UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
GESTÃO DE PESSOAS NO MUNDO COMPETITIVO:
INOVANDO E ENFRENTANDO DESAFIOS
Por: Bianca Pinheiro Corrêa
Orientador
Prof. Celso Sanchez
Rio de Janeiro
2003
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
GESTÃO DE PESSOAS NO MUNDO COMPETITIVO:
INOVANDO E ENFRENTANDO DESAFIOS
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como condição prévia para a conclusão do
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Gestão de
Recursos Humanos.
Por: Bianca Pinheiro Corrêa.
3
AGRADECIMENTOS
Aos amigos que, de uma forma ou de
outra, contribuíram para a realização deste
trabalho.
4
DEDICATÓRIA
A meus pais e noivo Carlos.
5
RESUMO
O presente trabalho apresenta dois pontos. No primeiro, tece considerações
sobre as transformações ocorridas na gestão empresarial, ao longo do século XX e no
segundo, aborda detalhadamente as características da atual Gestão de Pessoas, de
modo que esta possa “sobreviver” aos imensos desafios deste mundo tão
competitivo.
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METODOLOGIA
O procedimento metodológico utilizado para a elaboração deste trabalho foi a
pesquisa bibliográfica. A base, portanto, foi a realização de um “levantamento” das
leituras pertinentes ao tema em questão, como livros de leitura corrente, revistas
especializadas e artigos da Internet, para que este possa ser bem explicitado.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
10
GESTÃO DE PESSOAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: TENDÊNCIAS
10
CAPÍTULO II
25
A MODERNA GESTÃO DE PESSOAS
25
CAPÍTULO III
39
COMPETÊNCIA E SUBJETIVIDADE: QUESTÕES CRUCIAIS NA GESTÃO
DE PESSOAS
39
CONCLUSÃO
55
BIBLIOGRAFIA
57
ÍNDICE
60
8
INTRODUÇÃO
“Do tradicional departamento de pessoal da década de 1950,
passando pela divisão de relações industriais na década de
1960, à recente área de recursos humanos, assistimos
atualmente a significativas mudanças que apontam para um
inovador modelo de gestão de pessoas” (Tachizawa, Ferreira
e Fortuna, 2001, p.18).
Uma mudança fundamental está ocorrendo no contexto interno das
organizações em todo o mundo: para sobreviver no ambiente em que atuam, elas
estão buscando a renovação de seus modelos de gestão, chegando à abordagem
denominada Gestão de Pessoas. Esta é uma das áreas de atuação que mais tem
sofrido mudanças e transformações nestes últimos anos. A visão que se tem hoje é
bastante diferente de sua tradicional configuração, quando recebia o nome de
Administração de Recursos Humanos (ARH).
A presente monografia tem por objetivo central explicitar tais transformações
(dos primórdios até o atual), apontando detalhadamente o que este novo modelo de
gestão tem a oferecer para enfrentar os desafios deste mundo tão competitivo. Para
tal, está dividida em três capítulos:
• Capítulo I – A Gestão de Pessoas na sociedade contemporânea: tendências –
Encontram-se sumariadas as diversas mudanças apresentadas pela gestão
empresarial, ao longo do século XX.
Antigamente, chamavam-na de Relações Industriais, representando a maneira
repressiva e impositiva pela qual as organizações tratavam os seus funcionários.
Depois, recebeu o nome de Recursos Humanos, trazendo uma nova postura, mais
aberta e dinâmica, em relação a tais “recursos”, que, apesar de serem vistos ainda
como agentes passivos, passaram a ser considerados o mais importante recurso
organizacional. Por fim, atualmente, chama-se Gestão de Pessoas, caracterizando
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uma nova visão das pessoas não mais como um objeto servil, mas,
fundamentalmente, como um sujeito dotado de habilidades e capacidades
intelectuais, ativo, provocador das decisões, empreendedor das ações e criador da
inovação dentro das organizações: um “colaborador”;
• Capítulo II – A Moderna Gestão de Pessoas – Discute-se o renovado conceito de
Gestão de Pessoas através de seu contexto, seus conceitos e objetivos e o papel de
seus profissionais.
Em um ambiente competitivo e dinâmico que caracteriza a era da informação,
a nova maneira de administrar juntamente com as pessoas está se consolidando na
maior parte das organizações bem-sucedidas. A transformação das pessoas – de
meras fornecedoras de mão-de-obra para fornecedoras de conhecimento – é a nova e
principal vantagem competitiva das empresas, o grande diferencial.
• Capítulo III – Competência e Subjetividade: questões cruciais na Gestão de
Pessoas – Neste momento aponta-se para a relevância que os conceitos de
competência e subjetividade têm em um modelo de gestão que propaga não se tratar
mais de executar ordens, mas de tomar iniciativa diante das situações profissionais
com as quais se depara e de assumir a responsabilidade por elas; trata-se de
autonomia, de mobilização subjetiva, de inteligência prática das situações, que se
apóia sobre os conhecimentos adquiridos e os transforma, mobilizando-os em função
do entendimento que o funcionário tiver da situação.
Este trabalho visa, pois, oferecer uma base conceitual para melhor
compreendermos os mecanismos e instrumentos utilizados na Gestão de Pessoas,
bem como as novas tendências dessa função no âmbito das organizações.
10
CAPÍTULO I
GESTÃO DE PESSOAS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA: TENDÊNCIAS
11
O mundo em que vivemos hoje trouxe inúmeras mudanças e transformações,
que, de uma forma ou de outra, acabaram por afetar a todos, inclusive às
organizações.
Diferentemente do passado, onde a velocidade de transformação era baixa e
os paradigmas quase imutáveis, nosso momento atual é caracterizado por uma
crescente velocidade de transformação, nos “obrigando” a estar sempre abertos e
flexíveis para questionar e modificar nossos paradigmas.
Podemos pensar, por exemplo, nas grandes mudanças tecnológicas, que
avançam com uma rapidez incrível, e perguntar: serão as pessoas tão necessárias
quanto antes, visto que muito do que elas faziam e fazem pode agora ser feito por um
“mero
computador”?
A
velocidade
e
o
fluxo
das
máquinas
ganham,
incontestavelmente, das operações gestuais humanas e mesmo das operações
intelectuais elementares, tais como os cálculos. Contudo, o que se pode dizer é que,
atualmente, as empresas se deram conta que as pessoas ainda constituem seu bem
mais precioso, introduzindo, além da inteligência nos negócios, da racionalidade nas
decisões e do espírito de equipe, habilidades nas relações interpessoais, capacidade
de trabalho em grupo, capacidade de ouvir e de se colocar na posição de outros e
capacidade de ouvir a própria consciência, que se tornaram fundamentais num
mundo cada vez mais ligado por redes e em que cada vez mais o trabalho é tarefa de
equipes.
Entretanto, as pessoas nem sempre foram tão importantes assim, e o que este
capítulo I visa mostrar é exatamente as diferentes maneiras pelas quais as
organizações abordavam a empresa, o trabalho e as pessoas.
METAMORFOSES DA GESTÃO EMPRESARIAL
Nos tempos do artesanato, os conhecimentos sobre produtos e processos eram
dominados e integrados numa só pessoa: o artesão. Este projetava e desenhava os
12
produtos que iria produzir, obtinha as ferramentas necessárias e desempenhava as
tarefas de produção.
No entanto, com o passar do tempo e a evolução das formas de organização
social, esta estrutura foi-se alterando e, ao decorrer do século XX, a gestão
empresarial viveu uma longa história de significativas mudanças, surgindo três
etapas distintas que trouxeram diferentes abordagens sobre como lidar com as
pessoas que participam das organizações. São elas:
1.1 – Era Industrial Clássica
Período datado de 1900 a 1950, a era industrial clássica teve como principal
característica a intensificação da industrialização e a formação do proletariado, além
de um paradigma predominantemente “mecanicista” (Boog, 1994), que surgiu a
partir das contribuições de autores como Taylor, Ford e Fayol.
Nessa perspectiva, “a empresa é uma máquina e as pessoas, as engrenagens”
(Boog, 1994, p.04). Os aspectos humanos da organização são desprezados e o
trabalhador é ignorado enquanto ser social, sendo visto somente como ser mecânico,
como máquina no sentido de produção. O importante é que ele seja assíduo e
pontual, submetendo-se a um regulamento interno e a um rígido horário de trabalho.
A ênfase estava na departamentalização funcional, nas regras e controles
rígidos para regular as pessoas, e na eficiência da produção, alcançada através de
medidas de padronização e simplificação.
A começar pelo século XVIII, início do capitalismo industrial, quando, de
acordo com Zarifian (2001), um verdadeiro golpe de força foi dado contra a
atividade camponesa e artesanal através:
• da separação entre trabalho e trabalhador – uma vez que é imposta uma lista de
operações (“brutalmente” elementares) a serem executadas no posto de trabalho pelo
trabalhador, visto como um conjunto de capacidades para ocupar este posto (o que
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importa no trabalhador não é sua personalidade, sua capacidade de iniciativa, mas,
sobretudo, suas capacidades físicas);
• da predominância do fluxo e da produtividade de operações de trabalho – há uma
aceleração da velocidade tanto na execução de cada operação de trabalho quanto no
ritmo de trabalho;
• da necessidade de co-presença – o trabalhador é imobilizado no espaço e no tempo:
ele deixa de poder se deslocar (sendo fixado em uma oficina, em um posto de
trabalho), além de ter que respeitar rigorosamente os horários do trabalho; ou seja,
todos operários devem sempre estar presentes, no mesmo local, nos mesmos
horários.
“Unicidade de espaço, de tempo, de ação (de atividades interdependentes):
pode-se dizer que a invenção do trabalho industrial adota princípios da representação
teatral...” (Zarifian, 2001, p.39).
Ao final do século XIX, no entanto, o operário ainda era dono de um
poderoso instrumento de resistência e de autonomia: o saber-fazer, ou seja,
“conhecimento técnico-prático sobre o processo de trabalho que os capacitava a
definir a seqüência das tarefas e os ritmos de trabalho, a multiplicar as formas
produtivas e tipos de instrumentos [...] colocando limites ao capital” (Athayde, 2000,
p.01).
Sob essas contingências, então, Taylor, já no início do século XX, propõe
uma análise detalhada do trabalho através do estudo de tempos e movimentos, que
resultaria num mapeamento completo das tarefas; viabilizando, assim, a construção
da prescrição da tarefa a ser executada e suprimindo todo e qualquer movimento
considerado supérfluo, que aumente o desgaste.
Desta forma, é criada a prescrição, subtraindo movimentos dispensados,
simplificando e intensificando o trabalho e aumentando a produtividade. Ficaria
eliminada, então, a iniciativa operária na escolha do melhor método de trabalho, que
passa a ser imposto pela gerência, “substituindo o critério individual do trabalhador,
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sua improvisação e operação técnico-prática, pelos métodos considerados racionais
pela gerência a partir de seus estudos” (Athayde, 2000, p.07).
Conseqüentemente, são criados cargos pouco mutáveis e limitados,
“especializados” com tarefas simples e repetitivas, que produziram um “trabalhador
especialista”, cuja única função seria repetir indefinidamente movimentos
padronizados, desprovidos de qualquer conhecimento profissional. Como os cargos
eram rigidamente definidos, individualizados e desempenhados dentro de uma rotina
de trabalho, teoricamente não haveria necessidade de pessoas que pensassem ou
buscassem melhorar seu desempenho, mas pessoas com habilidades específicas e não
mais aqueles profissionais qualificados, ditos “homens extraordinários”. Pensar e
contribuir criativamente era algo que seria dispensável nestas empresas.
O resultado foi a fragmentação da vida psicológica do trabalhador, que, fixo
no seu posto de trabalho, passou a ser quase um componente da máquina, sendo
assumido “como um ser fragmentado em habilidades e traços de personalidade”
(Malvezzi, apud Boog, 1994, p.22), sem qualquer possibilidade de utilizar seus
conhecimentos e potencialidades.
Neste passado, marcado por mudanças lentas e progressivas e por um
ambiente estável e conservador, voltado para a manutenção do status quo, as
empresas adotaram estruturas tradicionais caracterizadas por muitos níveis
hierárquicos e coordenação centralizada, em que só o “topo” da empresa conhecia as
estratégias e metas planejadas pelos gerentes, que eram as cabeças, e executadas
pelos trabalhadores, os corpos. Como dizia Fayol, havia uma necessidade de dar
forma a toda estrutura geral da empresa e de determinar o lugar e as funções de cada
um dos elementos que a compõem. A centralização era um fato de ordem natural e “a
hierarquia vinha, na realidade, salvaguardar as chefias de sua competência diante de
uma cempetência maior de seus subordinados”.
Foi a época das “Relações Industriais”, órgão destinado a fazer cumprir as
decisões vindas da cúpula da organização e as atividades operacionais e
burocratizadas centralizadas no órgão de RH, como por exemplo, admissão,
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anotações em carteira de trabalho e controle de freqüência. Além de ser, como aponta
Chiavenato (2000, p.20):
“uma atividade mediadora entre as organizações e as
pessoas, para abrandar ou diminuir o conflito industrial entre
os objetivos organizacionais e os objetivos individuais das
pessoas, até então considerados incompatíveis e totalmente
irreconciliáveis”.
Enfim, tratava-se de um modelo organizacional mecanicista, burocrático e
inflexível, com foco predominante no passado, nas tradições e nos valores
conservadores, onde as pessoas eram consideradas mão-de-obra e, como diz
Chiavenato (1999:28), “apêndice das máquinas e meras fornecedoras de esforço
físico e muscular”, limitando-as as exigências da máquina e ao ritmo de produção
com o objetivo de redução da fadiga para um conseqüente aumento da produtividade.
Por essas razões,
“a era industrial leva da história a responsabilidade de ter
criado uma nova forma de limitação para o ser humano, ao
submeter seu desempenho (e conseqüentemente a qualidade
de suas vidas) às exigências da máquina, ao ritmo de
produção e à coordenação das tarefas da linha de montagem
que o afastou do manejo do seu próprio destino, numa clara
colisão com sua condição ontológica. É por esse motivo que
o trabalho industrial tem sido chamado de desumanizado
(BRAVERMAN apud MALVEZZI apud BOOG, 1994,
p.20/21)”.
Uma visão decadente, mas que, sem dúvida, ainda é, em muitas empresas, a
dominante.
16
1.2 – Era Industrial Neoclássica
Este é o período logo após a 2ª Guerra Mundial (1950 – 1990), quando
mudanças radicais e abrangentes, como a incorporação da informática de base e da
microeletrônica, começaram a abalar o mundo, permitindo novas formas de
organização e produção e acentuando ainda mais a competitividade entre as
empresas.
Época em que a “área de RH” denominava-se Administração de Recursos
Humanos (ARH) e realizava, através dos chamados DRH (Departamentos de
Recursos Humanos), consultoria interna e prestação de serviços especializados como
recrutamento, seleção e treinamento; tendo por princípio aumentar a produtividade e
favorecer a busca pela vantagem competitiva da empresa. “Já não se tratava de
apenas intermediar os desentendimentos e reduzir os conflitos, mas, sobretudo,
administrar as pessoas de acordo com a legislação trabalhista vigente e administrar
os conflitos que surgissem espontaneamente” (Chivenato, 2000, p.20).
A perspectiva anterior, burocrática, funcional e centralizadora, mostrou-se
muito rígida para acompanhar a dinâmica de mudanças e a rapidez de decisões
solicitadas pela competitividade, uma vez que respondia somente às necessidades de
décadas de estabilidade e de crescimento contínuo, no qual o futuro era mais ou
menos previsível. Sendo assim, para fazer frente a essas pressões, as empresas foram
reorientando-se
por
uma
política
sistêmica
e
multidisciplinar
de
estilo
descentralizado e participativo, que tinha como elementos básicos a competência, a
tecnologia, a parceria e a flexibilidade, a fim de proporcionar mais dinamismo e
inovação para o alcance de uma maior competitividade.
Essa inversão fez com que se deixasse de privilegiar os controles externos,
quer sobre as tarefas, quer sobre as pessoas, em favor do controle sobre os resultados,
a partir de controles internos das pessoas. O que significava que:
17
“o parâmetro da capacitação [profissional] não mais poderia
ser o perfil, porque os cargos não eram mais estáveis em
suas tarefas, mas deveria reorientar-se para o resultado a
partir da auto-regulagem (compromisso, criatividade e
competência). A capacitação deixava de ser o investimento
do know-how para se tornar o investimento no know-why”
(MALVEZZI, apud BOOG, 1994, p.26).
A administração dependia agora da aprendizagem e atualização dos recursos
humanos, assim como a gestão dos anos 20 dependeu da racionalização de tarefas.
Surgia, então, a partir dos anos 80, o germe do paradigma emergente de
Recursos Humanos, com a finalidade de favorecer a flexibilidade e a adaptabilidade
das pessoas às mudanças organizacionais e ambientais.
Neste momento, a ARH passa a considerar as pessoas não mais como simples
“engrenagens” e sim como recursos vivos e inteligentes à disposição da empresa, que
devem estar integrados, controlando em seu próprio processo a qualidade de
produção, participando e conhecendo as metas da empresa para se estabelecer um
bom espírito de equipe. Porém, sofrendo ainda da velha tendência a ver as pessoas
como agentes passivos que precisam ser planejados e controlados pela organização.
1.3 – Era da Informação
Iniciada na década de 70 e com destaque maior nos anos 90, época de forte
dinamismo e turbulência, em que as informações passaram a transitar de forma
extremamente rápida, a era da informação trouxe um modelo fluido, ágil, flexível e
mutável de estrutura organizacional, denominando um novo paradigma – o pósindustrial, que:
“se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
produtos, dos padrões de consumo e, principalmente, dos
mercados de trabalho [...]. Caracteriza-se pelo surgimento de
18
setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
prestação de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, altas taxas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional” (TACHIZAWA, FERREIRA e FORTUNA,
2001, p.21).
O desafio maior passa a ser a produtividade do conhecimento. Mais
importante do que o dinheiro, agora, é o conhecimento sobre como usá-lo e aplicá-lo
rentalmente. Gerenciar o conhecimento tornou-se uma das prerrogativas para as
organizações que pretendem sobreviver à concorrência. E mais importante ainda é a
capacitação que as pessoas precisam ter para contextualizar o conhecimento
disponível – o problema é que muitas vezes as empresas não possuem uma política
de recursos humanos estruturada ou contam, infelizmente, com líderes que não
estimulam os colaboradores como deveriam.
As organizações deixam de lado um comportamento burocrático, repetitivo e
reprodutivo das pessoas para investir em um comportamento criativo e inovador. O
trabalho manual é substituído pelo trabalho mental e, sendo assim, lidar com as
pessoas deixou de ser um problema e passou a ser a solução para as organizações,
que agora tendem a administrar com as pessoas e não mais administrar as pessoas,
exigindo novos conhecimentos e habilidades de todas as pessoas na busca de uma
maior flexibilidade. O que prevalece é pessoal de competência diferenciada e não
mais a racionalização de tarefas.
“A empresa transforma-se em outra realidade, porque
pressupõe a mais valia de pessoas competentes (estas podem
descobrir os caminhos mais adequados para atingir o
resultado) como mais apropriada do que os planos
rigidamente calculados (que dependem de múltiplos níveis
hierárquicos e de minuciosas definições de tarefas)” (BOOG,
1994, p.27).
19
As tendências apontam para um modelo de caráter descentralizado,
empreendedor e dirigido pelo mercado. O que antes tinha um caráter estático passa a
ser visto de maneira dinâmica e o que era fragmentado e isolado precisa ser
integrado; uma integração, principalmente, dos conhecimentos não apenas em nível
de indivíduos, mas em nível organizacional.
A organização assimilará conceitos como sistemas flexíveis, ampla delegação
no processo de tomada de decisão, múltiplos fluxos de comunicação em todas as
direções com base nas tecnologias da informação, recursos humanos de múltiplas
habilidades cumprindo tarefas cada vez mais complexas, variáveis, autodefinidas e
quase sempre autocontroladas.
As características do trabalho industrial foram desestabilizadas e, assim, a
configuração das relações de trabalho foi se modificando, passando a apresentar
características como: participação responsável, democratização das informações,
busca de objetivos comuns, valorização e respeito pelo indivíduo, etc. O caminho foi
aberto para mutações profundas do trabalho, que Zarifian (2001) reúne em torno dos
conceitos de evento, comunicação e serviço.
Por evento entende-se:
“o que ocorre de maneira parcialmente imprevista,
inesperada, vindo perturbar o desenrolar normal do sistema
de produção, superando a capacidade da máquina de
assegurar sua autoregulagem [...] São as panes, os desvios da
qualidade, os materiais que faltam, as mudanças imprevistas
na programação de fabricação [...]” (ZARIFIAN, 2001,
p.41).
Trabalhar é, fundamentalmente, enfrentar esses eventos com sucesso, por
meio de muita atenção e da organização e condução de ações que possam trazer uma
resposta pertinente a este evento. Dessa forma, o trabalho passa a ser visto não mais
como um dado prescritível, como o conjunto de tarefas associadas descritivamente
20
ao cargo, mas “torna-se o prolongamento direto da competência pessoal que um
indivíduo mobiliza diante de uma situação profissional, [de uma situação de evento]”
(Zarifian, 2001, p.56). O que significa, particularmente, que o trabalho perde aquela
homogeneidade tão característica do industrialismo, além de implicar no fato de que
a competência não pode mais estar contida nas predefinições da tarefa, fazendo com
que as pessoas precisem estar sempre mobilizando recursos para resolver novas
situações.
Trabalhar é também gerar um serviço, ou seja “uma modificação no estado ou
nas condições de atividade de outro humano, ou de uma instituição, que chamaremos
de destinatários do serviço (o cliente, no setor privado, o usuário, no setor público)”
(Zarifian, 2001, p.48); essa noção de atender um cliente ou usuário precisa ser central
e presente em todas as atividades da organização.
Trabalhar é ainda, em parte pelo menos, comunicar-se, que significa
“construir um entendimento recíproco e bases de compromisso que serão a garantia
do sucesso das ações desenvolvidas em conjunto” (Zarifian, 2001, p.45). A
comunicação torna-se um importante componente do trabalho, já que implica a
necessidade de interação, de as pessoas compreenderem o outro e a si mesmas para
partilharem objetivos e normas, que melhorem o desempenho das organizações.
A comunicação em torno dos eventos e serviços aproxima e leva a
compartilhar os saberes, as ações; o que não acontecia no taylorismo, que isolava o
trabalhador em um posto, dando-lhe fragmentos de responsabilidade.
Diante de tais modificações, podemos constatar um movimento de retorno do
trabalho ao trabalhador, à sua competência e também um movimento de apreensão
subjetiva das atividades profissionais, já que a tendência é não haver mais
automaticidade no encadeamento das ações, e sim o envolvimento da subjetividade
de cada indivíduo. Passa a ser esboçado, então, o modelo de competências para
gestão das organizações – assunto a ser discutido posteriormente.
21
Tanta mudança na configuração das relações de trabalho levou,
inevitavelmente, a uma mudança também no papel da área de RH. A começar pela
mudança do próprio nome da área, que é identificada, atualmente, como “Gestão de
Pessoas” e não mais como “Recursos Humanos”, que soa como algo que se compra,
se utiliza até sua exaustão, para por fim ser descartado.
É a época da “Gestão de Pessoas”, que faz surgir as equipes multifuncionais e
autônomas de trabalho, com atividades provisórias voltadas para missões específicas
e com objetivos definidos, proporcionando consultoria interna para que área possa
assumir atividades estratégicas de orientação global visando ao futuro e ao destino da
organização e seus membros.
“A nova organização é uma entidade em tempo real, com equipes
dinamicamente constituídas para tomar decisões de forma descentralizada, ajustandose permanentemente às novas condições ambientais” (Tachizawa et al., 2001, p.24).
Neste novo paradigma de gestão, “a tendência da administração [...] é atribuir
ao trabalhador (grupo) o como fazer; [este] planeja, realiza e avalia seu próprio
trabalho, numa atividade autogestionária” (Malvezzi, apud Boog, 1994, p.23).
Cabe agora ao indivíduo, enquanto membro de uma equipe, a decisão sobre
como desempenhar seu trabalho, dependendo, assim, muito mais de si mesmo do que
de um simples manual. Em outras palavras, suas tarefas não se restringem mais à
utilização dos músculos ou ao cumprimento do dever, mas estende-se para o uso da
inteligência que cria para seu trabalho e para si mesmo, implicando muito mais
autonomia, já que toma decisões a respeito de suas próprias atividades, e
responsabilidade pelos resultados, uma vez que cumpre metas e alcança resultados
previamente negociados.
Nesse sentido, torna-se necessário um trabalhador mais habilitado, mais
responsável e mais cooperativo, porque ele não é mais um mero seguidor de
manuais, mas é colocado para escolher caminhos, consciente dos resultados que
pretende atingir.
22
Os capitais humano e intelectual, então, cresceram (em paralelo ao capital
financeiro), tornando-se a principal base da nova organização. E, assim, como aponta
Chiavenato (2000, p.20/21) as pessoas passam a ser a prioridade fundamental das
empresas, tendo três aspectos fundamentais:
1. Pessoas como seres humanos – dotados de personalidade própria, de
histórias particulares, de atitudes e motivações, de conhecimentos e habilidades;
2. Pessoas como pessoas e não como meros recursos organizacionais –
elementos impulsionadores da organização e capazes de dotá-la de sua inteligência e
talento;
3. Pessoas como parceiros da organização – capazes de conduzi-la ao
sucesso através de seu esforço, dedicação e comprometimento.
Então, à medida que as pessoas passam a constituir o elemento básico para a
eficácia organizacional, as empresas estão mudando os seus conceitos e suas práticas
gerenciais, passando do investimento direto nos produtos e serviços e clientes para o
investimento nas pessoas, que sabem como criar e melhorar estes produtos e
serviços, além de saber como satisfazer os clientes. Assim, o relacionamento entre
pessoas e organização, até pouco tempo atrás conflitante e antagônico, transforma-se
num relacionamento de parceria, onde os funcionários contribuem com seu esforço e
dedicação e a organização os valoriza dando-lhes oportunidade de participação e
crescimento.
O grande desafio, ao invés do ajustamento das pessoas aos planos, passa a ser
o desenvolvimento das pessoas para enfrentar a realidade exterior dinâmica e em
contínua mutação pela pressão da competitividade. Questão central do “líder
contemporâneo”, que deve estimular a participação e a criatividade dos empregados
no processo decisório. Na busca por uma vantagem mais dinâmica, adaptativa e
sustentável, muitos líderes complementam sua análise da competição externa com
uma avaliação da competência interna. Eles reconhecem que é mais difícil
23
desenvolver atributos e recursos internos, e se concentram na criação do
conhecimento e na construção de processos de aprendizagem.
O moderno mundo do trabalho demanda por uma visão global de liderança,
não apenas por parte de poucos líderes em altos postos, mas de muitos, em cada
cargo, desde a linha de montagem de uma fábrica até o escritório do presidente.
Aquela figura do chefe que detinha autoridade suprema é substituída por este novo
líder, que surge com uma visão diferente dos recursos estratégicos e também do
valor. Para a maioria das empresas, já não faz mais sentido a crença de que o capital
é o recurso estratégico decisivo a ser gerenciado e que as responsabilidades-chave
devem girar em torno de sua aquisição, alocação e emprego eficaz. Atualmente, o
talento é o recurso estratégico obrigatório. Sem este, muitas empresas podem até
estar inundadas de capital, mas não conseguem gerar suficientes projetos de alta
qualidade para empregar os recursos disponíveis – continuando, então, em suas
“expedições de fusões e aquisições”. E reconhecer que os recursos decisivos e mais
importantes são pessoas com especialização, habilidades e conhecimento definidos
corresponde a uma grande mudança no conceito de gerenciamento de valor.
Tachizawa et al. (2001, p.26), define este líder como “visionário, integrador,
agente
de
mudanças,
motivador,
facilitador,
comunicador,
capacitador
e
desenvolvedor de pessoal, além de guardião dos valores centrais da organização”,
que são, dentre outros: capital humano, competência, motivação, criatividade,
trabalho em grupo, adaptabilidade a mudanças e alto grau de compromisso.
24
Resumindo essas considerações podemos melhor visualizar algumas
diferenças básicas entre o “antigo” Recursos Humanos e a “atual” Gestão de Pessoas
no quadro a seguir:
RECURSOS HUMANOS
GESTÃO DE PESSOAS
Acionistas e investidores como os mais privilegiados na
Empregado como parceiro mais íntimo da organização
distribuição dos resultados organizacionais
Relação Ganhar-perder: uma parte leva tudo
Relação Ganhar-ganhar: ambas as partes saem
(funcionários ou organização) e outra fica sem nada
ganhando
Pessoas como meros recursos organizacionais
Pessoas como parceiros da organização; como um
diferencial competitivo
Imposição de métodos e regras aos funcionários para se
Preocupação em atingir objetivos e resultados e, assim,
obter eficiência
obter eficácia
Órgão de controle e fiscalização, de gerenciamento das
Órgão de enriquecimento de talentos; de gerenciamento
pessoas
com as pessoas
Estrutura funcional que privilegia a especialização de
Organização em redes de equipes voltadas para processos
cada órgão e a cooperação intradepartamental
Dividir, segmentar e separar
Juntar
Foco nas tarefas, nos meios e nos cargos individuais,
Foco nos processos, nos fins e resultados e no trabalho
separados e confinados
conjunto feito por equipes autônomas e
multidisciplinares
Único responsável pela administração de todos os
Sem monopolizar e centralizar em suas mãos a
recursos humanos da empresa, cuidando da manutenção
administração das competências e talentos de todas as
do status quo e da socialização organizacional tendo em
pessoas dentro das organizações
vista o passado e as tradições da empresa
Descentralização e desmonopolização das decisões e
Sistema centralizador e fechado
ações com relação às pessoas
Prestador de serviços especializados de recursos
Área de consultoria interna para preparar e orientar os
humanos
gerentes para a nova realidade; agente de mudança
Área hermética, fechada, monopolística e centralizadora
Área aberta, amigável, compartilhadora e
descentralizadora
Missão: atrair e manter os melhores funcionários
Missão: criar a melhor empresa e a melhor qualidade de
trabalho
25
CAPÍTULO II
A MODERNA GESTÃO DE PESSOAS
26
As denominações para Gestão de Pessoas variam: Gestão de Talentos
Humanos, Administração do Capital Intelectual, Gestão do Capital Humano, mas o
objetivo é um só: administrar com as pessoas, tocar a organização juntamente com
seus colaboradores e parceiros internos.
Com a globalização, a competição, o desenvolvimento tecnológico e as
mudanças velozes, a maioria das organizações constatou que a sua principal
vantagem competitiva está nas pessoas, na maneira de utilizar o seu conhecimento. O
“talento humano” passou a ser tão importante quanto o próprio negócio, as pessoas
de sujeitos passivos passaram a ser agentes ativos, fornecedores de conhecimento.
Essa é a visão que a Gestão de Pessoas adota; essa é a nova revolução que
vem ocorrendo nas organizações que se pretendem bem-sucedidas.
2.1 – O que vem a ser modo de gestão?
O conceito de modo ou método de gestão é muito bem desenvolvido por
Chanlat (1995, p.119):
“Por modo ou método de gestão entendemos o conjunto de
práticas administrativas colocadas em execução pela direção
de uma empresa para atingir os objetivos que ela se tenha
fixado. E assim que o método de gestão compreende o
estabelecimento das condições de trabalho, a organização do
trabalho, a natureza das relações hierárquicas, o tipo de
estruturas organizacionais, os sistemas de avaliação e
controle dos resultados, as políticas em matéria de gestão do
pessoal, e os objetivos, os valores e a filosofia da gestão que
o inspiram”.
O que significa que tanto os fatores internos (como recursos e cultura) quanto
os fatores externos (como contexto econômico e concorrência) à organização
influenciam todo e qualquer método de gestão. Chanlat (1995), fazendo uso dos
27
conceitos de trabalho prescrito e trabalho real, criados pela Ergonomia da Atividade,
considera haver um componente abstrato, prescrito, formal e estático, denominado
“modo de gestão prescrito” e um componente concreto, real, informal e dinâmico,
chamado de “modo de gestão real”.
No entanto, o conceito de modelo de gestão de pessoas vai depender de cada
organização, de seu porte, seu estágio de vida, sua natureza, seus valores. Para
entendê-lo, como aponta Fischer (2001, p.17), é imprescindível levar em
consideração que os procedimentos e práticas institucionais são parte dele, não sua
totalidade; ele não pode ser reduzido ao seu caráter instrumental: “modelos são
abstrações que nos ajudam a compreender e a agir sobre a realidade”.
Uma vez que a área de Recursos Humanos perde cada vez mais seu poder de
monopólio sobre o comportamento das pessoas nas empresas, o termo modelo toma
o lugar de sistema, área, superando a idéia de que “tudo se restringe a um conjunto
interligado de ferramentas organizadas de maneira sistêmica, ou áreas estruturadas
do ponto de vista departamental” (Fischer, 2001, p.17) e abrangendo tudo aquilo que
interfere de maneira significativa nas relações entre os indivíduos e a organização.
As mudanças, em escala mundial, no mundo do trabalho estão provocando a
renovação dos modelos de gestão, principalmente na gestão de pessoas, e
conseqüentemente das formas de conduzir os interesses da organização e das
pessoas, nos fazendo refletir sobre a melhor forma de estabelecer um ambiente de
parceria e colaboração entre todos, capaz de atingir os objetivos traçados.
Sendo assim, algumas definições são formuladas:
“Modelo de gestão de pessoas refere-se a um mecanismo
abstrato que simplifica a realidade e orienta a decisão
daqueles
que
vivem
o
ambiente
organizacional
da
atualidade. São ‘moldes’ e, por isso, estruturam as idéias
sobre a problemática do relacionamento humano. E também
são ‘peneiras’, fazendo passar ou restringindo ações e
28
decisões de todos os agentes envolvidos. (FISCHER, 2001,
p.18).
“O modelo de gestão de pessoas deve ser compreendido
como o conjunto de políticas, práticas, padrões atitudinais,
ações e instrumentos empregados por uma empresa para
interferir no comportamento humano e direcioná-lo no
ambiente de trabalho, [...] [como], por exemplo, os projetos
de engenharia que interferem nas formas de organização do
processo de trabalho, os programas de qualidade total e os
processos de planejamento estratégico” (FISCHER, 2001,
p.19/20).
2.2 – O contexto da Gestão de Pessoas
A história da Gestão de Pessoas, como pudemos observar na parte
introdutória, foi evoluindo ao longo do tempo e veio desaguar nos nossos dias atuais
com força total. O mundo mudou e junto com ele as empresas, e mais
especificamente a área de Recursos Humanos, também acompanharam essa onda de
mudanças não só econômicas, mas, sobretudo, culturais e “comportamentais”.
Frente a este cenário de turbulências, as empresas deparam-se com um grande
desafio: seu sucesso ou fracasso depende cada vez mais de sua capacidade de definir
objetivos, mobilizar recursos (materiais e humanos) para atingi-los e estimular o
comprometimento da organização na trilha por um único caminho, no qual todos
travarão uma luta comum.
Nesse caminho, a área de RH entra com uma participação importante em
todas as etapas: na definição do destino (objetivo), na escolha do caminho a seguir
(estratégias), na definição do que é necessário para alcançá-lo (recursos) e,
obviamente, na manutenção do compromisso de todos os participantes em chegar ao
destino determinado (motivação e clima).
29
Com a percepção, é claro, de que as pessoas não são simples empregados,
mas constituem os colaboradores da organização que fornecem o conhecimento e as
habilidades necessárias para o sucesso do empreendimento (Chiavenato, 1999).
Portanto, hoje não mais se fala em Recursos Humanos, e sim em Gestão de Pessoas,
promovendo essa nova visão das pessoas como o elemento básico do sucesso
empresarial; pessoas como seres humanos dotados de personalidade própria, como
elementos impulsionadores da organização e, acima de tudo, como parceiros da
organização.
Rompe-se a maneira tradicional de tratar as pessoas meramente como força
de trabalho, meios de produção: pessoas como pessoas e não simplesmente pessoas
como recursos ou insumos. Conseqüentemente, as organizações, ou pelo menos
algumas delas, vêm se tornando mais conscientes e atentas a seus funcionários, já
que dependem diretamente deles para proporcionar-lhes o necessário planejamento e
organização, para dirigi-las e controlá-las, para produzir seus bens e serviços, atender
seus clientes, competir nos mercados e atingir seus objetivos.
A cultura organizacional, então, recebe forte impacto do mundo exterior e
passa a privilegiar a mudança e a inovação com foco no futuro e no destino da
organização. O que, no entanto, como salienta Foray (apud Crivellari, 2001) não é
tão fácil assim, uma vez que as inovações, em certa altura, já não se difundem mais
porque, antes que isso possa acontecer de forma ampliada, estas são barradas pelas
novas, suas sucessoras, provocando, assim, um ritmo acelerado de depreciação do
conhecimento. Um microcomputador, por exemplo, é substituído por um modelo
mais novo antes mesmo de o conhecermos por completo; o novo software supera o
anterior antes mesmo que todos os recursos do primeiro sejam explorados.
“O conhecimento é uma mistura da experiência condensada,
dos
valores,
de
informações
contextuais
e
insight
(discernimento) de uma pessoa e que proporciona uma
estrutura para a avaliação e incorporação de novas
experiências e informações [...] Quando pára de evoluir,
transforma-se numa opinião ou, o que é pior, num dogma”
30
(DAVENPORT e PRUSAK, apud CHIAVENATO, 2000,
p.521).
Reconhecendo a rápida obsolescência do conhecimento e a necessidade de
não só assimilar, mas também gerar conhecimentos, especialmente os vinculados aos
negócios, as organizações estão entrando em uma nova realidade. E é nesse novo
contexto que se exigirá uma gestão de pessoas que leve em conta a existência, na
organização, de um acervo intelectual constituído pelas experiências acumuladas
pelos trabalhadores, entrando em voga a propalada “Gestão do Conhecimento”.
Trata-se de um novo modelo gerencial onde se pratica alguma modalidade de
codificação do conhecimento; situação já vista nas práticas da Administração
Científica de Taylor, que visava a codificação e padronização dos procedimentos
operatórios. A diferença em relação à esta expropriação do conhecimento do
trabalhador está nas possibilidades renovadas pela explosão das tecnologias da
informação e da comunicação: “nas novas tecnologias de gestão, a novidade seria a
incorporação em softwares, do saber do trabalhador” (Nehmy apud Crivellari, 2001,
p.208).
Gerir significa controlar, regular, administrar e, neste caso do conhecimento,
é preciso ter muito cuidado ao usar esta expressão, pois é humanamente impossível
gerir o conhecimento tácito que está na mente das pessoas. As organizações devem
investir em mecanismos de gestão do conhecimento explícito, que são
conhecimentos já estruturados em formato de informação; este sim é gerenciável,
existindo no mercado uma infinidade de recursos automatizados para apoiar esta
gestão.
Uma empresa pode dizer que gerencia o seu conhecimento se, em seus
modelos e mecanismos de gestão, contempla: sistemas de planejamento estratégico,
monitoramento do atingimento de metas, sistemas corporativos de informações,
biblioteca especializada no negocio da empresa, políticas de RH implementadas,
monitoramento das competências organizacionais e individuais e outros mecanismos
associados. No entanto, não existem fórmulas e sistemas prontos para gerenciar
conhecimento; não se implanta gestão do conhecimento, pode-se criar um ambiente
31
favorável para esta gestão, para a criação de novos conhecimentos organizacionais.
Cada empresa tem que fazer o seu “dever de casa” e identificar os seus passos.
Para Chiavenato (2000, p.522):
“A
gestão
do
conhecimento
refere-se
à
criação,
identificação, integração, recuperação, compartilhamento e
utilização do conhecimento dentro da empresa. Está voltada
para a criação e organização de fluxos de informação dentro
e entre os vários níveis organizacionais, para gerar,
incrementar, desenvolver e partilhar o conhecimento dentro
da organização, sobretudo para incentivar trocas espontâneas
de conhecimento entre as pessoas”.
O segredo não está mais em guardar e esconder o conhecimento a sete
chaves, mas disseminá-lo e aplicá-lo por toda a organização. Cada funcionário
precisa agregar valor aos processos e produtos da empresa.
No taylorismo/fordismo havia uma preocupação com o corpo humano, mas
nos novos modelos gerenciais, observa-se a ausência da idéia de corpo humano,
indivíduo; a gestão, agora, é do conhecimento e não dos seus portadores. Hoje, a
preocupação principal é extrair e reter na organização e após o expediente, o
conhecimento contido e desenvolvido pelo trabalhador. A tendência é reduzir-se a
hierarquia através das novas tecnologias de gestão, adotando-se uma configuração
organizacional dinâmica e incorporando inovações como a eliminação de níveis
intermediários de gerência e a descentralização como norma (Tachizawa et al, 2001).
Logo, como aponta Crivellari (2001, p.209), “a codificação (explicitação),
entendida como o processo de conversão de um conhecimento em uma mensagem
que pode, em seguida, ser manipulada como uma informação”, tornou-se crucial,
pois este conhecimento codificado, ou seja, a informação que pode ser estocada e
encontrada indefinidamente, além de ser reprodutível e transformada em mercadoria
pode ser descrita e especificada em termos de conteúdo e propriedade intelectual.
32
Nesse sentido, a sobrevivência das empresas neste novo século, se dará na
medida em que elas considerarem o trabalho humano não apenas uma utilização de
braços e músculos, mas desenvolvimento da mente e da emoção (Chiavenato, 1999);
isto é, se dará na medida em que elas souberem utilizar o seu patrimônio humano
naquilo que ele tem de mais sofisticado e importante – o seu capital intelectual. Este
será o investimento do futuro. E é assim que crescem e se solidificam as
organizações bem sucedidas.
Diante de tal realidade, o papel estratégico do conhecimento difunde-se cada
vez mais, constituindo um ponto de apoio para a sobrevivência dos indivíduos, da
sociedade e das empresas. Só o conhecimento e o potencial humano criam uma
condição contínua de vantagens competitivas. Sendo assim, os dirigentes de
empresas passam a ter como missão primordial o desenvolvimento do potencial
humano, de seus conhecimentos e suas habilidades, com autodisciplina decorrente da
autonomia e da responsabilidade. A gestão de pessoas deve criar um clima
organizacional propício, promovendo educação continuada e programas de incentivo
para retenção do acervo intelectual.
Chiavenato (1999) já dizia que o contexto em que funciona a Gestão de
Pessoas é representado pela íntima interdependência das organizações e das pessoas,
cada uma das partes dependendo da outra. As organizações jamais viveriam sem as
pessoas, já que são constituídas por elas e dependem delas para atingir seus objetivos
e cumprir suas missões, e as pessoas dependem das organizações como meio pelo
qual elas podem alcançar vários objetivos pessoais e individuais, com um mínimo de
esforço e de conflito. Enfim, sem organizações e sem pessoas certamente não haveria
a Gestão de Pessoas.
Desta forma, a Gestão de Pessoas representa a maneira como as organizações
procuram lidar com as pessoas que trabalham em conjunto para administrar os
recursos organizacionais. Não se trata mais de administrar pessoas, mas de
administrar com as pessoas. Atualmente, a tendência é fazer com que as pessoas de
todos os níveis da organização sejam os administradores de suas tarefas e não
simplesmente os executores. Além de executar, as pessoas devem conscientizar-se de
33
que podem e devem ser o elemento de diagnóstico e de solução de problemas para
obter uma melhoria contínua de seu trabalho dentro da organização.
Como diz Chiavenato (2000, p.30):
“este é o novo espírito, a nova concepção. A massa cinzenta
humana será a riqueza do amanhã. A moeda do futuro não
vai ser financeira, mas o capital intelectual. E estará na
cabeça das pessoas. O recurso mais importante da
organização”.
Mas, apesar da “teoria” ser o que realmente desejamos, a realidade nem
sempre é assim. Um problema muito observado é a falta de uma política de Recursos
Humanos coerente com as aspirações humanas por conta de uma visão errônea da
sociedade empresarial. Percebe-se que, no âmbito organizacional, poucas são as
políticas de pessoas que abordam sobre o grande e intransferível prazer que estas têm
ao sentirem-se capazes de realizar coisas, criar algo novo; poucas consideram a
importância real de pessoas/talentos para a estratégia do negocio e, com certeza, este
comportamento afeta a questão do conhecimento. Se considerarmos que 80% do
conhecimento organizacional está na mente das pessoas, nas combinações de
diálogos entre elas, podemos concluir o quanto a empresa perde por não estimular o
compartilhamento deste conhecimento. Para atuar de forma satisfatória em ambiente
coletivo é fundamental que se pratique, ao máximo, a comunicação interna,
empática. Temos que nos colocar no lugar de outro, sempre que for possível, e ficar
alerta para que “ruídos” não obstruam o processo de comunicação. A empresa deve
contar com canais eficientes de comunicação: intranet, jornal mural, estação de rádio
interna, diálogos abertos, programas que promovam a internalização dos conceitos
principais da empresa de forma coletiva.
As organizações que não investirem em conhecimento vão encolher e
diminuir muito o seu leque de atuação no mercado ou, pior, não suportarão a
concorrência
e
morrerão.
Conhecimento
para
as
organizações
funciona,
34
metaforicamente falando, como um componente lubrificador de uma engrenagem
industrial e sem este óleo, a engrenagem emperra, enferruja e para de funcionar.
2.3 – Conceitos e objetivos da Gestão de Pessoas
Até o final da década de 1970, prevalecia nas empresas um modelo
organizacional cuja preocupação básica era a “maximização”, a “otimização” dos
recursos: máquinas, materiais e também pessoas. O elemento humano era
considerado um recurso comparável aos de material e finanças!
Entretanto, com o advento da globalização e a conseqüente competitividade,
nos anos 1990, esta idéia de otimização se desgasta e, hoje, características mais
humanas, como o saber, a intuição e a criatividade, são valorizadas e as pessoas de
simples recursos passam a ser efetivos colaboradores, já que delas dependem os
resultados da organização.
Daí a utilização do termo gestão de pessoas, que “procura ressaltar o caráter
da ação – ‘a gestão’ – e seu foco de atenção: ‘as pessoas’” (Fischer, 2001, p.18),
buscando resgatar o caráter humano.
Existem muitas definições para Gestão de Pessoas, algumas delas são:
1- “Conjunto de políticas e práticas necessárias para conduzir os aspectos da
posição gerencial relacionados com as pessoas ou recursos humanos,
incluindo recrutamento, seleção, treinamento, recompensas e avaliação de
desempenho” (ULRICH, apud CHIAVENATO, 1999, p.08);
2- “Função na organização que está relacionada com provisão, treinamento,
desenvolvimento,
motivação
(CHIAVENATO, 1999, p.08).
e
manutenção
dos
empregados”
35
3- “Conjunto de decisões integradas sobre as relações de emprego que
influenciam a eficácia dos funcionários e das organizações” (BERNARDI,
apud CHIAVENATO, 1999, p.08);
4- “Processo de gestão descentralizada apoiada nos gestores responsáveis, cada
qual em sua área, pelas atividades-fim e atividades-meio das organizações”
(TACHIZAWA ET AL., 2001, p.19);
Muitos também são os objetivos da Gestão de Pessoas. No entanto,
Tachizawa et al., (2001) colocam que o objetivo fundamental é tornar a relação entre
o capital e o trabalho, no âmbito das organizações, a mais produtiva e menos
conflituosa possível, de modo que a organização que pretende alcançar a excelência
deve estabelecer estratégias de gestão de pessoas visando à obtenção de um clima de
trabalho propício ao alto desempenho empresarial. Para manter a eficiência e a
produtividade é necessário que as organizações estejam capacitadas para formular,
compreender e implementar a estratégia do negócio. E saber planejar como a gestão
de pessoas participará da construção e implementação desta estratégia corporativa
será o diferencial!
“A estratégia organizacional constitui o mecanismo através do qual a
organização interage com seu contexto ambiental” (Chiavenato, 1999, p.49). Para
que a organização atinja seus objetivos de sobrevivência e crescimento, é vital que
haja interação entre os subsistemas da organização e a gestão de pessoas. O
organismo só sobrevive porque seus sistemas interagem.
Por um lado, ouvimos que as empresas mais rentáveis do mundo trabalham
no sentido de manter um perfeito alinhamento da estratégia de gestão de pessoas às
projeções de novos negócios. Mas por outro, sabemos que esse ideal está longe de
ser concretizado na maioria das empresas. É muito importante deixar de lado o
discurso e posicionar a gestão de pessoas como efetivo parceiro estratégico através
da responsabilidade de converter a estratégia em ação relativa à sua competência,
dando mais atenção aos resultados do que à execução de tarefas e agregando valor a
clientes e funcionários.
36
A gestão de pessoas deve ter uma preocupação eminentemente estratégica;
deve estar com os olhos predominantemente voltados para o futuro, “visualizando o
próximo porto de chegada da organização e contribuindo para desenhar a rota para
alcançar este porto. Alcançado este porto virão outros” (Boog, 1994, p.115).
Tachizawa et al. (2001, p.23) aponta com muita perspicácia que:
“não se trata de prever o que vai acontecer, e sim de buscar
compreender profundamente o contexto político, social,
econômico, tecnológico e competitivo, além de uma série de
grandes movimentos que ocorrem na sociedade. A partir
dessa compreensão é possível analisar as informações sobre
as mudanças externas, abstrair o processo de transformação
ao longo do tempo e formular questões estratégicas
relevantes”.
2.4 – O papel dos profissionais da área de Gestão de Pessoas na nova
era
Com todas essas transformações no mundo, a área de RH passa por uma
reformulação não somente estrutural, mas, sobretudo, cultural e comportamental. O
contexto industrial se desloca e um novo – o da informação – se situa, trazendo
papéis cada vez mais múltiplos e complexos para os profissionais da Gestão de
Pessoas, que precisam aprender a ser estratégicos e operacionais ao mesmo tempo,
focalizando o curto e o longo prazo.
Segundo Boog (1994), os profissionais que atuam nesta área devem se tornar
muito mais generalistas e empreendedores, já que os esforços passam a se concentrar
muito mais nos aspectos estratégicos de sua atuação do que nos aspectos
operacionais propriamente ditos. Eles devem passar a ser um agente facilitador
estratégico, suprindo as necessidades dos líderes de áreas nas questões sobre: como
lidar melhor com os seus colaboradores no âmbito social e psicológico; apoiar nas
37
soluções diversas, relativas inclusive à criação de mecanismos do compartilhamento
do conhecimento.
“O profissional de Gestão de Pessoas precisa estar
totalmente aberto para o acompanhamento do estado da arte,
tanto da sua área de atuação como do conhecimento em
geral. Não basta dominar sua própria área; é preciso saber o
que está acontecendo no mundo” (BOOG, 1994, p.114).
Os trabalhadores deverão atentar para a capacidade de reagir, uma vez que o
tempo de reação passará a constituir o elemento fundamental para a definição de
estratégias. O excesso de análise e a lentidão nas decisões, num ambiente empresarial
de rápida mutação, podem ser tão prejudiciais ou custosos quanto as decisões
incorretas. Daí a larga difusão, nos últimos anos, do conceito de empowerment, que
dá maior responsabilidade e autonomia aos colaboradores para resolverem os
problemas de seu dia-a-dia profissional, oferecendo respostas rápidas e eficazes aos
clientes internos e externos.
Alguns pontos de partida podem ser citados para que os profissionais iniciem,
de fato, esta parceria estratégica com a Gestão de Pessoas:
• Conhecer, assimilar e integrar informações sobre o negócio;
• Levantar e buscar um entendimento das necessidades da organização como
unidade;
• Formular, gerar e implementar soluções organizacionais e de pessoas que
favoreçam a busca de seus objetivos estratégicos e o alcance das necessidades dos
clientes;
• Realizar benchmarking, buscando o aprendizado por meio das melhores práticas;
• Liderar esforços para, depois de conquistar a “nata do talento”, aperfeiçoar,
oferecer feedback e acompanhar esses indivíduos;
• Desenvolver as redes sociais para capturar e transferir conhecimento, eliminando
barreiras que impeçam a tomada rápida de decisões, revelando competências
principais e abrindo a comunicação e a colaboração entre as diversas unidades;
38
• Ajudar as gerências a desenvolver uma cultura integradora, unificadora e
motivadora para atrair e conservar empregados de talento. Em uma cultura assim, o
potencial em indivíduos competentes e as redes em funcionamento podem ser
convertidos em ação. O processo de união deve levar a um sentimento integrador e
energizante de dedicação à organização e seus objetivos.
“Colocar-se acima das turbulências de curto prazo e
enxergar as transformações mais amplas que ocorrem no
ambiente é fundamental para os gestores das organizações,
entendendo-se por estes os gestores dos processos-fim e de
apoio, aí incluído o de pessoas, bem como aqueles que na
nova
organização
tendem
a
caracterizar-se
como
trabalhadores do conhecimento” (TACHIZAWA ET AL.,
2001, p.21).
Para que os profissionais de RH dominem um novo papel, centrado em
resultados com novos padrões de comportamento, é necessária a ocorrência de
aprendizado e ao mesmo tempo desaprendizado. Sendo que aprender significa
considerar novas alternativas e desaprender, continuar no passado. Ambos são
necessários para que o futuro da área seja beneficiado.
39
CAPÍTULO III
COMPETÊNCIA E SUBJETIVIDADE
QUESTÕES CRUCIAIS NA GESTÃO DE PESSOAS
40
3.1 – A Gestão da Competência
Como pudemos constatar anteriormente, as empresas e as pessoas que detêm
maior grau de conhecimento passam a ser mais bem-sucedidas, produtivas e
reconhecidas. Sendo assim, existe, hoje, uma grande pressão para que a Gestão de
Pessoas seja orientada para a idéia de desenvolvimento mútuo: a empresa ao se
desenvolver, desenvolve as pessoas ao transferir seu patrimônio, enriquecendo-as e
preparando-as para enfrentar novas situações profissionais e pessoais; e as pessoas,
por sua vez, ao se desenvolverem, fazem o mesmo com a organização, transferindo
seu aprendizado e dando-lhe condições para enfrentar novos desafios. Organização e
pessoas, lado a lado, trocando competências continuamente.
Muitas organizações já percebem que, ao invés de encarar o desenvolvimento
de pessoas como algo rígido (treinando-as em habilidades específicas), devem
estimulá-lo e apoiá-lo como forma de conquistar vantagens e de continuar
competitivas no mercado, realizando um processo contínuo de inovação e
aprendizagem coletiva realizado por todos os membros da organização, em vez da
separação entre o topo que pensa e a base que executa, presente no taylorismo. Ao
mesmo tempo, os indivíduos se dão conta de que se aperfeiçoar é condição sine qua
non para sua inserção ou manutenção no mercado de trabalho.
Zarifian (apud Fleury, 1995, p.188/189) propõe uma interessante distinção
entre organização qualificada e organização qualificante para caracterizar estes novos
modelos organizacionais que se dizem modernos – as “organizações de
aprendizagem, inovativas”.
Segundo o autor, as “organizações qualificadas” rompem com o modelo
taylorista apresentando características como:
• Diminuição dos níveis hierárquicos;
• Reaproximação das relações entre as funções da empresa (manutenção e
fabricação, etc);
• Trabalho em equipe;
41
• Autonomia delegada a esta equipe juntamente com sua responsabilização pelos
objetivos de desempenho (qualidade, custos, etc).
O “problema” estaria na possibilidade desta organização tornar-se excludente,
rígida, na medida em que seriam exigidos níveis sempre mais elevados de educação e
qualificação, deixando de lado uma significativa parcela da população (que mal
consegue terminar o 2º grau).
As “organizações qualificantes”, por seu turno, designam “a abordagem que
transcende os limites do treinamento objetivado e que procura ‘incentivar o
aprendizado, o desenvolvimento das capacitações’” (Zarifian apud Fleury e Fleury,
1995, p.18), apresentando, além das características já mencionadas, outras mais:
• Devem ser centradas sobre a inteligência e domínio das situações de imprevisto;
• Devem estar abertas as opiniões dos próprios empregados sobre a estratégia
empresarial;
• Deve favorecer o desenvolvimento da interação e comunicação entre as diversas
áreas e competências;
• Devem investir e permitir aos funcionários um processo de melhoria permanente.
Toda situação de trabalho envolve sempre uma parte de permanência e uma
parte de mudança. Assim, além da aquisição de rotinas e de hábitos, que farão com
que um indivíduo domine melhor as situações com que se defronta (aprende-se em
contato com as situações de trabalho), a instabilidade e a capacidade de evolução das
situações também passam a ser percebidas como fonte e oportunidade de trabalho
(trata-se de aprender uma adaptabilidade bem-sucedida a situações mutantes).
A aprendizagem deve acontecer através de uma base comunicacional, pela
troca de experiências comuns de pessoas que têm pontos de vista diferentes, porém
complementares e os objetivos organizacionais devem ser explicitados e
compartilhados.
42
Para que uma empresa seja, de fato, qualificante não basta que empregue
pessoas de bom nível de qualificação profissional e que reconheça a responsabilidade
e autonomia; o trabalhador competente “de verdade” deve aprender a lidar com as
mudanças.
Dessa forma, cada vez mais, se exige das pessoas uma postura voltada para o
autodesenvolvimento e para a aprendizagem contínua. De acordo com Fleury e
Fleury (1995, p.85), “é por meio do processo de aprendizagem e de gestão do
conhecimento que as organizações podem desenvolver as competências necessárias
para a realização de sua estratégia competitiva”.
Mas afinal, o que vem a ser competência? Essa temática começou a surgir em
meados dos anos 80, quando, na França, Zarifian já se preocupava em elaborar
políticas industriais alternativas capazes de responder à crise taylorista e que
colocasse em primeiro plano o sujeito do processo de trabalho e suas qualidades, ao
invés do posto de trabalho. No caso brasileiro, também nos anos 80, a preocupação
com a qualidade e produtividade abriu espaço para se pensarem novas formas de
organização e gestão do trabalho, que passaram a incorporar, aos poucos, o conceito
de competência.
Na literatura existem várias definições para este termo. Tradicionalmente,
como salienta o próprio Zarifian (1996), competências consistiam nas capacidades
que um indivíduo deveria possuir para poder ocupar um determinado emprego ou
posto de trabalho; ou seja, se levava em conta as prescrições, a lista de tarefas a
serem cumpridas que os organizadores do trabalho atribuíam a este posto, de forma a
torná-lo o mais homogêneo possível e, ainda, o mais independente possível da
subjetividade e da iniciativa das pessoas.
No entanto, com todas as transformações ocorridas no mundo do trabalho
(destacadas no capítulo I), esta abordagem da prescrição, a qual predomina a noção
de posto fixo de trabalho, passa por uma crise profunda e a competência profissional
não pode mais ser incluída no trabalho prescrito, em definições prévias de tarefas a
executar em um posto de trabalho, já que a tendência é acabar com este posto,
43
permitindo desenvolver a polivalência1 e, com isso, a flexibilização do ambiente de
trabalho.
O conceito de competência é, então, ampliado, passando a ser considerado:
“[não apenas como] um estoque de recursos individuais
composto por conhecimentos, habilidades, atitudes, traços de
personalidade [...], mas como os resultados, a produção e a
entrega decorrentes de sua mobilização em situações de
trabalho” (MCHAGAN, apud FISCHER, 2001, p.72).
“um assumir de responsabilidade pessoal do assalariado
frente às situações produtivas [...] que quer dizer uma atitude
social de tal sorte que o assalariado vai, por conta própria,
tentar atingir o complexo de performances que ele deverá
respeitar [...], mobilizando fortemente a sua inteligência e
subjetividade” (ZARIFIAN, 1996, p.19).
Não se trata mais de executar ordens, mas de tomar iniciativa diante das
situações profissionais com as quais se depara e de assumir a responsabilidade por
elas; trata-se de autonomia, de mobilização subjetiva, de inteligência prática das
situações, que se apóia sobre os conhecimentos adquiridos e os transforma,
mobilizando-os em função do entendimento que o funcionário tiver da situação;
trata-se de uma inteligência “fundamentalmente enraizada no corpo” (Dejours apud
Hirata, 1995), já que é este, em sua relação com a situação, quem desencadeia a
inteligência, colocando o sujeito em estado de alerta; inteligência cuja mola
propulsora é a astúcia, que:
1
O termo polivalência, de acordo com Zarifian (2001), já designou a capacidade de um
assalariado ocupar vários postos de trabalho, permitindo-lhe passar de um posto a outro de
acordo com as necessidades (o que, na verdade, só esgotava o seu tempo de ocupação de
modo que não havia a possibilidade de desenvolver sua competência). No entanto, no
modelo da competência, a polivalência só tem sentido quando significa “uma ampliação da
envergadura da competência da pessoa” (p.139), ou seja, uma ampliação da área de
utilização das competências do indivíduo, seja em direção a outros processos, a outras
disciplinas, a outras funções, etc.
44
“introduz [...] a inovação ao que já é conhecido, ao que é o
objeto de uma rotina e está estabilizado e integrado à
tradição [...] introduz, inevitavelmente, ao mesmo tempo que
uma inovação, uma falta à prescrição, um quebra-galho2”
(DEJOURS, 1997, p.50).
“O que diferencia a competência de um trabalho taylorizado
é que ela expressa uma autonomia de ação do indivíduo (em
uma equipe de trabalho, em uma rede de trabalho etc), que
se engaja subjetiva e voluntariamente, em virtude de suas
iniciativas, na melhoria do valor produzido” (ZARIFIAN,
2001, p.97).
É claro que todo funcionário precisa possuir um conjunto de competências
básicas (na forma de conhecimentos, habilidades, atitudes, interesses, valor ou outra
característica intrínseca) para desempenhar suas atividades na empresa. Mas o
importante é que a pessoa, além de adquirir sempre novas competências, tenha
capacidade de entrega, de modo que, graças às suas capacidades, entregue e agregue
valor ao negócio da empresa em que atua, a ela própria e ao meio em que vive.
Daí a “Gestão por Competências”, definida por Chiavenato (2000, p.520):
“um programa sistematizado e desenvolvido para definir
perfis profissionais que proporcionem maior produtividade e
adequação ao negócio, identificando pontos de excelência e
pontos
de
carência,
suprindo
lacunas
e
agregando
conhecimento e tendo por base critérios mensuráveis
objetivamente,
[procurando]
substituir
o
tradicional
levantamento de necessidades de treinamento por uma visão
2
Dejours (1997:50) utiliza o termo “quebra-galho” não no sentido pejorativo, mas para
designar “as infrações cometidas no exercício do trabalho cotidiano, para alcançar o máximo
dos objetivos das tarefas fixadas pela organização do trabalho [...] trata-se de condutas sem
nenhuma intenção de prejudicar”.
45
das necessidades do negócio e como as pessoas poderão
aportar valor à empresa”.
É a partir deste comprometimento da empresa com a educação e com o
desenvolvimento das pessoas que se coloca em prática a idéia de “educação
corporativa”, que constitui:
“um processo e não necessariamente um local, em que todos
os funcionários, e algumas vezes clientes e fornecedores,
participam
de
uma
variedade
de
experiências
de
aprendizagem necessárias para melhorar seu desempenho no
trabalho
e
incrementar
seu
impacto
nos
negócios”
(CHIAVENATO, 2000, p.519).
Um exemplo é a Universidade Corporativa (UC), que privilegia o
desenvolvimento
das
competências
empresariais
e
humanas
consideradas
importantes para a viabilização das estratégias negociais, em vez de privilegiar
apenas o conhecimento técnico e instrumental.
Porém, quais são essas competências? Muitas são as novas competências
exigidas pelas empresas nos novos ambientes de trabalho. Meister (apud Chiavenato,
2000, p.520) aponta para as seguintes:
1. Aprender a aprender – As pessoas devem estar dispostas a aprender
continuamente;
2. Comunicação e colaboração – O bom desempenho visto anteriormente
como a execução de tarefas repetitivas, é agora, com a adoção de equipes,
vinculado a habilidades de comunicação e colaboração;
3. Raciocínio criativo e resolução de problemas – Os funcionários devem
descobrir por si sós como melhorar e agilizar seu trabalho, pensando
criativamente e solucionando problemas;
46
4. Conhecimento tecnológico – É preciso dar ênfase ao uso de
equipamentos de informação que conecte os membros da equipe com o
resto do mundo: comunicar-se com outras pessoas para compartilhar
idéias e melhorias nos processos de trabalho;
5. Conhecimento de negócios globais – As pessoas devem ser treinadas
levando-se em conta o ambiente competitivo global e mutável;
6. Desenvolvimento da liderança – As empresas passam a se importar com
programas de aprendizagem que levem ao desenvolvimento de todos os
seus membros;
7. Autogerenciamento da carreira – As pessoas têm que identificar por
elas mesmas o que precisam aprender para assegurar o conhecimento e as
competências exigidas na sua atividade.
Já Fares e Busch (apud Boog, 1994), de maneira mais ou menos semelhante,
dizem que os beneficiados serão aqueles que apresentarem as competências a seguir:
1. Competência individual – O individuo deve comprometer-se com o seu
autodesenvolvimento, ele tem a tarefa de buscar desenvolver seu talento e
otimizar as suas competências. “O indivíduo precisa pensar antes, pensar
longe. Adiantar-se ao que vem e pesquisar a próxima tendência assim que
atingir a nova” (p.393);
2. Competência social e comunitária – Essa competência almeja o “rehumanizar-se” nas relações homem-trabalho, homem-natureza e no
relacionamento interpessoal. “Louva a harmonia econômica, ergológica e
ecológica” (p.387);
3. Competência intercultural – As pessoas devem aprender a lidar com o
estranho sem julgá-lo, vendo-o apenas como “diferente”. É muito
importante essa aproximação cultural, mas “competência intercultural
47
significa não um fugaz contato com elementos de outra cultura, mas sim
um trabalhar intenso de arestas e a busca comprometida de
relacionamentos com o novo” (p. 389);
4. Competência de conhecimento – Significa “preocupar-se com a
organização do conhecimento que circula à nossa volta, [criando] meios e
procedimentos que viabilizem a permanência do conhecimento relevante
e a acessibilidade a ele pelo usuário” (p. 392).
O grande objetivo da gestão por competências é criar um modelo de
competências para cada função dentro da empresa, que pode ser feito por meio de:
• Análise dos comportamentos apresentados por todos os colaboradores da empresa
ou apenas daqueles considerados “top performers” (funcionário de melhor
desempenho da cada área);
• Análise de um conjunto de colaboradores que desempenham a mesma função;
• Análise de um grupo de colaboradores representante de áreas semelhantes, como
por exemplo, gerentes, operários, administrativos;
• Recorrendo a modelos externos, recolhendo informações de outras empresas onde
existem pessoas com atividades semelhantes e que tenham um bom desempenho.
A escolha de uma dessas formas vai depender da disponibilidade de tempo e
de verba da empresa.
Enfim, quem vai fazer a diferença a partir de agora são aqueles que estiverem
determinados rumo ao autodesenvolvimento, visando a aprendizagem permanente.
Contudo, como coloca Fleury (1995, p.195), “o desenvolvimento de competências
valorizadas pelo indivíduo precisa ser não só consistente, mas também valorizado no
projeto de desenvolvimento da organização”.
Eboli (2001, p.101) mostra que:
48
“do ponto de vista do indivíduo, é preciso um estágio de
maturidade e de autoconhecimento que permita uma
conscientização e internalização do real sentido da
aprendizagem e do desenvolvimento contínuos, para que se
instale as competências humanas mais importantes para o
sucesso da empresa onde trabalha, [enquanto que], com
relação à área de RH, é fundamental que tenha uma atuação
estratégica por intermédio de uma gestão por competências
que permita o alinhamento de competências humanas e
empresariais”.
O novo estilo de gestão exigirá, portanto, que se forme uma verdadeira
cultura empresarial de competência e resultado, enfatizando-se o aprendizado e
aperfeiçoamento contínuos; o que supõe mudanças profundas não só na estrutura,
nos sistemas, nas políticas e nas práticas, mas, principalmente, nos valores, na cultura
e na mentalidade organizacional e individual.
É necessário uma mudança real na visão de trabalho, que continua muito
marcado pelo modelo taylorista, construído em torno de regras e papéis e da
qualificação de emprego, “[presumindo] uma passividade total do indivíduo em
relação a requisitos de qualificação que foram predefinidos e objetivados e aos quais
deverá adaptar-se para parecer ‘competente’” (Zarifian, 2001, p.31). Dificilmente
uma organização autoritária com relações de trabalho pautadas pela desqualificação e
descomprometimento de seus membros conseguirá desenvolver uma cultura de
aprendizagem.
O conceito de competência quando realmente incorporado e assimilado como
um valor da empresa, provoca uma série de modificações quanto às práticas de
recursos humanos, como por exemplo: critérios de recrutamento muito mais
rigorosos – o trabalhador se torna adequado ou não ao ambiente de trabalho de
acordo com as suas próprias competências (daí a exigência cada vez maior de
diploma); novo tipo de compromisso contratual entre cada assalariado e a direção – o
assalariado compromete-se a dar o máximo de si para desenvolver suas competências
49
em função de mutações que a empresa possa sofrer e esta se compromete a facilitar
esse desenvolvimento de competências, instaurando um sistema de promoção
profissional; “responsabilização” dos assalariados – delegar responsabilidades em
função dos potenciais de cada indivíduo; remuneração por competência – apenas os
indivíduos que agreguem valor dentro de um mesmo nível devem estar alocados em
uma mesma faixa salarial; etc.
A questão, hoje, como se vê, não é só treinamento. É preparar para a
mudança, colocar os sujeitos numa compreensão de que as coisas mudam, e preparálos para as escolhas, prepará-los para defrontarem-se constantemente com o novo,
uma vez que a única constante é a inconstância.
Se antigamente havia, na vida das pessoas, um tempo destinado a
qualificação, e os conhecimentos adquiridos podiam ser transmitidos de pai para
filho, hoje, o tempo destinado à qualificação / requalificação extrapola para a vida
toda. Os conhecimentos tornam-se obsoletos com uma velocidade cada vez maior.
As demandas falam de sujeitos criativos, capazes de inovar, e não mais de sujeitos
cujo conhecimento calcava-se na experiência, na repetição. Nesse sentido, a
requalificação é uma constante que se faz notar não mais em termos de ascensão
profissional, mas de manutenção de uma posição de sujeito incluído no mercado de
trabalho.
Mais do que um conceito, a competência torna-se um valor e uma prática
organizacional.
3.2. Subjetividade e Gestão de Pessoas são de fato compatíveis?
Vimos que as organizações bem-sucedidas de hoje têm como grande
investimento o seu “capital intelectual”. Contudo, é necessário apontar que focalizar
apenas a dimensão intelectual das pessoas – no sentido de cognição – tão em moda
nos dias atuais, sem considerar as dimensões física, emocional e espiritual, é um erro
que pode trazer para as empresas resultados não desejados e, pior, desastrosos; basta
50
relembrar do paradigma taylorista / fordista, dentro do qual se inseria as Relações
Industriais.
Tal paradigma tinha como objetivo o aumento da produtividade, além de uma
redução da “vadiagem operária”, entendida por Taylor como uma perda de tempo, de
produção e de dinheiro, já que nesses momentos os operários trabalhavam num ritmo
menor do que aquele que poderiam ou deveriam adotar.
Mas, como coloca Dejours (1992), não será este tempo, aparentemente morto,
uma etapa do trabalho destinada a assegurar a continuidade da tarefa e a proteção da
vida mental do trabalhador? Não será este tipo de organização do trabalho uma
“violência” ao funcionamento mental do trabalhador? Não para Taylor, que insistia
na desapropriação do know-how coletivo e da liberdade de invenção, promovendo,
assim, fracionamento e rigidez máximos e um conseqüente bloqueio da subjetividade
do trabalhador, que dificulta e até mesmo bloqueia toda e qualquer iniciativa,
restando nada mais que corpos isolados e dóceis (Dejours, 1992).
O que parecia correto do ponto de vista da produtividade, foi “comprovado”
falso do ponto de vista da economia psicossomática, pois esta paralisia mental
induzida por este tipo de organização do trabalho é perigosa até mesmo no plano da
saúde. Desprezar a dimensão da subjetividade a favor de objetivismo que garanta
eficácia, só garante que o ser humano vai estar condenado a viver em excesso de
sofrimento e que a organização vai privar-se da mola essencial de sua dinâmica.
Qualquer pessoa, seja operário, técnico ou gerente, mobiliza sua subjetividade a fim
de realizar suas atividades; logo, a impossibilidade de expressá-la, na organização na
qual trabalha, pode acarretar uma série de problemas. Por outro lado, quando a
organização
permite
livre
passagem
à
subjetividade,
obtém
resultados
surpreendentes, inclusive para a performance da organização.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que surgiam novas tecnologias de
produção e formas diferenciadas de organização de trabalho, começam a fazer parte
das discussões econômicas e sociológicas questões como o fim do taylorismo e sua
51
substituição por um modelo mais humano de gestão, baseados em princípios como
maior autonomia aos empregados e liberdade na execução da tarefa.
O paradigma funcionalista-mecanicista, então, dá passagem para um outro
transformador, que não mais vê o homem como custo e, muito menos, o objetaliza
como recurso. São dadas as boas-vindas a um “movimento” que coloca, ou pelo
menos tenta colocar, as organizações ao serviço dos seres humanos e não ao
contrário.
Emerge o que hoje se denomina a “Gestão de Pessoas”, representando o
esforço de rompimento com o passado, com a burocracia e com a rígida hierarquia,
trazendo características como integração, comunicação, cooperação, autonomia e
flexibilidade. Estruturas centralizadas cedem espaço a estruturas amplamente
descentralizadas; a rígida divisão entre trabalho mental e manual tende a ser
eliminada; tarefas fragmentadas e padronizadas tornam-se integrais e complexas,
exigindo, em todos os níveis da organização, pessoas amplamente flexíveis com
capacidade de pensar e de executar diversas tarefas ao mesmo tempo, no sentido de
realizarem trabalhos que tragam inovações, acrescentando algo a essas pessoas.
Busca-se, dentro desse novo modelo de organização, construir um “novo
trabalhador” e uma nova gestão da força de trabalho que tentam reorganizar dentro
de novos parâmetros os modelos de produção (Soares-Baptista, 2001). No entanto,
renovar uma visão baseada na “ação e execução”, centrada na eficiência e no
rendimento, e, ainda, tão ortodoxamente reducionista do ser humano, impõe um
grande esforço de redefinir o lugar da subjetividade nas organizações, integrando,
como aponta Davel e Vergara (2001), além do homo economicus e racional, o homo
interior, homo subjectivus, homo colectivus.
Se há algo que caracteriza o espírito da época em que vivemos, esse algo
certamente tem alguma relação com a questão da subjetividade. Questão esta que não
mais se restringe ao terreno do “psiquismo”, do “mundo interno, privado”, mas
converge uma grande diversidade de experiências e saberes.
52
De acordo com Coutinho (apud Davel e Vergara, 2001), as concepções mais
antigas da subjetividade tinham uma visão predominantemente naturalista, para a
qual subjetividade seria aquilo que permanece subjacente ao ser humano, que
constitui a individualidade humana e que sedimenta todo e qualquer conhecimento
possível.
Sócrates, estóicos, epicuristas e Sêneca, cada qual a seu modo, já levantavam
a questão da interioridade. Sêneca, por exemplo, como aponta Davel e Vergara
(2001), percebia com clareza a noção de que as pessoas são dotadas de um espaço
interior, distinto da exterioridade, no qual se encontraria sua verdade, o valor
verdadeiro para fazer frente aos falsos valores da vida social
Entretanto, será o pensamento medieval, mais especificamente Santo
Agostinho, que aproximará mais a noção de interioridade do conceito moderno de
subjetividade. Para o filósofo, é através da atenção que a pessoa dá a seu interior, ao
foco que dá aos seus pensamentos e sentimentos e às suas experiências que ela
aprende, que é possível conhecer-se a si mesmo.
Em versões mais recentes, a subjetividade é vista como constituída a partir da
experiência social, no decorrer das relações imediatas que as pessoas estabelecem
entre si, e expressada em pensamentos, condutas, emoções e ações. Dessa forma,
segundo Baack e Prasch (apud Davel e Vergara, 2001, p.43/44), deve ser concebida
como “um fenômeno posicional e contingente em que o indivíduo não pode ser
considerado como unificado ao longo do tempo”.
Esta concepção da subjetividade não é apenas aquela que se define por
oposição a objetividade, relacionada ao mundo concreto, real; nem aquela que
identifica sujeito com indivíduo psíquico, “eu-privado”. Ela não se reconhece
somente em um “eu individual”, como também em um nós e em uma
intersubjetividade. O sujeito aqui se constitui por relação com outro sujeito, não
havendo diferença entre sujeito psíquico e sujeito social.
53
Retomando ao discurso organizacional, podemos dizer que a questão da
subjetividade, barrada na “Organização Científica do Trabalho”, retorna,
modernamente, na Gestão de Pessoas, que passa a extrapolar suas funções para além
de sua função pedagógica originária (selecionar, treinar, desenvolver) e passa a
“descobrir” a dimensão subjetiva.
Losicer (1995) aponta que a subjetividade é convocada já que se começa a
perceber que não há produtividade plena sem reconhecimento da subjetividade do
trabalhador; que a qualidade dos processos e dos produtos não mais se realiza sem o
reconhecimento do sujeito e não se concretiza fora da relação intersubjetiva.
Considerar a subjetividade nas organizações permite afastar a visão da pessoa
como estável, fixa e unificada, para agregar outra que considera que as pessoas estão
em ação e em permanente interação, dotadas de uma vida interior, fruto de sua
história pessoal e social.
Propõe-se, então, que a Gestão de Pessoas não se resuma a um conjunto de
políticas e práticas, mas, como diz Ferris et al. (apud Davel e Vergara, 2001, p.50),
“seja concebida como uma mentalidade, uma forma constantemente renovada de
pensar a atuação e a interação humana nas organizações, reconhecendo e
reafirmando o papel da pessoa, de sua experiência e do simbólico nas organizações”.
Porém, como se diz popularmente, “falar é fácil, difícil é fazer”, e assim, muitas
críticas ainda são feitas à Gestão de Pessoas quanto à incerteza, à ambigüidade e às
contradições identificadas nas práticas cotidianas que demandam das pessoas,
simultaneamente,
atitudes
individualistas,
empregabilidade,
flexibilidade,
adaptabilidade e, também, atitudes coletivistas para trabalhar em equipe,
comprometimento e adesão a uma cultura forte. Pedem ao sujeito que seja criativo,
inventivo, no sentido de produzir o novo e, ao mesmo tempo, que se limite a ser
reprodutivo, no sentido de repetição: seja criativo e seja conservador! Aquilo que a
produtividade quer, na verdade, é produzir mais e mais lucro, seja re-produzindo o
que já existe, seja produzindo o novo, o que não existe.
54
Por um lado, as organizações nunca precisaram tanto daquilo que há de mais
humano no indivíduo: a dedicação, o cuidado, o conhecimento, a criatividade, a
emoção e a sensibilidade, os chamados fatores intangíveis. Mas, por outro lado, elas
estimulam a criação de um ambiente de trabalho em que esse caráter humano
encontra pouco espaço para prosperar, uma vez que acirra a competição entre as
pessoas, intensifica o ritmo de trabalho e estreita os vínculos entre desempenho e
resultado.
Logo, podemos nos perguntar: em que medida essa demanda pela
subjetividade é realmente implementada? Em que medida isto é colocado em prática?
Ogbona (apud Davel e Vergara, 2001) coloca, por exemplo, que as políticas de
mudança freqüentemente implantadas pelas organizações resultam mais em
comportamentos de obediência, conformidade e dissimulação do que em mudanças
de valores que sejam efetivamente profundas.
“A Gestão de Pessoas pode, [então], estar veiculando um
discurso de facilitar ou de acompanhar a integração dos
empregados, a democratização e a humanização das
empresas, mas na prática opera pelo desenvolvimento de
processos de exclusão e de auto-exclusão” (LIMA, 1994,
apud DAVEL E VERGARA, 2001, p. 40).
Há a necessidade, portanto, de se rever a natureza do trabalho nas
organizações no mundo contemporâneo, o papel das pessoas nas organizações e, por
fim, a forma de geri-las. A partir desta nova realidade, serão requeridos novos
trabalhadores, incluindo gestores, fortalecidos e autônomos, despojados do
tradicional conceito de hierarquia, comando e controle, além de responsáveis, cada
qual em sua área, pelas atividades-fim e atividades-meio das organizações.
55
CONCLUSÃO
“O homem nascia, crescia e morria
rodeado pelo mesmo ambiente,
mantendo os mesmos comportamentos,
relações e papéis sociais. Hoje não é
assim. Uma década vale por uma vida”.
Isaac
Asimov
Vivemos em um mundo cujas transformações contínuas estão aceleradas,
afetando direta e significativamente as organizações voltadas para o trabalho. Tais
transformações estão a exigir, cada vez mais, a construção de novos modelos capazes
de substituir modelos obsoletos no lidar com os indivíduos dentro das organizações.
É hora de reinventar os modos de analisar e intervir nas organizações. É momento de
reavaliar as normas e as leis que regem o trabalho humano.
Ao longo desta monografia, foram identificadas algumas maneiras pelas quais
se abordam as empresas e as pessoas que nelas trabalham, buscando construir um
histórico sobre diferentes modelos de gestão. Com isso, pudemos acompanhar o
esgotamento do paradigma mecanicista-simplificador – onde a empresa é a máquina
e as pessoas, as engrenagens e cuja meta geral era o lucro – e o conseqüente
surgimento de um novo paradigma – o pós-industrial, no qual se insere a abordagem
denominada Gestão de Pessoas, que tem uma visão mais humanizada, acreditando
que o mais importante é o chamado capital intelectual, as pessoas da organização.
Entretanto, faz-se necessário o repensar contínuo a respeito de como se
organiza o trabalho e a empresa, uma vez que, nos dias de hoje ainda prevalecem
formas de organização do trabalho que estão meramente reproduzindo as mesmas
premissas de tendências organizacionais anteriores, faltando a compreensão do fator
humano dentro das organizações. Tractenberg (1999) aponta que há, de certa forma,
uma resistência frente àquilo que é novo e desconhecido, além de uma dificuldade do
56
próprio indivíduo de se auto-restruturar cognitiva e emocionalmente, possibilitando o
aprendizado e, principalmente, a criação de conceitos completamente novos.
Nesse ponto, podemos nos remeter a uma outra questão tão discutida neste
trabalho, que foi o desenvolvimento das organizações e das pessoas. Nesta era da
informação, as organizações nunca precisaram tanto daquilo que há de mais humano
no indivíduo – o conhecimento, a criatividade, a emoção e a sensibilidade. O
trabalhador “ideal”, neste momento, é aquele que, além de possuir o conhecimento
para a realização de suas atividades (prescrito), tenha capacidade/sensibilidade de
detectar o imprevisto, o inesperado (eventos, panes), equacionando os problemas e,
por fim, solucionando-os por meio de sua criatividade; ou, melhor ainda, antecipando
a emergência do próprio evento. Desta forma, os fatores intangíveis passaram a ser
“ferramentas” essenciais, assim como, por conseqüência, o desenvolvimento mútuo
(organização e pessoas) e contínuo.
A presença de eventos e do processo de desenvolvimento, no entanto, exige
uma empresa cuja cultura interna seja favorável ao aprendizado e comprometida com
as mudanças. Mais do que isso. Exige a construção de um ambiente laboral
entendido como uma zona de debates, de concepções, de normas. Exige o “humano”,
a sua subjetividade para lidar com os problemas eventuais através dessa zona de
debate. Exige, por fim, um profissional que esteja preparado para atuar neste tipo de
ambiente, que não esteja preocupado em competir somente por mercados de produtos
ou especialização técnica, mas, sobretudo, pelos corações, mentes e sonhos de gente
talentosa.
As empresas precisam voltar-se mais para o lado humano das organizações,
não esquecendo nunca que nós somos movidos pelo contato e carecemos de atenção,
sejamos nós funcionários, clientes ou fornecedores. É importante deixarmos um
pouco de lado o conceito de acharmos que qualquer modelo computacional ou
software resolverá todos os nossos problemas. Somente a partir disto, poderemos
definir nossos valores, nossa missão, nosso trabalho, nosso modelo de atuação no
mercado e nossa qualidade de vida.
57
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________________. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas,
2001.
60
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
10
GESTÃO DE PESSOAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: TENDÊNCIAS
10
METAFORMOSES DA GESTÃO EMPRESARIAL
11
1.1 – Era Industrial Clássica
12
1.2 – Era Industrial Neoclássica
16
1.3 – Era da Informação
17
CAPÍTULO II
25
A MODERNA GESTÃO DE PESSOAS
25
2.1 – O que vem a ser modo de gestão?
26
2.2 – O contexto da Gestão de Pessoas
28
2.3 – Conceitos e Objetivos da Gestão de Pessoas
34
2.4 – O papel dos profissionais da área de Gestão de Pessoas na nova era
36
CAPÍTULO III
39
COMPETÊNCIA E SUBJETIVIDADE: QUESTÕES CRUCIAIS NA GESTÃO
DE PESSOAS
39
3.1 – A Gestão da Competência
40
3.2 – Subjetividade e Gestão de Pessoas são de fato compatíveis?
49
CONCLUSÃO
55
BIBLIOGRAFIA
57
ÍNDICE
60
61
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Título da Monografia: Gestão de Pessoas no mundo competitivo: inovando e
enfrentando desafios.
Autora: Bianca Pinheiro Corrêa.
Data da Entrega: 29/09/2003.
Avaliado por: _____________________________________ Conceito___________.
Avaliado por: _____________________________________ Conceito___________.
Avaliado por: _____________________________________ Conceito___________.
Conceito Final: ________________.
Rio de Janeiro, 29 de Setembro de 2003.
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universidade candido mendes pós-graduação “lato sensu” projeto a