“OS INTERESSES ECONÔMICO-COMERCIAIS
DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA NOS PAÍSES AMAZÔNICOS”
1
Solange Dias da Silva
OBJETIVO
O presente trabalho tem por objetivo analisar os interesses econômico-comerciais da República
Popular da China (RPC) nos países que firmaram o Tratado de Cooperação Amazônica .
A relevância desta análise está na coordenação dos interesses da RPC - a maior economia dentre
os países em desenvolvimento e um ator de forte influência política no cenário internacional - nos países
da região amazônica.
Assim sendo, primeiramente será resgatada a importância geopolítica dos países da região
amazônica no cenário internacional, bem como a ascensão da RPC como um ator econômico no sistema
internacional. Posteriormente, serão analisados os interesses econômico-comerciais da RPC na região.
Finalmente, a proposta deste trabalho é oferecer uma visão sobre os desafios e oportunidades para
os países da região amazônica a partir dos interesses chineses .
I. A
IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA DOS PAÍSES DA REGIÃO AMAZÔNICA
NO CENÁRIO INTERNACIONAL
A região amazônica está situada geograficamente na América do Sul e pode ser definida como
uma região compartilhada por meio do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA).
O TCA foi firmado em 1977 por razões de defesa regional entre oito países: Bolívia, Brasil,
Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.2 Estes países contemplam cerca de 98 % da
1
2
Pesquisadora do Geap-PUC/SP.
Sendo que cinco países (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) fazem parte do Grupo Andino, formado em 1969.
2
Bacia Amazônica, a mais rica bacia hidrográfica do planeta. O artigo I do TCA determina que os paísesmembros devem buscar o desenvolvimento harmônico dos seus respectivos territórios, visando o
equilíbrio entre crescimento econômico e a preservação ambiental.
Segundo AMAYO ZEVALLOS (2000), a região amazônica possui especificidades históricas que
são compartilhadas pelos países que firmaram o TCA. Assim sendo, AMAYO ZEVALLOS (2003)
considera ainda que é fundamental a compreensão da Amazônia como uma região sul-americana que
integra os territórios dos oito países-membros do TCA.
Neste sentido, o Complexo Amazônico é extremamente relevante na coordenação da política
ambiental internacional, pois quatro desses países (Brasil, Colômbia, Equador e Peru) atendem ao
conceito de megadiversidade biológica.3
Além disso, o ecossistema
amazônico tem grande importância geopolítica
no cenário
internacional devido aos seguintes aspectos:
1. trata-se da maior bacia hidrográfica do planeta com potencial hidroelétrico e de transporte
fluvial;
2. possibilidade de produzir produtos típicos tropicais;
3. vasta de riqueza dos recursos minerais voltados à exportação: ouro, manganês, cobre, níquel,
bauxita, ferro, titânio, etc.;
4. extrativismo de madeira e borracha;
5. importante depósito de energia, principalmente gás natural e petróleo;
6. potencial de desenvolvimento de biotecnologia através da exploração da biodiversidade
regional (produtos da floresta) que é fonte de matérias primas para indústria farmacêutica.
Por isso, a questão da internacionalização da região amazônica, como meio de preservação ambiental,
esteve em voga nos foros internacionais nas décadas de 70 e 80, atraindo sobretudo os interesses
mundiais na exploração dos recursos naturais da região.
3
Portanto, a questão geopolítica amazônica encontra-se intrinsicamente ligada aos princípios do TCA.
Neste sentido, “ ... importância do TCA reside no reconhecimento da soberania de cada um dos países
signatários sobre a parte que lhe corresponde da Amazônia - a isto se chama regionalização, como
conceito oposto a internacionalização - permitindo também a discussão e tomada de posição sobre a
problemática do conjunto.”
4
II. A ASCENSÃO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA COMO
ATOR ECONÔMICO NO CENÁRIO INTERNACIONAL
A RPC foi consolidada em 1949, por meio da Revolução Comunista, liderada por Mao Zedong.
Desde o término da Revolução, a RPC tem evoluído como um ator de grande destaque político e
econômico no cenário internacional.5
De acordo com dados do WORLD BANK, a população da RPC é de 1,3 bilhões. Este fenômeno
populacional proporcionou ao país um gigantesco mercado consumidor e a mão-de-obra mais barata do
mundo.6
Além disso, as altas taxas de crescimento do PIB chinês dos últimos anos (em média 8 % ao ano),
tem tornado o país atraente aos investidores internacionais, sendo atualmente o maior receptor mundial
de investimentos diretos.7
A partir de 1978, a RPC acelerou seu crescimento econômico com a implementação das reformas
econômicas idealizadas por Deng Xiaoping. Este líder estabeleceu uma nova estratégia diplomática para o
desenvolvimento chinês, cuja base era a abertura da economia para o comércio exterior.8
3
O autor deste conceito, o Dr. Russell Mittermeier, salienta que há apenas 12 países megadiversos no mundo (num universo
formado por mais de 200 países), pois estes concentram cerca de 60% a 70% dos recursos biológicos do globo. (Ver AMAYO
ZEVALLOS, 2000).
4
Ver AMAYO ZEVALLOS (1993), pp. 129.
5
A RPC exerce forte influência política no sistema internacional por ser membro permanente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Além disso, nos últimos 20 anos, a economia da RPC foi a que mais cresceu no mundo. Atualmente, o PIB
chinês é cerca de US$ 1,2 trilhões.
6
O custo-hora da mão-de-obra chinesa é de aproximadamente US$ 0,27 , tornando o produto chinês extremamente competitivo
no comércio internacional.
7
Segundo o World Bank, a RPC atraiu em 2002 cerca de US$ 52 milhões em investimentos diretos internacionais.
8
Essa estratégia foi chamada de “As Quatro Modernizações”: indústria, agricultura, forças armadas e tecnologia. A adoção
desta política estabeleceu também as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) abertas ao capital externo e aos investimentos
4
Tendo em vista o aprofundamento das reformas e a inserção da economia da RPC no cenário
internacional, foi formalizado o socialismo de mercado tipo chinês.9
Finalmente, em 2001, a RPC rompeu definitivamente com seu isolacionismo e consolidou uma
maior participação na ordem econômica internacional, tornando-se membro da Organização Mundial do
Comércio (OMC). De acordo com dados do WORLD BANK, tal fato foi emblemático pois tornou a
RPC o 7º exportador mundial (3,9 % do total) e o 8º importador (3,4% do total). Com isso, à medida que
as regras de comércio internacional espituladas pela OMC forem assimiladas e implementadas, a RPC
poderá dobrar sua participação no mercado internacional nos próximos anos.
Devido às altas taxas de crescimento econômico, é crescente a demanda da RPC por :
• recursos minerais para a indústria siderúrgica e de infra-estrutura;
• alimentos, bens de consumo duráveis e não duráveis, a fim de elevar o padrão de vida do seu
gigantesco contingente populacional;
• fontes de energia diversas.
Portanto, à medida que a RPC ascende um relevante ator econômico no cenário internacional,
crescem também seus interesses econômico-comerciais nos países da região amazônica.
III. OS INTERESSES ECONÔMICO-COMERCIAIS DA
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA NA REGIÃO AMAZÔNICA
O relacionamento entre a RPC e os países da região amazônica é relativamente recente. Devido às
reformas econômicas e à abertura da RPC para o mundo10, as relações diplomáticas com estes países
foram estabelecidas nos anos 70 e 80, conforme abaixo:
País-membro do Tratado de
Cooperação Amazônica
Guiana
Peru
Estabelecimento das relações
diplomáticas com a RPC
1971
1971
estrangeiros em tecnologia. Nas ZEEs foram criadas indústrias voltadas à exportação, próximas aos portos estratégicos do
litoral da RPC.
9
OLIVEIRA aponta que tal conceito refere-se à transição da economia centralizada e planificada para uma economia voltada
ao mercado externo, integrando a RPC à economia capitalista global. No entanto, para o autor, as reformas econômicas ainda
estão sendo conduzidas no âmbito do regime socialista, sendo o Partido Comunista Chinês a única instituição política oficial
do país.
10
A RPC foi aceita como membro da Organização das Nações Unidas em 1972 .
5
Brasil
Venezuela
Suriname
Colômbia
Equador
Bolívia
1974
1974
1976
1980
1980
1985
Fonte: Ministry of Foreign Affairs of the People's Republic of China
Segundo REISS, a importância do relacionamento entre a RPC e a América Latina
(especificamente com os países da região amazônica) foi visualizada pelo líder chinês Deng Xiaoping
que declarou: “... China and Latin America would work together to set an example of South-South cooperation. The basics for this co-operation such as establisment of joint ventures, preferencial prices, and
transfer of technology are already part os Sino-Latin American relations and benefit the economic
development of both partners, serving as a true example for international interation” . 11
Para os autores XINSHENG e SHAOXIAN, nos anos 80, a política externa chinesa privilegiava a
cooperação com os países em desenvolvimento. Em relação à América Latina, os autores destacam que os
fundamentos dessa relação eram: “a paz e amizade, apoio recíproco, igualdade, benefício mútuo e
desenvolvimento conjunto”.12
Neste sentido, a visão chinesa vinha ao encontro dos interesses dos países da região amazônica
que - apesar das diferenças políticas13 - buscavam a diversificação de parcerias econômico-comerciais e
visualizavam uma nova perspectiva de relacionamento com a RPC, principalmente em função da grave
crise econômica e de endividamento externo por que passava toda a América Latina. Assim sendo, após
os ajustes estruturais e as reformas liberalizantes dos anos 80, houve o fortalecimento dos laços políticos
e econômicos dos países da região amazônica com a RPC.
Durante os anos 90, de acordo com REISS, a vertente econômica da relação entre a RPC e a
América Latina e - conseqüentemente em relação aos países da região amazônica - se fortaleceu e esteve
11
pp. 58.
pp. 237.
13
Conforme já mencionado, a RPC tem um único partido político, ao passo que nos anos 80, a América Latina passava pelo
processo de redemocratização e o fim dos regimes militares.
12
6
em destaque: “ A major strategy concerning Chinese behaviour towards Latin America in the 1990s has
been the emphasis of common interests and complementary economies”. 14
O COMÉRCIO
ENTRE A RPC E OS PAÍSES DA REGIÃO AMAZÔNICA
Considerando-se o volume das importações da RPC, as estatísticas do Ministry of Commerce of
the People's Republic of China (2003) mostram que a América Latina encontra-se juntamente com o resto
do mundo na 11ª posição. Conseqüentemente, o volume comercial entre a RPC e os países da região
amazônica é ainda relativamente baixo, mas sinaliza uma tendência de crescimento.
No entanto, observando-se a pauta de importação chinesa, constata-se que seis dos vinte principais
produtos importados são provenientes dos países da região amazônica. Estes produtos são: petróleo cru,
aço, produtos plásticos, petróleo refinado, minério de ferro e soja. Além destes produtos, a RPC importa
também madeira, produtos agrícolas e peixes.
Conforme tabela abaixo, seguem os volumes comerciais importados pela RPC, em ordem
decrescente por país:
PaísVolume exportado
Principais produtos
membro do
em 2002 (*)
importados pela RPC
Tratado de
Cooperação
Amazônica
Brasil
US$ 4,5 bilhões
soja, minério de ferro, pasta
de papel, couro, aviões,
metais, plásticos, madeira e
carros
Peru
US$ 979 milhões
Venezuela
Colômbia
Equador
Bolívia
Suriname
US$ 478 milhões
US$ 316 milhões
US$ 208 milhões
US$ 27,76 milhões
US$ 17,8 milhões
14
pp. 49.
petróleo, peixes, sementes,
minérios em geral
petróleo e minério de ferro
banana, plásticos
banana, camarões, peixes
madeira,minério de ferro
bauxita, madeira
Observações
- A RPC é 2° mercado
mundial de destino das
exportações brasileiras
- O Brasil é o 10° parceiro
comercial da RPC e o maior
parceiro da América Latina
- O Brasil é o país com quem
a RPC tem o 8° déficit
comercial mundial
Volume em crescimento
Volume em crescimento
Volume em crescimento
Volume em crescimento
Volume relativamente baixo
Volume baixo
7
Guiana
Menos de
US$ 1 ,0 milhão
arroz,madeira
Volume baixo
( * ) Fontes: Ministry of Foreign Affairs of the People's Republic of China
Ministry of Commerce of the People's Republic of China.
Obs.: Os dados preliminares das exportações de 2003 apontam a mesma classificação destes países em termos
de volume exportado para a RPC .
O INVESTIMENTO DIRETO DA RPC NOS PAÍSES DA REGIÃO AMAZÔNICA
Considerando-se os investimentos diretos no exterior (Foreign Direct Investment - FDI), dados do
Ministry of Commerce of the People's Republic of China (2003) mostram que a maior parte do capital
investido concentram-se nos seguintes setores:
1°) industrial
2°) imobiliário
3°) serviços sociais
4°) geração de energia (elétrica, gás e petróleo).
A América Latina é a segunda região mundial receptora de investimentos diretos da RPC (cerca de
US$ 6,3 bilhões), superada apenas pelos países asiáticos.15 Os países da região amazônica encontram-se
como os maiores receptores de recursos chineses, principalmente nos setores industrial e de geração de
energia.
Conforme LOHBAUER, o emblemático crescimento econômico chinês levou o país a ser um
grande importador de petróleo e o segundo consumidor mundial desta commodity, superado apenas pelos
Estados Unidos da América.
Assim sendo, a RPC tem buscado mercados offshore, explorando petróleo inclusive na América
Latina (países da região amazônica) e na África.
Segue abaixo, os principais acordos de cooperação tecnológica e os investimentos da RPC nos
países da região amazônica:
15
Os países asiáticos receberam cerca de US$ 30 bilhões em investimentos diretos da RPC.
8
PaísAcordos de Cooperação Comercial – Tecnológica / Investimento Direto da RPC
membro do
Tratado de
Cooperação
Amazônica
Brasil
- Foram assinados diversos acordos . No entanto, o caso mais emblemático é o CBERS
(China Brazil Resources Satélites) - parceria estratégica no setor de tecnologia espacial,
com lançamento de satélites sino-brasileiros (o primeiro em 1999, o segundo em 2003 e o
terceiro e quartos previstos até 2007). O objetivo deste programa é a venda de imagens
via satélite para o mundo e o monitoramento a região amazônica ;
- joint ventures em setores industriais (avião, automóveis);
- Acordos de cooperação nas áreas de: energia hidroelétrica, biotecnologia e tecnologia
de informações .
Peru
- Diversos acordos de cooperação ambiental ;
- Principais investimentos em: transporte marítimo e aéreo,comunicações, construção
civil, produção agrícola, exploração de petróleo, mineração e indústria da pesca.
Venezuela
- Principais investimentos em: petróleo, gás natural, minerais, agricultura, indústria da
pesca, energia.
Colômbia
Investimentos na produção de café.
Equador
Não divulgado.
Bolívia
- Principais investimentos em: energia (estação hidroelétrica e carvão vegetal) e no setor
agricultura (cultivo de vegetais e arroz).
Suriname
- Principais investimentos em: energia (linhas de transmissão de eletricidade) e fazendas
para criação de camarões.
Guiana
Projetos de criação de patos, estação hidroelétrica, processamento de grãos, fábrica de
tijolos e uma planta industrial para produção de bicicletas.
( * ) Fonte: Ministry of Commerce of the People's Republic of China.
IV. OS INTERESSES CHINESES NA REGIÃO AMAZÔNICA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Oportunidades
Tendo em vista a continuidade do crescimento econômico chinês, os interesses daquele país na
região amazônica também tendem a crescer. Neste sentido, há diversas oportunidades que poderão ser
visualizadas para os países amazônicos.
BRASIL
Os interesses comerciais e de cooperação tecnológica entre a RPC e o Brasil têm apresentado um
significativo crescimento. O Brasil é o principal parceiro comercial da RPC na região amazônica e na
9
América Latina como um todo. Além disso, o Brasil poderá ser tornar o maior produtor agrícola
mundial e, conseqüentemente, poderá aumentar a oferta de produtos agrícolas, principalmente a soja,
para a RPC. 16
Conforme matéria da GAZETA MERCANTIL (22/10/03) sobre o lançamento do satélite sinobrasileiro17, no campo da cooperação tecnológica, a RPC tem contribuído para o desenvolvimento
brasileiro em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) aero-espacial. Além da transferência de tecnologia
chinesa ao Brasil, há também a oportunidade quanto à venda de imagens via satélite e a perspectiva de
monitoramento dos desmatamentos e queimadas na floresta Amazônica.
PERU
O Peru é o segundo parceiro comercial da RPC na região Amazônica. Este país tende a aumentar
suas relações comerciais com a RPC, principalmente para atender a demanda chinesa crescente por
petróleo.
Além disso, nota-se que a diversificação dos investimentos realizados no Peru pela RPC também
tende a crescer, pois tais investimentos são estatégicos para a economia chinesa (setor de energia,
exploração de petróleo, recuros minerais e produção agrícola).
VENEZUELA
Os interesses chineses neste país concentram-se basicamente no comércio e nos investimentos no
setor petrolífero. A exploração do petróleo venezuelano é fundamental, como no caso do Peru, para
atender às necessidades crescentes chinesas.
COLÔMBIA E EQUADOR
Os interesses chineses nestes países encontram-se basicamente no comércio de produtos agrícolas.
16
Atualmente, a soja é o principal produto agrícola da pauta de exportação brasileira para a RPC.
10
BOLÍVIA, SURINAME E GUIANA
Os interesses chineses nestes países estão focados na exploração e no comércio de madeira e
energia (estações hidroelétricas, carvão vegetal e gás natural), bem como nos produtos agrícolas.
De acordo com o site AMAZONIA.NET (2000), a quarta maior companhia chinesa do setor de
exploração florestal já investiu cerca de US$ 16 milhões numa fábrica de madeira na Guiana para a
produção de móveis, promovendo assim, a transferência tecnológica e a criação de empregos no país.
OPORTUNIDADES GERAIS
Segundo AMAYO ZEVALLOS(1993), a perspectiva da interligação do Brasil ao Oceano
Pacífico18, através de uma estrada na costa do Peru, poderá contribuir para o desenvolvimento sustentável
regional.
Conforme matéria publicada pela GAZETA MERCANTIL (24/11/03), a rota que poderá ligar o
Brasil ao Pacífico significará uma economia de US$ 50 por tonelada de soja exportada pelo Brasil à RPC.
Supostamente, tal fato irá estimular ainda mais o agribusiness (soja) da região centro-oeste do país. Além
disso, tal rota deverá promover e integrar o comércio do Brasil com os países andinos.19
DESAFIOS
Os interesses chineses na região amazônica apresentam grandes desafios, principalmente no que se
refere ao desenvolvimento sustentável regional.
No caso do Brasil destacam-se dois casos: o avanço da fronteira agrícola para o cultivo da soja e a
extração de madeira.
17
O segundo satélite sino-brasileiro foi lançado em Outubro de 2003 através do Programa CBERS (como já citado).
O Brasil contempla a maior parte da Bacia Amazônica mas não tem limites geográficos comuns com a Bacia do Pacífico.
19
De acordo com a matéria citada, a integração econômica do Brasil com os países andinos é muito mais significativa do que
com o MERCOSUL. Tal integração facilitaria o acesso do Brasil ao mercado andino, o qual possui um PIB de US$ 300 bilhões
e uma população (mercado consumidor) de 120 milhões de habitantes, contra um PIB de US$ 240 bilhões e uma população
de 46 milhões de habitantes do MERCOSUL.
18
11
O o avanço da fronteira agrícola para o cultivo da soja poderá causar grandes danos ambientais
para a Amazônia brasileira, pois o agribussiness voltado à exportação do produto para a RPC é de grande
peso na pauta de comércio sino-brasileiro. Neste sentido, matéria publicada pelo NEW YORK TIMES
mostra que em apenas um ano, uma área maior que o estado de New Jersey foi destruída na floresta
amazônica para o cultivo da soja. De acordo com a matéria, inicialmente tal cultivo concentrava-se na
savana (Amazônia Legal), mas com o aumento dos preços no mercado internacional, o cultivo do produto
avançou para o coração da Amazônia, acelerando assim, o processo de desmatamento da floresta.
Outro exemplo alarmante no Brasil, trata-se da extração ilegal de madeira pela fábrica de
compensados chinesa Compensa. Em 2001, segundo o GREENPEACE, o IBAMA apreendeu 2.100 m3
de madeira extraída ilegalmente destinada à multinacional chinesa. A organização informou que a
empresa detém cerca de 16 mil hectares de florestas no estado do Amazonas e que os fornecedores
utilizam práticas predatórias de destamatamento florestal para a extração e o transporte da madeira.
Cabe destacar ainda a matéria do site AMAZONIA.NET (2000) sobre o desmatamento da floresta
amazônica realizado por uma joint venture entre a RPC e o Suriname, a companhia Tacoba. O site
denuncia que a exportação de um tipo de madeira rara (em blocos) é proibida, mas que a extração e o
transporte para a RPC tem sido uma prática constante.
Conforme OLIVEIRA, nos últimos 10 anos, há uma marcha constante para as cidades de milhões
de camponeses chineses excedentes, atraídos pelas indústrias voltadas à exportação. Estudos mostram que
quanto maior for o crescimento econômico, maior será a tendência da RPC a aumentar a sua população
urbana (podendo chegar em até 70 %), estimulando assim o êxodo rural. 20
Com isso, projeções indicam que cerca de 500 milhões de pessoas deverão migrar para as cidades
demandando desde de infra-estrutura urbana (habitação, saneamento básico, energia e recursos naturais)
até bens de consumo diversos. Se houver a elevação do padrão de consumo deste contingente
populacional, uma tragédia ambiental poderá ocorrer, caso as autoridades chinesas não desenvolvam
políticas ambientais adequadas.
20
Dados do WORLD BANK mostram que atualmente cerca de 30 % da população chinesa vive no campo.
12
Portanto, para os países amazônicos, tal fato representa um alerta quanto a possíveis danos
ambientais, pois o aumento da renda e da população urbana da RPC poderá elevar a demanda por recursos
naturais da região amazônica.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que a região amazônica é compartilhada pelos países que firmaram o TCA e tem
sido alvo crescente dos interesses chineses.
O relacionamento econômico-comercial entre a RPC e os países da região tem proporcionado
diversas oportunidades de negócios comuns, mas também tem trazido enormes desafios, principalmente
no que concerne à preservação da biodiversidade amazônica.
Neste século, a dinâmica da economia capitalista global será marcada por fortes vínculos entre a
Bacia Amazônica e a Bacia do Pacífico, promovendo assim, o relacionamento entre o povo chinês e os
povos amazônicos.
Embora a RPC tenha um sistema político comunista, sua economia é regida por princípios
capitalistas e, quanto maior for o desenvolvimento econômico chinês, maior será a demanda daquele
país pelas reservas naturais amazônicas.
Entretanto, não se trata de responsabilizar a RPC ou qualquer outro ator - demandante de fontes
de matérias-primas para o seu desenvolvimento industrial - por danos ambientais. O foco da questão
ambiental não são os atores, mas o modelo capitalista, sua lógica de acumulação e de consumo.
Portanto, o desenvolvimento sustentável regional é fundamental para que se possa preservar a
natureza amazônica, apresentada nas palavras de Julio Verne, em La Jangada, como: “Nada pode
haver neste mundo mais belo do que aquela parte da margem direita do Amazonas”.
13
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