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QUESTÃO_Carina Guedes
“Haja sempre no sentido de aumentar o número de escolhas”
(Act always so as to increase the number of choices) - Heinz von
Foerster
Ao contrapormos esta afirmação à atuação dos arquitetos nos processos usuais de elaboração
de projetos, percebemos que atuamos de forma quase oposta ao que é proposto por Foerster.
Tendemos a fornecer uma solução fechada para uma demanda, sem que em qualquer etapa deste
processo, haja uma abertura para que o cliente amplie as suas opções de escolhas. Ao contrário,
reduzimos a uma única opção de escolha, que é o projeto, apresentado como uma solução ideal e
fechada e si mesma.
Como poderíamos pensar em uma forma alternativa de atuação do arquiteto, no âmbito do
processo de elaboração de projetos, tendo em mente esta reflexão proposta por Foerster e a lógica
cibernética da circularidade? Seria este um possível caminho para se projetar espaços de forma
cibernética, desligando-se de vez dos modos de produção de projetos renascentistas? É possível
pensar em uma ampliação da percepção do espaço pelas pessoas que o habitam, caso estas sejam
envolvidas no processo de projeto através deste raciocínio cibernético?
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RESPOSTA_Marcos Franchini
A metodologia projetual praticada pelos arquitetos segue, desde o renascimento, um padrão
que pouco mudou: planta baixa que gera volumetria que gera a obra a ser habitada. Apesar de
uma atualização e tentativa de crítica durante o Modernismo, a plasticidade e formalismo foram
os maiores produtos dessa geração. São poucos os casos em que há uma arquitetura colaborativa,
na qual o arquiteto cede espaço para que outros profissionais e o próprio usuário/cliente
corroborem na concepção da proposta.
“Os arquitetos sofrem da mesma síndrome do ateliê. Saem de seu
escritório, aterram a paisagem e colocam suas construções no site que
eles cavaram. O resultado é que os prédios desenhados no ateliê e
ajustados ao site parecem com modelos de papelão que te-se-ia podido
inflar como balões?... Chamam de contextualismo, chamo-o de
afirmação em forma de justificação social.1
A análise do contexto, por herança histórica, atem-se aos vizinhos da obra a ser edificada,
ao estilo, sua altimetria e legislação aplicada. No entanto, oque poderia ser levado em conta é a
análise de contexto social: qual será o transeunte que vai usar esse novo espaço?
Em primeiro lugar, como afirma Flusser, “a máquina copiadora automática elimina
definitivamente semelhante mito (gênio/autoridade) ao eliminar definitivamente a função de
autoridade e ao esvaziar o conceito “autor”de todo significado”.2 Portanto, a proposta de queda da
autoridade de um projeto é crucial para desenvolver uma nova lógica na qual o usuário terá um
papel de co-autor.
A ciência de Newton pressupõe, de uma forma clássica, que causa é seguido de um efeito, de
um modo simples, linear e sequencial. Por outro lado, a Cibernética está interessada no processo
no qual o efeito gera um “feedback” e interage com sua causa. Essa circularidade sempre foi
difícil de se tratar na ciência levando a problemas conceituais como paradoxos de auto-referência.
A cibernética descobriu que se essa circularidade for modelada adequadamente pode nos ajudar a
entender fenômenos fundamentais tais como a auto-organização, objetivos, identidade e a vida,
de uma forma que ciência newtoniana deixou escapar.3 O conceito de circularidade, sob a ótica da
cibernética, trata da conversa e dos acordos entre as diferentes partes que consolidam a
elaboração de um projeto.
1
2
3
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“Lavage et montage”, Cover, jan.1980. In: SERRA, Richard. Écrits et entretiens 1970-1989. Trad. Gilles Courtois. Paris: Daniel
Flusser, Vilém _ O universo das imagens técnicas: Elogio da Superficialidade / São Paulo: Annablume, 2008. P.138. Francis Heylighen e Cliff Joslyn _ Cybernetics and Second-Order Cybernetics
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Um rizoma trabalha com conexões horizontais e entre diferente espécies, enquanto um
modelo arborescente trabalha com ligações verticais e lineares. As orquídeas, em um conceito
biológico de mutualismo interagem com diferentes espécies com objetivo de formar
multiplicidade. Nesse modelo rizomático, o conhecimento é negociado e a experiência de
aprendizagem é um estabelecimento social, bem como um processo de criação de conhecimento
pessoal com objetivos mutáveis e constantemente negociadas.
Cedric Price foi o primeiro arquiteto a desenvolver uma arquitetura expressiva para uma
variabilidade programática. Ele propõe uma vida útil às suas propostas de 10 anos e agrega uma
dimensão social ao passo que viabiliza uma demanda social. O prédio é visto como um organismo,
há uma mudança clara ao passo que o partido é indeterminado, flexível e passível de interações
com os usuários, ou seja, a arquitetura é articuladora dos encontros sociais.
Potteries Thinkbelt (proposta de Price para uma universidade ao longo do território
londrino) marca uma transição de uma arquitetura determinada e mecânica para um modelo fluido
e indeterminado, coerente com a era da informação, antecipando características de uma máquina
virtual e do computador.
O paradigma cibernético é diferente do modelo mecânico visualizado por Le Corbusier. O uso
dos gadgets tecnológicos é um recurso com um intuito direcionado a capacitar e melhorar os
trabalhadores “rebaixados”, ao invés de ser um artifício simbólico ou estético. Avanço social e
liberdade individual são os valores fundamentais que motivam Cedric Price a informar seu uso de
tecnologia. Ele deixa sua atitude clara quando escreve “no one should be interested in the design
of bridges – they should be concerned with how to get to the other side.” Apesar da tecnologia da
informação estar em sua infância quando o projeto foi desenvolvido, o paradigma para Potteries
Thinkbelt é que esse circuito de computação eletrônica seria capaz de transformações temporais,
de ser reprogramado e virar um instrumento completamente diferente em situações distintas.4
O contexto do projeto FunPalace é o de fomentar um espaço que poderia ser uma
“universidade das ruas”, onde pessoas poderiam aprender línguas, ver um filme, fazer filmes,
explorar mundos virtuais, aprender a cozinhar, ensinar os outros a cozinhar, aprender a usar
computadores, ensaiar corais da vizinhança ou simplesmente ver uns aos outros.5 Desde modo , o
projeto marca um deslocamento da arquitetura modernista originada na metafísica platônica do
espaço abstrato, puro e imutável para, uma visão de mundo à Heráclito: um mundo em constante
mudança.
Acordos entre diversas partes: Arquiteto, Cliente, Executores da obra e, principalmente,
Usuários seria uma reflexão que contribuiria para a evolução do papel tradicional do arquiteto
como “fazedor de formas” para um ato generoso onde possibilitaria as pessoas liberdade de
controlar e moldar seus ambientes e escolher os caminhos e meios para o fazê-lo.
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Stanley Mathews _ Potteries Thinkbelt: an architecture of calculated uncertainty.
Stanley Mathews _ The Fun Palace as Virtual Architecture: Cedric Price and the Practices of Indeterminacy
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QUESTÃO_Carina Guedes RESPOSTA_Marcos Franchini