-se, ainda, que não
haverá necessidade de analisar todos os documentos uma vez que para cada etapa
do Procofe os contratos são idênticos, exceção às fases da 2ª Etapa.
De acordo com o critério adotado, foram analisados os seguintes contratos:
(a) Contrato de Concessão da Rodovia Osório-Porto Alegre S.A. (ANTT, 1997) –
1ª Etapa; (b) Contrato de Concessão da Rodovia BR-116/PR/SC Trecho Curitibadivisa SC/RS (ANTT, 2007) – Fase I da 2ª Etapa; (c) Contrato de Concessão da
Rodovia Via Bahia Concessionária de Rodovias S.A. (ANTT, 2008a) – Fase II da
2ª Etapa; (d) Minuta de Contrato de Concessão da Rodovia BR-040/MG Trecho
Brasília – Juiz de Fora (ANTT, 2008b)– Fase I da 3ª Etapa; (e) Minuta de Contrato
de Concessão Trem de Alva Velocidade (TAV) (ANTT, 2010); e (f) Minuta de
Contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante/RN (Asga)
(Anac, 2010).
134
Transporte em Transformação XVI
4. Alocação de Riscos nos Contratos de Serviço Público de
Infraestrutura no Brasil
4.1 Contratos de concessão de rodovias federais
O setor de rodovias, segundo Vasconcelos (2008), no início dos anos 90, foi
um dos primeiros setores no Brasil a experimentar a concessão de serviço público
à iniciativa privada. Antes mesmo da edição da Lei das Concessões, foi criada,
em 1993, a primeira versão do Programa de Concessão de Rodovias Federais. A
primeira etapa de concessões, ocorrida antes da criação da ANTT, foi realizada pelo
Ministério dos Transportes. Posteriormente, a ANTT assumiu a responsabilidade
pelas rodovias já concedidas e promoveu a segunda etapa de concessões, fases I e II,
ambas concluídas. Atualmente, encontra-se em andamento a 3ª etapa de concessões
federais (fases I e II).
Na primeira etapa de concessão, por determinação contratual, as concessionárias
assumiam integral responsabilidade por todos os riscos inerentes à concessão,
exceto nos casos em que o contrato expressamente ressalvasse (Vasconcelos, 2008).
De acordo com esse autor, dentre esses riscos estão os inerentes ao negócio, ou seja,
aqueles que dependerão da forma de gestão da concessão, pois, ao concessionário são
atribuídos os riscos normais de mercado, como qualquer empreendedor comercial
ou industrial estaria submetido. Em outras palavras, a concessão se dá por ‘conta e
risco do concessionário’.
Os contratos da 2ª etapa, fase I, de concessões de rodovias federais repetiram
a fórmula da etapa anterior, ou seja, não alocaram objetivamente grande parte dos
riscos e o tratamento aos poucos alocados está disperso por todo o contrato. Agrava
essa situação o fato de que esses contratos não continham cláusulas com a previsão
de revisão periódica a fim de manter o inicial equilíbrio econômico-financeiro da
concessão (revisão ordinária da tarifa). Nesse caso, na prática ocorre que os eventos
que oneram a concessionária são objeto de solicitação de reequilíbrio por parte da
concessionária, mas o contrário não acontece, ou seja, ganhos de produtividade,
redução de custos, e outros, não são repassados à modicidade tarifária. Nota-se,
contudo, ainda na 2ª etapa de concessões, fase II, uma evolução na alocação de riscos.
Trata-se do contrato de concessão da BR 116/324 no Estado da Bahia (ANTT, 2008a),
que inicialmente havia sido modelado como uma PPP patrocinada, todavia, acabou
por ser concedida na forma de concessão comum. Ressalte-se que esse contrato é o
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
135
primeiro a prever cláusula específica de alocação de riscos, os quais são exaustivamente
alocados ao parceiro público e exemplificativamente ao parceiro privado, ficando os
riscos residuais a cargo deste último. Além disso, nesse contrato foi incluída cláusula
de revisão periódica da tarifa (TCU, 2008). Esse modelo de alocação de riscos foi
replicado nos contratos da 3ª etapa em andamento de concessões de rodovias federais.
A Tabela 3 demonstra um esquema comparativo da evolução do modelo de alocação
dos riscos adotado nas concessões de rodovias federais.
Tabela 3: Modelo de alocação adotado nas concessões de rodovias federais
Etapa
Parte Pública
1ª etapa e
2ª etapa
(fase I)
2ª etapa
(fase II) e
3ª etapa
Parte Privada
Riscos explícitos
Riscos implícitos
a) força maior, caso for tuito, fato
do príncipe, fato da Administração;
b) modificações estruturais nos
preços relativos dos fatores de
produção;
c) desapropriação ou imposição
de servidão administrativa.
a) tráfego;
b) erros na determinação de
quantitativos;
c) danos seguráveis na rodovia;
d) variação nos custos; e
e) passivo ambiental após assinatura contrato.
Todos os riscos inerentes a
concessão, exceto nos casos em que o risco seja explicitamente assumido pela
par te pública e não sejam
passíveis de seguro.
a) manifestações sociais e/ou públicas acima de 15 dias;
b) decisão arbitral, judicial ou administrativa;
c) caso for tuito ou força maior;
d) implantação de novas rotas ou
caminhos alternativos livres de pagamento de Tarifa de Pedágio.
a) tráfego
b) obtenção de licenças, permissões e autorizações;
c) desapropriações;
d) aumento de custos;
e) tecnologia;
f) aumento do custo de capital;
g) variação das ta xas de câmbio;
h) passivo ambiental.
Todos os riscos relacionados à Concessão, a exceção dos riscos assumidos
pela par te Pública que não
sejam passíveis de seguro.
Fonte: Adaptado de ANTT (1997, 2007, 2008a e 2008b).
Percebe-se, da Tabela 3, mesmo nos contratos mais antigos, uma preocupação
com o risco de demanda, sendo explicitamente alocado à parte privada. Tal
preocupação encontrava justificativa na assimetria de informações, pois o Poder
Público não tinha controle sobre a demanda real e dependia dos dados do próprio
prestador do serviço para conhecê-la. Assim, o licitante poderia ofertar uma demanda
mais alta do que a efetivamente projetada, e uma vez ganha a concorrência, pleitear
reequilíbrio do contrato no provável caso da frustração da demanda ofertada.
Nesse sentido, parece que na 1ª etapa e na 2ª etapa, fase I, das concessões de
rodovias federais, foi utilizado o método de alocação de riscos baseado na teoria das
áleas, a despeito de à época já existirem trabalhos como os de Irwin et al. (1997)
136
Transporte em Transformação XVI
e Kerf et al. (1998) que tratavam da alocação objetiva. Nessa linha, depreende-se
que não houve uma análise pormenorizada dos riscos inerentes à atividade, a fim
de identificá-los, classificá-los e alocá-los de forma mais eficiente à parte que tenha
melhor condição de minimizar os efeitos danosos na hipótese de sua ocorrência, tal
como preconiza a literatura consultada. Percebe-se, ainda, um avanço na alocação
a partir do contrato da BR 116/324 na Bahia (ANTT, 2008a), constante da 2ª etapa,
fase II, e contemporâneo à Lei de PPP. Ou seja, até então, parece que se fazia o que
a Lei das Concessões literalmente previa, considerando que a concessão corria por
conta e risco da parte privada.
4.2 Minuta de contrato do trem de alta velocidade (TAV)
A ANTT replicou a experiência obtida com as concessões rodoviárias da 2ª
etapa, fase II, na concessão do TAV (ANTT, 2010). Nesse sentido, a minuta do
contrato estipula que, com exceção dos casos expressa e nomeadamente previstos,
a concessionária é integral e exclusivamente responsável por todos os riscos
relacionados à concessão. A Tabela 4 demonstra, resumidamente, essa alocação.
Tabela 4: Alocação de riscos na minuta de contrato do TAV
Parte Pública
a) desapropriações (até cer to limite);
b) decisão arbitral, judicial ou administrativa que impeça
ou impossibilite a concessionária de cobrar a tarifa;
c) custos adicionais ou prejuízos decorrentes de atrasos
causados pelo Poder Concedente;
d) caso for tuito ou força maior que não possam ser objeto de cober tura de seguros;
e) interrupção do fornecimento de energia elétrica ensejada por falha no sistema que não seja de responsabilidade da concessionária ou de seu fornecedor;
f) custos socioambientais que ultrapassem cer to valor.
Parte Privada
a) demanda;
b) obtenção de licenças;
c) investimentos;
d) custos;
e) atraso no cumprimento dos cronogramas;
f) metodologia de execução e do projeto executivo;
g) tecnologia;
h) aumento do custo de capital;
i) variação das ta xas de câmbio;
j) contratação e aquisição da energia elétrica;
k) caso for tuito e força maior, objeto de seguro.
Fonte: Adaptado de ANTT (2010).
Pode-se observar na Tabela 4 que, apesar de a concessão, conforme reza
a minuta do contrato, se dar por conta e risco da concessionária, há riscos bem
específicos a cargo do Poder Concedente, em contrapartida, detalhados alguns riscos
de responsabilidade exclusiva da concessionária. Se comparado com os contratos
de concessões estudados até o momento, verifica-se que a minuta do TAV é o que
aloca os riscos com maior precisão.
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
137
Tome-se, por exemplo, o risco de contratação e fornecimento de energia, inferese que por trás dessa alocação, parte pública / parte privada, foi utilizado método para
alocação de riscos que resultou em um instrumento similar à matriz de riscos demonstrada
na Tabela 2, para identificar esse risco como relevante nesse tipo de empreendimento e
prever formas para sua mitigação por meio do seu compartilhamento.
4.3 Minuta de contrato de concessão do aeroporto de São Gonçalo do
Amarante/RN
Pode-se perceber que o processo de alocação evoluiu desde os primeiros contratos
de concessões rodoviárias até a minuta do contrato do TAV. Só recentemente, contudo,
os processos de concessão no Brasil começaram a ser estruturados com a formulação
e apresentação de matriz de riscos conforme orienta a literatura analisada. Tome-se,
por exemplo, o projeto do Asga, conduzido pela Anac, cujo estudo de viabilidade
disponibilizado na consulta pública foi instruído com o relatório denominado Matriz
de Risco (ANAC, 2010). Nessa matriz, a Anac classificou os riscos da concessão nas
seguintes categorias: projeto de engenharia; construção; performance; operacionais;
demanda; término antecipado; ambientais e outros. Cada categoria, por sua vez,
é subdivida nos riscos que a Anac entendeu relevantes para esgotá-la. Importante
notar que a matriz elaborada pela Agência Reguladora é muito semelhante ao
modelo apresentado na Tabela 2, com apenas uma diferença, o acréscimo da coluna
denominada Probabilidade, que tem por função orientar o gestor sobre a frequência
em que o risco ocorre. Devido à extensão e ao detalhamento da referida matriz, optouse por exemplificar na Tabela 5 o tratamento dado para o risco de demanda.
Verifica-se na Tabela 5 que a Anac, ao contrário do que ocorria até então
nos contratos de concessão de serviços públicos de infraestrutura, nos quais toda a
responsabilidade sobre a demanda recaía na parte privada, tratou detalhadamente
esse risco, inclusive, alocando parte ao Poder Público. No caso, quanto ao risco
alocado à parte privada, a Agência pode ter avaliado que o empreendimento é um
indutor de demanda, ou seja, que o concessionário tem meios para atrair demanda
para o aeroporto e detém o controle das informações necessárias para administrar
o risco, o que poderia dificultar a regulação por parte da Agência. Já, quanto à
demanda desviada para o Aeroporto Augusto Severo, não resta dúvida que se trata
de um risco do Poder Concedente, uma vez que é ele quem o administra.
138
Transporte em Transformação XVI
Tabela 5: Alocação do risco de demanda no projeto do Asga
Risco
Definição
Alocação Impacto
Prob.
Mitigação
Aumento/
Redução da
Demanda
Redução/aumentos inesperados de receita devido à
demanda causada pelo desempenho econômico.
Privado
Médio /
Alto
Ocasional Vinculação de novos investimentos com base em gatilhos associados à demanda.
Demanda e
dimensão da
Infraestrutura
aeropor tuária
Responsabilidade pela manutenção/ampliação
dos
componentes da infraestrutura de acordo com a
demanda.
Privado
Alto
Ocasional Previsão de aplicação de
Demanda
desviada
Redução da demanda permanente por desvio para
novo modal concorrente
(Aeropor to ou trem).
Privado
Médio /
Alto
Ocasional Implantação pela Conces-
Demanda
desviada para
o Aeropor to
Internacional Augusto
Severo
Concorrência com o Aeropor to Internacional Augusto Severo em Natal/RN, no
tocante a voos comerciais.
Público
Alto
Improvável Obrigação de a Anac encer-
penalidades para os casos
de não realização dos investimentos necessários.
sionária de mecanismos que
visem o aumento da competitividade.
rar a operação do Aeropor to
de Augusto Severo quando
do início da operação do
ASGA, associada à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
Prob. = Probabilidade.
Fonte: Adaptado de Anac (2010).
Portanto, pode-se concluir que a configuração da matriz de riscos é um
instrumento valioso para subsidiar a alocação eficiente de riscos e redigir as
respectivas cláusulas contratuais.
4.4 Evolução da alocação de riscos
A alocação de riscos é um processo dinâmico, na medida em que riscos antes
suportados por uma parte, podem em outra oportunidade ser compartilhados ou
mesmo atribuídos totalmente à parte contrária, de forma a diminuir as incertezas e,
consequentemente, os custos de transação. A Tabela 6 sintetiza essa evolução.
Uma Análise da Alocação de Riscos nos Contratos de Concessão
para Prestação de Serviços Públicos de Infraestrutura
139
Tabela 6: Evolução da alocação dos riscos concessão de serviços públicos de infraestrutura
Fator
Concessão Rodoviária (etapas)
TAV
ASGA
1ª e 2ª (fase I)
2ª (fase II) e 3ª
Usa matriz de riscos
Não
Não
Sim
Sim
Cláusulas específicas de alocação de riscos
Não
Sim
Sim
Sim
Utilização da teoria das áleas
Sim
Não
Não
Não
Revisão periódica
Não
Sim
Sim
Sim
Constata-se da Tabela 6 que o contrato de concessão rodoviária da 2ª etapa,
fase II, representa a quebra de paradigma quanto à alocação de riscos. Isso pode ser
explicado, pois inicialmente essa concessão havia sido modelada como uma PPP
patrocinada, nos termos da Lei 11.079/2004, no entanto, acabou sendo delegada
na forma de concessão comum, de acordo com a Lei 8.987/1995. Apesar disso, o
contrato manteve as cláusulas específicas de alocação de riscos, mitigando a teoria
das áleas ordinária e extraordinária, deixando a delegação de ser por conta e risco
do concessionário, para ter seus riscos razoavelmente alocados entre as partes.
Outra evolução no referido contrato foi a inclusão da revisão periódica das tarifas
com o intuito de instrumentalizar a alocação dos riscos contratuais, principalmente
em se tratando dos riscos suportados pelo Poder Público. Extrai-se, ainda, que nos
contratos que se seguiram os riscos foram alocados de forma mais precisa, mais
detalhada, pois contaram com o auxílio de matriz de riscos.
Conclui-se, portanto, que a utilização de instrumentos indicados pela literatura
consultada, como por exemplo, Kerf et al. (1998) e Partnerships Victoria (2001),
auxilia ao Poder Concedente no desenho adequado dos contratos, e isso pode ser
replicado em contratos futuros de concessão de serviços públicos.
5. Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi analisar qualitativamente cláusulas contratuais
de alocação de riscos constantes de contratos de concessão de serviços públicos de
infraestrutura no Brasil, com o intuito de verificar a evolução da alocação dos riscos
e identificar boas práticas para serem replicadas em contratos futuros.
140
Transporte em Transformação XVI
O risco representa a ocorrência de um evento desfavorável, imprevisto ou
de difícil previsão, que onera demasiadamente os encargos contratuais de uma ou
de ambas as partes. Grande parte deles é comum a qualquer projeto de delegação
de serviço público (v.g. riscos de demanda, financiamento e custos), todavia, não é
possível fazer generalizações, cada empreendimento apresenta peculiaridades que
irão influenciar na relevância de cada um desses riscos. Da literatura internacional,
depreende-se que esses riscos, uma vez identificados, devem ser alocados de
acordo com o princípio básico de alocação que propugna que o risco deve ficar a
cargo da parte que melhor tenha condições de suportá-lo. Para tanto, a alocação de
riscos deve estar assentada em técnicas e métodos em instrumentos consistentes
e robustos, como por exemplo, na formulação de uma matriz de riscos detalhada,
considerando-se a complexidade de cada empreendimento, dentro de um processo
de gestão de riscos que: preveja e descreva o risco; avalie sua consequência; e
defina a parte que o suportará e as medidas para sua mitigação.
A análise dos contratos de serviços públicos de infraestrutura de concessões de
rodovias federais, da minuta de contrato de concessão do Trem de Alta Velocidade e
do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante indicou que o princípio básico de alocação
de riscos ainda não é tão difundido no Brasil, devido à tradição da teoria das áleas
consubstanciada na Lei das Concessões. Essa cultura, entretanto, vem aos poucos sendo
superada, doutrinária e legalmente, principalmente após a edição da Lei Federal das
PPPs que determina a alocação objetiva dos riscos, o que pode favorecer a prestação
adequada dos serviços em função da dinamicidade afeta ao processo de gestão de riscos.
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([email protected]); Leonardo Lopes Garcia ([email protected]).
Planeamento Sustentável
de Redes Rodoviárias
Interurbanas Através de uma
Abordagem Multi-Objetivo
7
Bruno Filipe Lopes dos Santos
António Pais Antunes
Departamento de Engenharia Civil
Universidade de Coimbra, Portugal
Resumo
Neste artigo apresenta-se uma abordagem multi-objetivo para o planeamento
de longo prazo de redes rodoviárias interurbanas. A abordagem é coerente com
a estrutura de planeamento do manual americano Highway Capacity Manual,
recorrendo ao conceito de nível de serviço para avaliar as condições de tráfego.
Os eixos rodoviários são classificados de acordo com uma hierarquia e as soluções
podem ser encontradas com recurso a dois tipos de ações: a construção de um novo
eixo de determinado nível hierárquico e o melhoramento de eixos existentes para um
nível hierárquico superior. A rede rodoviária principal do Estado do Paraná, Brasil,
é usada para demonstrar a aplicabilidade da abordagem e para ilustrar as diferenças
entre soluções de planeamento que tenham por objetivo apenas a eficiência da rede
e soluções que visem um planeamento mais sustentável ao incluírem objetivos de
equidade e de consumo energético.
144
Transporte em Transformação XVI
Abstract
This article presents a multi-objective approach to long-term interurban road
network planning. The approach is consistent with the planning framework of the
Highway Capacity Manual, using the concept of level of service for assessing
traffic flow conditions. Road segments are classified according to a hierarchy and,
in the search of solutions, two types of action are considered: the construction of
a new link of a given hierarchic level; and the upgrading of an existing link to
a higher level. The main road network of the State of Paraná, Brazil, is used to
show the applicability of the approach and to illustrate the differences between
efficiency-oriented solutions and more sustainable solutions where equity and
energy consumption objectives are also taken into account.
1. Introdução
As economias modernas são fortemente dependentes dos sistemas de
transporte. As redes rodoviárias interurbanas, na medida em que constituem uma
componente importante daqueles sistemas, desempenham um papel essencial no
respectivo desenvolvimento. Enquanto nos países mais desenvolvidos a principal
preocupação é com a conservação das redes existentes, em países como a China,
Índia, Brasil e na maioria dos países da Europa do Leste as redes necessitam de
ser substancialmente melhoradas. Com efeito, as elevadas taxas de crescimento
económico que caracterizaram estes países nos últimos anos dificilmente poderão ser
mantidas sem um forte investimento nas redes rodoviárias. Dadas as significativas
implicações sociais e os elevados custos financeiros envolvidos, as decisões a tomar
pelas autoridades de transporte no que diz respeito à construção de novas estradas e
ao melhoramento de estradas existentes devem ser planeadas com todo o cuidado.
Na prática, o planeamento de redes rodoviárias interurbanas é habitualmente
feito com recurso a abordagens de tentativa-e-erro, recorrendo a técnicas de simulação
baseadas no modelo clássico dos transportes para a avaliação de cada tentativa
(ver Daly, 2000). As abordagens de tentativa-e-erro não permitem, no entanto,
uma exploração completa das soluções de planeamento possíveis. Tal pode apenas
ocorrer com a utilização de abordagens de otimização. Contudo, a aplicação de tais
abordagens em casos reais é ainda problemática, pois os modelos correspondentes
– frequentemente considerados como sendo dos modelos de otimização mais
complexos – são extremamente exigentes em termos computacionais. Esta situação
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
145
está actualmente a mudar graças a evoluções recentes tanto ao nível do software
como ao nível do hardware.
Apesar de existirem escassas aplicações práticas reportadas na literatura, nos
últimos 30 anos têm sido dedicados esforços importantes ao desenvolvimento de modelos
de otimização para o planeamento (e dimensionamento) redes rodoviárias. A grande
maioria destes esforços foi direcionada para dois modelos: o modelo de planeamento
discreto de redes rodoviárias (DRND) e o modelo de planeamento contínuo de redes
rodoviárias (CRND). O primeiro tem por objeto a adição de novos eixos a uma rede
rodoviária, enquanto o último se dedica à expansão (contínua) da capacidade dos eixos
existentes. Um modelo relacionado que aparece na literatura é o modelo de planeamento
misto (MRND), que resulta da combinação do modelo DRND com o modelo CRND.
Entre os artigos mais conhecidos que tratam destes modelos estão LeBlanc (1975) e
Boyce e Janson (1980) em relação ao modelo DRND e Abdulaal e LeBlanc (1979) e
Friesz et al. (1992) em relação ao modelo CRND. Uma aplicação interessante deste tipo
de modelos a uma rede rodoviária nacional encontra-se em Ben-Ayed et al. (1992). Para
uma revisão desta literatura, ver Yang e Bell (1998).
Independentemente do modelo em causa, os objetivos mais frequentes para
este problema de otimização são os de eficiência, tais como a minimização de custos
para os utilizadores ou a maximização dos benefícios (medidos, por exemplo, pelo
excedente do consumidor). Outros objetivos importantes que foram tratados em
estudos anteriores incluem a robustez (Lo e Tung 2003) e a equidade (Meng e Yang,
2002). Diversos artigos tratam de modelos multi-objetivos. O primeiro modelo deste
tipo referido na literatura é o de Friesz e Harker (1983). Mais recentemente, Friesz
et al. (1993) e Tzeng e Tsaur (1997) contemplaram simultaneamente os custos de
utilização e de construção como objetivos de minimização (o primeiro também
considerou a minimização da distância de viagem e a minimização da área de
expropriações). Ukkusuri et al. (2007) consideraram um objetivo de robustez para
além de um objetivo de eficiência (minimização do tempo de viagem), enquanto Feng
e Wu (2003) consideraram objetivos de equidade horizontal e vertical e Cantarella e
Vitetta (2006) incluíram objetivos ambientais (minimização de emissões de CO2).
Apesar de serem extremamente apelativos do ponto de vista teórico, nenhum dos
modelos anteriormente referidos trata de um aspecto muito importante no planeamento
de redes rodoviárias reais: a natureza discreta das expansões de capacidade. De facto,
a capacidade aumenta significativamente quando uma estrada é melhorada para um
nível superior (ou substituída por uma estrada melhor, ou complementada com uma
nova estrada). Quando uma estrada é melhorada de um perfil 2x1 para um perfil 2x2
146
Transporte em Transformação XVI
(autoestrada), a sua capacidade mais do que duplica. Este tipo de factor raramente
tem sido contemplado nos modelos de otimização para o planeamento de redes
rodoviárias. Para além do trabalho que tem sido desenvolvido pelos autores deste
artigo (e.g., Antunes et al., 2003 e Santos et al., 2009), o único exemplo de modelos
de níveis múltiplos do qual temos conhecimento é Janson et al. (1991).
A abordagem de otimização multi-objetivo para o planeamento das redes rodoviárias
interurbanas apresentada neste artigo foi desenvolvida com o intuito de apoiar as autoridades
de transporte na definição de estratégias de desenvolvimento a longo prazo (20 anos) de
uma rede nacional ou regional. Trata o melhoramento dos eixos viários de acordo com uma
hierarquia e considera a procura elástica, isto é, dependente das decisões tomadas.
A aplicabilidade da abordagem é demonstrada através de uma aplicação à rede
principal do Estado do Paraná, Brasil. Este estudo de caso é também usado para
ilustrar as diferenças entre soluções de planeamento envolvendo apenas um objetivo
de eficiência, o objetivo primordial na avaliação de investimentos, e soluções que
atendam também a objetivos mais sustentáveis, como é o caso da maximização da
equidade e da minimização do consumo energético. De facto, através do melhoramento
das estradas as autoridades de transporte desejam utilizar o seu orçamento da
melhor forma para aumentar a acessibilidade. No entanto, as mesmas autoridades
também desejam (ou deviam desejar) que os benefícios sejam distribuídos de forma
justa pelas diferentes partes de um país ou região, de acordo com os princípios do
desenvolvimento sustentável. Além disso, o aumento da dependência do petróleo nas
sociedades modernas e os compromissos assumidos internacionalmente em relação às
emissões de gases com efeito de estufa levam (ou deviam levar) a que as autoridades
de transporte se preocupem cada vez mais com o consumo de petróleo.
O presente artigo está organizado da seguinte forma. Na próxima secção
são descritas as características essenciais da abordagem de planeamento proposta.
Depois, é apresentado o modelo no qual se baseia a abordagem. Posteriormente,
a abordagem é testada com o estudo de caso e são analisados os impactes de se
adoptarem objetivos mais sustentáveis no planeamento de redes rodoviárias. Na
secção final são tiradas algumas conclusões.
2. Abordagem proposta
A abordagem ao planeamento a longo prazo de redes rodoviárias que se
propõe no presente artigo é baseada nos seguintes princípios:
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
147
− Os eixos viários são definidos de acordo com uma hierarquia (e.g.,
eixos 2x1 lentos, eixos 2x1 rápidos, autoestradas).
− As decisões de planeamento envolvem a construção de novos eixos
de um determinado tipo (ou nível) ou o melhoramento de eixos existentes.
− As decisões de planeamento consideram simultaneamente vários
objectivos (eficiência, equidade, consumo energético).
− O nível dos eixos rodoviários existentes ou a construir em áreas
ambientalmente sensíveis pode estar sujeito a limitações.
− A despesa total associada às decisões de planeamento não pode
exceder o orçamento disponível.
− A procura de viagens é elástica, dependendo das alterações na rede
rodoviária.
− As decisões de planeamento são consistentes com a estrutura de
planeamento adoptada no Highway Capacity Manual - HCM (TRB, 2000).
Este manual, publicado pelo United States Transportation Research Board,
é uma referência importante para os engenheiros de transportes em todo o
mundo, e as soluções de planeamento que sejam consistentes com a estrutura
de planeamento do HCM serão, em princípio, mais facilmente aceites e
adoptadas em situações reais.
Para a implementação destes princípios, desenvolvemos uma abordagem que
involve um processo iterativo com sete passos em cada iteração (Figura 1).
Figura 1: Representação esquemática da abordagem
148
Transporte em Transformação XVI
Em primeiro lugar, gera-se um conjunto de soluções para o melhoramento
da rede rodoviária consistente com as preocupações ambientais e as restrições
orçamentais. Cada solução especifica os eixos a construir ou a melhorar, bem como
os níveis rodoviários a atribuir a esses eixos. A cada nível rodoviário está associado
um nível de serviço (NS) que tem de ser garantido. O nível de serviço é uma medida
qualitativa das condições operacionais de uma infraestrutura rodoviária (TRB, 2000) e
é caracterizado por um volume máximo de tráfego, uma densidade máxima de tráfego
e uma velocidade média máxima. Entre outras alternativas, o NS de uma estrada pode
ser medido através do rácio volume-capacidade, que é dado pelo quociente entre o
volume de tráfego e a capacidade da estrada. Para a geração de soluções pode-se
recorrer a algoritmos de procura local ou evolucionários (ou à combinação de ambos).
Em segundo lugar, aplica-se um modelo gravitacional sem restrições para
estimar a matriz O/D da rede melhorada (Ortúzar e Willumsen, 2001). Aquele modelo
define o número esperado de viagens entre dois centros populacionais como sendo
proporcional à dimensão desses centros (e.g., população, emprego) e inversamente
proporcional ao custo (generalizado) de viagem entre os dois centros. Assume-se que
os condutores optam pelo percurso de menor custo e que viajam à velocidade média
máxima associada aos NS definidos para os eixos pertencentes ao percurso.
Em terceiro lugar, atribui-se a matriz O/D à rede rodoviária melhorada. Tal pode
ser feito assumindo o princípio do equilíbrio do utilizador. No entanto, muitos dos
condutores que circulam numa rede rodoviária interurbana não têm conhecimento das
alternativas de percurso existentes – seguindo apenas os sinais de trânsito e/ou, cada
vez mais frequentemente, instruções de navegação por GPS. Assim sendo, optouse por considerar (do lado da segurança) que os condutores escolhem o percurso
de menor custo considerando a velocidade média máxima correspondente ao NS
imediatamente inferior ao dos eixos incluídos no percurso (Santos et al., 2009).
Em quarto lugar, avaliam-se as soluções em relação aos objetivos considerados.
No caso da aplicação ao Paraná, avaliaram-se as soluções em relação a objetivos de
eficiência, equidade e consumo energético.
Em quinto lugar, efectua-se uma avaliação multi-objetivo utilizando o método
da ponderação. De acordo com este método, o valor global de uma solução é calculado
através da aplicação de pesos (ou prioridades) aos valores normalizados das soluções
para os diferentes objetivos. Os valores das soluções têm de ser normalizados porque
o grau de satisfação dos objetivos é avaliado em unidades e/ou escalas diferentes.
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
149
Em sexto lugar, verifica-se se os NS requiridos em cada eixo (que dependem
do nível hierárquico do eixo) são satisfeitos. Se assim não for, a solução é não
admissível e é aplicada uma penalidade ao valor da solução. A penalidade a aplicar é
proporcional à soma das diferenças entre o volume máximo de tráfego e o volume de
tráfego estimado para os eixos nos quais o NS não é satisfeito.
Em sétimo lugar, comparam-se as soluções avaliadas na iteração corrente com
a melhor solução obtida anteriormente – a solução incumbente. Se a melhor das novas
soluções for melhor do que a solução incumbente, a nova solução torna-se a solução
incumbente e uma nova iteração é iniciada. Caso contrário, depois de um determinado
número de iterações em que se não verifiquem melhorias na solução incumbente, o
processo iterativo termina.
3. Modelo de Otimização
A aplicação da abordagem de planeamento descrita pressupõe a resolução
de um modelo de otimização em cada iteração. Os ingredientes essenciais desse
modelo d são:
sujeito a,
150
Transporte em Transformação XVI
Em que (por ordem de aparência) V é o valor normalizado da solução; wi são os
pesos associados a cada objetivo considerado; ηi é a o valor da solução de acordo
com o objetivo i; ηi0 é o valor da solução inicial de acordo com o objetivo i; ηiB é
o valor da melhor solução de acordo com o objetivo i; Tjk é o volume de tráfego
estimado entre o centro j e o centro k; θ é um parâmetro de escala; Pj é a população
do centro j; Cjk é o custo (generalizado) de viagem entre os centros j e k; y = {ylm}
é uma matriz de variáveis binárias que tomam o valor um se o eixo l for do nível
hierárquico m, e o valor zero em caso contrário; β é um parâmetro de calibração
(normalmente denominado por fator de impedância); N é o conjunto de centros
populacionais; Ql é o fluxo estimado no eixo l; xljk são variáveis binárias que tomam
o valor um se o eixo l pertencer ao percurso de menor custo entre os centros j e k, e
igual a zero em caso contrário (que é obtido resolvendo o problema de nível inferior
do modelo de otimização - ver Yang e Bell, 1998); L é o conjunto de eixos; Ml é o
conjunto de níveis hierárquicos possíveis para o eixo l; Qmaxm é o volume máximo de
serviço para um eixo de nível hierárquico m; elm são os custos de melhorar um eixo
do tipo l para o tipo m; e b é o orçamento disponível.
A função objetivo (1) deste modelo de otimização combinatória não linear
representa a maximização do valor normalizado da solução de planeamento.
A normalização é feita de forma a reflectir a importância de cada objetivo em
consideração. Os valores da solução para os vários objetivos, e da mesma forma os
valores normalizados, dependem das decisões adoptadas para o nível hierárquico
dos eixos (que é representado pela variáveis y). A procura de viagens é calculada
de acordo com as restrições (2) e o número de viagens em cada eixo é calculado
de acordo com as restrições (3). As restrições (4) são usadas para garantir que a
cada eixo será associado um, e apenas um, nível hierárquico. Para alguns eixos, por
razões de proteção ambiental, poderá ser desejável limitar os níveis hierárquicos
admissíveis. Por esse motivo o conjunto de níveis admissíveis (Ml) encontra-se
indexado ao eixo. As restrições (5) são incluídas para assegurar que o fluxo de
tráfego em cada eixo não ultrapassa o volume máximo de serviço associado ao
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
151
nível hierárquico do eixo. A restrição (6) é usada para garantir que o orçamento
disponível não é ultrapassado. As expressões (7) e (8) definem o domínio das
variáveis de decisão.
O modelo de otimização descrito é extremamente difícil de resolver até a um
ótimo global. Com exceção de instâncias de dimensão reduzida, terá de ser resolvido
com recurso a métodos heurísticos. Existe uma grande variedade de heurísticas
disponíveis referidas na literatura (ver, e.g., Gendreau e Potvin, 2005 e Michalewicz
e Fogel, 2004). Para resolver o modelo proposto foram desenvolvidas três heurísticas
diferentes: um algoritmo greedy; um algoritmo de pesquisa em vizinhança
variável; e um algoritmo genético melhorado em vários aspectos relativamente à
versão clássica. Foi este último o algoritmo que apresentou o melhor desempenho
quando comparado com os restantes num conjunto de problemas-teste gerados
aleatoriamente. Em Santos et al (2005) é facultada informação pormenorizada sobre
os algoritmos, a sua calibração e o seu desempenho. Os resultados apresentados
neste artigo foram obtidos com recurso ao algoritmo genético melhorado.
4. Estudo de Caso
O tipo de resultados que se pode obter com a abordagem proposta será
ilustrado com uma aplicação académica à rede rodoviária principal do Estado
do Paraná, Brasil. Com base em dados disponibilizados pelo Ministério dos
Transportes Brasileiro (DNIT, 2010), estimou-se que em 2007 esta rede tinha uma
extensão total de 5965 km (441 km de estradas não pavimentadas, 3183 km de
estrada 2x1 lentas, 1971 km de estradas 2x1 rápidas e 370 km de autoestradas 2x2).
Adicionalmente, foram considerados 817 km de estradas planeadas (não existentes)
que poderão ser construídas no futuro.
Para a aplicação da abordagem, a rede foi representada por 76 nós (39 centros
populacionais no Estado de Paraná, 11 centros populacionais fora deste estado e 26
intersecções) e 133 eixos (100 internos e 33 externos). A Figura 2 apresenta uma
representação esquemática da rede.
152
Transporte em Transformação XVI
Figura 2: Rede principal do Estado do Paraná, Brasil, em 2007
A aplicação consistiu em determinar a melhor forma de aplicar um orçamento
de 40 mil unidades monetárias (que representa um orçamento equivalente a construir
1000 km de autoestradas) para melhorar a rede existente. As características dos
vários tipos de estrada são descritas na Tabela 1. Os custos relativos de melhoramento
das estradas são apresentados na Tabela 2. Estes custos são referentes a zonas de
orografia plana. Em zonas montanhosas foi considerada uma penalização de 30 a 60
porcento. O custo generalizado de viagem foi calculado tendo por base a distância
de viagem e o tempo de viagem entre cada par de centros. Foi considerado um fator
de impedância β igual a 1,4.
Tabela 1: Caraterísticas dos diferentes tipos de estrada (TRB, 2000)
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
153
Tabela 2: Custos relativos de melhoramento das estradas
4.1 Resultados para a maximização da eficiência
Como solução de referência, considerou-se apenas o objetivo de eficiência
correspondente à maximização da acessibilidade agregada de todos os centros
(Keeble et al. 1982):
(9)
em que η1 é a acessibilidade agregada (objetivo de eficiência) e Aj é a acessibilidade
do centro j.
A solução obtida para este objetivo é apresentada na Figura 3 (esq.). Em
comparação com a rede de 2007, a extensão total de autoestradas (AE) aumenta
de 370 km para 1892 km, enquanto a extensão das estradas 2x1 rápidas e lentas
decresce de 1971 km para 1304 km e de 3183 km para 2442 km, respectivamente
(Tabela 3). As principais mudanças seriam: uma AE a ligar Curitiba a Londrina
e Maringá; uma nova AE fazendo a ligação entre Curitiba e a fronteira sul do
Estado do Paraná; uma ligação por AE entre Foz do Iguaçú e Cascavel; uma
estrada rápida atravessando o estado pela zona oeste, passando por Cascavel e
Maringá; e a construção de 115 km de estradas planeadas, todas na zona este de
Curitiba. Em resultado destes melhoramentos da rede quem mais beneficia são os
centros populacionais mais próximos de Curitiba (Figura 3 - dta.). Por contrário,
as localidades mais periféricas, junto às fronteiras norte e sul, são as que menos
beneficiam do investimento efectuado. A cidade de Curitiba também beneficia
pouco com esta solução dada a sua já boa acessibilidade na situação inicial, em
2007. O aumento verificado na acessibilidade agregada foi de 4,1% (de 2,406 para
2,505).
154
Transporte em Transformação XVI
Figura 3: (esq.) Solução 1 – maximização da acessibilidade agregada; (dta.) Ganhos de
acessibilidade na Solução 1 em comparação com a rede inicial
4.2 Impacto de adicionar um objetivo de equidade
De seguida adicionou-se ao objetivo de eficiência um objetivo de equidade,
de maneira a ter em conta a distribuição geográfica dos benefícios introduzidos
com o melhoramento da rede. Para avaliar a equidade, foi utilizado um indicador
muito usado em estudos económicos e sociais – o índice de Gini. Este índice mede
a diferença relativa entre uma dada solução e uma solução de perfeita equidade,
definindo-se da seguinte forma (Santos et al., 2008):
(10)
em que η2 é o índice de Gini (objetivo de equidade); N é o número de centros
populacionais; e Ā é a acessibilidade média. Este valor assume valor entre [0,1] e
quanto menor for o valor obtido mais próxima a solução se encontra da solução de
perfeita equidade.
Quando considerados os objetivos de eficiência e de equidade simultaneamente,
com um peso de 2/3 para a eficiência e 1/3 para a equidade, obteve-se a solução
apresentada na Figura 4 (esq.). Em comparação com a Solução 1, a extensão total
de AE diminui ligeiramente (menos 39 km), enquanto a extensão das estradas 2x1
rápidas aumenta de 1304 km para 1651 km e a extensão de estradas lentas diminui
de 2442 km para 2134 km (Tabela 3). São ainda construídas mais 166 km de vias
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
155
planeadas. Em termos da distribuição de acessibilidade por centos populacionais,
nota-se um aumento significativo dos ganhos nos centros da zona oeste do estado em
detrimento da zona leste, nomeadamente dos centros próximos de Curitiba (Figura
4 - dta.). Com esta solução, o valor do índice de Gini obtido é igual ao valor para a
rede inicial. Isto significa melhorar a equidade em 5,4% relativamente à Solução 1
(o índice de Gini passa de 0,147 para 0,139). Em resultado disso, a acessibilidade
agregada baixa de 2,505 para 2,493, significando uma redução de 4,8%.
Figura 4: (esq.) Solução 2 – maximização da acessibilidade agregada e
minimização do índice de Gini; (dta.) Comparação da Solução 2 com a Solução 1
4.3 Impacto de adicionar um objetivo de consumo energético
Posteriormente, substituiu-se o objetivo de equidade por um objetivo de
consumo energético (e, consequentemente, de emissões de CO2), definido da seguinte
forma:
(11)
em que η3 é o consumo energético médio na rede, medido em g/km de equivalente de
petróleo (objetivo de consumo energético); Fl é o consumo médio no eixo l; e Ll é o
comprimento do eixo l. O cálculo do consumo médio em cada eixo foi calculado com
recurso ao software COPERT (European Commission, 1999) tendo em conta a frota
do Estado do Paraná. A função quadrática resultante foi a seguinte:
156
Transporte em Transformação XVI
(12)
onde Sl é a velocidade no eixo l.
Quando considerados os objetivos de eficiência e de consumo energético
simultaneamente obteve-se a solução apresentada na Figura 5 (esq.). Em
comparação com a Solução 1, nota-se que esta solução apresenta bastante mais
estradas 2x1 rápidas, pois são estas que permitem gamas de velocidades mais
económicas em termos energéticos. Na verdade, há um aumento da extensão desta
vias de 1304 km para 2800 km (Tabela 3). Para compensar os gastos nestas vias,
há uma redução na extensão das AE, de 1892 km para 1061 km, e na extensão das
estradas 2x1 lentas, de 2442 para 2108. Em termos da distribuição de acessibilidade
por centros populacionais, há alguns centros populacionais que beneficiam nesta
solução relativamente à Solução 1, pois como há uma maior rede de estradas 2x1
rápidas alguns centros vêem a sua acessibilidade às cidades vizinhas melhorada
(Figura 5 - dta.). Com esta solução o valor do consumo médio de energia diminui
em 9,5% relativamente à Solução 1 (de 58,08 g/km para 52,58 g/km). Em termos
de acessibilidade verifica-se apenas uma ligeira redução de 0,4% (de 2,505 para
2,495).
Figura 5: (esq.) Solução 3 – maximização da acessibilidade agregada
e minimização do consumo de energia; (dta.)
Comparação Solução 3 com a Solução 1
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
157
4.4 Resultados para objetivos de eficiência, equidade e energéticos
Por último, consideraram-se os três objetivos ao mesmo tempo – podendo
dizer-se que incorporando um objetivo económico (eficiência), um objectivo social
(equidade) e um objectivo ambiental (consumo energético, emissões de CO2), a
solução obtida será mais sustentável do que as soluções anteriores, em particular,
do que a Solução 1.
Admitindo um peso de 2/3 para a eficiência, 1/6 para a equidade e 1/6 para o
consumo energético, obteve-se a solução apresentada na Figura 6 (esq.). Esta solução é,
como se poderia esperar, uma combinação das soluções anteriores. Comparativamente
à Solução 1, esta solução tem uma ligação por AE entre Curitiba e a cidade de Foz
do Iguaçú. Por sua vez, a ligação entre Curitiba e a zona de Londrina e Maringá
efectua-se por estrada 2x1 rápida. Há uma redução da extensão de AE, passando de
1892 km para 1805 km, e de estradas 2x1 lentas, passando de 2442 km para 2105 km
(Tabela 3). Pelo contrário, verifica-se um aumento de estradas 2x1 rápidas, (1729 km
em vez de 1304 km) e de estradas planeadas que são construídas (662 km em vez de
561 km). Relativamente à distribuição dos ganhos de acessibilidade, verifica-se uma
melhoria da acessibilidade dos centros a oeste e sudoeste do estado (Figura 6 - dta.).
Relativamente à Solução 1, esta solução resulta num melhoramento do índice de Gini
em 4,1% (assumindo o valor de 0,141) e de uma diminuição do consumo médio de
energia em 4.5% (assumindo o valor de 55,47). A acessibilidade sofre uma redução
de apenas 0,24% (assumindo o valor de 2,499).
Figura 6: (esq.) Solução 4 – maximização da acessibilidade agregada e da equidade e
minimização do consumo de energia; (dta.) Comparação Solução 4 com a Solução 1
158
Transporte em Transformação XVI
Tabela 3: Sumário dos resultados para as diferentes soluções
(variações em comparação com a situação inicial)
5. Conclusão
Neste artigo apresenta-se uma abordagem multi-objetivo para o planeamento
de redes rodoviárias interurbanas. A abordagem é aplicável a redes de múltiplos
níveis, assumindo a procura de viagens como elástica e considerando as indicações
do manual americano Highway Capacity Manual, nomeadamente com o recurso ao
conceito de nível de serviço para avaliar as condições de tráfego.
A abordagem tem como objetivo apoiar os decisores nas suas reflexões
estratégicas relativamente ao planeamento de longo prazo de redes rodoviárias
nacionais ou regionais. A rede principal do Estado do Paraná foi usada para
demonstrar a aplicabilidade da abordagem. Este estudo de caso foi ainda usado
para ilustrar as diferenças entre soluções de planeamento envolvendo apenas um
objetivo de eficiência, o objetivo primordial na avaliação de investimentos, e
soluções que atendam também a objetivos mais sustentáveis, como é o caso da
equidade e do consumo energético (e consequentemente de emissões de CO2). Os
resultados obtidos ilustram bem as diferenças introduzidas com uma perspectiva
mais sustentável. Embora ambas as soluções apresentem uma extensão semelhante
de autoestradas, na solução com a perspectiva mais sustentável existe uma menor
concentração de autoestradas junto das maiores cidades, em particular junto a
Curitiba. Verifica-se ainda nesta solução uma maior rede de estradas 2x1 rápidas e a
construção de um maior número de estradas projetadas (não existentes inicialmente).
Em resultado destas diferenças, a solução mais sustentável é 4,1% mais equitativa
e 4,5% menos consumidora de energia. Em troca, é apenas 0,24% menos eficiente
do que a solução que maximiza a eficiência da rede.
Planeamento Sustentável de Redes Rodoviárias Interurbanas
Através de uma Abordagem Multi-Objetivo
159
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Bruno Filipe Santos. ([email protected]) Departamento de Engenharia Civil, Universidade de
Coimbra, Portugal.
António Pais Antunes. ([email protected]) Departamento de Engenharia Civil, Universidade de
Coimbra, Portugal.
Melhoria da Ecoeficiência
no Transporte Rodoviário de
Produtos Perigosos
8
Ilton Curty Leal Junior
Marcio de Almeida D’Agosto
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Engenharia de Transportes
Resumo
O modo rodoviário é o mais utilizado para a movimentação de etanol no
Brasil e seu desempenho, se comparado aos demais modos, é inferior em termos
de ecoeficiência para o produto em questão. Diante disto, este trabalho propõe
a avaliação da implantação de ações que melhorem os resultados econômicos e
ambientais do transporte rodoviário. Inicialmente comparou-se o desempenho entre
as várias alternativas modais com base no cenário atual. Após isso, foi realizada
uma nova avaliação considerando ações para a melhoria de ecoeficiência como
utilização de biodiesel, redução do número de acidentes e melhorias nos valores
de frete. Os resultados mostram que o modo rodoviário, se comparado com outras
nove alternativas intermodais, pode sair do último lugar em desempenho para o
quarto lugar.
162
Transporte em Transformação XVI
Abstract
The road transport is the most widely used for the movement of ethanol in Brazil
and its performance compared to other modes, is lower in terms of eco-efficiency
for this product. Based in this problem, this paper proposes the evaluation of the
implementation of actions to improve the economic and environmental outcomes of
road transport. We initially compared the performance considering ten alternatives,
including the road transport, based on current scenario. After that, a new evaluation
was performed considering actions to improve eco-efficiency and use of biodiesel,
reducing the number of accidents and improvements in freight values. The results
show that the road transport, if compared with nine other intermodal alternatives,
can improve its performance, leaving the last position to the fourth position in the
eco-efficiency ranking..
1. Introdução
O transporte de carga no Brasil concentra-se no modo rodoviário que pode
não ser o mais adequado do ponto de vista econômico e ambiental, se comparado
com os demais. O transporte de produtos perigosos acompanha a distorção na matriz
contribuindo para redução de competitividade do setor e para maiores impactos no
meio ambiente.
O Método de Escolha Modal – MEM, proposto por Leal Jr e D’Agosto (2011),
aborda diferentes conceitos considerados pela literatura relativos à avaliação de
desempenho em transportes para auxiliar a tomada de decisão quanto à escolha
do modo de transporte. O MEM permite o emprego de uma estrutura que utilize
as medidas de ecoeficiência que apresentam um diferencial para as empresas que
valorizam as questões ambientais (Leal Jr e D’Agosto, 2011).
Para produtos como o etanol produzido na região centro-sul do Brasil
predomina o transporte rodoviário e uma análise efetuada por meio do MEM
mostra o baixo desempenho em termos de ecoeficiência deste modo. Por outro lado,
as alternativas modais apresentadas pelo autor, como de melhor ecoeficiência não
possuem infra-estrutura suficiente para atender a demanda por transporte de etanol,
forçando aos embarcadores a utilização de veículos rodoviários para distribuir seus
produtos.
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
163
Neste contexto, o presente trabalho baseia-se na seguinte pergunta para seu
desenvolvimento: Dada a grande utilização do modo rodoviário no transporte de
etanol e as limitações para utilização de alternativas modais, é possível a melhoria
da ecoeficiência daquele modo por meio de ações factíveis de implementação?
Para responder a esta questão, este trabalho tem por objetivo aplicar o Método
de Escolha Modal (MEM), considerando medidas de ecoeficiência considerando o
caso do transporte de etanol produzido na região centro-sul do Brasil com destino
a um porto para exportação. Com base no desempenho atual do modo rodoviário,
ações que influenciam na ecoeficiência são utilizadas para verificar a melhoria
frente às demais alternativas modais.
Para a análise dos dados foi utilizada uma técnica de apoio multicritério à
decisão, sendo possível ranquear o desempenho das alternativas analisadas. Os
resultados mostram que ao incluir ações ecoeficientes na análise o desempenho
das alternativas o transporte rodoviário, com o pior desempenho no cenário atual,
apresenta melhorias em relação aos demais.
2. Transporte de Produtos Perigosos no Brasil e Escolha Modal
Conforme CETESB (2009), os produtos perigosos são transportados em todos
os modos disponíveis (ferroviário, rodoviário, aquaviário, dutoviário e aéreo) e o
mais adequado varia com as atividades da rede logística, devendo ser determinado
por atributos específicos para a avaliação de desempenho do transporte e pela
disponibilidade de cada modo e da infra-estrutura necessária.
No Brasil e no mundo, o transporte de produtos perigosos está concentrado
nos líquidos inflamáveis, principalmente no petróleo, seus derivados e combustíveis
líquidos de fontes renováveis (Leal Jr, 2010). Outro fator é que o modo rodoviário
é responsável por grande parte da movimentação de carga, seja pela falta de infraestrutura ou pelas próprias características da atividade de transporte que envolvem a
distribuição física em áreas urbanas e a necessidade de integração com outros modos.
No Brasil, a movimentação de produtos perigosos concentra-se na Região
Sudeste, no que diz respeito à produção e ao consumo (CETESB, 2009). Já que a
única estatística nacional disponível refere-se ao Estado de São Paulo, maior produtor
164
Transporte em Transformação XVI
e consumidor da região citada, admite-se que esses dados sejam representativos
para o restante do país.
A quantidade de leis, normas e parâmetros técnicos nacionais e internacionais
para o transporte de produtos perigosos o tornam mais complexo, do ponto de vista
operacional e gerencial, o que pode intervir em questões econômicas e financeiras
para os produtores e transportadores. No caso de produtos perigosos, além dos
impactos ambientais tradicionais ocasionados pelos transportes (consumo de energia
não-renovável, emissão de gases de efeito estufa, poluição atmosférica, descarte
de lubrificantes etc) existem os acidentes que interferem em questões ambientais,
uma vez que um produto derramado pode poluir solo, água e ar e causar danos as
pessoas e propriedades.
Atualmente as organizações buscam excelência em suas atividades,
objetivando a conquista de novos mercados e a qualidade em seus produtos e
serviços. Nesses termos, é destacável a contribuição da avaliação de desempenho
para as organizações. Os sistemas de avaliação de desempenho, nas organizações,
pretendem estabelecer maneiras de acompanhar os processos ou as atividades
para verificar se os mesmos estão atendendo às necessidades e expectativas dos
interessados e para fornecer informações adequadas, a fim de que sejam tomadas
decisões relativas a ações de prevenção e manutenção ou correção de tais processos
ou atividades, de forma que se atinjam objetivos organizacionais.
Antoniolli (2003) cita que a necessidade do gerenciamento de um desempenho
cada vez mais efetivo tem impulsionado as empresas a desenvolverem formas de
monitorar e avaliar o desempenho. De acordo com Quintão et al. (2003), a avaliação
de desempenho é considerada complexa e quando mal conduzida não apresenta
resultado concreto quando o objeto de análise é o desempenho de uma atividade ou
um processo específico como o transporte.
Com o intuito de melhor atender à demanda, as organizações avaliam novas
formas de transportar, o que pode envolver a escolha de diferentes modos de
transporte ou suas combinações, na forma de transporte intermodal ou multimodal.
Essa escolha pode interferir fortemente na forma como a organização atuará no
mercado, devendo estar alinhada com uma visão estratégica e de longo prazo. O
desenvolvimento de ferramentas que auxiliem nessa escolha é fundamental para
a estratégia organizacional, sendo que a avaliação de desempenho do serviço de
transporte pode ser empregada para isso (Ballou, 2001; Novaes, 2004; Manheim,
1980; Morlok, 1980; D´Agosto, 1999).
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
165
3. Procedimentos Empregados
Para o estudo proposto neste artigo são aplicadas duas ferramentas cominadas.
O Método de Escolha Modal, que se baseia em medidas de ecoeficiência, e uma
técnica de auxílio multicritério conhecida como Análise Relacional Grey.
3.1 Método de Escolha Modal e as medidas de ecoeficiência
O Método de Escolha Modal – MEM (Leal Jr e D’Agosto, 2011) detalha o
processo de tomada de decisão em transportes e sua concepção se aplica à escolha
modal de transporte de uma forma geral. Este método é essencialmente dinâmico e
seus resultados podem ser revistos ao longo do tempo, pois o resultado final pode
ser utilizado para alimentar um novo ciclo de avaliação. O MEM é composto de 7
etapas conforme figura 1 e todos os detalhes do método podem ser acessados em
Leal Jr e D’Agosto (2011).
Neste trabalho o MEM utiliza como base o conceito de ecoeficiência para
o estabelecimento de medidas. Essa abordagem enfoca a utilização adequada
de recursos materiais e energéticos, com o sentido de se reduzir custos e/ou de
se maximizar lucros. A ecoeficiência pode ser entendida como a habilidade
de simultaneamente atingir os objetivos de produção e custo com qualidade
e desempenho, reduzir impactos ambientais e conservar recursos naturais. A
ecoeficiência permite às empresas tornarem-se mais responsáveis do ponto de vista
ambiental e mais lucrativas no âmbito econômico, incentivando-as à inovação e à
competitividade (WBCSD, 2000).
A necessidade de se mensurar e quantificar a ecoeficiência resulta na
necessidade de se utilizar medidas de ecoeficiência. Os indicadores de ecoeficiência
podem ser gerais e usados para todas as atividades de negócios, ou específicos
para um determinado setor (WBCSD, 2000). No estabelecimento de indicadores
têm-se aqueles relacionados a produtos e/ou serviços produzidos ou vendidos e
os referentes às influências ambientais globais. Da mesma forma, ainda podem
ser estabelecidos indicadores específicos, onde cada empresa avalia o seu próprio
negócio e determina indicadores próprios a sua empresa. Estes são menos abrangentes
na sua aplicabilidade, porém, não são necessariamente menos importantes que os
de aplicação geral.
166
Transporte em Transformação XVI
ETAPA 1
DEFINIÇÕES INICIAIS
ETAPA 2
ATRIBUTOS E PONDERAÇÕES
Nível 1
Carga
- Produto transportado e suas
características
Nível 2
Transporte
- Rede de transporte utilizada
- Modos a serem avaliados
Nível 3
Desempenho
- Categorias e aspectos de avaliação
- Ponto de vista da avaliação
- Nível de análise
- Abrangência da avaliação
Nível 1
Escolha
- Pesquisa bibliográfica e
documental para
levantamento de atributos a
serem considerados
Nível 2
Ponderação
- Pesquisa de campo para
ratificação, escolha e
ponderação (pesos) dos
aspectos e atributos
SAÍDA
Descrição dos parâmetros básicos para orientar a
avaliação de desempenho
SAÍDA
Lista de aspectos, atributos e suas respectivas
ponderações
ETAPA 3
INDICADORES E MEDIDAS
ETAPA 4
PADRÕES DE DESEMPENHO
Nível 1
Indicadores
- Pesquisa bibliográfica e/ou de
campo para seleção dos indicadores
Nível 2
Medidas
- Determinação de medidas com base
nos indicadores selecionados
SAÍDA
Tabela com indicadores e medidas associadas aos
atributos
- Levantamento dos níveis de desempenho
referenciais para cada medida
SAÍDA
Tabela com níveis de desempenho referenciais
para cada medida
ETAPA 5
COLETA DE DADOS
- Pesquisa bibliográfica, documental e/ou de campo para apurar os valores dos indicadores
SAÍDA
Tabela com resultados das medições
ETAPA 7
AGREGAÇÃO
ETAPA 6
ENQUADRAMENTO
Nível 1
Apuração
- Apuração do nível de desempenho
global
Nível 1
Medidas
- Cálculo das medidas
Nível 2
Comparação
- Comparação com níveis de
referência;
Nível 3
Desempenho
- Hierarquização das alternativas
Nível 2
Desempenho
Individual
- Apuração dos resultados
individuais de desempenho
por modo
SAÍDA
Conjunto de alternativas hierarquizadas por
desempenho
SAÍDA
Quadro com resultado individual das avaliações
por modo
Fonte: Leal Jr e D’Agosto (2011)
Figura 1: Método de Escolha Modal com procedimento
de avaliação de desempenho em transporte
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
167
O WBCSD (2000) apresenta uma metodologia para avaliação da ecoeficiência
que pode ser usado por alguns negócios para medir a sustentabilidade econômica
e ambiental. Para determinar a ecoeficiência em transportes, este trabalho propõe
uma estrutura, baseada em WBCSD (2000).
A utilização dos indicadores de ecoeficiência gera medidas específicas
baseadas na relação de valor do produto ou serviço com a influência ambiental e
que são representadas pela equação 1, conforme WBCSD (2000).
(1)
Com base neste conceito podem ser propostas medidas de ecoeficiência para o
transporte de carga, para serem utilizadas no processo de avaliação de desempenho
e escolha modal. Sugere-se que o avaliador escolha apenas um indicador de valor
do serviço como numerador, combinando-o com as influências ambientais mais
representativas.
3.2 Análise Relacional Grey
A teoria de sistemas grey foi proposta por Julong Deng em 1982 com o intuito
de evitar os problemas inerentes dos métodos estatísticos e requer uma quantidade
limitada de dados para estimar o comportamento de um sistema incerto (Wen, 2004).
A teoria grey tem sido aplicada nos mais variados campos de pesquisa, como
produção, sistemas sociais, ecologia, economia, geografia, tráfego, gerenciamento,
educação etc. Foca em situações em que há a incerteza, variedade de dados de
entrada, dados discretos e informações insuficientes para a tomada de decisão.
A teoria grey parte do princípio que existem informações a respeito de um
sistema que são “claras” e podem ser medidas e encontradas facilmente e outras que
são cinzentas ou não são bem definidas e são incompletas.
A análise relacional grey (GRA) integra a teoria de sistemas grey (Deng, 1989;
Liu e Lin, 2006). É um método utilizado para determinar o grau de relacionamento
entre uma observação referencial com observações levantadas, objetivando estabelecer
um grau de proximidade com o estado meta, ou seja, o resultado desejado.
168
Transporte em Transformação XVI
Segundo Bischoff (2008), a GRA utiliza a informação do sistema grey
para comparar dinamicamente cada fator quantitativamente, baseado no nível de
similaridade e de variabilidade entre todos os fatores para estabelecer a sua relação.
É um método para analisar o grau de relacionamento para seqüências discretas.
Seja um conjunto de observações {x0(o), x1(o), ..., xm(o)}, onde x0(o) é uma
observação referencial e x1(o), x2(o), ..., xm(o) são observações originais a serem
comparadas. Cada observação xi possui n medidas que são descritas sob a forma
de séries xi(o) = {xi(o)(k), ..., xm(o)(n)}, onde cada componente dessa série, antes de
qualquer operação, é normalizado da forma a seguir.
Se quanto maior melhor (equação 2).
para i: 0..m,
k: 1..n
(2)
para i: 0..m,
k: 1..n
(3)
Se quanto menor melhor (equação 3).
Onde: xi′(k ) é o valor normalizado de uma medida k para uma observação
(o)
original xi .
A série cujos atributos normalizados são os melhores possíveis e representa
o estado desejado para qualquer série é representada por x0, sendo os valores da
mesma igualados a 1. Essa é uma abordagem que propõe um contorno para os
muitos casos em que a medida de referência não é facilmente encontrada ou difícil
de ser calculada.
Após a normalização dos dados de cada série, calculam-se os coeficientes
relacionais grey γ (equação 4).
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
169
(4)
Onde ζ ∈ [0,1] assume, em geral, o valor 0,5, sendo útil somente para
diferenciar os elementos da série e não influenciando na ordenação final das séries
(Deng, 1989).
Segundo Wen (2004), dentro do intervalo de ζ, pode-se atribuir qualquer valor
entre 0 e 1, mas usualmente adota-se 0,5. É possível demonstrar que a mudança no
valor de ζ não altera o ranking dos graus de relacionamento grey (Zuo, 1995). Se
o valor de ζ for próximo de zero, haverá um maior distanciamento das alternativas
em termos de desempenho, porém, a ordem de desempenho não mudará. Se o valor
de ζ se aproximar de 1, as distâncias entre as alternativas diminuirá, não alterando
a ordenação das mesmas quanto ao desempenho.
Os coeficientes relacionais expressam a similaridade entre as respectivas
medidas associadas à série padrão e às séries comparativas e refletem o quanto cada
uma está distante de sua respectiva na série padrão.
Depois de estabelecidos os coeficientes relacionais grey, é necessário que se
estabeleçam os graus de relacionamento grey (Γi) para cada série (Deng, 1989),
conforme equação 5, que é a média aritmética simples dos coeficientes relacionais
grey para cada alternativa.
(5)
Onde βk é o peso de cada atributo e
.
4. Desenvolvimento
Para o desenvolvimento deste artigo foi realizado um estudo de caso que compara
o desempenho dos modos de transporte no cenário atual e posteriormente o desempenho
do modo rodoviário com a implementação de ações de melhoria de ecoeficiência.
170
Transporte em Transformação XVI
4.1 Estudo de caso
Propõe-se a escolha entre os vários modos de transportes e suas combinações
utilizadas para o etanol produzido na região centro-sul do Brasil e que se destina à
exportação.
A partir de TRANSPETRO (2008) identificou-se a rede para transporte do
etanol e as alternativas modais (figura 2) onde se encontram os terminais existentes
e projetados, a hidrovia Tietê-Paraná e o projeto do alcoolduto que liga Senador
Canedo em Goiás ao Porto de São Sebastião em São Paulo. Foram consideradas as
redes ferroviária e rodoviária atuais, com base em ANTT (2008). Para exportação
considera-se o porto de São Sebastião, pois possui um terminal da TRANSPETRO
e deverá ser o principal terminal exportador de etanol (Rodrigues, 2007).
Notas: Veículos rodoviários bitrem tanque com capacidade para 45m3. Composição ferroviária com 100 vagões-tanque
com capacidade de 103m3 cada. Comboio hidroviário com 4 chatas com capacidade de 1270m3 cada. Alcoolduto com
capacidade de 33.000m3/dia.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Rodrigues (2007), Odebrecht (2007), CETESB (2009) Lopes e Ferreira (2004),
TRANSPETRO (2008a), ANTT (2008)
Figura 2: Rede para escoamento de etanol do centro-sul do Brasil para exportação
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
171
Para aplicação o ponto de origem é a cidade de Turvelândia – GO, que está
entre as 10 maiores produtoras de etanol do Brasil (Rodrigues; 2007). Sua escolha
se deve à posição geográfica que permite a utilização das várias alternativas modais
para aplicar o MEM. Foi estabelecido que todo o etanol produzido é coletado via
modo rodoviário até a chegada em um terminal da rede apresentada, por ser a prática
adotada pela maioria dos produtores. O modo rodoviário é o mais utilizado para o
transporte de etanol respondendo por 96% da movimentação (Rodrigues, 2007).
Conforme prevê o MEM foram selecionados os aspectos, atributos e
indicadores para o estabelecimento das medidas de acordo com Leal Jr e D’Agosto
(2011) que foram calculadas conforme equação 1, sendo que como numerador foi
utilizado o indicador receita de frete recebida pelos transportadores (em US$) e no
denominador os indicadores de influência ambiental: (i) custo total de acidentes
(em US$), (ii) consumo total de energia, (iii) emissão de gases de efeito estufa, (iv)
emissão de poluentes atmosféricos e (v) óleo lubrificante descartado.
Com base em Rodrigues (2007), Odebrecht (2007), CETESB (2008), Gama
(2008), Lopes e Ferreira (2004) e TRANSPETRO (2008) foram obtidos dados para
os indicadores e foram calculadas as medidas de ecoeficiência para cada alternativa,
conforme tabela 1. Neste caso ainda não se consideram as ações de melhoria da
ecoeficiência no transporte rodoviário.
172
Transporte em Transformação XVI
Tabela 1: Medidas de ecoeficiência
Indicadores
Medidas
M1
M2
M3
M4
M5
RFR [US$]
CTA [US$]
RFR [US$]
CTE [MJ]
RFR [US$]
CO2E [kg]
RFR [US$]
PAE [g]
RFR [US$]
QOMD [l]
RFR/CTA
[Adimensional]
RFR/CTE
[US$/MJ]
RFR/CO2E
[US$/kg]
RFR/PAE
[US$/g]
RFR/QOMD
[US$/l]
(0)
(0)
(0)
(0)
(0)
Alternativas
x (1)
x (2)
x (3)
x (4)
x (5)
A1
32,03
0,19
3,49
41,27
5404,63
A2
50,17
0,06
0,82
10,38
1272,26
A3
107,07
0,12
1,70
20,70
2401,47
A4
103,90
0,14
1,98
23,81
2733,34
A5
73,12
0,16
2,30
28,14
2214,44
A6
97,30
0,10
1,37
17,18
1633,57
A7
121,37
0,16
2,21
26,77
2630,57
A8
124,14
0,13
1,83
22,51
2307,42
A9
82,21
0,15
2,12
25,42
2941,54
A10
x0(0)(j)
97,74
0,11
1,56
19,19
2251,63
124,14
0,19
3,49
41,27
5404,63
i
i
i
i
i
Indicadores de performance: RFR – Receita de Frete Recebida; CTA – Custo total de acidentes; CTE – Consumo total de energia;
CO2E – Emissão de dióxido de carbono; PAE – Poluentes Atmosféricos Emitidos; QOMP –Quantidade de óleo de motor descartado.
4.2 Desempenho dos modos de transportes
Para a normalização da tabela 1 utilizou-se a equação 2, pois todas as medidas adotas
prevêem que quanto maiores forem os resultados das medidas melhor será a ecoeficiência
para o sistema. Considerou-se as séries normalizadas, x`i(k), com i = 0,...,10 e k = 1,...,5,
como sendo representantes das alternativas i e de suas medidas de ecoeficência k.
Para se estabelecer uma hierarquia entre as séries calcula-se os coeficientes
relacionais, por meio da equação 4 admitindo ζ = 0,5 e o grau de relacionamento
grey (equação 5). Para esta aplicação considerou-se pesos iguais para todas as
medidas. A Figura 3 apresenta o resultado da aplicação da técnica, já considerando
a hierarquia das alternativas.
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
173
Figura 3: Classificação das alternativas de transporte
Graus de relacionamento grey
Desempenho das alternativas
1,00
0,90
0,80
0,70
0,60
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
0,00
Ecoef iciência
Superior
Ecoef iciência
Moderada
Ecoef iciência
Inf erior
A1
A7
A8
A4
A5
A9
A3
A10
A6
A2
Observando a figura 3 constata-se o pior desempenho em termos de
ecoeficiência da alternativa que utiliza o transporte rodoviário (A2).
4.3 Ações de melhoria da ecoeficiência no transporte rodoviário de cargas
No caso de melhoria no desempenho de A2, considerou-se inicialmente
apenas a utilização de biodiesel (B100) proveniente de soja em uma frota dedicada
ao transporte de etanol. A Tabela 2 mostra que, com a utilização desse combustível,
é possível a redução da emissão de CO2 e dos poluentes atmosféricos, com exceção
do NOx, que apresenta um aumento de aproximadamente 10%.
Tabela 2: Alterações nas emissões de poluentes atmosféricos e CO2 com a utilização de
biodiesel proveniente de soja
Fonte(1)
NOx
MP
SOx
CO
CO2
13,0%
-50,0%
-98,0%
-78,0%
-32,0%
-100,0%
-78,5%
USDA and USDOE (1998)
8,9%
-68,1%
-100,0%
-46,2%
-78,5%
Pacific Biodiesel (2000)
10,0%
-68,0%
-67,0%
Oliveira e Costa (2001)
Silva (2007)
EPA (2002)
10,0%
-47,0%
-100,0%
-48,0%
Média
10,5%
-53,0%
-99,5%
-53,7%
-78,3%
Nota: (1) todas as fontes tratam de B100 e biodiesel à base de soja.
Fonte: Elaboração Própria (2011)
174
Transporte em Transformação XVI
Observa-se que todas as fontes consultadas tratam de B100 de rota metílica.
Uma parte do CO2 não é evitada (só reduz 78%), pois ele utiliza metanol produzido
por craqueamento do carvão ou por síntese do gás natural.
A redução do enxofre aparece como 100% em três das quatro fontes utilizadas.
Os 2% a menos de enxofre citados por Oliveira e Costa (2001) podem estar
relacionados a resíduo de catalisador ou a metanol (ruim) de carvão, que contém
muito enxofre.
Como o biodiesel é éster (oxigenado) e não hidrocarboneto (como é o diesel)
há uma tendência da queima oxidar melhor o CO, gerando menos CO e mais
CO2. Esse último é 78% de origem vegetal (óleo de soja), logo não contribui tanto
quanto o óleo diesel para o efeito estufa (aquecimento global). Por oxidar melhor
os resíduos da combustão e não conter enxofre há uma tendência de redução de MP.
Por ser de um único tipo de óleo (soja) e ser produzido na mesma rota
(metílica), esse combustível tende a apresentar uma composição homogênea entre
as experiências, o que possibilita a sua comparação.
Aplicando as alterações nos poluentes e nos gases em A2, observa-se uma
melhoria de desempenho nessa alternativa. O grau de relacionamento grey passa
de 0,34 para 0,48, saindo do último lugar em desempenho para a oitava posição no
ranking.
Outras ações individuais, como redução nos acidentes, redução no consumo
de energia e aumento de receita, foram utilizadas sendo a que mais se destacou
individualmente foi a utilização do biodiesel.
Considerando um transportador rodoviário que possa ter uma frota mais
eficiente, foi avaliada a adoção dessas ações em conjunto, considerando as seguintes
alterações: utilização de biodiesel (B100), aumento de 3% na receita (de forma
que esta se iguala à alternativa de maior receita – A10) e redução no índice de
acidentes, tomando-se como referência o Pacto Rodoviário Mineiro que prevê a
redução de 40% nos índices de acidentes com veículos de carga no Estado de Minas
Gerais (Pamcary, 2010). Com essas ações apenas em A2 tem-se novos valores das
respectivas medidas conforme tabela 3.
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
175
Tabela 3: Medidas de ecoeficiência com a implementação
de ações de ecoeficiência
Indicadores
Medidas
M1
M2
M3
M4
M5
RFR [US$]
CTA [US$]
RFR [US$]
CTE [MJ]
RFR [US$]
CO2E [kg]
RFR [US$]
PAE [g]
RFR [US$]
QOMD [l]
RFR/CTA
[Adimensional]
RFR/CTE
[US$/MJ]
RFR/CO2E
[US$/kg]
RFR/PAE
[US$/g]
RFR/QOMD
[US$/l]
(0)
(0)
(0)
(0)
(0)
Alternativas
x (1)
x (2)
x (3)
x (4)
x (5)
A1
32,03
0,19
3,49
41,27
5404,63
A2
86,12
0,06
3,85
17,83
1310,42
A3
107,07
0,12
1,70
20,70
2401,47
A4
103,90
0,14
1,98
23,81
2733,34
i
i
i
i
i
A5
73,12
0,16
2,30
28,14
2214,44
A6
97,30
0,10
1,37
17,18
1633,57
A7
121,37
0,16
2,21
26,77
2630,57
A8
124,14
0,13
1,83
22,51
2307,42
A9
82,21
0,15
2,12
25,42
2941,54
A10
x0(0)(j)
97,74
0,11
1,56
19,19
2251,63
124,14
0,19
3,49
41,27
5404,63
Indicadores de performance: RFR – Receita de Frete Recebida; CTA – Custo total de acidentes; CTE – Consumo total de
energia; CO2E – Emissão de dióxido de carbono; PAE – Poluentes Atmosféricos Emitidos; QOMP –Quantidade de óleo de
motor descartado.
Os resultados da aplicação do MEM e GRA com os novos valores dos
indicadores, proveniente da implementação de ações de melhoria da ecoeficiência
estão na Figura 4.
176
Transporte em Transformação XVI
Graus de relacionamento grey
Desempenho das alternativas com melhorias em A2
Ecoef iciência
Superior
0,90
0,80
0,70
Ecoef iciência
Moderada
0,60
0,50
0,40
Ecoef iciência
Inf erior
0,30
0,20
0,10
0,00
A1
A7
A8
A2
A4
A5
A9
A3
A10
A6
Figura 4: Desempenho das alternativas com a adoção
de ações para melhoria de A2
Analisando a Figura 4, é possível constatar uma melhoria no desempenho de
A2, que saltou do último lugar na avaliação original para o quarto lugar, tendo o
desempenho muito próximo de A7 e A8.
5. Conclusão
Os resultados mostram que mesmo a alternativa de pior desempenho pode ser
melhorada se ações relacionadas à gestão (redução de acidentes e aumento de receita)
ou melhoria de tecnologia (adoção do B100) forem implementadas. Observa-se que
as ações propostas são factíveis de adoção, cabendo aos transportadores, governo e
embarcadores realizarem parcerias para viabilização das mesmas. Cita-se, por exemplo,
um grupo investidor que queira desenvolver uma transportadora com as características
de melhorias simuladas para competir no mercado de transporte de etanol.
Seria possível testar também a inclusão de redução de consumo de óleo lubrificante
com melhoria de manutenção e também redução no consumo de energia para aumentar
o desempenho, o que não foi feito neste trabalho por falta de dados adequados.
A melhoria de desempenho do modo rodoviário poderia ser potencializada,
considerando que essa alternativa é a que possui menor número de transbordo, o
que corresponde a menor tempo de percurso e possibilita melhor atendimento ao
cliente que valoriza esse atributo.
Melhoria da Ecoeficiência no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos
177
Existem algumas limitações no trabalho relacionadas aos dados utilizados,
sendo a maioria levantada por meio de estimativas. Outra limitação refere-se a
quantidade de biodiesel disponível no mercado que pode, atualmente, ainda não ser
suficiente para utilização do B100.
Como proposição para novos estudos recomenda-se a implementação de
ações como melhoria nos veículos para redução do consumo de energia. Poderiam
ser utilizados outros indicadores e medidas incluindo outras influências ambientais
não contempladas neste estudo. Por fim, a utilização da análise relacional grey com
a utilização de pesos nas medidas poderia trazer outros resultados na avaliação,
representando a realidade de um grupo decisor.
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Centro de Tecnologia Bloco H - Sala 106 Cidade Universitária - RJ – Brasil - CEP 21949-900
Uma Proposta de Modelagem da
Matriz OD Sintética a Partir dos
Fluxos de Tráfego Observados
nas Interseções
9
Bruno Vieira Bertoncini
Eiji Kawamoto
Universidade de São Paulo
Escola de Engenharia de São Carlos
Departamento de Engenharia de Transportes
Resumo
O objetivo deste trabalho é propor e verificar a hipótese de que a contagem
de tráfego nas interseções da rede de transportes, ao invés de contagem de tráfego
nos arcos, reduz o grau de indeterminação e torna mais precisa a matriz OD
estimada pelo modelo sintético. Após detalhamento da proposta, foram realizados
testes experimentais a fim de comprovar a hipótese formulada. TransCAD foi o
software comercial usado na realização de testes. A principal conclusão foi que a
matriz obtida ao considerar contagem de tráfego nas interseções apresenta melhor
desempenho que a matriz obtida ao considerar contagens apenas nos arcos.
180
Transporte em Transformação XVI
Abstract
The aim of this work is to propose and verify the hypothesis that traffic counts
collected at network intersections, instead of traffic counts collected on network
links, reduce indeterminacy and make more accurate the OD matrix estimated by
the synthetic model. After describing the method, experiments were carried out in
order to verify the hypothesis. TransCAD was the commercial software used to
perform the tests. The main conclusion was that the OD matrix estimation based
on traffic counts collected at network intersections presents a better performance in
contrast to the estimation based on traffic counts collected on network links.
1. Introdução
A modelagem da matriz origem-destino (OD) a partir das contagens de
tráfego é uma alternativa ao método tradicional de modelagem da demanda, tem o
intuito de reduzir custos de coleta de dados em entrevistas domiciliares e superar
dificuldades inerentes à obtenção de uma matriz representativa do comportamento
das viagens. Este problema pode ser interpretado como inverso das técnicas de
alocação de tráfego, quando se busca reconstituir um conjunto de fluxos entre pares
de zonas OD que, uma vez alocados na rede, reproduzam os volumes observados
nos seus arcos. Todavia, Willumsen (1981) chama atenção para o fato de que os
dados de fluxos observados em campo além de serem normalmente inconsistentes,
apresentam também algum grau de dependência entre si, com algumas contagens
se tornando redundantes, sem acrescentar informação para a obtenção da matriz
OD sintética. Ademais, o principal desafio teórico para a solução do problema da
reconstrução da matriz OD sintética em contextos reais diz respeito ao fato de o
número de viagens OD ser normalmente bastante superior ao número de arcos
com volumes conhecidos, tornando o sistema de equações sub-especificado, isto é,
constituindo um problema indeterminado.
Em suma, na prática não é possível determinar apenas uma matriz OD
somente com base em dados de contagem de tráfego nos arcos. Timms (2001)
elenca os seguintes tipos de informação adicional normalmente utilizada na
obtenção de matrizes sintéticas: a) matriz antiga; b) matrizes parciais obtidas, por
exemplo, a partir de pesquisas de placas; c) contagens diretas de fluxos entre pares
OD; d) contagens dos totais de viagens entrando e saindo de cada zona; e) modelos
que expliquem o comportamento da demanda, do tipo gravitacional, de escolha
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
181
modal ou de demanda direta. Portanto, como definido por Cascetta e Nguyen
(1988), o objetivo na formulação deve ser obter a matriz OD de viagens por meio
da combinação eficiente dos dados de contagem de tráfego nos arcos e de toda e
qualquer outra informação a priori disponível, ou ainda partindo de suposições
sobre o comportamento dos usuários (modelagem). Mas a obtenção de informações
adicionais geram custos, inerentes a coleta de dados, e o uso de matrizes semente
constitui uma realidade distante para a grande maioria dos planejadores e municípios
brasileiros. Reduzir a indeterminação do problema da modelagem sintética é um
desafio e quando resolvido possibilitará a reconstrução de uma matriz OD com
qualidade. A questão que se levanta é como contornar esse problema sem fazer
uso de procedimentos de coleta de dados, que não sejam contagens de tráfego, ou
uso de matrizes conhecidas a priori, difíceis de serem obtidas e que estão longe da
realidade do planejamento.
Assim, o objetivo do trabalho é propor e verificar a hipótese de que contagem
de tráfego nas interseções da rede de transportes, ao invés de contagem de tráfego
nos arcos, reduz o grau de indeterminação e torna mais precisa a modelagem da
matriz OD sintética. Como objetivos específicos e a correspondente organização no
texto têm-se: (i) apresentar as considerações da literatura sobre uso de informação
adicional na modelagem da matriz OD sintética (item 2); (ii) demonstrar
matematicamente a ideia proposta pelo presente trabalho (item 3); (ii) verificar a
possibilidade de a mesma ser utilizada por um modelo de reconstrução da matriz
OD sintética que possua aplicação comercial (item 3 e 4); (iii) testar a proposta
através de um experimento controlado (item 4); (iv) verificar os efeitos causados
pelo número de interseções com contagem (item 4); (v) analisar a eficiência da
proposta em função dos resultados obtidos (item 4); e (vi) obter conclusões e
questões que motivem surgimento de novas pesquisas (item 5). A hipótese de partida
é que, ao considerar os fluxos observados nas interseções, será possível aumentar
a quantidade de informações, o que poderá reduzir a indeterminação e os erros,
contribuindo para a obtenção da matriz OD sintética mais precisa, em comparação
com a obtida considerando apenas contagens nos arcos.
2. Informação Adicional na Modelagem da Matriz OD Sintética
Van Zuylen (1978) foi o primeiro a reconhecer que apenas contagens de
tráfego nos arcos não seriam suficientes para obter a matriz OD, que seria necessário
182
Transporte em Transformação XVI
inserir um mínimo de informação adicional. A saída, proposta por Van Zuylen, foi
considerar a probabilidade de ocorrer uma viagem entre o par OD ij, informação
essa que estaria acessível desde que se dispusesse de uma matriz semente, uma
matriz de viagens previamente conhecida. Em 1980, Van Zuylen e Willumsen
propuseram um modelo de reconstrução baseado na maximização da entropia
e no uso da minimização da informação. Nielsen (1993), seguindo esta linha,
incorporou no método um termo referente à expectativa da demanda, calculada
a partir da informação contida em uma matriz OD semente e este modelo está
implementado no TransCAD. Em 1999, Paramahamsan apresenta um comparativo
entre modelagens que não consideram matriz semente, com as que consideram.
De acordo com Paramahamsan, ao informar os valores prévios de uma viagem, o
número de respostas possíveis capazes de satisfazer as restrições reduz, aumentando
a probabilidade de a resposta obtida estar correta.
O uso de matriz OD conhecida a priori é notoriamente a principal fonte
de informação adicional na modelagem sintética da matriz OD. No entanto, Van
Zuylen e Willumsen (1980) utilizaram contagens de tráfego nas interseções como
fonte de informação adicional para corrigir o problema da falta de continuidade
volumétrica nos nós, ou seja, garantir a manutenção da lei de Kirchoff, fluxos que
entram em um nó, devem ser iguais aos que saem, desde que este nó seja apenas de
passagem. Porém, na proposta de Van Zuylen e Willumsen os volumes contados na
interseção não foram utilizados diretamente como fonte de informação adicional à
reconstrução da matriz sintética, serviram para corrigir falhas nos dados de entrada.
Hellinga (1994) propôs estimar viagens levando em consideração a
manutenção da conservação dos volumes nos nós, baseado na proposta de Van
Zuylen e Willumsen. A diferença é que Hellinga utilizou os volumes contados nas
interseções para reconstruir a matriz OD. Para tal, bastaria saber a quantidade de
fluxo que entra em cada arco, bem como a porcentagem de conversão. Aplicando
essa ideia a todas as interseções, seria possível determinar a matriz de viagens, com
a vantagem de não utilizar técnicas de alocação para definir as rotas de viagem.
De acordo com Hellinga, se a continuidade existir, existirá ao menos uma solução
exata. Ainda assim, continua sendo um problema em que o número de incógnitas
é superior ao de informações. O modelo de Hellinga foi desenvolvido e testado
considerando uma via arterial, com poucas entradas e saídas. A aplicação do método
seria inviável para redes de grande porte com formato de grelha.
Alibabai e Mahmassani (2008) propuseram um método para estimação da
matriz OD dinâmica, baseado na alocação dinâmica do tráfego. O método consiste
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
183
em um processo iterativo bi-nível (1º nível alocação e 2º reconstrução da matriz),
cuja principal proposta seria minimizar a função objetivo ponderada entre a
diferença quadrática do volume alocado e do volume observado, e a diferença entre
matriz OD reconstruída e matriz OD semente. Para alocar o volume, o método
leva em consideração a manutenção dos percentuais de conversão observados em
campo. A crítica que se faz à proposta é que os pesos da função objetivo ponderada
tem maior incidência na demanda, fazendo com que o aumento na diferença entre
demandas favoreça o resultado. Somado a isso, a função objetivo não foi formulada
de acordo com um conjunto de restrições, o que cria o problema de saber se a
matriz reconstruída é, de fato, a esperada. Ademais, o método é condicionado ao
conhecimento de uma matriz OD semente.
As propostas de Hellinga (1994) e Alibabai e Mahmassani (2008) não surtiram
o efeito esperado. Via de regra, os volumes de conversão ainda não fazem parte
diretamente do processo de reconstrução da matriz OD. Há ainda um paradigma
de que volumes de conversão devem ser utilizados para corrigir os problemas da
não continuidade volumétrica nas interseções, ou contribuir à escolha de rota, em
que as proporções (taxas) de conversão em cada cruzamento são restrições a serem
respeitadas no processo de alocação.
Acredita-se que a utilização de informações referentes ao movimento de
conversão no processo de reconstrução da matriz OD poderá trazer benefícios,
entretanto alguns paradigmas devem ser quebrados, a começar por não limitar
o uso deste tipo de informação apenas para garantir continuidade volumétrica
nas interseções, ou que o produto da alocação seja condizente com as taxas de
conversão observadas em campo. É preciso ter uma proposta menos limitada e que
incida diretamente no processo de reconstrução, como uma informação adicional
ao problema.
3. Consideração dos Movimentos de Conversão na Modelagem da Matriz OD Sintética
Conceitualmente, a proposta apresentada neste artigo é que os volumes contados
nas aproximações de uma interseção, de acordo com seus respectivos movimentos,
façam parte do conjunto de restrições de um processo para reconstrução da matriz
OD sintética, aumentando o número de informações e, consequentemente, reduzindo
a indeterminação. Neste item é apresentada a descrição da proposta deste trabalho.
184
Transporte em Transformação XVI
Considere Rd (N,A) uma rede de transporte composta por um conjunto N
de nós e um conjunto A de arcos orientados (com origem em no e final em nf).
Considere também que Mz representa o conjunto de movimentos permitidos em
uma aproximação (z) [Mz = (ez, rez, dz) – esquerda, reto, direita]. Dependendo da
configuração da interseção, é possível haver 2, 3, 4, 5, ou mais aproximações em
uma mesma interseção (nó). Na Figura 1 é apresentada a configuração de interseção
tipo cruz, na qual é possível observar a representação do arco orientado a, do nó
final, de uma aproximação z, qualquer, e os respectivos movimentos possíveis em
z (Figura 1(b)).
Figura 1: (a) Interseção tipo cruz;
(b) Movimentos permitidos para aproximação z
Seja N c ⊂ N o conjunto contendo nós cujos fluxos foram observados e
o conjunto de fluxos observados no nó
, conforme o
movimento por aproximação (Mz ) e V = (Vn ) o conjunto de todos os Vn.
Os fluxos observados contidos no conjunto V serão alocados a “arcos virtuais”,
criados exclusivamente para essa função. De acordo com Martin (1995), Glover et
al (1977) propuseram o uso de nós e arcos artificiais para facilitar a obtenção de
respostas da programação linear desenvolvida para estimar os fluxos de conversão
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
185
em interseções: tal informação seria utilizada para controle de tráfego. Os nós e
arcos artificiais servem para dar suporte a alguma função a ser desempenhada e não
interferem no comportamento da rede; vale mencionar que para Glover et al (1977)
a capacidade desses arcos seria infinita.
A ideia, no presente trabalho, ao fazer uso de “arcos virtuais” é possibilitar a
inclusão das contagens nos nós em um programa, ou método, para reconstrução de
matriz de viagem que foi desenvolvido exclusivamente para contagens nos arcos.
Portanto haverá um “arco virtual” para receber o fluxo de determinada aproximação,
representando o movimento permitido e cuja contagem foi realizada.
Assim, L = (av1, av2,...,avn ) é o conjunto de arcos virtuais que receberão
os fluxos observados conforme movimento. Como recurso auxiliar, será criado o
conjunto Y = (I1, I2, ..., In ) de nós auxiliares que darão a direção de cada arco
pertencente a L. Assim, um “arco virtual” com origem no nó auxiliar k e final no nó
auxiliar m é definido como avn(Ik , Im ) mas um “arco virtual” também pode ter como
origem um nó real e terminar em um “nó virtual”, ou vice-versa.
Dessa forma, O representa o conjunto de todos os arcos da rede R (reais e
virtuais), tal que O ≡ ( A; L) .
Conhecidos os valores dos fluxos observados nos arcos (a) pertencentes
ao conjunto O da rede e as rotas utilizadas para as viagens, é válido afirmar que
a relação entre as demandas que utilizam um dado arco
e o volume de
é expressa pela Equação (1). Que é a restrição
tráfego observado neste arco
da grande maioria dos métodos de reconstrução da matriz OD sintética, tido como
a chave do problema (Willumsen, 1981).
a ∈ O (1)
Pode-se afirmar que o volume de tráfego que passa pelo arco a ∈ A ,
com nó inicial no e final nf
, é dado pela soma dos fluxos observados na
aproximação z, que o arco a faz ao nó nf ϵV, conforme ilustrado na Figura 1 (a) e
(b), matematicamente expresso pela Equação (2).
(2)
Os fluxos Tij podem ser recuperados pelo princípio da maximização da
entropia, bastando obter a solução para o problema de maximização do tipo:
186
Transporte em Transformação XVI
Maximizar
, sujeito a (1)
(3)
O uso da maximização da entropia consiste apenas em uma sugestão para
o método de otimização, qualquer modelo matemático proposto para recuperar a
matriz OD sintética pode ser utilizado em conjunto com a ideia apresentada neste
trabalho, desde que tenha (1), ou suas derivações, como restrição do problema.
Em suma, a ideia é aumentar o número de restrições (Equação (1)) devido ao
aumento de informações provenientes das contagens. Teoricamente as vantagens da
proposta são: (i) aumento na quantidade de informação de fluxo; (ii) possibilidade
de ser utilizada por qualquer programa comercial de modelagem da matriz OD
sintética.
4. Verificação da Proposta
Por ser inócuo desenvolver um experimento amparado em uma situação
real, que não permitiria inferir se possíveis erros são provenientes dos dados de
entrada ou do método empregado, optou-se por verificar a proposta utilizando um
experimento hipotético, o qual permite controle sobre os dados de entrada.
A rede hipotética é constituída de 9 nós (todos origem e destino) conectados
entre si por 24 arcos orientados, conforme ilustrada na Figura 2 (a). Essa rede é
carregada com uma matriz OD, denominada “real” (Figura 2 (b)), adotada sem
nenhum critério específico e que possui dois objetivos: (i) fornecer as contagens de
tráfego, equivalentes a uma contagem in loco, obtidas a partir da alocação da matriz
“real” à rede, pelo método do equilíbrio do usuário; (ii) servir de referência na
comparação dos resultados obtidos, permitindo assim mensurar os erros resultantes.
Cada arco da presente rede tem associado uma função matemática para cálculo do
tempo de viagem, único custo para utilização dos arcos, expressa conforme BPR
(1964), com parâmetros α = 0,15 e β = 4. O resultado da alocação é apontado ao
lado dos respectivos arcos na Figura 2 (a) como Vobs, uma vez que o fluxo resultante
da alocação em um arco será considerado o volume observado naquele arco para
efeito de reconstrução da matriz OD.
O problema da modelagem da matriz OD sintética da rede hipotética apresentada
na Figura 2 (a) possui, no mínimo, 72 incógnitas, caso apenas uma possibilidade de
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
187
caminho entre cada par OD seja considerada, e, no máximo, 605 incógnitas, caso
considere todas as possibilidades de caminho entre os pares OD. Por outro lado, é
possível obter no máximo 24 informações de fluxo provenientes das contagens nos
arcos. Como o número de incógnitas é maior que o de informações, não há garantias
que a matriz obtida seja igual à original (matriz “real”). A expectativa é que ela se
acerque da “real” à medida que se aumenta o número de informações adicionais. E
é neste ponto que consiste esta verificação.
A modelagem da matriz origem-destino foi obtida utilizando o TransCAD
(TCD) (Caliper, 2005), que tem implementado o método de Nielsen (1993),
considerando técnica de alocação de equilíbrio do usuário. Este programa tem sua
modelagem vinculada ao fornecimento de uma matriz OD semente, assim dois tipos
de matriz OD semente foram utilizadas: (I) matriz semente binária: equivalente a
situação em que não é fornecida matriz semente, ou seja, todas as viagens têm a
mesma probabilidade de ocorrer. Neste caso, viagens intrazonais recebem valor 0
e as viagens interzonais recebem valor 1, lembrando que o modelo sintético parte
do pressuposto de que não existem viagens intrazonais (Willumsen, 1981); e (II)
matriz semente equivalente a 70% da matriz OD “real” (denominada S70): situação
idealizada e bastante favorável, em que a probabilidade de ocorrer uma viagem
de i para j, dada pela matriz OD semente, é igual à da matriz “real”. A escolha do
TCD deve-se a dois motivos: (i) Timms (2001) afirma que este programa apresenta
bom desempenho na modelagem da matriz OD sintética; (ii) permite reconstruir a
matriz OD a partir da informação das taxas de conversão ao final de cada arco, de
forma a contribuir com a escolha da rota, fazendo com que esses percentuais sejam
respeitados no processo de alocação e isso permitirá uma comparação com a ideia
do presente trabalho. Assim quatro cenários foram simulados:
Cenário 1: representa a situação em que contagens são realizadas apenas
nos arcos da rede viária. Representa a situação usual na modelagem da matriz OD
sintética, em que as contagens de tráfego são obtidas apenas nas seções de via;
Cenário 2: ilustrado na Figura 3 (a), considera inserção de informação
adicional, proveniente da contagem de tráfego nos nós. Neste caso a contagem de
tráfego foi realizada no nó 5, que possui maior indeterminação (66% das viagens
OD possuem rotas que contém este nó). Serão adicionadas 16 informações não
redundantes provenientes da contagem nos nós e a rede passará a ter 40 informações
não redundantes, o que diminui o grau de indeterminação. Foram inseridos, de
acordo com a proposta, 16 “arcos virtuais”, cuja impedância seria igual a 10-15 u.t.
188
Transporte em Transformação XVI
(unidades de tempo), para não interferir na escolha da rota, pois os mesmos não
integram de fato a rede;
Cenário 3: Neste cenário as contagens ocorreram em todos os nós da rede
viária e é representado na Figura 3 (b). É a situação em que pode ser obtida a maior
quantidade de informação não redundante relativa a volume de tráfego, ao todo 64
informações;
Cenário 4: serão atribuídos a todos os arcos os percentuais de conversão, que
serão utilizados pelo TCD no processo de alocação/escolha da rota, mostrando com
isso as diferenças entre as abordagens.
4.1 Análise de sensibilidade da matriz OD sintética em relação a “real”
A análise de sensibilidade será descrita por cenário, ao final uma discussão,
com a comparação entre os quatro cenários será apresentada.
l
Cenário 1:
A Figura 4 apresenta os diagramas de dispersão entre viagens sintéticas e
viagens “reais”. O total de viagens sintéticas obtidas pelo TransCAD resultou, ao
fornecer matriz semente binária, em 25.818 viagens e ao fornecer matriz semente
S70 o total de viagens geradas foi 23.177 (0,1% de viagens a mais que o total “real”).
Dentre as modelagens propostas para o Cenário 1, a obtida com matriz
semente S70 foi menos dispersa, ainda assim um R2 abaixo de 0,8, mesmo com
matriz semente altamente representativa. Ao considerar uma matriz semente não
representativa, os resultados do TransCAD foram fracos, uma alta dispersão pode
ser observada. A diferença absoluta média, dada pela razão entre a somatória total
das diferenças absolutas entre viagens sintética e “real”, e o número total de viagens
“reais”, foi igual a 52% para os valores gerados com semente binária e 12% com
semente S70.
O desempenho apontado no Cenário 1 reflete a atual modelagem da matriz
OD sintética, com resultados fracos mesmo em situações bastante favoráveis, como
no caso de se conhecer uma matriz OD semente como S70.
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
l
189
Cenário 2:
Foram inseridas 16 informações adicionais de contagens de tráfego, o total
de viagens sintéticas resultou, ao fornecer matriz semente binária, em 24.270
viagens e ao fornecer matriz semente S70 o total de viagens geradas foi 23.034. Em
comparação com o Cenário 1, houve uma redução nos totais de viagens geradas,
sendo que com semente binária os totais de viagens geradas se aproximaram do
total “real”, porém a distribuição, apesar da melhora em comparação com Cenário
1, continuou ruim. A Figura 5 apresenta os diagramas de dispersão entre as viagens
estimadas e as viagens “reais”.
Novamente a modelagem obtida pelo TransCAD com semente S70 apresentou
menor dispersão, desta vez R2 aumentou, sendo próximo de 0,9, consequentemente
os resultados estão menos dispersos em comparação aos valores “reais” de viagem.
Na situação de semente binária houve aumento do valor de R2, indicando que a
incorporação das contagens nos nós trouxe benefícios aos resultados. Os aumentos
foram consideráveis, ainda que o valor bruto de R2 continue baixo, mas o desempenho
do TransCAD com matriz semente binária continua ruim, com diferença absoluta
média foi igual a 37% para os valores gerados pelo TransCAD com semente binária
e 10% com semente S70, corroborando com a análise da dispersão.
190
Transporte em Transformação XVI
l
Cenário 3:
Figura 2: (a) Rede de transportes hipotética;
(b) Matriz OD que demanda a rede
Após inserir 40 informações adicionais de contagens de tráfego, máximo
possível para esta rede, o total de viagens sintéticas resultou, ao fornecer matriz
semente binária, em 22.225 viagens e ao fornecer matriz semente S70 o total de
viagens geradas foi 23.390. A Figura 6 apresenta os diagramas de dispersão entre as
viagens estimadas e as viagens “reais”.
O melhor desempenho, em termos de dispersão, continua sendo com semente
S70, desta vez R2 foi 0,94. O desempenho com matriz semente binária continua
fraco, mas o valor de R2 aumentou, indicando diminuição do erro entre os valores
sintéticos e os valores “reais”. A diferença absoluta média foi igual 17% para os
valores gerados pelo TransCAD com semente binária e 7% com semente S70.
À medida que aumentou o número de informações de tráfego, provenientes
das contagens nas interseções, as matrizes OD sintéticas obtidas apresentaram
melhorias em seus resultados. Vale ressaltar que o incremento no número de
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
191
informações de volume de tráfego não implicou na realização de pesquisas
complementares, como ocorreria se fosse utilizada matriz semente como informação
adicional. A proposta também não implicou desenvolvimento de um novo modelo
de reconstrução, ou acréscimo no tempo para geração dos resultados. O único
artifício utilizado, que possibilitou aplicar a proposta no TransCAD, foi criar “arcos
virtuais” que receberiam os volumes contados em cada aproximação de acordo
com o movimento de conversão. Pode-se dizer que mesmo sem matriz semente, a
consideração das contagens nos nós trará benefícios ao processo de modelagem da
matriz OD sintética, ainda que seja realizada contagem apenas na interseção com
maior indeterminação.
Figura 3: (a) Rede hipotética Cenário 1; (b) Rede hipotética Cenário 2
192
Transporte em Transformação XVI
l
Cenário 4:
O uso de informação das taxas de conversão em todas as interseções possibilitou
a obtenção de resultados melhores que os apresentados quando considerou apenas
contagens nos arcos (Cenário 1). Foram geradas 6,7% de viagens a mais que o total
“real”, para uma matriz semente binária, e 0,79% de viagens a menos que o total
“real”, com semente S70. A Figura 7 apresenta os diagramas de dispersão entre as
viagens estimadas e as viagens “reais”.
O melhor desempenho, em termos de dispersão, continua sendo com semente
S70, desta vez R2 foi 0,87. Ainda assim, o desempenho foi inferior ao obtido ao
considerar as contagens em todas as interseções como integrantes do conjunto
de restrição (Cenário 3), mostrando que a proposta deste artigo é mais eficiente
que as considerações feitas, até então, a cerca dos movimentos de conversão na
reconstrução da matriz OD sintética.
Figura 4: Diagrama de dispersão Cenário 1- (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
193
Figura 5: Diagrama de dispersão Cenário 2 - (a) TransCAD semente binária; (b) TransCAD semente S70
Figura 6: Diagrama de dispersão Cenário 3 - (a) TransCAD
semente binária; (b) TransCAD semente S70
194
Transporte em Transformação XVI
Figura 7: Diagrama de dispersão Cenário 4 - (a) TransCAD
semente binária; (b) TransCAD semente S70
5. Considerações Finais
Os objetivos estabelecidos para este trabalho foram alcançados. A proposta
de considerar contagens de tráfego nas interseções, com intuito de aumentar a
quantidade de informação, foi apresentada e os resultados obtidos mostraramse satisfatórios, confirmando a hipótese estabelecida. Ainda assim, os resultados
não possibilitaram recuperar a matriz OD original, pois, mesmo com aumento
da quantidade de informação, o problema continua indeterminado. Os volumes
observados servem como pontos de referência que moldam a resposta. Quanto mais
pontos de referência maiores são as chances de o resultado obtido se acercar do real.
Por isso a ideia de considerar os volumes observados nas interseções possibilitou a
reconstrução de matrizes com menor quantidade de erros, em comparação a situação
em que se empregam apenas contagens nos arcos.
Idealmente seria interessante fazer contagens em todos os nós da rede em
estudo, mas a opção de realizar contagens apenas no (s) ponto (s) com maior
indeterminação (Cenário 2) é bastante interessante, pois permite a obtenção de
resultados melhores, mesmo com matriz semente com pequena qualidade, que os
obtidos pela técnica atualmente em uso.
Uma Proposta de Modelagem da Matriz OD Sintética a
Partir dos Fluxos de Tráfego Observados nas Interseções
195
A adoção dos “arcos virtuais” possibilitou a aplicação da proposta deste trabalho
no TransCAD, que não foi desenvolvido considerando as contagens de tráfego
nas interseções como integrantes do conjunto restrição. Assim, é esperado que tal
artifício possibilite o uso da técnica por outros programas de reconstrução, uma vez
que todos eles consideram volumes nos arcos como dados de entrada. Em relação ao
TransCAD, largamente utilizado no planejamento de transportes, deve-se ter atenção
quanto a qualidade da matriz semente fornecida, o artifício de usar uma matriz binária
não se mostrou eficiente, embora o uso combinado com contagem nos nós trouxesse
melhorias aos resultados, levando a crer que a alternativa proposta neste trabalho será
de grande valia para o planejador que deseja modelar a matriz OD sintética e não
dispõe de matriz semente de qualidade. O uso das taxas de conversão permitiu obter
bons resultados, porém é muito mais prático e eficiente inserir os “arcos virtuais”.
Cabe ressaltar que o estudo aqui apresentado constitui apenas um estudo de caso,
serão necessárias mais verificações, como testes utilizando redes com outros tamanhos
e configurações, matrizes de demanda variada e matrizes sementes que não guardem
proporcionalidade direta com a “real”, para só então tecer generalizações. Ainda assim,
pode-se afirmar que o método proposto consiste em uma mudança de paradigma na
modelagem da matriz OD sintética. Acredita-se que a ideia defendida neste artigo poderá,
futuramente, vir a contribuir, na prática, para o processo de reconstrução da matriz OD
sintética. No entanto, há um longo caminho de estudos e análises até atingir este ponto.
Espera-se, com este trabalho, ter trazido contribuições efetivas à reconstrução
da matriz OD sintética, em especial àquelas situações que não dispõem de recursos
adicionais como matriz OD semente.
Agradecimentos
Os autores agradecem à FAPESP pela concessão de bolsa de estudo de doutorado.
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Bruno Vieira Bertoncini ([email protected])
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes
Escola de Engenharia de São Carlos, Depto. de Eng. de Transportes.
Eiji Kawamoto ([email protected])
Professor Titular, Depto. de Transportes,
Universidade de São Paulo – Escola de Eng. de São Carlos, Depto. de Eng. de Transportes.
Escola de Engenharia de São Carlos – USP
Departamento de Eng. de Transportes
Av. Trabalhador Sãocarlense, 400, Centro
CEP: 13566-590 – São Carlos, São Paulo, Brasil
Fone/Fax: (016) 3373-9602
Mutabilidade nos Contratos de
Arrendamento Operacional de
Áreas e Instalações Portuárias
de Uso Público
10
Luciana Carina Soares Costa
Francisco Giusepe Donato Martins
Carla Garcia Protásio
Tribunal de Contas da União
Resumo
O contrato de arrendamento é o instrumento hábil para transferir à iniciativa
privada a prestação das operações portuárias. A literatura indica que esses contratos
são mais suscetíveis a alterações em comparação aos demais contratos firmados
com a Administração Pública. Este artigo analisa, de forma exploratória, mudanças
de regras em contratos de arrendamentos, especificamente sobre definição de
objeto e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público. Os resultados
encontrados inferem que esse instrumento tem natureza de contrato administrativo
com regime jurídico de concessão e que ele rege operações portuárias com natureza
jurídica de serviço público em regime de direito público. Suas cláusulas estão
sujeitas a alterações em função de possível suplementação, aperfeiçoamento,
modernização e ampliação de instalações. Essas alterações devem observar os
princípios norteadores da prestação de serviço adequado, em especial, continuidade,
generalidade e atualidade.
198
Transporte em Transformação XVI
Abstract
A leasing contract is a legal instrument to transfer port operations from state
to private companies. Literature indicates that these contracts are more vulnerable
to changes, compare to other contracts signed by the Public Administration. This
article analyzes, in an exploratory way, rule changes in leasing contracts on port
operations for public use, especially amendments on the object of the contract
and the expansion of port public areas and facilities. The results indicate that
this instrument is an administrative contract under a concession agreement. This
contract rules public port operations and its clauses are subject to changes due
further additions, expansions, modernization and improvement, characteristics
inherent to the public service. This changes should observe the principles of proper
service delivery, mainly continuity, generalization, and modernization.
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) aloca as atividades econômicas
associadas aos portos, assim como outras atividades do setor de infraestrutura
(energia, telecomunicações, transporte rodoviário e ferroviário), como sendo de
competência da União e passíveis de serem explorados diretamente pelo Poder
Público ou mediante autorização, permissão ou concessão. Estabelece, ainda, que
a transferência da prestação de serviços públicos à iniciativa privada, ou seja, a
desestatização, será realizada sob o regime de concessão ou permissão e sempre
precedida de licitação, na forma da lei. A participação da iniciativa privada na
oferta de serviços públicos marcou a transformação de um Estado provedor direto
para um Estado regulador da prestação desses serviços por particulares, fato que
tomou impulso a partir da década de 90 com a criação do Programa Nacional de
Desestatização (PND), instituído pela Lei 8.031/1990.
No âmbito do setor portuário, a Lei 8.630/1993 prevê a obrigatoriedade de
licitação prévia à celebração de contratos de arrendamento de instalações portuárias
de uso público restrita à área do porto organizado (Brasil, 1993). Para exercer o
papel de órgão regulador do setor portuário foi criada, por meio da Lei 10.233/2001,
a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que tem a competência
legal de supervisionar e fiscalizar as atividades desenvolvidas pelas autoridades
portuárias nos portos organizados (Brasil, 2001).
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
199
A literatura apresenta várias obras que abordam aspectos relevantes do edital
de licitação (Nóbrega, 2005), e tratam sobre os serviços públicos, a concessão e
regulação dos serviços públicos delegados (Blanchet, 1999 e 2007; Justen Filho,
2003; Di Pietro, 2006 e 2007; Bacellar Filho, 2007; Silva e Martins, 2007; Aragão,
2008; Meirelles, 2008). Há, ainda, estudos sobre contrato de arrendamento de
instalações portuárias, destacando-se o de Borges (1997) e Marques Neto e Leite
(2003) que enfatizam aspectos associados à mutabilidade desse contrato.
Verificou-se, contudo, que apesar de ampla a literatura sobre concessões de
serviços públicos e editais de licitação, há poucos estudos abordando a questão
da mutabilidade de regras associadas aos contratos de arrendamentos operacionais
de áreas e instalações portuárias de uso público. Assim, o presente trabalho visa
contribuir, de forma exploratória, com análise teórica e qualitativa de contratos de
arrendamentos portuários, com base na legislação e nos normativos que regem a
matéria, especificamente quanto à modificação do perfil da carga a ser movimentada
e à ampliação das áreas e instalações afetadas, a fim de verificar a aderência dos
procedimentos regulatórios adotados à regulamentação legislativa pertinente, aos
princípios aplicáveis aos serviços públicos e à doutrina.
Para tanto, este trabalho foi elaborado em cinco seções, incluída esta
introdução. A segunda trata do referencial teórico onde são abordados conceitos e
princípios aplicáveis ao serviço público e aspectos sobre o setor portuário brasileiro,
em especial o arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso
público. A terceira apresenta a metodologia adotada. A quarta discute e analisa os
procedimentos regulatórios sobre modificações do perfil da carga e ampliação de
áreas e instalações no âmbito de arrendamentos portuários. Por fim, na quinta e
última seção, são apresentadas as considerações finais.
2. Referencial Teórico
2.1 Serviço público: breve noção, regime jurídico e princípios
O entendimento sobre o conteúdo e a abrangência dos serviços públicos
vem mudando ao longo dos anos para acompanhar a evolução do Estado, variando
conforme a concepção social, econômica e cultural da sociedade em determinado
tempo. A doutrina brasileira divide em três correntes a noção de serviço público
(Grotti, 2003; Meirelles, 2008). Para os que defendem uma concepção orgânica
200
Transporte em Transformação XVI
ou subjetiva, toda e qualquer atividade prestada pelo Poder Público é considerada
serviço público, não sendo levada em conta nenhuma outra característica. A
noção material, objetiva ou funcional, por outro lado, tem como cerne o objeto do
serviço, ou seja, a própria atividade desempenhada. De acordo com esse critério,
toda atividade que tiver por objeto a satisfação das necessidades coletivas deve ser
considerada serviço público, independentemente de quem a exerce. Por fim, os que
assumem uma perspectiva formal consideram que a noção de serviço público deve
ser extraída diretamente do regime jurídico que lhe é aplicado, pois dele dependem
os efeitos que surgiram daquela noção.
A corrente predominante defende uma acepção mais formalista, por considerar
serviço público toda atividade que o ordenamento jurídico brasileiro – CF/1988 e
leis infraconstitucionais – determina que assim o seja. Segundo Aragão (2008), o
conceito de serviço público, além de operacional, deve ser decorrente da CF/1988.
Esse é também o entendimento da professora Di Pietro (2007), ao afirmar que “é
o Estado, por meio da lei, que escolhe quais as atividades que, em determinado
momento, são consideradas serviços públicos; no direito brasileiro, a própria
Constituição faz essa indicação nos arts. 21, incisos, X, XI, XII, XV e XXIII, e 25,
§ 2º”.
O regime jurídico de cada instituto está fundamentado num conjunto de
princípios e regras que juntos formam sua identidade e dão-lhe especificidade e
singularidade. Os serviços públicos, prestados diretamente pelo Poder Público ou
executados pela iniciativa privada, submetem-se a um regime jurídico peculiar de
direito público, que impõe deveres e atribui direitos, o que os distingue dos demais
institutos, inclusive das demais atividades desempenhadas pelo Estado (Grotti,
2003), e a outorga a particulares da execução de serviços públicos não modifica
o regime jurídico que preside a sua prestação, pois não transforma o serviço em
privado (Bacellar Filho, 2007). Além disso, a CF/1988 delimitou características,
princípios e regras especiais que deverão ser observados quando da prestação desses
serviços, tal como a necessidade de que esses sejam prestados de modo adequado
(Grotti, 2003).
Os princípios do serviço público estão expressos na Lei 8.987/1995, quais
sejam: regularidade; continuidade; eficiência; segurança; atualidade; generalidade;
cortesia na sua prestação; e modicidade das tarifas (Brasil, 1995). Para o presente
trabalho, cumpre examinar os princípios da continuidade, da generalidade ou
universalidade e da atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade. O princípio
da continuidade dos serviços públicos deriva do fato de serem esses serviços
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
201
essenciais, indispensáveis e do interesse de toda a coletividade. Diante disto, o
seu funcionamento deve ocorrer de forma contínua, sem interrupções, a não ser
em hipóteses específicas, previstas em lei (art. 6º, §3º, da Lei 8.987/1995) e no
contrato. Para garantir a continuidade na prestação do serviço público, os contratos
administrativos possuem mecanismos que permitem, por exemplo, a mutabilidade
desses contratos mediante a alteração unilateral de cláusulas, tendo em vista a
necessidade de serviço, e a aplicação de teorias pertinentes à manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, tais como a da imprevisão, do fato do
príncipe e do fato da administração (Grotti, 2003).
O princípio da generalidade ou da universalidade dos serviços públicos,
também conhecido como princípio da igualdade dos usuários perante o serviço
público, exprime a obrigação de que todos que satisfaçam as condições de obtenção
de um serviço público recebam a sua prestação, indistinta e independentemente
do seu poder aquisitivo, bastando que deles necessite (Silva e Martins, 2007). Já o
princípio da atualidade, adaptabilidade ou mutabilidade compreende a modernidade
das técnicas, do equipamento, das instalações e a sua conservação, bem como a
melhoria e expansão do serviço (Brasil, 1995). É esse princípio que justifica a
alteração unilateral de cláusulas regulamentares dos contratos de concessão pelo
Poder Concedente e, por derivar-se do princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado, exprime a possibilidade e o dever de os serviços públicos serem
alterados para se adaptarem às exigências e necessidades do interesse público, que
variam de acordo com o tempo e o espaço (Grotti, 2003).
2.2 O setor portuário brasileiro
2.2.1 Contexto histórico e legal
O grau de intervenção estatal adotado ao longo do tempo tem gerado alterações
na configuração do sistema portuário brasileiro. Com a abertura dos portos pelo rei
D. João VI, em 1808, o Brasil foi inserido no cenário do comércio internacional.
Desde esse acontecimento e, principalmente a partir de 1869, a iniciativa privada
passou a financiar as obras de expansão nos portos nacionais (Curcino, 2007).
Com a criação do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN)
durante a Era Vargas, o Estado assumiu o papel de financiador e operador dos
portos, hierarquizando o setor em grandes e pequenos portos, reformou a legislação
e realizou diversas obras que geraram aumento na movimentação de cargas e na
arrecadação portuária (Brasileiro et al., 2001; IPEA, 2010). Com a edição da Lei
202
Transporte em Transformação XVI
6.222/1975, o Estado extinguiu o DNPVN e criou a Empresa de Portos do Brasil
S.A. (Portobrás), vinculada ao Ministério dos Transportes, que passou a administrar
os portos de forma centralizada por meio de suas subsidiárias, companhias docas,
e por concessionários privados e estaduais (Tovar e Ferreira, 2006). Essa forma de
gestão perdurou até março de 1990 quando a Portobrás foi extinta e, em agosto de
1990, foi editado o Decreto 99.475 que autorizou o Ministério da Infra-Estrutura
a descentralizar às sociedades de economia mista subsidiárias da Portobrás em
liquidação ou às unidades federadas a administração dos portos, das hidrovias e das
eclusas elencados naquele decreto. Após essas alterações institucionais, passaram
a existir portos administrados por companhias docas controladas pela União, por
Estados e Municípios e por empresas privadas. Em abril de 1990, foi instituído o
PND mediante a edição da Lei 8.031.
A reforma do setor portuário teve o seu ápice com a edição da Lei 8.630/1993
que construiu um novo arcabouço jurídico e institucional para o setor, rompeu com
o monopólio estatal e consolidou a passagem, para o setor privado, das atividades
de operação portuária, permanecendo o Estado, no entanto, como detentor da
infraestrutura dos portos. Segundo Pêgo Filho et al. (1999), essa lei incentivou a
competição e a parceria público-privado por meio do aumento dos investimentos
e de gestão empresarial na operação portuária, de modo a proporcionar ganhos de
produtividade e redução de tarifas. Com a promulgação da Lei 9.277/1996, a União
também passou a delegar, por meio de convênios, a administração e exploração dos
portos para Estados e Municípios, podendo aqueles entes federativos outorgar a
exploração à iniciativa privada (Castro, 2000). Assim sendo, os portos brasileiros,
em termos de regime de administração, de acordo com Silva et al. (2009), podem
ser configurados como concessão a governo estadual, delegação a governo estadual
ou municipal, autorização a governo estadual, empresas vinculadas à Secretaria
Especial de Portos da Presidência da República (SEP/PR) criada pela Lei
11.518/2007, e concessão à iniciativa privada.
Ainda quanto ao aspecto institucional, a Lei 10.233/2001 criou a Antaq,
entidade integrante da Administração Federal indireta, submetida ao regime
autárquico especial e vinculada ao Ministério dos Transportes, com a finalidade de
implementar as políticas públicas traçadas dentro de sua esfera de atuação e, nesse
contexto, regular e supervisionar as atividades de prestação dos serviços públicos
de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura aquaviária e portuária
federal, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos
usuários e fomentando a competição entre os operadores (Brasil, 2001). Quanto às
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
203
modificações operacionais, as principais alterações constam do Decreto 4.391/2002,
complementadas pela Resolução Antaq 55/2002 sobre o arrendamento de áreas e
instalações portuárias destinadas à movimentação e armazenagem de cargas, e do
Decreto 6.620/2008 acerca de concessão de portos, arrendamento e autorização de
instalações portuárias marítimas.
2.2.2 Arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias: obrigatoriedade de licitação, natureza e regime jurídico do contrato e das operações portuárias
e alterações
O arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de uso público
restrito ao porto organizado, conforme definido na Lei 8.630/1993 e posteriormente
regulamentado no Decreto 6.620/2008, decorre sempre de processo licitatório e é
formalizado por meio de contrato (Brasil, 1993 e 2008) firmado entre a autoridade
portuária e o arrendatário, por prazo determinado, sendo o instrumento hábil para
viabilizar a transferência de operações portuárias ao setor privado. Esse contrato
é regido pela Lei 8.630/1993, por preceitos de direito público e subsidiariamente
pelas Leis 8.666/1993 e 8.987/1995, bem como por princípios da teoria geral dos
contratos e por disposições de direito privado (Brasil, 2008). Nesse mesmo sentido, a
Resolução Antaq 55/2002 dispõe que esse instrumento é regulado por suas cláusulas
e pelos preceitos de direito público, aplicando-se, supletivamente, as disposições do
direito privado. No caso do setor portuário, a licitação de arrendamentos portuários
operacionais é regida pela legislação específica do setor, consubstanciada na Lei
8.630/1993 e na Resolução Antaq 55/2002, e subsidiariamente pelas Leis 8.987/1995
e 8.666/1993.
Nesse contexto, deve-se esclarecer que a licitação é um procedimento
administrativo que se destina a selecionar a proposta mais vantajosa para a
Administração Pública, ou seja, aquela que apresente as melhores condições para
a contratação, e deve permitir a ampla participação de interessados e fornecer aos
licitantes a certeza de que as regras estabelecidas não servirão para desigualá-los
(Nóbrega, 2005). Por isso, as regras que regerão o processo licitatório devem estar
arroladas no edital, que vincula tanto os participantes do certame quanto a própria
Administração, exercendo, consoante Justen Filho (2003) e Nóbrega (2005), a
função de publicidade, para divulgar a licitação e atrair potenciais interessados, e
a normativa, para estabelecer regras e condições que disciplinarão o certame e que
constarão do contrato a ser oportunamente firmado.
204
Transporte em Transformação XVI
No caso do arrendamento portuário, o edital de licitação deverá observar
a legislação própria do setor (art. 4º, § 4º da Lei 8.630/1993 e arts. 13 e 28 da
Resolução Antaq 55/2002), e, no que couber, aos critérios e normas gerais da
legislação própria sobre licitações e contratos (arts. 40 e 55 da Lei 8.666/1993) e da
legislação que regulamenta o regime de concessão e permissão de serviços públicos
(arts. 18 e 23 da Lei 8.987/1995).
Quanto à natureza jurídica do contrato, a Resolução Antaq 55/2002 o
caracterizou como uma espécie do gênero contrato administrativo (Antaq, 2002),
porém, de acordo com Borges (1997), não de caráter comum porque conjuga, a um
só tempo, as naturezas jurídicas de concessão remunerada de uso de bem público
imóvel; de concessão do serviço público, pertinente às operações portuárias; e de
concessão de obra pública. Há autores, no entanto, que definem o arrendamento
portuário como sendo uma subconcessão de serviço público à luz do art. 26 da Lei
8.987/95 (Lobo, 2000) ou como uma subconcessão sui generis à luz da semelhança
das cláusulas essenciais do contrato de arrendamento, constantes do art. 4º, §4º, da
Lei 8.630/1993, com as do contrato de concessão de serviços públicos nos termos do
art. 23 da Lei 8.987/1995 (Marques Neto e Leite, 2003). Merece registrar que, na
época em que foi publicada a Lei 8.630/1993, o anteprojeto da Lei 8.987/1995
estava em tramitação no Congresso Nacional. Tal fato permite inferir que o
legislador ordinário da Lei 8.630/1993 pode ter inserido nessa lei alguns dos
dispositivos daquele anteprojeto, além de fazer remissão expressa à lei de concessão
e permissão de serviços públicos. Apesar de existirem argumentações doutrinárias
caracterizando o contrato de arrendamento como uma subconcessão, na Tabela 1
está representada a natureza e o regime jurídico do contrato de arrendamento e das
operações regidas por este instrumento que serão adotados neste trabalho.
Tabela 1: Natureza e regime jurídico do contrato e da operação
Natureza
Regime Jurídico
Contrato de Arrendamento
Administrativo
Concessão
Operações regidas pelo contrato de arrendamento
Serviço Público
Direito Público
Fonte: elaboração própria.
O contrato de arrendamento, de acordo com a Tabela 1, em que pese o
legislador ter-lhe atribuído essa nomenclatura diferenciada, possui natureza jurídica
de contrato administrativo e segue, no que lhe é cabível, o regime jurídico das
concessões de serviços públicos, pois a natureza das relações jurídicas por ele
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
205
estabelecidas e as consequências dele advindas são idênticas às da concessão
regradas pela Lei 8.987/1995. Isso porque as operações portuárias exploradas
mediante esse contrato, conforme se observa na Tabela 1, têm natureza jurídica
de serviços públicos e são prestadas no regime de direito público, na medida em
que internaliza a reversibilidade dos bens à União ao final da avença, os direitos
e deveres dos usuários, a responsabilidade do arrendatário pela inexecução ou
deficiente execução dos serviços e os padrões de qualidade e de metas do serviço à
luz do previsto na Lei 8.987/1995, bem como podem ser exploradas pela iniciativa
privada por até cinquenta anos, já incluído o período de prorrogação, prazo de
duração bem maior do que os contratos administrativos regidos apenas pela Lei
8.666/1993.
Em vista disso, o contrato de arrendamento possui a característica de
mutabilidade de seu conteúdo, em função do interesse público que lhe inspira
desde a formação até a sua execução, ressalvando, em qualquer situação, os
interesses patrimoniais do contratante privado (Marques Neto e Leite, 2003). No
entanto, nem todas as cláusulas contratuais podem ser alteradas pelo Poder Público
unilateralmente, mas tão apenas as cláusulas regulamentares, ou seja, aquelas
inerentes ao objeto da concessão e concernentes à operacionalização e à prestação
adequada do serviço, haja vista a necessidade de se atender ao interesse público e
manter o controle da prestação do serviço uma vez que sua titularidade permanece
sob a exclusiva responsabilidade do Estado. Tais modificações unilaterais, consoante
Blanchet (2007), destinam-se sempre a assegurar a continuidade da prestação do
serviço, sendo que o risco efetivo de interrupção do serviço indicará o momento
e a amplitude da alteração ou expansão necessária. De outra maneira, as cláusulas
contratuais de natureza econômica devem ser alteradas bilateralmente (Blanchet,
1999) e, conforme ensina Di Pietro (2006), deve ser necessariamente motivada e
respeitar algumas limitações, tais como a natureza do objeto, o interesse público e
o direito do particular à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Marques
Neto e Leite (2003), por sua vez, complementam que a alterabilidade dos contratos
não pode descaracterizar o objeto contratado ocasionando uma posição econômica
mais ou menos favorável ao particular e tampouco gerar burla ao procedimento
licitatório.
Nesse contexto, ressalta-se que consta da doutrina o entendimento de que os
limites previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993, Lei das Licitações e Contratos, não
podem ser utilizados como limites ao aditamento ou à ampliação do objeto contratual
que se demonstre necessário fazer nas concessões de serviços públicos ou nos
206
Transporte em Transformação XVI
arrendamentos portuários. Isso porque esse dispositivo somente abrange os acréscimos
ou as supressões de obras, serviços ou compras, não incluindo a prestação de serviços
públicos, que constitui objeto dos contratos de concessão e de arrendamento portuário
(Marques Neto e Leite, 2003; Di Pietro, 2006). Marques Neto e Leite (2003) defendem
que os contratos de arrendamentos de instalações portuárias demandam uma maior
alterabilidade contratual do que os demais contratos administrativos. Inferem que as
disposições da Lei 8.630/1993, que determinam a existência de cláusula contratual
relacionada com a previsão de futuras suplementações, alterações e expansões do
serviço, decorrem da materialidade dos serviços portuários e da necessidade de se
evitar a ociosidade das instalações portuárias. Para Blanchet (1999), o objeto dos
contratos de concessões é dinâmico, pois concernente à atividade, à prestação do
serviço público, e estático, pois corresponde à área de atuação na qual o concessionário
irá executar a atividade cuja prestação lhe foi outorgada.
3. Metodologia
A metodologia se baseia em pesquisa bibliográfica e empírica qualitativa do
tipo documental. Na pesquisa bibliográfica, foram consultados artigos científicos
disponíveis sobre o tema abordado, destacando-se publicações especializadas de
revistas técnicas sobre Direito Administrativo e Regulatório; teses de mestrado sobre
temas do setor portuário; congressos e seminários sobre desestatização e reforma
do estado; bem como normativos legais, tais como leis, decretos e resoluções. Além
disso, consultou-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, sendo
para isso pesquisados autores renomados de direito administrativo e regulatório.
A pesquisa documental teve objetivo específico de verificar a jurisprudência
do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre regras editalícias quanto à definição do
objeto e à alteração do contrato, bem como para identificar processos administrativos
já julgados por aquela Corte de Contas e passíveis de acesso público que trataram
sobre expansão de áreas e instalações portuárias e alteração de cargas, tendo sido
efetivada mediante pesquisa em formulário disponibilizada no endereço eletrônico
do TCU. Na Tabela 2, está representado o resultado dessa pesquisa, em especial os
processos identificados que abordam o tema.
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
207
Tabela 2: Processos sobre expansão de áreas e instalações
e alteração de cargas
Processo
Natureza Porto
Deliberação
Situação
Assunto
027.415/2006-3 REPR
Santos
AC 3.865/2010‑TCU‑1ª
Ampliação de áreas e
Encerrado
Câmara
instalações
018.403/2008-0 REPR
Itaguaí
Ampliação de área e
AC 4.273/2010-TCU‑1ª
Encerrado instalações e alteração do
Câmara
per fil da carga
021.253/2008-2 RA
Diversos
AC 2.896/2009‑TCU-­
Plenário
Ampliação de área e insta-
Encerrado lações e alteração do per fil
da carga
Fonte: TCU (2009, 2010a e 2010b). REPR = Representação; RA = Relatório de Auditoria; AC = Acórdão.
Ressalta-se que todos os três processos constantes da Tabela 2 são acessíveis
ao público e que as informações contidas nos relatórios, votos e acórdãos proferidos
no âmbito daqueles processos foram imprescindíveis para a análise desenvolvida.
Assim, procedeu-se, com base no referencial teórico adotado, à análise das
informações obtidas confrontando-as com a legislação aplicável ao setor portuário,
conforme tópico seguinte, a fim de atingir o objetivo proposto para este trabalho.
4. Contratos de Arrendamento Operacional: Alteração do
Perfil da Carga e Expansão de Área e Instalação Portuária
4.1 Regras editalícias e contratuais sobre definição do objeto e ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público em arrendamentos operacionais
O edital é o instrumento convocatório do processo licitatório, que além de dar
publicidade, fixa as regras e condições que disciplinarão o certame e que constarão
do contrato a ser firmado. A Tabela 3 apresenta a legislação que rege o procedimento
licitatório dos arrendamentos operacionais de áreas e instalações portuárias de uso
público, e aponta os dispositivos que determinam a obrigatoriedade de o edital e a
minuta de contrato incluir em regras quanto à definição do objeto, o qual indica a carga
a ser movimentada, e à previsão de alteração e expansão a serem realizadas no futuro.
208
Transporte em Transformação XVI
Observa-se da Tabela 3, à exceção da Lei 8.630/1993 por não tratar de
conteúdo do edital de licitação, que todas as demais normas determinam que a
definição do objeto e da área de prestação do serviço a ser contratado deve constar
tanto no edital quanto na minuta de contrato, a fim de delimitar a atividade e a
amplitude das obrigações e dos direitos das partes.
Tabela 3: Legislação sobre licitação de arrendamentos
de áreas e instalações portuárias
Definição /
Previsão
Lei 8.630/1993
Edital
Lei 8.666/1993
MC
Edital
MC
Resolução Antaq
55/2002
Lei 8.987/1995
Edital
MC
Edital
Ar t. 23, I
Ar t. 13, I
Objeto e área
Ar t. 4º, § 4º, I
Ar t. 40, I
Ar t. 55, I
Ar t. 18, I
Ampliação de
área e instalações
Ar t. 4º, § 4º,
VIII
-
-
Ar t. 18, VII Ar t. 23, V -
MC
Ar t. 28, I
Ar t. 28, X
Fonte: Elaboração própria. MC = Minuta Contratual.
Constata-se, também, da Tabela 3, que, no caso dos arrendamentos operacionais
de áreas e instalações portuárias de uso público, a Lei 8.630/1993, a Lei 8.987/1995
e a Resolução Antaq 55/2002 determinam que a autoridade portuária faça constar, no
edital e na minuta de contrato, as previsíveis necessidades de futuras suplementações,
alterações e expansões do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e
ampliação das instalações, a fim de garantir a continuidade da prestação do serviço.
A necessidade de que conste do instrumento convocatório precisa definição do
objeto contratado e a previsão de possíveis alterações de serviços e ampliações de
áreas e instalações, decorre dos princípios da continuidade, da universalidade e da
mutabilidade que caracterizam o regime jurídico especial de direito público que é
aplicável aos contratos de arrendamentos portuários operacionais de uso público por
abrangerem a prestação de operações portuárias, que possuem natureza de serviços
públicos e, por conseguinte, estão sujeitas aos princípios da continuidade, generalidade
e atualidade no sentido apresentado por Grotti (2003) e Silva e Martins (2007).
4.2 Alteração do perfil da carga
O contrato de arrendamento operacional de áreas e instalações portuárias de
uso público, segundo TCU (2009), ao restringir o objeto, quando fixa o produto
a ser movimentado, ou ao flexibilizá-lo, quando prevê a movimentação indistinta
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
209
de cargas, tem conduzido os arrendatários a pleitear alterações ou ampliações dos
tipos de cargas contidas na definição do objeto contratual. Importa frisar que o
objeto do arrendamento está definido no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento
(PDZ) de cada porto, ao estabelecer a destinação do terminal a ser licitado, de modo
que a mudança solicitada deve ser compatível com o PDZ, não podendo alterar a
afetação do terminal sem que haja prévia aprovação de um novo PDZ. Na prática, o
arrendatário, ao se dar conta de que não conseguirá cumprir com seu compromisso
de Movimentação Mínima Contratual (MMC), cria um novo fato com relação à
carga que se comprometeu contratualmente a movimentar, cumulando o pedido de
alteração com o de redução da MMC. Nesse contexto, a modificação do perfil da
carga pode ser autorizada, desde que guarde relação com a previsão do PDZ, ou
seja, com a destinação do terminal licitado. Por outro lado, o pedido de alteração
de MMC deve ser rejeitado porque caracteriza burla ao edital de licitação, além de
garantir a receita mínima para o porto.
A mudança do perfil da carga movimentada pode ocorrer por diversos motivos,
por exemplo (TCU, 2009): a não consolidação de uma carga esperada; a modificação
de uma rota de exportação; o surgimento de nova carga ainda não consolidada;
sendo que, qualquer que seja a motivação, a descontinuidade ou a inoperância da
prestação do serviço público acarreta prejuízo para todos os envolvidos, na medida
em que além de não atender aos princípios do serviço adequado, gera subutilização
do terminal arrendado. Assim, a alteração do perfil da carga pode viabilizar a
manutenção do negócio durante a vigência do contrato. Caso essa alteração
descaracterize o processo licitatório que gerou o contrato, deverá ser realizada a
rescisão contratual, com o pagamento das multas ou indenizações cabíveis. Além
disso, essa alteração deve estar condicionada, necessariamente, à manutenção dos
parâmetros de rentabilidade do contrato, sob pena de ser classificada como burla ao
processo licitatório (TCU, 2009).
Percebe-se, então, que os procedimentos regulatórios que tratam da
modificação do perfil da carga devem estar de acordo com o princípio da continuidade
e da mutabilidade do serviço público, visando à alteração do objeto para garantir
a manutenção do contrato e evitando que as áreas fiquem subutilizadas, o que iria
também de encontro ao interesse público expresso no PDZ. Ainda, deve-se assegurar
que tais alterações, de acordo com Marques Neto e Leite (2003), Di Pietro (2006)
e Blanchet (2007), não descaracterizem a essência do objeto contratado, isto é, a
destinação do terminal licitado, e à manutenção dos parâmetros de rentabilidade do
contrato, pois podem gerar burla ao processo licitatório.
210
Transporte em Transformação XVI
A Tabela 4 apresenta exemplo de alteração de carga ocorrida no Porto de Itaguaí,
consoante informações obtidas na pesquisa documental e resumidas na Tabela 2.
Tabela 4: Processo sobre alteração de carga em
contrato de arrendamento portuário
Processo
018.403/2008-0
Ano do
evento
2004
Porto
Itaguaí
Relatório/TCU
-Edital, contrato e projeto de referência dispõem quanto à possibilidade
de subsidiariamente, em caráter complementar às operações por tuárias
principais, haver a movimentação e armazenagem de outros granéis
sólidos, desde que não prejudique a realização das operações principais;
-PDZ do Por to de Itaguaí dispõe que a destinação do Terminal de Carvão
é para descarga de carvão, coque e outros granéis sólidos, bem como
embarque de minério de ferro.
Fonte: TCU (2010b). PDZ = Plano de Desenvolvimento e Zoneamento.
Nota-se da Tabela 4 que o evento ocorreu no ano de 2004 no Porto de Itaguaí,
administrado pela Companhia Docas do Rio de Janeiro S.A. (CDRJ). Por meio do 3º
Termo Aditivo, foram incluídas novas cargas ao Contrato C-DEPJUR 54/1997, que
previa originalmente a movimentação de carvão e de coque, tendo sido acrescentados
o minério de ferro e outros granéis sólidos. O Edital de Licitação CI-003/1996 e o
citado contrato possuem cláusulas prevendo a possibilidade de movimentação de
outras cargas, em caráter complementar às operações portuárias principais, desde
que essas não prejudiquem a realização das operações contratadas. A análise da carga
movimentada pelo Terminal de Carvão do Porto de Itaguaí, no período de 2004 a 2009,
indicou que mesmo depois de começar a movimentação de outras cargas, em 2007, a
arrendatária continuou a cumprir a MMC para carvão e coque (TCU, 2010b). Além
disso, o planejamento do porto destinava o referido terminal para descarga de carvão,
coque e outros granéis sólidos e para embarque de minério de ferro (TCU, 2010b).
Assim sendo, a alteração contratual do perfil de carga atende ao princípio da
continuidade do serviço público e está de acordo com a legislação que rege o contrato,
cabendo, no entanto, conforme TCU (2009), disciplinar as situações em que se justifica
a revisão do tipo de carga prevista nos contratos de arrendamento operacional de áreas
e instalações portuárias de uso público e os pré-requisitos a serem observados nesses
casos, em especial, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
211
4.3 Ampliação de áreas e instalações portuárias
Outro aspecto importante no contrato de arrendamento diz respeito à ampliação
de áreas e instalações portuárias de uso público associadas ao terminal licitado. A
Tabela 5 apresenta dois exemplos desse tipo ocorridos no Porto de Santos e de Itaguaí,
conforme informações oriundas da pesquisa documental e resumidas na Tabela 2.
Tabela 5: Processos sobre ampliação de áreas e instalações portuárias
Processos
Ano do
Porto
evento
027.415/2006-3 2006
018.403/2008-0 2004
Relatório/TCU
- Cláusula Segunda do Contrato PRES/69.97 prevê futuras expansões;
Santos - Ausência, à época, de normatização delimitando requisitos para
incorporações.
Itaguaí
- Cláusula Trigésima-Quinta do Contrato C-DEPJUR 54/1997 prevê futuras
expansões;
- Ausência, à época, de normatização delimitando requisitos para
incorporações.
Fonte: TCU (2010a e 2010b).
Percebe-se da Tabela 5 que expansões de áreas foram realizadas no Porto de
Santos, administrado pela Companhia Docas de São Paulo (Codesp) e no Porto
de Itaguaí, administrado pela CDRJ. Tais expansões ocorreram em 2004 e 2006
estando, portanto, sob a égide da Lei 8.630/1993, que dispõe sobre a necessidade
de haver cláusula contratual que preveja as futuras suplementações, alterações e
expansões do serviço, e subsidiariamente, sob a regência da Lei 8.987/1995, que
estabelece a obrigatoriedade de o contrato prever as necessidades de futura alteração
e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação
dos equipamentos e das instalações (ver Tabela 3).
Nos dois casos, conforme se observa da Tabela 5, existem cláusulas contratuais
prevendo futuras expansões de áreas e instalações portuárias de uso público que
nortearam a incorporação de áreas não licitadas após a assinatura do contrato de
arrendamento. Apesar de não terem sido licitadas, a incorporação em um dos casos
foi justificada em virtude de terem sido constatadas vantagens técnicas, operacionais
e econômicas robustas (TCU, 2010a). No outro, verificou-se que se tratava de áreas
encravadas, sem acesso terrestre por meio da infraestrutura básica do Porto e, por
isso, devido à sua localização peculiar e à reduzida dimensão da área incorporada,
ficou caracterizada a dispensa de licitação prevista no art. 17 da Lei 8.666/1993, c/c
art. 54 da Resolução Antaq 55/2002 (TCU, 2010b). Nos dois casos apresentados na
212
Transporte em Transformação XVI
Tabela 5, as ampliações de áreas foram consideradas aderentes às normas aplicáveis
à época, cabendo, todavia, a repactuação desses contratos por meio do reequilíbrio
econômico-financeiro do contrato, na medida em que as incorporações de terreno
posteriormente à celebração do contrato constituem fato novo que altera as projeções
de receitas, investimentos e custos operacionais do operador do terminal.
A legislação específica do setor portuário não faz menção a limites para essa
expansão de áreas. Apesar dessa lacuna, entende-se inaplicável os limites previstos
no art. 65 da Lei 8.666/1993 aos casos de incorporações de novas áreas a contratos
de arrendamento vigentes, estando tal posicionamento de acordo com o que defende
Marques Neto e Leite (2003) e Di Pietro (2006). A inaplicabilidade desses limites
se deve a que o regime jurídico de direito público dos contratos de arrendamento
operacional de áreas e instalações portuárias de uso público, possibilita uma maior
alterabilidade do conteúdo desses instrumentos, com previsão de futuras alterações
dos serviços e ampliações de áreas e instalações no próprio edital e na minuta de
contrato, no intuito de garantir a otimização do emprego das áreas portuárias e a
continuidade dos serviços públicos nela prestados, conforme defendem Marques
Neto e Leite (2003) e Di Pietro (2006). Nesse contexto, observa-se que a Lei
8.630/1993 permite a expansão da área arrendada, desde que haja previsão no
contrato, todavia, a referida lei não estabeleceu qualquer critério ou limite para
essa ampliação. O Decreto 6.620/2008 conferiu maior clareza a essa questão ao
determinar que os contratos de arrendamento de instalações portuárias deverão
conter cláusula dispondo sobre a possibilidade de ampliação das instalações e que
essa só será permitida se atendidos dois pré-requisitos: a área deverá ser contígua à
arrendada e deverá ser comprovada a inviabilidade técnica, operacional e econômica
de realização de licitação para novo arrendamento.
Há que se mencionar que, conquanto a localização das áreas seja de fácil
aferição, faltam critérios para a avaliação da inviabilidade técnica, operacional e
econômica de novos arrendamentos. Portanto, embora seja imprescindível que
editais e minutas de contrato sejam bem estruturados e prevejam a possibilidade
de expansão de áreas, é necessário regulamentar o modo como será avaliada pela
autoridade portuária a inviabilidade de arrendamento de áreas contíguas, para não
restar dúvida quanto à utilização desse critério (TCU, 2009), devendo ser observado
o princípio da mutabilidade que exprime a possibilidade de modificação do serviço
público em função das exigências e necessidades do interesse público.
Mutabilidade nos Contratos de Arrendamento Operacional
de Áreas e Instalações Portuárias de Uso Público
213
5. Considerações Finais
A análise exploratória sobre alterações da definição do objeto e ampliação
de áreas e instalações portuárias de uso público no âmbito de contratos de
arrendamentos operacionais realizada no presente estudo possui caráter preliminar
e restrito às informações obtidas por meio de pesquisa documental realizada no
endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União.
O resultado da análise fundamentada no referencial adotado, todavia,
permite assegurar que o contrato de arredamento operacional de áreas e instalações
portuárias de uso público tem natureza de contrato administrativo e regime jurídico
de concessão e rege operações portuárias com natureza jurídica de serviços
públicos em regime de direito público. Em vista disso, suas cláusulas estão sujeitas
a alterações que atingem o perfil de carga e a ampliação de áreas e instalações em
função da necessidade de futuras suplementações, alterações e expansões inerentes
ao serviço público e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das
instalações, em observância aos princípios norteadores da prestação de serviço
adequado, em especial, o da continuidade, generalidade e atualidade.
No tocante à modificação do perfil de carga, conclui-se que essa alteração não
pode desconstituir a afetação do terminal licitado inicialmente expressa no PDZ sem que
haja prévia aprovação de novo PDZ, tampouco pode alterar a movimentação mínima
contratual (MMC), pois caracterizaria burla ao processo licitatório na medida em que
essa movimentação garante a receita mínima do porto. Além disso, a alteração contratual
do perfil da carga requer o disciplinamento das situações que justifiquem tal revisão, em
especial, quando se trata de não consolidação de uma carga esperada, de modificação de
uma rota de exportação, de surgimento de nova carga ainda não consolidada, de maneira
a evitar a descontinuidade da prestação do serviço público ou a subutilização do terminal
arrendado, cabendo manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
No que tange à ampliação de áreas e instalações portuárias de uso público,
concluiu-se pela inaplicabilidade ao contrato de arrendamento dos limites quantitativos
e qualitativos das alterações contratuais previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993, pois
esse dispositivo somente abrange os acréscimos ou as supressões de obras, serviços
ou compras, não incluindo a prestação de serviços públicos, que constitui objeto
do contrato de arrendamento, e pela observância ao princípio da mutabilidade que
exprime a possibilidade de modificação do serviço público em função das exigências
e necessidades do interesse público, em especial, as expressas no PDZ de cada porto.
214
Transporte em Transformação XVI
Sugere-se, por fim, para futuros estudos, análise com maior profundidade e
ampliação das informações, inclusive abrangendo outras modificações e alterações
implementadas durante a execução de contratos de arrendamento operacional de
áreas e instalações portuárias de uso público, em especial as referentes aos critérios
de reajuste e revisão dos valores do arrendamento, bem como à avaliação de
alocação de riscos no âmbito desses contratos.
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Luciana Carina Soares Costa ([email protected]); Francisco Giusepe Donato Martins ([email protected]); Carla Garcia Protásio ([email protected]).
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1. Introdução