d) Park Hotel São Clemente. Nova Friburgo - RJ, 1944. Arq. Lucio Costa
Projetado por Lucio Costa três anos depois da Residência Saavedra, o Park
Hotel é uma das mais importantes realizações da arquitetura brasileira do século XX.
Projeto cujo maior mérito foi ter conciliado, na feitura de uma obra moderna, tanto as
referências do passado, já características de sua produção, como elementos
artificiais e naturais, trabalhados dentro de uma técnica construtiva contemporânea.
Ilustração 92. Perspectiva do Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: SCHWARTZ (2002, p. 409).
Localizado inicialmente em um terreno de acentuado aclive e vegetação
densa, pertencente ao Parque São Clemente , trabalho do paisagista francês
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Glaziou na cidade ainda no século XIX, o pequeno hotel, encomenda do empresário
César Guinle, foi pensado como uma construção de caráter provisório, a fim de
abrigar os loteadores do mesmo parque (WISNIK, 2001, p.80) durante aqueles anos
da década de 1940.
Atualmente, uma via separa o hotel do parque propriamente dito. Este, por sua vez, é a sede do Country Clube
da cidade e está cercado por muros altos.
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Em função de suas sutilezas, tais como a tentativa de integração com a
natureza e a abundância de materiais rústicos utilizados dentro de uma obra com
nítida tendência racionalista, examinaremos essa obra sob um ponto de vista
relativamente diferente das demais leituras, pois, aqui, o pensamento sobre a
“tradição” revela-se acrescido de uma outra condição, também típica de nossa
arquitetura moderna: o relativo diálogo que ela pretende efetivar entre homem e
paisagem, ou mais, entre arquitetura e natureza .
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Ilustração 93. Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, p. 81).
No entanto, tal relação deseja apenas a integração. Não há tentativa muito
explícita de fusão entre as partes, sendo mantida a autonomia de ambas. A
arquitetura individualiza-se pela clareza de suas formas.
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Sobre o assunto, sugerimos a leitura dos trabalhos: CZAJKOWSKI (1993) e GUERRA (2002).
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Ilustração 94. Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: fotos do autor.
A inserção do edifício foi pensada tanto em termos construtivos como
estéticos. Espécie de posto de observação da mata, a obra nos passa a impressão
de “casa da árvore”, de caverna, de abrigo, reforçada tanto por sua locação no alto
do terreno como pelo aspecto rústico dos materiais naturais, presentes em maior
número do que os artificiais. A opção por troncos roliços e não de secção quadrada
na estrutura diminuem a proximidade com uma tradição construtiva mineira em favor
de uma melhor adaptação do prédio ao sítio. Retiradas da natureza local, tais peças
são trabalhadas como objetos estruturais modernos – pilares e vigamentos, sendo
seu travamento feito através de amarrações em metal.
O edifício é acessado pela fachada norte, no alto do terreno, através de uma
curva ascendente que o contorna a partir da parte mais baixa. Dois são os pontos de
entrada: um social, feito pela gerência, protegido por uma pequena coberta em
telhas cerâmicas de caimento inverso apoiada em pilares de madeira em “V” e um
de serviços, feito pela cozinha, também protegido por coberta em telhas, mas em
sentido convencional.
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Ilustração 95. Planta do pavimento inferior e superior do Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Legenda: 2. Gerência, 3.Varanda, 4. Recreação, 5. Estar, 6. Restaurante, 7. Refeitório de funcionários, 8.
Cozinha, 9. Aquecimento, 10. Rouparia, 11. Serviços, 12. Acesso de funcionários, 13. Sala de funcionários, 14.
Dormitório de funcionários, 15. Depósito, 16. Dormitório de hóspedes.
Fonte: WISNIK (2001, p. 85) (desenho corrigido por nós).
O pavimento térreo que se penetra por esses acessos é um típico exemplar
corbusieriano de planta livre, sendo a estrutura de troncos roliços aparente, tanto
nos pilares quanto nos vigamentos. A área social corresponde à forma do bloco
principal, um grande retângulo em pavilhão, metade fechada por planos de vidro e
metade aberta em varanda levemente solta do solo, em função da declividade do
terreno. Chamam a atenção na composição, os vários desníveis entre os espaços
(gerência, estar, restaurante) e o recorte no volume feito para o acesso da varanda a
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partir da fachada sul. Ainda nesse nível, toda a área de serviços é resolvida em um
bloco em L de apenas um pavimento, raramente fotografado pelas publicações.
O pavimento superior é acessado através de uma escada contida no volume
de pedra central que aparece na fachada norte. Uma circulação bem iluminada
resolve a chegada aos dez apartamentos, dois deles, os situados nos extremos do
volume, de maior dimensão. À frente dos quartos, uma varanda contínua.
Em Minas (...) ergue-se a construção sobre esteios de madeira, pelo
menos na parte da frente, ficando a posterior ao nível do terreno,
solução permitida pelos aclives naturais que não se corrigem. A
varanda interessa a quase toda a fachada, cuja composição se define
no ritmo de seus apoios verticais repetidos (VASCONCELLOS, 1997,
p. 356).
Ilustração 96. Corte do Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Legenda: 1. Circulação dos quartos, 2. Banheiro, 3. Dormitório de hóspedes, 4. Varanda dos
dormitórios, 5. Acesso social, 6. Gerência, 7. Varanda inferior.
Fonte: WISNIK (2001, p. 85) (legenda nossa)
Sobre as fachadas, as fotografias das publicações atentam, principalmente,
para os aspectos da variante sul, na qual as referências corbusierianas surgem mais
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nítidas. É nela que o avarandado superior domina, com sua repetição modular, a
composição; que o pilotis parcial se mostra, assim como os planos de vidro em
contraste com as paredes de pedra. No entanto, a fachada mais plasticamente rica é
a oposta, com múltiplos volumes, materiais ainda mais variados e diferentes
relações de altura, tanto nas partes que compõem o bloco principal, quanto na
relação desse com o bloco secundário que abriga os serviços.
Ilustração 97. Fachada Norte e detalhe da fachada Sul. Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, pp. 82-3).
Ilustração 98. Detalhe da fachada Norte e fachada Oeste (bloco em L). Park Hotel 1944. Lucio Costa.
Fonte: fotos do autor.
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Do vocabulário modernista, a edificação exibe a disposição racional da
estrutura, assim como a técnica de montagem que a possibilita, a planta livre e
ampla, a volumetria simples do bloco principal, a horizontalidade acentuada, o pilotis
parcial apresentado na varanda inferior e o uso de elementos como brises e amplos
fechamentos em vidro.
Ilustração 99. Interiores do salão principal do Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, p. 84).
O vocabulário antigo, por outro lado, surge mais presente em alguns
elementos de fechamento (como os ripados), nas treliças das varandas, no uso
extensivo da pedra e nas vergas marcadas contra ela, na cobertura em telhas
cerâmicas, nas esquadrias superiores da fachada norte , na balaustrada da escada
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principal, nas luminárias do estar e, principalmente, no bloco secundário dos
serviços, de pouca altura, na forma que Sylvio de Vasconcellos citou como
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tradicional das edificações mineiras: “para os fundos, aparece o puxado em L, e aí
Notar a semelhança delas com as esquadrias superiores da fachada sul da Colônia de Férias do IRB, lida
anteriormente.
Ambas funcionam como clarabóias de iluminação dos banheiros.
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Sylvio de Vasconcellos foi uma das personagens mais importantes para a difusão da arquitetura moderna em
Minas Gerais. Assim como Lucio Costa e Paulo Santos, foi estudioso do passado arquitetônico nacional, sendo o
primeiro chefe da regional do SPHAN localizada no estado. Sua posição teórica é bastante próxima da de Lucio,
defendendo a mesma tese de correspondência entre a arquitetura nova e a colonial brasileira.
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se instalam os serviços, notadamente a cozinha, amplamente para servir às
refeições da escravaria e, mesmo, dos senhores rurais” (ibidem).
Ilustração 100. Interiores: Dormitório de hóspedes (foto maior), circulação (dir. acima) e varanda (dir. abaixo) dos
dormitórios. Park Hotel. Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, p. 85) e fotos do autor (dir.).
Ilustração 101. Interiores: circulação dos quartos nas proximidades da escada e detalhe da gerência. Park Hotel.
Nova Friburgo-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, p.85) e foto do autor (dir.).
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Ilustração 102. Residência Errazuris, 1930. Le Corbusier.
Fonte: BOESINGER (1994, p. 68) e HECK (2005, p. 48).
Como precedentes dessa obra, selecionamos três projetos de Le Corbusier e
um de Oscar Niemeyer. O primeiro do arquiteto franco-suíço é a Residência
Errazuris, realizada no Chile em 1930 a partir de materiais existentes no local. Dela,
Lucio Costa pôde ter tirado partido, principalmente, da estrutura em troncos roliços
que caracteriza a perspectiva interna. Em 1935, na Residência de Le Mathes, foi a
alvenaria em pedra o traço característico da fachada principal, não faltando,
inclusive, a mesma estrutura de madeira e a varanda única. Em ambas Le Corbusier
utilizou coberta de telhas cerâmicas.
Ilustração 103. Res. M. Passos, 1939. Oscar Niemeyer; e Res. em Le Mathes, 1935. Le Corbusier.
Fonte: HECK (2005, pp. 126 e 47).
Pensada para ser integrada à natureza do sítio onde seria executada, a
Residência M. Passos (1939), de Niemeyer, repetiu parte do procedimento
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corbuseriano, usando duas grandes empenas de pedra que encerravam uma
varanda contínua na fachada principal, subdividida em partes correspondentes aos
quartos. Há certa similaridade, também, entre o Parque Hotel e a perspectiva
realizada por Le Corbusier em 1944 para as Unidades de habitação transitórias.
Ilustração 104. Unités d’habitacion transitoires, 1944. Le Corbusier.
Fonte: FONDATION LE CORBUSIER (2006).
E uma denúncia. O Park Hotel está fechado há, pelo menos, um ano, sendo
suas condições de manutenção insatisfatórias. A fachada norte é a mais danificada,
tendo a marquise de acesso social caído e alguns fechamentos sido substituídos.
Ilustração 105. O Park Hotel atualmente.
Fonte: fotos do autor.
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Os poucos projetos de arquitetura realizados por Lucio Costa após a década
de 1940 continuaram, em níveis diferentes, a busca por uma síntese entre
elementos tradicionais e arquitetura contemporânea. Desses exemplares, podemos
citar o projeto, também de 1944, feito para a Residência Paes Mendonça, em
Araruama-RJ; o Parque Guinle, projeto iniciado em 1948; a residência para Paulo
Candiota, no Rio de Janeiro, de 1946; além daquelas executadas já nas décadas de
1970-80: a casa do poeta Thiago de Mello, de 1978, e os dois exemplares da Rua
Caio Mário, no Rio de Janeiro, a de sua filha Helena, em 1980, e a outra para o
casal de artistas Edgard Duvivier e Olívia Byington, em 1988.
Ilustração 106. Residência Paes Mendonça. Araruama-RJ 1944. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, pp. 77-8).
Ilustração 107. Res. Helena Costa, Rio de Janeiro 1980 e Res. Edgar Duvivier, Rio de Janeiro 1988. Lucio Costa.
Fonte: WISNIK (2001, pp. 114 e 36).
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Desses projetos, o de maior importância é, sem sombra de dúvidas, o
conjunto de edifícios realizado para a Família Guinle no parque projetado pelo
paisagista francês Cochet, discípulo de Glaziou, em 1916. Composto de três
unidades, do total de seis imaginadas, os prédios Nova Cintra, Bristol e Caledônia
foram implantados “procurando manter a integridade do parque” (WISNIK, 2001, p.
87), o que, por sua vez, lhes garantiu orientação solar desfavorável em pelo menos
dois edifícios. O edifício Nova Cintra, único não exposto a tal fato, tem sua fachada
principal em vidro orientada para o lado externo do parque, e realiza, junto com suas
galerias comerciais do térreo, a devida transição com do conjunto com o bairro.
Ilustração 108. Perspectiva do conjunto com os seis edifícios propostos inicialmente.
Fonte: WISNIK (2001, p.87).
O problema da excessiva incidência solar foi convertido por Lucio em
verdadeiro argumento plástico da síntese entre tradição e modernidade por ele
propagada. Utilizando-se de elementos tradicionais como cobogós, treliças e brises
verticais, agora transformados por um processo de pré-fabricação, o arquiteto
realizou uma das mais belas tramas compositivas da arquitetura brasileira.
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Preenchendo a grelha corbusieriana com uma mistura de cores, texturas, cheios e
vazios aparentemente desordenada, a matéria internacional era traduzida em termos
locais. Não bastasse, a organização funcional da planta dos apartamentos também
buscava tal entrosamento, pois atualizava o velho esquema das casas antigas de ter
a varanda da frente, coletiva, e a dos fundos, de caráter mais íntimo e associada à
cozinha, como espaços centrais da sociabilidade da família.
Ilustração 109. Fachada principal do Edifício Caledônia; interior de um apartamento do Edifício Bristol e fachada
posterior do Edifício Nova Cintra. Parque Guinle, Rio de Janeiro 1948-54. Lucio Costa.
Fonte: BRUAND (2003, p. 135) e WISNIK (2001, p. 94) e COSTA (1995, p. 208).
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