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Rev. Bras. Fisiot. V oi. I, No. I (1996) 13-20
© Associação Brasileira de Fisioterapia
Análise Biomecânica da Ativação das Porções Superficiais
do M. Quadríceps F emoral durante Contrações Excêntrica e
Concêntrica
R.C. Araujo e A.C. Arnadio
Laboratório de Biomecânica, Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, Av. Prof Mello
Moraes 65, Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo- SP, Brasil, e-mail: [email protected]
Recebimento: 28.12.95; Aceitação: 1.3.96
Resumo. O presente trabalho apresenta uma análise biomecânica do m.quadríceps femoral, utilizando para isso análise eletromiográfica de seus ventres superficiais, juntamente com a análise eletrogoniométrica, que permitiram, por cálculos realizados a posteriori, a determinação da velocidade angular. Com esse procedimento foi possível realizar uma
comparação da atividade desse grupo muscular em dois movimentos distintos, exemplares de contração excêntrica e concêntrica, segundo a variação angular, sendo que os movimentos foram executados em três velocidades distintas. Para esse
estudo, foram avaliados três indivíduos voluntários do sexo masculino, saudáveis e de mesma faixa etária, sendo adquiridos
os dados no membro inferior direito, lado dominante para todos eles. A técnica de colocação dos eletrodos foi idêntica para
ambos os movimentos, nos pontos motores dos referidos ventres musculares. Os resultados encontrados evidenciam uma
diferença considerável de tempo de ativação dos ventres, segundo a velocidade e o tipo de contração muscular. Para a contração excêntrica, o m.vasto mediallongitudinal entra em atividade precocemente, cerca de 400 ms em relação aos demais,
e os ventres dispostos lateralmente foram os últimos a serem ativados. Para a contração concêntrica, esse mesmo comportamento não foi encontrado, uma vez que as diferenças de tempo de ativação muscular não foram consistentes com o tipo
de movimento, bem como da velocidade angular. Embora a compreensão dessa diferença de tempo de ativação segundo o
tipo de movimento não tenha se efetivado, os resultados desse trabalho serviram para mostrar como os sistemas de controle
do movimento interagem de maneira complexa com as forças mecânicas que atingem o aparelho locomotor.
Palavras-chave: biomecânica, eletromiografia, m. quadríceps femoral
Abstract. The present work presents a biomechanical analysis of the quadriceps femoris, using an electromyographic analysis oftheir superficial bellies, synchronized with an electrogoniometric analysis, which, through calculations carried out a posteriori, allowed the determination of the angular velocity. With this procedure it was possible to compare the
activity ofthis muscular group in two distinct movements, samples ofexcentric and concentric contraction, according to
the angular variation, with the movements executed at three distinct velocities. For this study three healthy males in the
same age group were evaluated, collecting the data from theirright inferior limb, the dominant si de for ali ofthe volunteers.
The technique for the placement ofthe electrodes wás identical for both movements, being in the motor points ofthe abovementioned muscules. The· results show a considerable difference in the time o f activation ofthe bellies, according to the
velocity and type of muscular contraction. For the excentric contraction, the vastus medialis muscle precociously enters
into activity, about 400 ms in relation to the others, and the laterally arranged bellies were the last to be activated. For the
concentric concentration, this same behavior was not found, since the time differences for the muscular activation were not
consistent with the type.ofmovement, nor with the angular velocity. While the understanding ofthis difference in activation time according to the type ofmovement is not complete, the results ofthis work served to show how the systems of
movement contrai interact in a complex manner with the mechanical forces which affect the locomotive apparatus.
Keywords: biomechanical, electromyography, quadriceps femoris
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Introdução
O m.quadríceps femoral é constituído por quatro músculos: um profundamente situado, que é o m_vasto intermédio e
Te! I Fax: 011-818-3184
outros três superficiais, o m.vasto lateral (VL), o m. reto femoral (RF) e o m.vasto mediai, subdividi_do em m.vasto mediai
longitudinal (VML) e m.vasto mediai oblíquo (VMO), sendo
que em relação a essas quatro porções a literatura especializada
Araujo & Amadio
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tem demonstrado para um mesmo movimento diferenças teóricas em suas respectivas funções 1•2.
O fato de haver vários músculos responsáveis por um
mesmo movimento tem interessado a comunidade científica,
que procura compreender como os músculos são ativados, ou
em que fase cada um participa mais que seus sinergistas. Melhor entendida, essa questão poderia trazer importantes contribuições para a fisioterapia, já que o recrutamento maior de um
músculo específico em relação a seus sinergistas constituiu-se
numa base teórica para a terapia de disfunções articulares causadas por desequilíbrios de força ou de ativação musculares.
Na fisioterapia, essa questão tem sido investigada particularmente nos músculos relacionados à articulação do joelho 3•4 ,
talvez por evidências de que várias patologias têm como origem desequilíbrios das forças internas (desalinhamentos da patela, por exemplo) ou surgem como conseqüência delas, ou
ainda por causa da maior facilidade de análise do movimento
nessa região, circundada por músculos relativamente grandes.
Várias técnicas fisioterápicas também têm sido propostas para
a ativação seletiva de um grupo muscular, como tipos especiais
de exercícios, biofeedback eletromiográfico, estimulação elétrica, entre outros3 .
Outra questão que tem sido levantada ao longo dos anos
é como os músculos distribuem a carga para um movimento articular, especialmente se um deles tem mais de uma função 5•6 .
Supõe-se que essa distribuição da carga para os músculos aconteça em função do movimento, da variação angular e da freqüência com que a contração ocorre. A biomecânica baseia-se
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na utilização de procedimentos de medição que permitem a
obtenção de diferentes parâmetros do movimento humano 5,
como representado na Fig. I. O desenvolvimento da informática permitiu que todos esses procedimentos biomecânicos fossem analisados simultaneamente 5, de forma que a biomecânica
desenvolveu-se significativamente, nestes últimos 20 anos.
Conforme demonstrado na Fig. 1, a determinação de forças internas somente é possível a partir do desenvolvimento de
modelos cujos parâmetros do movimento são fornecidos pelos
procedimentos biomecânicos básicos de medição: a cinemetria, a dinamometria, a antropometria e a eletromiografia. A determinação de forças internas é complexa e considerada uma
tendência da biomecânica atual. Portanto, as questões de origem básica ou aplicada que buscam a compreensão do movimento e suas disfunções, bem como a análise de métodos de
tratamento dos desequilíbrios musculares, encontram-se na dependência da determinação de forças internas, determinação
esta que só agora tem se desenvolvido.
Os estudos científicos que abordam a problemática ainda
são escassos na literatura especializada, demonstrando uma lacuna metodológica na compreensão da distribuição da atividade muscular do m.quadríceps femoral em suas quatro porções
superficiais, dadas as diferentes funções que esses músculos
podem desempenhar7 .
Para uma melhor compreensão dessa questão, esse estudo
foi desenvolvido utilizando os seguintes movimentos selecionados: agachamento por flexão dos joelhos e extensão da perna
na posição sentada, ambos em três freqüências diferentes, para
Cinemetria
Dinamometria
Antropometria
Posição e orientação
dos
segmentos corporais
Forças externas
e
distribuição de pressão
Parâmetros para
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Modelo
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Figura 1. Diagrama ilustrativo das distintas áreas para análise biomecânica do movimento humano e suas complexas interações segundo Baumann8.
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Análise Biomecânica da Ativação do M.Quadriceps Femoral
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avaliar a distribuição de atividade das porções superficiais do
m.quadríceps femoral durante sua contração excêntrica e concêntrica, objetivando caracterizar padrões de ativação muscular segundo o tipo de contração.
Material e Métodos
Amostra
O estudo foi feito em três adultos voluntários do sexo
masculino com idades de 27, 28 e 31 anos. Como já descrito, o
estudo foi desenvolvido observando-se o movimento de agachamento por flexão dos joelhos em três freqüências distintas.
Procurou-se analisar a freqüência máxima (a), que pode variar
muito segundo as características de cada indivíduo, e freqüências menores impostas a cada indivíduo por treinamento prévio
(b = 69 bpm, média e c= 50 bpm, baixa), controladas com auxílio de marcador de ritmo para movimentos repetidos (metrônomo), com o propósito de avaliar a distribuição de atividade
do m.quadríceps femoral durante sua contração no movimento
selecionado.
Então, cada um dos indivíduos realizou uma série de três
movimentos em cada uma das três freqüências para cada um
dos tipos de movimento, totalizando 54 aquisições de dados
nos diferentes testes experimentais.
Eletromiografia
Um eletromiógrafo ETK 90JC/4K-d60 de quatro canais
foi utilizado para a aquisição do sinal dos músculos selecionados. O registro do sinal eletromiográfico foi do tipo retificado,
ou seja, a partir do sinal original elevam-se os valores ao qua9
drado e calcula-se a média da raiz quadrada desse valor .
Foram utilizados eletrodos de superficie do tipo bipolar,
colocados sobre o ponto motor de cada um dos ventres musculares selecionados para a presente análise: RF, VL, VML e
VMO. Essa técnica de colocação dos eletrodos mostrou-se a
menos sujeita a erros sistemáticos, conforme estudo anteriormente realizado 10 . Os eletrodos foram fixados junto à pele por
meio de uma fita adesiva de dupla face, internamente, sendo
outra fita adesiva usada externamente ao eletrodo para melhorar a fixação junto à pele.
Para a determinação do ponto motor, foi utilizado um gerador de pulsos elétricos (Omni Pulsi-901 Quark) e dois eletrodos de estimulação: um passivo, em forma de placa, foi
colocado na região lombar ou esternal, respectivamente no
caso do músculo encontrar-se posterior ou anteriormente situado; o segundo eletrodo, em forma de caneta, era o ativo, deslizando pelo ventre do músculo em busca da localização do
ponto motor. A técnica de localização do ponto motor adotada
foi a mesma sugerida por Dainty e Norman 11 . Após a seleção
dos locais onde foram colocados os eletrodos, os pontos motores; foi feita uma raspagem da pele com uso de uma lixa suave
e aplicação de éter sulfúrico, para remoção da camada sebácea
da pele conseqüente diminuição da resistência cutânea.
e
Figura 2. Representação do eletrogoniômetro colocado na articulação do joelho, como utilizado no experimento 5.
Eletrogoniometria
Essa técnica permite o registro da variação angular contínua e automaticamente através de potenciômetros, que são dispositivos destinados à medição da variação da tensão elétrica.
Assim, pode-se utilizá-los como transdutores das rotações efetuadas pelas articulações, em sincronia com o sinal eletromiográfico. Então, a variação angular da articulação do joelho foi
medida por meio de um eletrogoniômetro planar construído
com um potênciometro BOURNS, tipo 65345-001-502, com linearidade de ável e com saídas para processamento analógicodigital (A/D). A calibragem do sistema apresentou uma linearidade entre o valor analógico de tensão e a grandeza de medida
em 99,7%. Tal potênciometro encontra-se conectado a duas
hastes de material plástico de 25 em de comprimento e 1 em de
largura, as quais servem como meio de fixação do potenciômetro próximo ao eixo estimado do movimento articular. Nesse
caso, então, uma haste foi fixada na coxa e a outra na perna dos
indivíduos, por meio de fitas elásticas. Uma representação esquemática do eletrogoniômetro pode ser vista na Fig. 2.
Assim como outros instrumentos de medição, essa técni~
ca apresenta certas limitações devido à dificuldade na determinação externa do ponto anatômico que representa o eixo
articular e à perturbação no padrão natural do movimento, pela
necessidade de transporte de cabos e equipamentos 12 .
Como sistema de referência, foi adotado que na extensão
completa do joelho o ângulo medido pelo eletrogoniômetro seria de 0°, como sugerido pela American Academy of Orthopaedic Surgeons 13 , sendo que esse valor aumenta em função da
flexão desta articulação.
Aquisição dos dados
A sincronização dos registros eletromiográficos e eletrogoniométricos foi possível pelo fato de ambos os sistemas de
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Araujo & Amadio
medição serem gerenciados por uma mesma fonte de controle
de dados (placa de conversão A/De programa de gerenciarpento e coleta de dados). A velocidade do feixe foi de 500Hz, e a
coleta experimental foi interfaceada por um conversor A/D de
1O bits para transferência de dados experimentais para um microcomputador PC 386, no qual o software Aqdados (Lynx
Eletrônica), permitiu a aquisição, o gerenciamento, a análise e
o armazenamento de dados. Este procedimento foi necessário
para que obtivéssemos uma relação de dependência maior entre
as variáveis, uma melhor calibração dos sistemas de medição e
uma minimização do erro na coleta dos dados.
Para o movimento de agachamento, foi analisada a fase
excêntrica do movimento, isto é, o intervalo durante a flexão do
joelho, enquanto para o movimento de extensão da perna na
posição sentada foi analisada a fase concêntrica. Utilizou-se
como critério de determinação do início do movimento o instante de inflexão da curva de deslocamento angular, no momento de máximo valor. O instante da inflexão foi determinado
como parâmetro referencial para a comparação dos resultados
inter e intra-individual nos diferentes testes observados, conforme protocolo experimental. O tempo para o qual a curva da
velocidade angular apresentava valor diferente de zero também
pôde ser usado como critério para o início do movimento.
Resultados
Pelas figuras anexas podemos observar as características, no comportamento comparativo diferencial, ds quatro porções do m.quadríceps femoral (RF, VL, VML e VMO) em
relação ao tempo de ativação ou velocidade de recrutamento,
variação angular e características de dependência entre essas
funções. Demonstra-se, assim, como esses músculos distribuem a carga, a partir do padrão de ativação neuromuscular, para
esse movimento articular observado para as três freqüências
do movimento. A importância dessa verificação fica enaltecida por apresentar múltiplas aplicações para a análise de movimento.
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Movimento de agachamento por flexão das pernas:
contração excêntrica
De maneira exemplar apresentamos na Fig. 3 os resultados experimentais para um dos sujeitos de nossa amostra. De
acordo com o protocolo experimental, temos a atividade eletromiográfica das quatro porções do músculo analisado, juntamente com a atividade eletrogoniométrica; representando a
variação angular do joelho durante o movimento de agachamento e sua primeira derivada: a velocidade angular, determinada a posteriori. Note-se a diferença no traçado
eletromiográfico entre esses quatro músculos, evidenciando
nas três velocidades maior ativação do VML e menor atividade
do VL. Além disso, pode ser observado um retardo de 453 ms
em média (considerando as três velocidades) na ativação do
VL em relação aos demais e uma aparente pré"ativação do
VML. Pode-se observar também uma diferença de cerca de
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Figura 3. Resultado experimental com freqüência de niovimento A, B e C. Registro do comportamento eletromiográfico param. vasto mediai oblíquo (vmo),
m.vasto mediai (vm), m.reto femoral (rf) e m.vasto lateral (vi), da variação e
velocidade angulares na articulação do joelho, em contração excêntrica.
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Análise Biomecânica da Ativação do M.Quadriceps Femoral
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Ângulo (graus)
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Figura 4. Distribuição dos valores temporais em função do ângulo de início de
ativação muscular, independente da freqüência de movimento, para a contração
excêntrica.
Ainda na Fig. 3, deve-se considerar uma significativa diferença de tempo entre o início de movimento e a ativação de
um ou mais músculos desse grupo. O início do movimento foi
definido como o instante seguinte ao de velocidade diferente de
zero (Fig. 3, curva superior- escala demonstrada no eixo vertical direito do gráfico). Em algumas situações, o primeiro músculo ativado entra em ação cerca de 400 ms após o início do
movimento.
O comportamento diferenciado de cada músculo, segundo a freqüência, pode ser verificado na Fig. 5. Na freqüência
máxima A, observamos que não existe distinção clara entre os
tempos de ativação (5.1) e os ângulos em que os músculos são
ativados (5.2) para nenhuma das quatro porções do m.quadriceps femoral. Assim, os quatro músculos parecem ser ativados
num mesmo intervalo de tempo. Por outro lado, na freqüência
mais baixa, C = 50 bpm, verifica-se maior diferenciação entre
os tempos e ângulos de ativação do que na freqüência média, B
= 69 bpm, apresentando portanto intervalos distintos para cada
um destes músculos.
Na Fig. 6, podemos verificar a distribuição dos valores
experimentais sem distinção da freqüência do movimento analisado. Verifica-se que cada músculo ocupa uma região específica do gráfico, como um indício das especificidades quanto a
variação angular e tempo de ativação muscular, denotando
mais uma vez a ativação prévia dos componentes mediais
(VML e VMO), seguidos pelo RF e pelo VL.
Na freqüência mais alta, tanto o tempo de ativação quanto
o ângulo de ativação são muito semelhantes para qualquer um
dos ventres estudados. É possível observar uma diferenciação
entre parte mediai e lateral dom. quadriceps femoral, como observado na Fig. 4. Para o VML e VMO, o ângulo de ativação
varia de aproximadamente 15° até 60°, ao passo que os outros
dois músculos foram ativados num intervalo de 60° até 130°.
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Figura S. Comportamento de cada músculo (I = VL, 2 = RF, 3 = VM e 4 =
VMO) em função do tempo (5.1) e do ângulo (5.2) de início de ativação muscular para cada uma das três freqüências de movimento: a (máxima), b (média)
e c (mínima), para a contração excêntrica.
Movimento de extensão da perna na posição sentada
Na Fig. 7 estão apresentados os valores representativos
do início da ativação muscular em função do tempo e do ângulo
do movimento, independente da freqüência, que mostra que
não há distinção nítida no tempo de ativação muscular para
esse movimento. Na Fig. 8 estão apresentados os dados do tempo de ativação muscular (8.1) e do ângulo em que esses músculos entraram em atividade (8.2) em relação ao início do
movimento. Note que para a freqüência A os músculos entraram em atividade antes do movimento ter sido iniciado.
Discussão dos Resultados
Considerações sobre ambos os movimentos
Para a situação de freqüência máxima imposta ao movimento, foi observado que o tempo de ativação (definido como o
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Figura 6. Distribuição das médias do tempo de ativação para cada músculo estudado em função do ângulo, subdividido para cada músculo estudado, para a
contração excêntrica.
intervalo entre o início do movimento e o aparecimento do primeiro sinal de potencial de ativação do músculo analisado) é o
menor entre as três freqüências definidas no protocolo experimental. Além disso, podemos observar que há o seguinte comportamento para a relação tempo de ativação e freqüência de movimento: A> B >C (ver Fig. 5.1 ). Por outro lado, para a relação
de dependência entre ângulo de início de ativação e tempo observamos A< B <C para os músculos analisados (ver Fig. 5.2).
Desse modo, o comportamento de contração muscular
observado apresenta, para velocidades mais rápidas, intervalo
de recrutamento menor e variação angular maior enquanto para
a freqüência mais baixa são observados intervalo de recruta1.0
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25
mento maior e variação angular menor. Assim, esse comportamento reflete a relação diretamente inversa entre o tempo de
ativação e variação angular em função da freqüência de movimento.
A princípio podemos constatar que, se a velocidade de
contração aumentar, o tempo de ativação será menor. Contudo,
ainda não foi possível verificar parâmetro indicador que possa
determinar objetivamente a razão desse comportamento neuromuscular. As limitações impostas pela eletromiografia de superfície impedem que encontremos indicadores sobre o real
comportamento da ativação muscular numa fase excêntrica de
movimento. A razão da redução do tempo de ativação em função de um aumento da velocidade angular do movimento pode
ter origem em diferentes funções que o sistema neuromuscular
assume para realizar um movimento, ou mesmo resultar de
uma estratégia para otimização das estruturas musculares responsáveis por essa ação.
Considerações sobre o movimento de agachamento por
flexão das pernas
A ativação muscular foi observável depois de iniciado o
movimento. Na fase estudada de contração excêntrica, apresenta-se um componente inicial indefinido no intervalo entre início
de movimento e início da ativação muscular. Nesse intervalo,
não é observável a ativação da musculatura agonista, e a provável causa do movimento envolve estruturas paralelas (musculatura antagonista e a própria inércia do movimento). Contudo,
não é possível caracterizar o movimento excêntrico pela ativação muscular pós-movimento, porque não foi possível isolar os
componentes de momento inercial do membro inferior.
Os resultados permitiram verificar que existe uma variação para as medidas de tempo de ativação e variação angular
para os músculos analisados nas freqüências definidas, cuja relação de dependência não podemos considerar linear, por limitações de ordem metodológica experimental. Ou seja, muito
provavelmente há outros mecanismos controladores do movimento de natureza neuromuscular- ou mesmo entre as grandezas físicas determinantes das funções do movimento- influenciando esta relação.
Considerações sobre o movimento. de extensão da perna
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Ângulo (graus)
Figura 7. Gráfico mostrando a distribuição dos valores temporais em função
do ângulo de início de ativação muscular, independente da freqüência, para o
movimento de extensão da pema.na posição sentada, para a contração concêntrica.
Analisando-se as Figs. 7 e 8, podemos constatar várias diferenças no comportamento muscular, se compararmos esse
movimento com o anteriormente analisado:
Na Fig. 7, percebemos que a ativação dos diversos ventres musculares ocorreu de maneira mais difusa que no movimento de agachamento por flexão das pernas demonstrado na
Fig. 4, o qual apresentou uma nítida ativação prévia dos componentes mediais do m.quadríceps femoral em relação aos
componentes laterais. Portanto, nesse movimento de extensão
da perna na posição sentada, não ocorreu distinção da ativação
muscular como no movimento de agachamento.
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Figura 8. Comportamento de cada músculo (I = VL, 2 = RF, 3 = VM e 4 =
VMO) em função do tempo (8.1) e do ângulo (8.2) de início de ativação muscular para cada uma das três freqüências de movimento: a (máxima), b (média)
e c (mínima), para a contração concêntrica.
Na Fig. 8.1, percebemos que na freqüência A (a mais alta), a ativação muscular, em três dos quatro músculos analisados, ocorreu antes do movimento ter sido iniciado -o que não
aconteceu no outro movimento. Esse fato é facilmente compreendido devido ao tipo de movimento, que executa uma elevação desse segmento corporal, a perna, contra a ação da
gravidade- diferenciando-se marcadamente do movimento de
agachamento por flexão das pernas, em que a ação do m.quadríceps femoral cumpre um papel frenador do movimento.
Sobre a diferença de ativação muscular segundo a freqüência do movimento, não obstante as similaridades de comportamento do outro movimento analisado, no qual freqüências
mais altas têm menor distinção da ativação dos ventres musculares, também se pode notar outra diferença. A Fig. 8.2 mostra
o ângulo de ativação muscular segundo a freqüência. Percebese que na freqüência A, independentemente do ventre muscular, ocorre ativação próximo dos 90 graus, nas freqüências mais
baixas (B e C) os músculos são ativados em ângulos intermedi-
ários, demonstrando ativação dos mesmos em uma fase posterior e com uma diferença menor da ativação entre o primeiro e
o último ventre.
Essa diferença de tempo de ativação muscular dos quatro
ventres musculares observada demonstra claramente como o
sistema nervoso pode controlar o movimento, interagindo com
as propriedades mecânicas impressas ao segmento corpóreo
em função do ritmo imposto aos sujeitos para manutenção da
velocidade. Por exemplo, para a velocidade mais baixa, grande
parte do movimento aconteceu sem ativação muscular, aproveitando a inércia adquirida, uma vez que partindo da máxima
flexão os indivíduos podem ter apresentado uma fase da extensão do joelho em que o movimento estivesse sendo realizado a
favor da força da gravidade, e assim os músculos entram em
atividade em média 544 ms após o início do movimento, podendo nesse caso a atividade neuromuscular ter apenas um papel complementar nesse movimento de natureza quasi
pendular.
Talvez o fator mais interessante dos resultados obtidos tenha sido a seqüência de ativação dos músculos, sendo o VML
o primeiro músculo a ser ativado, seguido pelo VMO, RF e VL,
respectivamente. Entretanto, ainda permanece a dúvida: Por
que motivo e por qual mecanismo regulador ocorre essa seqüência de ativação das porções do m.quadríceps femoral na
função movimento dependente?
Uma primeira hipótese levantada por nós para tentar entender essa diferença no tempo de ativação foi atribuir ao VMO
sua função já descrita na literatura de estabilização da patela.
Ou seja, supôs-se que em um movimento de natureza excêntrica como esse analisado ocorre uma carga elevada sobre a patela
e o VMO seria ativado primeiramente para impedir os deslocamentos excessivos que a pateta faria com uma carga elevada.
No entanto, os resultados aqui encontrados não revelam uma
ativação prévia do VMO em relação ao VML, embora ambos
os músculos tenham apresentado uma ativação prévia em relação aos demais.
Foi sugerido, então, que o fator determinante nessa ordem de ativação foi o ângulo de inserção dos músculos, como
descrito na Tabela 1. Observando esses dados, e sabendo que a
eficiência do movimento que um músculo realiza depende do
ângulo que suas fibras mantêm com o eixo longitudinal do segmento (varia segundo o cosseno), pode-se sugerir que os músculos VML e VMO agem sinergicamente com o RF para
produzir a ação frenadora desse músculo em relação ao moviTabela 1. Descrição dos ângulos de inserção dos componentes superficiais do
m.quadríccps femoral em relação ao eixo longitudinal do fêmur. Adaptado de
Karst & Jewett4 .
Músculo
Ângulo
VL
12-15 (lateralmente)
VML
15-18 (mcdialmentc)
VMO
40-55 (mcdialmentc)
Rev. Bras. Fisiot.
Araujo & Amadio
20
Tabela 2. Propriedades arquiteturais das porções componentes do m.quadríceps femoral (adaptado de Wickiewicz et a/. 14).
Obs: Os músculos VML e VMO são aqui apresentados em conjunto (VM).
Área de secção
transversal (cm 2)
Proporção CM/CF
5.0 ± 0.0
12.7 ± 1.9
0.209 ± .002
68.3 ± 4.8
3.3 ± 1.7
22.3 ± 8.7
0.208 ± .007
324 ± 14
65.7 ± 088
5.0 ± 0.0
30.6 ± 6.5
0.203 ± .007
335 ± 15
70.3 ± 3.3
5.0 ± 0.0
21.1 ± 4.3
0.210 ± .005
Comprimento da Ângulo de penação
fibra (mm)
(")
Massa muscular
(g)
Comprimento
muscular (mm)
RF (n= 3)
84.3 ± 14
316 ± 5.7
66.0 ± 1.5
VI (n = 3)
160 ±59
329 ± 15
VL (n = 3)
220 ±56
VM (n= 3)
175 ±41
Músculo
mento do joelho. Deve-se considerar, contudo, que essa apresentação se faz no plano frontal e que a disposição dos ventres
do m.quadríceps femoral em relação ao fêmur é oblíqua nos
três planos. Como o VML encontra-se sobre o côndilo mediai,
que é mais pronunciado que o côndilo lateral, pode haver nesse
movimento um estiramento maior do VML que o VL, o que poderia ser um fator ativador do VML previamente ao VL (que
tem aproximadamente o mesmo ângulo de inserção).
Pode-se sugerir também que o comprimento do músculo
possa ser outro fator determinante de sua ativação: os músculos
mais curtos podem ser estirados primeiro. Assim, o VML, que
apresenta um ângulo de inserção de 15 o a 18 o e que apresenta
origem distai no fêmur (lábio mediai da linha áspera), poderia
ser previamente estirado e, por isso, previamente ativado.
Observando dados da literatura4 sobre o comprimento muscular e das fibras musculares ou o ângulo de penação dos vários
componentes do m.quadríceps femoral, segundo a Tabela 2,
não se pode inferir outra hipótese, uma vez que não há diferenças significativas entre esses componentes.
As diferenças mais significativas que se pode encontrar
ao analisar os dados da Tabela 2 estão na massa muscular e na
área da secção transversal dos músculos - e em suas correlações com a capacidade destes de gerar força, já que ela é diretamente proporcional à área da seção transversal. Mas isso diz
respeito à força e não à ativação muscular, até porque a área da
seção transversal apresentada de cada um desses músculos, não
guarda relação com a seqüência de ativação muscular encontrada nos resultados do presente trabalho.
Todas essas hipóteses por nós levantadas a partir de dados da literatura permitem incrementar a discussão sobre o
controle do movimento humano, muito embora não estejamos
num estágio de desenvolvimento suficiente nessa área para
chegarmos a uma conclusão sólida sobre a relação controle
neuromuscular- propriedades biomecânicas do aparelho locomotor, determinantes do movimento.
Certamente a continuidade do desenvolvimento desses
métodos de análise do movimento e principalmente a interação
entre eles serão os fatores que permitirão melhor compreensão
do movimento humano.
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