O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES DA BIOLOGIA DO
CONHECIMENTO NA QUESTÃO EDUCATIVA
José Rogério Vitkowski
Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
[email protected]
Resumo: O problema que envolve as noções de filosofia, formação de professores e
cidadania sejam quais forem as licenciaturas, incluso a de filosofia, nos remete a pensar essas
questões numa dimensão mais do que técnica mas, sobretudo, epistemológica. A cada dia
mais toma vulto o trabalho de natureza filosófica e inter/transdisciplinar denominado de
múltiplas formas como : paradigma emergente, da auto-organização ou da complexidade. Tais
denominações, mesmo com nuances próprias, buscam apresentar em grandes linhas, uma
reflexão superadora dos limites de um velho paradigma cientifico, ainda hegemônico,
conhecido como cartesiano-newtoniano. Contrapondo-se à esse modelo, lentamente emergem
sinais de outras perspectivas que propugnam uma nova racionalidade que contextualize o que
está disperso; que conecte o que está desligado, enfim, que una o que está dividido. A busca
dessa nova racionalidade, em diferentes domínios científicos, dentre eles na biologia, aponta
para os nomes dos cientistas Chilenos Humberto Maturana, e Francisco Varella, ambos Ph.D.
em Biologia . Esses autores têm sido citados nos cenários acadêmico-científicos da
atualidade, notadamente, pela busca de re-conceptualizar noções que transcendem a biologia,
para outras áreas. As neurociências, a educação e a filosofia, dentre outras. A noção de
biologia do conhecimento, remete-nos a pensar a vida como um processo de conhecimento;
assim, se o objetivo é compreendê-la, é necessário entender como os seres vivos conhecem o
mundo. Eis o que os autores chamam de biologia da cognição. Para eles, vivemos no mundo e
por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos, e portanto compartilhamos
com eles o processo vital. Da contribuição dos pensadores se destaca a superação dos
dualismos razão versus emoção nos processos de aprendizagem e se propõe a noção de amor
como eixo epistemológico. A ênfase é buscar contribuir na construção de processos de
formação humana que tenham como ponto de partida valores como: as relações solidárias,
cooperação, acolhimento e reconhecimento do outro. Nesse conjunto investigativo há,
portanto, diversas implicações e emergem novas pautas que podem promover práticas
educativas de formação plurais e cidadãs, nas quais também o filósofo-educador não pode se
subtrair no seu processo de auto-formação. As indicações realizadas nesse texto são de
natureza conceitual, incluem a prática educativa do autor e pretendem explicitar a partir de um
horizonte metodológico/epistemológico complexo, algumas contribuições significativas ao
debate proposto.
Palavras-chave: biologia do conhecimento, educação, interdisciplinaridade
A cada dia mais toma corpo a incursão de cunho filosófico que evidencia a crise de
um modelo científico, um modelo de racionalidade, também denominado como paradigma
cartesiano-newtoniano.
A referida crise, segundo Santos (1997) é o resultado interativo de uma pluralidade
de condições sociais e teóricas. Entre as condições sociais basta relembrar que agravaram-se
nas últimas décadas, problemas de degradação ambiental, de crescimento populacional, de
aumento das desigualdades sociais entre o centro e a periferia, tanto entre as nações como no
interior das mesmas. Já entre as condições teóricas, o eixo condutor é de que a crise do
paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço do conhecimento que o próprio
paradigma propiciou, isto é, trata-se de uma crise gerada por dentro da própria ciência.
Os inúmeros problemas existentes hoje, só podem ser resolvidos a partir da revisão,
concorrência ou superação paradigmática. É nesse contexto, que se dá a crítica aos limites
do paradigma cartesiano-newtoniano. Ocorre que esse modelo científico, que deita suas raízes
históricas no período conhecido como o da revolução científica, acontecida nos séculos XVI,
XVII e XVIII,
tendo como expoentes Nicolau Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e
Newton, tem sido questionado nos seus pressupostos epistemológicos e nas suas
conseqüências para a sociedade e para educação.
É bom frisar, embora a citada visão do mundo esteja sendo questionada, sabe-se que o
desenvolvimento da ciência moderna possibilitou expressivos avanços na história. O sucesso
de muitas proposições permitiu o desenvolvimento científico-tecnológico presente no mundo
atual e, pressionados pela grandeza e pela onipotência da ciência e da tecnologia, suportamos
a um só tempo, o peso e os benefícios dessas mudanças.
No entanto, há muitas transformações questionáveis, que de alguma forma nos
empobreceram e nos condicionam. Para efeito ilustrativo, questiona-se, por exemplo,
a
dimensão unilateral e reducionista do velho paradigma, a partir do momento em que o
método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, foi interpretado como sendo a
explicação mais completa, a única abordagem válida do conhecimento, ao focalizar as partes,
ao conhecer as unidades separadas .
Outra conseqüência do paradigma tradicional está em ser fundamentado numa visão
que insiste no predomínio da mentalidade de que o espírito da ciência era servir ao homem,
propiciando-lhe condições de domínio sobre a natureza, no sentido de extrair, sob tortura,
todos os seus segredos (a mentalidade Baconiana).
Questiona-se ainda, os êxitos alcançados pelo paradigma industrial do ocidente, que
geraram, direta ou indiretamente, a maioria dos problemas críticos de ordem social e global,
presentes na humanidade. Esse paradigma apresenta uma concepção de sociabilidade fundada
na crença do progresso material ilimitado, a ser alcançado através do crescimento econômico
e tecnológico. Não é por acaso que contemporaneamente se supervaloriza tudo o que é
quantificável, ou seja, a aquisição de bens materiais, a expansão, e a competição de todas as
formas. O importante são as cotas, o nível de renda, os lucros obtidos, os aumentos, os bens
materiais, com pouquíssima preocupação com o caráter social desses bens. Pode-se aqui
acrescentar todos os desequilíbrios regionais e, o mais grave, as injustiças sociais existentes,
que o leitor pode identificar com facilidade .
Também se constata, como conseqüência do paradigma cartesiano-newtoniano, a
visão do homem-máquina que aloja uma alma, cuja essência é o pensamento, mantendo-se,
aprofundando a perspectiva dualista entre matéria e mente, corpo e alma . Questiona-se
hoje, por exemplo, a perspectiva cartesiana, em que a essência da natureza humana está no
pensamento o qual é separado do corpo. A mente, essa coisa pensante, está separada do
corpo, coisa não pensante, coisa extensa e constituída de partes mecânicas. O dualismo entre
matéria e mente, corpo e alma, teve e continua a ter profundas repercussões no pensamento
ocidental e nas ações educativas.
Essas breves constatações são indicativas de que existe uma série de problemas
interligados, cujas soluções parecem não ser possíveis
nos modelos
vigentes. Daí a
necessidade de buscar um novo paradigma científico e societal.
Biologia do Conhecimento e o Paradigma Emergente
O assim denominado paradigma emergente
diversificada reflexão epistemológica, que assenta
é configurado através de uma rica e
suas bases nas novas e instigantes
descobertas no domínio das ciências naturais, como por exemplo na física, na biologia,
estendendo-se às ciências humanas. É um movimento pujante de natureza inter/transdiciplinar
e envolve nome de pesquisadores de
diferentes campos do conhecimento, dentre eles,
Humberto Maturana Romesín e Francisco J. Varela Garcia,
citados doravante neste texto
como, Maturana e Varela .
Tudo começou na década de 1960, quando Maturana, percebeu que a abordagem
convencional da biologia – que basicamente estuda os seres vivos a partir de seus processos
internos – podia ser fertilizada por outro modo de ver. Tal abordagem os concebe em termos
de suas interações. Em meados dos anos 60, Varela tornou-se aluno de Maturana. A seguir,
já também professor, continuou a
trabalhar com ele na Universidade do Chile. Juntos
escreveram um primeiro livro: De Máquinas y Seres Vivos: Uma Teoría de la Organización
Biológica. (1997) Tempos depois, a instauração do regime militar no país, a partir de 1973,
fez com que os dois autores
fossem para o exterior, onde continuaram a trabalhar
separadamente. Em 1980, de volta ao Chile, retomaram a colaboração e começaram a expor
os resultados de suas pesquisas em uma série de palestras, assistidas por pessoas de
formação heterogênea. A transcrição e edição dessas apresentações resultou num livro,
publicado em 1985 Conforme os estudiosos, essa obra constitui, com algumas modificações,
o que é hoje A Árvore do Conhecimento ( 2002) obra que é considerada um clássico do
gênero.
Maturana e Varela desenvolveram um trabalho centrado no propósito de entender a
organização do sistemas vivos. Para tal, foi preciso que esses pesquisadores levassem em
conta os principais desafios que esse entendimento impunha, quais sejam: entender a natureza
autônoma da organização biológica e entender como a identidade pode ser mantida durante a
evolução que gera a diversidade. Estes cientistas reafirmam sustentam que os seres vivos são
autopoiéticos, ou seja, são auto-construtores de si mesmos.
A noção de autopoiese é uma noção central no pensamento dos autores Chilenos. De
acordo com Abbagnano (2000), o termo grego - poietikós - significa produção. “Autopoiese
quer dizer autoprodução”.
Conforme Mariotti (2007), estudioso da obra dos autores, a
palavra surgiu pela primeira vez na literatura internacional em 1974, num artigo publicado por
Maturana para definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si
mesmos. “Esses sistemas são autopoiéticos por definição, porque recompõem continuamente
os seus componentes desgastados. Pode-se concluir, portanto, que um sistema autopoiético é
ao mesmo tempo produtor e produto” (Mariotti 2007, p. 02)
Maturana ressalta que :
nós, os seres vivos, somos sistemas autopoéticos moleculares, indicando que o que nos define
como a classe particular de sistemas auopoiéticos que somos, isto é, o que nos define como
seres vivos, é que somos sistemas auopoiéticos moleculares, e que entre tantos sistemas
moleculares diferentes, somos sistemas autopoiéticos ( 1997. p. 18)
"Autopoiese" traduz, portanto, o que Maturana chama de "centro da dinâmica
constitutiva dos seres vivos". Para exercê-la de modo autônomo, eles precisam recorrer a
recursos do meio ambiente. Em outros termos, são ao mesmo tempo autônomos e
dependentes.
Os autores da biologia do conhecimento utilizaram uma metáfora didática para falar
dos sistemas autopoiéticos. Para eles, trata-se de máquinas que produzem a si próprias.
Nenhuma outra espécie de máquina é capaz de fazer isso: todas elas produzem sempre algo
diferente de si mesmas. Sendo os sistemas autopoiéticos a um só tempo produtores e
produtos, pode-se também dizer que eles são circulares, ou seja, funcionam em termos de
circularidade produtiva.
Desse modo, a idéia de ser vivo
se formula em termos de
organização circular, nos quais o que se conserva é a circularidade.
Pensar o conhecimento a partir da autopoiése só é possível se entendemos cada
vivente como sistema auto-organizado e auto-organizável. Para Maturana isso só é possível
porque cada ser é em relação. O que determina, em última análise, a organização do vivo é
sua própria autopoiése. Mas o que desencadeia é a relação que se estabelece entre vivo-meiovivo. O organismo se autogere, mas só o faz na relação com outros organismos.
Ao comentar um texto do pesquisador supracitado, Rabelo (2001, p. 08) destaca que:
“Viver e conhecer são mecanismos vitais. Conhecemos porque somos seres vivos e isso é
parte dessa condição. Conhecer é condição de vida na manutenção da interação ou
acoplamentos integrativos com os outros indivíduos e com o meio”
As implicações do trabalho dos cientistas Chilenos, explicitam, o sinônimo entre
conhecer e viver. Trazem a idéia de uma autonomia criativa dos seres vivos na medida em que
não há realidade à priori, mas tudo é inventado através da interação nas várias redes que
compõem o vivo. A partir daí, temos que inventar nossa vida e nosso viver. Com isto, há uma
inseparabilidade entre ser e viver e conhecer.
A noção de viver-conhecer está diretamente vinculada com o modo de relacionar-se e
de organizar-se nessa relação. Não se trata de adaptação ao meio, mesmo que a inclua. O
viver-conhecer na relação significa, ao mesmo tempo, a criação/recriação desse espaço
relacional, e de outros, a criação/recriação do sistema em relação. Isso mexe profundamente
com as nossas posturas de ensinar e aprender.
Nessa relação criativa, é que emerge o social. E o social é entendido como domínio de
condutas relacionais fundadas na emoção originária da vida: o amor. O autor pondera que
essa noção foi esvaziada, desvirtuada, perdeu a vitalidade. Para Maturana: “A emoção
fundamental que torna possível a história da hominização é o amor” ( 2001, p. 23). E ao falar
de emoção o autor não se refere a um sentimentalismo barato ou coisa do gênero
hollywoodiano.
Emoção, neste caso, “são disposições corporais dinâmicas que definem os
diferentes domínios de ação em que nos movemos”. (2001, p. 15). Assim entendida, a
emoção fundante do social - o amor - é elemento estrutural da fisiologia humana. É o amor o
fundamento do social !. Para o cientista: “O amor é a emoção que constitui o domínio de
condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na
convivência, e é esse modo de convivência que conotamos quando falamos do social ( 2001,
p. 23).
Ainda outro texto significativo do autor enfatiza que :
–
num sentido estrito, nós seres humanos nos originamos no amor e somos dependentes dele.
Na vida humana, a maior parte do sofrimento vem da negação do amor: os seres humanos
somos filhos do amor. Na verdade, eu diria que 99% das enfermidades humanas têm a ver
com a negação do amor” (...)Relações humanas que não estão fundadas no amor – eu digo
não são relações sociais. Portanto, nem todas as relações humanas são sociais, tampouco o
são todas as comunidades humanas, porque nem todas se fundam na operacionalidade da
aceitação mútua. Diferentes emoções especificam diferentes domínios de ações. Portanto, as
comunidades humanas, fundadas em outras emoções diferentes do amor, estarão constituídas
em outros domínios de ações que não são o da colaboração e do compartilhamento, em
coordenações de ações que não implicam a aceitação do outro como um legítimo outro na
convivência e não serão comunidades sociais. (Maturana , 2001, p. 25)
As palavras do autor não deixam dúvidas a respeito da amorosidade como fundante da
sociabilidade.
Nesse sentido os espaços-tempos educativos devem configurar-se como
espaços autênticamente relacionais e sociais.
Outras Pautas educativas
Considerando os elementos enunciados brevemente nesse texto, é possível indicar
outras pautas educativas para fecundar as práticas educacionais na formação de professores.
O leitor poderá acrescentar outras que já são de domínio comum. Note-se que as pautas
indicadas aqui, na perspectiva do paradigma emergente e da biologia do conhecimento, não
pretendem ser panacéia para todos os males do espaço-tempo educacional, mas explorar
indicações vitalizadoras .
Uma importante noção que deve ser considerada é o reconhecimento que a
separatividade de cunho
cartesiano, mente/corpo cérebro/espírito não
mais devem se
sustentam. É fundamental nessa releitura repensar novos diálogos entre mente e corpo,
interior e exterior. Urge, desse modo, continuamente repensar e (re) propor uma concepção de
processos formativos abrangentes que considerem o ser humano na sua totalidade cognitiva,
física, afetiva, e mesmo, espiritual. O autor do presente texto considera um absurdo que
docentes das diferentes áreas, incluso da filosofia, terminem uma graduação superior, tenham
um diploma, sem nunca terem a oportunidade de resolver minimamente seus conflitos
internos, sem saber o que fazer com sentimentos como a raiva, a mágoa, a culpa, a aversão
gratuita à toda autoridade e tantos outros sentimentos negativos, que atrapalham a relação
educativa, seja junto aos acadêmicos, seja junto aos seus pares e colegas de trabalho.
Ainda nessa perspectiva retome-se um velho problema do mundo educacional, ou
seja, em que momento pode-se dizer que a aprendizagem está ocorrendo. De acordo com
Maturana, o processo de aprendizagem ocorre sempre que a atuação de que qualquer
organismo
passa por variações perceptíveis por ele/e/ou pelos envolvidos no processo
relacional.
Trata-se de um relacionamento constituído a partir do entrelaçamento entre o
racional e o emocional. É deste entrelaçamento que, para Maturana procede as coerências
operacionais de nossos sistemas de argumentação. De acordo com Barcelos: “via de regra,
entendemos nossas argumentações racionais sem levar em conta as emoções envolvidas no
processo e que, em última instância, são elas ( as emoções) que fundam, que dão sustentação
de origem a estes argumentos racionais” (2006, p. 583)
O provocador cientista chileno desafia-nos a pensar sobre a possibilidade de que
nossas ações estão fundadas no emocionar. Tal proposição ainda que polêmica, sugere que se
revejam as posturas meramente racionalistas, uma vez que o emocionar é condição de
aprendizagem. Desse modo, colaborar para a tarefa de desenvolver
processos de auto-
formação humana já não se sustentam com um racionalismo de cunho estéril e filisteu, mas
demandam que nossas
subjetividades sejam contaminadas e carregadas de emoção na
construção do conhecimento e de uma sociedade renovada. O que se depreende dessa
perspectiva é a noção de que razão e emoção não se separaram nos processos educacionais
de qualquer natureza.
Entendendo a educação como um processo contínuo que dura toda a vida, o educar
para Maturana se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e,
ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente. Assim o processo educativo é
permanente. Não existe intervalo no ato de educar no conviver. O ato pedagógico é assim
entendido como toda ação que alguém realiza no conviver. Ao contrário de dispensar a
especificidade pedagógica esta perspectiva pretende tornar os espaços tempos educacionais,
como a escola, por exemplo,
mais plenos das experiências do conviver. Valorizar e
possibilitar a plenificação do conviver nos espaços educativos é caminho para existencializar
o conhecer-viver e assumir a cultura como uma das dimensões do convívio de tal modo que se
torne – ela, cultura – cada vez mais humanizante, já que, ao mesmo tempo, é comunicada aos
sujeitos e transformada por eles na congruência. Nesse sentido, no processo educativo,
“ocorre como uma transformação estrutural contingente com uma história no conviver, e o
resultado disso é que as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo
com o conviver da comunidade em que vivem” (Maturana, 2001 p. 29).
A educação sempre é “para que”. Os grupos humanos, por situações diversas, vão
pontuando, consciente ou inconscientemente, seus objetivos do educar. Para Maturana isso se
dá de uma forma intersubjetiva. Em outras palavras, as ações são construídas nas ralações,
mas de uma maneira autônoma e partilhada ao mesmo tempo. Atribui grande importância ao
relacionar-se, mantendo a responsabilidade do sujeito por suas decisões. Por isso afirma que:
“Nós, seres vivos, somos sistemas determinados em nossa estrutura. Isso quer dizer que
somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre nós, o que acontece conosco
depende de nós, de nossa estrutura nesse momento, e não de algo externo ( 2001, p. 27).
Para Maturana, citado por Vieira (2008) a conversa, na ação educativa, é elemento
central na relação que produz o conhecimento. “A palavra conversa vem da união de duas
raízes latinas, ‘cum’, que significa ‘com’, e ‘versare’, que significa ‘dar voltas’, de maneira
que conversar, em sua origem, significa ‘dar voltas com’ outro”. A conversa constitui-se,
assim, em um espaço relacional por excelência na ação educativa.
Se entendermos a importância do processo relacional na ação educativa, se a formação
do outro como totalmente outro se constitui como objetivo da educação, então é preciso
repensar as interações em que o educando possa confrontar-se como autônomo nas ações
relacionais e construa sua autoconsciência, que se exercita na relação.
Para o educador Chileno a autoconsciência não está no cérebro – ela pertence ao
espaço relacional que se constitui na linguagem. O autor vê a linguagem não como uma
estrutura cerebral, mas como construto das relações do ser humano com os outros.
“Reconheço também que a linguagem não se dá no corpo como um conjunto de regras, mas
sim no fluir em coordenações consensuais de conduta” (Maturana, 2001, p. 27). Indica-se
assim, os caminhos que valorizam os relacionamentos, em oposição aos artificialismos, e o
conhecimento construído a partir dessas relações como elaborações autenticamente humanas.
Outro eixo importante nesse conjunto de considerações é que quando se faz a
retrospectiva histórica dos efeitos do nosso modo de organização social ligado também a uma
noção de ciência, com facilidade encontramos os conceitos desenvolvimento, progresso e
competição. Sabe-se muito bem, que no modo de produção capitalista há regras definidas
que se dão em torno da noção de mercado, permeado pela atitude danosa e perigosíssima que
envolve a competição nos diferentes domínios da existência.
Para Maturana “a competição sadia não existe” e a educação para a competição não se
constitui em um exercício de caráter natural/biológico, em sua constituição, mas é algo
construído culturalmente. Para ele: “a competição não é nem pode ser sadia, porque se
constitui na negação do outro (...) A competição é um fenômeno cultural e humano, e não
constitutivo do biológico” ( 2001 p. 13).
Note-se, portanto, por decorrência, que os processos educativos que ensinam ou se
fundam na competição, são processos não sociais e que afastam as pessoas da sociabilidade.,
uma vez que desconsidera o outro como legítimo outro, já que estabelece o espaço pelo qual
compete como a única possibilidade de manifestação de alguém como sujeito.
A noção de livre competição têm sido endeusada, como confirma o autor : “fala-se de
livre competição como se esta fosse um bem transcendente, válido em si mesmo, e que o
mundo todo tem de valorizar positivamente e respeitar como a uma grande deusa, ou talvez
um grande deus que abre as portas para o bem-estar social . (2001, p.14)
Observe-se que essas reflexões nos ajudam a repensar a
educação e a prática
educativa a partir da sua finalidade. A prática mercadológica competitiva não pode ser o
centro da finalidade da educação, ainda que a ela estejamos freqüente e lamentavelmente
submissos. Na perspectiva aqui abordada não há formação de professores de qualidade, se
não houver educação e valorização das condições de trabalho do educador. Além disso, é
preciso continuamente
reafirmar que os alvos políticos-sociais como justiça, cidadania,
democracia não podem ser
nem abandonados, nem subordinados a intentos estritamente
econômicos como competitividade, progresso e tantos outros, pois o grande fato é que,
do
ponto de vista do mercado, a educação somente interessa se ''for útil'', no sentido de que o
mercado precisa da energia inovadora do conhecimento, produzida pela educação.
Considerações finais.
Há outras pautas educativas voltadas para a formação de professores das licenciaturas
em geral e da filosofia, as quais podem emanar desse breve texto. Cabe ao leitor ressignificálas, problematizá-las.
Note-se que na persepctiva do paradigma emergente se propõe como antídoto para
superar os dualismos e
as compartimentações as noções:
de “interdisciplinariedade”,
“transdisciplinariedade”. A tradução dos termos pode ser feita de modo conciso como o
sendo o desejo do relativo milagre de horizontalizar o que está verticalizado e aprofundar o
que é complexo. Note-se que essas noções também precisam ser revitalizadas, uma vez que
não são poucos os educadores que dizem que essa discussão “já era”, quando na verdade ela
precisa ser permanentemente recolocada, pois em termos práticos e concretos pouco se fez e
se faz, isto é, pouco avançamos nas práticas inter/transdiciplinares. Assim essa pauta deve
ser retomada, não por modismo, mas simplesmente porque (re)descobrimos a cada dia que a
realidade é complexa ! Por isso a necessidade de (re) valorizar os estudos da filosofia, das
ciências humanas sem dicotomias com as ciências da natureza.
Mas tudo isso não demasiado utopista ? Ou seja, sem poder algum de qualquer tipo de
mobilização e nexo com as atividades educacionais ?
Cabe dizer que as pautas aqui elencadas se caracterizam na perspectiva da emergência
paradigmática e que em nada se envergonham de ter um caráter utópico, enquanto exploração
de possibilidades pelas quais ainda vale a pena lutar, como já sugeriu Santos(1997)
para a
construção de uma nova epistemologia e uma nova subjetividade.
Como sugere MATURANA:
a tarefa de criar uma democracia começa no espaço da emoção com a sedução mútua para
criar um mundo no qual continuamente surja de nossas ações a legitimidade do outro na
convivência, sem discriminação, nem abuso (..) Tal empreendimento é uma obra de arte, um
produto do desejo de convivência democrática(..) é um convite criativo, não uma restrição
autoritária (2001, 77s)
Sem sombra de dúvida é um desafio e tanto para todos os educadores, incluso, os
filósofos !
Referências Bibliográficas
ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2000.
BARCELOS, Valdo. Por uma ecologia da aprendizagem humana. O amor como
princípio epistemológico em Humberto Romesin Maturana. In: Educação, Porto Alegre,
ano XXIX , N 3 p. 583, 2006.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. 2 ed.Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001.
MATURANA, Humberto Romesin, VARELA, Francisco J.. . De máquinas e seres vivos.
Autopoiese – a organização do Vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997
__________; A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana.
São Paulo : Palas Athena, 2002.
MARIOTTI, Humberto. AUTOPOIESE,CULTURA E SOCIEDADE. Disponível em
www.geocities.com/pluriversu . Acessado em 15/01/2008.
VIEIRA, Adriano J. H. . Humberto Maturana e o espaço relacional da construção do
conhecimento. Disponível em www.humanitates.ucb.br
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade . 3ed. São
Paulo : Cortez, 1997 .
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