Superior Tribunal de Justiça
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 19.291 - PA (2004/0170853-2)
RELATOR
RECORRENTE
ADVOGADO
T. ORIGEM
IMPETRADO
RECORRIDO
:
:
:
:
:
MINISTRO FELIX FISCHER
DRAILTON DARLAN SILVA GOUVEA
RICARDO LUIZ OLIVEIRA DO CARMO E OUTROS
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
DESEMBARGADORA PRESIDENTE DO TRIBUNAL
JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
: ESTADO DO PARA
EMENTA
DE
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
DEFICIENTE VISUAL. VISÃO MONOCULAR. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA
RESERVA DE VAGA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO.
I - A deficiência visual, definida no art. 4º, III, do Decreto nº 3298/99, não
implica exclusão do benefício da reserva de vaga para candidato com visão monocular.
II - "A visão monocular cria barreiras físicas e psicológicas na disputa de
oportunidades no mercado de trabalho, situação esta que o benefício da reserva de
vagas tem o objetivo de compensar" .
III - Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2007(Data do Julgamento).
MINISTRO FELIX FISCHER
Relator
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RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de recurso ordinário
em mandado de segurança interposto por DRAILTON DARLAN SILVA GOUVEA, com
fundamento no art. 105, alínea "b", da Constituição da República, em face do v. acórdão do e.
Tribunal de Justiça do Estado do Pará, assim ementado, verbis:
"Mandado de Segurança – Concurso Público – Modificação
havida nas classificações dos Impetrantes, no concurso público, para
preenchimento de vagas aos cargos que concorreram, que os teria retirado a
condição de portadores de deficiência física, reclassificando-os na lista geral
de candidatos comuns aprovados no aludido certame, sem direito ao
percentual de vagas especiais para os cargos que disputaram.
I - Não se pode considerar, inquinado e revestido de flagrante
ilegalidade o ato impugnado, se a autoridade Impetrada se valeu de Laudo
Técnico aferitório de deficiência dos Impetrantes, emitido pela junta médica
“competente, conforme estabelecia as regras previstas na norma editalícia
inaugural, tendo resultado negativo de reconhecimento da deficiência
alegada, implicando assim, a inclusão dos mesmos, na lista de candidatos
comuns aprovados, sem direito, pois, ao percentual de reserva de vagas
especiais.
II - Segurança denegada" (fl. 187).
Alega o recorrente que foi aprovado na primeira fase do concurso público para
provimento de vagas em cargos de nível superior, de nível médio e de nível fundamental,
promovido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Pará (Edital nº 1/2001):
"Vencida a única etapa de prova, o(s) Recorrente(s) foi(ram) classificado(s)
para a segunda etapa do Certame, qual seja, foi(ram) submetido(s) a Avaliação Médica,
realizada por médico oficial ou credenciado pelo Tribunal (item 3.2 do edital), com decisão
terminativa sobre a qualificação do(s) candidato(s) como portador(es) de deficiência física
ou não e sobre o grau de deficiência capacitante para o exercício do cargo." (fl. 194).
Ocorre que, como sustenta o recorrente, a mencionada avaliação médica
concluiu que ele não se enquadrava nas disposições do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro
de 1999, como deficiente físico, apesar de ter sido reconhecido que possui apenas a visão em
um dos olhos (visão monocular).
Após transcrever o art. 4º, inciso III, do Decreto nº 3.298/99, aduz que "não
figura como abrangido pelos termos deste decreto, simplesmente por ser cego em um dos
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olhos, ou seja, não possui um melhor olho, mas sim um único olho em condição deficiente de
visão." (fl. 196).
Ao final, requer seja reconhecido o direito de ser empossado definitivamente
no cargo, na condição de deficiente físico (fl. 220).
Foram acolhidos os embargos declaratórios do Estado do Pará para anular o
acórdão de fls. 241-246, em razão de o embargante não ter sido intimado para apresentar
contra-razões.
Apresentadas as contra-razões (fls. 279-282), o Estado do Pará sustentou a
legalidade da exclusão do recorrente da lista de deficientes físicos e requereu a extinção do
processo em relação ao recorrente HALYSSON DE CASTRO FREIRE, em razão deste ter
tomado posse em outro cargo inacumulável.
Intimado, este recorrente concordou com a extinção do feito, o que culminou
com a decisão de fl. 303.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 226/236, opina pelo provimento do
recurso ordinário, sustentando, em síntese:
"1. Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança Concurso Público. Deficientes Físicos Deficiência Visual
comprovada. Exclusão de Candidatos. Visão monocular.
2. Candidatos aprovados classificados em 1º e 4º lugares
excluídos da convocação para exames complementares Portadores de visão
monocular. Reserva de vagas Art. 37, VIII, da Constituição Federal de 1988.
Tratamento especial. Possibilidade
3. Parecer do Ministério Público Federal pelo conhecimento e
provimento do recurso por considerar que os portadores de visão monocular
enquadram-se no conceito de deficiente físico previsto no Decreto n.° 3.
298/99 regulamentador da Lei n.° 7.853/89 autorizando tratamento
diferenciado em concurso público para conferir aos recorrentes as vagas
destinadas aos portadores do deficiência" (fl. 226).
É o relatório.
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EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DEFICIENTE VISUAL. VISÃO
MONOCULAR. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA
RESERVA DE VAGA. ILEGALIDADE. RECURSO
PROVIDO.
I - A deficiência visual, definida no art. 4º, III, do
Decreto nº 3298/99, não implica exclusão do benefício
da reserva de vaga para candidato com visão
monocular.
II - "A visão monocular cria barreiras físicas e
psicológicas na disputa de oportunidades no mercado
de trabalho, situação esta que o benefício da reserva
de vagas tem o objetivo de compensar" .
III - Recurso ordinário provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: O recorrente impetrou
mandado de segurança em razão da exclusão de seu nome da concorrência às vagas
destinadas aos portadores de deficiência física. Essa decisão baseou-se em laudo médico o
qual assim concluiu:
"DRAILTON DARLAN SILVA GOUVÊA
Paciente foi por mim examinado para Exame Admissional, do ponto de vista
ocular.
A acuidade visual direita do paciente, com a correção óptica, é igual a 1
(20/20).
Portanto trata-se de paciente com amaurose (cegueira) esquerda, com visão
máxima, com correção, no olho direito, não se enquadrando como deficiente visual" (fl. 45)
Da análise desse documento é incontestável que o recorrente possui visão em
apenas um dos olhos e que os critérios utilizados para a conclusão de que este não se
enquadra como deficiente visual são os constantes do Decreto nº 3.298/99. Eis o que dispõe
esse regulamento:
"Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
(...)
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no
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melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual
entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a
somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60 o; ou a
ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;" (Redação dada pelo Decreto nº
5.296, de 2004).
Uma interpretação literal desse dispositivo confirma o argumento dos
recorrente de que esses critérios dirigem-se aos deficientes que possuem visão em ambos os
olhos, caso contrário, sem sentido a afirmativa: "no melhor olho" . Eis o argumento:
"Portanto, o Decreto é claro como água ao mencionar '...melhor olho...'
figurando bem lucidamente que, os parâmetros do referido Diploma Legal, devem ser usados
em pessoas que tem visão em dois olhos, o que não é o caso dos Recorrentes, o que se leva a
concluir o engano cometido: os Recorrentes não figuram como abrangidos pelos termos
deste decreto, simplesmente por serem cegos em um dos olhos, ou seja, não possuem um
melhor olho, mas sim um único olho em condições deficientes de visão." (fl. 196)
Mesmo que não nos prendamos a literalidade dos enunciados, a conclusão será
a mesma, ao considerarmos a finalidade da própria norma que impõe a reserva de vagas aos
deficientes. Nesse sentido, o e. Desembargador Federal JOÃO BATISTA MOREIRA
examinou a questão em caso análogo:
"É razoável o ato da Administração que excluiu o impetrante da classe de
deficiente, para efeito de reserva de vaga, condição em que, por possuir visão monocular,
pretendeu participar do Curso de Formação para Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, após,
também na condição de deficiente, classificar-se na primeira etapa do concurso? Esta é a
questão a ser decidida no presente mandado de segurança.
Na 1ª Turma, quando juiz-convocado, fui relator de semelhante processo de
mandado de segurança, votando nos seguintes termos:
...
O ato foi praticado com base em parecer da Junta Médica Nacional do
Ministério da Fazenda, segundo o qual portadores de visão monocular não são deficientes
para efeito de concorrência à reserva de vagas e porque, conforme manifestação da
Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência,
deficiência visual é a perda ou redução de capacidade visual em ambos os olhos em caráter
definitivo e que não possa ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes e tratamento
clínico ou cirúrgico.
O recorrente não tem, totalmente, a visão de um olho, tendo sido excluído da
categoria de deficiente porque a visão do outro olho é perfeita.
Há que se estabelecer distinção entre a pessoa plenamente capaz, o deficiente
e o inválido. O deficiente é o sub-normal, o meio-termo. É a pessoa que, não sendo
totalmente capaz, não é, todavia, inválida, porque ser for inválida nem poderá concorrer a
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cargo público.
Se assim não for considerado, estará criada uma contradição: exige-se que o
deficiente, para ingressar no serviço público, tenha condições mínimas de desempenhar as
atribuições do cargo, mas, ao mesmo tempo, equipara-se a deficiência à invalidez.
O objetivo do benefício da reserva de vaga é compensar as barreiras que tem
o deficiente para disputar as oportunidades no mercado de trabalho. Não há dúvida de que
uma pessoa que enxergue apenas de um olho tem dificuldades para estudar, barreiras
psicológicas e restrições para o desempenho da maior parte das atividades laborais.
Destaco que não está sendo julgada a concessão de um benefício
previdenciário, mas uma situação em que a pessoa irá prestar serviços à Administração em
troca de vencimentos. O deferimento do pedido trará vantagens, ao contrário de prejuízo, à
Administração, uma vez que estarão sendo recuperadas as despesas feitas com o apelante no
curso de formação. Além disso, pelo que mostra a realização de sucessivos concursos para
Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional, há centenas de vagas para o cargo, de modo que é
improvável a existência de prejuízo real até mesmo para outros concorrentes ao cargo.
Voto pelo provimento do recurso, reformando a sentença para deferir a
segurança.
...
Esse ponto de vista foi acolhido por unanimidade, mas senti certa vacilação,
algum tempo depois, no instante em que trouxe outro processo em que o mesmo candidato
pleiteava a nomeação. Aqui, fui vencido, porque os outros dois juízes entenderam que, ainda
não transitada em julgado a primeira decisão, não se poderia nomear provisoriamente.
Continuo pensando, a partir da distinção entre o deficiente e o inválido, que a
visão monocular é, sim, motivo bastante para o enquadramento de candidato a concurso
público na classe de deficiente, para efeito de reserva de vaga. Pode não ser deficiência para
outros fins, como a aposentadoria por invalidez, mas se fossem equiparadas as duas
situações estaria criada aquela contradição.
Não classifico a questão sequer como duvidosa, porque, se o fizesse, teria, por
conseqüência, que manter o ato administrativo, tendo em vista sua carga discricionária (No
ato administrativo predominantemente discricionário, havendo dúvida sobre a adequação
dos motivos ao objeto, deve-se prestigiar a opção administrativa)." (TRF1, Apelação em
Mandado de Segurança n. 1998.01.00.061913-2/DF, DJ 16.11.2001)
Ademais, o recorrente demonstrou (fls. 48/60) que foi aprovado em outros
concursos públicos nas vagas reservadas a deficientes.
Com efeito, a questão jurídica objeto deste recurso ordinário refere-se à
adequação ou não dos critérios previstos no Decreto nº 3.298/99 à espécie, tendo em vista a
peculiaridade do caso concreto (visão monocular). Esse exame não invade eventual
discricionariedade administrativa, já que se trata de análise acerca da legalidade, a partir da
aplicação ou não de determinada disposição normativa.
No caso dos autos, o fato considerado para tanto é incontroverso, qual seja, a
visão monocular do recorrente, a qual está devidamente comprovada e sequer é contestada
pelo recorrido.
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Dessa forma, seja em razão da literalidade da norma (Decreto nº 3.289/99, art.
4º, III), seja em razão do exame da própria finalidade da disposição da reserva de vagas para
deficientes, entendo que a visão monocular é motivo suficiente para o enquadramento do
recorrente como deficiente, para efeito de reserva de vaga.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso ordinário.
É o voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2004/0170853-2
RMS
19291 / PA
Número Origem: 2003300691
PAUTA: 13/02/2007
JULGADO: 15/02/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
ADVOGADO
T. ORIGEM
IMPETRADO
RECORRIDO
:
:
:
:
DRAILTON DARLAN SILVA GOUVEA
RICARDO LUIZ OLIVEIRA DO CARMO E OUTROS
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
DESEMBARGADORA PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARÁ
: ESTADO DO PARA
ASSUNTO: Administrativo - Concurso Público - Deficiente Físico
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília, 15 de fevereiro de 2007
LAURO ROCHA REIS
Secretário
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