n. 127, 22 de setembro de 2009. Ano III. "começamos sempre nossa vida num crepúsculo admirável. tudo aquilo que mais tarde nos ajudará a nos livrar das decepções se reúne em volta de nossos primeiros passos" (rené char). qual briga? Duas jovens brigam na porta de uma escola estadual no interior de São Paulo. A mãe de uma delas, funcionária da escola, diante da situação, diz para a filha que brigue. O episódio, filmado em celular, é disponibilizado em um site de relacionamentos. A mãe da outra menina, ao assistir o vídeo, faz uma denúncia na polícia. A escola imediatamente demite a funcionária que era monitora no transporte escolar. Esta se defende dizendo que estimulava a filha a se defender sozinha. Os jornais divulgam uma mensagem dúbia da funcionária: "se apanhar na rua, apanha em casa". Não se sabe se a mãe se referia ao futuro marido da moça ou a uma punição exemplar. vítima, o quê? O que interessa para a outra mãe, para a escola e para a polícia, não é o fato de um tanto de mulheres e um outro tanto de crianças serem espancadas em casa. Interessa que, publicamente, as pessoas sejam dóceis, inofensivas, e que diante de uma situação de violência contra o próprio corpo, acionem uma autoridade que defina a gravidade, que julgue a pertinência, que determine vítimas e algozes, e responda por elas. A menina e sua mãe passam agora por um exame psicológico. Não se sabe quem começou a briga, mas para ser vítima é preciso abrir mão de si e amar a obediência. azo ao azar Viciados em jogo comemoram a provável reabertura dos bingos, agora sob a definitiva permissão da lei? Não! Muitos manifestam pavor. Sabem que estarão em breve nas salas de jogos por dias e noites na fissura de marcar números um atrás do outro em busca do prêmio, sem comer, sem dormir, enquanto dívidas crescem e crescem. Discutem agora em seus grupos terapêuticos de apoio como apelar contra a lei que poderá devolver seus prazeres. Sem a proibição, não conseguem dizer não a um hábito ao qual, com ou sem proibição, disseram sim. Eles precisam de lei e polícia para protegê-los do que desejam. Pelo sim ou pelo não, viciaramse em se deixar levar pelo que os afasta de uma relação de verdade consigo. esse negócio de prisão... Está aberta mais uma rodada de negociações para a construção de 44 novos presídios no interior de São Paulo. Os prefeitos das cidades escolhidas para receber o investimento querem saber o que (mais) eles vão ganhar com isso. O governo do estado afirma que um presídio é capaz de dinamizar a economia local, gerando empregos. Os prefeitos tentam melhorar a oferta: “afinal, e o PCC?”. em tempos podres Um apresentador estadunidense podre declarou em seu programa de televisão podre que é preciso que os Estados Unidos retornem à podre segregação racial nos transportes coletivos: ônibus para pretos, ônibus para brancos. Em tempos de crescente conservadorismo a podre disseminação de fascismos não cessa. O preto e o pobre continuam sendo o insuportável. Eis, o avesso da política de cotas, ou melhor, ela expressa a própria discriminação, explicitando que a cota atualiza o gueto. itinerário podre Em Foggia, cidade localizada no sul da Itália, a prefeitura criou uma linha de ônibus exclusiva para o transporte de imigrantes africanos sob a justificativa de manutenção da “ordem pública”. Sobrevivendo confinados num espaço chamado de “centro de acolhimento de estrangeiros”, estes homens e mulheres seguem encerrados no ônibus, nos empregos temporários, nas ruas, nas prisões. Mais ao sul do sul, em Lampedusa, os moradores vibram com o atual cenário: “Sem essa gente aqui os turistas de Milão voltaram”. Assim segue o governo em seu itinerário podre, exterminando, aniquilando, arrasando a vida daqueles que considera indesejáveis. vida Depois de um longo período morando na África, um padre de Campânia, cidade próxima a Nápoles, decidiu não se submeter à nova lei contra os imigrantes promulgada no país. Autorizou a permanência em sua paróquia de africanos, ciganos, romenos, ucranianos, gente de qualquer canto que estivesse sendo perseguida pela polícia. Resistindo à podridão do governo, o padre demonstrando rara coragem declarou: “que me mandem para a prisão, pois não denunciamos estrangeiros”. "por isso, nunca reconhecemos, em cafajeste coroado nenhum, o direito de querer impor-nos sua vontade prepotente" (josé oiticica).