OCORRÊNCIA DE ESPOROS DE Clostridium perfringens EM AMOSTRAS DE
ÁGUAS BRUTAS E TRATADAS, NA CIDADE DE CAMPINAS, SÃO PAULO,
BRASIL
Valéria Christina Amstalden Junqueira*, Romeu Cantusio Neto**, Neusely da Silva*,
Juliana Hirata Terra* e Dayse Fernandes da Silva*
*Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL. Avenida Brasil, 2880. Jardim Chapadão.
Cep 13 073-001 - Campinas, SP, Brasil.
**Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. – SANASA. Rua Abolição,
2375. Swift. Cep 13045-610 - Campinas, SP, Brasil.
e-mail para correspondência: [email protected]
RESUMO
A determinação de esporos de Clostridium perfringens em água é uma
importante avaliação indicativa de contaminação fecal remota, útil em situações onde
outros indicadores de menor resistência, tais como Escherichia coli, já não se
encontrariam presentes. Em adição, o monitoramento de Clostridium perfringens em
água tratada pode fornecer subsídios para se avaliar a eficiência na remoção de
organismos patogênicos resistentes, tais como Giardia e Cryptosporidium, protozoários
intestinais formadores de cistos e oocistos. No Brasil são poucos os dados relativos à
ocorrência desta bactéria esporogênica em águas brutas e tratadas. Dessa forma,
realizamos o presente trabalho visando ainda verificar variações na ocorrência deste
microrganismo em épocas de chuva e estiagem. Os resultados obtidos no presente
trabalho fornecem subsídios para o monitoramento da qualidade da água de
abastecimento público.
Apoio: FAPESP
SUMMARY
The determination of Clostridium perfringens spores from water is an important
indicative evaluation of remote fecal contamination, useful in situations where other less
resistant indicators such as Escherichia coli would not be found live. In addition, the
monitoring of Clostridium perfringens in treated water can supply information to
evaluate the efficiency in the removal of resistant pathogenic organisms such as Giardia
and Cryptosporidium, intestinal protozoa which form cysts and oocysts. In Brazil data
on the occurrence of these performing bacteria in raw water and drinking water are
scarce. Following from this, we carried out this current work with the aim of checking
the variations in the occurrence of this microorganism during rainy and dry seasons. The
results obtained give data to monitoring water quality in public water supply.
1
1. INTRODUÇÃO
O Clostridium perfringens é uma bactéria anaeróbia em forma de bastonete,
Gram positiva, esporogênica, sulfito redutora, amplamente distribuída na natureza e
considerada como parte da microbiota intestinal normal do homem e de animais
(HATHEWAY et al, 1980). As células vegetativas de C. perfringens encontram no
intestino condições adequadas para sua esporulação, o que não ocorre facilmente em
meios de cultura utilizados para crescimento in vitro (LABBE, 1980). Os esporos são
eliminados nas fezes e dessa forma chegam ao meio aquático onde apresentam
excepcional longevidade, em função da grande resistência a condições ambientais
desfavoráveis. Por esse motivo, são úteis na detecção de contaminação fecal remota, em
situações nas quais outros indicadores, como Escherichia coli e estreptococos fecais, já
não se encontrariam presentes. O uso de C. perfringens como um indicador de
qualidade da água tem sido objeto de vários estudos (BISSON & CABELLI, 1979;
HIRATA et al, 1991; PAYMENT & FRANCO, 1993; MEDEMA et al., 1997). De
acordo com MEDEMA et al. (1997), os esporos de C. perfringens sobrevivem mais
tempo nas águas fluviais que os oocistos do protozoário Cryptosporidium parvum,
podendo desta forma ser considerado um indicador útil da presença deste parasita
responsável por inúmeros surtos de doenças intestinais de origem hídrica e resistente ao
tratamento convencional da água.
HIRATA et al. (1991) determinaram que o tempo de contato para inativação de
99% das células de C. perfringens em cultura pura foi de 5 minutos em solução
contendo 0,1mg/L de cloro livre a pH 7, sendo que na forma selvagem encontrada em
esgoto, a resistência desta bactéria ao cloro aumentou 3 a 5 vezes em relação à
2
determinada em cultura pura de referência. HIRATA et al. (1993), PAYMENT &
FRANCO (1993), FERGUSON et al. (1996) entre outros pesquisadores, preconizam
que o monitoramento de C. perfringens em água tratada pode fornecer subsídios para se
avaliar a eficiência na remoção de organismos patogênicos resistentes, tais como
oocistos de Cryptosporidium ou cistos de Giardia, em sistemas de tratamento de água.
Ainda a esse respeito, VENCZEL et al. (1997) estudando a eficiência de desinfetantes
alternativos para o tratamento de água, determinaram que em uma mistura de compostos
oxidantes a cinética de inativação dos esporos de C. perfringens foi similar à encontrada
para os oocistos de Cryptosporidium parvum.
Dada a carência de dados relativos à ocorrência desta bactéria esporogênica em
amostras de água no Brasil, propusemos este presente trabalho, verificando
quantitativamente a presença de esporos de Clostridium perfringens em épocas de
chuvas e estiagem, nos pontos de capitação dos Rios Atibaia e Capivari, e também, em
amostras de água tratada destinada ao abastecimento público do Município de
Campinas, São Paulo, Brasil.
3
2. METODOLOGIA
Amostragem. A amostragem foi realizada com a colaboração da Sociedade de
Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (SANASA) de Campinas, que executa as
atividades de vigilância sanitária e controle de qualidade de águas brutas e tratadas no
município de Campinas, estado de São Paulo. Foram amostrados, durante o período de
chuvas e estiagem, 16 pontos no controle de vigilância sanitária da SANASA,
(coletando-se cinco amostras de água tratada em cada ponto), totalizando 160 amostras.
Nos mesmos períodos foram amostrados, a cada quinze dias, 2 pontos de captação de
água da SANASA, um no rio Atibaia e outro no rio Capivari (coletando-se cinco
amostras de água bruta em cada ponto), totalizando 100 amostras.
Contagem de esporos de Clostridium perfringens nas amostras. Cada amostra foi
submetida à contagem de esporos de Clostridium perfringens utilizando-se a técnica
dos tubos múltiplos. Para as amostras de água tratada em que era esperada ausência ou
baixas contagens, foram distribuídas 10 porções de 10ml da amostra, em 10 tubos
contendo 10ml de Caldo Diferencial Reinforced Clostridial Medium (DRCM), proposto
por GIBBS & FREAME (1965) e adotado pela Norma DIN 38411, em concentração
dupla, totalizando 100ml de amostra. Para amostras em que a concentração esperada dos
microrganismos era maior, foram inoculadas diluições decimais em série de 5 tubos
para cada diluição. O teste presuntivo foi conduzido com a amostra previamente
submetida a choque térmico a 75oC durante 10 minutos, para eliminação de células
vegetativas e ativação de esporos. Após incubação em anaerobiose a 35oC durante 48h,
os tubos com coloração negra devido à redução do sulfito e formação de sulfeto de ferro
4
foram submetidos à confirmação utilizando-se o Meio de Leite Tornassolado, para
evidenciar a característica de fermentação tempestuosa do leite, típica de esporos de
Clostridium perfringens, em função da produção de grande quantidade de gás, que
rompe e desloca o coágulo formado. A produção de ácido durante a fermentação do
leite também foi observada através da viragem do azul de tornassol presente, mudando a
cor do meio para cor de rosa. Os resultados obtidos foram expressos em Número Mais
Provável (NMP)/mL, no caso das amostras de água bruta ou em NMP/100mL, no caso
da água tratada.
5
3. RESULTADOS E DISCUSSÂO
A contagem de esporos de Clostridium perfringens nas amostras de água
analisadas no presente estudo encontra-se descrita na Tabela 1.
TABELA 1 – Resultados obtidos na contagem de esporos de Clostridium perfringens
em águas brutas dos Rios Atibaia ( A1 a A5) e Capivari (C1 a C5).
Época
Estiagem
Chuva
Amostras (NMP/ml)*
A1
A2
A3
A4
A5
C1
C2
C3
C4
C5
>16,0
16,0
3,5
9,2
9,2
-
-
-
-
-
13,0
4,9
7,9
7,9
4,9
14,0
24,0
13,0
11,0
13,0
4,6
7,9
11
4,9
7,9
7,0
3,3
4,9
4,6
4,9
24,0
35,0
54,0
22,0
13,0
17,0
7,0
4,6
11,0
7,0
13,0
22,0
7,9
17,0
7,9
1,3
3,1
2,3
3,1
4,6
13,0
9,2
16,1
5,1
2,2
2,6
<0,2
7,9
2,2
2,2
1,3
3,3
16,1
<0,2
9,2
5,1
0,2
0,6
9,2
0,4
4,0
1,4
2,2
1,7
2,6
1,4
0,9
1,4
0,8
1,7
1,7
2,3
2,3
1,1
2,3
0,8
1,4
1,3
2,1
1,1
3,3
3,3
13,0
7,9
4,9
4,9
1,7
7,0
2,3
3,3
* Número Mais Provável/ml
6
Observamos que os valores mais elevados, correspondendo a 54,0NMP/ml e
35,0NMP/mL, foram obtidos na mesma amostra, coletada no período de estiagem, no
Rio Atibaia. No Rio Capivari, a maior população observada foi de 24,0NMP/mL,
também no período de estiagem. Do total das amostras de águas brutas analisadas
provenientes do Rio Atibaia, observamos que 96% e 100% das amostras,
respectivamente coletadas no período de chuvas e de estiagem, apresentaram esporos de
Clostridium perfringens. O mesmo percentual de ocorrência se repetiu no Rio Capivari.
As 160 amostras de água tratada coletadas nos 16 pontos de vigilância sanitária da
SANASA apresentaram ausência de esporos de Clostridium perfringens em 100mL
(<1,1NMP/100mL), nos dois períodos estudados. Embora tenha sido detectado esporo
de outro clostrídio sulfito redutor, na concentração de 1,1NMP/100mL em uma das
amostras dentre as cinco repetições do mesmo ponto. Estes esporos foram
posteriormente identificados através do sistema “API 20 A” da bioMérieux, como
pertencentes provavelmente às espécies Clostridium sporogenes ou C. botulinum. Nas
outras 4 repetições da amostra coletada nesse mesmo ponto, nas mesmas condições,
nada foi detectado, permitindo observar que, em geral, a ocorrência de esporos de
clostrídios sulfito redutores é bastante reduzida pelo tratamento da água. Cabe ressaltar
que, para todas as amostras de água tratada, efetuadas pelo laboratório de microbiologia
da SANASA/Campinas, estavam potáveis quanto aos padrões físico-químicos e
bacteriológicos, de acordo com a Portaria n°518/MS para águas de consumo humano.
7
4. CONCLUSÕES
Com base nos resultados obtidos neste estudo são possíveis as seguintes
conclusões:
•
A incidência de esporos de Clostridium perfringens em água bruta atingiu
valores máximos de 54NMP/mL e de 24NMP/mL, respectivamente, nas
captações dos Rios Atibaia e Capivari, na cidade de Campinas, durante o
período de estiagem.
•
O período de estiagem apresentou um maior percentual de amostras com
positividade de esporos de Clostridium perfringens (100% das amostras
coletadas nas captações dos Rios Atibaia e Capivari, na cidade de
Campinas).
•
O tratamento de água do Município de Campinas, realizado pela SANASA,
mostrou-se eficiente para a remoção e eliminação dos esporos de
Clostridium perfringens, nas populações encontradas, nos períodos
abrangidos por essa pesquisa.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BISSON, J. W., CABELLI, V. J. Membrane filter enumeration method for Clostridiumperfringens. Applied and Environmental Microbiology 37, 55-66, 1979.
BRASIL. Ministério da Saúde: Portaria nº518 de 25 de março de 2004. Estabelece os
procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade
da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília, 2004.
FERGUSON, C. M., COOTE, B. G., ASHBOLT, N. J., STEVENSON, I. M.
Relationships between indicators, patogens and water quality in na estuarine
system. Water Research 30 (9), 2045-2054, 1996.
8
GIBBS, B. M., FREAME, B. Methods for the recovery of Clostridia from foods.
Journal of Applied Bacteriology (28), 95-111, 1965.
HATHEWAY, C. L., WHALEY, D. N. A, DOWELL JR., V. R. Epidemiological
aspects of Clostridium perfringens foodborne illness. Food Technology 34 (4), 7779, 1980.
HIRATA, T., KAWAMURA, K., SONOKI, S., HIRATA, K., KANEKO, K.,
TAGUCHI, K. Clostridium perfringens, as an indicator microorganism for the
evaluation of the effect of wastewater and sludge trestment systems, Water Science
and Technology 24 (2), 367-372, 1991.
HIRATA, T., KAWAMURA, K., YANO, K., KANEKO, M., MONIWA, T., TOSA,
K., TAGUCHI, K. Removal efficiencies of microorganisms in waste-water
treatment processes. Water Science and Technology 28 (7), 55-61, 1993.
LABBE, R. Relationship between sporulation and enterotoxin production in
Clostridium perfringens type A. Food Technology 34 (4), 88-90, 1980.
MEDEMA, G. J., BAHAR, M., SCHETS, F. M. Survival of Cryptosporidium parvum,
Escherichia coli, faecal enterococci and Clostridium perfringens in river water:
Influence of temperature and autochthonous microorganisms Water Science and
Technology 35 (11-12), 249-252, 1997.
PAYMENT, P., FRANCO, E. Clostridium-perfringens and somatic coliphages as
indicators of the efficiency of drinking-water treatment for viruses and protozoan
cysts Applied and Environmental Microbiology 59 (8), 2418-2424, 1993.
VENCZEL, L. V., ARROWOOD, M.; HURD, M., SOBSEY, M.D. Inactivation of
Cryptosporidium parvum oocysts and Clostridium perfringens spores by a mixedoxidant disinfectant and by free chlorine. Applied and Environmental
Microbiology, Washington 63 (4), 1598-1601, 1997.
PUBLICADO NA: REVISTA HIGIENE ALIMENTAR
SETEMBRO/2006
VOLUME 20 - Nº 144
9
Download

OCORRÊNCIA DE ESPOROS DE Clostridium perfringens