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N
Ferraz
Atenção! Sabe aquele mocinho das histórias românticas e melosas que
você adora ler? Isso mesmo, aquele com o cabelo despenteado pós-foda, olhos
azuis, uma pele morena clara sem nenhum tipo de imperfeição e um corpo que
faz virar qualquer pescoço? Pasme! Ele existe. E adivinha?! Sou eu. Espantada?
Curiosa? Excitada? Talvez até molhada? (Se para essa última pergunta a sua
resposta foi negativa, não se preocupe, pois esse momento vai chegar.)
Meu nome é Alexandre Mendes Ferraz. Os mais íntimos me chamam de
Xande ou Alê, tanto faz. No ambiente profissional, limite-se a dr. Ferraz, mas se
for entre quatro paredes, prefiro que me chame de... de... Foda-se! Entre quatro
paredes, seu cérebro nem vai lembrar quem você é. O que dirá o meu nome.
Arrogante? Talvez. Confiante? Sim. Modéstia à parte, eu sei do que sou
capaz.
Tenho 35 anos, sou um renomado advogado criminalista e tenho um
escritório que leva o meu nome, o do meu pai e o do meu irmão mais novo,
Diego. Vou pular a parte da apresentação em que digo que Diego é uma cópia
autêntica minha. Porém, mais novo e mais romântico. Ele também vai ter seu
momento.
Mas agora você deve estar se perguntando por que eu, este monumento
todo que lhe foi apresentado, estou parado em frente a um prédio, sentado em
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meu carro, chorando como um bebê abandonado e olhando para este maldito
bilhete em minhas mãos, além de ter em minha cabeça pensamentos homicidas. Vai por mim. Eu também estou me fazendo essa pergunta.
Porém, não vou esconder nada. É tudo culpa dela! Maldita! Filha da mãe!
Implicante! Arrogante! Dissimulada! Provocadora! Gostosa! Linda! Inteligente!
E a boca? Aqueles lábios carnudos... Epa! Epa! Pode parar por aí, Alê, você estava
xingando a maldita e agora está elogiando ela? Concentre-se.
Bom, continuando de onde parei. Essa... essa... mulherzinha sobre a qual
acabei de despejar todos os meus sentimentos se chama Clara (até o nome da
infeliz é perfeito).
É uma conspiração, só pode ser!
Há sete meses que essa maldita vem atormentando a minha vida.
Sete meses antes
— Ferraz! — brado ao telefone, não queria ninguém me incomodando
naquele dia.
— Humm! Desculpa, dr. Ferraz, sei que pediu para não ser incomodado,
mas seu pai está na linha e disse que precisa falar com o senhor urgente. Ele
tentou seu celular, mas disse que está desligado.
Sentei em minha cadeira e a inclinei o máximo possível para ter um
pouco de conforto, algo me dizia que eu teria um dia difícil.
— Ana, se meu telefone está desligado, é justamente porque eu não
quero falar com ninguém, e isso inclui meu pai — argumentei com minha
secretária. Deus! Meu pai está aposentado, não há necessidade de ligar para o
escritório a cada meia hora.
— Sim, dr. Ferraz, eu passei o recado para o dr. Nelson, mas acho que
ele não ficou muito contente e pediu para dar ênfase ao “urgente”. — Ana
tentava disfarçar a preocupação em sua voz, mas era inútil, eu podia perceber
que ela estava ficando constrangida com a insistência do meu pai. Liguei meu
computador, enquanto pensava se atenderia ou não.
— Ok! Ok! — Quando papai diz que é urgente, vai por mim, o assunto
pode esperar por mais uma semana, no mínimo.
— Oi, papai, como vão as férias? Sei, sei. Claro que é frio na Argentina,
papai, vocês estão em uma estação de esqui, queria o quê, 40 graus? — soltei
uma risada. Desde que se aposentou da vida jurídica, meu pai resolveu viajar
pelo mundo. O único problema é que ele detesta frio, mas ama minha mãe,
resumindo: se ela pedir para ele comprar uma passagem para o Polo Sul, os
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pinguins que os aguardem, pois o Polo Sul será a próxima parada deles. Nunca
vi homem mais apaixonado.
— Papai, eu tenho um monte de processos para analisar. Então, por
favor, vá direto ao ponto. — Puxei uma caneta e fiquei fazendo rabiscos aleatórios em um bloco de notas, enquanto meu pai me perguntava se eu já tinha
analisado o currículo da estudante que ele havia me enviado.
A menina é uma grande amiga da minha irmãzinha Priscila e precisa de
horas complementares de estágio supervisionado para se formar. Pelo menos
foi isso que ouvi meu pai dizer enquanto almoçavámos juntos na semana passada, pois logo minha atenção se voltou para a bela morena que estava na mesa
ao lado.
— Pai, me livra dessa, eu odeio estagiário a minha volta e você sabe
disso. — Olhei para o teto, enquanto procurava argumentos para convencer
meu pai. — E não me venha com aquela ladainha toda de que um dia eu
também fui estagiário e que eles precisam de uma oportunidade para aprender
e blá-blá-blá. — Pensei no quanto Prí ficaria chateada comigo e resolvi tentar
amenizar a situação. — Não estou negando o trabalho à garota, só peço que a
coloque com outro advogado do escritório. Inferno! Coloque-a com o Diego.
— Suspirei chateado. Um estagiário pegando no meu pé é o que menos preciso
agora. — Claro que eu olhei o currículo dela. — Por favor, Deus, perdoe mais
essa mentira. — É impressionante, por isso digo que ela e Diego se darão bem.
Enquanto falava com meu pai e tentava convencê-lo de que não queria
perder tempo com uma adolescente universitária, ouço duas batidas na porta e
sabia que era Ana. Ela tem a minha idade, ou um pouco menos talvez, estatura
média, cabelos lisos e olhos castanhos bem expressivos, mas a maior qualidade
da Ana é que ela nunca tentou dar em cima de mim: o que é o meu maior
problema ao contratar uma secretária. Tapei o telefone com as mãos e lhe dei
permissão para entrar.
— Dr. Ferraz, desculpe interromper — seu tom de voz um pouco relaxado contrastava com sua postura séria —, mas tem uma moça na recepção
que diz ter uma reunião com o senhor agora, às nove e meia. Como não fui
informada de nada, achei melhor vir verificar.
De repente, um estalo surge na minha cabeça.
— Ana, qual o nome dela?
— Maria. Ela também mencionou o nome do seu pai.
Inferno! A estagiária está aqui.
— Por favor, Ana. Peça a ela para aguardar.
Respirei fundo, tentando conter minha raiva, e voltei ao telefone.
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— Papai, me diga por que tem uma menina na minha recepção me
aguardando para uma entrevista que nem eu mesmo sabia que existia? — perguntei ríspido.
— Pois é, Alexandre. Tenho certeza de que se você tivesse lido o e-mail
que lhe enviei, com o currículo da moça, você estaria ciente dessa reunião, pois
tratei desse assunto no final da mensagem — meu pai disse de forma acusatória. Putz, fui pego em flagrante!
— Desculpe, papai. Está certo, pode ser que eu tenha passado pelo e-mail mais rápido do que deveria.
— Alexandre, vamos fazer o seguinte: vou fingir que acredito que você
ao menos leu o currículo da amiga da Prí e você vai se preparar para essa entrevista com a mente e o coração abertos.
— Tudo bem então, papai. — Respirei fundo e balancei a cabeça, sem
acreditar no que estava prestes a dizer. — Eu prometo dar a devida atenção à
senhorita estagiária. — Me ferrei. — Manda um beijo para a mamãe e para
de reclamar do frio, ninguém mandou você fazer todas as vontades da dona
Graça: agora aguenta!
— Ah, filho, um dia você vai aprender que nada faz um homem mais
feliz nesta vida do que agradar à mulher que se ama. — Só no dia de São
Nunca, pensei.
Após me despedir de meu velho pai, eu me preparei mentalmente para
aquela entrevista. Maria... Que nome mais antiquado! Quem no século XXI
ainda tem esse nome? Ela deve ter o quê? Quinze, dezesseis anos? Inferno!
Uma criança a minha volta! Aposto que vai querer comprar milk-shake para o
lanche. Era só o que me faltava.
Percebendo que não havia escapatória, liguei para a recepção.
— Ana, peça à menina para entrar e não saia da recepção. — Fiz uma
pausa. — Provavelmente, você vai ter que lhe mostrar como gosto do meu café.
— Tá aí, fazer o meu café é um serviço que talvez essa garota possa aprender.
Ana pigarreou como se estivesse desconfortável. Por que ela estaria incomodada? Sei que ela tem um pouco de medo de mim, mas que se dane. Todos
no escritório sabem que sou um chefe rigoroso.
— Sim, dr. Ferraz, ela já está a caminho — Ana respondeu.
Brincando com os meus polegares, esperei pacientemente a menina chegar à minha sala. Porém, nada que eu tivesse feito poderia ter me preparado
para o que eu vi.
Ana bateu na porta, eu me levantei. Minha secretária encaminhou a garota para dentro da sala e... AI, MEU DEUS, COMO ESTOU FODIDO!!!
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Clara
Eu estava sentada na recepção de um dos melhores escritórios de advocacia do país, aguardando uma entrevista com o dr. Alexandre Ferraz.
Quando tranquei a faculdade para fazer um curso de inglês no Canadá,
meus pais não ficaram muito satisfeitos, porém apoiaram minha decisão, porque quanto mais conhecimento melhor, não é mesmo? Mal sabiam eles que,
na verdade, abandonei o curso e fui para a Europa em turnê com o cantor pop
Dereck Mayer. Ainda ouço sinos quando me lembro desse nome. Dereck é
filho de brasileiros, mas nasceu e sempre morou nos Estados Unidos. Eu o conheci em um pub onde estava com minha amiga Laís. Mas, resumindo, se você
me perguntar se vale a pena trancar a faculdade e partir com um cara quase
desconhecido mundo afora, minha resposta vai ser: caro colega, se esse cara se
parecer com o M. Shadows, vocalista do Avenged Sevenfold, for quente como
o inferno e tiver um pau que te faz subir pelas paredes como uma “lagartixa” e
te dá orgasmos tão intensos que você acha que está saindo do seu corpo, sim,
vale a pena.
Se eu aprendi inglês? Depende. Se você acha que a frase “Look at me all the
time while I’m fucking you” vai me abrir alguma porta na vida, sim, aprendi inglês.
Olhe para mim o tempo todo enquanto eu fodo você.
No resto, eu me virei. Dereck falava perfeitamente o meu idioma e me
ajudava muito. Porém, na hora H, meu gatinho se tornava poliglota: eu o deixava tão louco que o cara falava até russo. Arrogante? Talvez. Confiante? Sim.
Modéstia à parte, eu sei da minha capacidade.
Porém, um ano se passou e, apesar de gostar muito do Dereck, eu estava
consciente de que não iríamos nos casar e ter filhos. E viver em uma casinha
amarela com cercado branco não estava nos meus planos. Fala sério! Só de
pensar já sinto o cheiro do mel, de tão pegajosa que essa cena é.
Não me levem a mal. Sou uma versão feminina do homem cafajeste.
Sempre respeito as pessoas, principalmente se são casadas ou comprometidas.
Mas gosto de sexo e vivo da forma mais desprendida possível. Não sou uma
vadia sem escrúpulos, mas não estou a fim de me prender a ninguém.
Apesar desse meu jeito, meio avoada e despreocupada com a vida, sempre fui uma excelente aluna e isso me ajudou muito a retomar a faculdade. Minhas notas eram excelentes, e quando voltei consegui eliminar algumas matérias. Ficou pendente apenas a apresentação das horas de estágio supervisionado
equivalentes a oito meses.
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Isso foi mole para mim. Minha melhor amiga, Priscila, que agora mora
na Espanha com um bofe maravilhoso, diga-se de passagem, é filha do dr.
Nelson Ferraz, um dos advogados criminalistas mais conhecidos no Brasil e até
no exterior. Assim que descobri o que faltava para pegar meu diploma, mandei
um e-mail para Prí pedindo sua ajuda. Ela, animadamente, me respondeu dizendo que entraria em contato com o pai para me indicar a uma vaga na Ferraz
Advogados. Eu poderia tentar encontrar um estágio por conta própria, mas
não sou hipócrita em recusar a ajuda da minha amiga somente pelo orgulho
de conseguir algo por mim mesma. Portanto, aceitei de bom grado a oportunidade, afinal, quase tudo nesse país se consegue através de indicação mesmo.
Acordei com uma disposição incrível, pois era sexta-feira. Eu me vesti
de forma profissional, mas nada careta. Sou extremamente feminina e sempre
gostei de realçar meus atributos. Calça preta social com camisa branca de seda
e colar de pérolas que parava acima do decote em forma de V, nada muito insinuante, mas um modelito que me deixava pronta para uma balada no fim do
dia. Arquivei uma nota mental para me lembrar de ligar para Laís e marcar de
ir ao barzinho no centro da cidade. Fiz uma maquiagem leve, realcei um pouco
meus olhos com bastante máscara para cílios, o que os deixou ainda maiores.
Sempre amei meus olhos cor de mel, esverdeados. Meu cabelo castanho-claro
estava preso em um coque meio bagunçado. Meu cabelo é bem ondulado nas
pontas e meus cachos são realmente lindos, tenho orgulho deles. Olhando para
a minha sapateira, tive dúvidas entre sapatilha com strass ou saltos altíssimos
vermelho-sangue. Adoro sapatilhas, pois já sou bem alta, mas os saltos são
minha arma secreta para impressionar. E eu queria impressionar. Finalizei com
meu perfume favorito! Prontíssima.
O escritório Ferraz fica em um luxuoso prédio no centro. Entrei no elevador, e logo percebi vários olhares de admiração. É sempre bom começar o dia
chamando a atenção masculina: isso levanta a autoestima de qualquer mulher.
Parei no andar dos escritórios Ferraz e me apresentei para a secretária,
que disse não ter sido avisada sobre a minha entrevista. Eu sabia que não seria
recebida pelo dr. Nelson, e sim por seu filho, o dr. Alexandre. O pai da Prí me
ligou pessoalmente comentando sobre sua aposentadoria, mas disse que iria me
deixar em boas mãos.
— Por favor, poderia verificar com o dr. Alexandre? A entrevista foi marcada diretamente com o dr. Nelson, e talvez ele tenha se confundido com o
horário — perguntei apontando para o computador na sua frente.
Claro que se confundiu. Ele deve estar meio velho. Quantos anos ele
teria? Quarenta, quarenta e cinco? No mínimo, deve tomar chá todas as tardes.
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A secretária me deu um olhar de Você está louca, o dr. Alexandre nunca se
engana. Mas foda-se. Preciso desse estágio e não vou arredar o pé daqui até ele
falar comigo.
A mulher me pediu para aguardar e passou por uma enorme porta.
Aguardei ansiosa na recepção. Quando ela voltou e me disse que o dr.
Ferraz me receberia em alguns minutos, eu relaxei. Vi quando a mulher, que
logo eu descobriria que se chamava Ana, travava uma luta ferrenha com a impressora e tentava atender ao telefone ao mesmo tempo. Então, ela colocou o
telefone no viva-voz, para puxar a folha que a maldita máquina havia engolido.
Uma voz grossa e em tom de comando ressoou do aparelho.
Ana, peça a menina para entrar e não saia da recepção. Provavelmente, você
vai ter que lhe mostrar como gosto do meu café.
Filho da puta se ele acha que serei sua moça do cafezinho. Vai sonhando,
velhote.
Ana me deu um olhar de desculpas e me pediu para acompanhá-la.
Quando entrei na sala e vi aquele homem na minha frente, perdi o ar.
Nossa Senhora da Bicicletinha, me dê equilíbrio.
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Ferraz Atenção! Sabe aquele mocinho das histórias românticas e