EDUCAR PARA OS DIREITOS HUMANOS
EM ÉPOCA DE VIOLÊNCIA E INTOLERÂNCIA:
Reflexões Psicanalíticas
Prof. Dr. Sidney Oliveira 1
Resumo
Este trabalho parte de um lugar que entende como possível uma abordagem clínica na escola,
especialmente em uma educação escolar voltada à promoção dos direitos humanos. Sustenta a idéia
de que existe um lugar para a psicanálise na escola e na educação. As escolas, como instituições e
organizações formadoras, prisioneiras dessa lógica do espetáculo, funcionam de modo a esvaziar a
aceitação da igualdade na diversidade e da diferença particular do outro. A partir daí pode-se pensar
em uma educação escolar que investigue a instituição de uma cultura narcisista e do espetáculo que
não reconhece o outro, mas que, perversamente a ele atribui um papel significativo em sua vida. A
educação escolar crítica e transformadora inspiraria uma mudança construtiva, constante e
inacabada frente ao real. A escola poderia ser uma instituição acolhedora que constituísse um
continente para a saúde mental, mas, no entanto, omite-se, ou quando pior, retroalimenta neuroses
em potencial nas crianças que chegaram à época escolar e na família, grupo ou instituição social,
ocupavam uma posição saudável, apesar das angústias e castrações.
Palavras-chave: psicanálise, educação e saúde mental
Abstract
This paper presents a place that understands how a possible clinical approach in school, especially
in an education aimed at promoting human rights. Supports the idea that there is a place for
psychoanalysis in school and education. Schools, as institutions and organizations forming,
prisoners of this logic of the spectacle, work to empty the acceptance of diversity and equality in the
particular difference of the other. From there you can think of an education to investigate the
establishment of a narcissistic culture and entertainment that does not recognize the other, but
perversely it assigns a significant role in your life. Schooling critical and transforming inspire
constructive change, constant and against the real unfinished. The school could be a host institution
which would constitute a continent for mental health, but, however, is omitted, or if worse, feeds
back potential neuroses in children who arrived at the time school and family, group or social
institution, occupying a healthy position, despite the anguish and castrations.
. Keywords: psychoanalysis, education and mental health
1. Pós-Doutor em Economia da Educação pela USP, Doutor em Psicologia Social pela USP,
Professor Associado da UFPR ([email protected]).
CONTEXTOS INTRODUTÓRIOS
A questão que se quer debater aqui é a de que a escola poderia ser uma
instituição acolhedora que constituísse um continente para a saúde mental, mas omite-se, ou
quando pior, retroalimenta neuroses em potencial nas crianças que chegaram à época
escolar e que, na família, ou em algum grupo ou instituição social, ocupavam uma posição
saudável, apesar das angústias e castrações.
A transferência ocorre em todo lugar que as pessoas se relacionam. Entender
esse processo pode determinar que a constituição de uma ética em direitos humanos possa
ser sustentada por seu grupo. A emancipação é viável quando há um projeto coletivo que
permita uma escuta atuante.
É a partir dessa perspectiva que foi construída a elaboração desse trabalho. O
lugar que um educador ocupará também será importante na construção de uma ética dos
direitos humanos. Mas este lugar só será possível ocupar se na instituição houver a
circulação da palavra entre os sujeitos.
Todo educador, entretanto, é sujeito de sua história. Quando a sociedade atual
privilegia uma cultura voltada ao espetáculo, o professor, para se opor a essa tendência terá
que se colocar na contramão de um saber que sustenta saber de si e do outro. Mas seus
pares ou mesmo a instituição sustentará essa posição?
No capitalismo neoliberal as novas estratégias de dominação procuram garantir
a diluição do individual e pela adesão à cultura de massas, sustentada, por exemplo, pela
negação da falta, ou seja, incentivando a pessoa a crer na ilusão da perfeição, da
racionalidade, da produtividade.
De modo geral, o que se busca articular neste trabalho é uma práxis construtiva
desse processo que construa a partir de uma escuta e de uma fala democráticas a
possibilidade de reconhecerem-se as semelhanças e as diferenças e construir projetos
coletivos com e apesar disso.
A EDUCAÇÃO E OS TEMPOS DE VIOLÊNCIA E INTOLERÂNCIA
Nesta última década tantos jovens sofreram atos de violência porque exerceram
sua sexualidade, sua ideologia ou religião. As manifestações de ódio e racismo parecem se
multiplicar por todo Paraná. A pergunta disparadora desse processo parece simples: Como
circula a palavra na cidade? Para quem circula? E sob que leis circulam?
Antes de ser um sintoma de uma cultura exaustivamente narcísica, a explosão
das violências emerge como fator constituinte de uma dinâmica do espetáculo, ao
naturalizar e banalizar os efeitos nefastos da desigualdade na sociedade. Legitima-se o
outro com a obrigação de dar o gozo ou com o poder de interditá-lo. E é uma elite que
decide quem ocupará que papel...
Desde a entrada da criança na pré-escola, inicia-se uma retórica objetivando que
as pessoas possam estar cada vez mais conscientes do papel a desempenhar. Esta persuasão
vem travestida de modernidade e reclama um estado de exclusividade. Aprender a lidar
com a diversidade e a reagir democraticamente aos conflitos e discordâncias será uma parte
importante dos conteúdos, procedimentos e atitudes.
A opção por libertar ou domesticar está nas políticas educacionais e nas normas
que regulam a gestão e a didática nas escolas, mas também está nas mãos dos educadores
desde o início da vida escolar e prossegue pela escola, pela universidade e pela vida. Seja
em que nível for, seja de que modo for a educação sempre será um ato político.
A intolerância religiosa, cultural ou artística é uma prática político-ideológica
instituída para destituir e distorcer o universo simbólico-imaginário do oprimido. Não é por
acaso que assistimos em pleno século XXI um terreiro de Umbanda ser invadido e os
direitos humanos serem aviltados. Infelizmente, já bem conhecidos os episódios de
demonização, constrangimento ou perseguição sofridos pelas religiosidades advindas dos
índios e negros.
A mesma interdição simbólica se faz com o folclore e demais manifestações
artísticas ou culturais. E essa pratica se ensina desde o inicio da vida escolar e pelas
diversas instituições de educação formal, informal ou não-formal.
`
Uma questão de impacto na relação saúde e educação, a questão da violência na
escola é contextualizada por essa mesma sociedade excludente. O preconceito, a
intolerância e as diversas formas de constrangimento e coerção multiplicam-se nas
instituições escolares.
A modernidade na educação tem sido uma das grandes armadilhas de uma
sociedade que privilegia poucos. Tornou-se cada vez mais forte a ausência do estado da
educação, outrora uma de suas funções básicas. Com o aumento cada vez maior da miséria,
da injustiça social e das mais diversas formas de exclusão, gerando efeitos terríveis, dentre
os quais a violência.
Em tempos de violência e intolerância, de desesperança e resignação, pouco se
percebe da opressão sutil e disfarçada que recalca utopia libertarias e resgata velhos
conceitos de moral, família e propriedade.
Na sociedade atual, anseia-se por estabelecer uma verdade que como um farol
possa guiar as pessoas pela rota mais adequada, segundo, evidentemente o ponto de vista
dos beneficiados pelo modo de produção capitalista. Ao contrário de outros tempos a
legitimação dessa verdade se faz de modo sutil e, na maioria das vezes, subjetivo.
EDUCANDO PARA EMANCIPAÇÃO E PARA A SAUDE MENTAL
As instituições modernas buscam obter de seus subordinados a maximização da
performance na cultura do espetáculo e no clima da competitividade. O homem é educado
hoje para adaptar-se ao mercado e aceitar a realidade que é conveniente a ideologia
dominante. O resultado disso não é mais uma opressão pela repressão, mas pelo recalque e
pela alienação.
O conceito atual de educação vai muito mais além de uma formação técnica e
cientifica. Educar exige a formação cidadã e política que confere a escola um papel de
resistência e alternativa ao capitalismo injusto que domina a sociedade sob a cumplicidade
da educação tradicional. A educação deveria incorporar a luta por outra forma de viver em
sociedade.
A escola emerge como um dos palcos dessa cultura. Retrato fiel da sociedade
do espetáculo ela distribui os papeis de modo desigual e com privilégios. Paulo Freire
sempre ressaltou que a leitura do mundo precede a leitura da palavra em um processo
contínuo e progressivo de releitura do mundo.
As contribuições do velho mestre estão incluídas em uma pedagogia
emancipadora que pretende ser um contraponto ao que está colocado para a educação atual,
formando o cidadão crítico. É a partir dessa perspectiva que se entende como necessário
escolarizar para o mundo, contribuindo para que um número cada vez maior de pessoas
possa compartilhar de uma sociedade mais justa e fraterna.
A idéia de uma educação voltada ao respeito e a promoção da cidadania deve
ser aceita e defendida por todos os envolvidos direta e indiretamente na educação. O
respeito e a promoção dos direitos humanos devem ser ponto comum entre educando,
educador, a escola e a comunidade onde estão inseridos.
Uma educação libertadora se edifica sobre um conceito emancipador da saúde
escolar. É nessa perspectiva que se pode pensar na construção coletiva de políticas, projetos
e programas que tomassem como ponto de partida a dignidade e o respeito à pessoa
humana.
E neste contexto se insere uma educação para os direitos da pessoa e para saúde
mental que, por meio do currículo, fomente conceitos, atitudes e procedimentos geradores
de uma formação cidadã. Informalmente, quer contribuir para a formação de uma cultura de
paz e direitos humanos em uma sociedade mais tolerante e inclusiva.
Educar para a paz e instituir nas escolas uma formação em direitos humanos é
um projeto político pedagógico construído coletiva e democraticamente pode favorecer a
alteridade e o desejo por uma sociedade que reconheça a singularidade de seus indivíduos e
os projetos coletivamente compartilhados.
Tudo isso significa aprender a lidar com a contradição e ser capaz de defender
democraticamente seu ponto de vista o que implica, necessariamente, em saber lidar com a
aceitação e com a não-aceitação de suas idéias ou de suas ações.
Possibilitar novos destinos para o desejo em um contexto de alteridade e
respeito a singularidades, construir projetos socialmente compartilhados é o grande desafio
de uma educação crítica e democrática que deseja ser construída a partir de uma cultura da
paz e dos direitos humanos.
Os pressupostos básicos de uma educação dialógica colocam o aluno na posição
desejante de uma saber incompleto e parcial. Vê esse professor como aquele que irá
inspirar essa busca. Caminha-se, portanto, na direção contrária daquele que entende o aluno
como um receptáculo de um saber inquestionável. Resgata-se o diálogo o ensinaraprendendo e o aprender-ensinando.
É nessa ética que se pode falar de um professor que permite e incentiva que seu
aluno se implique no processo de aprendizagem. Fala-se de um educador (e de uma
instituição) que é capaz de destituir-se dessa onipotência e colocar-se na posição de aluno,
daquele que deseja.
Quem sabe aí, poderia começar-se a pensar na transmissão de uma teoria ou de
uma práxis. Um processo com especificidades, contraditoriedades e complexidades que se
ergue a partir da dúvida, da incompletude e da instabilidade. Não se garante êxito, muito
menos sucesso.
Quando se fala em educar para a paz não se fala em constituir uma cultura de
recalque da agressividade. Mas de uma perspectiva que possa favorecer a alteridade e o
desejo por uma sociedade que reconheça a singularidade de seus indivíduos e os projetos
coletivamente compartilhados.
Significa que professor e aluno em suas ações terão que aprender a lidar com a
contradição e ser capazes de defender democraticamente seu ponto de vista o que implica,
necessariamente em lidar com a aceitação e com a não-aceitação de suas idéias. Assim,
entende-se que estabelecer uma mínima escuta se torna chave para colocar esse projeto em
andamento.
Ressalta-se aqui que entender a paz como um estado de ausência de violência é
empobrecer seu significante, pois leva a crer na ilusão de que exista uma harmonia entre
períodos de tensão e conflito.
PARA CONCLUIR
Soprando no vento 2
Quantos caminhos precisará o homem percorrer
Antes que possam chamá-lo de um homem?
E quantos mares marés uma pomba branca terá que sobrevoar
Para que, finalmente, possa dormir na praia?
E quantas balas de canhão ainda voarão
Até serem para sempre abandonadas?
A resposta meu amigo
Está agora soprando no vento...
Nas escolas, nas cidades e nas fabricas denunciam muito mais que o mal estar
estrutural descrito por Freud. Acrescenta-se o mal-estar da atualidade, onde se interdita a
alteridade e o direito à cidadania digna e plena.
O mal-estar da atualidade torna impede a palavra crítica de circular no coletivo
e torna os sujeitos prisioneiros de um ideal que privilegia por ação ou por omissão a
banalização da injustiça social e diluição da alteridade.
As contradições de uma sociedade de classe aprisionam o desejo e subvertem as
ilusões. O que se vê nas cidades é a proliferação dos mais diversos tipos de violência.
Lentamente, a degradação e assimetria das relações humanas e a vulnerabilidade dos
direitos humanos vão se tornando lugar comum.
A violência contra a mulher, o desamparo a criança e ao idoso, os conflitos
ecológicos, a xenofobia e o racismo, a homofobia crescem cada vez mais nas cidades, mas
continuam praticamente ausentes dos programas e projetos de ensino ou das políticas e
ações governamentais.
2. Tradução livre de um trecho da musica de Bob Dylan “Blowing In the Wind”
Cabe a sociedade civil organizada viabilizar uma saída. Há diversas direções a
serem percorridas nos mais diferentes setores. O questionamento e a discordância são
fundamentais para o amadurecimento das pessoas, grupos e da sociedade em geral.
A educação se insere nesse espaço como reprodutora ou repetidora do que foi
instituído. Impossibilitando escolhas e intervindo direta ou indiretamente por meio da
desconstrução, desqualificação ou distorção simbólica ou imaginária da crítica e da
alteridade.
No campo da educação, quando se articula uma educação crítica e
transformadora inspiraria uma mudança construtiva, constante e inacabada frente ao real.
Ao se falar em educar para a paz, o professor deveria ser capaz de ocupar um lugar que
inspirasse o aluno em seu desejo de aprender e a buscar com a marca de sua autoria a
construção dessa perspectiva.
Possibilitar novos destinos para o desejo em um contexto de alteridade e
respeito a singularidades, construir projetos socialmente compartilhados é o grande desafio
de uma educação crítica e democrática que deseja ser construída a partir de uma cultura da
paz e dos direitos humanos.
Educar para a emancipação significa querer outra hegemonia, igualmente
nefasta: o conformismo. As divergências e as relações de conflito fazem parte da dinâmica
psíquica.
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Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à