12mar13
Por uma indústria não apenas
brasileira
Por Cyro Andrade | De São Paulo
Monica Baumgarten de Bolle: políticas protecionistas
excluem a indústria brasileira das cadeias globais de produção
De todos os ângulos que se olhe, a questão industrial é parte essencial da
questão maior de competitividade da economia brasileira. Sempre foi assim,
mas ganhou importância adicional, recentemente, compreender essa relação
na maior extensão possível - e em termos globais -, na medida em que
confluíam sinais do que se passou a chamar de "desindustrialização" e
movimentos de resposta do governo a esse processo, com medidas típicas de
política industrial. O Instituto de Estudos de Política Econômica - Casa das
Garças, realizou seminários, em abril e junho de 2012, para discutir o
próprio sentido da desindustrialização e, mais importante, esboçar uma
contribuição para o que possa constituir uma nova política industrial. Os
ensaios reunidos em "O Futuro da Indústria no Brasil" espelham o que foi
aquele debate, uma busca de entendimento de problemas da indústria
brasileira, uns mais antigos, outros mais atuais. O livro será lançado em São
Paulo nesta quinta-feira, às 19 horas, na Livraria Cultura do Conjunto
Nacional.
"A politização do tema (a desindustrialização) prejudica uma análise mais
rigorosa acerca do que se passa. O governo tem uma visão ideológica sobre o
papel da indústria no país - há um "fetiche industrial", uma ideia arraigada
de que somente a indústria é capaz de proporcionar as bases para o aumento
do emprego, da produtividade e do crescimento", disse em entrevista
ao Valor a economista Monica Baumgarten de Bolle, organizadora, com
Edmar Bacha, do livro agora publicado. "Essa postura é respaldada pelos
interesses localizados dos próprios empresários de determinados setores.
Isso favorece a ausência de uma análise mais isenta, menos normativa e mais
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positiva, científica, sobre esses assuntos. A consequência é a profusão de
medidas sem estratégia clara."
Leia a seguir trechos da entrevista.
Valor: "Foi com a preocupação de entender melhor o que quer dizer a
desindustrialização" (lê-se na introdução do livro) que se decidiu organizar
os seminários na Casa das Garças. Em que momento essa "preocupação"
tomou corpo, influenciada por quais razões?
Monica Baumgarten de Bolle: O tema da indústria, a preocupação com a
sua perda de participação no PIB brasileiro, está conosco, pelo menos, desde
2011. Foi ao longo daquele ano, depois do "Pibão" de 2010 - o ano do
crescimento inédito de 7,5% - que a indústria brasileira começou a perder
fôlego. Embora 2011 tenha sido um ano bastante difícil para a indústria
global por diversas razões - o agravamento da crise política americana, a
disseminação dos problemas econômicos, financeiros e políticos na Europa,
a redução do ritmo de crescimento da China - havia claras evidências de que
o desempenho da indústria brasileira fora ainda pior do que o ocorrido em
outros países. Surgiu, portanto, a pergunta: Por quê? De que fatores
provinha o mau desempenho dos setores de manufaturados no Brasil? Seria
apenas a valorização "excessiva" do câmbio, como diagnosticara, na ocasião,
o governo? Ou o problema da perda de competitividade dos produtos
brasileiros que se evidenciava era mais complexo do que isso? Essas questões
ganharam relevância ao longo da segunda metade de 2011 e do primeiro
semestre de 2012, culminando nos seminários que decidimos organizar na
Casa das Garças.
Valor: Quais indagações principais então se colocaram como possíveis
elementos de exploração temática nos seminários? Em que grau as escolhas
temáticas feitas terão sido influenciadas pelo quadro de conjuntura
vivenciada na época pela economia brasileira?
Monica: Havia três frentes que queríamos explorar:
1. Como definir a "desindustrialização", termo que não tinha um significado
homogêneo, que abarcava variadas interpretações para diferentes
interlocutores - alguns achavam que equivalia à perda de participação da
indústria no PIB; outros, a identificavam com o deslocamento de fatores de
produção do setor industrial para os setores de serviços, bem como para o
polo agro-mínero-industrial.
2. Qual o diagnóstico do problema, isto é, por que a indústria brasileira
estaria definhando?
3. O encolhimento da indústria seria prejudicial ao país no médio prazo? Ou,
dito de outra forma, teria a indústria algo de "especial" que outros setores
não tinham, ou seria a ideia de que o Brasil geraria menos empregos e menos
crescimento com um setor industrial mais restrito fundamentalmente
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equivocada? Nessa linha, o juízo preconceituoso em relação aos setores de
commodities, à "reprimarização" da produção brasileira, era falacioso?
Esses questionamentos tinham relação direta com o que se observava no
quadro conjuntural, bem como com as declarações do governo brasileiro
sobre o problema.
Valor: Um ano depois, tendo o novo governo federal supostamente
ganhado condições de posicionar-se frente aos principais problemas da
economia, que avaliação pode ser feita de decisões tomadas em áreas
críticas para a elevação da competitividade da indústria brasileira? Essas
decisões refletem compreensão suficiente da natureza dos problemas a
enfrentar?
Monica: De um lado, houve um reconhecimento gradual do governo
brasileiro de que os problemas de competitividade da indústria iam muito
além do câmbio. Isso foi bastante positivo, pois reposicionou o foco da
competitividade nas questões estruturais que de fato estrangulam a
produção no país: a carga tributária onerosa, a infraestrutura desmazelada, o
hiato entre salários e produtividade que pressiona os custos das empresas.
Contudo, falta ainda ao governo uma visão estratégica sobre como enfrentar
esses problemas, modernizando a indústria.
Considere, por exemplo, o que fazem hoje países latino-americanos como o
México: percebendo que a indústria moderna é global, que os produtos
manufaturados em um determinado país são nada mais do que elos nas
cadeias produtivas mundiais - pense na fabricação de um iPad, que está
distribuída mundo afora - as autoridades mexicanas têm buscado acordos
comerciais numa tentativa de engajar a indústria nessas redes globais.
Voltam-se para fora. Nós, aqui, caminhamos na direção contrária. Em vez de
nos abrirmos para o resto do mundo, nos fechamos por intermédio de
políticas protecionistas que excluem a indústria brasileira dessas cadeias
globais de produção. Desse modo, ainda que resolvêssemos os problemas
identificados pelo governo desonerando a indústria, investindo em
infraestrutura e qualificando a mão de obra, não teríamos uma indústria
condizente com a realidade atual.
Valor: No mesmo período, a questão cambial manteve-se, e mantém-se em
aberto, no sentido de que não se tem uma visão clara do que seja, do ponto
de vista governamental, o melhor uso a fazer do câmbio na condução mais
geral da política macroeconômica, seja isoladamente, seja em conjunto com
medidas administrativas, como tributação, por exemplo, sobre o comércio
exterior. Em que medida essa falta de explicitação constituiria um
problema adicional entre aqueles que influem sobre a competitividade das
empresas brasileiras?
Monica: A falta de rumo macroeconômico, a ausência de clareza sobre o
que é a política cambial e sobre como o governo resolverá o dilema do
crescimento baixo com inflação alta que nos aflige, isso cria incertezas
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adicionais para a indústria. O governo se refere constantemente ao "espírito
animal", essa entidade que deveria impulsionar o ânimo dos empresários,
galvanizando o investimento. Mas, como fazer isso se o próprio governo
envia sinais conflitantes sobre o câmbio, sobre os juros? Ora quer uma taxa
mais desvalorizada, ora prefere que se valorize um pouco para conter as
pressões sobre os preços. Ora insiste que os juros não aumentarão, ora diz
que não tolerará uma alta inflacionária, o que implica, necessariamente, uma
mudança de rumo na política monetária. O empresário, ressabiado, fica
acuado. Como o investimento não vem, o governo, então, concede benesses
de todos os tipos - crédito público farto e barato, desonerações em série,
subsídios ao investimento - prejudicando as contas públicas e abalando a
estabilidade macroeconômica do país. A inflação sobe e se retorna ao ponto
de partida inicial, em que as declarações e as ações sobre o câmbio e os juros
ficam nebulosas. O governo anda em círculos porque não tem estratégia.
O mesmo de dá com o comércio exterior. Veja a questão das tarifas de
importação. Há poucos meses, o governo anunciou uma lista de 100
produtos que ficariam sujeitos a tarifas de importação mais elevadas. Agora,
diante de um quadro inflacionário assustador, reverte a medida. É muito
ruído.
"O Futuro da Indústria no Brasil"
Edmar Bacha e Monica Baumgarten de Bolle (org.). Editora: Civilização
Brasileira. 418 págs., R$ 49,90
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