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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DIRETORIA DE CONTROLE DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES
INSPETORIA 2
DIVISÃO 4
PROCESSO
UNIDADE GESTORA
INTERESSADOS
ASSUNTO
RELATÓRIO
RPL 08/00314557
Prefeitura Municipal de Florianópolis
Karxan Comércio de Confecções Ltda ME; Leal Comércio
de Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio
de Calçados Ltda. ME e Comércio de Confecções Riomar
Ltda. ME.
Representação com fulcro no art. 113, § 1º Lei n.
8.666/93.
DLC/INSP2/DIV4 Nº 261/2008
1. Introdução
Trata-se de Representação encaminhada a este Tribunal de Contas
com amparo legal no art. 113, § 1º da Lei (Federal) n. 8.666/93, a ser analisada
por esta Diretoria de Licitações e Contratações por força do art. 25, VII, da
Resolução n. TC-10/2007.
A representação foi protocolada sob o nº 10300 em 05 de maio do
corrente ano, sendo autuada sob nº REP 08/00314557.
Karxan Comércio de Confecções Ltda ME; Leal Comércio de
Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio de Calçados Ltda. ME e
Comércio de Confecções Riomar Ltda. ME, através de seu representante legal
devidamente habilitado, REPRESENTAM contra o lançamento do Edital n.
177/SADM/DLCC/2008 da Prefeitura Municipal de Florianópolis, na modalidade
Concorrência Pública, do tipo “Melhor Oferta Financeira” pela aquisição do ponto
comercial denominado “box”, mediante Concessão, a título oneroso, para
selecionar empresas para explorarem comercialmente os espaços (box) públicos
do Mercado Público Municipal de Florianópolis, localizados na Rua Conselheiro
Mafra.
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Integram a representação em comento os documentos de fls. 19/120.
O Edital n. 177/SADM/DLCC/2008 foi objeto de análise por esta
Diretoria, bem como pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, através do
Processo n. ELC 08/00242203, onde restou exarada a Decisão Preliminar n.
931/2008, de 30 de abril de 2008.
Em síntese, os Representantes alegam:
a) a nulidade do processo licitatório e futuros contratos decorrentes,
em razão da ausência de autorização legislativa para a concessão do bem
público, infringindo, assim, ao disposto no art. 15 §1º da Lei Orgânica do Município
de Florianópolis - LOM – onde consta que a concessão administrativa de bens
públicos de uso especial dependerá de lei e concorrência, e far-se-á mediante
contrato; e
b) a imprestabilidade da Lei (Municipal) n. 7.283, de 14 de março de
2007, como pressuposto necessário e obrigatório à concessão de uso do bem
público, devido a alegada inconstitucionalidade (objeto de proposição de Ação
Declaratória de Inconstitucionalidade em trâmite junto ao Tribunal de Justiça de
Santa Catarina) além de não consubstanciar, em seus sentido técnico, jurídico e
finalístico a autorização para a concessão do bem.
Por fim, requereram, com fulcro no art. 63, § 1º e VII da Lei
Orgânica Municipal, a suspensão do processo licitatório, em caráter de urgência,
com fundamento nas razões anteriormente apontadas, assinando prazo para que
os signatários do edital (Diretor Geral de Licitações, Contratos e Convênios e
Secretário Municipal da Administração) adotem as providências necessárias, com
a pronta anulação do processo de licitação, a ser subseguida de elaboração de
projeto de lei para encaminhamento à Câmara de Vereadores, pelo Chefe do
Executivo Local, dispondo sobre a autorização para a concessão de uso das
unidades comerciais do Mercado Público de Florianópolis, mediante processo de
licitação na modalidade concorrência.
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2. Preliminar de admissibilidade
Preliminarmente, cabe analisar o atendimento aos pressupostos de
admissibilidade da Representação à luz do artigo 2º da Resolução n. TC 07/20021. Nesse sentido, restam atendidos os requisitos legais, motivo pelo qual
se passa a análise do mérito da Representação.
3. Análise
3.1
Nulidade
do
processo
licitatório
e
futuros
contratos
decorrentes, em razão da ausência de autorização legislativa para a
concessão do bem público, infringindo, assim, ao disposto no art. 15 § 1º da
Lei Orgânica do Município de Florianópolis - LOM – o qual prevê que a
concessão administrativa de bens públicos de uso especial dependerá de lei
e concorrência, e far-se-á mediante contrato. Imprestabilidade da Lei n.
7.283, de 14 de março de 2007, que dispõe sobre a renovação dos contratos
de concessões de dependências do Mercado Público Municipal, para
autorizar a outorga da concessão.
No que concerne ao uso de bens públicos municipais de uso especial
por terceiros o § 1º do art. 15 da LOM de Florianópolis preconiza:
Art. 15 O uso de bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante
concessão, permissão ou autorização, conforme o caso, e quando
houver interesse público devidamente justificado, sob pena de nulidade
do ato.
§ 1º - A concessão administrativa, de bens públicos de uso especial e
dominiais dependerá de lei e concorrência e far-se-á mediante contrato.
1
Disciplina o processamento da Representação formulada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
com fundamento da Lei n. 8.666/93.
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Em decorrência do preceito legal, os Representantes alegam que o
processo licitatório referente ao Edital n. 177/SADM/DLCC/2008 é nulo, tendo em
vista que a licitação, na forma de concessão de uso, do Mercado Público
Municipal (bem de uso especial) por terceiros depende de lei autorizativa expedida
pela Câmara Municipal, o que não existe no caso em tela. Amparou seu
entendimento acerca do assunto em diversos doutrinadores que discorrem acerca
da necessidade de autorização legislativa para a validade da concessão de uso.
3.1.1 Da Lei (municipal) 7.283 de 14/03/2007.
Cabe registrar a necessidade de uma análise sistêmica da norma,
neste caso, do art. 15, § 1º da LOM de Florianópolis.
A hermenêutica ensina que nenhum artigo, inciso, parágrafo ou
alínea deverá ser interpretado de forma isolada, devendo ser interpretados sob a
ótica sistêmica.
A interpretação sistemática analisa a norma considerando que o
Direito é um conjunto de princípios e regras, coordenados entre si, que não
funciona isoladamente, mas integra uma estrutura organizada.
Na lição de Luiz Roberto Barroso2:
O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições
legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos
coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. A
interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do
ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo
a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular,
estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e
as normas jurídicas.
2
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2ª ed., Ed. Saraiva, 1998, p. 127
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Tem-se que os preceitos normativos não podem ser avaliados
isoladamente, pois necessitam de uma percepção harmônica, para que o
intérprete volte-se para o sistema jurídico em que estejam incluídas.
Como se viu, a LOM de Florianópolis determina que a concessão
administrativa de bens públicos de uso especial dependerá de lei e concorrência e
far-se-á mediante contrato.
Nesse diapasão, faz-se mister perquirir qual o intenção do
mandamento legal.
Entende-se que é dar ciência à Câmera Municipal da
pretensão do Executivo em licitar o espaço público mediante concessão, para que
o Colegiado Municipal possa, no caso concreto, se manifestar a respeito,
aprovando ou não a concessão.
Pois bem. Sob este contexto restou aprovada pela Câmara
Municipal a Lei n. 7.283, de 14 de março de 2007, que dispõe sobre a renovação
dos contratos de concessões de dependências do Mercado, a qual, por sua vez,
os Representantes alegam ser “imprestável” para o implemento da concessão e
“inconstitucional, sem dúvida alguma” pois “teve por escopo, nos mesmos moldes
do Decreto n. 2.767, de 2004, assim também estigmatizado pelo Ministério
Público, na ação civil pública já noticiada e no Acórdão proferido no Agravo de
Instrumento n. 2006.001488-7, da Capital (...)”
Sem adentrar no mérito da constitucionalidade ou não da Lei n.
7.283/2007 é inegável que através dela a Câmara Municipal autorizou o Executivo
a outorgar a concessão de uso do Mercado Público, pois conforme preceitua seu
art. 1º, “Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a proceder a renovação dos
contratos de concessões das dependências (Box) do Mercado Público Municipal
pelo período de 15 (quinze) anos”.
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Sob este prisma, a Lei (Federal) n. 9.868, de 10/11/1999, previu em
seu artigo 28, parágrafo único, a possibilidade da declaração parcial de
inconstitucionalidade de uma lei. Sob esta égide, esclarece Juliano Taveira
Bernardes3:
Quanto ao objeto, a inconstitucionalidade parcial pode ser
entendida [12]: (1) num sentido amplo, em que o caráter parcial da
inconstitucionalidade é aferido em face da totalidade de um
mesmo diploma normativo [13]; ou (2) num sentido restrito, no qual
a índole parcial da inconstitucionalidade é contrastada em função
da totalidade de um único dispositivo que possa ser decomposto
em mais de uma norma. Neste último caso, a inconstitucionalidade
parcial divide-se ainda em: (2.a) horizontal, se a declaração de
inconstitucionalidade gera efeito ablativo de expressões
lingüísticas contidas no texto do dispositivo impugnado, com o
aproveitamento do restante do texto na extração de norma(s)
válida(s); ou (2.b) vertical (ou qualitativa), hipótese em que a
declaração de inconstitucionalidade, sem afetar ou reduzir o texto
do dispositivo, repercute sobre alguma(s) interpretação(ões) que
dele se extrai(em), tal como ocorre na declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto.
Em que pese os termos em que referida autorização restou
configurada na Lei, a autorização para concessão do espaço público existe.
3.1.2 Da Lei (municipal) n. 7.255, de 28/12/2006
– Lei
Orçamentária Anual.
Além do já exposto, da análise do compêndio legal da Câmara
Municipal, extrai-se da Lei Orçamentária Anual de Florianópolis referente ao
exercício de 2007, Lei 7.255 de 28/12/2006, (Anexo 2 – Receitas segundo a
categoria econômica – Consolidada) a autorização do Colegiado para o Município
3
Juiz federal em Goiás, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, mestre em
Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB), ex-membro da magistratura e do Ministério Público
do Estado de Goiás, membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC). Em: “Declaração
Parcial
de
Inconstitucionalidade
Formal
e
seus
limites”.
Disponível
em
www.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9397.
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auferir receita da permissão de uso do Mercado (Anexo 1). Partindo de um
contexto lógico, a utilização do bem por terceiro está deferida, haja vista a
autorização legislativa para a obtenção de renda sobre seu respectivo uso. A
própria lei orçamentária é uma lei autorizativa.
Segundo Emerson Pires4, em seu artigo “Orçamento Público
Brasileiro”:
O orçamento público é um dos principais instrumentos de
planejamento das ações de governo. É um plano público que exige
ações planejadas e responsáveis na aplicação dos recursos
públicos. Mas o orçamento também é um instrumento
democrático, objeto de um projeto de lei encaminhado pelo
chefe do Poder Executivo ao Poder Legislativo, requerendo,
dessa forma, a aprovação prévia dos parlamentares. (...) É
uma lei autorizativa, uma vez que não obriga o Poder Executivo a
cumprir o que foi planejado, podendo o Chefe do Poder Executivo,
inclusive, contingenciar o orçamento, sem consultar o Poder
Legislativo.
Nos termos expostos pelo consultor legislativo André Eduardo da
Silva Fernandes5:
De fato, o orçamento é uma lei autorizativa pela qual o Parlamento
delega ao Poder Executivo as condições materiais (financeiras)
para que este possa realizar sua missão institucional, delimitada
pela Constituição e pela ordem econômico-social existente em um
determinado momento histórico.
4
Coordenador do curso de Administração da Universidade do Amazonas, Coordenador do curso de
Administração do Centro Universitário Nilton Lins , Chefe do Departamento do curso de Administração da
Universidade do Amazonas, Pró-Reitor de Administração da Universidade do Amazonas, Conselheiro do
Conselho Universitário da Universidade do Amazonas, Conselheiro do Conselho Regional de
Administração, Conselheiro do Conselho Federal de Administração, Membro do Conselho de Ética em
Pesquisa do Centro Universitário Nilton Lins, Conselheiro do Conselho Fiscal da Fundação HEMOAM
Avaliador “ad hoc” do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, Pró-Reitor de Administração e
Planejamento do Centro Universitário Nilton Lins e Consultor do governo do estado do Amazonas.
Disponível em www.politic.com.br. Consulta em 03/06/2008.
5
Estudo n. 57/1998. Análise Orçamentária e Financeira do Estado do Paraná: Um estudo comparativo do
Balanço
de
1997
com
o
Balanço
de
1998.
Disponível
em
www.senado.gov.br/web/senador/odias/Trabalho/Pareceres/Pareceres/Parecer1997/
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A interpretação estritamente literal do disposto no § 1º do art. 15 da
LOM poderia conduzir a nulidade do processo licitatório. Todavia, a simples
interpretação literal não fornece, na maioria das vezes, o verdadeiro sentido da
norma. Partindo do pressuposto de que a maneira de identificar a vontade do
legislador não está inserida apenas na letra de cada um de seus dispositivos,
dependendo, portanto, de uma análise sistêmica e da lógica do razoável torna-se
inegável que a Câmara de Municipal de Florianópolis referendou o ato da
concessão do Mercado Público através da Lei n. 7.283/2007.
Não se pode ser positivista ao extremo, a chegarmos ao ponto de
não vermos aquilo que está na nossa frente, manifestado através de lei, apenas
por não se tratar de uma lei específica que viria a permitir aquilo que já foi
referendado em oportunidade legislativa pretérita.
Arrimado nessa linha da doutrina hermenêutica, em que se interpreta
a lei segundo seus fins, e, ainda, na noção da "lógica do razoável", impõe-se que
se procure o alcance do disposto no § 1º do art. 15 da Lei Orgânica, dentro do
contexto da própria norma legal e da finalidade real para a qual foi editada:
autorizar a outorga da concessão do Mercado Público Municipal.
4. Conclusão
Diante do exposto, respeitada sempre a decisão maior do Tribunal
Pleno desta Corte de Contas, SUGERE-SE ao Excelentíssimo Senhor Relator do
processo em tela:
4.1 Conhecer da Representação formulada para, em seu mérito,
negar-lhe acolhimento, haja vista a Câmara Municipal de Florianópolis já ter
referendado o ato da concessão de uso do Mercado Público Municipal através da
aprovação da Lei n. 7.283, de 14 de março de 2007 da Lei Orçamentária Anual de
Florianópolis referente ao exercício de 2007, Lei 7.255 de 28/12/2006, (Anexo 2 –
Receitas segundo a categoria econômica – Consolidada);
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4.2 Dar ciência da Decisão deste Tribunal, do relatório e voto do
Relator que a fundamentam:
4.2.1. aos Representantes Karxan Comércio de Confecções Ltda
ME; Leal Comércio de Calçados Ltda., GDV Calçados Ltda; OMF Comércio de
Calçados Ltda. ME e Comércio de Confecções Riomar Ltda. ME, através de seu
representante legal, conforme procuração as fls. 20/21 dos autos;
4.2.2. ao Exmo. Sr. Juiz de Direito da Unidade da Fazenda Pública
da
Comarca
da
Capital,
haja
vista
a
concorrência
pública
n.
177/SADM/DLCC/2008 ora questionada pelos Representantes se dar em
cumprimento a determinação judicial exarada nos autos do Processo n.
023.05.052226-7, oriunda da decisão do Tribunal de Justiça no julgamento do
Agravo de Instrumento n. 2006.001488-7, conforme preâmbulo daquele edital.
É o Relatório.
DLC/INSP2/DIV4, em 04 de junho de 2008.
Otto Cesar Ferreira Simões
Coordenador da Inspetoria 2
À elevada consideração do Exmo. Sr. Relator, ouvido, preliminarmente, o Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas.
DE ACORDO,
DLC, em ___/__/2008
Edison Stieven
Diretor
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