Anais da
ISSN 0001-3838 CODEN: BOROAY
ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA
RUBENS MACIEL: O CENTENÁRIO DE UM ÍCONE
Acadêmico Carlos A. M. Gottschall
OS MÉDICOS E A LITERATURA: MÉDICOS ESCRITORES E ESCRITORES MÉDICOS
Mario Barreto Côrrea Lima • Lenita de Melo Lima • Luiz Eduardo Pires
COMO ACOMPANHAR E AVALIAR A ATIVIDADE INFLAMATÓRIA
NAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS
Heitor Siffert Pereira de Souza • Claudio Fiocchi
TUMOR ESTROMAL GASTROINTESTINAL (GIST): HISTÓRICO, ASPECTOS GERAIS
E CRITÉRIOS PROGNÓSTICOS
Rodrigo Panno Basílio de Oliveira • Vera Lucia Nunes Pannain
PANCREATITE AUTOIMUNE
José Galvão-Alves • Marta Carvalho Galvão
SUPORTE MECÂNICO CIRCULATÓRIO: ABORDAGEM CARIOCA PARA O MANUSEIO
DO CHOQUE CARDIOGÊNICO
Alexandre Siciliano Colafranceschi
MIGRAÇÃO TESTICULAR: ASPECTOS BÁSICOS E CLÍNICOS RELEVANTES
Luciano Alves Favorito • Francisco José Barcellos Sampaio
PARÂMETROS DE CONFIABILIDADE E ACURÁCIA DIAGNÓSTICA EM TELEPATOLOGIA:
ANÁLISE COMPARATIVA DE IMAGENS DIGITAIS COM VALOR DIAGNÓSTICO EM NEUROPATOLOGIA
Maurício Ribeiro Borges • Carlos Alberto Basílio de Oliveira
A HISTÓRIA DA CIRURGIA CRANIOFACIAL: UM PASSADO DE GUERRAS E HERÓIS
Ricardo Lopes da Cruz
A UTILIZAÇÃO DA CINTILOGRAFIA COM FUSÃO DE IMAGENS COM TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
É ÚTIL NA AVALIAÇÃO DE EMBOLIA PULMONAR: RELATO DE CASO
Bernardo Sanches Lopes Vianna • Mariana Ferreira Veras • Allan Vieira Barlete • Tatiane Vieira dos
Santos • Wiliam Kleyton de Mello Aguiar • Maria Fernanda Rezende • Talita Batalha Pires dos Santos
Alan Chambi • Wilter Ker • Nilton Lavatori Correa • André Volschan • Jader Cunha de Azevedo
Claudio Tinoco Mesquita • José Galvão Alves
INFECÇÃO POR MYCOBACTERIUM KANSASII ASSOCIADA À SÍNDROME DA RECONSTITUIÇÃO IMUNE EM
UM PACIENTE HIV+: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA
Diana Salma Rezende • Jorge Francisco da Cunha Pinto
Guilherme Almeida Rosa da Silva
Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo
Rogerio Neves Motta • Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Rodrigo Panno Basílio de Oliveira • Jose Augusto da Costa Nery
Fernando Raphael de Almeida Ferry
PROFESSOR ARTHUR FERNANDO CAMPOS DA PAZ FILHO:
CENTENÁRIO DE NASCIMENTO (1914-2014)
Haroldo Bezerra Cunha
VOL.
no 1 • 2015
ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA
Desde 1829
DIRETORIA 1013-1015
Presidente
Acadêmico Pietro Novellino
1o Vice-Presidente
Acadêmico Francisco José Barcellos Sampaio
2 Vice-Presidente
Acadêmico José Osmar Medina de Abreu Pestana
Secretário Geral
Acadêmico José Galvão Alves
1o Secretário
Acadêmico Omar Lupi da Rosa Santos
2 Secretário
Acadêmico Antonio Egidio Nardi
Tesoureiro
Acadêmico Adolpho Hoirisch
1o Tesoureiro
Acadêmico José Carlos do Valle
Orador
Acadêmico Mario Barreto Corrêa Lima
Diretor da Biblioteca
Acadêmico Manassés Claudino Fonteles
Diretor de Arquivos
Acadêmico Anna Lydia Pinho do Amaral
Diretor dos Museus
Acadêmico Carlos Alberto Basílio de Oliveira
o
o
Presidentes de Secções
Medicina
Acadêmico Carlos Antonio Mascia Gottschall
Cirurgia
Acadêmico Fernando Pires Vaz
Ciências Aplicadas à Medicina
Acadêmico João Pedro Marques Pereira
As matérias assinadas, bem como suas respectivas fotos e conteúdo científico, são de
responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a posição da editora.
Matéria publicada neste periódico é propriedade permanente da Academia Nacional
de Medicina e, para fins comerciais, não pode ser reproduzida por nenhum modo ou
meio, em parte ou totalmente, sem autorização prévia por escrito.
Distribuição exclusiva à classe médica
CIP – Brasil – Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
1
cont. ÍNDICE
CONSELHO EDITORIAL
ANAIS DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA
ISSN 0001-3838 CODEN BOROAY
Vol. 181 no 1 – 2015
Editor-chefe
Acadêmico José Galvão-Alves
Editores de Área
Acadêmico Carlos Antonio Mascia Gottschall
Acadêmico Fernando Pires Vaz
Acadêmico João Pedro Marques Pereira
Conselho Editorial
Acadêmico Ruy Garcia Marques
Acadêmico Orlando Marques Vieira
Acadêmico Carlos Alberto Mandarim de Lacerda
Acadêmico Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Acadêmico Sérgio Augusto Pereira Novis
Acadêmico Aderbal Sabra
A Comissão Editorial dos Anais da Academia Nacional de Medicina
não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos.
3
cont. ÍNDICE
PALAVRAS DO PRESIDENTE
Dentre os periódicos médicos publicados no Brasil destacam-se nossos Anais não só
por ser o mais antigo, mas também por trazer, ao longo do tempo, valiosa contribuição à
ciência e à arte de curar.
Ao assumir mais uma vez o cargo de Presidente da nossa querida Academia Nacional
de Medicina, eleito por meus pares, estabelecemos como uma das metas prioritárias a
reativação da publicação dos Anais da nossa instituição, sonho acalentado por todo o corpo
acadêmico, além de poder continuar a cumprir uma das mais sólidas tradições, orgulho
de todos nós.
Agradeço a todos que se empenharam e contribuíram para que a Academia Nacional
de Medicina continue a proporcionar ao fascinante mundo científico do cenário médico
a divulgação de conhecimentos emanados de expressões das mais altas da medicina do
nosso País, objetivando, sobretudo, o constante aprimoramento do ensino da medicina e a
melhoria permanente da saúde da nossa população.
Acadêmico Pietro Novellino
5
cont. ÍNDICE
6
cont. ÍNDICE
ÍNDICE
Rubens Maciel: O centenário de um ícone
9
Acadêmico Carlos A. M. Gottschall
Os médicos e a literatura: médicos escritores e escritores médicos
15
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
Como acompanhar e avaliar a atividade inflamatória nas doenças
inflamatórias intestinais
21
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
Tumor estromal gastrointestinal (GIST)
32
Histórico, aspectos gerais e critérios prognósticos
Rodrigo Panno Basílio de Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
Pancreatite autoimune
46
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
Suporte mecânico circulatório
53
Abordagem CARIOCA para o manuseio do choque cardiogênico
Alexandre Siciliano Colafranceschi
Migração testicular
60
Aspectos básicos e clínicos relevantes
Luciano Alves Favorito / Francisco José Barcellos Sampaio
Parâmetros de confiabilidade e acurácia diagnóstica em telepatologia
70
Análise comparativa de imagens digitais com valor diagnóstico
em neuropatologia
Maurício Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
7
cont. ÍNDICE
A história da cirurgia craniofacial
88
Um passado de guerras e heróis
Ricardo Lopes da Cruz, MD
A utilização da cintilografia com fusão de imagens com
tomografia computadorizada é útil na avaliação de embolia pulmonar
104
Relato de caso
Bernardo Sanches Lopes Vianna / Mariana Ferreira Veras / Allan Vieira Barlete /
Tatiane Vieira dos Santos / Wiliam Kleyton de Mello Aguiar / Maria Fernanda Rezende /
Talita Batalha Pires dos Santos / Alan Chambi / Wilter Ker / Nilton Lavatori Correa /
André Volschan / Jader Cunha de Azevedo / Claudio Tinoco Mesquita / José Galvão Alves
Infecção por Mycobacterium kansasii associada à
síndrome da reconstituição imune em um paciente HIV+
109
Relato de caso e revisão de literatura
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto / Guilherme Almeida Rosa da Silva
/ Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves Motta / Carlos Alberto Basílio
de Oliveira / Rodrigo Panno Basílio de Oliveira / Jose Augusto da Costa Nery / Fernando
Raphael de Almeida Ferry
Professor Arthur Fernando Campos da Paz Filho
118
Centenário de Nascimento (1914-2014)
Haroldo Bezerra Cunha
Regras de Publicação
8
119
RUBENS MACIEL: O CENTENÁRIO
DE UM ÍCONE
Acadêmico Carlos A.M. Gottschall*
“O mais sábio e o mais justo dos homens.” Esta frase de Platão para Sócrates representa o supremo elogio a alguém. Fosse a humanidade guiada por sabedoria e justiça,
viveríamos num paraíso e não neste caos de estultice e ganância. Porque sabedoria pressupõe inteligência e conhecimento, e justiça pressupõe honestidade e
coragem. Desde que ingressei na Faculdade de Medicina procuro seguir o exemplo
de Rubens Maciel.
Rubens Mario Garcia Maciel nasceu em 4 de agosto de 1913, em Santana do Livramento,
RS, fronteira com o Uruguai, fi lho de Érico Maciel e de Ida Garcia Maciel. Profundo admirador do pai, Rubens Maciel dele recebeu lições libertárias e de acolhimento ao direito.
Inimigo político de Borges de Medeiros e de Getúlio Vargas, os quais considerava herdeiros
do “banditismo floriano-castilhista”, o maragato Érico por duas vezes atravessou a rua e
exilou-se por períodos no Uruguai. Rubens aprendeu a ler com uma tia aos seis anos e logo
começou a absorver tudo que podia no “Thesouro da Juventude”, uma enciclopédia de 18
volumes. Devido às turbulências políticas vividas por seu pai, só ingressou numa escola
aos onze anos, surpreendendo os mestres pelo cabedal de conhecimentos que possuía.
Impressionou-o por toda a vida o tino pedagógico de seu professor pré-ginasial Pedro de
Alcântara Comas. Em sua escola, “seu Pedro” mantinha métodos próprios: a seleção
era individualizada por entrevista e o aluno já entrava sabendo em que turma estudaria.
Conforme o aproveitamento, poderia ser promovido para o nível imediatamente superior
naquela disciplina e acompanhar matérias em turmas diferentes. Depois, na sua fulgurante
vida de professor e educador, Rubens Maciel – talvez o mais importante educador médico
do Brasil no século XX –, teve a grandeza de aproveitar a lição de um mestre-escola do
interior e propor, nas suas mais altas elocubrações, esquema semelhante de flexibilização
para o ensino superior.
Palestra
proferida na
Academia
Nacional de
Medicina em
1o de agosto
de 2013
*
9
Carlos A.M. Gottschall
Ingressando na Faculdade de Medicina
de Porto Alegre em 1932, começa tornar-se
lendária sua capacidade intelectual, líder
estudantil desbravador e orador insubstituível. Rubens Maciel também falava um
espanhol perfeito, fruto de sua vivência na
fronteira com o Uruguai e nesse país, e era
fluente em francês e inglês. Também deixou
depoimentos escritos do tempo de estudante
que servem hoje como fontes de estudo
histórico. Um deles, “Nós, os adultos que
já estávamos lá”, recria o ambiente universitário dos centros acadêmicos da primeira
metade do século XX e mostra como as
reivindicações dos estudantes enxergavam
mais longe que a engessada mentalidade
universitária oficial da época.
Uma de suas produções intelectuais
mais brilhantes, e um marco antológico na
oratória do Rio Grande do Sul, é a oração
fúnebre proferida para Sarmento Leite,
diretor da Faculdade de Medicina de Porto
Alegre, em 1935, quando quartanista de
medicina. Por essa época também foi escalado para saudar das escadarias da Faculdade
o grande médico e humanista espanhol que
visitava Porto Alegre, Gregório Marañon.
Em dezembro de 1937, Rubens Maciel
diplomou-se como primeiro aluno da turma.
Sempre teve o objetivo secundário de fazer
clientela e o principal de atingir a Cátedra,
o que conseguiu com apenas 33 anos.
Em 1936, estando Odette Schuller a
trabalhar em elegante loja de Porto Alegre,
avistaram-se. Amor à primeira vista, mas
tiveram que esperar oito anos para casar.
Dona Odette Schuller Maciel, suave e gentil,
uma perfeita dama, foi sua companheira de
todas as horas por 52 anos. Tiveram quatro
filhos: Paulo, Susana, Claudio e Olavo, cujos
interesses sempre colocou em primeiro
lugar. Inafortunadamente, depois de 52 anos
de vida em comum, Dona Odette faleceu.
Como médico, percebe e ensina que a
saúde não é meramente um problema da
10
pessoa doente, mas que interfere na harmonia
social: “Sem saúde não há trabalho, mas
também não se gera a riqueza que é necessária para assegurar o atendimento de saúde.
Sem educação é difícil manter a saúde,
sem saúde é difícil manter o aprendizado:
são variáveis que se inter-relacionam e que
têm de ser equacionadas em seu conjunto.”
Antecipa com essas palavras a ideia de
atendimento universal à saúde populacional
por parte do governo e a constituição de
equipes de saúde comunitária, hoje vigente
na primeira linha de atendimento à saúde.
Em junho de 1946, Rubens Maciel figura
como um dos fundadores do Instituto SulRiograndense de História da Medicina,
entidade destinada ao estudo da historiografia médica universal e, particularmente,
sul-riograndense, fi liada ao Instituto Brasileiro de História da Medicina, recentemente instalado na capital da República.
Como c ont i nu id ade h istór ic a a e sse
Instituto, em 2009 foi fundada a Associação Gaúcha de História da Medicina.
Esta associação já publicou livros, realizou
congressos e instituiu o Prêmio Professor
Rubens Maciel para trabalhos sobre História
da Medicina, que é outorgado anualmente.
Por essa época o método propedêutico
complementar que mais o fascina é a Eletrocardiografi a, novidade por aqui. Aperfeiçoa-se em São Paulo. Note-se que sua tese
de Cátedra versa sobre esse assunto. Ligando
teoria e prática, torna-se um dos pioneiros
da eletrocardiografia no Rio Grande do Sul.
Em 1943, está Rubens Maciel entre os 112
pioneiros que a fundam a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Nesta sociedade,
brilhou em congressos, ocupou vários cargos
de diretoria e atribuições especiais, tendo
sido Presidente e redator do livro histórico
da SBC, entre outras. Em 1997, convênio
entre a SBC e a CAPES passa a denominar-se
Fundo de Bolsas de Estudos SBC-CAPES
Professor Rubens Mario Garcia Maciel,
em reconhecimento aos inúmeros serviços
Carlos A.M. Gottschall
prestados ao longo de vários anos às duas
instituições. Tornou-se fellow do American
College of Cardiology. Em 1948, fundou a
Sociedade de Cardiologia do Estado do RS e
foi seu primeiro presidente.
A vocação inata para professor desenvolve-lhe o interesse pela Pedagogia. Em 1939,
dois anos após a formatura, numa visita a
Buenos Aires, é convidado para palestrar.
Surpreso, sem outro assunto pronto, propõe
“Princípios Fundamentais de Pedagogia
Médica”. Brilhante, imediatamente passa
a ser reconhecido como expert no assunto.
No vestibular de 1949, examinando Física
oralmente, impressiona-se com a lucidez
de um jovem a exibir extrema facilidade
de expressão, conhecimento e coerência
de ideias. A empatia é recíproca. Três anos
depois esse mesmo aluno vem pedir-lhe
estágio na sua enfermaria. Imediatamente
responde: “Dr. Rigatto, nós estávamos lhe
esperando”. Ideia pioneira, muito advoga
pelo “tempo geográfico integral”, ou seja
a permanência do médico pelo maior
tempo possível em um só lugar de atuação,
evitando desgastes, modelo mais aplicável
a professores universitários que poderiam
fazer de seu local de ensino também sua
sede de atendimento clínico profissional.
Esta ideia teve aplicação prática no nosso
meio quando, seus discípulos, Mario Rigatto
tornou-se o primeiro docente em tempo
integral na UFRGS, e Rubem Rodrigues
a implantou no Instituto de Cardiologia
que criara. Como didata, vê não apenas a
importância das figuras do acadêmico ou
do pesquisador, que publicam em inglês no
e para o exterior, mas também a importância
do médico assistencial, tão preterido por
alguns nos dias de hoje. Primordialmente,
foi professor e educador. Seus maiores objetivos foram formar pessoas e colocá-las no
lugar certo, o que sempre demonstrou saber,
como ninguém. Em 1988 recebeu o título de
Professor Emérito da UFRGS, entre outras
distinções acadêmicas.
Entretanto, seu grande palco de ensino
foi a inesquecível Enfermaria 29 da Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre, sede
da Cátedra de Clínica Propedêutica Médica,
que criou e dirigiu por 35 anos, desde 1948.
Essa fase evoca uma das mais importantes
etapas da história médica do nosso estado
e do nosso país. Nessa época, a Enfermaria 29 começa a constituir-se num local
de exceção que inicia uma sistemática de
ensino teórico e prático revolucionária.
Além das aulas de semiologia e de semiotécnica para os terceiranistas, da visita regular
aos leitos da enfermaria, das conversas
com alunos e assistentes, protagonizava
memoráveis sessões clínicas em que se
discutiam casos elucidativos, envolvendo
os estudantes, doutorandos, assistentes e
os mais graduados, num fluxo ascendente
até o professor catedrático, cuja linguagem
exata, raciocínio lógico, análise precisa
de alternativas e possibilidades forma um
exercício que ensina por acerto, erros e
correções. Tendo sido inovação na época, o
resultado positivo consagra esse método de
aprendizado ainda hoje. A Enfermaria 29
inaugurou na UFRGS um currículo médico
estruturado, uma didática coerente e avaliações confiáveis. Na Enfermaria 29, o respeito
às pessoas, às suas ideias e convicções era
absoluto. Não se cogitava de solicitar qualquer referência ideológica para integrar o
Serviço, somente honestidade, responsabilidade e ética. Porém, como poucas, estendeu
sua atuação além do puramente assistencial
para o didático e o criativo, sendo um dos
pilares da construção da moderna medicina
no nosso Estado, em especial da Cardiologia
e da Pneumologia. Foi lá que se criou um
dos primeiros programas de Residência
Médica da região e se implantou o primeiro
programa de ensino em regime de tempo
integral e dedicação exclusiva na área
clínica e foi instalado o primeiro Curso de
Pós-Graduação em Medicina-Pneumologia
do Brasil, em 1972. Entre os diversos pioneirismos médicos da 29 no estado e no país
11
Carlos A.M. Gottschall
ressaltam: angiocardiografia, vectocardiografia, função pulmonar e cateterismo
cardíaco e visitas de grandes personalidades
científicas do mundo. Numa projeção
temporal, são “fi lhos” da Enfermaria 29 o
Instituto de Cardiologia do RS, pela ação de
Rubem Rodrigues, os serviços de Radiologia
e Pneumologia do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre e o serviço de Hemodinâmica
e Cardiologia Intervencionista do IC/FUC,
respectivamente por meio de Darcy Ilha,
Mario Rigatto e Carlos Gottschall.
Para Rubens Maciel, o processo ensino-aprendizado é integrado e depende de
necessidades e potencialidades a serem
trabalhadas e melhoradas e vão da graduação
à pós-graduação, à educação continuada e
até à contribuição do ex-aluno. Considera
o melhor resultado de um ensinamento
não só aprender a fazer, porém também
entender o que está sendo feito e para quê.
Inúmeros conceitos seus sobre educação
médica estão em palestras, conferências,
cursos, escritos e assessorias que deixou.
Avesso a qualquer dogmatismo, insiste em
que o currículo médico deve submeter-se a
constante avaliação, dando ao aluno liberdade de desvincular-se do passo médio da
turma. Naquela época (1949) era novidade,
mas atualmente, cada vez mais, se confirma
a necessidade de oferecer distintas oportunidades de aprendizado e que o ensino
tradicional é apenas uma delas. Raciocinando que é impossível para alguém abarcar
toda a Medicina, a assistência ideal requerirá formar especialistas, sendo o próprio
generalista produto de uma especialização
singular. Daí a necessidade de a graduação
oferecer metas particularizadas em relação
aos interesses prioritários do estudante (na
época ainda não fora oficializada a Residência Médica), desde que obedecido um
currículo nuclear que estabelecesse matérias
obrigatórias. Sem dúvida uma posição avançada além do engessado ensino de extensas
superficialidades sem opção de escolha que
12
ocorria naquele tempo. Considerando que
sem professores não há ensino, preocupou-se
com política salarial inadequada, regime
de trabalho estressante, pouco incentivo
à pesquisa, mecanismo falho de seleção
de professores, instalações deficientes,
infraestrutura incompetente. Sem dúvida,
problemas gerados fora da Universidade, por
uma cultura social que desdenha ensino e
ciência. Insistia, como uma provocação, que
a única atividade meritocrática no Brasil
é o futebol, porque somente nessa área as
regras são fi xas, ganha mais e é reconhecido o melhor e os incompetentes ou são
rebaixzados ou demitidos. Afi rmava que se
a Universidade assim funcionasse, como nos
países desenvolvidos, o Brasil estaria apto a
asumir lideranças científicas.
Em 1952, Rubens Maciel é requisitado
pelo Presidente da República para dirigir o
Programa de Ensino Superior da CAPES,
destinado a promover qualificação e aperfeiçoamento dos docentes do ensino superior.
Em 1953, por esse meio, começam a ser
concedidas bolsas para formação no país,
de aperfeiçoamento no país e no exterior,
expandidas continuamente ao longo dos
anos. Além disso, por muito tempo foi
membro do Conselho Federal de Educação
(CFE). Sua atuação mais marcante no CFE
é representada pela influência exercida na
criação da pós-graduação sensu stricto
no Brasil, como um dos signatários do famoso
parecer Newton Sucupira que norteou
a criação dos cursos de pós-graduação,
Mestrado e Doutorado, em 1965. Examinando-se tal parecer, verifica-se tratar-se de um
documento desbravador. Hoje insere-se entre
os documentos mais importantes e frutíferos
da história da educação no Brasil. Passados
mais de cinquenta anos de seu enunciado,
praticamente não sofreu modificações, tal
a excelência dos resultados que produziu,
pois o contexto de pós-graduação que criou,
modificou e continua modificando positivamente o ensino e a pesquisa no Brasil.
Carlos A.M. Gottschall
O mais distinguido cientista e educador
médico saído da escola de Rubens Maciel,
Mario Rigatto, chefiou a organização do
primeiro curso de Mestrado em medicina
clínica no Brasil, o de Pneumologia da
UFRGS, de cuja montagem tive a honra de
participar e que teve a mim como o primeiro
Mestre diplomado nessa especialidade no
nosso país, em 1975. Por outra, após vasta
experiência na área de Residência Médica,
a Fundação Universitária de Cardiologia de
Porto alegre lançou, em 1988, seus cursos
de Mestrado e Doutorado em Medicina-Cardiologia, reconhecidos e aprovados pelo MEC
e pela CAPES. Mais uma vez, a partir de 1986,
tive o privilégio de trabalhar com o professor
Rubens e implementar esse programa.
Por uma década estivemos juntos participando na Comissão Coordenadora desse
curso, e continuei aprendendo com ele.
Todos sabemos que a pós-graduação é a maior
área de produção de trabalhos científicos no
nosso país e tem elevado significantemente
a inserção da ciência brasileira no cenário
internacional.
Em 1966, é designado pelo MEC para
presidir grupo de trabalho voltado a estudos
relacionados à refor ma u niversitá ria.
Protagonizou avanços indiscutíveis, muitos
pontos de vista – qualitativos e não meramente quantitativos –, defendidos no
Conselho Federal de Educação. A fi m de
enfrentar problemas médicos prevalentes,
em 1967 a Organização Pan-Americana da
Saúde (OPAS) decide criar uma Universidade
Pan-Americana da Saúde. Nessa senda, é
contratado pela OPAS para coordenar um
programa de saúde sob o nome de Universidade Pan-Americana da Saúde, que havia
planejado. Em vez de especializar profissionais já capacitados, imagina, ao lado
disso, fortalecer lideranças aptas a enfrentar
problemas locais. Ideia pioneira confirmada:
muitos anos depois, consubstancia-se hoje
a política de intercâmbios entre diversas
áreas e continentes nos programas de pósgraduação.
Posteriormente, na presença de seis
professores devia ser decidido entre subordinar o Hospital de Clínicas de Porto Alegre
à Faculdade de Medicina ou torná-lo autônomo. Mas aí surge o homem providencial
pensando no todo e não na parte e mostra
que a natureza, a dimensão e a qualidade
da administração de um hospital universitário exige autonomia, ainda que relativa,
não podendo ficar sob a modesta dimensão
administrativa de uma faculdade. Propõe e
consegue que seja aprovada uma lei determinando ser esse hospital administrado
como uma fundação pública de caráter
privado. Quatro décadas depois, em 2011, o
Ministério da Saúde o toma com exemplo e
um jornal de grande circulação noticia que
“O Hospital de Clínicas é exemplar porque
se trata de um órgão público gerido sob
uma lógica privada”: cobra produtividade
dos profissionais, demite os maus médicos
(ninguém tem estabilidade no emprego) e
se mantém afastado de pressões políticas,
como exemplo único entre os hospitais
públicos no Brasil.
A Academia Nacional de Medicina é a
entidade cultural mais antiga da América
Latina e o balizador máximo da medicina
brasileira, desde 1829. Em 1979, Rubens
Maciel é empossado como o seu Membro
Titular número 503, passando a ocupar a
Cadeira 41, cujo patrono é o também gaúcho
José Martins da Cruz Jobim. A Memória
que apresentou para concorrer à vaga versa
sobre o tema “A Hipertensão Arterial
Sistêmica como Problema Médico Social”,
expressão objetiva de um tema que o fascina
e o preocupa como cardiologista. Em 1991
foi paraninfo na posse de Mário Rigatto,
que sucedeu a Aloysio de Paula na mesma
Academia Nacional de Medicina, na Cadeira
no 15. Em 20/07/2006 tive a suprema honra
da minha vida médica, ao ser eleito para
ocupar, como membro titular, a Cadeira
13
Carlos A.M. Gottschall
n o 41, que pertenceu a Rubens Maciel.
Em 1991, figura como um dos fundadores da
Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
da qual foi elevado a Membro Honorário,
em 1992.
Aspecto importante da conduta que
cultua dirige-se para seu meio e sua terra,
conseguindo universalizar-se por meio de
coisas simples. Antes de citar feitos no
exterior ou para o exterior volta os olhos
para aquilo que, diante de si, necessita
atenção. Como verdadeiro humanista, sabe
que, para falar com a posteridade, tem de
primeiro falar com seus contemporâneos.
A ojeriza que Rubens Maciel manteve
contra totalitarismos e injustiças levou-o
nos idos de 1945 a incursionar pela política e lutar pela redemocratização do pais.
Assinou moção enviada ao Presidente Eurico
Dutra, em 1948, apelando para o reconhecimento do recém criado Estado de Israel.
Como cidadão, é edificante relembrar que
passou incólume por todas as ofertas irregulares de realização pessoal – bajulação, troca
de favores, satisfação de interesses pessoais
ou escusos –, aceitas como normais ou
inevitáveis por grande parte da consciência
nacional, e as combateu veementemente, por
meio de argumentos e ações. Acima de sua
época e de seu meio, sabia ser conservador
a favor do bom e contestador contra o mau.
Ensinou que toda liberdade pressupõe desigualdade, que só a escravidão uniformiza e
que democracia se faz enfrentando a prepotência e a opressão. Como verdadeiro libertário, jamais posicionou-se contra nenhuma
crença e mesmo sendo agnóstico (não ateu)
granjeou respeito de líderes religiosos, sendo
homenageado por várias entidades católicas.
Entre os poucos lazeres que se permitia
cultivava a paixão pelo xadrez. Um homem
cuja atividade principal sempre foi intelectual, universitária, nos momentos de lazer
continuava pensando para se distrair.
14
OS MÉDICOS E A LITERATURA:
MÉDICOS ESCRITORES E ESCRITORES MÉDICOS
Mario Barreto Côrrea Lima1
Lenita de Melo Lima2
Luiz Eduardo Pires3
Professor
Emérito da
Universidade
Federal do
Estado do Rio
de Janeiro
(UNIRIO),
Membro Titular
da Academia
Nacional de
Medicina
(Orador Oficial),
Fundador e
Editor-Chefe
dos Cadernos
Brasileiros de
Medicina.
1
RESUMO
A relação entre medicina e literatura é conhecida desde a Antiguidade, com São Lucas e
Ctésias de Cnido, perpetuando-se até os dias atuais, nos quais expandiu-se até filmes e séries
televisivas, como Patch Adams e Grey’s Anatomy, respectivamente. Pelo diálogo constante
promovido pelo exercício da medicina, a mesma coloca seus profissionais em contato íntimo
com o ser humano e suas mazelas, com tamanha intensidade e intimidade não encontradas
em outras atividades. Por demandar grande carga emocional e exigir praticamente todo o
tempo de quem a exerce, muitos médicos utilizam a literatura como um meio de evasão,
a fim de manter sua mente e sentimentos em equilíbrio. Todavia, entre os médicos que se
dedicam à literatura há uma diferença vigente, existindo os chamados médicos escritores,
que exercem as duas profissões, simultaneamente, seja por possuir as duas paixões, seja
por acreditar não ser possível sobreviver apenas da literatura, e os escritores médicos, que
utilizam seu conhecimento e vivência médica como subsídio para as obras por eles produzidas, vivendo como escritores. As descrições literárias de patologias podem, segundo a
chamada medicina narrativa, ajudar na humanização da medicina, aprofundando o conhecimento acerca da doença e do doente. Percebe-se, portanto, a estreita correspondência entre
medicina e literatura e a influência que uma exerce sobre a outra.
Palavras-chave: Médicos escritores, literatura e medicina, medicina narrativa.
ABSTRACT
The relation between medicine and literature is known since antiquity, with Saint Lucas
and Ctésias of Cnidus, perpetuating itself until the present days, when it has expanded
onto movies and television series such as Patch Adams and Grey’s Anatomy respectively.
Acadêmica
de Medicina da
Universidade
Federal
do Estado do
Rio de Janeiro
(UNIRIO).
2
Acadêmico
de Medicina
da Fundação
TécnicoEducacional
Souza Marques.
3
O presente
artigo é parte de
relatório enviado
à FAPERJ em
2014.
15
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de
Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
The constant dialogue promoted by the
exercise of Medicine has its professionals in
intimate contact with the human being and
all its affl ictions, with such intensity and
intimacy not found in any other activity.
Since it involves a great deal of emotional
discharge and requires, practically, all the
available time from the ones who exercise
it, many doctors use literature as an evasion
method, to keep their minds and feelings in
balance. However, in between doctors who
dedicate themselves to literature there is
a current difference; there are doctors who
are writers and exercise both professions
simultaneously, be it because they possess
two passions or be it due to believing that it
is not possible to survive solely on literature,
and there are writers who are doctors.
The last, uses their knowledge and experience
to portray the medical environment in their
literary works, living as writers. Literary
descriptions of pathologies can, according
to the so-called narrative medicine, help in
the humanization of medicine, widening
the understanding of the ill and the illness.
Therefore, the narrow correspondence
between medicine and literature and
the infl uence one exerts on the other is
perceivable.
Key-words: Physician-writers, literature
and medcine, narrative medicine.
É bem reconhecida a ligação de grande
número de médicos com a literatura, desde
os tempos mais remotos até a atualidade.
Ctesias de Cnido e São Lucas na Antiguidade; Avicena, Maimônides, Copérnico e
Rabelais na Idade Média; Campion, Grévin
e Silesius na Idade Moderna; Goldsmith,
Joaquim Manoel de Macedo, Cronin e
Somerset Maugham na Idade Contemporânea; além de Guimarães Rosa, Pedro Nava,
Moacyr Scliar e Antonio Lobo Antunes na
atualidade, para citar apenas alguns, dentre
tantos e tantos outros.
Fernando Navarro em artigo1 analisa de
forma percuciente a questão, o que já havia
16
feito, ainda com mais detalhe, em ensaio
anterior 2,que indaga a guisa de subtítulo:
“Por qué demônios escriben tanto los
médicos?”
Para Scliar3, seria preciso estudar o que
ele chama de epidemiologia da literatura,
isto é, verificar a relação numérica, estatística, dentre os escritores que mantêm outra
profi ssão, seja por motivos de garantir a
subsistência, seja por outras razões quaisquer, entre os médicos e os demais profissionais. Tal poderia efetivamente demonstrar
ou não uma relação causal, embora fique
sempre alguma dúvida, porque não se sabe
ao certo o que leva alguém a escrever.
Particularmente no passado e, sobretudo, na Europa, houve tempo em que os
médicos eram pessoas cultas, interessadas
nas ciências e nas artes, que liam bastante
e eventualmente escreviam. Infelizmente,
hoje em dia, com as modificações determinadas pela explosão dos conhecimentos e da
tecnologia em particular, este caráter vem
sendo modificado, influindo negativamente
na relação médico paciente e nas características humanas da profissão.
Devemos tentar distinguir entre os
médicos escritores e os escritores médicos,
embora tal distinção seja artificial e implique
num reducionismo.
O primeiro grupo inclui aqueles que
dedicam a vida à medicina e que esporadicamente empregam o restante de seu
tempo em criações literárias, como é o
caso de Claude Bernard e de Ramon y
Cajal, ambos com grande obra científica
nos campos respectivos, mas com obras
literárias bem defi nidas.
O segundo diz respeito aos que abandonam depois de algum tempo de formados
a medicina, anos, em alguns casos, para se
dedicarem tão somente à literatura, como
são os casos notórios dos autores ingleses A.J.
Cronin e William Somerset Maugham.
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de
Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
Navarro4 não tem maior apreço por esta
divisão, argumentando com os exemplos
de Gregorio Marañon, célebre internista
e endocrinologista espanhol e de William
Carlos Williams, poeta e pediatra norteamericano, que mantiveram durante toda a
vida equilíbrio entre as atividades literárias
e médicas. Anton Tchekhov é outro notável
exemplo deste importante grupo.
Muitos outros estudaram medicina
du ra nte a lg u m tempo, sem chega r a
formar-se, como são os casos de Margareth
Mitchell, André Breton, Bertolt Brecht,
Henrik Ibsen, James Joyce, Louis Aragon e
Paul Celan e dedicaram à literatura a totalidade de suas vidas. Poderiam eles ser considerados escritores médicos? Sem dúvidas, a
divisão é no mínimo artificiosa.
Navarro cita ainda o exemplo de Freud,
que embora não tenha jamais escrito uma
novela sequer, confessa ter sido este o maior
desejo de sua vida, alegando ter-se tornado
cientista, um dos maiores do mundo, de
todos os tempos, por mero acidente.5
Vale a pena, pois, não valorizar excessivamente esta divisão artificial e tentar
estudar as obras em si e suas respectivas
implicações, isto é, pinçar aquelas que têm
efetivo valor literário e tentar verificar
porque foram escritas e que relações teriam
de per si com a notoriedade que adquiriram,
elas e seus respectivos autores ou ainda,
focalizar a pergunta inicial, porque os
médicos escrevem?
Em primeiro lugar, o próprio exercício
da medicina baseia-se, ou deveria basear-se,
num diálogo permanente. Toma corpo em
palavras, em conversas, a começar pelas
queixas do paciente passando pelas respostas
que os médicos a elas dão.
Até o registro da assim chamada história
clínica, que inclui não só o que o paciente
sente e transmite ao médico, quanto também
os achados que este encontra ao examiná-lo,
constituem uma descrição, só que feita
através de uma linguagem cifrada, sincopada,
asséptica, que em parte precisa sê-lo, em
função do pouco tempo disponível, mas que
compromete as características de narrativa,
que podem ser muito úteis e que são tão
valorizadas hoje nas mais variadas formas das
assim chamadas ciências humanas.
A atividade médica implica num diálogo
constante, na troca de impressões com os
pacientes, seus familiares, com os colegas
e com todos os participantes da equipe de
saúde, direta ou indiretamente, em pessoa,
ou até online.
A medicina lida com o nascimento, a
vida, a dor, a doença, a ansiedade, a sexualidade, a solidão, a loucura, a morte, assuntos
estes que estão presentes em todos os gêneros
literários, que os compõem, dando-lhes vida e
interesse, porque antes de tudo humanos.
Embora muitas atividades coloquem os
profissionais em contato próximo com os
indivíduos, nenhuma delas o faz, não apenas
na intensidade, quanto na intimidade que
ocorre com respeito à medicina. Nas questões
realmente importantes, vitais mesmo para
os indivíduos, de grande carga emocional, o
paciente despe-se do pudor, de qualquer tipo
de constrangimento e mostra-se ao médico
de alma aberta, desnuda, permitindo que este
surpreenda momentos que raramente estariam disponíveis a qualquer outro profissional.
Às vezes, por fração de segundos, o médico
pode surpreender palavras ou atitudes que
lhe dão conhecimento preciso do que está
acontecendo e que o paciente jamais daria a
conhecer a qualquer um, mesmo os que lhe
são mais íntimos e, talvez, principalmente
a estes.
Somerset Maugham disse em Summing
Up 6 , novela autobiográfica, uma frase
antológica: “I do not know a better training
for a writerthan to spend some years in the
medical profession.” Do mesmo teor é a
observação de Cronin7: “Almost all of my
novels are due to the fact that for eleven
years I practiced as a doctor.”
17
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de
Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
Outra razão citada por vários escritores,
como Marañon, Tchekhov, Williams e o
próprio Navarro8 é a necessidade de evasão
que, às vezes, é aguda, imperiosa, peremptória. Sendo a medicina profissão que ocupa
todo o tempo de quem a exerce, mas que
além de tudo determina grande sobrecarga
emocional, momentos há em que é preciso
uma válvula de escape, até para manter
a serenidade e o adequado desempenho
profissional.
A este respeito Tchekhov tem uma
observação lapidar, que é muito citada por
todos que se interessam por literatura e
medicina. Trata-se de uma resposta em carta
à sugestão de seu amigo e editor Suvórin.
Em vista do grande sucesso dos seus escritos,
do seu perene esforço e da precariedade de
sua saúde, este lhe sugere deixar de vez a
medicina e dedicar-se integralmente à literatura. Eis a sua resposta:
“Fico satisfeito quando me dou conta
de que tenho duas profi ssões, não uma.
A medicina é a minha esposa legal, a
l iteratu ra a mi n ha amante. Q uando
canso de uma, passo a noite com a outra.
Pode não ser uma situação habitual, mas
evita a monotonia; ademais nenhuma
delas sai perdendo com minha infidelidade.
Se não tivesse minha atividade médica,
dificilmente poderia consagrar à literatura
minha liberdade de espírito e meus pensamentos perdidos.” 9
Navarro cita Richard Selzer, também
distinguido cirurgião, que assim se expressa:
“Escrevo para domesticar meus terrores,
pra defender-me da enfermidade e da morte,
para dar nome à dor. Escrever é transformar toda minha impotência e desespero
como cirurgião em um ato afi rmativo de
criação.”10
Nesta linha de pensamento avulta o
fato de que muitos procuram a medicina em
função do interesse pelo ser humano, já que
18
é na profissão médica que se estabelece o
contato mais íntimo e estável com este, seus
sentimentos, sua maneira de ser, de expressar-se, de agir. Muitos são, pois, atraídos pelo
desejo, mesmo inconsciente de penetrar as
verdades mais profundas da vida.
Avulta, também, a questão da imagem
romântica do médico, explorada pela própria
literatura e que foi bem mais intensa e
característica no passado, por exemplo,
o sucesso de novelas como Arrowsmith,
Cidadela, Corpos e Almas, A História de
San Michele, no Século XIX11 e das séries
televisivas, mais recentemente, como,
Dr Kildare, ER ou Plantão Médico, Grey’s
Anatomy, Private Practice, Dr. House,
Saving Hope, Royal Pains, Hart of Dixie.12
Todas estas mostram o enorme interesse
das atividades médicas entre as populações, não só dos Estados Unidos, mas de
todo o mundo, particularmente do Brasil.
Tratam a atividade médica com respeito
e uma aura de romantismo. Exceção é o
Dr. House, que é a antítese do médico humanitário. Nefrologista, infectologista e internista de talento, é um grande diagnosticador,
mas do seu relacionamento com os pacientes
o mínimo que se pode dizer é que deixa por
completo a desejar, não servindo evidentemente de exemplo. Em nada contribui para
a imagem romântica do médico. A série que
leva seu nome fez sucesso e foi exibida nos
Estados Unidos de 2004 a 2012 e ainda hoje
é vista em nosso país.
Por outro lado, a afluência de jovens com
vocação literária para as escolas médicas, que
para muitos parece elevada, mas que precisa
ser medida, como salientou Scliar,13 para ser
corretamente avaliada, parece decorrer de
dois fatos especiais. Um é representado por
pressões familiares. Muitos pais pretendem
que os filhos sigam suas carreiras, por
vezes indo até a escolha da especialidade.
Há muitos exemplos de profissões que se
perpetuam numa determinada família até
mesmo por gerações; não só de médicos é
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de
Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
claro. Num segundo caso são determinantes
econômico-fi nanceiras. Há a necessidade
do exercício de uma profissão que permita
garantir a subsistência, inclusive para que o
indivíduo possa praticar a sua arte.
É notório o exemplo do pediatra e poeta
americano William Carlos Williams, que
declara que desde cedo pretendia ser poeta,
mas que julgava que não poderia sobreviver
apenas da poesia. Por isto escolheu ser de
princípio médico, o que, confessa, também
apreciou desde seu tempo de estudante de
medicina. Em realidade exerceu com raro
êxito a pediatria, por mais de 40 anos, tendo
atendido, segundo ele cerca de um milhão e
meio de crianças.14
Além da evasão literária, se podemos
dizer assim, por vezes o médico dedica-se
de forma altruística a servir às populações
mais pobres, desassistidas, em instituições
ou empreitadas, sem procurar remuneração,
nem mesmo reconhecimento. Médecins
sans frontières é um dos exemplos mais
notórios do gênero. Ou ainda se empenha
em manifestações artísticas elevadas como
a música e a pintura, por exemplo.15
Vale repetir aqui as palavras quase finais
de Navarro em seu artigo tantas vezes citado,
pelo seu enfoque feliz e quase completo do
tema, que registra o dito de Hilfi ker:
“No he encontrado definicíon más
concisa – gracias a la hermosísima metáfora
em que se apoya – de esta virtude sublimadora, liberadora, trascendental que posee
la actividad literária para los médicos, que
la siguiente frase com la que el médico
escritor David Hilfi ker intenta explicar su
doble dedicación: ‘Doctoring is my roots,
writing my wings.’
Y es así, con esta triple faceta de
descanso reparador, de catarsis y de elevación trascendental, como yo entendo la
evasión literária para el médico.”16
Assim, ficam bem patentes as ligações
entre a literatura e a medicina, que estão
de fato umbilicalmente ligadas, desde o
começo dos tempos, como observamos anteriormente17, estando, uma e outra, entre as
maiores produções do engenho humano.
De resto, a literatura contribui de
maneira notável para o melhor conhecimento do ser humano. Descrições literárias
de doenças, segundo Rita Charon, podem
ensinar aos médicos lições concretas e poderosas sobre as vidas de pessoas doentes.18
Desde há muito, recomenda-se que os
médicos leiam a boa literatura. Richard
Blackmore, recém chegado à Faculdade
de Medicina, pediu conselho a Thomas
Sydenham, seu professor, sobre leituras
adequadas a um futuro médico. Semvacilar,
esterespondeu: “Read Don Quixote, it is a
very good book, I read it still.” 19
Na luta a ser empreendida pela humanização da medicina, pela manutenção
de altos padrões éticos, de todo desejável,
particularmente no momento atual, avulta o
conhecimento e a prática das artes, das disciplinas ditas humanísticas, dentre as quais
a literatura tem um papel relevante. 20,21
As produções dos médicos escritores ou
dos escritores médicos, particularmente dos
mais proeminentes, têm nesta perspectiva
importância especial, cabendo aos médicos
e estudantes de medicina procurar com elas
familiarizarem-se.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Nava r ro FA. Méd icos escr itores y
escritores médicos. Ars Medica. Revista de
Humanidades 2004; 1: 31-44.
2. Navarro FA. Viaje alcorazón de uno
mismo. Porque demônios escriben tanto los
médicos? Madrid: Roche; 1999.
3. Scliar M. A paixão transformada: história
da medicina na literatura. São Paulo: Editora
Schwarcz; 2011.
4. Nava r ro FA. Méd icos escr itores y
escritores médicos. op. cit.
19
Mario Barreto Côrrea Lima / Lenita de
Melo Lima / Luiz Eduardo Pires
5. Id. Ibid.
6. Maugham WS. Summing Up. London:
Garden City Publishing Company; 1938.
7. Nava r ro FA . Méd ic os e scr itore s y
escritores médicos. op. cit.
8. Id. Ibid.
9. Scliar M. A paixão transformada: história
da medicina na literatura. op. cit.
10. Navar ro FA. Méd icos escritores y
escritores médicos. op. cit.
11. Id. Ibid.
12. Seriados médicos inesquecíveis: Médicos
e Hospitais – Parte 2 [Acesso em fevereiro de
2015]. Disponível em: http://www.tdseries.
com.br/2010/07/seriados-inesqueciveismedicos-e_11.html
13. Scliar M. A paixão transformada:
história da medicina na literatura. op. cit.
14. Navar ro FA. Méd icos escritores y
escritores médicos. op. cit.
15. Id. Ibid.
16. Id. Ibid.
17. Lima MBC. Literatura e Medicina.
CadBrasMed 2006; 27:6-7.
18. Charon R, et al. Literature and Medicine.
Annals of Internal Medicine 1995; 122(8):
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19. Callegari CE, et al. Miguel de Cervantes
Saavedra: Médico-escritor o escritor-médico.
Index Catalã 2007enero-febrero; 57.
20. Lima M BC, Lea l PCS. Disciplina
Literatura e Medicina. A pesquisa do
contexto médico em textos literários: uma
leitura transdiscursiva. Rio de Janeiro:
Grafittográfica Editora/FAPERJ; 2013.
21. Lima M BC, Netto N V e Pires LE.
A l iteratu ra no Ensi no Méd ico como
Contribuição à Humanização da Medicina.
CadBrasMed2014; 27(2):7-11.
20
COMO ACOMPANHAR E AVALIAR
A ATIVIDADE INFLAMATÓRIA NAS
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS
Heitor Siffert Pereira de Souza1, 2
Claudio Fiocchi 3, 4
INTRODUÇÃO
As duas principais formas de doença inflamatória intestinal (DII), a doença de Crohn (DC) e
a retocolite ulcerativa (RCU) são transtornos crônicos típicos para os quais não existe cura
no momento, sendo ambos caracterizados por um curso clínico imprevisível, e com desfecho
desconhecido. A história natural da DC e da RCU na população geral foi cuidadosamente
defi nida pelos estudos de coortes noruegueses IBSEN, desenvolvidos ao longo de dez anos1.
Quatro grupos distintos de pacientes com DII foram identificados: no primeiro e mais
comum dos grupos, os pacientes apresentam sintomas agudos durante alguns anos e depois
entram em uma fase mais quiescente, com surtos mais brandos de atividade clinica; no
segundo grupo mais comum, os pacientes experimentam períodos alternados de agudização
e de remissão completa; no terceiro grupo, os sintomas agudos continuam oscilando em
Serviço de
Gastroenterologia
& Laboratório
Multidisciplinar
de Pesquisa,
Departamento
de Clínica
Medica,
Faculdade de
Medicina
Universidade
Federal do Rio
de Janeiro
1
menos frequente, os pacientes têm sintomas relativamente leves por muitos anos antes de
Instituto D’Or
de Pesquisa e
Ensino (IDOR)
apresentar uma atividade clínica mais intensa e persistente. Existem também diferenças
3
altos e baixos, todavia sem alcançar a remissão completa; e fi nalmente, no quarto grupo, o
entre as formas de DII em relação à apresentação e ao seguimento no longo termo2-4.
No momento do diagnóstico inicial, 30% dos pacientes com DC têm ileíte, ileocolite ou
colite e a mesma percentagem já apresenta evidências de doença estenosante ou penetrante;
10% dos pacientes terão uma remissão clínica prolongada, enquanto que 30% desenvolverão
dependência de corticosteróides, e 20% deles serão hospitalizados a cada ano; dentro de um
período de 20 anos, metade dos pacientes exibirá algum algum tipo de complicação e necessitará de cirurgia com 10 anos do diagnóstico, com 40-50% de recorrência pós-operatória
depois de 10 anos3. Além disso, pacientes com DC frequentemente progredirão de uma
2
Departamento
de Patobiologia,
Instituto de
Pesquisa Lerner
Departamento de
Gastroenterologia
& Hepatologia,
Instituto de
Doenças
Digestivas
Cleveland Clinic
4
forma de apresentação puramente inflamatória para uma forma estenosante ou fistulizante5.
Na RCU, o curso de doença na população acometida parece, de maneira geral, ser menos
21
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
agressivo do que se acreditava previamente,
com uma taxa de colectomia menor do que
o registrado em centros de referência especializados em DII 2. Uma questão chave nas
DIIs consiste da noção bem estabelecida
de que, após a indução da remissão clínica
com medicação ou cirurgia, ou mesmo após
remissão espontânea, a infl amação retornará invariavelmente e, eventualmente, o
paciente apresentará novos surtos inflamatórios, com intensidade variável e com queixas
de sintomas repetidos, embora em níveis
diferentes. Atualmente não existem meios
consistentes para evitar a recidiva da atividade inflamatória, modificando a história
natural da DII. Portanto, um dos maiores
desafios do médico assistente é monitorar
cuidadosamente sinais e sintomas, e testes
ou exames que podem anunciar ou predizer
uma nova atividade inflamatória, e intervir
o mais precocemente possível, a fim de
prevenir uma recorrência mais grave.
COMO MONITORAR PACIENTES
COM DII
Existem várias abordagens que podem auxiliar o clínico no acompanhamento e monitoramento de pacientes com DII. Elas incluem
a avaliação clínica, métodos endoscópicos,
histologia, biomarcadores, métodos de
imagem, resposta a medicamentos, e níveis
de medicamentos no organismo. Além disso,
existem também marcadores genéticos, mas
o seu potencial para determinar a atividade
inflamatória ainda não está claro, não
sendo usados na prática clínica. O valor
relativo de cada uma dessas estratégias para
acompanhamento e para tentar predizer o
curso da doença será discutido abaixo com
maior detalhamento. Finalmente, todas as
abordagens acima mencionadas podem ser
usadas em combinação para melhorar o
monitoramento e a predição, mas nenhum
estudo analítico foi realizado até o momento
para examinar essa possibilidade6.
22
Preditores clínicos
Existem vários preditores clínicos que
informam o médico daquilo o que se
pode esperar durante o acompanhamento
de pacientes com DII. Trata-se de parâmetros clínicos estabelecidos que têm sido
documentados em um grande número de
estudos clínicos retrospectivos e prospectivos6. Na DC, a presença de doença extensa
do intestino delgado, ou do delgado e do
cólon, o acometimento do trato gastrointestinal superior, a doença estenosante ou
fi stulizante, e o acometimento perianal,
constituem todos preditores de gravidade
e incapacitação; a longa duração aumenta
o risco de cirurgia; o tabagismo é bastante
reconhecido como fator agravante, associado à gravidade, maiores complicações, e
maior probabilidade de cirurgia7. Na RCU a
taxa de complicações aumenta, bem como
a maior probabilidade de cirurgia, para
aqueles pacientes que manifestaram doença
quando jovens, do sexo feminino, não-fumantes, com acometimento mais extenso, e
aqueles com manifestações extra-intestinais.
Os parâmetros clínicos devem ser sempre
levados em consideração, mas precisam
ser complementados com evidências mais
objetivas da atividade inflamatória.
Endoscopia
A endoscopia é fundamental para o diagnóstico, acompanhamento e avaliação da
resposta terapêutica, mas deve ser usada
objetivamente e em situações especificas,
não sendo mandatória em pacientes em
remissão clínica estável8,9. Todas as modalidades de endoscopia podem ser necessárias,
na dependência do diagnóstico de DC ou
RCU, o subtipo, a extensão, a localização e
a duração da doença: esofagogastroduodenoscopia, colonoscopia ou ileocolonoscopia,
enteroscopia, exame endoscópico da bolsa
pós-proctocolectomia, e a cápsula endoscópica, no caso de acometimento de delgado
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
suspeito ou conhecido. As vantagens da
endoscopia são múltiplas, incluindo a capacidade de oferecer evidência visual direta da
inflamação tecidual, a coleta de fragmentos
de tecido para exame histológico, e para o
rastreamento de displasia e câncer. Existem
achados típicos que constituem fatores preditores confiáveis de determinados desfechos
clínicos. Por exemplo, a presença de úlceras
profundas constitui fator preditivo de risco
aumentado de complicações penetrantes,
e risco para colectomia10, enquanto lesões
precoces apos ressecção íleo-cólica indicam
de forma consistente um alto risco de recidiva clínica e cirúrgica11. Por outro lado, a
confirmação da cicatrização da mucosa seria
um indicador de melhor prognóstico e menor
probabilidade de cirurgia12.
Marcadores sorológicos
Um grande número de marcadores sorológicos têm sido relatados em associação
com as DIIs, mas a maioria deles possui
capacidade limitada para discriminar entre
as formas de DII, e muitos estão mais ligados
à DC do que à RCU. pANCA é encontrado
em uma proporção relativamente alta de
pacientes com RCU, mas não tem valor
preditivo. O mesmo é verdade para muitos
marcadores encontrados no soro de pacientes
com DC, incluindo ASCA, anticorpos antiglicanos (ALCA, ACCA, AMCA, anti-L e
anti-C), anti-OmpC, anti-I2, e anti-CBr1
(13-15). Por outro lado, quando muitos
desses anticorpos anti-microbianos estão
presentes e seus títulos são elevados, existe
um risco significativamente aumentado
de que o paciente com DC possa evoluir
com um curso complicado de doença16. A
proteína-C reativa (PCR) tem sido utilizada de longa data como um indicador da
atividade inflamatória, mais fidedigno para
a DC do que para a RCU, embora seja utilizada para ambas na prática clínica. Embora
inespecífico, um aumento da PCR tem boa
correlação com a atividade endoscópica e
sua elevação pode indicar recidiva clínica,
ao passo que sua queda geralmente anuncia
um melhor desfecho e possivelmente a
remissão 6. Marcadores biológicos adicionais para a atividade da doença vêm sendo
propostos, tais como perfis de aminoácidos
plasmáticos para o diagnóstico e avaliação
das DIIs17, e anticorpos séricos contra o fator
GMCSF (granulocyte macrophage colonystimulating factor) para identificar pacientes
com DII com risco de recidiva precoce18,
mas nenhum deles foi adotado na rotina da
prática clínica.
Marcadores fecais
Ao contrário dos marcadores sorológicos,
mensuráveis na circulação periférica e
supostamente capazes de refletir a existência de eventos inflamatórios distantes
do intestino, os marcadores fecais medem
produtos da inflamação produzidos localmente no segmento intestinal afetado19. Esta
é uma vantagem clara e, de fato, marcadores
fecais de inflamação são geralmente indicadores mais sensíveis da atividade de doença
do que PCR, velocidade de hemossedimentação, contagem de plaquetas, e cinética
do ferro, e eles vem sendo cada vez mais
utilizados em estudos clínicos e no cuidado
aos pacientes com DII 20. Os dois marcadores
fecais mais estudados têm sido a calprotectina e a lactoferrina, e são geralmente
comparáveis em sua capacidade de distinguir DII de transtornos funcionais, determinar a atividade de doença ou a remissão,
avaliar a cicatrização da mucosa, e predizer
a resposta ao tratamento ou recidiva 21.
A especificidade e a sensibilidade desses
testes em relação às DIIs também são
semel ha ntes, embora a ca lprotecti na
tenha a vantagem de ser mais estável nas
fezes eliminadas, facilitando a coleta e
conservação antes do teste. Entretanto,
com relação à capacidade de diferenciação
23
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
entre DII e outras condições inflamatórias do trato gastrointestinal, a maioria
dos estudos usando calprotectina revelou
que este marcador apresenta limitações.
A calprotectina também se eleva em infecções, tumores gastrointestinais, durante o
uso de anti-inflamatórios não-esteroidais
ou de bloqueadores de bomba de prótons,
além de outras condições gastrointestinais,
assim como em extremos de idade e na
obesidade21.
Um valor significativo para a mensuração de marcadores fecais nas DIIs está na
observação consistente de que calprotecina
e lactoferrina mostram uma correlação
positiva significativa com a atividade endoscópica , tornando-os excelentes marcadores
da inflamação tecidual 22. Por conta dessa
observação, os níveis da calprotectina
são uteis na pratica clínica para apoiar o
diagnóstico e para o acompanhamento dos
pacientes com DII, antes, durante e depois
do início do tratamento. Tanto na DC
quanto na RCU, os níveis de calprotectina
pré-tratamento são frequentemente elevados
e caem de forma significativa após o início
Tabela 1
Análise
comparativa
do valor da
endoscopia,
marcadores
sorológicos e
marcadores
fecais para o
diagnóstico,
manejo e
monitoramento
do curso de
pacientes com DII
24
do tratamento, acompanhando a resposta
terapêutica positiva 23. O oposto também
é válido, pois a elevação da calprotectina
em doença clinicamente quiescente pode
predizer a recidiva inflamatória 23, uma
observação prática recentemente confirmada por uma meta-análise de diversos
estudos prospectivos24.
Comparação da endoscopia com
marcadores sorológicos e marcadores
fecais
Além da avaliação clínica mandatória,
métodos endoscópicos, marcadores fecais e
sorológicos representam o grupo principal
de ferramentas usadas na rotina do manejo de
pacientes com DII. Todos possuem vantagens
e desvantagens em relação aos outros, e elas
são resumidas na Tabela 125. Se devem ser
utilizados individualmente ou em combinação, e quando seria o momento ótimo para
a realização de cada um dos testes indicados,
separadamente ou em conjunto, continua
sendo uma decisão difícil para o gastroenterologista responsável, que deverá pesar
Vantagens
Desvantagens
Endoscopia
• avaliação da inflamação e da
cicatrização da mucosa
• exame histológico
• padrão-ouro para o diagnóstico
•
•
•
•
Marcadores
sorológicos
(PCR)
• marcador objetivo de inflamação
e de atividade de doença
• boa correlação com atividade
endoscópica e histológica
• marcadores objetivos para o
seguimento da terapia
• barato, simples, e pouco invasivo
• baixa especificidade
• sensibilidade: 50-60% para RCU,
e 70-100% para DC
• não prediz desfecho
• não tem valores de cut-off claros
Marcadores
fecais
• alta especificidade para inflamação
intestinal
• independente de processos
extra-intestinais
• distingue doença orgânica de
funcional
• estável por até uma semana
• barato e de mensuração simples
(ELISA)
• nem sempre consistente em reproduzir
a inflamação endoscópica
• mensurações variáveis na mesma
amostra
• não tem valores de cut-off claros
• valores elevados em outras condições
inflamatórias que não as DII
caro
invasivo
consumo de tempo
tolerância ruim
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
agilidade, custo, segurança, e eficiência,
em cada caso. Outro ponto importante a ser
lembrado é que a acurácia de um marcador
contra a de outro pode variar de acordo
com o tipo de DII. Um estudo comparativo
recente demonstrou que, mesmo diante
da avaliação endoscópica mais sofisticada,
com acesso à cromoendoscopia e à imagem
intensificada por faixa específica de luz
(narrow band imaging-NBI), assim como
os padrões vasculares conseguidos com o
sistema NBI, não são melhores do que a
calprotectina na capacidade de predizer a
recidiva em pacientes com RCU, durante
acompanhamento de um ano26.
Métodos de imagem
Embora menos utilizados do que no passado,
antes do advento da endoscopia, os métodos
de imagem continuam representando ferramentas importantes na avaliação geral de
pacientes com DII, particularmente em
relação a localização da doença e os danos
estruturais. Além disso, os métodos de
imagem podem ainda ser utilizados no monitoramento de pacientes com DII e na resposta
ao tratamento. Diretrizes recentes do
consenso delineado pela Organização Européia de Crohn e Colite (ECCO), com a Sociedade Européia de Radiologia Gastrointestinal
Abdominal (ECCO-ESGAR), advogam que
os métodos de imagem são complementares
aos endoscópicos, e que uma variedade de
tecnologias podem ser efetivamente usadas,
desde ultrassonografia até tomografia computadorizada, ressonância magnética (RM), e
cintilografia27.
E x a me s c ont ra st ad o s ut i l i z a nd o
bário e exames radiológicos simples do
abdome podem ainda ter alguma utilidade.
O consenso da ECCO-ESGAR recomenda
cautela com a frequência e a intensidade
da exposição à radiação, e determina que
a indicação e o uso de todas as técnicas
radiológicas devem variar não somente
conforme a situação clínica, mas também
com a disponibilidade de instrumentos e do
know-how encontrado nos diferentes locais
e países.
Especificamente em relação ao acompanhamento, monitoramento terapêutico,
e avaliação prognóstica, as diretrizes da
ECCO-ESGAR concluíram que a ultrassonografia e a tomografia computadorizada são
bastante eficazes na avaliação da DC, e que a
ressonância magnética tem acurácia elevada
na resposta ao tratamento de pacientes
com DC. Em um estudo recente, pacientes
com DC foram avaliados prospectivamente
tanto através de colonoscopia, quanto de
ressonância magnética até o momento da
cirurgia, e a RM mostrou melhor valor preditivo em relação ao risco de cirurgia do que
a presença de lesões endoscópicas graves28.
Em conclusão, métodos de imagem em geral,
e a RM em particular, constituem valiosas
ferramentas e podem ser utilizados para
avaliar o estado inflamatório e a resposta
à terapia, com a única desvantagem potencial de que a informação obtida através da
imagem geralmente representa alteração
mais tardia quando comparada aos achados
endoscópicos27.
MONITORAMENTO DA RESPOSTA
MEDICAMENTOSA E EFEITOS
ADVERSOS
Um componente essencial na avaliação de
pacientes com DII submetidos a qualquer
tipo de tratamento, anti-inflamatório,
imunossupressor ou biológico, é poder ter
uma boa noção da resposta aos medicamentos escolhidos e atentar para possíveis
efeitos adversos. Uma resposta clínica
positiva à medicação quase invariavelmente
reflete uma melhora na intensidade da inflamação, e portanto essa resposta constituiria
um parâmetro indireto, contudo valioso do
estado em que se encontram os segmentos
afetados pela DII. No que diz respeito a
25
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
efeitos adversos, estes serão classificados
em quatro categorias: toxicidade, infecções, malignidades, e reações paradoxais.
Uma discussão mais aprofundada sobre os
efeitos adversos está fora do escopo desta
revisão e somente aspectos selecionados
dos efeitos mais comuns serão brevemente
mencionados aqui.
Monitoramento da terapia
imunossupressora
O uso de medicamentos imunossupressores
tais como a azatioprina ou a 6-mercaptopurina passou a fazer parte da rotina terapêutica, e o clínico precisa estar familiarizado
com os seus efeitos colaterais mais comuns,
que incluem hepatotoxicidade e leucopenia 29. O monitoramento das tiopurinas é
crítico pois sua efetividade é determinada
por vários fatores mas, acima de todos, pelo
grau da atividade enzimática da tiopurina
metil-transferase (TPMT), por sua vez,
determinada geneticamente, e variando de
baixa, a intermediaria, e elevada entre os
indivíduos. Embora a maioria dos pacientes
encontrem-se no nível alto de atividade da
TPMT, aqueles com níveis intermediários
ou baixos terão maior risco de toxicidade.
A mensuração concomitante do metabólito
inativo 6-metilmercaptopurina (6-MMP) e
da parte terapêutica ativa, o nucleotídeo
6 -t iog u a n i n a (6 -TG N), per m ite u m a
Tabela 2
Monitoramento
da terapia com
tiopurinas em DII
para otimizar a
resposta e evitar
a toxicidade
26
avaliação geral da resposta terapêutica
ou da falta de resposta, e oferece subsídios para a tomada de decisões a fi m de
otimizar a eficácia e minimizar a toxicidade (Tabela 2) 30.
Monitoramento da terapia biológica
Os chamados medicamentos biológicos,
primariamente os agentes anti-TNF como
o infl iximabe, o adalimumabe e o certolizumabe, atualmente um importante paradigma na terapia das DIIs, são as melhores
opções para os pacientes que não respondem
a outros medicamentos, e estratégias para
otimizar sua efetividade estão sendo constantemente pesquisadas e desenvolvidas31,32.
A resposta aos agentes anti-TNF tem sido
bastante estudada e os medicamentos
geralmente funcionam muito bem em
cerca da metade dos pacientes, mas existe
uma tendência à perda de eficácia ao longo
do tempo. Esta perda pode ser atribuída a
dois fatores principais, os níveis mínimos
circulantes e a presença de anticorpos contra
anti-TNF, mas também o índice de massa
do paciente, o nível de albumina sérica,
e os níveis de citocinas inflamatórias 33.
Anticorpos anti-TNF aparecerão na maioria
dos pacientes mas em níveis variados,
e me smo os m í n i mos n íveis sér ic os
também apresentarão variação considerável
dependendo do metabolismo do paciente
Níveis de metabolitos
Interpretação
Ação recomendada
Grupo 1
Não / 6-TGN muito baixo
Não / 6-MMP muito baixo
Medicação não tomada
Educação/orientação
Grupo 2
6-TGN baixo
6-MMP baixo
Medicação insuficiente
Otimização da dose
Grupo 3
6-TGN baixo
6-MMP alto
Produtor preferencial de
6-MMP (“shunter”)
Adicionar alopurinol e
reduzir dose da tiopurina
Grupo 4
6-TGN terapêutico
6-MMP baixo ou alto
Refratário à tiopurina
Modificar terapia
Grupo 5
6-TGN alto
6-MMP baixo
Overdose ou refratário à
tiopurina
Reduzir a dose ou modificar
a terapia
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
(biodisponibilidade e farmacocinética), e
a combinação desses fatores pode explicar
a razão de pacientes entrarem ou não em
remissão, apresentarem melhora endoscópica, e necessitarem de cirurgia ou não 34.
Se o monitoramento da medicação é superior
ao ajuste empírico da dose, e qual a estratégia
mais efetiva do ponto de vista de custo e beneficio, são importantes questões ainda sem
resposta, no momento35. Diversos algoritmos
têm sido propostos para responder qual a
melhor abordagem para a perda de resposta
aos agentes anti-TNF, principalmente baseados em estudos com o infliximabe, e o leitor
é referido a eles para obter informações mais
detalhadas33,36,37.
MANUTENÇÃO DA SAÚDE
Um aspecto menos reconhecido, mas nem
por isso menos importante, do monitoramento de pacientes com DC e RCU
durante o controle da atividade inflamatória
intestinal é a manutenção do estado geral
de saúde. A importância deriva do fato
de que todos os pacientes com DII devem
ser considerados como tendo um estado
de imunossupressão, tanto pela doença
em si, quanto pelo uso de medicamentos.
Por conta do risco potencial de imunodeficiência, pacientes com DII estão expostos a
um risco aumentado de infecções, câncer e
outras condições que podem comprometer
o estado geral de saúde e a qualidade de
vida 38. Os pacientes com DII devem ser
vacinados contra infecções virais e bacterianas comuns, mas vacinas de vírus vivos
são contraindicadas durante a terapêutica
imunossupressora ativa; rastreamento para
câncer colorretal, câncer cervical, e câncer
de pele não-melanoma deve ser promovido
regularmente; a existência de osteoporose
deve ser investigada, e a possibilidade
de transtornos do humor deve ser considerada (primariamente depressão); a cessação
do tabagismo deve ser fortemente considerada ou monitorada de perto, uma vez que
os efeitos adversos do tabaco são diretamente proporcionais ao número de cigarros
fumados. Esquemas para manutenção
da saúde devem ser enfatizados na visita
inicial e nas visitas subsequentes de acompanhamento, devendo ser implementados de
forma variável em pacientes sintomáticos,
assintomáticos e naqueles em período pósoperatório39.
Monitoramento na prática clínica
Todos os pontos discutidos até o momento,
advém de literatura produzida por experts
em DII que desenvolveram recomendações baseadas em resultados de estudos
formais realizados em populações de
pacientes acompa n hados em cent ros
de referência especializados, e não em populações baseadas em coortes. É amplamente
reconhecido que pacientes são tratados de
forma diferenciada em centros de referência,
pois neles os médicos são especialistas em
DII, ao contrário dos pacientes tratados
por médicos especializados em medicina
interna ou por gastroenterologistas gerais
(não especializados em DII). Portanto,
a abordagem para o monitoramento da
atividade inflamatória e o seguimento
de pacientes DC ou RCU não é a mesma,
e os critérios utilizados são distintos nos
dois cenários clínicos, como consequência
de custos, disponibilidade técnica, tempo,
e talvez profundidade de conhecimentos.
Em uma pesquisa nacional na Suíça com
gastroenterologistas o ponto mais importante da avaliação clínica em DII foi o julgamento do médico em relação à atividade
clínica (78%), muito mais do que a atividade
endoscópica (15%), ou os biomarcadores
(7%), e as decisões terapêuticas seguiram
o mesmo padrão relativo de importância40.
Quando da avaliação do uso de biomarcadores, a PCR e o hemograma com contagem
diferencial de células tiveram um nível de
confiança maior do que a calprotectina
fecal40. Esses resultados tornam evidente um
27
Heitor Siffert Pereira de Souza / Claudio Fiocchi
descompasso entre as recomendações ótimas
formais e o que realmente ocorre na prática
clínica durante o acompanhamento de
pacientes com DII. Outro exemplo está nas
baixas taxas de monitoramento da função
renal em pacientes utilizando aminossalicilatos, com risco de desenvolverem nefrite
intersticial. Em uma enquete nacional na
França, a maioria dos clínicos admitiu
nunca ter seguido tal recomendação41.
Torna-se óbvio, portanto, que o monitoramento da atividade inflamatória e
o seg u imento dos pacientes com DI I
ocorre geralmente em níveis sub-ótimos.
Este fato pode ser explicado por uma variedade de razões econômicas, práticas, logísticas, ou pessoais mas, em última análise,
é o paciente com DII que paga o preço de
um cuidado insuficiente, correndo um risco
elevado de um controle inadequado, e um
maior risco de recorrências e complicações
desnecessárias.
cado43, mas informações mais detalhadas
são frequentemente obtidas às custas
de análises ainda mais complexas, além de
maior custo e dispêndio de tempo. Até que
ferramentas mais simples, completas e
baratas para a avaliação da atividade inflamatória se tornem disponíveis, e passem a
fazer parte da prática clínica, as seguintes
diretrizes parecem sensíveis e efetivas:
•
Mantenha contato regularmente com
o paciente e não espere os sintomas
piorarem; em outras palavras, tenha
sempre em mente que o paciente poderá,
e frequentemente entrará em atividade
novamente.
•
Use marcadores fecais como uma forma
rápida e confiável de monitorar a inflamação intestinal; marcadores sorológicos também podem ser utilizados,
mas são menos fidedignos.
•
Diante da suspeita ou da evidência
objetiva de atividade inflamatória,
solicite um método endoscópico para
confi rmar a recorrência, a intensidade,
a localização, e a obtenção de amostra
de tecido.
•
Métodos de imagem devem ser utilizados somente se a endoscopia não for
possível, ou em situações especiais.
•
Monitore a resposta terapêutica e os
níveis dos medicamentos, tanto do ponto
de vista clínico, quanto laboratorial.
•
Possíveis efeitos adversos devem ser
sempre lembrados e, caso ocorram,
considere a gravidade e a relação riscobenefício.
CONCLUSÕES
A combinação da avaliação clínica com
endoscopia, métodos de imagem e biomarcadores séricos e/ou fecais constitui a principal ferramenta para o monitoramento da
atividade infl amatória em pacientes com
DII42 . Contudo, a estratégia nem sempre
é utilizada em condições ótimas para o
máximo benefício dos pacientes. Múltiplos
fatores incluindo o conhecimento e a experiência do médico, acesso e localização,
seguro de saúde, disponibilidade de equipamentos sofisticados, o know-how técnico, e
o comportamento do paciente, todos podem
influenciar na qualidade do monitoramento.
Além disso, nenhum dos testes utilizados
é simples e lógico o bastante para fornecer
informações precisas, de forma rápida e
barata. Novos testes estão sendo desenvolvidos como, por exemplo, o índice de
Lémann para avaliação do dano intestinal
em pacientes com DC, recentemente publi28
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Endereço para correspondência
Heitor Siffert Pereira de Souza
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco, 255
Rio de Janeiro, RJ – CEP 21941-913
Claudio Fiocchi
Cleveland Clinic
9500 Euclid Avenue
Cleveland, Ohio, 44195, Estados Unidos
31
TUMOR ESTROMAL
GASTROINTESTINAL (GIST)
HISTÓRICO, ASPECTOS GERAIS E
CRITÉRIOS PROGNÓSTICOS
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira1
Vera Lucia Nunes Pannain2
Professor
Adjunto
Doutor do
Departamento
de Patologia e
Apoio Clínico
da Escola de
Medicina e
Cirurgia –
Universidade
Federal do
Estado do Rio
de Janeiro
– UNIRIO.
Responsável
pela Disciplina
de Anatomia
Patológica
da Escola
de Medicina
e Cirurgia
(UNIRIO).
Chefe do
Laboratório
de Patologia
do Hospital
Universitário
Gaffrée e Guinle
(HUGG)
1
Professora
Titular do
Departamento
de Patologia da
Faculdade
de Medicina
da Universidade
Federal do Rio
de Janeiro –
UFRJ
2
32
HISTÓRICO
Nos últimos setenta anos, a história natural do tumor estromal gastrointestinal (GIST)
foi modificada de forma contundente. Em 1941, com a publicação de Golden & Stout, as
neoplasias mesenquimais do trato gastrointestinal (TGI) que se assemelhavam ao padrão
histológico de músculo liso foram diagnosticadas e subdivididas em: leiomiomas,
leiomiomas celulares, leiomioblastomas e/ou leiomiossarcomas. Esta forma de compreensão
das neoplasias mesenquimais do TGI perdurou até o início década de 70, quando houve
a utilização da microscopia eletrônica, que comprovou que nem todos aqueles tumores
apresentavam diferenciação muscular1.
Em 1980, com a introdução da imuno-histoquímica, houve uma segunda comprovação
que nem todos os tumores mesenquimais apresentavam diferenciação muscular, e poucos
mostravam diferenciação neural2, o que consequentemente fez surgir um grupo de neoplasias
que não tinham uma nomenclatura histopatológica adequada. Essa nomenclatura surgiu em
1983, quando Mazur & Clark introduziram o termo “tumor estromal” para as neoplasias
que não apresentavam nem diferenciação muscular, nem tampouco neural.
No fi nal da década de 80, com os avanços das técnicas de imuno-histoquímicas e das
investigações ultra-estruturais, passou-se a ter a oportunidade de reconhecer que o “tumor
estromal”, diferentemente do que se pensava podia expressar múltiplos imunofenótipos,
havendo tumores com verdadeira histogênese muscular, outros neurais, casos com dupla
diferenciação – muscular e neural – e, ainda, neoplasias estromais com histogenêse nula3.
Essas múltiplas diferenciações histogênicas permitiram a criação de um subgrupo, denominado tumores do nervo autonômico gastrointestinal (GANT)4. Atualmente, sabe-se que
o GANT representa variante do GIST5.
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
A década de 90 foi quase totalmente
dedicada à busca de um marcador imunohistoquímico específico capaz de identificar
essas neoplasias que expressavam múltiplas
diferenciações. O primeiro a ser testado foi
o CD34 (marcador hematopoético da célulatronco), que, de início, mostrou aplicação
na marcação dos tumores estromais e, ao
mesmo tempo, contribuía no diagnóstico
diferencial entre leiomiomas, neoplasias
estromais e schwannomas 6. Entretanto,
posteriormente, constatou-se que não mais
de 70% dos casos de tumor estromal eram
positivos para o CD34, além de marcar, em
algumas ocasiões, neoplasias musculares
e neurais7.
Com esta situação de incertezas diagnósticas houve o surgimento, na metade da
década 90, de duas linhas de pensamento:
a primeira denominava todos os tumores
mesenquimais como estromais, independentemente das diferenças imunofenotípicas
e/ou morfológicas. A segunda identificava
os tumores estromais pela exclusão dos
leiomiomas e schwannomas7.
Essas formas de entendimento dos
tumores estromais perduraram até 1998,
quando Hirota e cols.8 publicaram trabalho
onde demostraram mutação do gene Kit
(cromossomo 4) que codifica um receptor
tirosina-quinase (RTK) chamado Kit presente
nas células intersticiais de Cajal (CIC), as
quais são responsáveis pelo controle da
peristalse em todo o TGI9. Posteriormente,
foi descoberto outro receptor tirosinaquinase denominado receptor alfa do fator
de crescimento plaquetário (PDGFRalfa)10.
O Kit e o PDGFRalfa são controlados pelos
éxons 9,11,13,177 e 12, 14 e 1810, respectivamente. Esses éxons codificam diferentes
segmentos dos receptores tirosina-quinases.
Com o advento da mutação, ocorre um
ganho de função destes RTK, fazendo com
que a cascata de sinalizadores, que controla
importantes funções celulares na tumorigênese, incluindo proliferação, adesão, apop-
tose e diferenciação fica permanentemente
ativada, levando num primeiro momento
a uma hiperplasia de CIC, prosseguindo
a formação de nódulos e consequentemente o desenvolvimento de tumores com
grandes dimensões, dessa forma esclarescendo o mecanismo de desenvolvimento
e crescimento do GIST11-13. Além disso, no
mesmo trabalho8 houve a descoberta de um
marcador imuno-histoquímico específico
para o GIST, denominado CD117, positivo
também nas CIC, o que corrobora esta célula
como aquela que dá origem ao GIST.
As várias contribuições de Hirota e
cols (1998) 8 promoveram mudanças no
entendimento da origem tumoral, do seu
mecanismo de ação, além de desenvolver
marcador imuno-histoquímico específico
para o GIST, o que permitiu significativo
referencial para as verdadeiras neoplasias
estromais gastrointestinais e consequentes
estudos quanto à topografi a, morfologia,
diagnóstico diferencial, padrões imunohistoquímicos, estudos genéticos e prognóstico em casuísticas comprovadamente
compostas por GIST.
ASPECTOS GERAIS
Os tumores estromais gastrointestinais
(GIST) são as neoplasias mesenquimais
mais comuns do tubo gastrointestinal14.
Sua incidência está estimada em 14 a 20
casos por milhão de habitantes15,16, sendo
mais frequentes em indivíduos masculinos
com mais de 50 anos de idade17. Originam-se
das células intersticiais de Cajal (CIC),
pluripotenciais, presentes em todo o TGI
responsáveis pelo controle da peristalse8.
A patogênese do GIST está ligada às
alterações mutacionais em dois receptores
tirosina-quinase: KIT e PDGFRalfa (receptor
alfa do fator de crescimento derivado de
plaqueta), presentes nas superfície das CIC,
sendo a primeira mais comum (85% dos
33
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
casos)18,19. Há, ainda, neoplasias onde não são
encontradas mutações nem no receptor KIT,
nem no receptor PDGFRalfa, denominadas
tipo selvagem 20,21.
os tumores em grupos relacionando-os a um
maior ou menor risco de recorrência tumoral
e/ou metástase à distância28,29. Entre as classificações citadas anteriormente, as duas
mais usadas são a de Fletcher7 e de Miettinen 24. A primeira, de 2002, foi elaborada
em uma reunião de especialistas em que
em analogia com outros tumores de partes
de moles estabeleceram dois fatores como
parâmetros prognósticos. O primeiro é o
fator macroscópico (tamanho tumoral) e,
o segundo, o microscópico (índice mitótico),
o que resulta num sistema de classificação
que dividia os tumores estromais em diferentes graus de risco (tabela 1).
Os tumores estromais gastrointestinais
podem se desenvolver em qualquer local,
desde o esôfago até o reto. A sua localização
mais comum é o estômago (50% a 60%),
seguido do intestino delgado (20% a 30%),
cólon (10%), reto e esôfago (5%)22,23.
Ao exame macroscópico, as lesões
tumorais geralmente se apresentam da
seguinte forma: nodular, com comprometimento transmural, crescimento submucoso
e ulceração ou não da mucosa7. À luz da
microscopia, observam-se três categorias principais: a mais comum é a fusiforme (70%), seguida da epitelióide (20%)
e da mista, na qual ocorre combinação dos
padrões fusiforme e epitelióide7.
Diferentemente do primeiro sistema
prognóstico7, a classificação de Miettinen
e cols. (2006)24, foi baseada em um número
maior de casos (2500 casos), comprovados
por estudo tanto imuno-histoquímico,
quanto genético e, principalmente, com um
tempo prolongado de seguimento clínico dos
pacientes. Além dos critérios utilizados na
classificação de Fletcher7, um terceiro foi
adicionado na classificação de Miettinen
(tabela 2), a localização da neoplasia, o que
permitiu uma maior estratificação dos
grupos de risco.
O diagnóstico das neoplasias estromais
está baseado no estudo imuno-histoquímico
através do marcador CD117, o qual é expresso
na maioria das neoplasias14.
PROGNÓSTICO
Critérios Morfológicos
Entretanto, a classificação de Miettinen 24, ainda, deixa dúvidas, já que há
grupos tumorais com número de casos
insuficientes como os representados por
tumores de jejuno, íleo e reto com tamanho
O prognóstico das neoplasias estromais
continua sendo grande ponto de discussão.
Atualmente, existem cinco classificações
diferentes4,7,25,26,27, as quais visam estratificar
Tabela 1
Grau de risco
Fletcher
Grau de risco
Tamanho macroscópio
(cm)
Índice mitótico (50 CGA)
Baixíssimo
<2
<5
Baixo
2-5
<5
Intermediário
<5
5-10
6-10
<5
Alto
>5
> 10
qualquer tamanho
>5
qualquer índice
> 10
Adaptado de Fletcher et al., 2002
34
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
PARÂMETROS TUMORAIS
ÍNDICE
MITÓTICO
< 5 por
50CGA
> 5 por
50 CGA
RISCO DE PROGRESSÃO DA DOENÇA
TAMANHO
ESTÔMAGO
DUODENO
JEJUNO/
ÍLEO
RETO
< 2 cm
Nenhum
(0%)
Nenhum
(0%)
Nenhum
(0%)
Nenhum
(0%)
>2 a < 5 cm
Baixíssimo
(1.9%)
Baixo
(4.3%)
Baixo
(8.3%)
Baixo
(8.5%)
>5 a < 10cm
Baixo
(3.6%)
Moderado
(24%)
Dados
Insuficientes
Dados
Insuficientes
> 10 cm
Moderado
(10%)
Alto
(52%)
Alto
(34%)
Alto
(57%)
< 2 cm
Nenhum (0%)
Alto
(61%)
Dados
Insuficientes
Alto
(54%)
>2 a < 5 cm
Moderado
(16%)
Alto
(73%)
Alto
(50%)
Alto
(52%)
>5 a < 10cm
Alto
(55%)
Alto
(85%)
Dados
Insuficientes
Dados
Insuficientes
> 10 cm
Alto
(86%)
Alto
(90%)
Alto
(86%)
Alto
(71%)
Tabela 2
Grau de risco
Miettinen
Adaptado de Miettinen and Lasota – Semin Diagn Pathol 20062
entre 5 e 10 cm e índice mitótico maior ou
menor que cinco mitoses por cinquenta
campos de grande aumento (CGA), o que
torna difícil estabelecer uma predição
prognóstica desses grupos. E, ainda, outros
grupos já defi nidos apresentam uma taxa
de recorrência e/ou progressão tumoral
muito ampla de 24 a 73%, dependente
apenas da interpretação de uma figura de
mitose a mais ou a menos, o que deixa um
percentual ainda elevado de tumores com
prognóstico não esclarecido 30.
Critérios Imuno-histoquímicos
Além dos critérios morfológicos, diversos
marcadores imuno-histoquímicos (Ki67,
p53, EFGR, COX-2, PTEN, CD44, conexina-43 e WT-1) foram testados como
fatores prognósticos dos tumores estromais
gastrointestinais 31-35. Destaca-se o antígeno nuclear de proliferação celular (Ki67).
Em alguns trabalhos 36,37, o percentual de
marcação do Ki67 foi associado à redução
da sobrevida global. No estudo de Fujimoto
e cols. (2003)37, a percentagem maior de 10%
estava relacionada à queda da sobrevida.
Por outro lado, nos outros dois estudos 36,38
devido a mudança de metodologia, com
aumento total do campo de avaliação para
contagem das células marcadas, que passou
de 500 células para 1000 células, foi encontrada a percentagem de 5% associada ao pior
prognóstico.
Apesar de diversos sistemas de classificação e inúmeros fatores testados, o
prognóstico de uma parcela dos tumores
continua incerto. Há tumores considerados
de baixo risco associados ao desenvolvimento de metástases, e neoplasias de alto
risco com prognóstico favorável38,39,40, o que
corrobora a contínua pesquisa de critérios
prognósticos.
Nesse contexto, o estudo da angiogênese
no GIST, apesar de recente, tem mostrado
resultados contundentes41-45.
O termo “angiogênese” foi usado pela
primeira vez por John Hunter em 1787 para
descrever os vasos sanguíneos que cresciam no chifre da rena. Em 1971, Folkman
descreveu sua teoria de dormência tumoral,
35
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
relacionando o crescimento da neoplasia à
atividade angiogênica46. Em 1984, o primeiro
fator angiogênico (fator básico de crescimento de fibroblastos, bFGF) foi purificado
por Yuen Shing e Michael Klagsbrun na
Harvard Medical School47. Em 1989, um
dos mais importantes fatores angiogênicos,
fator de crescimento endotelial vascular
(VEGF), foi descoberto por Napoleone
Ferrara48. Também em 1989 há o relato do
primeiro sucesso de tratamento, utilizando
drogas inibidoras da angiogênese, em um
tumor benigno (hemangioma pulmonar)49.
Mais tarde, em 1997, foram publicados
estudos50,51 mostrando regressão completa
de tumores malignos após ciclos repetidos
de terapia antiangiogênica usando angiostatina e endostatina. Em 2006 foi lançado o
sunitinibe, um inibidor da quinase multitirosina para terapia do tumor estromal
gastrointestinal (GIST)52.
A angiogênese é defi nida como surgimento de novos vasos a partir de células
endoteliais de um vaso pré-existente, sendo
o processo desenvolvido de duas formas:
brotamento e intussuscepção53-55.
Na fase de brotamento, após formação
dos plexos vasculares primários, as células
endotel ia is for ma m novos capi la res.
A angiogênese por intussuscepção consiste
na inserção de colunas teciduais transcapilares, chamadas de pilares ou pontes, dentro
do lúmen vascular e o subsequente crescimento dessas colunas resultando na divisão
do vaso56,57. A neovascularização ocorre no
organismo tanto em condições fisiológicas,
quanto em situações patológicas, como na
infl amação crônica, reparo tecidual e no
desenvolvimento, crescimento e metástase
tumoral58-61.
Nas condições patológicas, ocorre um
excesso de fatores angiogênicos: fator de crescimento transformador beta (TGF-β), fator de
crescimento fibroblástico ácido (FGFa), fator
de crescimento fibroblástico básico (FGFb)
36
e fator de crescimento endotelial vascular
(VEGF) ou um defeito nas moléculas antiangiogênicas: trombospondina, angioestatina,
endostatina e interferon α-β62.
Todos os fatores descritos anteriormente
são expressos e produzidos em resposta
a fatores estimuladores ou inibidores63,64,
levando a um desequilíbrio e consequente
“ativação angiogênica”, que dará início à
formação de novos vasos63,64.
Os estímulos para a criação desses novos
vasos podem ser divididos em dois grupos.
O primeiro representado pela principal alteração do microambiente tumoral, durante
a expansão neoplásica, a hipóxia. O estado
de privação de oxigênio induz a ativação
do fator indutor de hipóxia 1, que promove a
adaptação para este microambiente, através
do aumento da atividade de alguns genes, que
codificam proteínas envolvidas em diversos
processos como: angiogênese (fator de crescimento endotelial vascular), eritropoiese
(eritropoietina) e glicólise 65. No segundo
grupo, as modificações genéticas como:
mutação do p53 e ativação de oncogenes66.
Tanto a hipóxia quanto as alterações genéticas estimulam as células tumorais a produzirem moléculas pró-angiogênicas, como
o fator de crescimento endotelial vascular
(VEGF), considerado o principal mediador
da angiogênese tumoral67 e, também o fator de
crescimento plaquetário68.
Há algum tempo sabe-se que formação
de neovasos é fundamental para a tumorigênese69-70. Durante este processo é formada
uma nova rede vascular capaz de fornecer
oxigênio e nutrientes necessários ao desenvolvimento neoplásico (Folkman, 1992).
O estudo da angiogênese tem levantado
nova s possibi l id ade s n a c ompre ssão
da biologia de diversos tipos tumorais epiteliais e mesenquimais62.
Numerosos estudos demonstraram a
correlação entre a intensa atividade angiogênica e o prognóstico da neoplasia, mani-
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
festada através do estudo da microdensidade
vascular com os anticorpos CD31 e CD105 e
também pela marcação imuno-histoquímica
do VEGF. Os tumores com microdensidade
vascular elevada e forte expressão do VEGF
foram associados à neoplasias com capacidade metastática, maior atividade proliferativa, tumores pouco diferenciados e maior
massa tumoral71,72,73.
Vários estudos74-78 têm demostrado a associação dos altos níveis de VEGF tecidual com
o pior prognóstico (agressividade tumoral,
baixa da sobrevida e desenvolvimento de
metástase) dos pacientes, em diferentes tipos
tumorais. No tumor estromal gastrointestinal, os estudos 42-45 realizados também
demostraram que a alta expressão de VEGF
está relacionada à redução da sobrevida em
tumores de alto risco, neoplasias com mais
de 5cm e também naquele grupo de pacientes
em que houve recorrência tumoral.
Além do VEGF, outra molécula em
destaque no processo da angiogênese tumoral
é a endoglina (CD105). Trata-se de uma
glicoproteína transmembrana presente
nas células endoteliais79. Consiste num
receptor acessório do fator de crescimento
transformador β (TGF-β) codificado pelo
cromossomo 980. A sua ativação necessita da
associação com o receptor beta transformador
tipo II (TGF βII)81,82. Após a fusão, ocorre
fosforilação e subsequente sinalização82 .
Esta sinalização pode ser pró-angiogênica ou
não, de acordo com a quinase, tipo activina
(ALK) ativada83. No caso da ALK5 ocorre
sinalização para o SMAD 2/3 e consequente
resposta quiescente. Em relação ao ALK1,
sinalização para o SMAD 1/5 e por conseguinte proliferação endotelial84. É expressa
somente em células endoteliais ativadas,
ou seja, em proliferação85. A hipóxia, evento
constante no microambiente tumoral, é uma
das poucas causas conhecidas que estimula a
produção da endoglina86. A endoglina, além
de promover angiogênese, também envia
sinais antiapoptóticos para células endoteliais hipóxicas87.
A importância do CD105 na angiogênese tumoral fica comprovada pelo
achado de altos níveis da glicoproteína no
endotélio dos vasos sanguíneos em tecidos
tumorais88,89.
Além disso, quando comparado a outros
marcadores pan-endoteliais (CD34 e CD31)
revelou característica propriedade de marcar
neovasos, ou seja, aqueles em estado de
proliferação. Por isso, o CD105 consiste
num marcador imuno-histoquimico mais
específico para a vasculatura tumoral 90.
Diversos estudos demostraram a importância do CD105, através da microdensidade
vascular intratumoral (MDVI), como fator
prognóstico correlacionado a sobrevida
global, sobrevida livre de doença, recorrência tumoral ou presença de metástase
em diferentes tipos tumorais91-96.
Outros marcadores imuno-histoquímicos têm sido utilizados (CD31, CD34 e
Fator VIII) na avaliação da atividade angiogênica tumoral97,98. Destes, o CD31, marcador
panendotelial, também vêm sendo empregado para a realização da microdensidade
vascular intratumoral (MDVI)99. Entretanto,
os resultados são conflitantes, quando
comparados ao prognóstico dos pacientes, já
que há trabalhos100-105, inclusive no GIST44,45,
que mostram associação, ao lado de outros
que não a demostram106-109.
Com todo o quadro exposto anteriormente, a determinação do prognóstico do
GIST torna-se imperativa, já que: 60% dos
tumores na sua apresentação evidenciam
tamanho maior que 5cm (relacionado a um
pior prognóstico)15,110-112, 50% dos pacientes
são considerados de alto risco140-142, e que 20
a 55% dos pacientes apresentarão recorrência
tumoral116,117. Associado a estes fatos, a possível
indicação ou não da terapia medicamentosa
com mesilato de imatinibe, que comprovadamente mostra resultados positivos118-120.
Atualmente, no Brasil, de acordo com
a PORTARIA Nº 494, DE 18 DE JUNHO
37
Rodrigo Panno Basilio-de-Oliveira / Vera Lucia Nunes Pannain
DE 2014121, os pacientes com: GIST irressecável, GIST metastático ou recidivado
após tratamento cirúrgico e GIST de alto
risco de recidiva pós-operatória, recebem do
Sistema Único de Saúde (SUS), o mesilato
de imatinibe. Em outros países122,123, diferentemente do que é praticado atualmente
no SUS, a medicação também é utlizada
em casos com riscos intermediário e alto
de recorrência/metástase123, o que abrange
um maior número de pacientes.
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Em nosso entendimento, a constituição
de um perfil da atividade angiogênica
associada ao grau de risco de Miettinen e,
também, ao índice de proliferação celular
(Ki67) faz com que se crie um conjunto de
informações visando uma melhor estratificação dos pacientes quanto ao risco de
metástase/recorrência e, consequentemente
um aprimoramento da indicação de terapia
medicamentosa, de acordo com o estabelecimento mais fidedigno dos grupos de risco
do tumor estromal gastrointestinal.
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45
PANCREATITE AUTOIMUNE
José Galvão-Alves1
Marta Carvalho Galvão2
Chefe da 18a
Enfermaria do
Hospital Geral
da Santa Casa
da Misericórdia
do Rio de Janeiro
– Serviço de
Clínica Médica.
Professor titular
de Clínica Médica
da Faculdade
de Medicina
da Fundação
TécnicoEducacional
Souza Marques.
Professor titular de
Pós-graduação em
Gastroenterologia
da Pontifícia
Universidade
Católica do
Rio de Janeiro.
Professor de
Clínica Médica
da UniFOA –
Universidade
da Fundação
Osvaldo Aranha
1
2
Professora
de Radiologia
da Fundação
TécnicoEducacional
Souza Marques
– FTESM.
Professora
mestre
responsável
do Curso de
Radiologia
da UniFOA –
Universidade
da Fundação
Osvaldo Aranha.
Radiologista do
Hospital Federal
da Lagoa, RJ
INTRODUÇÃO
Embora referida por Sarles e colaboradores1 em 1961, foi somente em 1995 que a doença
pancreática crônica de etiologia indeterminada, cujo componente fi broinfl amatório
é rico em células linfoplasmocitárias, foi denominada por Yoshida e colaboradores2,
pancreatite autoimune (PAI), adquirindo fi nalmente identidade própria e terminologia
mundialmente aceita.
Em 2006, Chari, da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Mayo Clinic 3, definiu
pancreatite autoimune como “doença fibroinflamatória sistêmica, que afeta não somente
o pâncreas, mas também outros órgãos, incluindo ductos biliares, glândulas salivares,
retroperitônio e nódulos linfáticos. Os órgãos afetados têm um infiltrado linfoplasmocitário
rico em células positivas para IgG4 e este processo inflamatório responde à corticoterapia”.
Pancreatite autoimune é uma doença infrequente, vista e descrita inicialmente no Japão
porém, sua incidência tem aumentado no mundo ocidental.
Estudos recentes classificam a pancreatite autoimune em dois subtipos, de acordo com
características histopatológicas e fenótipo clínico. Dentro deste contexto defi nem-se a
pancreatite esclerosante linfoplasmocitária (Tipo I) e a pancreatite ducto-central idiopática,
ou pancreatite com lesão granulocítica (Tipo II). Embora ambas apresentem-se clinicamente
indistinguíveis, são distintas quanto à demografia, à sorologia, ao envolvimento de outros
órgãos e à recidiva. Enquanto a pancreatite linfoplasmocitária está associada a elevações
nos títulos de autoanticorpos inespecíficos e IgG4, a forma idiopática não se relaciona com
marcadores sorológicos defi nitivos.
Esta definição atual nos parece mais abrangente e coloca a PAI no contexto de um grupo
de condições que podem se manifestar de forma isolada no pâncreas ou sistemicamente4.
46
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
A distinção entre a pancreatite autoimune e as demais pancreatopatias, em
especial a PC alcoólica, malignidade do
pâncreas e das vias biliares, é fundamental,
visto que quando a etiologia é autoimune
a terapia medicamentosa, se iniciada em
tempo hábil, é capaz de reverter as alterações
morfológicas e funcionais desencadeadas
pela doença.
DEFINIÇÃO
Pancreatite autoimune é uma entidade
caracterizada por um processo inflamatório
autoimune, no qual há um proeminente
infi ltrado linfocitário associado à fibrose
do pâncreas, causando disfunção orgânica.
Nas últimas quatro décadas várias descrições
morfológicas foram propostas para caracterizar esta doença: pancreatite crônica não
alcoólica ducto destrutiva, pancreatite esclerosante linfoplasmocitária com colangite,
pancreatite crônica esclerosante, pancreatite
pseudotumoral e pancreatite crônica ducto
estenosante. Recentemente o termo pancreatite autoimune tornou-se largamente aceito,
embora aparentemente a pancreatite autoimune seja uma doença heterogênea.
5
Segundo o consenso japonês de 2010
a pancreatite autoimune é defi nida como
u ma for ma ú n ica de pa ncreatite que
apresenta o envolvimento de mecanismos
autoimunes como hipergamaglobulinemia,
elevação dos níveis séricos de IgG, principalmente IgG4, ou presença de autoanticorpos e uma resposta eficaz a terapia com
corticosteroides.
O t e r mo p a nc r e at ite aut oi mu ne
compreende dois subtipos: Tipo 1 e tipo 2.
A PAI tipo 1 é a manifestação pancreática
de uma doença sistêmica fibro-inflamatória
– a doença sistêmica IgG4 associada. A PAI
tipo 2 um distúrbio específico do pâncreas
(Quadro 1)6.
A doença sistêmica IgG4 (DS IgG4)
associada é uma condição fibro-inflamatória
sistêmica que afeta múltiplos órgãos, principalmente o pâncreas, ductos biliares,
glândulas salivares, o retroperitôneo, rins
e linfonodos. É caracterizada por elevação
da IgG4 sérica e um denso infi ltrado linfoplasmocitário rico em células positivas
para IgG4 e fibrose intensa6. O processo
inflamatório responde a terapia com esteroides, embora a fibrose possa levar a dano
permanente ao órgão.
As manifestações da DS-IgG4 em órgãos
individuais têm diferentes denominações
(Quadro 2)6,7.
Tipo 2
(N = 78)
Tipo 2
(N = 19)
p valor
61,8 ± 14,2
47,7 ± 18,8
<0,0001
Gênero (M/F)
60 / 18
14 / 5
0,48
Apresentação (PA/outros)
12 / 66
6 / 13
0,18
Idade (anos) - ± DP
Imagem
Quadro 1
Diferenças
entre PAI Tipo 1
e Tipo 26
0,049
Edema difuso
31 (40%)
3 (16%)
Outras características
47 (60%)
16 (84%)
47 / 59 (80%)
1 / 6 (17%)
0,004
Envolvimento de outros órgãos
47 (60%)
0
<0,0001
Doença inflamatória intestinal
5 (6%)
3 (16%)
0,37
Elevação IgG4 (> 140 mg/dl)
47
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
Pâncreas
• Pancreatite autoimune
Dutos biliares
• Colangite associada a IgG4
Glândulas salivares
• Sialoadenite esclerosante crônica
• Tumor de Kuttner
• Doença de Mikulicz (exocrinopatia
plasmática associada a IgG4)
Retroperitôneo
• Periaortite crônica
• Fibrose retroperitoneal idiopática
Rins
• Nefropatia na DS-IgG4
Órbita
• Pseudolinfoma associado a IgG4
Quadro 2
Denominação
da DS-IgG4 nos
diversos órgãos
Quadro 3
Critérios
definidores de
PAI – Mayo Clinic
(adaptado)8
O diagnóstico da pancreatite IgG4
associada normalmente é feito com base em
critérios clínicos, laboratoriais, de imagem
e características histológicas. Estes critérios foram submetidos a várias mudanças
e variam de um continente para outro.
No entanto, o diagnóstico é quase sempre
baseado no achado de aumento no número de
células IgG4 positivas associados a achados
histológicos. A resposta aos corticoesteróides pode ajudar a estabelecer o diagnóstico quando amostras de tecidos não estão
disponíveis (Quadro 3).
bibliografia médica nos últimos 10 anos, o
número total de pacientes ainda permanece
pequeno, e a real prevalência e incidência
permanece indeterminada. Três séries reportaram a prevalência da pancreatite autoimune entre 5% e 6% de todos os pacientes
com pancreatite crônica. De acordo com
a única série dos EUA, 11% dos pacientes
com pancreatite crônica receberam o diagnóstico de pancreatite autoimune baseado
nos achados histológicos. Os estigmas
clínicos ou bioquímicos de autoimunidade
estão presentes em 40% dos pacientes com
pancreatite idiopática. A PAI ocorre em
ambos os sexos, mas é duas vezes mais
comum em homens do que em mulheres e
acomete uma larga faixa etária, embora seja
mais prevalente acima de 50 anos9-12.
DIAGNÓSTICO
As características clínicas da pancreatite
autoimune são inespecíficas e assemelham-se às demais pancreatopatias, inclusive tumores pancreáticos, porém a dor
abdominal intensa e a apresentação sob a
forma de pancreatite aguda são incomuns.
EPIDEMIOLOGIA
Alguns pacientes evoluem de modo assintomático, sendo a forma de apresentação mais
A pancreatite autoimune é rara. Apesar do
característica a icterícia indolor em decoraumento no número de relatos de PAI na
rência de obstrução do ducto biliar comum
em sua porção intrapancreática, pelo processo inflamaCinco características cardinais de PAI
HISORt características
tório periductal. Determinar
se coexistem outras doenças
Histologia
autoimunes, conforme citado
• pancreatite esclerosante linfoplasmocitária e células IgG4 +
a nter ior mente, é f u nd aImagem
mental, considerando que
• Típica: (50%) – aumento glandular tipo salsicha, ganho tardio
• Indeterminada: aumento glandular focal, “normal”
alguns autores propõem que
• Atípica: massa de baixa densidade/Wirsung dilatado
essa associação ocorra em até
Sorologia
50% dos pacientes12.
• IgG4 sérica elevada (75%)
Outros órgãos envolvidos
• Especialmente estenoses biliares, fibrose retroperitoneal,
envolvimento glândulas salivares (50 – 67%)
Resposta a terapia com esteroides (≈ 100%)
48
Várias lesões extrapancreáticas são relatadas como
associadas a PAI tipo 1, dentre
estas há uma relação próxima
com lesão nas g lâ ndu las
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
salivares e lacrimais, linfadenopatia hilar,
pneumonite intersticial, fibrose retroperitoneal e nefrite tubulointersticial.
38 pacientes (M = 23 / F = 15);
Idade média – 60 anos
Diabetes melito
19
50%
Colangite esclerosante
10
26%
Artrite reumatoide
6
23%
a mesma condição patológica e demons-
Sialoadenite esclerosante
5
16%
trando resposta favorável à terapia com corti-
Fibrose retroperitoneal
4
11%
Tireoidite crônica
2
5%
As lesões extrapancreáticas podem
aparecer sincrônica ou metacronicamente
com as lesões pancreáticas, compartilhando
costeroide; essas características indicam
uma base fisiopatológica comum13.
Fonte: Ann Internal Medicine 2005; 44:1215-1223
Quadro 4
Pancreatite
autoimune
– Lesões
extrapancreáticas
Pancreatite autoimune é frequentemente associada a disfunção exócrina e
endócrina (diabetes melito) do pâncreas,
sendo o índice de ocorrência de cerca 80%
a 70%, respectivamente. A patogênese da
disfunção exócrina consiste na diminuição
da secreção das enzimas pancreáticas associadas ao pronunciado colapso das celulares
acinares causado pela infi ltração de plasmócitos e fibrose e à obstrução do fluxo do
suco pancreático, resultantes do infi ltrado
inflamatório ao redor dos ductos pancreáticos, com consequente estreitamento dos
mesmos. Diferentemente, o mecanismo
patogênico do diabetes melito é afetado por
ambos transtornos seguintes: obstrução do
fluxo sanguíneo das glândulas endócrinas
(ilhotas de Langerhans) associado com a
fibrose das glândulas exócrinas e o dano às
ilhotas devido à propagação da inflamação.
Entretanto, futuros estudos serão necessários (Quadro 4)12.
Critérios clinicopatológicos têm sido
propostos para o diagnóstico da pancreatite
Embora não haja um marcador bioquímico doença específico, elevações séricas
das enzimas pancreáticas, biliares e a
bilirrubina são comumente observadas
na pancreatite autoimune. Níveis séricos
de IgG4 têm alto valor diagnóstico com
momento sorológico único entre todos
os disponíveis, porém não é específico da
doença. A combinação de anticorpos não
específicos tais como IgG sérico, anticorpo
antinuclear (FAN), ou fator reumatoide,
mostra sensibilidade e especificidade
equivalente ao IgG4 4,14. Algum relato tem
demonstrado alta frequência da presença de
autoanticorpos, como antianidrase carbônica II e antilactoferrina, em pacientes com
PAI, embora geralmente eles não possam
ser testados. Ressaltamos a importância
do aumento do nível sérico de IgG4 como
um método de alto valor diagnóstico, pois
apresenta sensibilidade de 80% e especificidade de 98% na diferenciação com o câncer
pancreático (Quadro 5).
autoimune, e incluem: níveis plasmáticos
elevados de IgG, em especial IgG4 e gamaglobulina, anticorpo antinuclear positivo,
aumento difuso do pâncreas (visto em
método de imagem), estreitamento difuso
irregular do Wirsung à colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER),
alterações fibróticas com infi ltrado linfoplasmocitário à histopatologia e resposta
satisfatória à corticoterapia4.
Sintomas clínicos
• Sintomas abdominais discretos
• Icterícia obstrutiva
• Outras doenças associadas
Alterações laboratoriais
• Enzimas pancreáticas elevadas
• Enzimas biliares
• Hipergamaglobulinemia
• IgG4 elevada
• ANA e outros
Quadro 5
Pancreatite
autoimune –
Sintomas clínicos
e alterações
laboratoriais
49
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
Como método de avaliação inicial, a
ultrassonografia abdominal pode apresentar
alargamento de baixa ecogenicidade local ou
difuso do pâncreas. Um pâncreas alargado
difusamente é chamado de “pâncreas em
salsicha”15,16.
À CPER observa-se, caracteristicamente
na pancreatite autoimune, o estreitamento
difuso irregular do ducto pancreático principal, que pode estar associado à estenose do
ducto biliar, alteração que é reversível após
a corticoterapia17,18.
Histologicamente, verifica-se que a
estenose ductal deve-se a intenso infi ltrado celular linfoplasmocitário periductal, composto predominantemente por
linfócitos do tipo T. Acomete ductos de
médio e grande calibre, sendo o Wirsung
o principal envolvido. O processo infl amatório leva à fibrose periductal com
consequente obliteração e, ocasionalmente,
destruição completa do ducto (Quadro
6)18. Observa-se também fibrose do tecido
acinar a montante da lesão ductal. É de
fundamental importância determinar
se tais lesões estão presentes, já que na
PC alcoólica elas não ocorrem, permitindo dessa forma diagnóstico diferencial entre essas duas entidades clínicas.
Além disso, observam-se infiltrados de
células plasmáticas IgG4 positivas nas
lesões, no entanto não há consenso estabelecido de quantos ou qual percentual
de plasmócitos IgG4 positivos devem ser
observados para o diagnóstico da PAI.
Quadro 6
Pancreatite
autoimune –
Histopatologia
Alterações fibróticas
Infiltração de linfócitos e plasmócitos
↑ Em torno do ducto pancreático
Atrofia acinar
Flebite obliterante
─ em torno do pâncreas
─ veia porta
50
Alguns estudos foram realizados para
pesquisar a possibilidade de distinguir,
através de métodos de imagem, a pancreatite
autoimune (PAI) de outras pancreatopatias
que se assemelhem clinicamente a ela.
Procacci e colaboradores descreveram que
a sensibilidade e a especificidade da tomografia computadorizada (TC) do abdome
no diagnóstico da pancreatite autoimune
são de 86% e 95%, respectivamente15,16.
Os valores preditivos positivos e negativos
do método são de, respectivamente, 89% e
93%. Concluiu-se que o diagnóstico correto
foi alcançado em 92,5% dos 27 pacientes
estudados e, portanto, considera-se a TC
abdominal o método de imagem de escolha
na avaliação do pâncreas e no diagnóstico
da pancreatite autoimune, para diferenciá-la
das outras formas de doença pancreática.
As alterações visibilizadas na TC são altamente sugestivas de pancreatite autoimune
(Quadro 7). Observa-se aumento difuso do
pâncreas, que se encontra hipodenso quando
comparado ao fígado e ao baço. Na fase
tardia da captação do contraste, visibiliza-se
a imagem típica de uma área hipodensa
com hipercaptação periférica, localizada
em torno do pâncreas. A essa imagem com
aspecto típico dá-se o nome de captação
em anel e deve corresponder ao processo
fibroinfl amatório que acomete os tecidos
peripancreáticos, e aos quais os autores
conferem uma especificidade na doença.
Com o advento da ecoendoscopia,
tem-se evoluído nas biópsias não cirúrgicas
do pâncreas, e isto certamente nos possibilitará diagnosticar e estudar as pancreatites
autoimunes de forma mais adequada.
Pacientes submetidos ao Pet-Scan na
PAI apresentam acumulação de Ga-67(gálio)
e FDG (fluorine-18) no pâncreas e nas lesões
extrapancreáticas, que desaparecem rapidamente após tratamento com esteróide,
podendo ser usado no diagnóstico da doença.
Um dos grandes dilemas é no diagnóstico
diferencial com massa neoplásica.19
José Galvão-Alves / Marta Carvalho Galvão
TERAPÊUTICA3-5
A terapia esteroide parece ser um tratamento padrão para a pancreatite autoimune (PAI), embora alguns pacientes PAI
melhorem espontaneamente. As indicações
para tratamento com esteroides nestes
pacientes são sintomas como icterícia
obstrutiva, dor abdominal e dor nas costas, e
a presença de lesões sintomáticas extrapancreáticas. Antes da terapia com esteroides,
pacientes com icterícia obstrutiva devem ser
submetidos à drenagem biliar, e a glicemia
deve ser controlada em pacientes com
diabetes melito. A dose inicial recomendada
de prednisolona para indução da remissão é
de 0,6mg/kg/dia, que deve ser administrada
por 2 a 4 semanas, sendo diminuída de 5mg a
cada 1 a 2 semanas, com base nas alterações
nas manifestações clínicas, exames bioquímicos do sangue (como enzimas hepáticas e
níveis de IgG ou IgG4), e repetidos achados
de imagem (USG, TC, CRNM, CPRE etc.).
A dose é reduzida para uma dose de manutenção (2,5 a 5mg/dia) durante um período
de 2 a 3 meses.
A terapia esteroide deve ser interrompida com base na atividade da doença em
cada caso. A suspensão da terapia de manutenção deve ser planejada com antecedência
mínima de três anos nos casos com melhora
radiológica e sorológica. A readministração
de esteroides é eficaz para tratar recidivas
PAI. Naqueles em que a recorrência se dá
após 2 esquemas completos de corticosteroides, optamos pela introdução de agentes
imunomoduladores (Azatioprina, 6-mercaptopurina) a exemplo do que se adota na
Hepatite Autoimune4.
O prognóstico da PAI parece ser bom
em curto prazo com a terapia esteroide.
Não está claro se os resultados em longo
prazo são bons, porque existem muitos
fatores desconhecidos, tais como recaída,
disfunção pancreática exócrina e endócrina,
e malignidade associada.20
• Pâncreas difusamente aumentado
– sausage-like
– cápsula anelar
• Estreitamento segmentar ou difuso
(ducto pancreático principal)
Quadro 7
Pancreatite
autoimune
– Imagem
pancreática
CONCLUSÃO
Em pacientes com quadro de dor abdominal
de pequena intensidade, icterícia obstrutiva
com massa na cabeça do pâncreas, ausência
de fatores etiológicos outros para pancreatite aguda, pancreatite crônica e câncer
de pâncreas, deve-se investigar a possibilidade de PAI.
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SUPORTE MECÂNICO CIRCULATÓRIO
ABORDAGEM CARIOCA PARA O MANUSEIO
DO CHOQUE CARDIOGÊNICO
Alexandre Siciliano Colafranceschi1
Segundo as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia para o diagnóstico e tratamento
da Insuficiência Cardíaca (IC) de 2008, esta pode ser defi nida como uma anomalia na
estrutura ou função cardíaca, que leva a uma deficiência na função do coração em fornecer
oxigénio necessário aos tecidos, apesar de pressões de enchimento capilar normal (ou à
custa da sua elevação). É defi nida clinicamente como um síndrome em que os pacientes
apresentam sintomas (dispneia, edema nos membros inferiores e fadiga) e sinais típicos
(elevação da pressão venosa jugular, crepitações pulmonares basais ou deslocamento do
ápice cardíaco), resultantes de anomalias na estrutura ou função cardíaca.
A New York Heart Association (NYHA) estabeleceu uma classificação funcional da
IC, que consiste em 4 estágios, resumidos abaixo:
Capacidade Funcional
•
Classe I
Sintomas apenas com esforços extra-habituais.
Doutor em
Ciências pela
Universidade
de São Paulo
Membro
Especialista
pela Sociedade
Brasileira
de Cirurgia
Cardiovascular
Cirurgião
Cardíaco
do Instituto
Nacional de
Cardiologia
e Hospital
Pró-Cardíaco,
Rio de Janeiro
1
Nenhuma limitação, apesar de doença cardíaca diagnosticada.
•
Classe II
Paciente assintomático em repouso. Limitação física leve.
•
Classe III
Sintomas com esforços menores que os habituais.
Limitação física moderada.
53
Alexandre Siciliano Colafranceschi
•
Classe IV
Sintomas em repouso. Grave limitação
Física.
A classe funcional IV (NYHA) inclui
pacientes com IC de diferentes prognósticos,
desde aqueles que estão funcionalmente
limitados mas em acompanhamento ambulatorial até os que encontram-se internados,
em choque cardiogênico. Os dispositivos de
assistência circulatória mecânica prestam-se
a dar suporte mecânico circulatório (SMC)
aos pacientes nas fases mais avançadas da
insuficiência cardíaca classe IV (NYHA).
O interesse nestes dispositivos e a sua
crescente utilização levaram à criação
de bases de dados reunindo informação
sobre o implante de dispositivos de SMC.
Nos Estados Unidos da América foi criado
o INTERMACS (Interagency for Mechanically Assisted Circulatory Support).
Os autores do INTERMACS sugeriram a
defi nição de 7 perfis de diferentes prognósticos de insuficiência cardíaca terminal.
Os níveis de 1 a 5 são considerados graus
de NYHA classe IV da IC enquanto que os
níveis 6 e 7 enquadram pacientes em classe
funcional III (NYHA) mais avançados.
Nível Descrição Classificação INTERM ACS (I nteragency for Mechanically
Assisted Circulatory Support)
54
1.
Choque cardiogênico refratário
2.
Declínio progressivo apesar de suporte
inotrópico – Choque cardiogênico em
evolução.
3.
Estável mas dependente de suporte
inotrópico endovenoso – Choque cardiogênico inicial
4.
Sintomas em repouso, em terapia oral
domiciliária
5.
Intolerante a esforços físicos
6.
Limitação a esforços físicos
7.
NYHA classe III avançada
O choque cardiogênico caracteriza-se
por uma hipoperfusão tecidual sistêmica
devido à incapacidade do músculo cardíaco
de gerar um débito adequado às necessidades
metabólicas do organismo. Os pacientes em
choque cardiogênico podem ser classificados
nos níveis 1 ao 3 da classificação INTERMACS e, em nossa abordagem, representam
os pacientes elegíveis para SMC.
Os pacientes INTERMACS nível 1
apresentam choque cardiogênico refratário
e tem prognóstico mensurado em horas. Já os
pacientes classificados no nível 2 do INTERMACS têm prognóstico mensurado em
dias e estão em evolução, progressivamente
piores no quadro de choque cardiogênico.
Os pacientes nível 3 requerem uso de inotrópicos endovenosos e intra-hospitalares para
sua estabilização clínica. Seu prognóstico é
mensurado em semanas.
O suporte mecânico circulatório pode
ser realizado utilizando-se dispositivos para
uso temporário (curto prazo – dias ou prazo
intermediário –semanas) ou prolongado
(meses e anos). Os dispositivos de suporte
prolongado (Dispositivos de Assistência
Ventricular – DAV) são usados frequentemente como ponte para o transplante
cardíaco (ou mesmo como terapia defi nitiva
para alguns pacientes)11. Já os dispositivos
de SMC temporários são indicados na fase
aguda de ressuscitação, seja como ponte
para a recuperação, seja como ponte para um
dispositivo de assistência prolongada (ponte
para ponte) ou diretamente, como ponte para
transplante cardíaco.
Seg u ndo a s rec omend aç õe s m a is
recentes das diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e da Sociedade
Europeia de Cardiologia (SEC) para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca
aguda e crônica, o implante de Dispositivo
de Assistência Ventricular (DAV) em caso de
ponte para transplante é de classe I, nível B
e no caso de terapia de destino é de classe
Alexandre Siciliano Colafranceschi
IIa, nível B. Os critérios para implante de
um dispositivo de SCM foram baseados
nos dados gerados pelo INTER M ACS.
Atualmente discute-se se a utilização
destes dispositivos deve ser ampliada a
pacientes em estado clínico menos grave.
No entanto, à luz dos estudos mais recentes,
não se justifica ainda o implante de DAV em
doentes com classe III da classificação da
NYHA. Em termos gerais, consideram-se
potencialmente elegíveis para implantação
de dispositivos de assistência ventricular os
doentes que apresentem sintomas graves há
mais de dois meses apesar de terapia otimizada e mais de um dos seguintes critérios:
Consumo de oxigênio no pico do exercício <
12 ml/kg/min; Três ou mais hospitalizações
nos doze meses anteriores sem fator precipitante conhecido; – Dependência de medicação inotrópica endovenosa; – Disfunção
orgânica progressiva (em especial renal
ou hepática) devido a perfusão reduzida
ou função ventricular direita em declínio.
A seleção de pacientes assenta num equilíbrio entre a escolha de doentes cujo estado de
saúde prévio lhes permitirá obter uma maior
melhoria da qualidade de vida evitando altas
taxas de mortalidade peri-operatórias devido
a risco pré-operatório proibitivo.
Não está claro, entretanto, quais dispositivos de SMC utilizar nos diversos cenários
clínicos e cada centro utiliza uma abordagem própria. Sabemos, por exemplo, que os
dispositivos de assistência ventricular (DAV)
quando utilizados no choque cardiogênico
refratário (INTERMACS 1) estão associados
a elevado custo e mortalidade bem como a
utilização de sistemas de SMC temporários
de curto prazo como ponte para transplante
está associada a pior prognóstico.
Para facilitar a abordagem do choque
cardiogênico em seus níveis mais avançados
levando-se em consideração a disponibilidade atual de dispositivos de SMC em
nosso meio, construímos uma estratégia
de manuseio desses pacientes denominada
de CARIOCA. A estratégia CARIOCA
(Circulatory management for Acutely
Rescue patients with Insuficient end-Organ
function and Circulatory ColApse) para a
abordagem do choque cardiogênico utilizando dispositivos de suporte mecânico
circulatório utiliza uma matriz conceitual
que leva em consideração a invasividade e
agressividade da intervenção de implante
do SMC e o grau de comprometimento
metabólico e orgânico do paciente (estágio
INTERMACS). Pode ser tratada como uma
estratégia escalonada de intervenções para
transformar pacientes mais graves (INTERMACS 1) em pacientes progressivamente
menos graves (INTERMACS 2 e 3).
Para tal utilizamos dispositivos mais
simples, de menor trauma de implante e de
menor custo nos estágios mais avançados
do choque cardiogênico (INTERMACS 1 e
2) e dispositivos mais complexos, de maior
trauma cirúrgico e de maior custo para
pacientes mais estáveis (INTERMACS 3).
ABORDAGEM CARIOCA
INTERMACS 1 – Seleção de pacientes
com Choque Cardiogênico refratário
para Suporte Mecânico Circulatório de
curto prazo com Sistema de Oxigenação
por Membrana ExtraCorpóreo (ECMO)
Os pacientes em choque cardiogênico
que não melhoram ou estabilizam com o
uso de fármacos endovenosos inotrópicos,
balão intra-aórtico e ventilação mecânica
podem ter sua evolução clínica alterada pela
utilização de sistemas de suporte circulatório mecânico.
Esses pacientes normalmente pertencem
a uma de quatro categorias:
1.
Choque cardiogênico após infarto agudo
do miocárdio;
2.
Disfunção miocárdica pós-cirúrgica ou
pós-intervenção;
55
Alexandre Siciliano Colafranceschi
3.
Insuficiência cardíaca aguda pós-miocardite ou cardiopatia adrenérgica e
4.
Insuficiência cardíaca crônica descompensada.
O objetivo primário do SMC nesse
cenário é a rápida restauração da circulação
e estabilização hemodinâmica no paciente
que se apresenta em choque cardiogênico
refratário ou que se encontra em parada
cardíaca refratária às manobras de ressuscitação (resgate metabólico).
Figura 1
Canulação
artério-venosa
para implante de
ECMO periférica.
Perfusor arterial
distal. A direita,
esquema didático
dos componentes
da ECMO (bomba
centrífuga e
oxigenador por
membrana).
Nesta situação, o balão intra-aórtico
ainda é frequentemente o primeiro dispositivo a ser instalado (a despeito de disparidades nas evidências na literatura atual) mas
requer um débito cardíaco mínimo para o seu
funcionamento além de existirem algumas
contra-indicações ao seu uso. Alguns autores
acreditam que o implante precoce de um
dispositivo de assistência mecânica temporária, capaz de geral alto fluxo e permitir que
o coração repouse possa melhorar a evolução
desses pacientes, permitindo a recuperação
do miocárdio atordoado3.
Nossa abordagem inicial de pacientes
com choque cardiogênico refratário INTERMACS 1 implica no SMC com ECMO
veno-arterial (oxigenação por membrana
extra-corpórea).
Este é um sistema que utiliza uma
bomba centr í f uga, um ox igenador de
membrana e um misturador de gases
(O2/CO2) para dar suporte cárdio-pulmonar.
As diferenças da ECMO para a circulação
extracorpórea convencional incuem a utilização de bomba centrífuga, a duração do
suporte (maior durante a ECMO), menores
doses de heparina e não necessidade de
reversão com protamina, além de o circuito
ser contínuo, diminuindo a estase sanguínea
(na ECMO).
A versatilidade deste tipo de suporte
se deve ao fato de não requerer necessariamente canulação central (toracotomia) e
56
poder ser usada em suporte uni ou biventricular ou cárdio-pulmonar, além de permitir
restauração rápida da circulação durante
ressuscitação ativa na parada cardíaca.
Uma vez estabilizados, os pacientes em
assistência mecânica circulatória temporária com ECMO devem passar por avaliações periódicas para acessar a recuperação
cardíaca, função multi-orgânica e estado
neurológico. Os pacientes com melhora
evolutiva da função contrátil miocárdica
são desmamados da ECMO, e esta é retirada.
Caso não haja sinais de recuperação miocárdica em 3-5 dias de suporte, estes pacientes
são avaliados para o implante de dispositivos
de SMC de uso intermediário, conforme
seleção para pacientes INTERMACS 2.
Pump
Oxygenator
Figura 1
INTERMACS 2 – Seleção de pacientes
com Choque Cardiogênico em evolução
para Suporte Mecânico Circulatório de
prazo intermediário (CENTRIMAG ®)
Apesar de avanços recentes, os dispositivos disponíveis ainda possuem limitações.
Um dispositivo ideal deveria ser capaz de
assistir fluxos adequados, maximizar a
hemodinâmica e descomprimir o ventrículo
de pacientes de todos os tamanhos. O trauma
para seu implante deveria ser mínimo.
Atualmente existem diversos dispositivos de suporte mecânico circulatório
de prazo intermediário. Todos são de uso
pára-corpóreo. Em nosso meio, encontramos
Alexandre Siciliano Colafranceschi
bombas pulsáteis (como o Berlin Heart
Excor® e o Sistema AB 5000i® da ABIOMED)
e bombas de fluxo contínuo (centrífugas)
como o Centrimag® (Thoratec). Atualmente,
temos dado preferência pela utilização dos
sistemas centrífugos (Centrimag ®) para o
suporte mecânico de pacientes INTERMACS 2 por diversos fatores, dentre eles:
simples técnica de implante cirúrgico, fácil
manuseio peri e pós operatório, menor custo
e melhores resultados em nossa experiência.
O implante requer esternotomia com ou sem
utilização de circulação extra-corpórea.
Objetiva-se a recuperação da função
multi-orgânica (resgate de órgãos e de força
muscular), otimização nutricional e retirada
de suporte por fármacos endovenosos com
o intuito de preparação para transplante
cardíaco, implante de dispositivo intracorpóreo de uso prolongado ou explante
cirúrgico, caso haja recuperação da função
cardíaca.
INTERMACS 3 – Seleção de pacientes
com Choque Cardiogênico inicial para
Suporte Mecânico Circulatório de longo
prazo (Dispositivos de Assistência
Ventricular esquerda intracorpóreos –
DAV)
Em nosso meio existem dois dispositivos de assistência ventricular (DAV) intracorpóreos e de uso prolongado atualmente
aprovados para uso comercial pela ANVISA
(Berlin Heart INCOR, Berlin Heart e o
HeartMate II, Thoratec).
Estudos recentes comprovam que estes
dispositivos são capazes de fornecer um
suporte hemodinâmico eficaz, melhorar o
status funcional e a qualidade de vida do
paciente. Entre 2005 e 2006, a equipa do
Dr. Miller estudou a utilização do HeartMate II como terapia de destino em 133
doentes em lista de espera para transplante
e sob suporte inotrópico. A duração média
do suporte foi de 126 dias (1 a 600 dias) e a
taxa de sobrevida aos 6 meses foi de 75% e
68% aos 12 meses. Recebeu aprovação da
FDA como terapia de destino em Janeiro
de 2010. No Brasil, recebeu aprovação para
uso comercial pela ANVISA no segundo
semestre de 2014. O estudo prospetivo e
randomizado REVIVE-IT (The Randomized
Evaluation of VAD InterVEntion Before
Inotropic Therapy) iniciado em Junho de
2013 tem como objetivo comparar a utilização do dispositivo HeartMate II com a
terapia médica otimizada em pacientes com
insuficiência cardíaca cujo estágio não é
avançado o suficiente para orientar o doente
para transplante cardíaco ou implante de
DAV de acordo com as diretrizes atuais.
A hipótese a avaliar é que os DAV são
eficazes na melhoria da taxa de sobrevida,
capacidade funcional e qualidade de vida.
Os dados clínicos sobre a recuperação
da função cardíaca durante suporte com
DAV de fluxo contínuo são limitados.
Uma análise recente de 1108 doentes que
receberam HeartMate II como ponte para
transplante ou terapia de destino mostraram
ta xa de recuperação de 1,8%. Nestes
pacientes em que foi possível o explante,
Figura 2
Centrimag.
Da esquerda
para a direita:
Console, Bomba
centrífuga e
Canulação
Central do
paciente.
57
Alexandre Siciliano Colafranceschi
2. Smedira NG, Moazami N,
Gold i ng CM, et a l. Cli n ica l
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Figura 3
Sistema
HeartMate II.
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4. Ho e r r H R , K r aeme r M F,
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twin roller pumps. J Extracorpor
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Figura 4
Abordagem
Estagiada
do Choque
Cardiogênico
de acordo com
a Classificação
INTERMACS.
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ventricular failure. Semin Thorac
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65% apresentavam insuficiência cardíaca há
menos de 1 ano e 67% tinham idade inferior
a 40 anos.
Nossa observação anedótica (mas com
respaldo conceitual na literatura) é de que
podemos preparar e selecionar melhor os
pacientes que serão submetidos a implantes
de dispositivos de uso prolongado, mais
complexos e de alto custo. Essa estratégia
está alinhada com os preceitos de geração de
valor ao cuidado, maximizando resultados
e evitando desperdícios.
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59
MIGRAÇÃO TESTICULAR
ASPECTOS BÁSICOS E CLÍNICOS RELEVANTES
Luciano A. Favorito¹
Francisco J. B. Sampaio²
¹ Prof. Associado
– Unidade
de Pesquisa
Urogenital –
UERJ.
Pesquisador II
do CNPQ.
Cientista Jovem
do Nosso Estado
– FAPERJ.
Urologista do
Hospital Federal
da Lagoa
² Prof. Titular
– Unidade
de Pesquisa
Urogenital –
UERJ.
Pesquisador 1A
do CNPQ.
Cientista do
Nosso Estado –
FAPERJ.
Vice Presidente
da Academia
Nacional de
Medicina
60
INTRODUÇÃO
A migração testicular é dividida em duas fases. A primeira fase corresponde à migração do
testículo do abdômen até o anel inguinal interno. A segunda fase compreende a passagem
do testículo pelo canal inguinal, até a sua chegada defi nitiva no escroto1 (Figura 1).
O momento do início da migração testicular é controverso. Backhouse2 relata que
esse processo se inicia em torno da 24 a semana pós-concepção. Trabalhos de Heyns 3
e de Sampaio e Favorito 4 demonstraram fetos com idade em torno de 17 semanas que
já haviam iniciado o processo de migração. Um aspecto que vários autores relatam é
o fato de a passagem do testículo pelo canal inguinal ser um processo muito rápido1-3.
Heyns 3 encontrou apenas 2.6% dos testículos examinados em sua amostra, situados no
canal inguinal. No estudo de Sampaio e Favorito 4, numa amostra de 71 fetos humanos
foram encontrados 20.5% dos testículos situados no canal inguinal, sendo que 73.3%
destes testículos eram de fetos com idades compreendidas entre 21 e 25 semanas
pós-concepção, indicando que é neste período onde a migração através do canal inguinal
se intensifica.
Neste mesmo trabalho foi observado, que todos os fetos com mais de 30 semanas
pós-concepção já apresentavam os testículos situados no escroto; outros autores relatam
que é a partir da 32a semana que o testículo completa sua migração1-3.
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
outro fica situado no canal inguinal ou
no abdômen9.
Um estudo interessante feito por Attah6
demonstrou que a pressão intra-abdominal é um fator coadjuvante para a
migração do testículo. O autor realizou
um experimento onde foram criados
defeitos na parede abdominal anterior dos
animais associados ou não com a secção
da porção proximal do gubernáculo.
ABDOMINAL
10-20 SEMANAS
CANAL
21-25 SEMANAS
O que se evidenciou é que houve diminuição significativa da migração testicular apenas nos casos onde o defeito
da parede abdominal foi acompanhado
de secção do gubernáculo. Nos casos de
defeitos isolados na parede abdominal
os testículos migraram em 96% dos
casos. Esse experimento demonstra
que a pressão abdominal atuaria apenas
como uma força auxiliar na migração do
testículo, enquanto que o gubernáculo e
a patência do processo vaginal seriam de
grande importância para a orientação do
trajeto testicular durante a migração.
ESCROTAL
30 SEMANAS
Figura 1
TEORIAS DA MIGRAÇÃO
TESTICULAR
Várias teorias tentam explicar a migração
do testículo durante o período fetal humano.
As teorias mais aceitas para explicar a
migração testicular serão descritas a seguir.
a)
Aumento da Pressão Intra-abdominal:
Uma teoria antiga e bastante controversa da migração testicular é o papel
da pressão intra-abdominal. A contração
da musculatura da parede abdominal, o
crescimento do fígado e dos intestinos,
assim como o acúmulo de mecônio
aumentam a pressão no interior do
abdômen fetal, o que segundo alguns
autores favoreceria a migração do
testículo5-7. Outro fato que fala a favor
desta teoria é a grande incidência de
criptorquidia em pacientes com defeitos
da parede abdominal, como a onfalocele, a gastrosquise e a síndrome de
Prunne-Belly1,8. Essa teoria, no entanto
não explica os casos de assimetria na
migração testicular, onde um dos testículos migra normalmente, enquanto o
b)
Figura 1
Esquema
mostrando
a cronologia
da migração
testicular. Os
fetos com idade
gestacional entre
10 e 20 semanas
pós-concepção
tinham a maioria
dos testículos
situados no
abdômen;
os fetos com
idade entre 21
e 25 semanas
pós-concepção
tinham a maioria
dos testículos
situados no
canal inguinal e
todos os fetos
com mais de 30
semanas tinham
os testículos
situados na bolsa
escrotal.
O Fator Endócrino:
A migração testicular é um processo
complexo mediado por fatores endócrinos e mecânicos. A integridade
do eixo entre o testículo, o hipotálamo
e a hipófise, que regula a produção
da testosterona, é importante para o
processo de migração testicular. A criptorquidia é um evento comum em patologias nesse eixo, como, por exemplo,
o hipogonadismo hipogonadotrófico
e a deficiência de 5-alfa-redutase 8 .
A testosterona parece desempenhar
papel ativo na migração do testículo,
induzindo o desenvolvimento de estruturas importantes para a migração testicular como o processo vaginal, o ducto
deferente, o epidídimo, o canal inguinal
e o escroto. Outro mecanismo de ação
61
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
da testosterona seria através de estímulo
do nervo genitofemoral, que induziria
a produção do peptídeo relacionado ao
gene da calcitonina (CGRP) que atua
estimulando o desenvolvimento do
gubernáculo testicular.
As gonadotrofi nas fetais e placentárias
também estão implicadas no processo
da migração testicular. Essas substâncias atuam estimulando a produção dos
androgênios testiculares, que induzem
o crescimento e o desenvolvimento
do ducto deferente, do epidídimo, do
processo vaginal e do próprio gubernáculo1. É de conhecimento geral que o
tratamento da criptorquidia com gonadotrofinas induz à migração do testículo
em níveis que variam de 25 a 55% dos
casos10,11.
Outra substância endócrina envolvida
na migração testicular seria a descendina12. Essa substância secretada pelo
testículo, independente dos androgênios teria um papel importante no
crescimento das células mesenquimais
do gubernáculo. O gubernáculo seria
portanto uma das estruturas fetais
implicadas na migração testicular, mais
modificadas pela ação hormonal7.
c)
O Papel do Nervo Genitofemoral:
Segundo essa teoria, os androgênios
fetais masculinizam o núcleo espinhal
do nervo genitofemoral e em seguida
o próprio nervo7. Essa masculinização
resulta em um aumento do número
de motoneurônios nessa região com
consequente aumento da secreção do
peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP). A importância desse
mecanismo é corroborada por modelos
experimentais onde a secção do nervo
genitofemoral leva à criptorquidia1.
Os níveis aumentados de CGRP levam
à uma contração rítmica do guberná-
62
culo testicular que induziriam sua
migração até o escroto13. O sítio de ação
do CGRP é a junção neuromuscular.
Em animais experimentais como os
roedores, por exemplo, existe musculatura em quantidade, fortificando essa
hipótese13, no entanto o gubernáculo
humano é constituído basicamente
por uma matriz extracelular abundante, com grandes concentrações de
glicosaminoglicanos 3,14, portanto essa
teoria de tração induzida pelo CGRP
em humanos é discutível.
d)
O Desenvolvimento do Epidídimo,
Ducto Deferente, Vasos Testiculares e
Processo Vaginal:
O crescimento e desenvolvimento do
ducto deferente, dos vasos testiculares,
do epidídimo e do processo vaginal,
mediados pelos hormônios são necessários para que o testículo migre até o
escroto.
O processo vaginal, como foi visto no
experimento de Attah6, atua como um
guia para que o testículo chegue ao escroto.
Alterações no processo vaginal podem
estar associadas à criptorquidia7.
Uma teoria interessante e controversa
proposta por Hadzelimovic5 sugere que
o epidídimo seria um dos responsáveis
pela migração testicular, através de sua
atividade peristáltica e secretora no
segundo trimestre gestacional. Existiriam mudanças no centro gravitacional
do epidídimo, fazendo com que o testículo migrasse junto com ele. Essa teoria
explicaria alguns casos de criptorquidia,
onde o epidídimo está separado e situado
mais inferiormente que o testículo15.
Algumas observações dão suporte à
teoria descrita acima. O epidídimo
precede o testículo no escroto; o epidídimo se encontra em uma posição
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
privilegiada para influenciar a migração
testicular; pois está anatomicamente
conectado ao gubernáculo, que por sua
vez está fi xado ao testículo e ao escroto.
Alterações morfológicas e funcionais,
ocorrem no epidídimo na época da
migração em determinadas espécies
de animais16.
e)
Gubernáculo testicular
John Hunter em 1762 fez a primeira
descrição detalhada de uma estrutura
que conectava o testículo ao escroto
e direcionaria seu curso durante a
descida. Utilizou para denominá-lo, o
termo “gubernaculum”, que significa
leme, numa alusão à sua presumida
função1.
EMBRIOLOGIA DO
GUBERNÁCULO
O início do desenvolvimento do gubernáculo no feto humano ocorre durante a sexta
semana de gestação, no mesmo período em
que as células germinativas primordiais
estão chegando na crista genital 2.
Na oitava semana de gestação, o testículo e o mesonefro estão ligados à parede
posterior do abdômen por uma dobra de
peritônio. Conforme o mesonefro degenera,
a porção desta dobra cranial ao testículo,
denominada ligamento diafragmático,
também involui, tornando-se a porção
cranial do mesentério gonadal. A porção
caudal ao testículo permanece e encontra
uma faixa de mesênquima em desenvolvimento que se estende até as eminências
genitais. Esta estrutura é denominada de
ligamento gonadal caudal que dará origem
ao gubernáculo testicular2,17.
Cranialmente o gubernáculo se aprox ima do ducto mesonéfrico, e d istalmente se dirige para a região inguinal.
Neste momento, o futuro canal inguinal
ainda é somente um espaço na musculatura
da parede abdominal anterior, onde existe
apenas mesênquima. Nessa região, o ramo
genital do nervo genitofemoral atravessa
a parede abdominal e em sua descida para
o escroto irá inervar o músculo cremaster
e posteriormente, no sentido caudal para
cranial, promoverá o suprimento nervoso
para o gubernáculo2,5.
Por volta da oitava semana de gestação,
uma porção de epitélio inicia uma pequena
invaginação a partir da cavidade celômica,
em frente ao gubernáculo, penetrando lentamente em sua substância mesenquimal.
Esta evaginação ocorre bilateralmente
e é considerada o primórdio do processo
vaginal. Alguns autores consideram este
fenômeno como “ativo”, envolvendo a
invasão do gubernáculo por células mesoteliais2, enquanto outros advogam a teoria
do divertículo de pulsão, onde o processo
seria “passivo” e secundário ao aumento da
pressão intra-abdominal3.
O crescimento do processo vaginal
d ivide o g uber náculo em três partes:
(a) gubernáculo propriamente dito, que
corresponde a porção do gubernáculo revestida pela camada visceral do peritônio do
processo vaginal; (b) gubernáculo vaginal,
que corresponde à porção do gubernáculo
que envolve externamente a porção parietal
do processo vaginal e (c) gubernáculo infravaginal, que corresponde à região caudal
do gubernáculo, que não foi invadida pelo
processo vaginal18.
Tanto o gubernáculo como o processo
vaginal, se modificam em sincronia durante
a migração testicular. A manutenção deste
mesênquima indiferenciado ao longo do
canal inguinal e do escroto é essencial para,
chegado o momento adequado, ocorrer a
extensão inferior do processo vaginal, que
mergulha no trajeto defi nido e dilatado pelo
gubernáculo, formando o canal por onde o
testículo chegará ao escroto2,3 (Figura 2).
63
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
Figura 2
Esquema
baseado no
trabalho de
Sadler de 1995,
evidenciando o
desenvolvimento
do processo
vaginal e sua
relação com o
gubernáculo e
o canal inguinal
durante o
período de
migração do
testículo.
A – Feto no
segundo mês de
gestação;
B – Feto no
terceiro mês
de gestação;
C – Sétimo mês
de gestação
e D – após o
nascimento.
Figura 3
A) Esquema
mostrando as
relações entre
o testículo, o
epidídimo e a
porção proximal
do gubernáculo.
T – testículo,
E – Epidídimo e
G – Gubernáculo.
B) Fotomicrografia
de um feto com
22 semanas
pós-concepção,
evidenciando a
porção proximal
do gubernáculo
fixada ao testículo
e ao epidídimo.
Tricrômico de
Masson X40.A
64
Figura 3A
Figura 2
ESTRUTURA DO GUBERNÁCULO
O gubernáculo é uma estrutura cilíndrica,
coberta por peritônio em todos os lados,
exceto posteriormente por onde correm
os vasos testiculares e o ducto deferente.
Macroscopicamente, ele lembra a geleia de
Wharton do cordão umbilical. Histologicamente, é constituído por células indiferenciadas de formato alongado, cercadas por
grande quantidade de material extracelular
onde não se consegue identificar células
musculares lisas ou estriadas3,19.
PORÇÃO PROXIMAL
DO GUBERNÁCULO
A porção proximal do gubernáculo está
aderida ao polo inferior do testículo e ao
epidídimo (Figura 3). Durante a migração
testicular, estas estruturas se movem
através do canal inguinal como uma só
entidade 3,20. Johansen19 considera, nesta
mesma situação, o gubernáculo proximal
como estando sempre aderido à extremidade
do processo vaginal. Jackson21, estudando 60
meninos submetidos à orquiopexia, encontrou o gubernáculo aderido ao polo inferior
do testículo em todos os casos, não citando
sua relação com o epidídimo.
Figura 3B
Estudos mostram que alterações na
inserção proximal do gubernáculo estão
associadas com anomalias epididimárias
e podem contribuir para a ocorrência de
criptorquidia22. Attah6 em uma experiência
com ratos, demonstraram a importância da
integridade da porção proximal do gubernáculo para a migração testicular. A porção
proximal do gubernáculo é importante por
unir o testículo à região escrotal e servir
como um guia para a migração testicular.
Neste estudo foi realizada uma secção da
porção proximal do gubernáculo. Após esse
procedimento apenas 26 dos 70 ratos (37%)
tiveram a migração testicular completada.
Dos ratos que completaram a migração, 24
apresentaram torção testicular. Esse estudo
indica que a porção proximal do gubernáculo
é importante tanto para orientar a migração
testicular, como também para limitar a mobilidade e prevenir a torção do testículo.
Abe 22 , em um estudo feito em 44
pacientes com criptorquidia, encontrou
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
epidídimo alongado em 42,5% dos casos.
Dos pacientes com epidídimo alongado, foram
encontradas alterações na porção proximal
do g uber náculo em 73,9% dos casos.
Em estudos prévios feito em fetos humanos,
encontramos uma pequena incidência de
anomalias epididimárias (2,75%)9,14.
Estudos prévios23 em 140 fetos humanos
foram feitos através da divisão entre as
relações da porção proximal do gubernáculo com o testículo e o epidídimo em
cinco grupos. No grupo A o gubernáculo
estaria unido ao testículo e ao epidídimo; no
grupo B o gubernáculo se encontraria unido
apenas ao testículo, ocorrendo anomalia
de disjunção epididimária ou epidídimo
alongado; no grupo C o gubernáculo se
encontraria unido ao testículo ocorrendo
anomalia de disjunção total entre o testículo
e o epidídimo; no grupo D o gubernáculo
se encontraria unido apenas à cauda epididimária, ocorrendo também disjunção de
epidídimo e no grupo E não haveria união
entre a porção proximal do gubernáculo, o
testículo e o epidídimo.
A incidência de anomalias epididimárias e a distribuição anatômica da porção
proximal do gubernáculo nos fetos, são
evidenciadas na tabela 3. Na maioria dos
casos (98,9%) encontramos a distribuição
anatômica do tipo A e em 3 fetos visualizamos a configuração do tipo B, sendo as
anomalias unilaterais. Não encontramos
nos fetos, as distribuições do tipo C, D e E.
Em um dos 3 fetos com anomalia do tipo B, os
testículos estavam posicionados no abdômen
e o feto tinha 24 SPC; os outros dois fetos
com idades de 29 e 35 SPC, respectivamente,
apresentavam os testículos no escroto.
PORÇÃO DISTAL
DO GUBERNÁCULO
O local habitual de inserção do gubernáculo
durante a migração testicular é variável.
Estudos prévios demonstraram que no
período anterior ao término da migração
testicular, o gubernáculo não apresenta
fi xação fi rme de sua porção distal na bolsa
escrotal3. Enquanto o testículo se encontra
no abdômen, o gubernáculo apresenta uma
fi rme fi xação ao canal inguinal11.
O local de inserção da porção distal
do g uber nácu lo ser ia u m dos fatores
envolvidos na ectopia testicula r1,2 4,25 .
Estudos prévios relatam que a porção distal
do gubernáculo apresentaria 6 extensões:
Abdominal, pubo-peniano, femoral, perineal, escroto contra-lateral e escrotal1,3,25.
Especula-se que esses ramos da porção
distal do gubernáculo existiriam durante
o início do desenvolvimento fetal e desapareceriam durante o processo de migração
testicular1,3,25. Se algum desses prolongamentos da porção distal persistir, o indivíduo
poderia desenvolver testículo ectópico25.
Diversas teorias tentam explicar a
ectopia testicular, as mais aceitas são:
(a) falha no mecanismo de dilatação do
canal inguinal pelo gubernáculo, o que faria
com que o testículo ficasse livre durante
sua migração, propiciando a mobilização
excessiva para locais fora do seu trajeto
normal25; (b) Invasão do gubernáculo pelas
fáscias da parede abdominal, próximas ao
canal inguinal, o que levaria a um bloqueio
na passagem do testículo em direção ao
escroto, favorecendo seu desvio para um
local ectópico2 e (c) a existência de inserções
distais múltiplas do gubernáculo testicular,
que guiariam o testículo para os principais
sítios ectópicos1,3,24.
A teoria mais aceita para explicar a
ectopia testicular é a existência de inserções
distais múltiplas do gubernáculo. Segundo
essa teoria, proposta por Lockwood, no
século passado1, o gubernáculo apresentaria
6 locais de inserção distal em ordem decrescente de incidência: escrotal, intersticial
(abdominal), femoral, perineal, transverso
(escrotal contra-lateral) e pubo-peniano1,24,25
(Figura 4).
65
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
Figura 4
Desenho
esquemático
evidenciando as
seis extensões da
porção distal do
gubernáculo:
1) Escrotal,
2) Perineal,
3) Femoral,
4) Intersticial,
5) Pubo-peniana
e 6) escrotal
contra-lateral.
T = testículo,
G = gubernáculo,
baseado no
trabalho de
Favorito26.
inicia sua descida para o escroto. Simultaneamente elas aumentam de diâmetro, fato
considerado por Heyns 3 como um dos mais
importantes para a dilatação do trajeto e
passagem do testículo pelo canal inguinal.
O crescimento do gubernáculo se dividiria em duas fases, obedecendo à estímulos
hormonais distintos6. Na primeira, haveria
um aumento de seu volume e na segunda,
considerada sua regressão, uma diminuição
coincidente com a descida completa do
testículo12.
Na primeira fase ocorre grande multiplicação celular e acúmulo de glicosaminoglicanos, principalmente o ácido hialurônico,
atuando como agentes hidrofílicos e elevando
a quantidade de água. Há aumento da substância extracelular, justificando a baixa
densidade de células encontrada em alguns
pontos2,12. A presença de mioblastos se intensifica e ocorrem modificações na quantidade
e disposição das fibras colágenas e do sistema
elástico (Figura 5).
Figura 4
Figura 5
A) Fotografia
de um feto
com 20 SPC,
evidenciando
o aspecto
do gubernáculo
testicular após
a abertura
da parede
abdominal.
T – Testículo;
E – Epidídimo;
G – Gubernáculo
e * – Anel
inguinal interno.
As inserções distais múltiplas do gubernáculo existiriam durante o período fetal e
durante o processo de migração testicular,
desapareceriam1,2,24,25. A ectopia testicular
pubo-peniana é considerada a mais rara1,25,
no entanto em trabalhos prévios em fetos,
os únicos 2 casos de inserção anômala do
gubernáculo estavam localizadas na região
pubo-peniana 26.
MODIFICAÇÕES ESTRUTURAIS
DO GUBERNÁCULO DURANTE
A MIGRAÇÃO TESTICULAR
As diferentes partes do gubernáculo
sofrem mudanças significativas no transcorrer da migração testicular. As porções
vaginal e infra-vaginal tornam-se proporcionalmente maiores, à medida que o testículo
66
Figura 5
Na segunda fase o gubernáculo encolhe,
reduzindo seu comprimento e seu volume,
sendo normalmente acompanhado pela
descida do testículo. Este fenômeno parece
ser androgênio dependente e traduz uma
grande degradação de glicosaminoglicanos
antes acumuladas no meio extracelular,
com consequente desid ratação d este
espaço e condensação do gubernáculo7,12.
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
Figura 6
Fotomicrografia
da porção distal
do gubernáculo
de um feto do
terceiro trimestre
gestacional,
evidenciando os
agregados de
fibras musculares
estriadas (Setas)
nesta região.
Tricrômico de
Gomori em um
aumento de 40X.
Embora não se possa fazer uma estimativa
quanto ao grau do encurtamento, alguns
autores acreditam que ele atue em conjunto
com outros fatores, fazendo o gubernáculo
tracionar o testículo para o escroto9.
A relação entre a regressão do gubernáculo e a descida testicular parece vital para
a compreensão de como se dá o controle
androgênico da migração testicular. Estudos
demonstram casos onde ocorre deficiência
androgênica, falha na regressão do gubernáculo e criptorquidia. Nesta situação, o
gubernáculo atuaria como um obstáculo no
trajeto da descida do testículo7.
Em estudos de nosso laboratório 27
evidenciamos algumas diferenças entre a
porção proximal e distal do gubernáculo.
Nos fetos com 15 e 16 semanas pós-concepção visualizamos uma maior quantidade
de células musculares na porção distal do
gubernáculo, dispostas em grupos isolados,
enquanto que na porção proximal do gubernáculo, o tecido muscular está presente em
menor quantidade e disposto perifericamente (figura 6). Com o aumentar da idade
o tecido muscular diminui em quantidade.
Nos fetos com 28 e 29 SPC, a porção distal do
gubernáculo apresentava uma grande quantidade de fibras elásticas e quase nenhuma
fibra muscular foi evidenciada em toda a sua
extensão (Figura 6).
No início do período fetal (15 e 16 SPC),
quando os testículos ainda se encontram
no abdômen, o tecido conjuntivo é frouxo
e pobre em colágeno. À medida que a idade
gestacional aumenta e o testículo migra da
cavidade abdominal, o tecido conjuntivo
vai se tornando cada vez mais denso e rico
em colágeno. Em fetos com 28 e 29 SPC, o
gubernáculo apresenta organização muito
densa dos feixes de colágeno e predominância de fibroblastos, com nítida orientação
direcional de fibras e células. Igualmente
as fibras reticulares, que são dispostas de
modo mais frouxo, no gubernáculo de fetos
no início do período fetal (15 e 16 SPC), apre-
Figura 6
sentam uma disposição bastante densa em
gubernáculos de fetos com 28 e 29 SPC.
As modificações nos componentes
teciduais do gubernáculo durante o período
fetal são relatadas em vários estudos
experimentais 22,28,29. O tecido muscular
parece ser um dos fatores que atuam na
tração, que o gubernáculo exerce sobre
o testícu lo du ra nte a su a m ig ração1 .
Em nosso estudo observamos que no início
do período fetal estudado, o tecido muscular
está presente em maior quantidade e
vai diminuindo com o passar do tempo,
enquanto que o tecido elástico, presente em
pequena quantidade no início do período
fetal, aumenta muito em quantidade nos
fetos com mais de 25 SPC. Nos fetos com 28
e 29 semanas pós-concepção os testículos já
haviam completado a sua migração, estando
situados no escroto. Nesses fetos a quantidade de fibras musculares no gubernáculo
era muito pequena, enquanto que o tecido
elástico estava presente em grande quantidade, principalmente na porção distal do
gubernáculo.
No conjunto, as modificações morfológicas da matriz extra-celular do gubernáculo devem levar à uma diminuição do
volume e do comprimento desta estrutura.
Embora não se possa fazer uma estimativa
quanto ao grau deste encurtamento, este
deve, no entanto, atuar sinergicamente
com outros fatores que fazem o guberná67
Luciano A. Favorito / Francisco J. B. Sampaio
culo tracionar o testículo para o escroto.
A descida testicular é, portanto, um evento
complexo e multifatorial, e a criptorquidia
deve ser assim vista como uma patologia de
múltiplas etiologias.
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69
PARÂMETROS DE CONFIABILIDADE
E ACURÁCIA DIAGNÓSTICA
EM TELEPATOLOGIA
ANÁLISE COMPARATIVA DE IMAGENS DIGITAIS
COM VALOR DIAGNÓSTICO EM NEUROPATOLOGIA
Mauricio Ribeiro Borges1
Carlos Alberto Basílio de Oliveira2
1
Professor
Responsável
pela Disciplina
de Patologia
Clínica da Escola
de Medicina
e Cirurgia da
Universidade
Federal do
Estado do Rio
de Janeiro –
UNIRIO
2
Professor
Emérito da
Universidade
Federal do
Estado do Rio
de Janeiro
– UNIRIO,
Professor Titular
de Anatomia
Patológica
da Pontifícia
Universidade
Católica do
Rio de Janeiro
– PUC Rio,
Membro Titular
da Academia
Nacional de
Medicina
70
RESUMO
A telepatologia é defi nida como uma modalidade da telemedicina que associa conhecimentos de informática médica e imagem digital com recursos de telecomunicação.
Neste estudo, objetivamos identificar parâmetros que possam influenciar a capacidade do
método telepatológico em acertar diagnóstico e avaliar o quanto uma imagem capturada
em padrão “default” difere da imagem resultante do tratamento digital, além de investigar
se imagens editadas comprometem a análise diagnóstica. Desenvolveu-se um estudo transversal descritivo e duas fases foram delineadas: revisão da literatura e análise comparativa
sobre 100 imagens digitais com valor diagnóstico em neuropatologia. Na análise sobre as
imagens em estação de trabalho telepatológica, 50 de visão macroscópica e 50 microscópicas, procuramos avaliar o quanto uma imagem capturada em padrão “default” difere
da imagem resultante do tratamento digital considerando os parâmetros identificados na
literatura, sob os critérios de percepção simples, iluminação (luminescência) e média de
canal (cor, crominância), relacionados às alterações das características dos pontos (pixels)
da imagem. Na pesquisa bibliográfica, identificamos parâmetros relacionados à captura
e tratamento das imagens digitais, ajustes técnicos do microscópio e inclusão de formulários. Na captura das imagens digitais devem ser observados a resolução, campo visual
(seleção, aumento apropriado e focalização), iluminação (intensidade, contraste e brilho)
ajuste de cor e número suficiente de amostras. No tratamento digital podem ser aplicados
ajustes, fi ltros simples ou complexos que não interfi ram no valor diagnóstico das amostras.
O cuidado com os ajustes técnicos do microscópio e a inclusão de formulários com dados
clínicos e complementares do paciente encerraram a lista. A correta adoção e sistematização destes parâmetros promove um aumento das taxas de confiabilidade e acurácia em
exames diagnósticos base e remoto por telepatologia. Em nosso estudo comparativo sobre
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
imagens digitais com valor diagnóstico em
neuropatologia, os processos de captura,
tratamento e armazenamento não alteraram
significativamente o conteúdo das amostras,
e estas não apresentaram diferenças que
comprometessem a análise diagnóstica.
Palavras-chave: telepatologia, imagem
digital, tratamento digital, neuropatologia.
ABSTRACT
Telepathology is defined as a form of
telemedicine that combines knowledge of
medical informatics and digital imaging
w it h tele c om mu n ic at ion re sou rc e s .
This study aimed to identify parameters
that might influence the ability of the
telepathological method to make a correct
diagnosis and evaluate how much of the
image captured in the standard “default”
differs from the image resulting from
digital processing, besides investigating
whether edited images have changes
that may compromise the diagnostic
analysis. A descriptive cross-sectional study
was developed on a static telepathology
workstation based on a comparative analysis
of 100 digital images of neuropathology,
50 w ith macroscopic view and 50 of
microscopy, between previously captured
images (no processing) versus processed
i mage s , c on sider i n g rel iabi l it y a nd
diagnostic accuracy parameters, and the
criteria of simple perception (any change),
lighting (luminance) and average channel
(chrominance) related to the differences
fou nd i n t he i mage pi xels feat u re s .
In the bibliographic research we identified
parameters related to the capture and
processing of digital images, microscope
technical adjustments and inclusion
of formularies. When capturing digital
images, the resolution, the visual field
(selection, appropriate magnification, and
focus), the lighting (intensity, contrast
and brightness), color settings and sufficient
number of samples shall be observed.
In digital processing, some adjustments
can be used, such as simple or complex
fi lters that do not interfere with diagnostic
value of the samples. Care with technical
adju st ment s of t he m icrosc ope a nd
inclusion of formularies with patient’s
clinical and additional data close the list.
The correct adoption and systematization
of these parameters lead to an increase in
reliability and accuracy rates in base and
remote diagnostic tests via telepathology.
In our comparative study, the process of
capturing, processing and storing did not
significantly alter the visual content of the
images, and these showed no significant
differences that could compromise the
diagnostic analysis.
Key-words: telepathology, pathology images,
digital processing, neuropathology.
OBJETIVOS
Geral
O presente trabalho objetiva contribuir para
o estudo do uso de imagens digitais com
valor diagnóstico, e identificar parâmetros
que possam influenciar a confiabilidade
e a acurácia de resultados obtidos com a
telepatologia.
Específicos
1.
Revisão da literatura para identificar
parâmetros que possam influenciar a
capacidade do método telepatológico em
acertar diagnóstico;
2.
Análise comparativa sobre captura,
t rat a mento e a r m a zen a mento de
imagens pós-tratamento digital, observando diferenças significativas que
possam comprometer atividades de
diagnóstico.
71
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
INTRODUÇÃO
A medicina vem se estruturando com grande
oferta de produtos e serviços qualificados
para a troca eletrônica de informação
diagnóstica, graças ao desenvolvimento
científico e tecnológico do mundo moderno.
Com o advento e popularização da internet,
a grande velocidade de transmissão das
fibras ópticas e os satélites, as intranets
hospitalares podem interligar seus departamentos de patologia desde salas interpostas
até centros especializados públicos ou
privados do mundo.1
Telepatologia
A telepatologia é defi nida como uma modalidade da telemedicina que associa conhecimentos de informática médica e imagem
digital com recursos de telecomunicação.2
Devido a sua importância como ferramenta
diagnóstica e importante elo tecnológico
entre os campos de atuação da patologia
humana (patologia clínica, patologia cirúrgica ou citopatologia), relacionando-se ainda,
às atividades de consulta e educação médica
à distância, é considerada hoje uma subespecialidade da patologia.3-5 O telepatologista
é o médico que desenvolve propósitos de
diagnóstico, didática ou pesquisa reunindo
conhecimentos de informática médica, telemedicina e telemática com a sua formação
em patologia. Patologistas podem, sob orientação cliente-servidor, visualizar, analisar,
armazenar e compartilhar imagens macro
ou microscópicas em tempo real.6 Seja a telepatologia estática, quando envolvida com
os processos de captura, armazenamento
e envio de imagens por intranets/internet
ou, dinâmica, quando associada a conceitos
avançados como microscópios virtuais ou
robotizados, está relacionada aos campos
telemédicos de telediagnóstico, teleconsulta
e teledidática.7
72
A prática da patologia à distância
envolvendo a transmissão de imagens
digitais fi xas, capturadas, escanerizadas,
tratadas ou não, define a modalidade
estática da telepatologia.8 A comunicação
entre centros médicos com laboratórios de
patologia cirúrgica universitários, públicos
ou privados, através de telepatologia estática reduz significativamente o tempo de
resposta diagnóstica, além de promover o
intercâmbio entre especialistas distantes
destes centros, constituindo os processos de
segunda opinião, tão importantes como no
caso das neoplasias.9 Patologistas em localidades rurais, áreas carentes ou de difícil
acesso, podem comunicar-se muitas vezes
em tempo real, com centros e especialistas
ao nível local e internacional, promovendo
atividade telediagnóstica. Uma das maiores
conquistas da telepatologia, como modalidade telemédica, é a de integrar áreas
carentes de recursos de saúde (muitas delas
desprovidas de patologistas) como localidades rurais, países com áreas desérticas ou
de miséria e fome, infortúnios da natureza
como terremotos, furacões, maremotos,
enchentes, além de áreas centrais de guerras
ou terrorismo [Tabela 1].8,10
Quando tecnologias mais avançadas são
empregadas como microscopia robotizada
e microscopia virtual em tempo real, classificamos como telepatologia dinâmica. 8,11
Em telepatologia robótica, durante a análise
diagnóstica, o patologista remoto (receptor),
pode controlar em tempo real a platina do
microscópio (robotizado) que está na estação
de trabalho do patologista controlador.
O microscópio virtual ou slide virtual é uma
modalidade de telepatologia dinâmica, mas
utiliza a técnica de telepatologia estática,
tratando-se de uma interessante alternativa
aos altos custos da telepatologia dinâmica.
O patologista remoto acessa uma página
da internet com um programa interativo,
que permite a movimentação por vários
campos de uma lâmina (diversas imagens
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Telediagnóstico
• Integração tecnológica dos diferentes
campos da patologia
• Integração tecnológica multiprofissional
(patologia e outras áreas médicas)
• Integração de centros urbanos a áreas
com carência de recursos de saúde
– Rurais, pobres, guerras, desastres
da natureza, terrorismo
• Altos índices de acurácia diagnóstica
• Rápida resposta diagnóstica – inclusive
confirmação ou segunda opinião
• Análise e diagnóstico em tempo real
(telepatologia dinâmica)
• Otimização dos serviços de congelação e
patologia cirúrgica
• Indicação de procedimento cirúrgico
• Discriminação de tumores benignos e
malignos
• Confirmação de metástases para órgãos
distantes e linfonodos
• Decisões sobre acometimento de margem
cirúrgica
• Baixo custo (telepatologia estática)
Teleconsulta
• Arquivo
• Segunda opinião
Teledidática
• Educação médica à distância
digitais escaneadas e justapostas da mesma
lesão), simulando uma técnica telepatológica robotizada.3,5,6,8 Algumas desvantagens
devem ser citadas como, por exemplo, a
lentificação do processo (relacionada à digitalização de grandes áreas sequenciais de
uma lâmina com várias imagens digitais
para justaposição) e treinamento de pessoal.
Problemas na técnica de telepatologia estática podem aparecer nesta modalidade como a
seleção inadequada dos campos, focalização e
tratamento das imagens digitais (previamente
armazenadas) para compor a justaposição que
caracteriza as imagens geradas pelo microscópio virtual. 3 A telepatologia dinâmica,
também denominada interativa, demanda
vultosos investimentos em grande parte
proibitivos para a maioria das instituições
(principalmente países subdesenvolvidos),
requer manejo especializado com técnica
refinada (microscópios robóticos e programas
aplicativos de controle remoto) e conexões de
alta velocidade de transferência de dados para
melhor desempenho.2-3,8
Tabela 1
Vantagens
do uso da
telepatologia
Imagem digital e telepatologia
O método telepatológico utiliza como
amostras as imagens digitais com valor diagnóstico.12 Lâminas de microscopia escanerizadas ou fotos de macroscopia capturadas
por máquina fotográfica digital são exemplos de imagens que, submetidas a critérios
ou parâmetros, podem ser visualizadas e
compartilhadas por rede em atividades de
diagnóstico intra ou inter-observador.13
As amostras digitais podem ser utilizadas
para atividades de diagnóstico, consulta,
ensino, pesquisa e arquivo.14
Discutir as aplicações, vantagens e
desvantagens do uso da imagem digital em
telepatologia como ferramenta diagnóstica
requer a observação de fatores humanos e
materiais.2-4 Fatores humanos são aqueles
relacionados à interação do médico patologista com os equipamentos da estação
de trabalho telepatológica, ou seja, a ação
específica do profissional capaz de modificar ou melhorar a análise das amostras.
No estudo dos fatores materiais inclui-se
a avaliação técnica dos recursos de informática e telecomunicação considerando
requisitos mínimos dos sistemas aplicáveis,
correta configuração e adequabilidade para
as práticas de laboratório em patologia.6-8
Dentre as vantagens do uso de imagens
digitais destacamos a praticidade, baixo
custo de captura e armazenamento, duplicação sem perda de qualidade, transporte/
envio fácil, consultas de segunda opinião,
compartilhamento profissional rápido e
a possibilidade do tratamento de características objetivando melhorias à análise
diagnóstica.15 Em contrapartida, desvantagens também podem ser destacadas como
limitações relacionadas ao equipamento
73
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
e técnica utilizada, necessidade de treinamento, desorganização relacionada a facilidade de captura produzindo muitas imagens,
exageros ao tratamento gráfico, alto custo
para estações de trabalho robotizadas,
além de questões éticas e médico-legais.4,6,16
Em telepatologia, considerando que as
imagens são de pacientes, no tratamento
destas, além do que deve ser realçado,
armazenado e transmitido, questões sobre
segurança, ética e responsabilidade devem
nortear todo o processo.17-19
Imagem digital
Considerando o ponto de vista físico,
imagem é um objeto plano com propriedades
de intensidade luminosa e cor que podem
variar de um ponto a outro.20 Capturadas por
recursos de fotografia (câmaras fotográficas),
escanerização (digitalizadores de mesa,
adaptáveis ou de diapositivos) ou de videocaptura (videocâmaras), as imagens digitais
integram os mais importantes produtos da
alta tecnologia atual. 21-22
Uma imagem digital por defi nição é
bitmapeada, ou seja, formada pela combinação das unidades básicas de computação
bits 0 e 1, processo que permite a leitura e
armazenamento em processadores e memórias microcomputadorizadas. Na visualização à tela a imagem digital é determinada
por um gradeamento de pequenos quadrados
denominados pontos ou “pixels”, identificáveis por coordenadas x e y. A quantidade
de pontos defi ne a resolução da imagem
que pode ser a espacial quando quantifica
pontos por uma unidade específica como
a polegada, ou total constituindo todos os
pontos da imagem expressa por largura e
altura. Portanto, exemplificando, a resolução
espacial pode ser 25 dpi (dots por inch ou
ponto por polegada) ou total de 1600×1200
representando 1600 pontos de largura por
1200 de altura ou 1.920.000 pontos. Quanto
maior a quantidade de pontos, mais extenso
74
é o gradeamento e a capacidade de discernir
detalhes na imagem. É interessante observar
que se alterarmos a resolução espacial o
número total de pontos pode ser mantido,
entretanto, as dimensões da imagem são
alteradas consequentemente à observação.
Uma imagem de 75 dpi alterada para 300 dpi
demonstra uma diminuição perceptível à
tela do computador, pois concentramos mais
pontos por polegada sem, contudo, alterar o
número de pontos.20-22
A imagem digital corresponde a uma
associação do número de pontos e o grau
de intensidade luminosa. Cada ponto
“acende” ou brilha por diferentes níveis de
intensidade deflagrando as diferentes cores.
As diferentes nuances ou tons de cor de uma
imagem são resultantes do brilho (luz) por
diferentes intensidades no gradeamento de
pontos interpretado pela retina humana.
No ponto de vista biofísico a impossibilidade
de observar raios luminosos de uma fonte
de luz revela a propriedade da “sensação
diferenciada de claridade” captada pelos
receptores da retina humana e transmitida
pelo nervo óptico, como responsável pela
diferenciação das imagens com relação ao
espectro eletromagnético de cores. A cor de
um ponto é determinada pelas combinações
do sistema RGB (Red, Green e Blue), onde
níveis de luz vermelha, verde e azul são codificados cada um por números localizados em
um intervalo de 0 – 255, onde o extremo 0
corresponde a ausência de luz (luz zero) e o
255 luz máxima. O sistema RGB é o método
de disposição de cores mais utilizado
no mundo da informática ou tecnologia.
Uma imagem RGB possui três canais correspondentes às cores primárias provenientes da
luz ou “fi ltros” de cor. Quando um computador processa as cores de uma imagem, o
faz iluminando através dos fi ltros. Um tom
laranja que “acende” em um ponto corresponde a combinação dos valores de vermelho
255 (luz máxima), verde 100 (luz média) e
azul 0 (azul não presente), assim como nos
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
extremos podemos encontrar o ponto (0,0,0)
sendo preto puro e o (255,255,255) branco
puro e brilho máximo. Os outros tons e
demais cores são frutos da combinação dos
valores RGB como as primárias vermelha
(255,0,0), verde (0,255,0) e azul (0,0,255) e
exemplos de outras cores como o amarelo
(255,255,0) resultante da associação do
vermelho máximo 255, verde máximo 255
e azul nulo, e tons como violeta (255,0,255)
que corresponde ao vermelho 255, azul
255 e verde 0, ou turquesa (0,255,255) da
associação do verde e azul (ambos 255) com
vermelho 0.20-22
Parâmetros como percepção simples,
iluminação e média de canal (cor) podem
determinar mudanças nos valores dos pixels
(coordenadas X, Y e canais RGB individuais
0-255) e diferenças entre imagens, considerando-se os conceitos de luminância (intensidade da luz refletida em uma determinada
direção), cromaticidade (cores definidas
independentemente de luminância), crominância (cores mudam se a intensidade da luz
é variada) e da perspectiva da observação
por olho humano [Figura 1].23-26 A anatomia
patológica é uma ciência visual colorida e
patologistas dependem de seus olhos para
fi ns de diagnóstico, mas o sistema de visão
humana é predominantemente qualitativo
e comparativo (analógico) do que quantita-
tivo (digital), e não adequado para detectar
estruturas definidas por variação dos valores
de crominância. 27 Enquanto luminância
está relacionada com preto e branco, crominância refere-se aos valores de cor, entretanto, em imagens coloridas, a percepção de
detalhes é obtida a partir do componente
de luminância de cada pixel principalmente.
Os monitores de computador e placas
gráficas para visualização ou processamento
são exemplos de dispositivos que controlam
a luminância e crominância.23
Além do gradeamento de pontos característico e a propriedade de intensidade luminosa individual, a imagem digital requer
armazenamento e, por vezes, tratamento.
Armazenamento e tratamento consistem
em processos peculiares com algoritmos
de compressão e fórmulas matemáticas
que podem alterar reversível ou irreversivelmente a formatação digital original da
imagem.2-3,20-22
Figura 1
Ependimite.
Infecção por
citomegalovírus
em um paciente
com AIDS.
Inclusão nuclear
característica tipo
“olho de pássaro”
no centro da
imagem. Imagem
digital com valor
diagnóstico:
parâmetros
percepção simples
(esquerda),
luminância (central)
e crominância
(direita). Enquanto
luminância está
relacionada com
preto e branco,
crominância referese aos valores de
cor, entretanto, em
imagens coloridas,
a percepção
de detalhes é
obtida a partir
do componente
de luminância
de cada pixel
principalmente.
O sistema de
visão humana é
predominantemente
qualitativo e
comparativo
(analógico) do
que quantitativo
(digital), e não
adequado para
detectar estruturas
definidas por
variação dos valores
de crominância.
Tratamento
A peculiaridade da formatação digital de
uma imagem capturada para o computador
permite grande flexibilidade na modificação
de suas características originais. O processo
de edição ou tratamento de uma imagem
75
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
digital envolve aplicativo gráfico e técnicas
classificação de acordo com um propósito.
cujo produto fi nal é uma outra imagem com
Uma imagem digital de um fragmento de
resolução, matriz de pontos e intensidades
caso/paciente pode sofrer tratamento objeti-
luminosas diferentes, entretanto, mais
vando lhe conferir (ou melhorar) o seu valor
adequada a alguma aplicação específica. 3
diagnóstico.3,20-22,29
Atualmente, tratamento de imagens corresponde aos processos de edição digital sobre
imagens geradas por computador e podem
Armazenamento
ser agrupados em três categorias funcionais:
Capturada, visualizada ou após tratada a
imagem digital precisa ser armazenada.
O processo de armazenamento utiliza algoritmos de compressão que objetiva reduzir
o tamanho do arquivo digital que representa a imagem e o aumento consequente
da velocidade de transmissão de dados
por tecnologia de rede (intranet, internet).
Os algoritmos de compressão atuam ao
nível de bits/bytes prevenindo redundância
de dados, subdividindo-se em reversíveis
(sem perdas) ou irreversíveis com perdas, e
duas variáveis são levadas em consideração:
taxa de compressão (razão entre o tamanho
fi nal da imagem comprimida e o tamanho
sem compressão) e a velocidade de processamento. A taxa de compressão será maior
quanto menor for a imagem comprimida.
Caracteristicamente, imagens digitais com
valor diagnóstico requerem detalhamento,
fidelidade/qualidade e devem ser recuperadas sem perdas pós-compressão. O uso de
processos reversíveis sem perdas é fundamental, prevenindo assim a perda de detalhes importantes, como BMP, PNG, TIFF e
algoritmos como RLE, Shannon, Huffman e
Gilbert. A compressão JPEG popularmente
utilizada, promove grande economia de
espaço (memória) reduzindo a imagem,
entretanto, assim como outros processos
irreversíveis, pode apresentar perdas de detalhamento. Processos de captura, tratamento
e armazenamento de imagens digitais com
valor diagnóstico devem ser otimizados
por software (programas aplicativos) e
hardware (equipamentos, computador
e rede) eficientes e supervisionados por especialista médico. 30-31
aprimoramento, restauro ou extração de
informação.28
No tratamento, valores dos pontos (coordenadas, intensidade luminosa) são alterados
através de filtros e processos pontuais, locais
ou de transformação.20 Filtros constituem
fórmulas matemáticas com funções que
recalculam valores de pontos, localização
e distância entre eles, além de modificar os
graus de intensidade luminosa. Processos
pontuais alteram individualmente valores de
intensidade luminosa resultando nas modificações de realce como contraste e brilho.21
Processos locais envolvem a aproximação
ou distanciamento de grupos de pontos
onde aspectos das imagens são realçados
ou suavizados, evidenciando detalhes como
aqueles obtidos nas ações de focalização
ou no uso de fi ltros como o de gradiente,
Gaussiano, Sobel, Roberts, dentre outros (o
nome ou rótulo podem variar dependendo
do aplicativo). Os processos de transformação podem ser simples ou mistos. 22
Os processos de transformação simples estão
relacionados a manutenção dos valores de
intensidade luminosa dos pontos, entretanto, são alteradas as coordenadas (espaço)
de localização, como nos processos de
ampliação, redução, rotação e aproximação
(zoom). Os processos de transformação
mistos ou complexos utilizam filtros e
processos pontuais e locais, proporcionando
grandes modificações na formatação digital
das imagens. A edição simples ou complexa
sobre uma imagem digital é a resultante de
um processo de melhoria, detalhamento ou
76
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
MATERIAL E MÉTODO
Desenho do Estudo
Desenvolveu-se um estudo transversal
descritivo e duas fases foram delineadas:
Fase I baseada em revisão da literatura
e Fase 2 com análise comparativa sobre
imagens digitais com valor diagnóstico.
O material e método foram direcionados
para o embasamento da discussão sobre
parâmetros que possam influenciar a confiabilidade e acurácia em telepatologia, ou seja,
concordância ou consistência de resultados
reproduzidos em condições similares e a
capacidade do método telepatológico de
acertar diagnóstico. A análise sobre o uso
de amostras digitais objetivou identificar
diferenças significativas durante captura,
visualização, tratamento e armazenamento,
que possam comprometer a atividade de
diagnóstico.
estática com microscópio, microcomputador,
câmera digital de captura, scanner para
imagens e diapositivos, além de monitor de
alta resolução.
1.
Microscópio. Olympus BX Triocular
com 4 objetivas e aumentos de 10x, 20x,
40x e 100x.
2.
Microcomputador configurado com
placa mãe Intel, memória RAM de 4
Gb, HD 1Tb, processador Intel, placa de
video 1Gb, recursos de rede ativos tanto
para internet quanto para a intranet
hospitalar (cabeamento próprio), drive
Cdrom, teclado e mouse.
3.
Câ mera d ig ita l Sony acoplad a ao
microscópio triocular por dispositivo
“C-mount”, cabeamento de “video in”
para a placa de video do computador.
4.
Scanner Hp, modelo c4000 com recursos
para digitalização de imagens e diapositivos (slides) sob resolução óptica
de 2400 dpi e cabeamento USB para o
computador.
5.
Sistema operacional: Windows 8 64 bits.
6.
Aplicativos gráficos para tratamento
digital de imagens: Adobe Photoshop
7.0 e Corell Photopaint X6.
7.
Programa de análise sobre diferenças
entre imagens digitais: Diffi mg (x64)
2.1.0.
FASE 1. Pesquisa bibliográfica e critérios.
Desenvolveu-se rev isão d a l iteratu ra
sob critérios no período de 1990 a 2014.
A pesquisa bibliográfica consistiu no
rastreamento e leitura de títulos, resumos
e textos completos, sendo consideradas as
publicações em periódicos, jornais e revistas
que abordassem a experiência de serviços
universitários ou laboratórios na implantação da telepatologia nos processos diagnósticos de rotina. Procuramos identificar
em artigos de experimentação e revisão,
parâmetros de confiabilidade e acurácia
diagnóstica para a prática da telepatologia
relacionados a captura e tratamento das
imagens digitais com valor diagnóstico.
MATERIAL E MÉTODO
Estação de trabalho. Com o objetivo de
desenvolver a captura e o tratamento
das imagens digitais, configuramos uma
estação de trabalho telepatológica do tipo
Amostras digitais. Foram capturadas
100 imagens digitais com valor diagnóstico,
50 com visão macroscópica e 50 de microscopia, a partir de lâminas de casos e fotos de
procedimentos diagnósticos em neuropatologia como fragmentos de tecidos (biópsias),
peças anatômicas (cirúrgicas ou necropsias)
e procedimentos de congelação, provenientes
do Laboratório de Anatomia Patológica do
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle
(Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
77
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
UNIRIO). A resolução de captura das imagens
capturadas foi padronizada em espacial de
300 dpi e total de 1600×1200 pixels.
Padrão Ouro. Após a captura por digitalização as 100 imagens foram dispostas
em monitor de resolução 1600×1200 pontos
e submetidas a anatomopatologias para
elaboração e conferência dos diagnósticos.
As amostras sofreram a ação de aplicativos
gráficos e uso de fi ltros e processos específicos considerando os parâmetros de confiabilidade e acurácia diagnóstica identificados
e classificados na primeira fase de nosso
estudo: 1) seleção e extensão de campo;
2) qualidade (resolução); 3) aumento apropriado; 4) focalização; 5) número suficiente
de imagens; 6) Iluminação (intensidade,
contraste e brilho); 6) ajuste dos parâmetros técnicos do microscópio. Em síntese,
o processo foi iniciado com uma imagem
previamente capturada com ajustes “defaut”
(fábrica) dos equipamentos e, após elaboração
e conferência diagnóstica, fi nalizado com o
armazenamento de uma imagem tratada por
aplicativo e fi ltros gráficos.
O processo de aperfeiçoamento objetivou classificar as amostras como imagens
digitais com valor diagnóstico e alcançando
assim o que denominamos como padrão
ouro, suficiente para atividades assistenciais,
didáticas ou de pesquisa e, mais especificamente, para a análise comparativa que se
desenvolverá no próximo estágio do estudo.
O processo foi desenvolvido e supervisionado por telepatologista com experiência no
manejo de aplicativos gráficos associados a
microcomputadores com suporte periférico
apropriado, objetivando o aperfeiçoamento
do diagnóstico através do tratamento digital
e armazenamento das imagens analisadas.
Análise comparativa das imagens
segundo parâmetros
As 100 imagens com valor diagnóstico
previamente capturadas e as 100 imagens
78
já tratadas e admitidas como nosso padrão
ouro foram submetidas a análise comparativa sob critérios. Objetivamos com a
análise determinar o quanto uma imagem
capturada em padrão “default” difere da
imagem resultante do tratamento digital
(padrão ouro), considerando os parâmetros
identificados na pesquisa bibliográfica.
As amostras foram submetidas à análise
comparativa em programa de computador
considerando os critérios de percepção
simples, iluminação e média de canal (cor),
relacionados às diferenças encontradas nos
valores dos pontos (pixels). Destaca-se que
as imagens não sofreram redimensionamento, rotação, duplicação, corte (“crop”) ou
espelhamento prevenindo assim alterações
adicionais sobre os pontos ou viés de seleção.
Os resultados foram fornecidos em dois
dados para cada critério adotado. O primeiro
demonstra o percentual de alteração global –
que o programa denomina de “erro” – sobre
os valores de pontos, e o segundo a média
de alterações (ou “erros” encontrados) sobre
os valores do sistema RGB, considerando o
intervalo 0 – 255.
Percepção simples. Parâmetro que
analisa duas imagens com o objetivo de
determinar se há diferenças ou alterações
sobre os valores dos pontos. Destaca-se que
aqui é detectada qualquer alteração nos
pontos (coordenadas x,y e intervalo 0-255)
não considerando a perspectiva real do olho
humano, ou seja, duas imagens, uma pouco
mais clara que outra ou cores levemente
escurecidas, podem ser completamente
diferentes ao nível de métrica de pontos
mas a diferença imperceptível a simples
observação. Para determinar o quanto uma
imagem pode ser diferente de outra na observação por olho humano, portanto, consideraremos os parâmetros de iluminação ou
média de canal nas análises subsequentes.
Uma vez selecionado o critério de percepção
simples, o aplicativo detecta se há alterações nos valores de pontos considerando
parâmetros globais como campo de visão
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
(45 graus), iluminação branca da tela (padrão
100.0 cdm^-2), gama da tela (padrão 2.2 =
RGB em espaço linear), fator da cor (0 a 1)
e resolução.
Iluminação. O critério de diferença por
iluminação envolve as características de
intensidade, contraste e brilho das imagens
comparadas e é determinado pelo programa
de computador considerando o conceito de
luminância relacionado a intensidade de luz
refletida em uma direção dada. O parâmetro
de luminância refere-se a preto e branco e
a percepção de detalhes em imagens coloridas, portanto, diretamente relacionada
com a análise de diagnóstico por patologistas. A métrica de diferenciação usada
pelo programa de computador considera os
valores das cores vermelho (R), verde (G) e
azul (B) segundo as coordenadas x e y dos
pontos, de acordo com a seguinte fórmula:
luminância (x,y) = 0.3*R (x,y) + 0.59 * G
(x,y) + 0.11 * B (x,y). Uma vez verificada a
alteração sobre luminância das imagens
comparadas, os resultados são fornecidos
sobre o percentual de alteração global sobre
os valores de pontos e a média de alterações
sobre os valores do sistema RGB, considerando o intervalo 0 – 255.
Média de canal. O critério de diferença
por média de canal está relacionado as características de cor das imagens comparadas e
é determinado por programa de computador
considerando o conceito de crominância.
Considerando-se métricas de qualidade de
imagem, os critérios de iluminação e média
de canal ou parâmetros de luminância e
crominância estão diretamente relacionados
a modificações no sistema RGB que mostra
as alterações perceptíveis à visão humana
e análise diagnóstica. As diferenças entre
duas imagens são verificadas ao considerar
os valores do sistema de cor “RGB” (0 – 255),
canal por canal, determinando um resultado
fi nal por média. A métrica de diferenciação
por média de canal considera os valores
das cores vermelho (R), verde (G) e azul (B)
segundo as coordenadas dos pontos (x e y),
concluindo na seguinte fórmula: média
de canal ((x,y) = R (x,y) + G (x,y) + B (x,y))/3.
Uma vez verificada a alteração sobre crominância das imagens comparadas, os resultados são fornecidos sobre o percentual de
alteração global sobre os valores de pontos
e a média de alterações sobre os valores
individuais do sistema RGB, considerando
o intervalo 0 – 255.
RESULTADOS
A pesquisa bibliográfica permitiu identificar parâmetros que influenciam a
confiabilidade e acurácia diagnóstica de
exames por telepatologia, relacionados a
captura e tratamento das imagens digitais
com valor diagnóstico, ajustes técnicos do
microscópio, além da adição de formulários.
Relacionado à captura das imagens digitais
devem ser observados a resolução, campo
visual (seleção, aumento apropriado e focalização), iluminação (intensidade, contraste
e brilho), ajuste de cor e número suficiente
de amostras. No tratamento digital podem
ser aplicados ajustes, filtros simples ou
complexos que não interfiram no valor
diagnóstico das amostras. Completando a
sequência anotamos os ajustes de parâmetros técnicos do microscópio e a inclusão de
formulários com características clínicas e
complementares do paciente [Tabela 2].
Análise sobre tratamento digital
Comparando imagens antes e após tratamento digital realizado sob parâmetros
de confiabilidade e acurácia, objetivamos
demarcar alterações que possam influencia r a a nálise d iag nóstica [Tabela 3].
Considerando o critério de percepção
simples observamos que as imagens digitais
tratadas tanto de macroscopia quanto de
microscopia apresentaram grande quantidade de pontos (pixels) alterados, principal79
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Tabela 2
Parâmetros que
influenciam a
confiabilidade
e acurácia
diagnóstica em
exames por
telepatologia,
segundo revisão
da literatura
(período
1990-2014).
Imagem digital
• Captura e visualização
– Seleção e extensão de campo
– Qualidade/Resolução
– Aumento apropriado
– Focalização
– Número suficiente de imagens
– Iluminação – intensidade, contraste
e brilho
– Ajuste de cor
• Tratamento digital
– Ajustes, filtros simples ou complexos
Microscópio
• Ajuste de parâmetros técnicos
Adição de formulário do emissor
• Dados clínicos ou complementares do
paciente
mente as capturadas por microscópio que
revelaram média de 99,49% (±1,36) de alterações globais e 251,38 (±1,44) ou 98,58% do
total de pontos considerando os valores RGB
(0-255), comprovando a afi rmação conceitual de que o tratamento digital provê uma
“nova imagem”. Nos critérios de iluminação
(luminescência) e média de canal (crominância), a porcentagem global de pontos
demonstra que quase a totalidade de valores
de pontos foi modificada, entretanto, considerando os dados sobre o sistema RGB que
evidenciam as alterações visíveis a olho nu,
as imagens pouco se alteraram. As imagens
de microscopia demonstraram médias de
alterações do sistema RGB (valores 0-255)
sobre os critérios de iluminação e média
de canal de 30,48(±9,28) e 29,61(±9,38) ou
somente 11,95% e 11,61% do total de pontos
respectivamente, o que nos permite concluir
que à visualização humana as imagens
parecem pouco alteradas pelo tratamento
digital. Observação ainda mais evidente
ocorreu sobre as imagens de macroscopia
que obtiveram uma média de alterações
sobre o sistema RGB de 14,61(±6,61) ou 5,72
% do total de pontos no critério de iluminação, e 11,88 (±6,24) ou apenas 4,65 % no
critério de média de canal. Considerando
80
que imagens digitais com valor diagnóstico
capturadas por câmeras fotográficas ou
escâneres são planas, coloridas e estáticas,
as alterações perceptíveis a olho nu relacionam-se diretamente à análise diagnóstica
local/remota, quando enviadas e visualizadas em diferentes monitores/telas como
computadores desktop, notebooks, tabletes
além de celulares ou smartphones.
Relacionando os desvios padrão com as
médias, os coeficientes de variação foram
calculados com o objetivo de destacar a
comparação do grau de variação entre as
séries dos dados de alteração global sobre
pontos e sistema RGB, e os três diferentes
critérios adotados.
Os coeficientes de variação obtidos
sobre os dados da alteração global de pontos
nas imagens de macroscopia e microscopia
não ultrapassaram a 0,178 demonstrando
homogeneidade de dados e consistência da
metodologia nos três critérios, destacando-se
que nos critérios de iluminação e média de
canal que estão relacionados às alterações
perceptíveis à visualização humana, foram
inferiores a 0,02. Ainda, nestes critérios relacionados a luminescência e crominância, as
médias e respectivos desvios padrão, além
dos coeficientes de variação encontrados
sobre os dados do sistema RGB nas imagens
de microscopia (0,30 e 0,31) e macroscopia
(0,45 e 0,52) revelaram consistência para
concluirmos que as imagens com valor
diagnóstico não sofreram alterações significativas após processos digitais de captura,
tratamento e armazenamento quando subordinados a parâmetros de confiabilidade e
acurácia diagnóstica.
DISCUSSÃO
O desafio foi lançado. A proposta do uso
de imagens geradas por computador em
atividades de diagnóstico era promissora,
porém, dependente do desenvolvimento
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Critérios
Percepção simples
Iluminação
Média de Canal
Alterações
Alteração global RGB
% 0-255
Alteração global RGB
% 0-255
Alteração Global RGB
% 0-255
Imagens
Macroscopia
n = 50
76,20 ± 13,62
CV (0,178)
165,63 ± 42,73
CV (0,25)
98,15 ± 2,56
CV (0,02)
14,61 ± 6,61
CV (0,45)
98,55 ± 2,23
CV (0,02)
11,88 ± 6,24
CV (0,52)
Imagens
Microscopia
n = 50
99,49 ± 1,36
CV (0,01)
251,38 ± 1,44
CV (0,005)
99,34 ± 1,44
CV (0,01)
30,48 ± 9,28
CV (0,30)
99,83 ± 0,49
CV (0,004)
29,61 ± 9,38
CV (0,31)
* médias de alteração global; dados RGB no intervalo 0-255; CV = coeficiente de variação.
tecnológico sobre hardware (equipamento,
computador e rede), software (programas,
aplicativos), divulgação e aceitação em
atividades médicas. Ao fi nal dos anos 1980,
quando eram ainda embrionárias as estações de trabalho telepatológicas, estudos
reiteravam a importância da qualidade
da imagem digital que deveria oferecer a
mesma resolução e, consequentemente, a
mesma acurácia diagnóstica dos sistemas
ópticos de microscópios.32 Na literatura há
diversos estudos que avaliaram centenas
de imagens digitais de tecidos humanos
concluindo que acurácia diagnóstica de
74-88% sob rígidos critérios e mais de 90%
sob critérios flexíveis, foi suficiente para
indicar a telepatologia como importante
ferramenta diagnóstica e ligação, em tempo
real, dos serviços de cirurgia e laboratórios
de patologia de um hospital.4,33-34
Imagens digitais com valor diagnóstico
foram submetidas a patologistas por Weinstein et al quando concluíram que a extensão
do campo visual era mais importante do
que a qualidade da imagem. Imagens com
poucos bits de cor (menor qualidade) foram
suficientes para diagnóstico quando também
demonstravam vários campos da lesão
em estudos desenvolvidos por Nordrum
et al, Eide e Nordrum e Doolittle et al.5,35-38
Com o desenvolvimento tecnológico sobre
a captura de imagens digitais nos últimos
anos, a descriminação de detalhes (pontos)
associada ao grau de intensidade luminosa, o
que chamamos de resolução, constituiu alvo
de estudos que apontaram que a extensão do
campo e a resolução devem ser ampliados
tanto quanto possível.8,12 A relação camporesolução deve ser competente significando
que a correta configuração dos equipamentos na estação de trabalho telepatológica
constitui item de considerável importância.
Patologistas receptores têm reportado dificuldade à analise com imagem digitais em
baixa resolução, significando barreiras ao
diagnóstico como por exemplo no estadiamento de tumores ou, por vezes, subestimá-los devido à baixa discriminação de
detalhes ou pequena quantidade de campo
com áreas de lesão.12,39-42
Tabela 3
Análise
comparativa
entre as imagens
previamente
capturadas (sem
tratamento)
e as imagens
resultantes
(tratadas,
padrão ouro)
sob os critérios
de percepção,
iluminação
e média de
canal (cor),
considerando
as diferenças
encontradas
nos valores
dos pontos
em médias de
alteração global
e sistema RGB
(intervalo de
0-255).
Em telepatologia, a relação entre e
a correta seleção de campos da lesão e a
resolução da imagem enviada para análise,
é classificada, por muitos autores, como a
de maior impacto para a confi abilidade e
acurácia diagnóstica, descartando a aleatoriedade de muitas imagens.4 Estudos como
o de Dunn et al demonstraram a dificuldade
de identificar H. pylori em imagens digitais,
assim como cocos, principalmente gramnegativos, em diagnósticos por telemicrobiologia.43 Em telecitopatologia, amostras
suspeitas de casos de neoplasia maligna com
excelente resolução e numerosos campos,
mas sem visualização de células com
potencial de malignidade, inviabilizam o
diagnóstico.5,31,39,44-48 Contribuições como a
de Willians et al identificaram o potencial
de erros relacionados à operação da estação
de trabalho de telepatologia estática, na
81
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
seleção e envio de imagens digitais, reduzindo consideravelmente a acurácia diagnóstica ao dificultar o trabalho dos patologistas
que analisam as amostras (receptores) ou
aqueles consultores.12
Na análise de imagens a escolha apropriada do aumento relaciona-se ao processo
de seleção do campo e constitui aspecto
importante para determinação diagnóstica. A observação inequívoca de atipias
celulares ou a ausência destas, aumentos
inapropriados para lesões inflamatórias com
diagnósticos aberrantes de neoplasias, além
de pequena oferta de imagens sob diversos
aumentos, são reportados como problemas
na investigação diagnóstica em procedimentos de congelação.4,39,47-52 Willians et al
também abordaram a importância da correta
seleção de campo com aumento apropriado
no processo de digitalização de imagens de
imunoistoquímica, estabelecendo ainda
critérios para imunopositividade em uma
amostra digital estática: (1) presença de
células positivamente marcadas e que realmente possam ser identificadas como tal;
(2) visualização de marcação de positividade
intracelular sob aumento apropriado; e
(3) presença de controle interno positivo
dentro dos limites do campo capturado.12
Além da relação campo-resolução, o
foco torna-se importante parâmetro ao
descriminar detalhes importantes para
análise diagnóstica. Focalização inadequada ocorre geralmente para pequenos
aumentos e pode inviabilizar amostras digitais armazenadas ou enviadas em processo
telepatológico. Captura com videocâmeras
ou câmeras antigas com resolução baixa
apresentam dificuldade à focalização e
na identificação da imensa quantidade de
detalhes visuais presentes nas amostras
panorâmicas ou de pequeno aumento.
Capturar um número maior de amostras
digitais descartando aquelas com focalização inadequada, além da observação em
maiores aumentos (acima de 20x) e obser82
vada a correta utilização do aplicativo de
captura são ações que promovem o aperfeiçoamento do processo telepatológico.5,31,39,44-48
Alguns estudos ressaltam que o processo
de captura digital pode inevitavelmente
trazer a perda de detalhes e a experiência
com o equipamento e a técnica empregada
é fundamental nos processos de focalização. Sistemas de telepatologia dinâmica
com microscópios robotizados e operados
por patologistas remotamente localizados
minimizam erros relacionados aos parâmetros de seleção de campo, aumento e
focalização, contudo, trata-se de tecnologia
cara que demanda recursos materiais, treinamento e integração, ainda proibitivos para
a maioria das instituições públicas de saúde
ou de ensino médico em países pobres e em
desenvolvimento.4-6,8-13
Imagens mal defi nidas ou com baixa
iluminação podem comprometer a confiabilidade diagnóstica em exame telepatológico,
evidenciando a importância de parâmetros
como contraste e brilho, mas facilmente
ajustáveis com filtros em aplicativos
gráficos de baixo custo [Figura 2]. Leong et
al evidenciaram a perda de iluminação que
muitas imagens de microscopia sofrem em
processos de videocaptura digital, observada tanto na análise ao monitor quanto
à impressão, e defenderam a utilização de
aplicativos gráficos e fi ltros para sua correção.53 Estudos demonstram que o tratamento
digital recupera detalhes importantes para a
análise diagnóstica além de pouca alteração
sobre o conteúdo observado, entretanto,
sugerem padrões de uso com limites para
a edição digital de imagens de microscopia
com propósito diagnóstico, atentando para
excessos.54,55 Gonzalez e Wints citados pelo
manual de telepatologia da Sociedade Espanhola de Patologia chamam a atenção para
a especificidade da aplicação, onde o valor
ou fi nalidade da imagem resultante está em
função do problema que se trata, ou seja,
um método ou aplicativo gráfico pode ser
útil para determinadas imagens, porém não
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
adequado para outras.3,20 Gonzalez e Wints,
Rosenfold e Kalk e Rus publicaram monografias interessantes sobre tratamento de
imagens, onde vasta quantidade de processos
pontuais, locais e de transformação com
numerosos filtros são detalhados e aplicáveis
a amostras digitais macro ou microscópicas
de caráter diagnóstico, assim como Borges
(2004) em imunohistoquímica.2,20-22
Considerando a estação de trabalho
telepatológica mas, referindo-se agora ao
microscópio, parâmetros técnicos como
deficiências de iluminação, luz excessiva
obscurecendo detalhes finos das células
ava l iad as, a l i n hamento imprópr io de
condensador, diafragma ou aberturas que
causam aberrações em detalhes de cromatina
nuclear ou periferia celular (especialmente
em pequenos aumentos) e irregularidades
nas lentes do sistema óptico, podem comprometer a acurácia diagnóstica dos exames.12-57
A maior parte dos problemas é resolvida com
a correta configuração dos equipamentos, e
programas de implantação da telepatologia
devem identificar e relacionar dificuldades,
além de promover o intercâmbio de soluções aplicáveis. Estudos alertam para o
potencial de erros relacionados à operação
sobre a estação de trabalho de telepatologia
estática, sugerindo que a maior parte dos
erros está relacionada a seleção de campo
e edição das imagens digitais, reduzindo
consideravelmente a acurácia diagnóstica
em diagnósticos remotos inter-observadores.
Dentre os fatores que combinados caracterizam a qualidade fi nal da imagem são
dignos de nota a resolução do instrumento
capturador (em “pixels”, câmara), cor (bits),
tipo do sistema de imagem (video ou estático), algoritmo de compressão (gravação em
arquivo digital) e ajustes ópticos do microscópio. 8,12,38,57-63
Em última análise não devem ser
negligenciados os cuidados quanto a procedimentos externos como a preparação laboratorial de lâminas ou cortes inadequados
de tecido que podem apresentar artefatos,
marcação fraca ou errônea em imunohistoquímica, escassez de elementos tissulares/
celulares ou material degradado de qualquer
modo capaz de dificultar a visualização à
microscopia óptica comprometendo irremediavelmente a captura digital.8,12
A inclusão de informações sobre o
paciente é parâmetro não técnico, mas,
influenciador sobre a confiabilidade e
acurácia diagnóstica em exames por telepatologia. É recomendável a adoção de
formulários que serão enviados em conjunto
com as imagens digitais, cujo preenchimento deveria ser obrigatório, com texto
claro e preciso, e apresentando duas vias:
a do telepatologista que operou a estação de
Figura 2
Cérebro. Imagem
macroscópica
de linfoma
primário do
sistema nervoso
central com
espessamento
de paredes
ventriculares.
Parâmetros
como brilho e
contraste podem
ser alterados por
tratamento digital
objetivando
melhorar ou
recuperar
detalhes
importantes à
análise sobre
imagens digitais
com valor
diagnóstico.
83
Mauricio Ribeiro Borges / Carlos Alberto Basílio de Oliveira
trabalho (selecionando, tratando e enviando
as imagens) com os dados clínicos e complementares do caso; e, a outra via, onde será
registrado o resultado da análise do patologista receptor ou consultor. Estudos como
o de Leong et al sugeriram que a acurácia
diagnóstica de uma amostra poderia ser
aumentada, se anexos às imagens digitais
fossem também disponibilizadas informações contendo dados clínicos e exames
complementares sobre o caso. Concluíram
citando o desenvolvimento com recursos
próprios de aplicativo de captura, que sob
interface amigável e otimizada, disponibilizava automaticamente texto complementar
anexo às imagens.2,7,55
A necessidade de padronização é reiterada na literatura em artigos mais recentes.
Em microscopia, a qualidade da imagem e a
coloração em lâminas que podem influenciar a captura por câmeras digitais, ou a
inclusão de informações mínimas ou descritivas em imagens de macroscopia, além da
normalização de aplicativos e dispositivos
em estações de trabalho microcomputadorizadas, demonstram que a padronização
sobre parâmetros inerentes ao exame telepatológico é preocupação lúcida quanto ao
futuro desta aplicação médica.62-64 O uso de
imagens digitais editadas por tratamento
gráfico em atividades diagnósticas em laboratórios de patologia ou estações de trabalho
telepatológicas é crescente e promissor,
entretanto, depende da disponibilidade
de hardware (equipamento, computador e
recursos de rede), software (oferta de aplicativos orientados para análise e edição de
imagens de natureza macro ou microscópica), treinamento, aceitação em diferentes
atividades médicas, questões ético-legais e
padronização.64-66
importante elo tecnológico entre a patologia
e as diversas especialidades médicas, beneficiando amplo espectro de pacientes.
Dentre os parâmetros que influenciam
a consistência de resultados e a capacidade
do método telepatológico em acertar diagnóstico destacam-se aqueles relacionados a
captura e tratamento das imagens digitais,
ajustes técnicos do microscópio e inclusão
de formulários. Na captura das imagens
digitais devem ser observados a resolução,
campo visual (seleção, aumento apropriado
e focalização), iluminação (intensidade,
contraste e brilho), ajuste de cor e número
suficiente de amostras. No tratamento
digital podem ser aplicados ajustes, fi ltros
simples ou complexos que não interfiram no
valor diagnóstico das amostras. O cuidado
com os ajustes técnicos do microscópio e a
inclusão de formulários com dados clínicos
e complementares do paciente encerram
a lista. A correta adoção e sistematização
destes parâmetros promove um aumento
das taxas de confiabilidade e acurácia
diagnóstica em exames por telepatologia
como biópsias, pu nções aspirativas e
procedimentos de congelação, indicação de
procedimento cirúrgico, discriminação de
tumores benignos e malignos, confi rmação
de metástases, além de permitir decisões
sobre acometimento de margem cirúrgica.
Em nosso estudo comparativo sobre
imagens digitais com valor diagnóstico
em estação de trabalho telepatológica, os
processos de captura, tratamento e armazenamento não alteraram significativamente o conteúdo das amostras, e estas não
apresentaram diferenças significativas que
comprometessem a análise diagnóstica local
ou remota.
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CONCLUSÕES
O uso de imagens digitais integra o método
diagnóstico por telepatologia que constitui
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87
A HISTÓRIA DA CIRURGIA CRANIOFACIAL
UM PASSADO DE GUERRAS E HERÓIS
Ricardo Lopes da Cruz, MD1
Membro Titular
do Colégio
Brasileiro de
Cirurgiões.
Membro Titular
e Especialista
da Sociedade
Brasileira de
Cirurgia Plástica.
Membro Efetivo
da Sociedade
Brasileira
de Cirurgia
de Cabeça e
Pescoço.
Membro
Fundador da
Sociedade
Brasileira
de Cirurgia
Craniomaxilofacial.
Chefe do Centro
de Cirurgia
Craniomaxilofacial
do INTO (MS-RJ).
Membro Titular
da Academia
Nacional de
Medicina
1
88
A cirurgia craniomaxilofacial, ou simplesmente cirurgia craniofacial, originou-se modernamente da evolução de várias especialidades cirúrgicas que se desenvolveram simultaneamente como a Neurocirurgia, a Cirurgia Plástica, a Cirurgia de Cabeça e Pescoço, a
Otorrinolaringologia e a Oftalmologia. Do ponto de vista semântico, esta denominação
engloba intervenções cirúrgicas realizadas na face, ou na transição craniofacial, através de
acessos combinados que incluem, invariavelmente, o acesso intra-craniano.
A cirurgia craniomaxilofacial engloba, de forma genérica, o tratamento:
1.
das deformidades congênitas com grande impacto no esqueleto craniofacial, como é
observado na cirurgia plástica pediátrica, em síndromes frequentes como a microssomia hemicraniofacial, Pierre-Robin, Treacher-Collins (disostose mandíbulo-facial),
cranioestenoses com importante acometimento orbital (plagiocefalia, trigonocefalia,
braquicefalia) e as craniofacioestenoses (Apert, Crouzon)
2.
dos tumores que envolvem a transição cranio-facial e que tornaram a Cirurgia de Base
do Crânio uma importante subespecialidade dentro da Neurocirurgia e da Cirurgia de
Cabeça e Pescoço
3.
das deformidades pós-traumáticas, principalmente as que envolvem a região do terço
médio e superior da face. Exemplos são as fraturas craniofaciais com envolvimento da
base do crânio como as fraturas naso-etmoidais e as fraturas fronto-orbitais
4.
de deformidades secundárias a fissuras de face, desde as lábio-palatais tão frequentes
até, e principalmente, as fissuras raras (classificadas por Tessier), com ou sem acometimento craniano, pelo seu invariável acometimento esquelético
5.
de deformidades dos maxilares como as observadas nas dento-esqueléticas com indicação da denominada cirurgia ortognática
Ricardo Lopes da Cruz
Este capítulo se propõe a rever a cronologia dos mais importantes eventos que
culminaram com o surgimento, no início
dos anos 70, da moderna cirurgia craniofacial. Apesar da óbvia importância que
a cirurgia maxilofacial exerceu ainda no
século 19, iremos nos deter basicamente
no rápido desenvolvimento e nos enormes
avanços que a cirurgia reconstrutiva deu a
partir da Primeira Guerra Mundial, no início
portanto já do século 20.
OS PRIMEIROS RELATOS
A primeira osteotomia mandibular foi
realizada por Hullihen (1847), em West
Virginia (USA), para tratamento de mordida
aberta anterior que se desenvolveu em uma
jovem de 20 anos de idade, devido a brida
cervico-facial consequente à queimadura
na infância. Nos Estados Unidos, Simon
P. Hullihen, MD, DDS (1810-1857) foi o
primeiro cirurgião com dupla graduação
a realizar cirurgia oral e maxilofacial, e
trabalhava na cidade de Wheeling. Ele foi um
dos primeiros a demonstrar a importância
do conhecimento multidisciplinar de quem
se dedicava à cirurgia dental, dos maxilares,
plástica reconstrutiva, oftalmológica e oncológica em cabeça e pescoço.
descrição coincide com o traço de fratura
que seria posteriormente descrito por René
Le Fort no seu clássico trabalho de 1901
versando sobre as fraturas do maxilar
superior. A cirurgia de maxilar iniciou-se,
portanto, em meados do século 19, e as
denominadas osteotomias do tipo Le Fort I
já haviam sido descritas por Von Langenbeck
na Europa em 1859 e por Cheever nos Estados
Unidos em 1867. Mais tarde, o primeiro cirurgião que utilizaria esta técnica para correção
de má-oclusão seria Wassmund, em 1927.
O SÉCULO 20
O mundo conheceu no despertar do século
20 um dos maiores expoentes da cirurgia
reconstrutiva de face em todos os tempos.
Seu nome era Vilray Papin Blair, por
muitos considerado o primeiro dos maiores
cirurgiões plásticos dos Estados Unidos.
Blair nasceu em St Louis, Missouri, no dia
15 de junho de 1871, tendo completado sua
graduação em Medicina no St Louis Medical
College em 1893. Na realidade naquela
época, a própria Cirurgia Plástica ainda não
se caracterizava como um campo defi nido
da Cirurgia e Blair apresentou vários trabalhos que incluíram osteotomias mandibulares como as relatadas com serra de Gigli,
às cegas, no ano de 1909. Suas primeiras
atividades de ensino foram como Instrutor
de Anatomia Prática (aplicada) na Universidade de Washington, trabalho este que
lhe forneceu fundamentos valiosos para os
métodos cirúrgicos altamente criativos que
desenvolveria e que o imortalizariam.
Dr. Simon P. Hullihen
(1810-1857)
Em 1867, em Boston, Cheever realizou
pela primeira vez osteotomia maxilar para
acesso à ressecção de um tumor, e sua
Dr. Vilray Papin Blair
(1871-1955)
89
Ricardo Lopes da Cruz
Em 1 de agosto de 1914, as tensões
da sociedade européia explodiram numa
guerra. A primeira guerra mundial marca
tragicamente o início do século 20 e uma
correlação de forças se estabelece a partir de
então. Considerada como uma guerra imperialista, foi determinada pelos interesses das
grandes potências industriais.
O campo da Cirurgia Plástica como
disciplina organizada iniciou-se durante
a Primeira Guerra Mundial, quando as
frentes de batalha na Europa começaram a
se confrontar com um complexo número
de graves e variadas feridas de guerra, sem
precedentes. Injúrias faciais acarretavam
problemas variados como dificuldades para
comer, falar ou mesmo para que se colocasse
em prática os métodos conhecidos de anestesiologia. Além disso, as severas deformidades
estéticas de muitas das vítimas exigiram a
criação de unidades específicas para o tratamento deste grupo de pacientes.
Vilray Blair, de St Louis (USA), era um
cirurgião geral com grande interesse em
procedimentos ortopédicos e com reputação nacional nas áreas de cirurgia facial,
da boca e dos maxilares. Em 1909, Blair já
havia publicado artigo documentando seu
interesse em cirurgia reconstrutiva mandibular no Journal of the American Medical
Association, e em seguida publicou (1912)
um livro com o título “Surgery and Diseases
of the Mouth and Jaws”. Por este motivo,
Dr Blair foi o escolhido para ser o Chefe da
equipe de Cirurgia Plástica e Maxilofacial
das Forças Armadas dos Estados Unidos.
Blair sentiu a necessidade de ter cirurgiões dentistas com seu conhecimento e
perícia, cooperando com cirurgiões gerais
no tratamento de soldados com fraturas
dos maxilares e, por este motivo, escolheu
Robert Henry Ivy, da Philadelphia, com
dupla graduação em Medicina e Odontologia, que também se dedicava à Cirurgia
Plástica e à Cirurgia Maxilofacial, para ser o
90
segundo no comando da equipe que foi encaminhada para a Europa quando os Estados
Unidos entraram no confl ito, já no ano de
1917. Naquele momento, a Cirurgia Geral se
subdividia em várias seções cirúrgicas como
a Oftalmologia, a Otorrinolaringologia, a
Cirurgia Plástica e a Cirurgia de Cabeça e
Pescoço.
Robert Henry Ivy
Ivy nasceu na Inglaterra em 1881,
viajando para os Estados Unidos em 1898,
com 17 anos de idade, onde matriculou-se
imed iatamente na Escola de Odontologia da Universidade da Pennsylvania.
Em 1901, o Hospital Geral da Pennsylvania
estabeleceu o primeiro internato para
dentistas no país e Ivy fêz parte desta turma.
Posteriormente graduou-se em Medicina no
ano de 1907, completando sua residência em
Cirurgia no ano de 1910. Em 1918, escreveu:
“While the principles of treatment of
fractures of the jaws were well understood
thirty years ago, and fi xation by apparatus
applied to the teeth resulted in successful
re storat ion of occlusion , t here have
gradually been developed simplified methods
of fi xation which required less tecnhical
work and which assure more rapid results
with greater comfort to the patient.”
Com Ivy como seu assistente direto,
Blair estabeleceu um sistema único de
especialistas militares em Cirurgia Plástica
que consistiam de quinze cirurgiões gerais
com experiência em cabeça e pescoço, e
quinze cirurgiões dentistas com experiência
Ricardo Lopes da Cruz
em traumatologia de boca e maxilares, que
oral, trabalhou no Quincy College of
trabalharam juntos em centros especiali-
Medicine (em Illinois) e, após mudar-se
zados de Cirurgia Plástica Reconstrutiva e
para Chicago no ano de 1889, foi um dos
de Cabeça e Pescoço durante a guerra.
fundadores da Northwestern University
Oficiais médicos de inúmeros países
aliados foram treinados em cursos intensivos de cirurgia, que eram ministrados
nestes centros de referência em cirurgia
reconstrutiva com sede nos Estados Unidos,
Inglaterra e França. Ivy foi encarregado da
direção do Walter Reed’s Hospital, e posteriormente detentor do título de Professor de
Dental School, tendo feito parte também
do Chicago College of Dental Surgery.
No fi nal do século 19 estudou com afi nco
os métodos de amarria intermaxilar para
tratamento das fraturas mandibulares
através de odontossínteses. Blair referia-se
a ele como “um dos maiores cirurgiões da
Odontologia” na época.
Cirurgia Plástica em uma Universidade, na
Rob er t Iv y e sc rever i a s obre ele:
Pennsylvania. Em 1954, Robert Ivy foi agra-
“I benefited greatly in my earlier years
ciado com o título de Doutor em Ciências
from occasional contacts with this great
na mesma Universidade.
pioneer and teacher in the field which has
eventually blossomed into our modern
Blair nutria grande admiração por
specialty of plastic surgery”.
Gilmer, de Illinois, que havia contribuído
substancialmente no tratamento das fraturas
No ano de 1921, Blair faria um resumo
mandibulares no final do século 19, por volta
de sua grande experiência na cirurgia de
de 1887. Thomas Lewis Gilmer nasceu no
reconstrução facial publicando um impor-
condado de LincolnCounty, em Missouri,
em fevereiro de 1849 e seu pai era médico.
Fez sua dupla graduação simultâneamente.
Formou-se em Odontologia no Missouri
Dental College (Dental Department of
Washington University) em St Louis, no ano
de 1881, e em Medicina no St Louis Medical
College (onde Blair iria estudar posteriormente) no ano de 1885.
tante artigo com o título Reconstructive
Surgery of the Face. Neste mesmo ano
Kostecka, descreveria uma osteotomia
subcondilar utilizando serra de Gigli, técnica
esta muito popularizada nos primórdios da
cirurgia ortognática. Para muitos Blair foi
“a força pioneira para o estabelecimento da
Sociedade Americana de Cirurgia Plástica”.
Dr. Vilray Papin Blair, com 84 anos de idade,
faleceu no dia 24 de novembro de 1955.
Um até então desconhecido cirurgião dentista formado na Harvard Dental
School no ano de 1905, chamado Varaztad
H. Kazanjian, tornou-se nacionalmente
con hecido du ra nte a g uer ra devido à
sua grande experiência em traumatologia de face e na confecção de dental
splints para imobilização dos maxilares.
Thomas L. Gilmer, MD, DDS,
FACS (1849-1931)
Dr. Kazanjian nasceu na Armênia Turca
em 18 de março de 1879, viajando para os
Estados Unidos em outubro de 1895, com
Gilmer (1849-1931), foi um líder no
desenvolvimento de técnicas de cirurgia
dezesseis anos de idade, para morar na cidade
de Worcester, Massachussetts.
91
Ricardo Lopes da Cruz
Varaztad H. Kazanjian
(1879-1974)
Em 1905, Dr Kazanjian completou sua
graduação em Odontologia na Harvard
Dental School, tendo aceito convite para
ser assistente da Prosthetic Dentistry na
mesma universidade. Existem relatos de que
seu trabalho nesta Universidade incluiu o
tratamento de cerca de 400 casos de fraturas
dos maxilares e o desenvolvimento de
novos métodos cirúrgicos, dentre os quais
a imobilização através de odontossínteses.
Durante sua carreira, ele foi reconhecido
como um profissional na fronteira entre o
cirurgião-dentista especialista em próteses e
um especialista em cirurgia plástica reconstrutiva, tendo sido por este motivo referido
para o tratamento de centenas de soldados
desfigurados durante a Primeira Guerra.
Kazanjian foi condecorado com honras
militares (Companion of the Order of Saint
Michael and Saint George) e decidiu voltar
a Boston, aceitando o cargo de Professor de
Cirurgia Oral Militar na mesma universidade (Harvard Dental School). Graduou-se
em Medicina pela Harvard Medical School
em 1921, tornando-se imediatamente o
Chefe da Clínica de Cirurgia Plástica do
Massachusetts General Hospital. No ano
seguinte, (1922) tornou-se Professor da
Clínica de Cirurgia Oral da Harvard Medical
School, cargo este que desempenhou por
20 anos. Em 1941, tornou-se o primeiro
Professor de Cirurgia Plástica da Harvard
Medical School.
Dr Kazanjian faleceu em 19 de outubro
de 1974, com 95 anos de idade. Sobre ele,
Converse disse “his kindness, warmth, and
modesty are legendary”.
Na França, imediatamente antes da
Primeira Guerra, Hippolyte Morestin (18691919) era um cirurgião muito conhecido
na Cirurgia Plástica Reconstrutiva e, em
especial, na traumatologia de face e dos
maxilares. Morestin, um nativo da ilha de
Martinica, coordenou a atividade de vários
dos hospitais de guerra na França. Um dos
principais centros de tratamento dos feridos
de guerra na Europa era o Hospital Militar
Val-de-Grace, em Paris.
Diz a história que Morestin foi acometido de tuberculose logo ao chegar a Paris.
Sua morte precoce foi atribuída a complicações pulmonares durante uma epidemia de
gripe (influenza) que ocorreu por ocasião da
I Guerra Mundial.
Pacientes de Kazanjian
Em 1915, durante a Primeira Guerra
Mundial foi nomeado Chefe da Unidade
Voluntária organizada pela Universidade
de Harvard para atuar junto às Forças
Expedicionárias Britânicas. Após a guerra,
no ano de 1919, com 40 anos de idade, Dr.
92
Sobre Morestin, Dr Converse escreveu:
“Hyppolite Morestin was a precursor, in the
true sense of the word, of the modern plastic
surgeon. He published numerous papers
on surgical anatomy, surgical pathology,
on techniques of abdominal surgery and
surgery of the head and neck tumors during
the fi rst 10 years of his surgical career”.
Ricardo Lopes da Cruz
Hyppolite Morestin
(1869-1919)
René Le Fort seguiu a carreira de cirurgião militar tendo trabalhado no famoso
hospital militar Val-de-Grace em Paris, desde
1898. Sua outra paixão profissional era a
carreira universitária, tendo, por este motivo,
retornado a Lille para se dedicar ao ensino na
Escola Médica. Seus três famosos trabalhos
sobre as fraturas do maxilar superior foram
publicados em sequência nas edições de fevereiro, março e abril do ano de 1901 da Revue
de Chirurgie, tendo sido realizados quando
René Le Fort tinha apenas 31 anos de idade.
Este trabalho confirmou os relatos pioneiros
de Guerin (1866), que havia originalmente
descrito a fratura transversa baixa da maxila,
hoje denominada Le Fort I.
Foi assim que Paul Tessier traduziu
para o inglês o resumo do trabalho original
de Le Fort:
Na realidade, a França já havia sido o
berço de um célebre cirurgião cujo trabalho
sobre as fraturas maxilares se imortalizou
exatamente no primeiro ano do século 20.
René Le Fort nasceu no ano de 1869 na
cidade de Lille, onde estudou em Colégio
Militar. Com 19 anos de idade, conquistou
o primeiro lugar no concurso para Internato
no Hôpitaux de Lille, e com 21 anos de idade
conquistou o título de Doutor em Medicina,
com a tese “Topographie crânio-cérébrale:
Applications chirurgicales”, tornando-se
com isto o mais jovem cirurgião a conquistar
tal título em toda a França.
René Le Fort
(1869-1951)
Severe fractures of the face, far from
presenting a fantasy which defies description,
follow simple laws. They have common
characteristics, and can be divided into a
small number of well-defi ned types.
A n understanding of the possible
lesions will facilitate research and aid in
the precise diagnosis of fractures which
have too often passed unperceived, to the
detriment of patients and sometimes even
of the surgeons.
Ao retornar a Lille, Le Fort interessou-se
cada vez mais por cirurgia ortopédica e
decidiu especializar-se neste campo da
Cirurgia. Ele publicou vários trabalhos nesta
área, tendo se alistado em 1912 para servir na
frente de batalha da Guerra Balkan, conflito
no qual a França tornou-se aliada da Bulgária
e da Sérvia. Dois anos mais tarde, eclodiria
a Primeira Guerra Mundial, na qual serviu,
segundo relatos históricos, na frente de
batalha, e durante a qual interessou-se pela
cirurgia torácica, tendo publicado em 1918
o livro “Projectiles Enclosed in the Mediastinum”. Coube a Le Fort reorganizar e dirigir
ao final da Primeira Guerra o Hospital
93
Ricardo Lopes da Cruz
des Invalides, retornando a Lille em 1920
como Professor de Cirurgia Pediátrica e
Ortopedia.
René Le Fort tornou-se um grande especialista em tuberculose óssea, doença que
se disseminava na França (matou Morestin
prematuramente aos 49 anos de idade) ao
fi nal da Primeira Guerra (1919). Em 1936,
Le Fort foi eleito Presidente da Sociedade
Francesa de Ortopedia, vindo a falecer com
82 anos de idade, em 1951, em sua cidade
natal, Lille.
“In many hundred of hours spent
assisting or in watching Gillies in the
operating room I never once saw him
perform a hurried or rough movement.
All the actions of his hands were consistently
gentle, accurate and deft”
Harold Delf Gillies é por muitos até
hoje considerado “O Pai da Cirurgia Plástica
no Século 20”. Gillies nasceu na cidade de
Dunedin, Nova Zelândia, no dia 17 de junho
de 1882, e estudou Medicina na Universidade de Cambridge, onde entrou no ano de
1901. Curiosamente, no ano anterior Gillies
tinha conquistado o campeonato nacional
de cricket. Por três vezes Gillies representaria a Universidade em campeonatos de
golfe. Sua pós-graduação foi realizada no St
Bartholomew’s Hospital, em Londres, tendo
completado no ano de 1908. Em 1910, especializou-se na área de Otorrinolaringologia.
Harold Gillies
(1882-1960)
Não foi só no campo dos esportes
que Gillies demonstrou seu raro talento.
Ele também provou ser um talentoso pintor,
94
e exercitou esta arte desde jovem, tendo
culminado com uma exposição de seus trabalhos no ano de 1948, na Foyale’s Art Gallery.
Por este motivo, provavelmente não foi uma
coincidência o fato de que ele se tornaria um
extraordinário especialista em Cirurgia Plástica Estética e Reparadora. Sua destreza e rara
habilidade manual o tornaram um mestre da
cirurgia, e seu senso artístico o ajudaria na
arte de reconstruir faces desfiguradas pelos
horrores da guerra.
Gillies tinha 32 anos de idade quando
eclodiu a Primeira Guerra Mundial, e neste
trágico acontecimento, surgiu a primeira
inspiração que o levou a interessar-se pela
cirurgia plástica. Gillies foi a Paris ver
Morestin operar um paciente portador de
câncer de face. O procedimento de reconstrução realizado por Morestin impressionou muito a Gillies que por este motivo
escreveu: “I felt a tremendous urge to do
something other than the surgery of destruction”. Ao retornar, incorporou-se à Unidade
de Cirurgia Plástica da British Army.
Hyppolyte Morestin exerceu, portanto,
forte influência na vocação de Gillies para
a Cirurgia Reconstrutiva.
Na Grã-Bretanha, Gillies desenvolveu
seu trabalho com feridos de guerra no
Queen Mary’s Hospital, em Sidcup, Kent.
Este tornou-se em pouco tempo o maior
centro de referencia europeu no campo da
reconstrução facial.
Gillies na Sala
de Cirurgia
Gillies estabeleceu rotinas para vários
procedimentos cirúrgicos que já vinham
sendo realizadas como as rinoplastias, os
Ricardo Lopes da Cruz
enxertos de pele, e vários procedimentos de
cirurgia reparadora na face. Atribui-se a ele
a criação da Disciplina de Cirurgia Plástica
e, em 1920, publicou o livro “Plastic Surgery
of the Face”, que apresentou os princípios da
moderna cirurgia plástica. Harold Gillies
faleceu em Londres, no dia 10 de setembro
de 1960.
Outro cirurgião plástico de grande
destaque nesta época foi Sir Archibald
McIndoe. A exemplo de Gillies, McIndoe
que era seu primo, nasceu na cidade de
Dunedin, na Nova Zelândia, no dia 4
de maio de 1900, tendo estudado Medicina
na Otago University. Em 1924 McIndoe foi
o primeiro cirurgião de seu país a ser aceito
para treinamento (fellowship) na Mayo
Clinic, nos Estados Unidos, onde trabalhou
até 1927 no Serviço de Anatomia Patológica,
tornando-se um grande especialista em
doenças hepáticas.
Archibald McIndoe
(1900-1960)
McIndoe voltou a Londres em 1930 e
por sugestão de seu primo Gillies começou a
trabalhar como assistente do Departamento
de Cirurgia Plástica no St. Bartholomew’s
Hospital, especialidade à qual dedicou-se
profundamente nos anos subsequentes.
Em 1938, McIndoe integrou a Royal Air
Force como consultor da equipe de Cirurgia
Plástica e trabalhou arduamente com
Harold Gillies durante a Segunda Guerra,
adquirindo grande experiência no campo da
Cirurgia Plástica Reconstrutiva.
Sir Archibald McIndoe faleceu dormindo
no dia 11 de abril de 1960, poucos meses
antes da morte de Gillies, que aconteceria
no mesmo ano (no mês de setembro).
A Alemanha também desenvolveu
durante a guerra equipes de cirurgiões plásticos, cirurgiões maxilo-faciais e cirurgiõesdentistas que se organizaram para tratar seus
soldados com injúrias faciais. A Unidade
de Cirurgia Maxilofacial foi inicialmente
chefiada por Von Eiselberg, cirurgião geral
em Viena, e Hans Pichler (1887-1949)
Muitos homens desempenharam papel
de grande relevância no campo da traumatologia maxilofacial na década de 20.
August Lindemann, na cidade de Dusseldorf, popularizou a indicação de enxertos
de ilíaco na reconstrução facial. Martin
Wassmu nd (1892-1956) tor nou-se u m
grande mestre da especialidade nesta época,
sendo a ele atribuída a primeira osteotomia maxilar (segmentar anterior) para
correção de mordida aberta no ano de 1927.
Mais tarde, Wassmund publicou um livro no
qual classificava as fraturas mandibulares.
Também na cidade de Berlin, Georg Axhausen
(1877-1960) desenvolveu técnicas inovadoras
de cirurgia maxilofacial, tendo sido ele o
primeiro a realizar o avanço maxilar através
osteotomia total de maxila do tipo Le Fort
I com imobilização maxilo-mandibular, no
ano de 1934.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
A invasão da Polônia no dia 9 de setembro
de 1939 por Adolf Hitler, marcaria o início
da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Mais uma vez, a cirurgia craniomaxilofacial teria a oportunidade de se desenvolver
apoiada na dor imposta pelas injúrias
causadas pelo próprio homem. Apesar da
ex per iência obtid a com as Un id ades
de Cirurgia Plástica durante a Primeira
Guerra, estes Departamentos não se estabeleceram de forma ampla nos Estados Unidos.
Em 1942, o Dr. James Barrett Brown, foi
95
Ricardo Lopes da Cruz
nomeado chefe dos Serviços de Cirurgia
Plástica para coordenar o atendimento aos
feridos e mutilados de guerra tanto no teatro
de guerra europeu, quanto nos Estados
Unidos.
Os enxertos ósseos já eram mais realizados e
vários trabalhos de McIndoe versavam sobre
a indicação de enxerto ósseo de crista ilíaca
para reconstrução de ossos da face.
As bombas atômicas lançadas pelos
Estados Unidos em agosto de 1945 sobre as
cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão,
mataram mais de cem mil pessoas e encerraram, em defi nitivo, a guerra, tornando-se
“símbolo de horror inominável”, segundo
muitos historiadores.
O PERÍODO PÓS-GUERRA
James Barret Brown
James Barret Brown (1899-1971) nasceu
em Hannibal, Missouri, tendo-se graduado
pela Escola de Medicina da Universidade
de Washington, em St Louis, onde foi
Professor de Cirurgia Maxilofacial na Escola
de Odontologia daquela Universidade.
Dr. Brown foi outro assistente de Blair e
durante a Segunda Guerra chefiou pessoalmente a Unidade de Cirurgia Plástica do
Valley Forge General Hospital, além de
desempenhar o papel de Coordenador dos
Serviços Médicos Militares Governamentais na área de Cirurgia Plástica. Na realidade, ele sucedeu Blair como Chefe desta
Clínica na U.S. Army.
Com os avanços da Cirurgia Plástica
Reconstrutiva desde a Primeira Guerra e um
melhor entendimento a respeito dos retalhos
para reconstrução facial, cirurgias precoces
mais agressivas puderam ser realizadas
baseadas, por exemplo, nas técnicas descritas
por Gillies para cobertura dos defeitos
pós-traumáticos de partes moles da face.
Harold Gillies tinha 57 anos de idade
quando do início da Segunda Guerra, e já
era considerado o mais importante e conhecido cirurgião plástico da Europa, voltando
a atuar de forma importante, desta feita
na Rooksdown House, em Basingstoke.
96
Após a Segunda Guerra Mundial, os avanços
na cirurgia maxilofacial e na cirurgia plástica reconstrutiva da face continuaram
crescendo. Nos Estados Unidos destacava-se
o Dr. John Marquis Converse (1909-1981)
que ao lado de Kazanjian, publicou trabalhos clássicos como o famoso livro-texto
The Surgical Treatment of Facial Injuries,
no ano de 1949.
John Marquis Converse
(1909-1981)
Em 1950, Gillies faria uma histórica
publicação com Harrisson como co-autor.
Este trabalho, considerado por muitos como
“um dos mais fascinantes relatos cirúrgicos
da história da cirurgia craniofacial”, versou
sobre a primeira osteotomia planejada reproduzindo o traço de fratura Le Fort III descrito
em 1901. A cirurgia havia sido realizada em
1949, por via extra-craniana, sem a utilização de enxertos ósseos, e foi descrita como
tendo resultado insatisfatório e importante
grau de recidiva do avanço facial executado.
Ricardo Lopes da Cruz
A paciente de Gillies era uma enfermeira
com Síndrome de Crouzon e oxicefalia.
Ao fi nal da cirurgia, Gillies expressou
sua preocupação com o ato cirúrgico e
teria dito a seguinte frase a John Converse:
“the procedure was too dangerous and
the patient was lucky to survive”. Relatos
históricos dizem também que Gillies teria
declarado que nunca mais realizaria esta
operação novamente.
Sir Harold Gillies
Apesar disto, do ponto de vista histórico,
esta operação de Gillies foi de extraordinária
importância e pode ser considerada um
marco no início da cirurgia craniofacial.
Paul Tessier, M.D.
“Craniofacial surgery is turning around
the orbit and ethmoid bone which belong
to the cranial cavity as well as to the facial
skeleton”.
P.L.Tessier
Tessier merece um capítulo a parte na
história da Cirurgia Craniofacial no mundo.
Para muitos, este cirurgião francês merece o
título de “O Pai da Cirurgia Craniofacial”.
Paul Tessier
O curso de graduação de Tessier foi
tumultuado. Ele iniciou a École de Médecine de Nantes no ano de 1936, com 18
anos de idade. No ano de 1940, entretanto,
foi prisioneiro de guerra quando da invasão
da França pelo exército alemão no mês de
maio. Retornou aos estudos no ano de 1941,
completando a graduação no ano de 1943.
Neste mesmo ano conquistou o título de
Doutor em Medicina pela Faculté de Médecine de Paris. Conclui-se, portanto, que o
Dr Paul Tessier completou sua graduação
em Medicina e iniciou sua extensa formação
em Cirurgia durante o período da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945).
Paul Louis Tessier nasceu no d ia
primeiro de agosto de 1917 na pequena cidade
de Heric, em Brittany, na França, em plena
Primeira Guerra Mundial. Seus estudos,
porém, foram em uma cidade vizinha,
Nantes, onde cursou a Medical School e
recebeu seus primeiros treinamentos em
Cirurgia, Ortopedia e Oftalmologia.
97
Ricardo Lopes da Cruz
Tessier fêz vários Cursos de Especialização, construindo uma singular formação
a nível de pós-graduação. Assim é que,
inicialmente, dedicou-se à Cirurgia Geral
no Hôspitaux de Nantes de 1941 a 1944.
Posteriormente, especializou-se em Cirurgia
Maxilofacial e em Otorrinolaringologia
em Paris, com os Drs. Virenque e Aubry
no Hospital de Puteaux e no Hospital Foch.
No período de 1944 a 1946, foi assistente
do Prof. Ginestet no Centre de Chirurgie
Maxillo-Faciale na Região Militar de Paris.
Sua for mação prosseg u iu com Dr
Georges Huc, em Ortopedia Pediátrica no
Hospital Saint Joseph, de 1945 a 1950. Simultaneamente neste período, entre os anos de
1947 e 1949, dedicou-se à Oftalmologia no
Service d’Ophtalmologie de Nantes.
Cirurgia Geral, Cirurgia Maxilofacial,
Otorrinolaringologia, Ortopedia Pediátrica
e Oftalmologia. Os anos de 1944 a 1950
construíram uma sólida formação para
aquela que seria a maior vocação de Tessier:
a cirurgia da face. Ele desenvolveu uma
enorme experiência visitando centros de
excelência em Cirurgia Plástica na Europa
e nos Estados Unidos.
Neste período (1946 a 1950), Paul Tessier
fez seis viagens com duração de seis a oito
semanas cada para assistir mestres da
Cirurgia Plástica na Europa, como Gillies
e McIndoe. No ano seguinte, 1951, Tessier
viajou por cinco meses em Serviços de
Cirurgia Plástica dos Estados Unidos, nas
cidades de New York, San Francisco, Los
Angeles e Saint Louis, tendo conhecido
pessoalmente
John Marquis Converse, então com 42
anos de idade, que já se destacava por suas
publicações e seu trabalho junto a Varaztad
Kazanjian, experiente cirurgião, ainda em
atividade, com 72 anos de idade.
Te ssier acu mu l ava enor me ex periência na década de 40 no tratamento
do trauma orbital em pacientes vítimas
98
da guerra ou mesmo de acidentes com
veículos automotores.
Precocemente, Tessier provou a importâ ncia do con hecimento prof u ndo da
anatomia da região craniofacial e fez várias
viagens em fi ns-de-semana à Escola Médica
de Nantes, onde conseguia realizar dissecções da cabeça de cadáveres. Quando leu
sobre o famoso caso de avanço do terço
médio da face realizado por Gillies (publicado em 1950), realizou experimentos
cirúrgicos em cadáveres, preparando-se para
realizar intervenção cirúrgica semelhante
em futuro próximo e procurou investigar
as razões que acarretaram o insucesso de
Gillies no resultado fi nal.
Com determinação e espírito questionador, Tessier elucidou vários dos problemas
clínicos e cirúrgicos associados ao avanço
em Le Fort III. Simultaneamente, estudou a
correção cirúrgica do hipertelorismo orbital
(hiperteleorbitismo) e trabalhando com
neurocirurgiões do Hospital Foch, utilizou
seus sólidos conhecimentos em anatomia,
cirurgia oftalmológica e neurocirurgia para
vislumbrar e propor um acesso transcraniano que permitiria a mobilização medial
circunferencial das órbitas.
Como todo cirurgião que realiza cirurgia
craniofacial sabe, este é um trabalho árduo
porém excitante. Durante muitos anos,
os pacientes portadores de complexas
deformidades craniofaciais de natureza
congênita ou adquirida, representaram um
desafio para os cirurgiões. Muitos deles,
após sucessivas decepções, abandonaram
este ramo da Cirurgia Plástica Reparadora. Maus resultados também ocorreram
nos primeiros casos operados por Tessier,
mas ele não esmoreceu. Ele não era um
homem comum. Audácia e perícia, aliadas
a um profundo conhecimento da anatomia
e uma substancial experiência cirúrgica,
começaram a tornar cirurgias impossíveis
em sucessos constantes.
Ricardo Lopes da Cruz
Durante o Fourth Annual Congress of
the International Confederation of Plastic
Surgeons, realizado no ano de 1967 no
Hotel Hilton Cavalieri of Rome, Tessier
apresentou ao mundo trabalhos impressionantes, descrevendo sua experiência
inicial na correção de deformidades craniofaciais. Para muitos, este ano representa
o nascimento da Cirurgia Craniofacial.
Síndrome de Crouzon, síndrome de Apert,
hiperteleorbitismo, fi ssuras raras de face
de número 3 e 4, e síndrome de TreacherCollins-Franceschetti foram apresentados
em três painéis.
neste campo. Era a certeza de que a Cirurgia
Craniofacial cresceria.
A partir de 1968, cirurgiões de todo
o mundo fizeram uma verdadeira peregrinação ao Hospital Foch para aprender
uma nova disciplina da Cirurgia Plástica.
Paul Tessier foi o Chefe do Departamento
de Cirurgia Plástica e de Queimados do
Hospital Foch (Suresnes) de 1946 a 1983. Foi
também Consultor dos Serviços de Oftalmologia de Nantes e de Lille entre os anos
de 1947 a 1975.
Tessier e o Mundo
“He electrified the International Congress
of Plastic Surgery in Rome in 1967 with
a paper describing his initial experience
in the correction of craniosynostosis and
orbital hypertelorism. This was the dawn of
a new era in facial reconstruction…”
Utilizando as linhas de fratura indicadas
por Le Fort, como aqueles que ocorreriam
nos mais complexos traumatismos de face,
Tessier revelou linhas de osteotomia que
permitiram a mobilização completa de
todo o terço médio da face, eliminando
radicalmente as deformidades causadas pela
retrusão maxilar. Além disto, determinando
os pontos anatômicos básicos das malformações carniofaciais, ele demonstrou através da
cirurgia combinada com Gerard Guiot, que a
face poderia ser destacada da base do crânio,
o que poderia trazer também resultados mais
radicais para o hiperteleorbitismo.
Mais tarde, Tessier organizou um
encontro científico especial no Hospital
Foch onde apresentou todos os seus casos
operados e fez demonstrações cirúrgicas
na sala de operações para uma platéia selecionada. Ele convidou os mais destacados
cirurgiões de face da época para avaliar seu
trabalho, os quais o encorajaram a prosseguir
Por muitos anos depois, vários especialistas em Cirurgia Plástica, em Cirurgia
Maxilofacial e em Neurocirurgia convidaram Paul Tessier para demonstrar sua
técnica. As sociedades médicas, universidades e academias de todo o mundo se
interessaram em aprender e mostrar aos
seus estudantes o médico francês que havia
descoberto o caminho para correção das
malformações faciais através da ousada rota
intracraniana.
Em 1968, John Converse assistiu Tessier
realizando a correção do hipertelorismo
99
Ricardo Lopes da Cruz
orbital, no Hospital Foch, e aprendeu cada
uma das fases da cirurgia. Converse tinha
59 anos de idade e Tessier 51. Quando
retornou a New York, Converse reproduziu
a técnica com seu colega neurocirurgião,
Dr. J. Ransohoff e convidou Tessier para
expor os princípios da cirurgia craniofacial e
apresentar seu trabalho sobre hipertelorismo
no meeting da American Society of Plastic
and Reconstructive Surgeons, em New
Orleans, em outubro do mesmo ano (1968),
encontro científico este que estava sendo
organizado pelo próprio Converse.
Neste mesmo meeting, Tessier conheceu
pessoalmente o Dr. Samuel Pruzansky, de
quem se tornaria um amigo fraternal. Um dos
maiores ensinamentos que Paul Tessier deu
ao mundo foi a necessidade de organização de
equipes de Cirurgia Craniofacial com características multidisciplinares. Pruzansky,
entretanto, havia sido um pioneiro nesta
concepção profissional pois em 1949 fundou
o Centro de Anomalias Craniofaciais na
Universidade de Illinois, Chicago.
Em 1970, graças ao grande prestígio
pessoal do Dr. John Converse, um Centro
para Anomalias Craniofaciais foi estabelecido no Institute of Reconstructive Plastic
Surgery com a ajuda financeira da Billy Rose
Foundation, e em 1973, uma subvenção
do National Institute of Dental Research,
possibilitou o estudo multidisciplinar para
diagnóstico e tratamento das malformações craniofaciais. Este foi na realidade
um aperfeiçoamento de um Serviço que
Dr. Converse inaugurara em 1955, já visando
especificamente a reabilitação de pacientes
com deformidades faciais.
Samuel Pruzansky tinha se formado em
Odontologia e exercia a ortodontia como
especialidade. Além disto, era Ph.D. em
Fisiologia e um grande estudioso das anomalias congênitas. Por vários anos Pruzansky
colecionou dados clínicos de vários tipos
de malformações craniofaciais. Nestes três
anos (68 a 71) Pruzansky, já tinha estabele100
cido novos conceitos na Doença de Crouzon,
Síndrome de Treacher-Collins, Síndrome de
Apert e hiperteleorbitismo.
Samuel Pruzansky
Em 1971, um Congresso Internacional
sobre o diagnóstico e tratamento das anomalias craniofaciais foi realizado no New York
University Medical Center, em mais um
encontro científico organizado por John
Converse. Tessier e Pruzansky se encontrariam pela segunda vez neste Congresso
que exigiu para sua organização o apoio
financeiro da Educational Foundation of the
American Society of Plastic Surgeons e da
Billy Rose Foundation. Paul Tessier nesta
oportunidade teve a honra de proferir a V.H.
Kazanjian Memorial Lecture, e demonstrou
com grande brilhantismo todo o impacto da
cirurgia craniofacial.
Em 1972, Pruzansky convidou Tessier
para operar em Chicago. A admiração de
Tessier foi expressada no emocionado comentário a respeito desta sequência de cirurgias:
“Sam was the spirit, I was the hand”. Tessier
trabalhou com Pruzansky por cinco anos (72
a 76) e duas vezes por ano, por uma a duas
semanas viajou aos Estados Unidos realizando uma série de 74 casos em diferentes
hospitais. Uma segunda Conferencia Internacional aconteceria poucos anos depois, na
NYU Medical Center, em 1976.
Esta relação profissional foi descrita por
Tessier como a mais excitante experiência
de sua vida. Quando Pruzansky morreu,
no dia 3 de fevereiro de 1984, ele escreveu:
“We all lost a master...I personally lost a
friend, almost a brother”
Ricardo Lopes da Cruz
As comemorações de 15 e 25 anos
Quinze anos mais tarde, em março de 1982,
nos mesmos corredores do Hotel Hilton
Cavalieri em Roma, um grupo de médicos,
altamente selecionado, reuniu-se em torno
desta nova especialidade – a Cirurgia
Craniofacial – um capítulo à parte tanto da
Cirurgia Maxilofacial quanto da Neurocirurgia, apesar das naturais interfaces.
•
Presidente da Societe Francaise de
Chirurgie Plastique et Reconstructive
•
Presidente da European Association of
Maxillofacial Surgeons
•
Presidente Fundador da International
Society of Craniofacial Surgeons
•
Conferencista em Kazanjian, Monks e
Maliniac Lecture
O curso teve como título “The Present
Status of Craniofacial Surgery”, e durou
quatro dias com carga horária de nove horas
por dia e de alto teor científico. Os trabalhos apresentados foram posteriormente
publicados em livro editado por Ernesto
Caronni.
Em outubro de 1992 (21 a 24), realizou-se
em Illinois, Chicago o International Symposium on Craniofacial Surgery to Honor
Paul L. Tessier, MD on the Twenty-Fifth
Anniversary of his Historic Paper Presentation in Rome.
Nesta oportunidade, Tessier, então com
75 anos de idade, já havia sido distinguido
com inúmeras distinções em sua carreira.
Lá destacou-se um impressionante currículo
internacional que incluía títulos como:
Na comemoração dos vinte e cinco anos
que se seguiram ao seu trabalho histórico,
Paul Tessier revelou-se um cirurgião inovador
e incansável. Ele deu esperança e nova vida a
muitos pacientes desfigurados por complexas
deformidades de face. Com entusiasmo,
ele ensinou sua técnica e inspirou outros
cirurgiões. Seu trabalho permitiu o rápido e
profundo desenvolvimento de equipes multidisciplinares de Cirurgia Craniofacial, além
de inúmeros programas de reabilitação por
todo o mundo.
No folder distribuído entre os participantes desta que representaria mais uma
reunião histórica para a Cirurgia Craniofacial, estava escrito:
“ This symposium is dedicated to
Paul Tessier by his colleagues and friends.
We salute the Father of Craniofacial Surgery
on the Twenty-Fifth Anniversary of his
Rome paper.”
•
Honorary Degree from Lund University
(Suécia)
•
Royal College of Surgeons of England
•
Royal College of Surgeons of Edinburgh
Tessier: A Lenda
•
Presidente da Association Francaise des
Chirurgiens Maxillofaciaux
A combinação dos procedimentos cirúrgicos mais radicais com métodos conven101
Ricardo Lopes da Cruz
cionais de cirurgia reconstrutora da face
constituíram a base do que Tessier chamou
de “cirurgia craniofacial ortomórfica”.
Seu grande objetivo sempre foi o de um
resultado estético apreciável para o paciente.
E isto só se conquista com um raro senso
artístico por parte do cirurgião.
O resultado do progresso desta especialidade se refletiu na possibilidade dos
cirurgiões poderem operar com mais segurança na área da transição craniofacial,
que sempre foi considerada uma verdadeira
“terra-de-ninguém” entre os especialistas
em Neurocirurgia, Oftalmologia, Cirurgia
Plástica e Cirurgia Maxilofacial.
Paul Tessier estabeleceu conceitos com
estudo, perícia e persistência. Graças a seus
sólidos ensinamentos muitos Centros de
Cirurgia Craniofacial surgiram no mundo e
permitiram que vários pacientes pudessem
ser tratados devido a deformidades congênitas, neoplásicas e traumáticas das mais
variadas. A colaboração mais estreita entre
cirurgiões plásticos e neurocirurgiões se
iniciou com Tessier e Guiot, e o subsequente espetacular progresso da Cirurgia
Craniofacial baseou-se no conceito de equipe
multidisciplinar.
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103
A UTILIZAÇÃO DA CINTILOGRAFIA COM
FUSÃO DE IMAGENS COM TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA É ÚTIL NA
AVALIAÇÃO DE EMBOLIA PULMONAR
RELATO DE CASO
Bernardo Sanches Lopes Vianna
Alan Chambi
Mariana Ferreira Veras
Wilter Ker
Allan Vieira Barlete
Nilton Lavatori Correa
Tatiane Vieira Santos
André Volschan
William Kleyton de Mello Aguiar
Jader Cunha de Azevedo
Maria Fernanda Rezende
Claudio Tinoco Mesquita
Talita Batalha Pires dos Santos
José Galvão Alves
RESUMO
Introdução
A Medicina Nuclear tem tido grande desenvolvimento na área de diagnóstico por imagem.
A cintilografia pulmonar tomográfica (SPECT) tem sido um método muito utilizado para se
avaliar a função pulmonar. A adição da fusão de imagens com tomografia computadorizada
auxilia na localização de anormalidades cintilográficas aumentando a acurácia do exame.
Objetivo
Instituições:
Hospital
Pró-Cardíaco,
Santa Casa de
Misericórdia do
Rio de Janeiro
e Universidade
Federal
Fluminense
104
Neste trabalho foram discutidas as diferenças entre o SPECT e SPECT-CT, como também
a análise de um caso clínico para a comparação entre os dois métodos.
Relato de caso
Relatamos um caso de uma paciente com quadro de dispnéia aos médios esforços há cerca
de 2 meses, e portadora de sarcoidose. A mesma foi submetida à cintilografia pulmonar de
ventilação após a inalação de 30 mCi de 99mTc-DTPA e perfusão com administração intravenosa de 5 mCi de 99mTc-MAA. Foram realizadas a cintilografia pulmonar convencional
(SPECT) e a cintilografia pulmonar associada a tomografia computadorizada (SPECT-CT),
para que pudessem ser feitas as comparações anatômicas dos achados cintilográficos e a
correção da atenuação.
Bernardo Sanches Lopes Vianna / Mariana Ferreira Veras / Allan Vieira Barlete/ Tatiane Vieira Santos, William Kleyton de Mello Aguiar / Maria Fernanda Rezende /
Talita Batalha Pires dos Santos / Alan Chambi / Wilter Ker / Nilton Lavatori Correa, André Volschan, Jader Cunha de Azevedo / Claudio Tinoco Mesquita, José Galvão Alves
Discussão
O SPECT é um método que tem como função
processar as aquisições planares e fornecer
imagens bidimensionais dos pulmões, no
entanto, não mostra as diferentes áreas e
considera sobreposição espacial. No caso
da cintilografia pulmonar com cortes tomográficos (SPECT-CT), tem sido um método
bastante eficaz, pois fornece imagens mais
The same was submitted to pulmonary
ventilation scintigraphy after inhalation
of 30 mCi of Tc-99m DTPA and intravenous infusion of 5 mCi of 99mTc-MAA.
Were performed conventional scintigraphy
(SPECT) scintigraphy and computed tomography (SPECT-CT), so that comparisons
could be made of the scintigraphic fi ndings
and anatomic correction of attenuation.
precisas para a avaliação regional da função
pulmonar.
Conclusão
A cintilografia convencional forneceu
imagens bidimensionais demonstrando
anormalidades perfusionais, não encontrando o motivo do defeito perfusional,
enqu a nto que o SPECT- CT mostra a
sobreposição espacial dos diferentes lobos
pulmonares, como também as diferenças de
tamanho e perfusão individualmente, sendo
Discussion
The SPECT method is a process whose
function is the acquisition and provide
planar two-dimensional images of the
lungs, however, does not show the different
areas and considers spatial overlap. In the
case of lung scintigraphy with tomographic imaging (SPECT-CT), has been a very
effective method, because it provides more
accurate images for the assessment of
regional lung function.
mais precisa para o diagnóstico.
Conclusion
ABSTRACT
Introduction
Currently, the Nuclear Medicine has given a
great help in diagnostic imaging. Pulmonary
scintigraphy (SPECT) has been a widely
used method to assess lung function.
Objective
In this work we discussed the differences
between SPECT and SPECT-CT, as well as
the analysis of a case study to compare the
two methods.
Case report
We present a case report of a patient
with dyspnea on moderate exertion for
about 2 months, and carrier Sarcoidosis.
It is concluded that scintigraphy provided
conventional two-dimensional images of the
lungs of the patient, not fi nding the cause of
the perfusion defect, while the SPECT-CT
shows the spatial overlap of the different
lung lobes, as well as differences in size and
perfusion individually being more accurate
observation of the problem.
INTRODUÇÃO
O diagnóstico da embolia pulmonar (EP)
é fundamentado pelo uso dos métodos de
imagem. A angiotomografia tem sido o
método empregado na maioria dos casos,
entretanto muitos pacientes se beneficiam
do uso da Cintilografia Pulmonar, seja pela
presença de alergia ao contraste iodado ou
pelo maior risco de complicações renais
secundárias ao uso dos contrastes. A apre105
Bernardo Sanches Lopes Vianna / Mariana Ferreira Veras / Allan Vieira Barlete/ Tatiane Vieira Santos, William Kleyton de Mello Aguiar / Maria Fernanda Rezende /
Talita Batalha Pires dos Santos / Alan Chambi / Wilter Ker / Nilton Lavatori Correa, André Volschan, Jader Cunha de Azevedo / Claudio Tinoco Mesquita, José Galvão Alves
sentação clinica da EP varia de choque ou
hipotensão a dispnéia leve e dor torácica.
A EP pode ser assintomática e diagnosticada
apenas por procedimentos de imagem realizados para outros fi ns. A taxa de letalidade
para embolia pulmonar varia desde 60%
para menos de 1% de 0,1. A anticoagulação
é a base da terapia e tem excelente resposta
clínica.
Segundo Brooks (2005), a cintilografia
tomográfica (SPECT, do inglês Single Photon
Emission Computed Tomography) é um
exame de alta sensibilidade sendo capaz de
detectar lesões, antes que estas se tornem
evidentes em exames radiográficos convencionais. O processo de obtenção de imagem
na medicina nuclear consiste na administração de um radiofármaco específico, que
se concentrará em um órgão alvo e emitirá
fótons que serão detectados por uma gamacâmara (detector de cintilação), fornecendo
imagens anatômicas e especialmente imagens
funcionais da distribuição da radioatividade
neste órgão (BYBEL et al, 2008).
A cintilografia de perfusão pulmonar
com aquisições planares é utilizada há
mais de duas décadas para o diagnóstico
de embolia pulmonar, e tem como objetivo
fornecer imagens bidimensionais da perfusão
dos pulmões. No entanto, estudos mais
recentes têm demonstrado que a adição das
imagens tomográficas do SPECT aumenta
a sensibilidade para a detecção de embolia
pulmonar, pois há uma melhor visibilização
dos segmentos que se projetam medialmente
(GUTTE et al, 2009). O SPECT fornece
imagens tridimensionais, facilitando a
detecção do radiofármaco em lobos diferentes
e os avaliando separadamente. Isto torna a
avaliação do exame bem mais acurada.
O SPECT/CT é um aparelho que reúne
cintilografia e tomografia computadorizada.
Esta fusão de imagens em uma só técnica é
bastante vantajosa, pois a Medicina Nuclear
por si só não possui uma boa resolução de
suas imagens, enquanto que a tomografia
106
computadorizada tem alta resolução, porém
não permite a avaliação funcional de estruturas da forma como a medicina nuclear
permite. Por isso, a importância do uso do
SPECT – CT na Medicina Nuclear atual,
resultando em um exame com melhor
qualidade diagnóstica. Estudos recentes têm
sugerido que o uso do SPECT-CT aumenta
ainda mais o valor da cintilografia pulmonar
com valor preditivo negativo de até 97%
(Ling et al 2012).
Nosso objetivo é descrever um caso de
uso da técnica híbrida de SPECT-CT na
avaliação de um paciente com suspeita de
embolia pulmonar.
RELATO DO CASO
Uma paciente com idade de 69 anos foi
encaminhada para o serviço de medicina
nuclear se queixando de dispneia aos médios
esforços há cerca de 2 meses. Relata um
passado de sarcoidose. Durante a investigação da dispnéia, realizou ecocardiograma,
duplex scan de carótidas e vertebrais que
estavam nor ma is. A prova de f u nção
pulmonar demonstrou distúrbio ventilatório
obstrutivo e moderado.
A paciente foi submetida à cintilografia
pulmonar de ventilação após a inalação de
30 mCi de 99mTc-DTPA e de perfusão com
administração intravenosa de 5 mCi de
99mTc-MAA. Foram realizadas a cintilografia pulmonar convencionais (SPECT) e
a cintilografia pulmonar associada à tomografia computadorizada (SPECT-CT), para
que pudessem ser feitas as comparações
anatômicas dos achados cintilográficos e a
correção da atenuação.
A SPECT demonstrou um defeito perfusional significante com ausência de perfusão
no pulmão esquerdo e defeitos de perfusão significantes no pulmão direito.
A imagem inalatória, demonstra redução
da captação do radiotraçador no leito alveolar
Bernardo Sanches Lopes Vianna / Mariana Ferreira Veras / Allan Vieira Barlete/ Tatiane Vieira Santos, William Kleyton de Mello Aguiar / Maria Fernanda Rezende /
Talita Batalha Pires dos Santos / Alan Chambi / Wilter Ker / Nilton Lavatori Correa, André Volschan, Jader Cunha de Azevedo / Claudio Tinoco Mesquita, José Galvão Alves
Figura 1
Imagens
cintilográficas
planares de
inalação e
de perfusão
demonstrando
a presença de
graves defeitos
perfusionais
e inalatórios
em ambos os
pulmões.
do pulmão direito e redução difusa e acentuada da captação no pulmão esquerdo.
No SPECT-CT observamos redução volumétrica do pulmão esquerdo, pulmão direito
vicariante, redução da árvore vascular, principalmente no pulmão esquerdo. Nota-se
presença de linfonodomegalias hílares,
calcificadas bilateralmente, principalmente
à esquerda, o que justificaria as alterações
perfusionais/ventilatórias. Por fi m, observa-se espessamento de septos interlobulares,
opacidades em vidro fosco e pequenas
opacidades nodulares difusas compatíveis
com o padrão de Sarcoidose, sendo afastada
a hipótese de embolia pulmonar.
Figura 2
SPECT CT:
Imagens
registradas em
fusão do SPECT
de perfusão com
a tomografia
computadorizada.
Pode-se observar que como a cintilografia pulmonar convencional (Figura 1)
fornece imagens bidimensionais do pulmão,
não se pôde encontrar o motivo do defeito
perfusional, enquanto que na SPECT-CT é
mostrada a sobreposição espacial dos diferentes lobos pulmonares, como também as
diferenças de tamanho e perfusão individualmente, sendo mais precisa a observação
do problema (Figura 2).
O SPECT-CT de perfusão pulmonar
no corte transversal, sagital e coronal
demonstra distribuição heterogênea do
radiotraçador no pulmão direito, à custa
de ausência de captação nos lobos superior
e inferior. Ausência de captação do radiotraçador em toda a extensão do pulmão
esquerdo (Figura 3). A fusão das imagens
com a CT apontou que as áreas de perfusão
alterada correspondem a regiões de anormalidades estruturais parenquimatosas e
de linfonodomegalias hilares.
DISCUSSÃO
Dentre outras vantagens, a medicina
nuclear convencional é capaz de observar
as funções fisiológicas e metabólicas, tendo,
em contrapartida, a baixa resolução espacial
das suas imagens. Já a tomografia computa-
Figura 3
SPECT CT:
Imagens
registradas em
fusão do SPECT
de perfusão com
a tomografia
computadorizada.
dorizada, vale-se de mais precisa resolução
anatômica, permitindo a defi nição de anormalidades estruturais.
No SPECT/CT, há a união de ambas
as tecnologias, tanto da medicina nuclear,
quanto da tomografia computadorizada.
Posterior à aquisição de ambos os exames,
as imagens de cada um podem ser vistas
separadamente ou conjuntamente.
107
Bernardo Sanches Lopes Vianna / Mariana Ferreira Veras / Allan Vieira Barlete/ Tatiane Vieira Santos, William Kleyton de Mello Aguiar / Maria Fernanda Rezende /
Talita Batalha Pires dos Santos / Alan Chambi / Wilter Ker / Nilton Lavatori Correa, André Volschan, Jader Cunha de Azevedo / Claudio Tinoco Mesquita, José Galvão Alves
É preciso observar no caso acima, que
somente após a fusão da CT, e portanto,
observação das imagens co-registradas, é
que se pode definir com exatidão necessárias
um diagnóstico mais preciso. A presença de
linfonodomegalias hilares, o espessamento
de septos interlobulares padrão da Sarcoidose,
só foram corretamente aferidos em razão
da alta acurácia do SPECT/CT, muito mais
precisa do que a SPECT convencional.
A sarcoidose é capaz de simular embolia
pulmonar tanto pela apresentação clínica
como pelas anormalidades nos exames de
imagem. Rasheed e colaboradores descreveram um caso clínico em que um paciente
com sarcoidose foi admitido na sala de
emergência com suspeita de EP sendo a
cintilografi a positiva, entretanto durante
a arteriografia pulmonar foi demonstrado
que a causa da anormalidade perfusional
era compressão vascular extrínseca decorrente de adenopatia hilar (RASHEED 2012).
Este caso tem grande similaridade ao que
descrevemos.
Em virtude da união das técnicas diagnósticas em uma só, com a possibilidade de
observar as imagens de forma única, levando-se em conta o melhor das duas técnicas
de imagem, fisiologia da medicina nuclear
e anatomia da tomografia computadorizada,
demonstrando a importância do SPECT-CT
nesta nova fase da medicina nuclear.
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INFECÇÃO POR MYCOBACTERIUM KANSASII
ASSOCIADA À SÍNDROME DA RECONSTITUIÇÃO
IMUNE EM UM PACIENTE HIV+
RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA
Diana Salma Rezende1
Jorge Francisco da Cunha Pinto2
Guilherme Almeida Rosa da Silva2
Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo2
Rogerio Neves Motta2
Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira2
Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2
Jose Augusto da Costa Nery3
Fernando Raphael de Almeida Ferry2
Acadêmica de
Medicina
RESUMO
1
Introdução
2
Lesões cutâneas por Mycobacterium kansasii são raramente observadas em pacientes
HIV/AIDS. A forma de infecção broncopulmonar é a mais frequente, havendo poucos
relatos na literatura a respeito destas lesões na pele. O M. kansasii é um bacilo ácido-álcool
resistente de crescimento lento e considerado o mais virulento dentre as micobactérias
não tuberculosas. Infecções por M. kansasii em pacientes HIV+/AIDS estão associados à
contagem de linfócitos TCD4+ <100 cel/mm3, causando lesões respiratórias, cutâneas ou
gastrointestinais, podendo ocorrer formas disseminadas.
Professores
da Escola
de Medicina
e Cirurgia.
Hospital
Universitário
Gaffrée
e Guinle.
Universidade
Federal do
Estado do Rio
de Janeiro
(UNIRIO)
Ambulatório
Souza Araújo,
Laboratório de
Hanseníase,
Instituto
Oswaldo Cruz –
Fiocruz
3
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, 32 anos, portador de HIV/AIDS com diagnóstico em 1999.
Em 2002, iniciou tratamento antirretroviral com uso irregular. Em 2009, foi diagnosticado e
tratado para hanseníase virchowiana. No ano de 2010 recebeu tratamento para tuberculose
pulmonar com relato de recidiva um ano após também tratada. Em janeiro de 2012, iniciou
novo esquema antirretroviral com correta adesão. Sete meses depois, apesar do uso contínuo
da medicação, apresentou queda progressiva do estado geral, febre vespertina alta, lesões
dermatológicas nodulares, eritematosas, ulceradas e crostosas disseminadas pelo corpo.
O exame histopatológico da pele foi inicialmente compatível com reação hansênica do tipo
109
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
eritema nodoso necrotizante. Aventou-se
a hipótese de síndrome inflamatória da
reconstituição imune. O paciente foi tratado
com talidomida e manutenção da terapia
antirretroviral (lamivudina, tenofovir,
atazanavir/ritonavir) com melhora clínica.
Posteriormente foi isolado Mycobaterium
kansasii na cultura em tubo indicador
MGIT. O tratamento com RIPE e claritromicina foi efetivo.
Palavras-chave: HIV + AIDS, HAART,
mycotacterium kansasii, síndrome de
reconstituição imune.
ABSTRACT
Introduction
Skin lesions Mycobacterium kansasii are
rarely observed in HIV/AIDS patients.
The form of bronchopulmonary infection
is the most frequent, with few reports in
the literature about these skin lesions.
M . ka nsasi i is a toug h acid- a lcohol
bacilli of slow growth and considered
the most virulent among nontuberculous
mycobacteria. M . kansasii infections
among HIV/AIDS patients are associated
with CD4 + T lymphocyte count <10 0
cells/mm 3 causing respiratory, skin or
gastrointestinal lesions and can occur
disseminated forms.
Case report
Male patient, 32 years old, living with
HIV/AIDS diagnosed in 1999. In 2002 started
antiretroviral treatment noncompliance.
In 20 09 he was diagnosed and treated
for lepromatous leprosy. In 2010 received
treatment for pulmonary tuberculosis
with relapsed report one year after also
treated. In January 2012 started a new
antiretroviral regimen with proper adhesion.
Seven months later, despite the continued
use of medication, showed a progressive
110
decline in general condition, high evening
fever, nodular skin lesions, erythematous,
ulcerated and crusted over the body.
The skin biopsy was initially compatible
with leprosy reaction erythema nodosum
necrot i z i ng ty pe . Was hy pot he si zed
inflammatory immune reconstitution
syndrome. The patient was treated with
thalidomide and maintenance of antiretroviral
therapy (lamivudine, tenofovir, atazanavir/
ritonavir) with clinical improvement.
Later was isolated Mycobacterium kansasii
in the culture tube MGI T indicator.
Treatment with RIPE and clarithromycin
was effective.
K e y - wo rd s : H I V + A I D S , H A A R T,
m yc o b a c t e r i u m k a n s a s i i , i m m u n e
reconstitution syndrome.
INTRODUÇÃO
Pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) com contagem de
linfócitos TCD4+ < 200 cel/mm³ são comumente acometidos por diversas doenças
dermatológicas infecciosas, alérgicas e
neoplásicas.1 As principais alterações cutâneas citadas na literatura, são o herpes
simples, herpes zoster, verrugas condilomatosas, sarcoma de Kaposi, foliculite
eosinofílica, dermatite seborreica, criptococose, leishmaniose tegumentar americana e a histoplasmose disseminada. 2,3
As infecções cutâneas por micobactérioses
não tuberculosas (MNT) são frequentemente
associadas a doenças crônicas e a identificação e diagnóstico são difíceis de serem
realizados.3,4,5,6
As micobactérias pertencem à ordem
Actinomycetales, da subordem Corynebacterineae, pertencente à família das Mycobacteriacerae. Como características gerais,
apresentam a forma de bacilos delgados,
retos e ligeiramente encurvados, podendo
ser ramificados, isolados ou em pequenas
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
colônias. São microorganismos imóveis, não
esporulados, não capsulados, desprovidos de
fímbrias, aeróbios e saprófitas.
As micobactérias possuem elevado
conteúdo de lipídeos (ácidos micólicos e
ácidos graxos de cadeias longas) na sua parede
celular, os quais conferem a capacidade de
reter corantes complexos básicos (tais como
arbolfucsina) e apresentam-se resistentes
ao descoramento com solução álcool-ácido.
São, portanto, classificadas como bacilos
álcool-ácido-resistentes (BAAR) e os métodos
mais utilizados, como os de Ziehl-Neelsen e
de Kinyoun, atribuem às micobactérias uma
coloração avermelhada.7,8,9
Em 1873 Hansen identificou o Mycobacterium leprae como causador da hanseníase
e em 1882, Kock defi ne o Mycobacterium
tuberculosis como causador da tuberculose
humana. A partir de então, foram associadas
outras micobactérias a doenças em humanos
sendo chamadas micobaterioses atípicas
ou MNT.10 A classificação das micobactérias abrange mais de 150 espécies, dentre
as quais, são destacadas a micobactéria
da tuberculose, hanseníase e as atípicas.7
As micobactérias atípicas podem ser classificadas em dois grupos conforme tempo de
multiplicação maior ou menor do que sete
dias, as de crescimento lento e de crescimento rápido. No primeiro grupo podemos
destacar o complexo M. avium (MAC),
M. gnovense, M. haemophilum, M. kansasii,
M. leprae, M. malmense, M. marinum,
M. scrofulaceum, M. ulcerans, M. xenopi.
No segundo, as M. chelonae, M. absxessus,
M. foruitum, M. massiliense.11
As MNT podem ser responsáveis por
infecções pulmonares crônicas, infecções
cutâneas e de tecidos moles, linfadenite
e infecções disseminadas.12 Na pele, a
inoculação normalmente ocorre por mecanismo traumático e a incubação pode ser
entre dois meses a um ano. A notificação
compulsória das micobacterioses de crescimento rápido foi estabelecida em 2009 pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). Entretanto, entre as espécies de
maior potencial patogênico, tais como as
do Complexo M. avium e M. kansasii, são as
mais isoladas e acometem principalmente o
sistema broncopulmonar.13
A redução da capacidade imunológica
favorece a disseminação no organismo.
Normalmente a disseminação de doenças
em pacientes HIV+/AIDS está associada
às micobactérias de crescimento lento,
enquanto as infecções pós-traumáticas
estão associadas às micobactérias de crescimento rápido.13 As MNT, dentre as quais
a M. kansasii, ocorrem principalmente em
estágios avançados da AIDS, podendo ser
isoladas a partir da pele, vias aéreas superiores, ouvido externo, vagina, genitálias,
saliva, escarro, fezes e urina.2,15,16 Após a
introdução da terapia antirretroviral de
alta atividade em pacientes HIV+ em 1996,
houve um decréscimo no número de casos
de MNT. 3,5,15,16
Descrito em 1953 por Buhler e Pollack,
o M. kansasii é considerado o mais virulento das MNT, e o segundo patógeno mais
frequente em MNT disseminadas.1,5,17,18
O órgão mais acometido é o pulmão e a apresentação mais comum em pacientes adultos
ocorre em portadores de doença pulmonar
obstr utiva crônica ou fibrose cística.
Em raras situações podem causar infecções de pele, acometer outros tecidos ou
manifestar uma infecção disseminada.18,19
A manifestação cutânea por M. kansasii não
ocorre de forma frequente, havendo poucos
relatos na literatura.20
Especi fica mente sobre a i n fecção
cutânea, o M. kansasii é normalmente resultado de traumas ou de outras doenças associadas, ocorrendo geralmente em pacientes
com contagem de linfócitos TCD4+ inferior
a 50 cel/mm³.1,5,15,16 A infecção por MNT
em imunossuprimidos deve ser suspeitada
quando os achados clínicos, tais como
infecção cutânea acompanhada de febre
111
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
e calafrios, com apresentação crônica,
abscesso, úlceras, nódulos com infi ltração
local forem evidenciados, sendo indicada a
realização de biópsia.5,18,21 Pode haver infi ltrado inflamatório polimorfo com ou sem
abscessos e necrose, nódulos semelhantes
aos da esporotricose, placas eritematosas,
pápulas, pústulas, placas verrucosas, celulites e ulcerações.5 O diagnóstico é realizado
através da cultura da amostra de pele biopsiada, tendo como diagnósticos diferenciais
a esporotricose, sarcoidose, tuberculose,
hanseníase, reação hansênica por síndrome
da reconstituição imunológica, sífilis e paracoccidioidomicose.21
Os relatos de mortalidade por M .
kansasii variam de acordo com o local do
estudo. Na Califórnia, em uma população
de 43 trabalhadores com diagnóstico de
HIV/AIDS, foi observado taxa de mortalidade de 9%.17 Em outro estudo, realizado
na Coréia, com 63 pacientes diagnosticados
com M. kansasii e imunossuprimidos por
nada e esgoto sanitário, morando sozinho e
não possuindo animais domésticos.
Diagnosticado com infecção pelo HIV
há quinze anos (1999), sendo instituído o
primeiro tratamento com antirretrovirais
há doze anos (2002), porém sempre com
uso irregular das medicações. Em 2009, foi
diagnosticado e tratado para hanseníase
virchowiana em outra unidade de saúde.
No ano de 2010 foi tratado para tuberculose
pulmonar e novamente diagnosticado e
tratado para tuberculose pulmonar recidivante em 2011.
A partir de janeiro 2012, a contagem
de linfócitos TCD4+ era de 23 cel/mm³ e
carga viral (CV) do HIV 434.845 cópias/ml.
Iniciou uso regular de antirretrovirais com
atazanavir 300mg/dia, lamivudina150mg
dois comprimidos/dia, ritonavir 100mg/dia
e tenofovir 300mg/dia, sendo impelido ao
tratamento de modo correto devido diagnóstico de recidiva da tuberculose pulmonar
recém-tratada.
diversas causas, mas não pelo HIV, apresentou mortalidade global de 60,3%.18
O objetivo deste estudo é relatar um
caso de HIV/AIDS apresentando lesões
cutâneas, cuja suspeita inicial foi de reação
hansênica tipo eritema necrotizante associada à reconstituição imunológica e que
culminou com diagnóstico microbiológico
de infecção por M. kansasii.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 32 anos, branco,
solteiro, heterossexual, natural do Rio de
Janeiro, brasileiro, residente em Belford Roxo,
primeiro grau completo, protestante, serralheiro. Tabagista de 36 maços-ano, ex-etilista,
ex-usuário de maconha e cocaína e egresso
do sistema penal, em que ficou preso por dois
anos até ser libertado há cinco anos. Residente em casa de alvenaria, com água enca112
Em agosto de 2012, apesar do uso
regular e continuo dos antirretrovirais,
apresentou queda progressiva do estado
geral, febre vespertina em torno de 39oC,
lesões dermatológicas nodulares, eritematosas, ulceradas e crostosas disseminadas
pelo corpo (Fig. 1 a 3). Queixava de dor com
limitação da deambulação e das atividades
diárias. Diante desta situação, o paciente
foi internado no Hospital Universitário
Gaffrèe Guinle (HUGG) para diagnóstico, tratamento e acompa n hamento.
Neste momento, a contagem de linfócitos
T CD4 era 148 cel/mm³ e a CV 37.690
cópias/ml.
Ao exame físico de admissão, estava em
estado geral ruim, descorado (2+/4), face de
dor, edema doloroso de membros inferiores
principalmente em pé D e com sinais
flogísticos e deambulando com dificuldade.
Verificado múltiplas lesões nodulares dolo-
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
Figura A
Placas eritemato
descamativas
recobertas
por crostas
com algumas
confluências na
região dorsal e
áreas necróticas
em região dorsal.
rosas com disseminação centrífuga, presença
de máculas hipercrômicas eritemato-violáceas, pústulas e crostas, algumas evoluíram
para ulceração com bordos elevados, irregulares, com predomínio no tronco, membros
superiores e inferiores e em menor proporção
na região palmar e plantar, face e pavilhão
auricular, poupando mucosas e couro cabe-
Figura B
Lesões nodulares,
eritematosas,
crostosas e
descamativas
com pontos
necróticos em
face anterior das
coxas e joelhos.
ludo. O aspecto das lesões sugeria infecção
secundária por germes cutâneos comuns.
As hipóteses diagnósticas consideradas
foram hanseníase, reação hansênica por
síndrome da reconstituição imunológica,
herpes zoster, condiloma, sífilis, tuberculose
cutânea, paracoccidioidomicose, leishmaniose e MNT.
Foi solicitado hemograma e bioquímica,
contagem de linfócitos TCD4+, sorologias
para CMV, herpes simples I e II, toxoplasmose, hepatites virais, sorologias para sífilis
– Venereal Disease Research Laboratories
(VDRL), Fluorescent Treponemal Antibody –
Absorption (FTA-abs) e radiografia de tórax.
Coletado material das lesões para exame
microbiológico, histopatológico para pesquisa
de BAAR pelo método de Ziehl-Neelsen.
Foi prescrito amoxicilina-clavulanato
1g IV de 8/8h para tratar a possível infecção
de pele secundária, sulfametoxazol +
trimetoprim 400/80mg 2cp/dia e azitromicina 500mg 3cp/semana como profi laxia
primária para pneumocistose, toxoplasmose
e MAC, além de cetoprofeno 100mg IV
12/12h para redução do quadro inflamatório.
Iniciado talidomida 300mg/dia devido a
suspeita de reação hansênica em função da
história pregressa de tratamento para hanseníase. Na primeira semana de internação
observou-se melhora progressiva das lesões
e redução do quadro álgico. Optou-se por não
usar prednisona pelo quadro de imunossupressão grave.
citose com desvio à esquerda e hipocalcemia
discreta. As sorologias para herpes simples
I e II e citomegalovírus foram reagentes
apenas para IgG. Os exames para detecção
de hepatites virais, sífi lis e toxoplasmose
foram não reagentes. Na radiografia de tórax
foram identificados pulmões com infiltrado
intersticial difuso e imagens compatíveis
com bronquectasias.
As colorações, culturas e histopatológico revelaram: baciloscopia pela
metodologia Ziehl-Neelsen com BAAR (+),
crescimento de estruturas bacilares álcoolácido resistentes no tubo indicador MGIT
(Mycobacteria Growth Indicator Tube) e
isolamento em cultura para Mycobacterium
Figura C
Pápulas
vesiculosas em
face antero-distal
de antebraço
direito.
Figura D
Lesões crostosas,
necróticas e
descamativas
em face
póstero-distal
de antebraço
direito, antes do
tratamento com
talidomida.
Figura E
Face
póstero-distal
de antebraço
direito, após
tratamento com
talidomida.
kansasii. Diante deste quadro foi iniciado
tratamento com rifampicina, isoniazida,
pirazinamida e etambutol (R IPE) 4cp
VO/ dia e claritromicina 500mg VO de 12/12h,
além de talidomida 300mg/dia, com desaparecimento das lesões em menos de um mês
(Fig. 4). O esquema antirretroviral foi trocado
para lamivudina, tenofovir e efavirenz.
Recebeu alta para continuação do tratamento e acompanhamento ambulatorial.
Após 2 meses o etambutol e pirazinamida
foram suspensos, mantendo-se a rifampicina,
Os exames de admissão indicaram
isoniazida, claritromicina e talidomida (com
anemia normocítica e normocrômica, leuco-
dose reduzida para100mg/dia) por 12 meses.
113
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
DISCUSSÃO
A síndrome de reconstituição imunológica (IRIS) acomete cerca de 15-25% dos
pacientes HIV+, principalmente aqueles
com contagem de linfócitos TCD4+ < 200
cel/mm 3. Esta síndrome pode ser observada após um mês de início da terapia
antirretroviral, podendo ocorrer em até
dois anos. 22 A deterioração paradoxal do
estado geral do paciente juntamente com a
elevação da contagem de linfócitos TCD4+
acontece devido a acentuada resposta próinflamatória a presença de microorganismos
oportunistas ou células neoplásicas latentes,
como por exemplo sarcoma de Kaposi, micobactérias, fungos e vírus.23 O tratamento
de formas graves de IRIS vão desde o uso de
prednisona em dose imunossupressora até a
suspensão dos antirretrovirais.20
Em alguns pacientes em início de antirretrovirais podemos observar o aparecimento
de infecções cutâneas, bem como, em casos
atípicos, reações do tipo hansênica.24,25,26
A reação hansênica pode acometer o paciente
durante ou após a poliquimioterapia (PQT)
específica para hanseníase ou estar relacionada à IRIS.24,27 As reações hansênicas são
classificadas como reação reversa (RR) ou
reação hansênica tipo I e reação hansênica
tipo II, ou eritema nodoso necrotizante
(ENH). 28 São classificadas como reações
tipo 1 aquelas que acometem pacientes que
mantem a imunidade celular específica
contra a M. leprae. A reação tipo 2, acomete,
em sua grande maioria, pacientes imunocomprometidos.29 Essas reações, incluindo a
forma de eritema necrosante, podem simular
a hanseníase em atividade durante a PQT ou
mesmo após o tratamento.2,3,30
Ao relacion a r as der matoses que
acometem pacientes infectados pelo HIV
com a contagem de linfócitos TCD4+, foi
verificado que a média de linfócitos TDC4+
observada em pacientes internados foi de
114
142,34 células/mm 3 e para os pacientes
sem dermatose de 512,35 células/mm 3.
Em contrapartida, entre os pacientes ambulatoriais, a média dos linfócitos TCD4+ em
pacientes com dermatoses foi de 138,88
células/mm3 enquanto nos demais foi de
336,21 células/mm3.3 Este dado correlaciona
a presença de imunodepressão grave com o
aparecimento de doenças dermatológicas em
pacientes infectados pelo HIV, não somente
em pacientes com reconstituição imunológica conforme discutido. No presente caso
a contagem de linfócitos TCD4+ antes do
início regular dos antirretrovirais foi de 23
cel/mm³, aumentando para 148 cel/mm³ no
momento da internação configurando uma
reconstituição imunológica.
As lesões cutâneas por M. kansasii
ocorrem em sua maioria devido a processos
traumáticos da pele, podendo iniciar um
quadro de lesões nodulares próximas ao
traumatismo ou drenagem de secreção
serosa no local da lesão. A infecção propicia
o desencadeamento de um processo inflamatório inicialmente agudo, o qual poderá
tornar-se crônico e de característica granulomatosa, gerando ou não abscessos.6
O paciente foi diagnosticado com HIV+/
AIDS em 1999 e iniciado tratamento de
baixa adesão com antirretroviral em 2002.
Nos últimos sete meses realizou o tratamento
antirretroviral com regularidade, sendo que
há um mês iniciou o aparecimento das lesões.
Foi internado apresentando um quadro
de múltiplas lesões cutâneas, as quais se
iniciaram um mês antes da internação, acompanhado de febre alta e surgimento de placas
eritematosas, com evolução para nódulos e
pústulas, posteriormente evoluindo para
ulceração e necrose, com formação crostosa, demonstrando um intenso processo
infl amatório. Esta descrição é compatível
com doença dermatológica associada a
IRIS, cujo diagnóstico diferencial abrange
reação hansênica, histoplasmose, criptoco-
Diana Salma Rezende / Jorge Francisco da Cunha Pinto2, Guilherme Almeida Rosa da Silva / Marcelo Costa Velho Mendes de Azevedo / Rogerio Neves
Motta / Carlos Alberto Basílio-de-Oliveira / Rodrigo Panno Basílio-de-Oliveira2, Jose Augusto da Costa Nery / Fernando Raphael de Almeida Ferry
cose, leishmaniose tegumentar americana,
criptococose, esporotricose, paracoccidiodomicose, sífilis terciária, tuberculose
cutânea e MNT.
Os exames laboratoriais demonstraram
leucocitose e aumento de proteína c-reativa.
No caso de reação hansênica, podemos
identificar leucocitose, neutrofilia e trombocitopenia, elevação de proteína c-reativa
caracterizando reação inflamatória aguda.
O exame histopatológico de fragmento
de pele do braço direito e de pavilhão
auricular esquerdo revelou focos de paraceratose, discreta espongiose e exocitose,
derme reticular e hipoderme com acentuado
infiltrado inflamatório constituído por
linfócitos e macrófagos com citoplasma
espumoso entremeado por material necrótico-exsudativo, com presença de vasculite
necrotizante podendo estar compatível com
reação hansênica do tipo eritema nodoso
necrotizante.
O Ministério da Saúde (MS) indica como
tratamento para a reação tipo 2 e reação
hansênica do tipo eritema nodoso necrolítico o uso da talidomida na dose de 100 a 400
mg dia conforme a intensidade do quadro e
na impossibilidade do seu uso a prednisona
1 a 2 mg kg/dia.25,31
Entretanto, o exame microbiológico
Em relação ao tratamento específico
contra o M. kansasii podemos citar antibióticos como a claritromicina e quinolonas,16
sendo recomendado o tratamento medicamentoso por 18 meses. 32 Considerando
a atividade terapêutica de macrolídeos e
derivados fluoroquinolonas contra MNT,
os medicamentos mais eficazes foram a
claritromicina e a azitromicina entre os
macrolídeos e a ofloxacina e esparfloxacina
entre as quinolonas. Entre os pacientes HIV+
pode ocorrer resistência da M. kansasii à
claritromicina. Como primeira linha mais
eficaz contra M. kansasii são citados a cicloserina, rifampicina e o etambutol.17 Pelo fato
do paciente ser portador do HIV, a equipe
médica optou por tratar o paciente com
esquema RIPE e claritromicina, conforme
recomendado por Griffith et al.33 A melhora
inicial do quadro clínico do paciente pode
ter sido relacionada ao uso profi lático da
claritromicina 500mg VO de 12/12h.
Este estudo ressalta a importância do
exame microbiológico e histopatológico
aprofundado para lesões cutâneas relacionadas à AIDS, tendo em vista que as doenças
dermatológicas podem ser apresentadas à
ectoscopia de formas atípicas e incomuns.
O espectro do diagnóstico diferencial na
AIDS é sempre amplo e muito difícil devido
à possibilidade de múltiplos agentes simultaneamente e pela característica atípica
das lesões.
resultou em diagnóstico de infecção pelo
M. kansasii (anexo I e II). A baciloscopia é o
principal exame para achado laboratorial de
micobactérias, e envolve a pesquisa direta
de BAAR pela coloração de Ziehl-Neelsen.
Este exame permite identificar e estimar
quantitativamente os bacilos presentes na
amostra. A cultura é capaz de identificar
a espécie de micobactéria causadora da
infecção e determinar a sensibilidade aos
antimicrobianos. A desvantagem é que a
cultura pode demorar um tempo de oito
semanas para o resultado.13
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117
PROFESSOR ARTHUR FERNANDO
CAMPOS DA PAZ FILHO
CENTENÁRIO DE NASCIMENTO (1914-2014)
Haroldo Bezerra Cunha
O saudoso médico ginecologista Professor Arthur Fernando Campos da Paz Filho, se vivo
fosse, teria comemorado um século de existência em 27 de setembro de 2014.
Convivi com o inolvidável falecido cerca de três décadas e nutri por ele uma grande
admiração e apreço, além de laços de família e de haver sido membro do Conselho Fiscal
da Fundação das Pioneiras Sociais na época em que ele exerceu a presidência daquela
instituição.
O ilustre amigo nasceu nesta cidade, fi lho do médico Arthur Fernandes Campos da
Paz e da Senhora Mercêdes de Mello Campos da Paz.
Graduado em medicina pela Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, o Professor
Campos da Paz viveu sempre adiantado do tempo e foi um verdadeiro ”globetrotter”, pois
viajou através dos cinco continentes, proferindo palestras e se revelando como um batalhador
do combate ao câncer e entusiasta da fertilidade no ser feminino.
Era uma pessoa muito comunicativa e, não obstante a sua clínica ter uma grande
clientela, encontrava horário para comparecer aos eventos da época.
Foi membro honorário da Academia Nacional de Medicina. Distinguido pelo governo
de New Orleans com o título de “HONOR CITICIEN”, recebeu medalhas e inúmeras
homenagens.
O talentoso médico morreu em 18 de maio de 1987, sendo velado na Academia Nacional
de Medicina e sepultado no mausoléu da família no Cemitério do Caju.
118
REGRAS DE PUBLICAÇÃO
INFORMAÇÕES GERAIS
Os Anais da Academia Nacional de Medicina é a publicação científica da ANM, com
circulação regular desde 1830. Todo o conteúdo da revista está disponível em português
no site: www.anm.org.br, que é de livre acesso. O material publicado se destina a elevar o
padrão da prática médica, bem como a promover a investigação científica e o debate sobre
a saúde da criança, do adolescente, do adulto e do idoso. Os Anais aceitam a submissão de
artigos em português e inglês. A partir de 2004, na versão impressa da revista, os artigos
são publicados na língua em que foram submetidos.
PROCESSO DE REVISÃO (PEER REVIEW)
Todo o conteúdo publicado pelos Anais da Academia Nacional de Medicina passa por
processo de revisão por especialistas (peer review). Cada artigo submetido para apreciação
é encaminhado a um dos editores, que faz uma revisão inicial quanto aos padrões mínimos
de exigência da revista e ao atendimento de todas as normas requeridas para envio dos
originais. A seguir, o artigo é remetido a dois revisores especialistas na área pertinente,
selecionado de um cadastro de revisores. Os revisores são sempre de instituições diferentes
da instituição de origem do artigo. Os revisores são cegos quanto à identidade dos autores
e ao local de origem do trabalho. Todo o processo de revisão é realizado por e-mail, em
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decide pela aceitação do artigo sem modificações, pela recusa ou pela devolução aos autores
com as sugestões de modificações. Conforme a necessidade, um determinado artigo pode
retornar várias vezes aos autores para esclarecimentos ou novas versões aprimoradas e, a
qualquer momento, pode ter a sua recusa determinada, mas cada versão é sempre analisada
pelo conselho editorial, que detém o poder da decisão fi nal.
119
Regras de Publicação
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Artigos originais incluem estudos
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testes diagnósticos e de triagem e outros
estudos descritivos e de intervenção, bem
como pesquisa básica com animais de laboratório. O texto deve ter entre 2 mil e 3 mil
palavras, excluindo tabelas e referências; o
número de referências não deve exceder 30.
Relatos de casos tratam de pacientes
ou situações singulares, doenças raras
ou nunca descritas, assim como formas
inovadoras de diagnóstico ou tratamento.
O texto é composto por uma introdução
breve, que situa o leitor quanto à importância
do assunto e apresenta os objetivos da apresentação do(s) caso(s); por um relato resumido
do caso; e por comentários que discutem
aspectos relevantes e comparam os relatos
com outros casos descritos na literatura.
O número de palavras deve ser inferior
a 2 mil, excluindo referências e tabelas.
O número máximo de referências é 15.
Recomenda-se não incluir mais de duas
figuras.
Cartas ao editor devem comentar,
discutir ou criticar artigos publicados nos
Anais. O tamanho máximo é de mil palavras, incluindo no máximo seis referências
bibliográficas. Sempre que possível, uma
resposta dos autores será publicada junto
com a carta.
Artigos de revisão, avaliações críticas e
ordenadas da literatura em relação a temas
de importância clínica, com ênfase em
fatores como causas e prevenção de doenças,
120
seu diagnóstico, tratamento e prognóstico,
são em geral escritos, mediante convite, por
profi ssionais de reconhecida experiência
em assuntos de interesse especial para os
leitores. Meta-análises estão incluídas nessa
categoria. Autores não-convidados podem
também submeter previamente ao conselho
editorial uma proposta de artigo de revisão,
com um roteiro.
Se aprovado, o autor pode desenvolver o
roteiro e submete-lo à publicação. Artigos de
revisão devem se limitar a 6 mil palavras,
excluindo referências e tabelas. As referências bibliográficas deverão ser atuais e em
número mínimo de 50. Artigos especiais
são textos não-classificáveis na categorias
acima, que o conselho editorial julgue de
especial relevância para a saúde. Sua revisão
admite critérios próprios, não havendo
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121
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e palavras-chave em português e inglês (ou
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Título do arquivo, conciso e informativo, evitando termos supérfluos e abreviaturas; evitar também a indicação do
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b.
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inglês;
c.
Título abreviado (para constar na capa
e no topo das páginas), com no máximo
de 50 caracteres, contando os espaços;
d.
Nome de cad a u m dos autores (o
primeiro nome e o último sobrenome
devem obrigatoriamente ser informados
por extenso; todos os demais nomes
aparecem como iniciais);
e.
Titulação mais importante de cada autor;
f.
Endereço eletrônico de cada autor;
g.
Informar se cada um dos autores possui
currículo cadastrado na plataforma
Lattes do CNPq;
h. A contribuição específica de cada autor
para o estudo;
i.
122
Declaração de conflito de interesse
(escrever nada a declarar ou a revelação
clara de quaisquer interesses econômicos
ou de outra natureza que poderiam
causar constrangimento se conhecidos
depois da publicação do artigo);
j.
Definição de instituição ou serviço
oficial ao qual o trabalho está vinculado
para fins de registro no banco de dados;
k. Nome, endereço, telefone, fax e endereço
eletrônico do autor responsável pela
correspondência;
l.
Nome, endereço, telefone, fax e endereço
eletrônico do autor responsável pelos
contatos pré-publicação;
m. Fonte fi nanciadora ou fornecedora de
equipamento e materiais, quando for o
caso;
n. Contagem total das palavras do texto,
excluindo resumo, agradecimentos, referências bibliográficas, tabelas e legendas
das figuras;
o.
Contagem total das palavras do resumo
e do abstract;
p.
Número de tabelas e figuras.
RESUMO
O resumo deve ser submetido em duas
línguas: inglês e português para artigos
submetidos em inglês ou português, e inglês
e espanhol para artigos submetidos em espanhol. O resumo deve ter no máximo 250
palavras ou 1.400 caracteres, evitando-se o
uso de abreviaturas. Todas as informações
que aparecem no resumo devem aparecer
também no artigo. O resumo deve ser
estruturado³ conforme a seguir.
RESUMO DO ARTIGO ORIGINAL
Fundamentos: Informar o porquê do artigo,
indicando o que existe de relevante na
literatura que dá suporte ou justifica sua
publicação.
Objetivo: Informar por que o estudo foi
iniciado e quais foram as hipóteses iniciais,
se houve alguma. Definir precisamente qual
Regras de Publicação
foi o objetivo principal e informar somente
os objetivos secundários mais relevantes.
Métodos: Informar sobre o delineamento do
estudo (defi nir, se pertinente, se o estudo é
randomizado, cego, retrospectivo, etc.), o
contexto ou local (defi nir, se pertinente, o
nível de atendimento: se primário, secundário ou terciário, clínica privada, institucional, etc.), os pacientes ou participantes
(definir critérios de seleção, número de
casos no início e no fim do estudo, etc.), as
intervenções (descrever as características
essenciais, incluindo métodos e duração) e
os critérios de mensuração do desfecho.
Resultados: Informar os principais dados,
intervalos de confiança e significância,
discussão e conclusões, analisar seus
achados em comparação com a literatura,
mostrar erudição estatística.
Conclusões: Apresentar apenas aquelas
apoiadas pelos dados do estudo e que
contemplem os objetivos, bem como sua
aplicação prática, dando ênfase igual a
acha- dos positivos e negativos que tenham
méritos científicos similares.
RESUMO DE ARTIGO DE REVISÃO
Objetivo: Informar por que a revisão da literatura foi feita, indicando se ela enfatiza algum
fator em especial, como causa prevenção,
diagnóstico, tratamento ou prognóstico.
Fontes dos dados: Descrever as fontes da
pesquisa, definindo as bases de dados e
os anos pesquisados. Informar sucintamente os critérios de seleção de artigos e os
métodos de extração e avaliação da qualidade das informações.
Síntese dos dados: Informar os principais
resultados da pesquisa sejam quantitativos
ou qualitativos.
Conclusões: Apresentar as conclusões e suas
aplicações clínicas, limitando generalizações aos domínios da revisão.
RESUMO DE RELATO DE CASO
Objetivo: Informar por que o caso merece
ser publicado, com ênfase nas questões de
raridade, ineditismo ou novas formas
de diagnóstico e tratamento.
Descrição: Apresentar sinteticamente as
informações básicas do caso, com ênfase
nas mesmas questões de ineditismo e
inovação.
Comentários: Conclusões sobre a importância do relato para a comunidade científica
e as perspectivas de aplicação prática das
abordagens inovadoras. Abaixo do resumo,
fornecer de três a seis descritores, que são
palavras-chave ou expressões-chave que
auxiliarão a inclusão adequada do resumo
nos bancos de dados bibliográficos. Empregar
descritores integrantes da Lista de Descritores em Ciências da Saúde (4), elaborada
pela BIREME e disponível nas bibliotecas
médicas ou na internet (http://decs.bvs.brl).
Se não houver descritores adequados na
referida lista, usar termos novos. A lista de
Descritores em Ciências da Saúde mostra
também os termos correspondentes em
inglês. Alternativamente, os autores podem
utilizar a lista de Medical Subject Headings,
publicada pela U.S. National Library ofMedicine, do National Institute of Health, e
disponível em http://www.nlm.nih.gov/
mesh/meshhome.html.
ABREVIATURAS
Devem ser evitadas, pois prejudicam a
leitura confortável do texto. Quando usadas,
devem ser defi nidas ao serem mencionadas
pela primeira vez. Jamais devem aparecer no
título e nos resumos.
TEXTO
O texto dos artigos originais deve conter as
seguintes seções, cada uma com seu respectivo subtítulo:
123
Regras de Publicação
a.
b.
Introdução: sucinta, citando apenas
iniciais do estudo, evitando assertivas
referências estritamente pertinentes
não-apoiadas pelos achados e dando
para mostrar a importância do tema e
ênfase igual a achados positivos e nega-
justificar o trabalho. Ao fi nal da intro-
tivos que tenham méritos científicos
dução, os objetivos do estudo devem ser
similares. Incluir recomendações,
claramente descritos.
quando pertinentes.
Métodos: descrever a população estu-
O texto dos artigos de revisão não
dada, a amostra e os critérios de seleção;
obedece a um esquema rígido de seções.
defi nir claramente as variáveis e deta-
Sugere-se uma introdução breve, em que
lhar a análise estatística; incluir refe-
os autores explicam qual a importância
rências padronizadas sobre os métodos
da revisão para a prática médica, à luz
estatísticos e informação de eventuais
da literatura médica. Não é necessário
programas de computação. Procedi-
descrever os métodos de seleção e extração
mentos, produtos e equipamentos utili-
dos dados, passando logo para a sua síntese,
zados devem ser descritos com detalhes
que, entretanto, deve apresentar todas
suficientes para permitir a reprodução
as informações pertinentes em detalhe.
do estudo. É obrigatória a inclusão de
declaração de que todos os procedimentos foram aprovados pelo comitê
de ética em pesquisa da instituição a
A seção de conclusões deve correlacionar
as ideias principais da revisão e as possíveis
aplicações clínicas, limitando generalizações aos domínios da revisão.
que se vinculam os autores ou, na falta
desse, por um outro comitê de ética
em pesquisa indicado pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa do
O texto dos relatos de caso deve conter
seu respectivo subtítulo:
a.
o que se sabe a respeito da doença em
Ministério da Saúde5.
c.
dagem diagnóstica e terapêutica por
maneira clara, objetiva e em sequência
meio de uma breve, porém atual, revisão
lógica. As informações contidas em
da literatura.
b.
Descrição do(s) caso(s): o caso é apre-
tidas no texto. Usar gráficos em vez de
sentado com detalhes suficientes para o
tabelas com um número muito grande
leitor compreender toda a sua evolução
de dados.
e seus fatores condicionantes. Quando
Discussão: deve interpretar os resul-
o artigo tratar do relato de mais de um
tados e compará-Ios com os dados já
caso, sugere-se agrupar as informações
descritos na literatura, enfatizando
em uma tabela, por uma questão de
os aspectos novos e importantes do
clareza e aproveitamento do espaço.
estudo. Discutir as implicações dos
Evitar incluir mais de duas figuras.
achados e suas limitações, bem como
124
questão e quais são as práticas de abor-
Resultados: devem ser apresentados de
tabelas ou figuras não devem ser repe-
d.
Introdução: apresenta de modo sucinto
c.
Discussão: apresenta correlações entre
a necessidade de pesquisas adicionais.
o(s) caso(s) e outros descritos e a impor-
As conclusões devem ser apresentadas
tância do relato para a comunidade
no final da discussão, levando em
médica, bem como as perspectivas
consideração os objetivos do trabalho.
de aplicação prática das abordagens
Relacionar as conclusões aos objetivos
inovadoras.
Regras de Publicação
AGRADECIMENTOS
Devem ser breves e objetivos, somente a
pessoas ou instituições que tenham contribuído significativamente para o estudo,
sem preencher os critérios de autoria.
Integrantes da lista de agradecimento
devem dar sua autorização por escrito para
a divulgação de seus nomes, uma vez que
os leitores podem supor seu endosso às
conclusões do estudo.
5.
Ranney T, Mazzae E. Wireless phones and
driver distraction. Abstracts of the Sixth
World Conference on Injury Prevention
and Control; 2002 May 12-15; Montreal,
Canada. Montreal: Les Presses de r
Université de Montréal, 2002:169-70.
6.
1.
Artigo padrão
Morris SS, Grantham-McGregor SM,
Ura PI, Assuncao AM, Ashworth A.
Elfect of breastfeeding and morbidity
on the deveIopment of low birthweight
term babies in Brazil. Acta Paediatr.
1999; 88:1101-6.
Se houver mais de seis autores, cite os
três primeiros nomes seguidos de et al.
2.
Livro
Lawrence .RA. Breastfeeding. 5th ed. St.
Louis (MO): CV Mosby; 1999.
3.
Capítulo de livro
Howard CR. Breastfeeding. In: Green
M, Haggerty RI. Weitzman M, editors.
Ambulatory pediatrics. 5th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1999. p.109-16.
4.
Teses e dissertações
Kaplan SJ. Post-hospital home health
care: the elderly’s accessand utilization
[tese de doutorado]. St. Louis (MO):
Washington Univ.; 1995.
Artigo de revista eletrônica
Abood S. Ouality improvement initiative
In nursing homes: the ANA acts in an
advisory role. Am J Nurs [revista eletrônica]. 2002 Jun [citado 12 de agosto de
2002]; 102(6):[aproximadamente 3 p.].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As referências bibliográficas devem ser
numeradas e ordenadas segundo a ordem
de aparecimento no texto, no qual devem
ser identificadas pelos respectivos algarismos arábicos elevados, entre parênteses.
Devem ser formatadas no estilo Vancouver, de
acordo com os exemplos listados a seguir:
Trabalho apresentado em congresso ou
similar (publicado)
Disponível em: http://www.nursingworld.
org/AJN/2002/june/wawatch.htm
7.
Materiais da internet
American Medical Association [site na
internet]. Chicago: The Association;
c 1995-2002 [atualizado 23 de agosto
de 2001; citado 12 de agosto de 2002].
AMA Office of Group Practice Liaison;
[aproximadamente 2 telas].
Disponível em: http://www.ama-assn.org/
ama/pub/category/1736.htm
Artigos aceitos para publicação, mas
ainda não-publicados, podem ser citados
desde que indicando a revista e que estão
no prelo.
Observações não-publicadas e comunicações pessoais não podem ser citadas como
referências; se for imprescindível a inclusão
de informações dessa natureza no artigo,
elas devem ser seguidas pela observação
não-publicada ou comunicação pessoal
entre parênteses no corpo do artigo.
Os títulos dos periódicos devem ser
abreviados conforme as abreviaturas do
index Medicus; uma lista extensa de periódicos, com suas respectivas abreviaturas,
pode ser obtida através da publicação da
125
Regras de Publicação
NLM “List of Serials Indexed for Online
Users”, disponível no endereço http://www.
nlm.nih.gov.tsd.serials/lsiou.html.
Para informações mais detalhadas,
consulte os Requisitos Uniformes para
Originais Submetidos a Revistas Biomédicas. Esse documento está disponível em
http://www.lcmje.org/ ou http:// www.jped.
com.br/port-normas/normas_07.asp.
TABELAS
Cada tabela deve ser apresentada em folha
separada, numerada na ordem de aparecimento no texto, e com um título sucinto,
porém explicativo. Todas as explicações
devem ser apresentadas em notas de rodapé,
e não no título. A formatação das tabelas
deve utilizar apenas comandos de tabulação
(tab) e nova linha (enter). Não usar funções
de criação de tabelas, não sublinhar ou
desenhar linhas dentro das tabelas, não usar
espaços para separar colunas (usar comando
de tabulação tab), não usar comandos de
justificação, não usar tabulações decimais
ou centralizadas. Não usar espaço em qualquer lado do símbolo t.
FIGURAS (FOTOGRAFIAS,
DESENHOS, GRÁFICOS)
Todas as figuras devem ser numeradas na
ordem de aparecimento no texto. Todas as
explicações devem ser apresentadas nas
legendas. Figuras reproduzidas de outras
fontes já publicadas devem indicar essa
condição na legenda, assim como devem ser
acompanhadas por uma carta de permissão
do detentor dos direitos. Fotos não devem
permitir a identificação do paciente; tarjas
cobrindo os olhos podem não constituir
proteção adequada. Caso exista a possibilidade de identificação, é obrigatória a inclusão
de documento escrito fornecendo consentimento livre e esclarecido para a publicação.
126
Microfotografias devem apresentar escalas
internas e setas que contrastem com o
fundo. As ilustrações são aceitas em cores
para publicação no site. Contudo, todas as
figuras serão vertidas para o preto-e-branco
na versão impressa. Caso os autores julguem
essencial que uma determinada imagem
seja colorida mesmo na versão impressa,
solicita-se um contato especial com os
editores. Imagens geradas em computador,
como gráficos, devem ser anexadas sob a
forma de arquivos nos formatos jpg gif ou
tif, com resolução mínima de 300 dpi para
possibilitar uma impressão nítida; na versão
eletrônica, a resolução será ajustada para
72 dpi. Gráficos devem ser apresentados
somente em duas dimensões, em qualquer
circunstância. Desenhos, fotografias ou
quaisquer ilustrações que tenham sido
digitalizadas por escaneamento podem não
apresentar grau de resolução adequado para
a versão impressa da revista; assim, é preferível que sejam enviadas em versão impressa
original (qualidade profissional, a nanquim
ou impressora com resolução gráfica superior a 300 dpi). Nesses casos, no verso de cada
figura, deve ser colada uma etiqueta com o
seu número, o nome do primeiro autor e uma
seta indicando o lado para cima.
LEGENDAS DAS FIGURAS
Devem ser apresentadas em página própria,
devidamente identificadas com os respectivos números (nas versões impressas, em
espaço duplo).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. International Committee of Medical
Journal Editors. Uniform requirements
for ma nuscripts submitted to biomedical journals. Updated November 2003.
D i s p o n íve l : ht t p:// w w w. ic mj e .o r g ./
Acessado: 10/12/2003.
Regras de Publicação
2. Comitê Internacional de Editores de
Revistas Médicas. Requisitos uniformes
para originais submetidos a revistas biomédicas. Atualização de novembro de 2003.
Dispon ível: htt p://w w w.jped.com.br/
port/normas/ normas_07.asp. Acessado:
10/12/2003.
3. Haynes RB, Mulrow CD, Huth EJ,Altman
DI. Gardner MJ. More informative abstracts
revisited. Ann Intern Med 1990; 113:69-76.
4. BIREME – Centro Latino-Americano e do
Caribe de Informação em Ciências da Saúde.
DeCS – Descritores em Ciências da Saúde.
Disponível: http://decs.bvs.br. Acessado:
10/12/2003.
5. Ministério da Saúde. Conselho Nacional
de Saúde. Resolução no 196 de 10/10/96 sobre
pesquisa envolvendo seres humanos. DOU
1996 Out 16: n° 201, seção 1:21082-21085.
primeiro arquivo anexado, no caso
de e-mail);
–
referências bibliográficas no estilo
Vancouver, numeradas por ordem de
aparecimento (integrante do primeiro
arquivo anexado, em caso de e-mail);
–
tabelas numeradas por ordem de aparecimento (integrante do segundo arquivo
anexado, em caso de e-mail);
–
gráficos numerados por ordem de aparecimento (integrante do segundo arquivo
anexado, em caso de e-mail);
–
figuras (original e cópias) identificadas
(no caso de envio por correio);
–
legendas das figuras (integrante do
segundo arquivo anexado, em caso
de e-mail);
–
inclusão da informação sobre aprovação
do trabalho por comitê de ética (no
corpo do texto, na seção de Métodos).
LISTA DE CONTROLE
Recomenda-se que os autores utilizem a
lista abaixo para certificarem-se de que todo
o material requerido está sendo enviado.
Não é necessário anexar a lista.
–
Carta de submissão assinada por todos
os autores (ou declaração no corpo da
mensagem do e-mail);
–
original em uma cópia impressa (dispensado, em caso de envio por e-mail);
–
cópia do original em disquete (dispensada, em caso de envio por e-mail);
–
página de rosto com todas as informações solicitadas (integrante do primeiro
arquivo anexado, em caso de e-mail);
–
resumo em português e inglês (ou espanhol e inglês), com descritores (integrante do primeiro arquivo anexado, em
caso de e-mail);
–
texto contendo introdução, métodos,
resultados e discussão (integrante do
127
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Volume 181