MEDIDAS DO PERFIL DE UMIDADE EM AMOSTRAS DE CONCRETO, COM FLUXO DE ÁGUA VERTICAL, ATRAVÉS DO MÉTODO DE TRANSMISSÃO DE RAIOS GAMA L. M. da Silva *, M. C. da Rocha *, C. R. Appoloni*, O. Portezan Filho *, F. Lopes*, F. L. Melquíades*, E. A. dos Santos*, A. O. dos Santos*, A. C. Moreira*, W. E. Pötker*, E. de Almeida*, C. Q. Tannous*, R. Kuramoto *, F. H. de M. Cavalcante*, P. F. Barbieri* * Universidade Estadual de Londrina, CCE, Depto de Fisica Caixa Postal 6001 8605-990, Londrina, Brasil RESUMO Amostras de concreto para habitação popular (0,1x0,03x0,1m) e de concreto celular (0,1x0,05x0,1m) ficaram em regime de infiltração vertical ascendente de água. A evolução espacial e temporal da umidade em cada amostra foi monitorada em três posições equidistantes, numa mesma linha horizontal aplicando a transmissão de raios gama. Utilizou-se a fonte de 137Cs (3,7x1010 Bq, 0,662 MeV), detector de NaI (Tl) de 2x2" acoplado a uma eletrônica padrão de espectrometria gama com multicanal e uma mesa micrométrica. Os perfis de molhamento medidos caracterizaram o traço do concreto para habitação popular, verificando-se sua correlação com a resistência do concreto. O concreto celular apresentou um perfil de molhamento compatível com sua maior porosidade. I. INTRODUÇÃO O estudo do movimento da água em meios porosos fornece importantes resultados para a engenharia civil, tais como a caracterização da porosidade em amostras de concreto, principalmente, e outros meios, como, cerâmico, arenito, etc. O conhecimento da umidade em função do tempo e da posição na amostra, permite extrair informações sobre a permeabilidade do corpo poroso. A permeabilidade não é simplesmente função da porosidade, mas também depende da distribuição de tamanho, forma e conectividade dos poros. Estes espaços vazios na amostra estão relacionados com a metodologia de preparação e com os componentes da mistura da amostra (traço), como também, com a idade da amostra. A resistência do concreto é basicamente função do volume dos espaços vazios na amostra[1]. A determinação da umidade em materiais é freqüentemente realizada através de métodos destrutivos. A transmissão de raios gama, entretanto, consiste em um método que possibilita o acompanhamento da evolução da umidade, em qualquer ponto da amostra, no decorrer do tempo sem interferir no processo de infiltração e sem destruir a amostra em estudo. Neste trabalho utilizou-se a transmissão de raios gama, procedimento já empregado por Appoloni et. al. (1987)[2] em análises da difusão de água em amostras de concreto, para acompanhar a evolução espacial da umidade em função do tempo, caracterizando os traços de concreto através do perfil de molhamento. II. TEORIA A atenuação da radiação gama com a matéria pode ser expressa pela equação abaixo, para uma amostra de densidade média ρ[3]. I − µρ x = e I0 (1) onde Io e I representam as intensidades dos feixes incidente e transmitido pela amostra (cont.s-1), respectivamente; x é a espessura da amostra que a radiação atravessa (m); µρ é o coeficiente de atenuação linear para a energia da radiação gama considerada (m-1). Na determinação do coeficiente de atenuação linear da água (µρ)w, por transmissão de raios gama, utilizou-se uma caixa de acrílico como recipiente para a água. Da Eq. (1) pode-se descrever o coeficiente de atenuação linear da água , através da equação abaixo: (µρ ) w = c 1 Ι ln A x w Ι Ι dc 1 ln 0dc x c Ι θ ( x, t ) = 1 ( µρ ) w 1 Ι c0 ln c − ( µρ ) dc xc Ι (5) onde I0c e Ic são respectivamente as intensidades dos feixes de raios gama incidente e transmitido pela amostra de concreto em processo de infiltração de água. Os desvios estatísticos das variáveis (µρ)w , (µρ)dc , θ0 e θ(x,t) foram calculados fazendo-se a propagação das incertezas de cada termo das respectivas equações. (2) III. MATERIAIS E MÉTODOS onde Ι c e Ι A são as taxas líquidas de contagens dos feixes transmitidos através da caixa de acrílico vazia e da amostra (caixa de acrílico com água) (cont.s-1), respectivamente e xw é a espessura de água (m). Considerando-se que o concreto contém uma umidade inicial, residual do processo de cura, assim como de sua exposição ao meio ambiente, da Eq. (1) pode-se obter o coeficiente de atenuação linear da amostra de concreto (µρ)dc, dado pela seguinte equação: ( µρ ) dc = onde Mw é a massa de água (kg); Mdc e ρdc são a massa (kg) e a densidade (kg.m-1) do concreto, respectivamente. Conforme a Eq. 1, podemos descrever a evolução espacial e temporal da umidade, durante o processo de infiltração de água, na forma da equação abaixo: − ( µρ ) w θ 0 (3) No estudo da evolução espacial e temporal da umidade, amostras de concreto foram submetidas ao processo de infiltração de água; este foi realizado em oposição à força gravitacional. As amostras foram colocadas em uma mesa micrométrica e irradiadas em três pontos equidistantes, em uma mesma linha horizontal, com uma fonte de 137Cs (3,7x1010 Bq, 0,662 MeV) com colimador de chumbo de 0,002m de diâmetro. Utilizando um detector de cintilação de NaI(Tl) de 2x2” com colimação de chumbo de 0,002m de diâmetro, os pulsos produzidos foram analisados por uma cadeia eletrônica de espectrometria gama acoplada a um analisador multicanal 7100-Ortec. A Fig. 1, mostra o modelo esquemático do arranjo experimental. onde θ0 é a umidade volumétrica inicial (razão entre o volume de água pelo volume de concreto) (m3.m-3); I0dc e Idc são as intensidades líquidas dos feixes de raios gama incidente e transmitido pelo concreto (cont.s-1), respectivamente e xc é a espessura do concreto (m). A umidade volumétrica inicial θ0 (m3.m-3) na amostra de concreto pode ser determinada pela equação abaixo: θ 0= Mw M dc 10 −3 ρdc Figura 1. Arranjo Experimental (4) Neste trabalho foram analisadas três pares de amostras de concreto para habitação popular e um par de amostra de concreto celular. As amostras de concreto para habitação popular foram preparadas pelo Departamento de Construção Civil da Universidade Estadual de Londrina. Foram fabricados três pares de amostras de concreto para habitação popular de diferentes resistências, com dimensões de 0,1x0,03x0,1m. Uma amostra de cada par foi utilizada no processo de infiltração e a outra foi destinada à determinação da umidade inicial θ0. O par de amostras de concreto celular foi cedido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, proveniente de uma indústria da região. Estas amostras são extremamente porosas e pouco densas e com dimensões de 0,1x0,05x0,1m. Para a determinação do coeficiente de atenuação linear da água, utilizou-se uma caixa de acrílico (0,09x0,04x0,1m) como recipiente para a água. Mediram-se as intensidades dos feixes de raios gama incidente e transmitido, por um tempo suficiente para atingir uma estatística igual ou superior a 100.000 contagens. As respectivas medidas foram realizadas em dez pontos da amostra, em uma mesma linha horizontal. Aplicando-se a Eq. (2), obteve-se o valor médio de (µρ)w. A densidade das amostras de concreto foi obtida através do método gravimétrico convencional. As amostras foram envolvidas por uma película de plástico e colocadas em um béquer contendo água. Mediu-se o volume de água deslocado. Conhecendo-se o volume de água inicialmente no béquer e a massa do concreto, obteve-se a densidade do mesmo. Este procedimento foi repetido dez vezes para cada amostra. Para determinar a umidade θ0 inicial do concreto, utilizou-se a amostra gêmea do par. Mediu-se a massa da amostra (usando uma balança semi-analítica), colocando-a em seguida numa estufa à uma temperatura de 1050C. Após quarenta e oito horas de secagem, a amostra foi retirada da estufa, mediu-se novamente a massa da amostra seca. Utilizando a Eq (4) e os dados descritos anteriormente obteve-se a umidade residual θ0 das amostras. O coeficiente de atenuação linear do concreto (µρ)dc , foi medido por transmissão de raios gama colocando-se a amostra de concreto, sobre uma mesa micrométrica. Mediu-se a intensidade do feixe transmitido pela amostra em três pontos (P1, P2 e P3) desta, numa mesma linha horizontal, durante um tempo de 5 minutos para cada ponto. Usando-se a Eq. (3) com os respectivos valores obtidos para o coeficiente de atenuação linear da água, da umidade inicial e espessura do concreto, determinou-se o coeficiente de atenuação linear do concreto nas três posições (P1, P2 e P3). O perfil da umidade de cada amostra de concreto, durante a infiltração de água, foi obtido de acordo com os seguintes procedimentos: iniciou-se o processo de infiltração colocando-se a amostra numa cuba (0,2x0,1x0,03m) contendo água. Realizaram-se medidas de transmissão de raios gama nos pontos P1, P2 e P3 durante um tempo de 5 minutos em cada ponto, por um período de duas horas. As medidas ocorreram de manhã a tarde e à noite durante os primeiros dias de infiltração e após este período, as medidas foram realizadas somente uma vez por dia até o término da infiltração. O nível da água na cuba foi mantido constante durante todo o período de infiltração. Usando-se a Eq. (5) e os dados experimentais obtidos através dos procedimentos descritos, determinaramse os perfis de umidade para os três pontos de cada amostra. No caso do concreto celular, as amostras tiveram suas faces laterais vedadas com silicone, deixando somente a base, para que ocorresse a infiltração, e a superfície superior para permitir a saída do ar existente nos poros da amostra. As medidas de transmissão de raios gama foram feitas em intervalos de tempo intercalados. A cada duas horas realizava-se duas horas de medida, nas vinte e quatro horas do dia, durante os dois primeiros dias de infiltração. Nos dois últimos dias não foram realizadas medidas no período da madrugada. IV. RESULTADOS A Tabela 1 mostra o valor médio do coeficiente de atenuação de linear da água medido neste trabalho e o seu respectivo desvio estatístico, para a energia de 0,662MeV (137Cs). Também apresentamos outros dois valores do coeficiente de atenuação linear da água, sendo estes, teórico extraído de Mansell et al.[4] e medido por Portezan (1997)[5]. TABELA 1. Coeficiente de Atenuação Linear da Água (µρ )w 102 m-1 σ (µρ ) 102 m-1 w 0,0870 0,004 0,0857* - 0,0843# 0,0007 * Mansell et al.[4]. # Portezan[5]. Os resultados da densidade, resistência, umidade inicial, coeficiente de atenuação linear e umidade média de saturação das amostras são apresentados na Tabela 2. TABELA 2. Densidade, Resistência, Umidade Inicial, Coeficiente de Atenuação Linear e Umidade Média de Saturação das Amostras. Amostras Densidade Resistência Coeficiente de Atenuação Linear 102 (m-1) Umidade de Saturação θ s (m3.m-3) 10 (Kg.m ) (MPa) θ0 (m .m-3) CM-3 2,03(13) 41,56 3,77(12) 0,149(3)* 38,40(62)# 0,154(3) 30,33(65) 0,157(3) 24,92(76) CB-2 2,06(12) 26,84 2,80(70) 0,163(3) 17,86(36) 0,162(2) 19,29(39) 0,163(2) 22,67(37) CA-2 1,96(11) 63,63 1,30(40) 0,185(2) 4,78(41) 0,187(2) 5,06(33) 0,187(2) 7,81(35) CELULAR 0,41(1) - 1,16(1) 0,028(1) 26,29(23) 0,027(1) 27,05(21) 0,028(1) 27,62(24) 3 -3 3 Posição P1 Posição P2 Posição P3 * Coeficiente de Atenuação Linear. # Umidade de Saturação θ . s As Fig. 2, 3, 4 e 5 mostram a evolução temporal e espacial da umidade nas amostras CM-3, CB-2 CA-2 e concreto celular. Figura 3. Perfil Espacial e Temporal da Umidade da Amostra CB-2, Posição 2. Figura 2. Perfil Espacial e Temporal da Umidade da Amostra CM-3, Posição 1. Figura 4. Perfil Espacial e Temporal da Umidade da Amostra CA-2, Posição 2. molhamento (Resistência versus θ(t) e θ ). Isto foi s observado claramente na amostra CA-2 (Fig. 4), que apresentou grande diferença no perfil de molhamento em relação as curvas das amostras CM-3 e CB-2 (Figs. 2 e 3) que possuem resistência menor. A amostra de concreto celular, Fig. 5, apresenta um perfil de molhamento diferenciado das demais amostras, devido à grande concentração de poros, que é característico deste tipo de concreto. O método para determinação da umidade, aplicado neste trabalho, fornece uma descrição geral para a evolução da umidade no concreto, com desvios estatísticos relativamente baixos, possibilitando uma boa quantificação do processo de infiltração, para posterior comparação com métodos teóricos. Na seqüência deste trabalho pretende-se ainda medir amostras de concreto com maior resistência. VI. REFERÊNCIAS [1] Neville, Adam M., Propriedades do Concreto, Editora Pini Ltda, Segunda Edição, São Paulo, Março 1997. [2] Appoloni, C. R.; Nardocci, A. C. e Obuti, M. M., Medidas do Perfil de Umidade em Amostras de Concreto em Infiltração Vertical, Através da Atenuação de Raios Gama, Ciência e Cultura, Vol. 40, pp. 387-392 (1987). [3] Kaplan, I., Nuclear Physics, Addison-Wesley Publishing Company, Inc., Second edition (1963). Figura 5. Perfil Espacial e Temporal da Umidade da Amostra de Concreto Celular, Posição 3. V. CONCLUSÃO Utilizando o Método de Transmissão de Raios Gama é possível obter uma descrição não destrutiva e detalhada da evolução espacial e temporal da umidade θ(x,t) em amostras de concreto, com pequenos desvios, o que oferece grandes vantagens quando compara-se este método com outras metodologias tradicionais, normalmente destrutivas e que determinam apenas valores globais da umidade nas amostras. Nas amostras de concreto para habitação popular, observou-se que a resistência (Tabela 2), que corresponde a um fator de relevância para a caracterização da amostra, apresentou grande correlação com o perfil de [4] Mansell, R. S.; Hammond, L. C.; McCurdy, R. M., Coincidence and Interference Corrections for DualEnergy Gamma Ray Measurements of Soil Density and Water Content, Soil Sci. Soc. Am. Proc., v. 37, p. 500-504, 1973. [5] Portezan Filho., Otávio, Análise Critica da Determinação da Condutividade Hidráulica do Solo Utilizando Atenuação da Radiação Gama Monoenergética, Tese de Doutorado-IPEN/USP, São Paulo, 1997. ABSTRACT Samples of concrete for popular habitation (0,1x0,03x0,1m) and cellular concrete (0,1x0,05x0,1m) were submitted to water vertical ascending infiltration. The moisture content spatial and temporal evolution of each sample it was monitored in three halfway positions in a same horizontal line, applying the gamma rays transmission method. The data were taken with a 137Cs (3,7x1010 Bq, 0662 MeV) source, NaI (Tl) of 2x2" detector coupled to gamma ray spectrometry standard electronic with multichannel analyzer and a micrometric table. For the popular habitation concrete, there was a clear correlation between wetting profiles and concrete strength. The cellular concrete showed a wetting profile compatible to its greater porosity.