Caso da Ortopé Mostra que Capacidade de Inovar Aproxima a Justiça
da População
Flavio Portinho Sirangelo
Juiz do Trabalho
O fechamento das portas da fábrica de calçados Ortopé, ocorrido no começo deste ano, abalou a
estrutura sócio-econômica da pacata cidade serrana de São Francisco de Paula. De uma hora para a
outra, cerca de 4% da população total da cidade, estimada em 16 mil pessoas, ficou desempregada,
situação que se refletiu na comunidade como um todo. Sensibilizada com a situação dos 600
operários que trabalhavam na fábrica até março, quando a empresa deixou de operar sem honrar as
obrigações trabalhistas, a Justiça do Trabalho foi ao encontro desses trabalhadores.
Na década de 1980, a Ortopé chegou a ser a maior produtora de calçados infantis do Brasil. Durante
muito tempo, produzia e exportava produtos de alta qualidade. De alguns anos para cá, com
sucessivas alterações nas estruturas das empresas, outros proprietários passaram a produzir e utilizar
o maquinário da antiga Ortopé, acarretando o aumento substancial do passivo trabalhista,
notadamente pelo reiterado não-recolhimento do FGTS dos trabalhadores e de contribuições
previdenciárias.
Em janeiro deste ano, os 600 funcionários da empresa obtiveram férias, já com dois meses de
salários atrasados. Durante esse período, receberam o comunicado de que a fábrica seria fechada,
sem receber os salários atrasados e nenhum outro direito. Diante da difícil situação e do grande
número de trabalhadores sem os seus direitos reconhecidos, a Justiça do Trabalho foi provocada e
respondeu com agilidade.
Os Juízes das Varas do Trabalho de Gramado foram sensíveis ao drama social e não se limitaram a
esperar, passivamente, que centenas de reclamações individualizadas de trabalhadores enchessem as
suas mesas de trabalho e seguissem, cada uma delas, o lento percurso convencional. Passaram eles a
realizar audiências itinerantes na própria cidade de São Francisco de Paula, servindo-se de
instalações da sede da Prefeitura Municipal, nos meses de maio, junho e julho. A medida facilitou o
acesso dos trabalhadores-desempregados à Justiça. Só nos dias 17 e 18 de julho, 160 audiências
foram realizadas. Os trabalhadores estavam em dificuldade financeira até mesmo para se deslocar
até Gramado, município sede do Foro Trabalhista mais próximo e distante aproximadamente 40
quilômetros de São Francisco.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), por meio da Corregedoria Regional,
contribuiu para o sucesso da iniciativa ao viabilizar uma espécie de força-tarefa, agilizando a
tramitação das mais de 1.000 reclamatórias ajuizadas contra as empresas do grupo Ortopé. Houve a
designação de um Juiz Auxiliar para colaborar com os Juízes Titulares de Gramado no
processamento das causas da Ortopé, que foram concentradas na 2ª Vara do Trabalho de Gramado.
A equipe do Serviço de Apoio Temporário (SAT), criada há mais tempo pelo Tribunal para atuar
nesse tipo de situação, cumpriu com a sua missão em Gramado. Durante duas semanas, o pessoal do
SAT auxiliou na agilização dos processos. Sem esse apoio, é provável que os processos envolvendo
a Ortopé levassem mais de um ano para serem solucionados.
Se é certo que esse modo de gestão do movimento judicial não é inédito, é preciso reconhecer:
medidas que se mostram, ao mesmo tempo, simples e corajosas, e que propiciam o acesso da
população à Justiça geram efetividade judicial. Ao agir assim, os Juízes das Varas do Trabalho de
Gramado cumpriram com o dever que a Constituição impõe à Administração Pública de atuar com
eficiência e garantiram àqueles que são titulares de direitos o benefício de poder usufruí-los em
tempo razoável. Nos dias atuais, em que o despreparo a incapacidade gerencial de muitos setores da
Administração Pública do Brasil se expõem de forma dramática e surpreendente, tudo o que é bem
planejado e executado com profissionalismo deve ser aplaudido. Como salientou o Prefeito de São
Francisco de Paula, Décio Antônio Collla, lembrando do recente fechamento de diversos
estabelecimentos comerciais: “Não é fácil para uma cidade do porte da nossa administrar a perda de
seu maior empregador, caso da Ortopé. Por isso, a atuação ágil da Justiça do Trabalho está sendo de
vital importância para o município como um todo”. E arrematou: “Sem a realização dessas
audiências trabalhistas, as pessoas permaneceriam amarradas até para procurar outro emprego
porque as carteiras de trabalho estavam pendentes sem registro de rescisão, que dirá ter condições
para pagar as contas.”
Há muito anos que os estudos feitos para analisar o funcionamento do Judiciário apontam, de modo
invariável, para algumas conclusões simples e que indicam a necessidade de mudar procedimentos e
de atender o clamor por acesso à Justiça e efetividade da prestação jurisdicional. Se não tiver o
reconhecimento da população de que é capaz de prover tais necessidades, o Judiciário se enfraquece
e, junto com ele, se fragiliza a própria democracia. Por isso é que se deve reconhecer a importância
de ações modernizantes como estão sendo as iniciativas dos Juízes das Varas do Trabalho de
Gramado no caso da Ortopé. (Jornal O Sul, Caderno Colunistas, 29/07/2007)
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