ADALTON DA MOTTA MENDONÇA
TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS NO EIXO
NITERÓI - MANILHA EM SÃO GONÇALO/RJ.
Tese apresentada ao Curso de doutorado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Hermes Magalhães Tavares
Doutor em Política Econômica/UNICAMP
Rio de Janeiro
2007
II
FICHA CATALOGRÁFICA
M539t
Mendonça, Adalton da Motta.
Transformações sócio-econômicas no eixo NiteróiManilha em São Gonçalo/RJ / Adalton da
Motta Mendonça. – 2007.
249 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Hermes Magalhães Tavares.
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2007.
Bibliografia: f. 231-243.
1. Mudança social – São Gonçalo (RJ). 2. Indústrias –
São Gonçalo (RJ). 3. São Gonçalo (RJ) – Condições
sociais. 4. São Gonçalo (RJ) – Condições econômicas.
I. Tavares, Hermes Magalhães. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional. III. Título.
CDD: 330.98153
III
ADALTON DA MOTTA MENDONÇA
TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS NO EIXO
NITERÓI-MANILHA EM SÃO GONÇALO/RJ.
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em: _29_/_11_/_2007_.
Prof. Dr. Hermes Magalhães Tavares (Orientador)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
Prof. Dr. Jorge Alves Natal
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
Profa. Dra. Wania Amélia B. Mesquita
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. UENF.
Profa. Dra. Maria Helena Matue Ochi Flexor
Instituto de Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social.UCSal. Bahia.
Prof. Dr. Mauro Kleiman
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
IV
Para a família, mestres,
alunos e amigos.
V
AGRADECIMENTOS
Agradeço a importante contribuição do professor Hermes Tavares, meu orientador.
Agradeço, sobretudo, a sua dedicação e paciência, nesses anos de estudo, pesquisa, diálogo e
amizade. Sou grato pelo seu profissionalismo e compreensão, nos momentos mais difíceis no
decorrer do desenvolvimento deste trabalho.
Sou grato também ao IPPUR, mais que um instituto de pesquisa, é um local onde
existem amizades, debates, discussões, enfim, como os verdadeiros ambientes acadêmicos
devem ser. Local onde conheci profissionais de diferentes campos, importantes para o meu
amadurecimento intelectual. Em particular, agradeço aos professores Jorge Alves Natal, Fred
Araújo, Tâmara Egler, Ana Clara T. Ribeiro e Rainer Randolf pelas incontáveis críticas e
sugestões feitas durante as aulas nos seminários e Tese.
Agradeço as contribuições da
Professora da UENF Wania Amélia B. Mesquita pela avaliação e crítica ao projeto de Tese.
Agradeço as valorosas participações na banca da Professora Dra. Maria Helena Matue Ochi
Flexor, que veio especialmente de Salvador, e do Professor Dr. Mauro Kleiman. Sou muito
grato também à equipe de professores e funcionários do IPPUR. Sobretudo à Profa. Dra.
Luciana Correa do Lago que, como coordenadora muito afável e sempre competente, permitiu
a extensão do meu prazo de defesa e aos funcionários da secretaria da instituição,
representados por Zuleika Cruz e Josemar do Espírito Santo, Alberico, José Carlos e a
secretária Márcia, que sempre foram e são solícitos e prestativos. Agradeço também a atenção
dos funcionários da Biblioteca do IPPUR/UFRJ e em especial a Carla Regina pelo apoio na
revisão das normas de apresentação do texto final. Aos amigos, que fiz no IPPUR, meu
obrigado pela força e pela amizade. Obrigado aos informantes entrevistados que colaboraram
para a produção desse trabalho.
Agradeço o apoio da Universidade Estácio de Sá que, pelo apoio através da
capacitação docente no início dos estudos de doutorado para que eu pudesse comprar livros e
fazer cópias para o curso. Um agradecimento especial à minha companheira de todas as horas,
Vera, que muito colaborou para o fechamento da tese.
VI
RESUMO
MENDONÇA, Adalton da Motta Mendonça. Transformações Sócio-Econômicas no eixo
Niterói-Manilha em São Gonçalo/RJ. 2007. 249 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano
e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
O objetivo geral deste trabalho foi o de analisar algumas mudanças ocorridas no Município
de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ. Brasil. Procuramos
caracterizar esse fenômeno escassamente estudado, a partir de uma metodologia particular
que privilegia a utilização de dados sócio-econômicos. A questão central levantada é saber, a
partir de um breve quadro histórico sobre o desenvolvimento industrial no Município, os
principais momentos de sua trajetória industrial, expansão e declínio. Dentre as questões mais
relevantes, destaca-se o estudo de novos indicadores para o desenvolvimento econômico do
Município como um todo. Esperamos que este estudo possa contribuir para uma melhor
compreensão do atual “estado das artes” do desenvolvimento local dos municípios do Estado
do Rio de Janeiro. Do ponto de vista teórico e conceitual, tal análise baseia-se, em particular,
no conceito de mudança social, bem como nas contribuições da filosofia, economia e estudos
recentes sobre a “nova economia Fluminense” entre outras.
Palavras-chave: Desenvolvimento local; Mudanças no Município de São Gonçalo;
Desenvolvimento sócio-econômico.
VII
ABSTRACT
MENDONÇA, Adalton da Motta Mendonça. Transformações Sócio-Econômicas no eixo
Niterói-Manilha em São Gonçalo/RJ. 2007. 249 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano
e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
The general objective of this work was to analyze some changes in the City of São Gonçalo,
Metropolitan Region of Rio de Janeiro – MRRJ, Brazil. We look for characterizing this barely
studied phenomenon from a particular methodology with social and ecomnomics
informations. The raised central question is to know by a brief historical seting on the
industrial development in the City, the main moments of its industrial path, expansion and
decline. Amongst the most importants questions are the searchs of the new numbers for the
economic development of the City as a whole. We have the expectation of that this study, it
can also contribute for one better understanding of the “state of the arts” end the new local
development. Of the theoretical and conceptual sight, such analysis is based, particularly, on
the concept of social chages, as well from contributions of philosofy, ecomnomics end the
“new Fluminense economy studies”, among others in the Rio de Janeiro State.
Key words:
Local developement, São Gonçalo City chages; Social end economics development.
VIII
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Explosão demográfica em SG. Entre as décadas de 1950 e 1970 em relação a RMRJ.
42
Tabela 2. População de São Gonçalo. Habitantes por Distrito. Divisão política.
43
Tabela 3. Características Demográficas em São Gonçalo, 2000.
46
Tabela 4. População residente em São Gonçalo, 2000.
47
Tabela 5. Distritos N°. de bairros, de habitantes e percentual, 2000.
47
Tabela 6. Evolução da população no Município de São Gonçalo. 1940 até 2000.
48
Tabela 7. PIB e participação percentual de São Gonçalo e de Niterói em 2002.
58
Tabela 8. Orçamento Municipal. Segundo a LDO.
59
Tabela 9. As Maiores Receitas de ISSQN
66
Tabela 10. Arrecadação de ISS no Município de São Gonçalo entre 1998 e 2003.
67
Tabela 11. Arrecadação de ISS em São Gonçalo. Período entre 1990 a 2003.
67
Tabela 12. Crescimento populacional em São Gonçalo de 1940 até 2000.
70
Tabela 13. Desemprego em São Gonçalo. IBGE, 1991 e 2000.
116
Tabela 14. Índices de desemprego em São Gonçalo. Por faixa etária. IBGE, 2000.
117
Tabela 15. Posição na ocupação - São Gonçalo, 2000.
118
Tabela 16. Empresas de enlatamento de pescado em São Gonçalo - RJ.
138
Tabela 17. Dados relativos ao São Gonçalo Shopping. Dezembro 2006.
156
Tabela 18. Pessoal Ocupado por Ramo de Atividade no Município de São Gonçalo. 2003.
157
IX
LISTA DE SIGLAS
ABIA - Associação Brasileira das Indústrias Alimentícias
ACEC - Associação do Conselho Empresarial de Cidadania
ACO - Área Comprometida com Ocupação Urbana
AGEIA - Associação Gonçalense de Engenharia e Arquitetura
ALERJ - Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
AMAGUAVA - Associação dos Moradores e Amigos de Guaxindiba, Vista Alegre e
Adjacências
AMPOVEP - Associação dos Moradores e Pescadores do Porto Velho e Praias
ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres
AOP - Área de Ocupação Progressiva
AOP II - Área de Ocupação Progressiva II
APA - Área de Preservação Ambiental
APELGA - Associação de Pescadores Livre do Gradim e Adjacências
APP - Área de Preservação e Proteção
APAP - Área de Preservação Ambiental Permanente
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBO - Companhia Brasileira de Offshore
CBUM - Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas
CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgotos
CIDE - Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de Janeiro
CIEP - Centro Integrado de Educação Pública
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
CODIN - Companhia de Desenvolvimento Industrial
COMPERJ - Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONERJ - Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro
CONLESTE - Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense
COSIGUA - Companhia Siderúrgica da Guanabara
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPS - Centro de Políticas Sociais
X
CREA/RJ - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro
DEM - Partido Democrata Antigo PFL Partido da Frente Liberal
DENIT - Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes
DETRAN - Departamento Estadual de Trânsito
DP - Delegacia de Polícia
DPO - Destacamento de Policiamento Ostensivo
EBIN - Empresa Brasileira de Indústria Naval
EGEC - Empresa de Gerenciamento de Empreendimentos Comerciais
ENAVI - Empresa Naval de Equipamentos Ltda
ETE - Estação de Tratamento de Esgoto
FAMERJ - Federação das Associações de Moradores do estado do Rio de Janeiro
FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FEPERJ - Federação dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz
FIRJAN - Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FPM - Fundo de Participação dos Municípios
FUNDREM - Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
GETEC - Guanabara Química Industrial
IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil
IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRE - Instituto Brasileiro de Economia
ICBEU - Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos
ICMS - Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IDH-M - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISP - Instituto de Segurança Pública
ISS - Imposto sobre Serviços
ISS/QN - Imposto sobre Serviços de qualquer natureza
ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
XI
KBR - Kellog Brown & Root
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias
MAC - Museu de Arte Contemporânea
MEMOR - Instituto Gonçalense de Memória, Pesquisas e Eventos Culturais
MTE - Ministério do Trabalho e do Emprego
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PAC - Plano de Aceleração do Crescimento
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PDBG - Programa de Despoluição da Baía de Guanabara
PDC - Partido Democrata Cristão
PDDU - Plano Diretor Decenal Urbano
PDI - Plano Diretor de Investimentos
PDS - Partido Democrático Social
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PFL - Partido da Frente Liberal
PIB - Produto Interno Bruto
PME - Pesquisa Mensal de Emprego
PMN - Prefeitura Municipal de Niterói
PMRJ - Polícia Militar do Rio de Janeiro
PMSG - Prefeitura Municipal de São Gonçalo
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POZI - Programas de Ocupação de Zonas Industriais
PP - Partido Progressista
PPB - Partido Progressista Brasileiro
PRF - Polícia Rodoviária Federal
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PSV - Plataform Suply Vessel
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
PTN - Partido Trabalhista Nacional
XII
PV - Partido Verde
RAIS - Relação Anual de Informações Sociais
RDMZ - Secretaria de Conservação do Governo dos Países Baixos
REDUC - Refinaria de Duque de Caxias
RENAVE - Empresa brasileira de reparos navais S.A.
RMRJ - Região Metropolitana do Rio de Janeiro
SCCS - Estaleiro Maric Shipboard Command and Control System
SEDIVER - Société Européenne D'isolateurs en Ventre et Composite
SEG - Sociedade Expansionista Gonçalense
SEMEC - Secretaria Municipal de Educação e Cultura de São Gonçalo
SEMPLAN - Secretaria Municipal de Planejamento de São Gonçalo
SGP - Secretaria Geral de Planejamento
SICPN - Sindicato das Indústrias de Conservas de Pescado de Niterói
SLFU - Subsecretaria de Licenciamento e Fiscalização Urbana
SMDS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
SMF - Secretaria Municipal de Fazenda
SMIUMA - Secretaria Municipal de Infra-estrutura, Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente
STU - Service Technique de l’Urbanisme, Serviço Técnico de Urbanismo da França
TCE/RJ - Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
TGV - Train à Grande Vitesse, Trem de alta Velocidade, na França
UDN - União Democrática Nacional
UERJ/SG - Universidade Estadual do Rio de Janeiro em São Gonçalo
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESA - Universidade Estácio de Sá
UNIBAIRROS - Federação das Associações de Bairros de São Gonçalo
UNIVERSO - Universidade Salgado de Oliveira
UTC - Estaleiro Ultratec Engenharia
ZR - Zona Residencial
ZUD - Zona de Uso Diversificado
ZUPI - Zona de Uso Predominantemente Industrial
XIII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
14
CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO. SÃO GONÇALO SUBÚRBIO
INDUSTRIAL, CIDADE DORMITÓRIO OU PERIFERIA GLOBAL
18
1.1. Antecedentes históricos e sócio-econômicos
1.2. São Gonçalo: identificando as transformações sócio-econômicas
1.3. Transformações recentes no eixo Niterói - São Gonçalo
1.4. Mudança social e a nova centralidade periférica
1.5. Revisitando as “friches urbanas” e os vazios sociais
19
40
65
73
91
CAPÍTULO 2: DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO À REVITALIZAÇÃO DO
EIXO NITERÓI - SÃO GONÇALO
109
2.1. São Gonçalo: a percepção das mudanças, shopping e supermercados
2.2. A desindustrialização e a revitalização econômica
2.3. Causas e fatores da desindustrialização
2.4. O declínio do emprego industrial e o crescimento dos empregos nos serviços.
o São Gonçalo Shopping Rio como exemplo
2.5. A percepção das mudanças e a retomada da indústria naval
110
120
132
145
159
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS PLANOS DIRETORES E A PERCEPÇÃO DAS 171
TRANSFORMAÇÕES URBANAS
3.1. Delimitando as atuais legislações sobre o espaço urbano municipal
3.2. Planos diretores: transformações planejadas e não planejadas
3.3. Estudo crítico dos planos diretores de São Gonçalo
3.4. A percepção dos processos de mudança social
172
183
198
206
CONSIDERAÇÕES FINAIS
220
Relação entre as transformações econômicas e as mudanças sociais
Interrogando as novas centralidades no eixo Niterói – Manilha
221
227
REFERÊNCIAS
233
ANEXOS
244
14
INTRODUÇÃO
A tese sobre as transformações recentes no eixo viário Niterói-Manilha, localizado
entre os Municípios de Niterói e de São Gonçalo, tem como objetivos principais: a análise e a
demonstração de que está em curso um processo de mudança social a partir de um conjunto
de estudos e dados sócio-econômicos no trecho Norte da Rodovia Federal BR 101. Também
apontamos que essas transformações podem gerar uma nova espacialização da pobreza.
Para estudar este fenômeno, a área objeto foi caracterizada como um lugar que até
a década de 1980 era predominantemente industrial, mas a partir desta data sofreu um
processo de desindustrialização e, conseqüentemente, de criação de ruínas e vazios industriais
- chamados de friches industriais - seguido de um momento de desenvolvimento do comércio
e dos serviços. Atualmente, há um incremento no setor industrial, com o reaparecimento da
industrial naval e de projetos para a construção de uma nova refinaria de petróleo e gás, o
COMPERJ,1 entre os Municípios de Itaboraí e São Gonçalo, além de novas atividades
complementares.
A partir do estudo deste processo, traçaremos três objetivos a saber: primeiro, o
desenho de um recorte geográfico, limitando a pesquisa em um Município, em seguida um
recorte cronológico que se estende ao período mais recente, e, por fim, apresentando uma
descrição do fenômeno das transformações sócio-econômicas a partir de dados coletados
através de entrevistas com o trabalho de campo.
Para desenvolver este trabalho focamos os dois primeiros capítulos em algumas
percepções de como era a região escolhida e quais foram as primeiras transformações sócioeconômicas mais perceptíveis. Como exemplo citamos o fechamento de industriais e a criação
de supermercados e de um shopping center.2 Neste sentido, para percebermos a mudança
social, recorremos aos dados sócio-econômicos recentes para demonstrar a emergência de um
1 Comperj.Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro.
2 Construído pela Ecia/Irmãos na rodovia Niterói-Manilha com 88 mil m2 de área construída, inaugurado em
abril de 2004. Um investimento de R$ 60 milhões, financiado com o apoio do BNDES. O escritório responsável
pelo projeto foi Farias & Denton localizado na cidade do Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Dia, “Aberto em
março (2004), o São Gonçalo Shopping Rio atrai 120 mil pessoas por fim de semana e 1 milhão por mês”. A
estimativa de venda para o Natal de 2004 foi de R$ 50 milhões. O empreendimento gerou três mil empregos.
Jornal O Dia, página 3, Rio de Janeiro, domingo, 17 de outubro de 2004.
15
novo tipo de pobreza, novos perfis de estratificação social, saúde e educação, além de uma
nova política de uso dos espaços, que poderá implicar na construção de novas centralidades.
O trabalho como um todo está estruturado em quatro capítulos. No primeiro
composto por cinco subcapítulos são apresentadas as transformações recentes no Município
de São Gonçalo, seus aspectos conceituais e históricos. No segundo capítulo composto por
cinco subcapítulos apresentamos a reutilização de antigos espaços industriais e a criação de
uma nova centralidade urbana num contexto de novos planos diretores e legislações na década
de 1990 até os dias atuais. No terceiro capítulo, dividido em quatro subcapítulos são delimitas
as transformações planejadas nos planos diretores decenais municipais e nas atuais legislações
sobre o espaço urbano e as transformações que efetivamente estão em curso. No quarto e
último capítulo, composto por dois subitens são apresentadas algumas conclusões a partir do
estudo proposto.
A abordagem teórica na sociologia da mudança (LEFEBVRE et alli), bem como
seus antecedentes históricos aplicados ao entendimento das mudanças históricas e sócioeconômicas no Município de São Gonçalo são apresentados nos dois primeiros capítulos.
Identificamos as principais transformações econômicas e consideramos a importância do
estudo da mudança social para compreender este processo em curso. Essa investigação se deu
através de dados empíricos relativos ao período atual e às décadas anteriores do Município de
São Gonçalo.
Abordamos como foco principal, a desindustrialização e a revitalização
econômica no eixo Niterói – Manilha no Município de São Gonçalo na década de 1990 e as
possíveis causas ou fatores da desindustrialização. Realizamos também um levantamento,
através de trabalho de campo, sobre as novas atividades a serem implementadas no município:
São Gonçalo Shopping Rio, supermercados e o projeto da refinaria de petróleo da Petrobrás,
além dos impactos da retomada da indústria naval e de atividades complementares a esta.
No terceiro capítulo, delimitamos as transformações planejadas nos planos
diretores e nas atuais legislações sobre o espaço urbano e as transformações que efetivamente
estão em curso. Realizamos um estudo crítico dos Planos Diretores Decenais – PDDs de São
Gonçalo e apontamos as possíveis transformações nos perfis dos bairros (ANEXOS A e B) a
partir de etnografias e, principalmente, de dados coletados na imprensa do Estado do Rio de
16
Janeiro. Buscamos dar conta da complexidade da análise dos indicadores de mudança social,
principalmente renda e escolaridade. Também caracterizamos o perfil da população por setor
e atividade econômica e ampliamos, quando necessário, a coleta de dados nos grupos de
pesquisa dos jovens e dos trabalhadores locais.
Em resumo, são tratadas, como questões principais, a comprovação ou a refutação
da hipótese da relação entre as transformações econômicas e a mudança social. Como
questões secundárias, tratamos de interrogar se há de fato uma “nova centralidade” no eixo
Niterói-Manilha, no Município de São Gonçalo, bem como novas relações de poder e
expansão urbana. Utilizamos como exemplos três localidades: a Boa Vista, considerada centro
de bairro; o Jardim Catarina, “complexo” com quatro grandes loteamentos residenciais e por
fim o distrito de Neves, antigo distrito industrial.
As principais fontes de pesquisa foram as fontes jornalísticas como os periódicos
locais; trabalhos de campo realizados nas comunidades mais próximas que incluíram
entrevistas e levantamentos fotográficos e bibliográficas incluindo dados censitários
secundários, tais como relatórios de pesquisa, oriundos de institutos de pesquisa nacionais.
No quarto e último capítulo, apresentamos as considerações finais indicando
alguns resultados ou conclusões, bem como possíveis contribuições para a atualização do
debate sobre o município. Discutimos, também, a natureza das transformações econômicas e a
“produção do espaço social” com a criação de novas centralidades. Neste sentido, a análise
privilegia o espaço, não como estrutura física, mas como processos econômicos, políticos e
culturais articulados à dinâmica social. Questionamos até que ponto essas transformações
podem ou não gerar uma nova espacialização da pobreza criando, também, “novas”
configurações da classe média e da pobreza municipal.
Cabe destacar a preferência dos períodos maiores para não privilegiar momentos
políticos e eleitorais. Neste sentido, ao privilegiar a década de 1990 e o período mais recente
não estamos falando de determinados atores políticos ou políticas urbanas específicas.
Ao tratar das transformações econômicas, em São Gonçalo, consideramos o
crescimento ou inflexão econômica positiva recente no Estado do Rio de Janeiro, a partir de
meados dos anos 1990, bem como a permanência de problemas sociais graves.
17
Compartilhamos a tese marxista de que a natureza do capitalismo e da sociedade brasileira
produz ilhas de riqueza convivendo com pobreza, sobretudo a urbana.
Com relação à criação de novas centralidades, recorremos aos diagnósticos dos
Planos Diretores de São Gonçalo, (1990 e 2006) para explicar a perda de centralidade de
Neves, antigo distrito industrial para o distrito de São Gonçalo.
18
CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO. SÃO GONÇALO SUBÚRBIO INDUSTRIAL,
CIDADE DORMITÓRIO OU PERIFERIA GLOBAL
A história dos povos que têm uma história é, diz-se, a história da luta de
classes. A história dos povos sem história é, dir-se-á como ao menos tanta
verdade, a história da sua luta contra o Estado. Pierre Clastres. A Sociedade
Contra O Estado.
19
1.1. Antecedentes Históricos e Sócio-Econômicos
A organização industrial em torno da Baía de Guanabara iniciou-se a partir da
produção açucareira nas primeiras fases da historia da região devido a fertilidade do solo e
pela facilidade de escoar a produção. Nessa fase, com a participação do trabalho escravo,
segundo Egler (1979, p. 33), o Estado do Rio de Janeiro possuía cerca de 1/4 de engenhos e
da produção de açúcar da Colônia, sendo a principal área produtora a Bahia. A
industrialização chega ao chamado recôncavo da Guanabara e faz a separação entre a
propriedade da terra da propriedade do capital. Nasce a produção fabril e amplia-se essa
separação e a desagregação da produção colonial no Estado do Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro atingiu a fase fabril na passagem do século XX, principalmente
nos setores de manufatura de bens de consumo, têxtil (fiação e tecelagem) além da indústria
alimentar. No Rio de Janeiro a diversificação na produção industrial era superior à de São
Paulo. Segundo o Censo de 1907, a Guanabara tinha fábricas que produziam 78 desses grupos
de produtos, e em 20 deles ela era a única produtora do país. O Rio de Janeiro se caracteriza
no início do século XX como grande centro urbano e capital da República, local de consumo
de bens de luxo para o mercado local. (EGLER, 1979, p. 33-34).
O Estado adotou uma estratégia importante na proteção da nova indústria contra a
concorrência estrangeira. Ele emprega instrumentos da dívida e da receita pública para a
acumulação de capitais, como por exemplo, políticas de protecionismo fiscal, que facilitaram
a concentração e a centralização de capitais para a expansão da atividade industrial. Em
Niterói temos o exemplo emblemático do estaleiro localizado na Ponta d´Areia de
propriedade de Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá que foi erguido em 1845 com o
apoio de alguns incentivos públicos.
A cidade do Rio de Janeiro, apenas em 1890, foi palco de um surto industrial sem
precedentes. Sendo a Capital da nascente república, possuía uma população urbana de
691.565 habitantes, muito maior que o interior do Estado, este rural, ainda dividido em
grandes fazendas e seus barões. A metade das empresas que figuram no Censo industrial de
1907 foi implantada entre 1889 e 1907.
20
Contribuíram para este crescimento industrial a abolição dos escravos, ampliando
o mercado de consumo e de força de trabalho. Outro fator importante foi a ampliação dos
sistemas de transporte a partir da década de 1870, em função do café, que facilitava a ligação
com os portos exportadores, principalmente da cidade do Rio de Janeiro. Este fator foi
decisivo para a expansão da indústria de bens de consumo individuais, como por exemplo a
fiação e tecelagem. Em 1895, a cidade do Rio de Janeiro, Capital Federal, possuía 14
industrias de fiação e tecelagem, enquanto dez indústrias de grande porte estavam instaladas
no Estado do Rio de Janeiro.
A maioria destas fábricas foi fundada após 1887, e praticamente todas operavam
em escala fabril avançada. Como melhor exemplo, (EGLER, 1979, p. 52) cita a Companhia
Progresso Industrial do Brasil, Fábrica Bangu, construída pela firma inglesa Morgan Snell. A
fábrica Bangu, bem como outras tecelagens, incluindo as de Niterói, importaram teares,
maquinas de alvejar, tinturaria e estamparia da Inglaterra.
No início do século XX, inicia-se de fato a transição da manufatura para a fábrica,
mas existiam empecilhos para a industrialização. O Estado do Rio de Janeiro não podia
garantir um fornecimento constante de matéria-prima compatível com a expansão industrial,
nem ampliar o mercado sobre o Estado de São Paulo. O Estado do Rio de Janeiro importava
praticamente todas a matérias-primas e os gêneros alimentícios. Em plena fase de crescimento
industrial dependia de produtores estrangeiros. Isto mostra que a indústria não podia se
desenvolver dissociada da agricultura. Enquanto a indústria paulista apresentava no período
entre 1909 e 1913, forte expansão, nota-se o declínio da indústria no Estado do Rio de
Janeiro.
São Gonçalo, inicialmente grande produtor de açúcar desde o século XVIII
quando ainda era uma freguesia. Sua importância nessa produção continua até meados do
século XIX e, somente no final deste e início do século XX, a atividade é alterada pelo surto
industrial ocorrido na região, principalmente no período de 1892-1930. A importância da
atividade portuária, em São Gonçalo, diferente do Rio de Janeiro, se explica, primeiro, pela
necessidade de escoamento da produção agrícola e via de acesso de mercadorias e pessoas
para o interior do antigo Estado do Rio de Janeiro (FERNANDES, 2000, p. 15).
21
O acesso aos portos, ou mesmo aos rios da região de São Gonçalo, foi um
importante fator de atratividade industrial desde o início do século XX. Um bom exemplo foi
a Companhia de Cimento Portland, inicialmente com capital canadense. Localizou-se às
margens do rio Guaxindiba e construiu um canal de acesso com seus próprios recursos para
facilitar o embarque de sua produção para o porto da Capital Federal, na cidade do Rio de
Janeiro.
O declínio desses portos inicia-se na segunda metade do século XX quando
algumas fábricas e indústrias fecham suas portas ou transferem suas atividades para outras
cidades ou para outras regiões. A atividade agrícola, principalmente a produção de laranja e
banana, enfrenta problemas com a concorrência. Na década de 1950 iniciam-se novos
loteamentos como o Jardim Catarina, Trindade e Jardim Alcântara, estabelecendo-se na
década de 1960 o fim da zona rural do município.
Apesar desta tese não ter um aprofundamento histórico cabe, aqui, algumas
considerações sobre o século XIX. Estas considerações, mesmo que superficiais, são
necessárias para a corroboração da hipótese de que a industrialização no eixo Niterói-São
Gonçalo se fez por complementaridade e oposição em alguns momentos.
Além da localização industrial na orla Oriental da Baía de Guanabara, autores
como Oliveira (2003, p. 43) citam que os investimentos industriais mais importantes foram
realizados fora do núcleo, ou seja, fora da antiga Capital Federal e ao longo dos eixos viários,
principalmente, nas ligações com os Estados de São Paulo e de Minas Gerais. Segundo ele,
Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, também sofreu a influência direta da
proximidade do Governo central, mas não foi “objeto de uma política que integrasse as ações,
instituições e diretrizes públicas de ocupação e desenvolvimento do território”. Essa
influência resultou, segundo o autor, em um desempenho menor das atividades industriais
fora da cidade do Rio de Janeiro, acarretando na pequena industrialização nos Municípios da
atual Região Metropolitana e do interior do Estado.
A fragmentação da industrialização do atual Estado do Rio de Janeiro também
pode ser explicada pela antiga divisão em dois Estados, ou seja, em duas unidades da
federação sem a devida política de integração. Um outro fator que explica a pequena
concentração de indústrias e fábricas em Niterói e em São Gonçalo seria a opção pela
22
localização no lado Oeste da Baía de Guanabara. A Ponte Rio-Niterói foi construída bem mais
tarde, na década de 1970 e o trecho Niterói-Manilha da rodovia Federal BR-101 somente na
década de 1980 para completar a ligação da rodovia Federal BR 101 norte, em direção ao
Estado do Espírito Santo com o Sul, no trecho Rio-Santos, passando pela Avenida Brasil.
Na década de 1940, a orla Oriental foi descrita pioneiramente pelo médico Luiz
Palmier no consagrado livro São Gonçalo Cinqüentenário e na década de 1950 pelo geógrafo
Pedro Geiger na Revista Brasileira de Geografia. Enquanto Palmier tenta enaltecer o
Município de São Gonçalo como a “Manchester fluminense”, Geiger o descreve como um
subúrbio da Cidade do Rio de Janeiro:
São Gonçalo é na prática, um subúrbio do Rio de Janeiro, no qual fazendas e
pomares foram e estão sendo loteados em benefício do crescimento urbano e
da industrialização. A produção de cimento, papel, vidro, sardinhas,
produtos químicos e matérias de construção são alguns dos ramos industriais
deste importante município. Também aí, as empresas de ônibus têm se
multiplicado, mantendo longas linhas de comunicação; o bonde e os trens
suburbanos nas horas do ‘rush’ são outros veículos coletivos que servem à
população. A área urbanizada é muito extensa, pois é grande a dispersão do
casario pelas antigas fazendas loteadas. Neves é conurbada ao bairro de
Barretos em Niterói (GEIGER, 1956, p. 47-70). 3
A conurbação a que Geiger se refere, no texto acima na década de 1950, não se
trata da ligação com a cidade do Rio de Janeiro. A Avenida Brasil e as obras na rodovia BR
101 se constituíram em eixo importantíssimo para integração do transporte após a elaboração
desse trabalho do geógrafo para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. A
ligação é completada na década de 1970 com a ponte, principalmente porque o acesso à
cidade do Rio de Janeiro era limitado pela Baía de Guanabara. Em resumo, a limitação da
expansão industrial no lado Leste se deve à Baía de Guanabara, assim como à conurbação
entre São Gonçalo e Niterói também se beneficiou da nova proximidade com a cidade do Rio
de Janeiro. As estradas que contornam a Baía não possuíam e ainda não possuem uma boa
estrutura, além de aumentar em quase 100 km a ligação da BR 101 Norte com a cidade do Rio
de Janeiro.
Além das falsas oposições que aparecem à primeira vista entre São Gonçalo e
Niterói e entre esses dois Municípios e a cidade do Rio de Janeiro, podemos observar alguns
3 GEIGER, Pedro Pinchas. Urbanização e Industrialização na Orla Oriental da Baía de Guanabara, Revista
Brasileira de Geografia, Rio de janeiro, outubro/dezembro, p. 47-70, 1956.
23
casos de complementaridade entre os dois Municípios acima citados. Contrariando a tese de
Oliveira (2003), acreditamos que a expansão industrial de São Gonçalo não ocorreu a partir de
Niterói em direção a São Gonçalo. A ocupação e a industrialização dos Municípios que
formam a orla Oriental da Baía de Guanabara foi diretamente influenciada pelo núcleo
metropolitano, mas são processos distintos e em alguns casos complementares. Podemos citar
as indústrias de conservas e pescado e a indústria de cimento como exemplos dessa
complementaridade. Tanto uma quanto a outra não eram encontradas no antigo Estado da
Guanabara e sobretudo na cidade do Rio de Janeiro.
A linha férrea que ligava o Município de Niterói a Itaboraí passando por São
Gonçalo e a linha auxiliar que ia de Niterói ao Município de Maricá, também foram fatores
importantes para a expansão da indústria e a formação do tecido urbano no eixo Niterói - São
Gonçalo. Tanto o trecho da chamada Estrada de Ferro Maricá, quanto o trecho até Porto das
Caixas em Itaboraí, pertenciam à Estrada de ferro The Leopoldina Railway, ligando a cidade
de Niterói ao interior do Estado do Rio de Janeiro.
Dialeticamente determinada, essa relação entre núcleo e periferia pode nos indicar
que, ao mesmo tempo em que a ausência de transporte em determinada época limitou a
expansão industrial, num outro momento o seu desenvolvimento provocou um dos maiores
crescimentos de periferias metropolitanas no Brasil. Podemos citar como exemplo os casos
dos vetores de expansão de São Gonçalo em meados do século XX, atualmente em Itaboraí, e
em menor escala, Maricá no final do XX e início do século XXI.
A falsa noção de atraso no desenvolvimento de Niterói, e principalmente de São
Gonçalo, em comparação ao núcleo, cidade do Rio de Janeiro, comentada por Oliveira (2003),
pode ser explicada pela falta de compreensão dos dois “tempos”, ou seja, dos ritmos de
desenvolvimento de cada um desses Municípios. Enquanto a cidade do Rio de Janeiro tem a
sua modernização planejada, Niterói e principalmente São Gonçalo, não tiveram e ainda hoje
sofrem pela falta de planejamento.
Segundo o mesmo autor os registros da Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro, a FIRJAN, apontam a “Indústria de Galões” de ouro e prata como sendo a primeira
indústria na cidade do Rio de Janeiro em 1811, influenciada pela chegada da família Real ao
Brasil. A vinda da família Real foi decisiva também para o desenvolvimento do primeiro
24
estaleiro brasileiro, o Arsenal da Marinha de Guerra. Segundo o engenheiro Pedro Carlos da
Silva Telles,4 o Arsenal do Rio de Janeiro, antigo centro de reparos navais, foi modernizado a
partir de 1840 com a implantação de novas oficinas e com a vinda dos primeiros brasileiros
formados em engenharia naval na Europa (TELLES, 2007). Mauá, que possuía contatos nos
gabinetes ministeriais, sabia da necessidade de ampliação dos serviços navais e por isso
comprou e ampliou a fábrica de Ponta d´Areia em Niterói.5
Observamos um intervalo de cinco anos, que vai da ampliação do Arsenal da
Marinha à aquisição de um “modestíssimo telheiro com máquinas primitivas de fundição de
ferro e carreiras ao lado, onde se faziam barcos de vela” (FARIAS apud VITORINO)6 em
Niterói no ano de 1845 pelo barão de Mauá. A pequena diferença de tempo pode dar pistas
sobre a existência de uma complementaridade dialética entre centro e periferia. Mauá,
sabiamente, cria a fábrica do outro lado da Baía para disputar mercado com as primeiras
fábricas no Rio de Janeiro, segundo o mesmo autor.
Quando, no início do século XX, inicia-se um período de retração na indústria do
Estado do Rio de Janeiro por causa da I Grande Guerra Mundial e dificuldades no mercado,
Niterói e São Gonçalo estavam iniciando um momento de expansão das seguintes indústrias:
Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas - CBUM em 1925, a Companhia Nacional de
Cimento Portland, CNCP7 em 1926 e a têxtil Companhia Fluminense de Manufatura, que
apesar ter sido fundada em 1893, foi ampliada no Pós-guerra. As duas primeiras se
localizavam em São Gonçalo e a segunda no Barreto, em Niterói.
4 Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Nacional de Engenharia.
5 Pesquisado em novembro de 2007 no site: http://www.transportes.gov.bro/bit/estudos/Eng-naval/historia.htm.
O conteúdo faz referência ao artigo de TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia Naval. S/d
Mímeo.
6 FARIA, Alerto. Mauá. Irenêo Evangelista de Souza, Barão e Visconde de Mauá, 1813-1889., Paulo, Pongetti
& Cia, pp. 134 a 135. Rio de Janeiro, 1926, apud. VITORINO, Artur José. “Operários livres e cativos nas
manufaturas: Rio de Janeiro, segunda metade do século XIX”. Mímeo, págs. 6 e 7. Rio de Janeiro, 1926.
7 Segundo a tese de João Cardoso de Mello foi implantada em 1924 com auxílio de capital canadense e
americano e de incentivos governamentais. CARDOSO DE MELLO, João Manoel, IN: Capitalismo Tardio,
página 183. Tese de Doutorado apresentada à UNICAMP, São Paulo, 1975. Contrariando a data citada por
Cardoso de Mello, informações coletadas no site do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento:
http://www.snic.org.br: apontam que a Companhia Brasileira de Cimento Portland foi inaugurada em 1926 na
cidade de Perus, 23 km de São Paulo. A produção brasileira de cimento saltou de 13.000 toneladas em 1926 para
96.000 em 1929. Depois de sete anos de hegemonia da Companhia Perus, a Companhia Nacional de Cimento
Portland, subsidiária da empresa norte americana Lone Star, entrou no mercado cimenteiro. Adquiriu uma jazida
calcária recém descoberta em Itaboraí, no Estado do Rio de Janeiro, e em seguida inaugurou sua fábrica no
município de São Gonçalo, lançando o hoje tradicional cimento Mauá. O resultado é que, já em 1933, a
produção nacional começava a ultrapassar as importações.
25
Até a década de 1920, o Brasil importava cerca de 90% do seu cimento. Empresas
multinacionais se instalam no Brasil como uma forma de expandir o seu capital e suprir essa
carência do nosso país. Um caso emblemático é a indústria de cimento Portland em
Guaxindiba,8 utilizando matérias primas retiradas de Itaboraí.
Segundo a Tese de Oliveira, (2003, p. 53):
neste novo cenário de crise econômica, a produção industrial no Estado se
concentra mais nas grandes indústrias, capazes de intensificar a concentração
de capitais através de maquinário moderno e de mais trabalhadores, como os
setores metalúrgico, naval, têxtil e de moinhos, dentre outros.
Além do mais, os salários na cidade do Rio de Janeiro eram mais altos que do
outro lado da Baía de Guanabara, e contribuíram para redefinir a localização das indústrias
que surgiram a partir da I Grande Guerra Mundial. De acordo com a tese de Oliveira (2003, p.
55 e 56):
Neste mesmo período, também ocorre a expansão industrial para o
Município de São Gonçalo, partindo da cidade de Niterói, como demonstrou
Geiger (1956), ao avaliar a industrialização nos Municípios do Leste da Baía
de Guanabara a partir dos anos 1930. Segundo Geiger, a industrialização no
lado Leste da Baía de Guanabara teve início em 1845, com a instalação dos
estaleiros fundados pelo Barão de Mauá em Ponta de Areia, gerando um
pequeno núcleo industrial no entorno do estaleiro e do porto. Nesta época,
onde hoje se encontra o Município de São Gonçalo, predominavam as
olarias. Em 1893, porém, com a inauguração da Cia. Fluminense de
Manufatura, localizada no bairro do Barreto, em Niterói, em terreno
fronteiriço ao Município de São Gonçalo, a industrialização da região ganha
novo impulso, favorecendo a expansão industrial no Leste da Baía,
sobretudo dos setores químicos e farmacêuticos, naval, metal-mecânico,
conservas e beneficiamento de minerais não-metálicos, particularmente nos
ramos de cerâmicas, cimento e vidros. A expansão das atividades industriais
para além do território do Distrito Federal, no entanto, não ocorreu sem uma
forte resistência a esse espraiamento, por parte do Governo carioca.
Como podemos observar, essas duas primeiras atividades industriais, uma em São
Gonçalo e outra em Niterói, foram determinantes para definir a localização industrial na orla
8 Segundo o Sr. Sílvio de Oliveira, presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Guaxindiba, Vista
Alegre e Adjacências - AMAGUAVA. "Esperamos que o Comperj traga alguma coisa boa para a comunidade".
Guaxindiba é um bairro pobre de São Gonçalo. Na comunidade moram oito mil pessoas sem acesso a serviços de
água potável e tratamento de esgoto. Guaxindiba foi considerada, por alguns entrevistados com “área de desova
de cadáveres”.
26
Oriental da Baía de Guanabara. Enquanto o Estado da Guanabara investem em sucessivos
projetos para a criação de zonas de expansão industrial, além de distritos e pólos, da Via
Washington Luís em 1928, atual Via Dutra, da Avenida Brasil, da Rodovia Presidente Dutra,
ambas em 1952 e da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN em 1946 em Volta Redonda, na
época, distrito de Barra Mansa.
Temos uma primeira definição da industrialização da orla Oriental da Baía de
Guanabara, não apenas um processo que nasce a partir dos capitais da produção da cana de
açúcar e da cafeicultura, mas de um processo de expansão de capitais nacionais e estrangeiros
no território fluminense.
Segundo Oliveira (2000, p. 10), para Davidovich a frágil rede de cidades no
antigo Estado do Rio de Janeiro foi um dos fatores que induziram a concentração de
população, de atividades e de recursos na metrópole do Rio de Janeiro. Segundo a autora,
esses fatores limitaram o processo de ocupação e desenvolvimento do Estado.
Como já citamos anteriormente, o período entre 1920 e 1940 foi “positivo” para o
crescimento industrial de Niterói e, sobretudo, de São Gonçalo. Em 1956 tivemos os
investimentos do Plano de Metas com o Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), a
expansão da industria naval, a modernização do parque têxtil e a construção da refinaria
Duque de Caxias. Fatos aparentemente não muito relevantes, mas dignos de nota são a
expansão da construção civil na Cidade do Rio de Janeiro e a construção do Estádio Mario
Filho, o Maracanã, na década de 1950.
O crescimento da indústria da construção civil, e mais tarde, a construção da
Ponte Rio-Niterói, no início da década de 1970, representaram um aumento acentuado na
produção e na venda de cimento e derivados produzidos na fábrica localizada em São
Gonçalo9.
A expansão de um grande número de loteamentos na região na década de 1960 e
as obras de construção da Rodovia Federal BR-101 e da Ponte Rio-Niterói, contribuíram para
o aumento da densidade demográfica na orla Oriental da Baía de Guanabara. Ainda nessa
9 Os lucros com a ampliação da produção e da venda de cimentos na Companhia Nacional de Cimento Portland,
apresentados para a época, não permaneceram em São Gonçalo. Notadamente foram enviados pela Lone Star
Co. para os Estados Unidos da América. Só observamos grandes mudanças na unidade de São Gonçalo, quando
o grupo francês LaFarge assume a Companhia em 1979.
27
década, temos dois fenômenos bem estudados: a transferência da Capital Federal para Brasília
e a Fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro.
No final da década de 1960, mais precisamente em 1968, a indústria química se
destaca em São Gonçalo com a vinda para o Brasil dos laboratórios americanos B-Braun10.
Além desse laboratório de grande porte, ainda encontramos no Município de São Gonçalo o
laboratório farmacêutico Herald's e o Guanabara Química Industrial Ltda – GETEC.11
A título ilustrativo, atualmente a empresa B-Braun S.A. é líder na Europa e
terceira no mundo no segmento de produtos médico-hospitalares. A empresa produz dezenas
de itens de consumo como dispositivos descartáveis e acessórios diversos para o uso em
“medicina crítica”12 e terapia intensiva. A unidade de São Gonçalo é responsável pela
coordenação de todas as atividades do grupo B-Braun na América do Sul.
Na década de 1970 temos ainda a retração da indústria naval e o início do
processo de fechamento e de transferência de muitas indústrias de Niterói e São Gonçalo.
Esses fenômenos foram estudados em nossa dissertação de mestrado (MENDONÇA, 2000) e
classificados como sendo o início do declínio da indústria nos distritos industriais do Barreto
e de Neves. (ANEXO D).
Em 1979, a empresa Lafarge se une ao grupo Lone Star, constrói uma fábrica em
Cantagalo e compra a Companhia Nacional de Cimento Portland - CNCP em Guaxindiba, São
Gonçalo. Atualmente no local encontramos, junto à Lafarge, as empresas: Chryso Brasil
Ltda., Lafarge Aluminoso do Brasil Ltda e Qualimat Distribuidora de Materiais de
10 Segundo o site oficial do laboratório www.bbraun.com.br, a empresa iniciou fabricando soluções ainda em
frascos de vidro e pouco tempo depois trouxe da Alemanha novos conceitos e inovações tecnológicas para o
desenvolvimento de novos produtos como: soros intravenosos e os aparelhos eletro-médicos para terapia
intensiva. Fonte: Jornal O Fluminense, Niterói, 23/09/2006. http://www.ofluminense.com.br/noticias/70007.
asp?pStrLink=5,344,0,70007&IndSeguro=0
11 Segundo dados da Revista brasileira de química, a GETEC atualmente é fabricante de sorbitol, manitol e
xarope de maltitol. A GETEC, de São Gonçalo, RJ, atua desde 1967 na conversão de açúcares nesses polióis. A
empresa não divulga capacidade produtiva, mas segmenta o mercado em higiene oral, como detentora de 60% do
volume consumido, sobretudo, pela indústria de creme dental; e em alimentício, em farmacêutico, com 20% do
total, cada um. Fonte: http://www.quimica.com.br/revista/qd419/edulcorantes4.htm.
12 Termo empregado pela empresa para a medicina em Centros de Terapia Intensiva.
28
Construção. Estas pertencem ao grupo francês Lafarge, associada à Materis Holding
Luxemburg S/A.13
A institucionalização da Região Metropolitana do Rio de Janeiro só ocorre com a
Lei Complementar nº 20 de 1º de janeiro de 1975, que cria também o novo Estado do Rio de
Janeiro, através da Fusão. Desta época à década de 1980 temos a elaboração de Planos
Diretores pela Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
- FUNDREM14 em São Gonçalo, no ano de 1978, e do projeto do Metrô, que já contemplava
a linha três que ligaria os Municípios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.
A crise econômica, a partir de fins dos anos 1970 e início dos 1980, comprometeu
o processo industrial do Estado, principalmente nos setores naval e têxtil, configurando nos
anos 1980 uma crise maior no Estado do Rio de Janeiro do que em outros Estados para esses
setores.
Em São Gonçalo, houve crescimento das indústrias de alimentos e química. A
empresa americana Quaker Oats, através Quaker do Brasil Ltda, adquire a Fábrica Conservas
Coqueiro em 1973, proporcionando um aumento na produção de conservas no País. Mais
tarde, na década de 1990, ela adquire outras indústrias de conserva no Município de São
Gonçalo e Niterói15. Para liquidar a concorrência, a Quaker do Brasil adquire quase todas as
empresas de sardinhas e alimentos de Niterói, São Gonçalo e até de Itaboraí16.
13 Sociedade holding integrante do Grupo Materis. Empresa de origem luxemburguesa que atua nos segmentos:
indústria química, petroquímica e indústria de produtos de minerais não metálicos. Segundo dados do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica - CADE, o grupo participou de duas operações nos últimos três anos e
registrou faturamento inferior a R$ 400 milhões no Brasil em 2005. Fonte. http:www.cade.gov.br.
14 FUNDREM. Plano Diretor do Município de São Gonçalo: Relatório Consolidado. RJ, 1978.
15 A Quaker do Brasil Ltda representa a indústria americana Quaker Oats pertencente ao grupo Pepsico.
(Pepsico do Brasil Ltda). No ano de 1973 adquire a Indústria de Conservas Coqueiro que operava em São
Gonçalo desde 1937. Esta fábrica de São Gonçalo é hoje a maior unidade isolada de enlatamento de peixes do
mundo. Atualmente a empresa é líder no mercado de sardinhas e de atum em lata com uma fatia de 40% do
mercado desses produtos. O faturamento anual da Quaker do Brasil está alcançando 500 milhões de dólares,
segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Alimentícias, ABIA, para o ano de 2006.
16 Como exemplo podemos citar as empresas gonçalenses: Conservas Piracema S/A; Conservas Rubi S/A; Sul
Atlântico de Alimentos S/A Ind. e Com e a recente Pepsico do Brasil Ltda. Niteroienses: Atlantic Industrial de
Conservas S/A, Cia. Industrial de Conservas Santa Iria; Frisa - Frigorífico Rio Doce S/A; Good Fish Produtos
Alimentícios Ltda; Pimentel Fisching do Brasil Ltda (barcos de pesca). E em Itaboraí: Cooperativa Agropecuária
dos Ranicultores do Estado do Rio.
29
Na produção de artefatos isolantes de vidro e tijolos refratários destacamos o
grupo francês Seves, produtor da marca Vidromatone. Em 1979, o grupo francês Ceraver
instalou em São Gonçalo a Eletro Vidro, empresa que atualmente pertence ao grupo francês
Société Européenne d'Isolateurs en Ventre et Composite - SEDIVER S.A. Hoje a SevesElectrovidro S.A. é a única fábrica de isoladores de corrente de toda a América Latina.17
Segundo a tese de Canosa (1998), ao se referir aos empresários do antigo Distrito
Federal, a decadência econômica, nas décadas de 1970 e 1980 do Estado do Rio de Janeiro,
poderia ser evitada se houvesse investimentos, por parte do Governo Federal, e se fossem
evitados o crescimento e a concentração industrial em São Paulo.
São Gonçalo, diferentemente de Niterói, apresentou uma industrialização
diversificada, com vários setores industriais participando igualmente no crescimento
municipal até a década de 1970. O Município foi diretamente afetado com o desemprego na
indústria naval de Niterói, setor que chegou a empregar em 1975 vinte e três mil trabalhadores
segundo os dados do Sindicato Nacional da Construção Naval. Em 1980, porém, os subsídios
dados ao setor foram sendo cortados e, como conseqüência direta, muitas indústrias
pertencentes à cadeia produtiva do setor naval foram fechadas, aumentando ainda mais os
efeitos negativos na economia fluminense. (OLIVEIRA, 2003, p. 80).
Em resumo, entre os anos 1975 e 1980 os setores que se sobressaíram na
economia fluminense foram os setores de química, material de transportes, siderúrgicos e
metalúrgicos, que se beneficiaram diretamente dos investimentos governamentais.
Destacaram-se, também, o setor têxtil, no bairro do Barreto em Niterói e na Região Serrana, a
indústria alimentar com o açúcar e a indústria química com o álcool, no Município de Campos
dos Goytacazes.
Niterói, diferentemente de São Gonçalo, com quarenta e oito bairros, limita-se
geograficamente com a Baía de Guanabara a Oeste e com o Município de São Gonçalo ao
norte. A construção da Avenida do Contorno na década de 1960 ampliou a ligação de Niterói
com São Gonçalo e transformou a Avenida do Contorno em via de passagem para outros
17 Atualmente a empresa Seves Electrovidro S/A. de São Gonçalo produz blocos de vidro e isoladores para rede
elétrica para toda a América Latina e ainda exporta para a Europa. A Electrovidro é associada a Vetroarredo da
Itália, a Seves e a Sediver, empresas com sede mundial em Nanterre, na França. Fontes: http://www.sediver.fr e
http://www.seves.com.
30
locais ligando inclusive a Ponte Rio-Niterói à BR-101 em São Gonçalo e Niterói ao Norte
Fluminense.
O bairro do Barreto em Niterói, por exemplo, foi o principal pólo industrial do
Município e nele encontravam-se instalados vários estabelecimentos têxteis além de muitas
fábricas menores. Uma importante indústria têxtil que permanece em funcionamento até os
dias de hoje é a Companhia Fluminense de Tecidos, antiga Companhia Manufatura
Fluminense, cuja instalação data do início do século XX e que conserva a arquitetura e o
modelo industrial daquela época, ou seja, mantém uma vila operária com aproximadamente
70 casas para trabalhadores. Constatamos, próximo a esta Companhia, que existe atualmente
um processo de valorização de imóveis e a construção de novos empreendimentos
imobiliários no Barreto. Podemos citar como exemplo o condomínio de edifícios Dr. March,
na rua de mesmo nome, onde outrora havia uma fábrica de tecidos.
Sendo de fácil acesso ao Centro da cidade e a outros Municípios, devido à
proximidade da Ponte Rio-Niterói e da Rodovia Niterói-Manilha, o Barreto está passando por
um processo de revitalização urbana e por recentes impactos com o retorno da indústria naval
na área. A antiga fábrica de tecidos fluminense ainda existe no local, mas agora sobre o
controle do grupo Bangu, proprietário da antiga fábrica no subúrbio carioca, transformada
também em Shopping, inaugurado no final do ano de 2007.
Segundo a tese de Oliveira, o Governo Federal recusou na década de 1980 a
instalação de um quarto pólo petroquímico brasileiro no Estado do Rio de Janeiro, optando
por distribuir os recursos destinados a esta instalação entre os pólos da Bahia, São Paulo e Rio
Grande do Sul devido ao descrédito político do Estado do Rio de Janeiro. (OLIVEIRA, 2003,
p. 82). Após a redemocratização política do país, mas com Governo oposicionista de Brizola,
em 1983 a economia industrial do Estado sofreu um pouco mais do que os demais Estados.
Este quadro de estagnação no Estado do Rio de Janeiro, considerado como de crise ou de
esvaziamento econômico foi, de certo modo, o impulsionador de novas propostas para
políticos e empresários pensarem em novas ações para recuperar a economia do Estado do
Rio de Janeiro.
31
Logo no início da década de 1980 o Governo do Estado, representado pela
Companhia de Desenvolvimento Industrial - CODIN e o empresariado, representado pela
FIRJAN, elaboraram um zoneamento industrial prevendo a criação de um novo “condomínio
industrial” em Guaxindiba, São Gonçalo. Esta proposta não foi implementada, mesmo sendo
repetida no Plano Diretor Municipal de 1989.
A FIRJAN, tendo como presidente um representante do setor naval, Arthur João
Donato, propõe a interiorização da estrutura do órgão com a instalação de sedes regionais e a
unificação de ações. Além das novas descobertas de poços de petróleo no Norte Fluminense,
suas ações foram estratégicas para o crescimento desse setor, sobretudo na retomada da
construção naval no Município de Niterói na década de 1990.
São Gonçalo, além de não possuir apoio da FIRJAN como Niterói, ainda
“contava” com uma forma bizarra de alternância de poder político municipal que se dava
entre dois grupos. (ANEXO A). No ano de 1954 até o final da década de 1980 alternavam no
poder o grupo Lavoura e a oposição.18 De 1989 até 2002 revezavam os grupos populistas
ligados ao partido de Brizola, PDT, e o grupo de oposição. Essa dualidade na política local só
foi, aparentemente extinta, com a eleição de Aparecida Panisset no antigo Partido da Frente
Liberal, PFL e atual Democratas em 2005.
De modo especial, A crise carioca tem sua origem próxima na década de 1920. O
período entre a década de 1960 e a década de 1980, pode representar uma “contribuição”
política negativa devido à ausência de planejamento ou pelo esvaziamento industrial. A partir
do quadro político local, notamos que a política é visivelmente uma borra19, dificilmente
decifrável de governos acusados de corrupção, omissão, descaso com o município, governos
interinos para substituir prefeitos investigados, governos populistas, como por exemplo, a
administração Lavoura, eleito nos anos de 1954, 1962 e 1972. Segundo um jornalista da
época, Hamilton Monteiro:
Embora haja esforços para renovação das direções partidárias, para que haja
maior penetração e dinamismo aos partidos, poucos diretórios o fazem,
normalmente os nomes mais antigos, gastos pelo tempo, eternos feudatários
das executivas dos diretórios, que não podem se eleger; o fazem por
18 Joaquim de Almeida Lavoura foi eleito três vezes para a prefeitura e obteve sucesso oferecendo o seu apoio
para eleger sucessor, Jeremias de Mattos Fontes, para assumir o Governo do Estado do Rio de Janeiro.
19 Expressão utilizada em entrevista por um funcionário da Prefeitura Municipal de São Gonçalo em 2005.
32
intermédio de pessoas por eles indicadas, seus fiéis seguidores. [...] Há 16
anos que o Município é dominado por um feudo político altamente nefasto
ao desenvolvimento. O resultado disso é que chegamos aos dias atuais sem
as mínimas possibilidades de enfrentar as crises infra-estruturais [...] Nesse
período a população, viu crescer as praças públicas [...] há que surgir planos
e não improvisações que atendam interesses oligárquicos. [...] Não é com
caneta ou picareta na mão, conforme dizia uma música cantada na campanha
eleitoral de 1958 que se governa e, sim, colocando a mente, para funcionar.20
Não é necessário elaborar uma complexa retrospectiva política para observar que
São Gonçalo durante muitas décadas padeceu por falta de planejamento urbano, e essa
ausência, dolosa ou não, associada às disputas nacionais e regionais pela hegemonia no
crescimento econômico corroborou para a atual conjuntura industrial. As empresas “bem
sucedidas” atualmente fazem parte de um grupo hegemônico externo que “planejou” essa
expansão com prescrições homeopáticas.
Com a ascensão no cenário político do grupo ligado ao governador Leonel
Brizola, São Gonçalo também passa a fazer parte dessa nova coalizão política. A primeira
eleição de Edson Ezequiel de Mattos pelo Partido Democrático Trabalhista, o PDT21, colocou
em xeque a hegemonia do grupo Lavoura na dominação política e econômica da cidade. O
que parecia, a princípio, uma mudança na política local com o fim de um grupo conservador,
tornou-se uma nova hegemonia. O populismo do grupo de Ezequiel foi responsável pela
renovação da Câmara Municipal, com mais de 70% dos vereadores. Enquanto isso, o grupo
Lavoura elegeu apenas três das vinte e uma cadeiras na Câmara dos Vereadores.
A partir da Constituição de 1988, São Gonçalo, como muitos Municípios, é
obrigado a produzir o seu Plano Diretor Decenal – PDD. O prefeito Edson Ezequiel contratou
o escritório Mayerhofer & Toledo para elaborar o primeiro Plano Diretor do Município após
regime militar, (MENDONÇA, 2000).
Ezequiel Neves e o seu grupo político permaneceram no controle da Prefeitura
Municipal de São Gonçalo de janeiro de 1989 até 1999. Nesse período foi prefeito duas vezes,
20 MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Artigos: Sucessão municipal I e II. Jornal O São Gonçalo, 19 e 20 de
fevereiro de 1972. Apud BARRETO, Edila Gomes: Joaquim de Almeida Lavoura, o nome que virou lenda e as
suas eleições. Páginas: 42 e 43. Mimeo, 53p. Ffp/Uerj, Rio de Janeiro, 2004.
21 Com a entrada em cena do Governador Anthony Garotinho no Governo Estadual, o grupo de Ezequiel Neves
e sua esposa Graça Mattos migrou para o PMDB, onde permanece até o presente momento.
33
intercalando com seu ex-secretário João Bravo (1993-1996). As alterações mais significativas
na política urbana do Município só retornaram à cena política a partir da eleição em 2000 do
prefeito Henry Charles, (2001-2004). Político remanescente do grupo Lavoura, o “Dr.
Charles” como é conhecido, tem seu reduto político nos bairros próximos a Alcântara. A sua
administração, com apoio do Governo Estadual de Anthony Garotinho, criou o programa São
Gonçalo 2000, que tinha como eixo central a reurbanização da cidade principalmente o bairro
de Jardim Catarina.
Dr. Henry Charles convidou o arquiteto Luiz Paulo Conde, ex-Prefeito do Rio de
Janeiro, para propor melhorias na cidade. Conde utiliza a organização não-governamental
“viver cidades” para realizar estudos de diagnósticos preliminares para São Gonçalo, como
também para vários Municípios brasileiros. Durante a administração do Dr. Charles,
“ultrapassa o prazo” para a realização da revisão decenal do PDD, mas mesmo com muitas
pressões de parte da sociedade organizada e da mídia, não foi feita. A revisão do PDD foi
protelada, e quase “deixada de lado” até 2006, quando a atual legislação da prefeita Aparecida
Panisset, contratou o escritório brasiliense Technum Consultoria S.S.22 para elaborar a
revisão.
A política gonçalense, bem como a de muitas cidades brasileiras é marcada por
diferentes tipos de relacionamento entre o público e o privado.23 Atualmente, a política local é
marcada pelo governismo24 e pelo assistencialismo religioso, inaugurado no Estado do Rio de
Janeiro pelo casal Garotinho, obtendo sucesso em São Gonçalo. A cidade tem, no momento,
segundo dados do IGBE, 50% de adeptos de religiões evangélicas.25 Essa adesão influenciou
no processo decisório local e está sendo utilizado, segundo depoimentos, para determinar a
localização de obras e interferências na política urbana local. Segundo entrevistados, a
22 Ver por exemplo o site www.technum.com.br pesquisado em 27 de maio de 2006.
23 Ver por exemplo conservadorismo, populismo, clientelismo, personalismo e fisiologismo.
24 O governismo em São Gonçalo é, segundo (ANDRADE, 1998), uma estratégia política onde membros do
Legislativo Municipal apóiam o Executivo na produção de políticas públicas em troca da transferência de
recursos do Executivo para suas bases eleitorais. Os parlamentares abrem mão do poder de “veto, obstrução e
controle” e o Executivo distribui “cargos, vantagens e apoio do governo”. Há muito tempo não é relatado a
oposição sistemática na Câmara dos Vereadores de São Gonçalo. Observa-se, que a partir da administração do
Dr. Charles, quando esse “pacto” é quebrado surgem denúncias de relacionamentos impróprios com empresas
como a Mafran na compra de merendas escolares e mais recentemente, na administração de Aparecida Panisset,
com a empresa Gualtama, na construção de praças.
25 OLIVEIRA, Italmar Santos. A territorialidade evangélica pentecostal: um estudo de caso em São Gonçalo,
RJ. Dissertação de mestrado para o Ibge/Ence. Rio de Janeiro, 2005.
34
“Prefeitura estaria favorecendo determinados redutos, vereadores e grupos religiosos que
apóiam a sua reeleição”.
Denúncias de governismo, ou de relações de fisiologismo entre Executivo e o
Legistativo Municipal, e de corrupção não são recentes. Durante a administração do prefeito
Henri Charles, a política urbana foi sendo paulatinamente associada aos escândalos, na mídia,
envolvendo denúncias de corrupção na compra de merenda para as escolas do Município em
Rede Nacional.26 A empresa Marval, na época sediada em Vila Velha, Estado do Espírito
Santo, foi denunciada na televisão pelo irmão do prefeito Henry Charles, então secretário de
Governo da PMSG responsável pelas compras do município. O irmão do prefeito, sofrendo
com ameaças do legislativo, convidou um jornalista da televisão para instalar câmeras em seu
gabinete e flagrar as denúncias que apontaram vereadores, advogados, empresários e um exvereador, oferecendo vantagens ou cobrando pelo silêncio e apoio político.27
Além do governismo citado, é comum encontrar, ainda, a prática do clientelismo,
segundo entrevistas28, este tipo de relação política existe desde os primeiros governos
26 O repórter Eduardo Faustini da Rede Globo, durante 30 dias se fez passar por um substituto do secretário de
gabinete da Prefeitura de São Gonçalo, George Calvert, irmão do prefeito e gravou cenas de tentativa de suborno
e corrupção. Segundo a gravação, exibida em rede nacional no programa Fantástico da Rede Globo
(21/04/2002). Aparem na gravação: o Vereador Ricardo Castor pede R$ 30 mil por mês para parar com as
críticas à Prefeitura; o Sr. Miguel Nogueira, advogado do vereador Ricardo Castor intermediando a chantagem; o
Sr. Geraldo Cunha, ex-presidente da Câmara oferecendo comissão, caso conseguisse a concessão de um
estacionamento e assumindo que aumentou o salário dos assessores parlamentares para "sobrar mais dinheiro
para ele e os colegas vereadores"; o Sr. Miguel Macedo, empresário que ofereceu comissões sobre contratos e
também o Sr. Giovani Genta, representante da empresa Adter, administradora de terminais rodoviários ofereceu
uma "porcentagem" para a administração dos estacionamentos da cidade.
Fontes: Fantástico - Rede Globo - 21/04/2002; fonte: site da rede globo de televisão:
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA923505-4005-0-0-26092002,00.html. 26.09.2002. “Os
bastidores da denúncia que escandalizou o Brasil”.
27 A notícia de corrupção também foi comentada na mídia mundial pela organização mundial de direitos
humanos, The Human Rights. Segundo seu dossier: “A television reporter from the Globo networked mentioned
in the preceding text is Eduardo Faustini. During a project on which he was working for the Sunday evening
program “Fantástico,” he spent a month undercover as the Secretary of the São Gonçalo Town Council Planning
Unit (Rio de Janeiro State). Faustini stated that during this time he was offered a bribe to contract the services of
a company called Marval Comércio and Services (based in Espírito Santo) as well as other companies. Faustini
taped a number of conversations, which were subsequently aired on the Fantástico national television program.
In these conversations, Miguel Macedo, a Marval lobbyist, offered a bribe of 20% in return for a contract with
the Town Council. Macedo told Faustini that the same type of scheme was being run between Marval and public
administrations in Belford Roxo (Rio de Janeiro State) and in Vila Velha (Espírito Santo State). He explained
that, in Vila Velha for example, a 20% commission was paid by Marval to the Transport Secretary, Miguel
Fernandes. Fernandes then passed on a further “commission” to the Mayor, Max Filho”. Fontes: The Human
Rights Crisis in Espírito Santo: threats and violence against human rights defenders. Julho de 2002;
www.fidh.org/IMG/pdf/br2507a. pdf; www.seculodiario.com.br, July 7, 2002.
28 As principais entrevistas sobre a política local foram realizadas no ano de 2007 com funcionários da
Prefeitura Municipal e prestadores de Serviços ligados à Administração. Para tentar preservar as suas identidades
optamos por não citá-los ou mesmo usar pseudônimos.
35
democráticos em São Gonçalo. Hoje o clientelismo produz uma divisão do território da cidade
por vereadores e candidatos. Em entrevistas ouvimos até a designação, absurda, de “divisões
em feudos”, onde verdadeiros “senhores feudais” teriam poder político, econômico e em
alguns casos de força, como por exemplo no controle dos transportes alternativos.
Em muitos bairros são encontrados “centros sociais” ou “centros comunitários”
controlados direta ou indiretamente por candidatos ou por seus aliados visando diversos
cargos legislativos e executivos. Até mesmo a prefeita tem a sua associação. Além da
ilegalidade, prevista por Lei, essas “associações” recebem recursos públicos para sua
manutenção. A tese de (SENNA, 2004), por exemplo, está repleta de casos desse tipo de
assistencialismo na saúde pública no território municipal. Segundo ela, há um verdadeiro
“loteamento da cidade” no atendimento de demandas da saúde, saneamento básico entre
outras obras públicas.
Desde o início do mandato de Henry Charles pesquisas vêm comprovando a
permanência desse tipo de clientelismo. A título ilustrativo, estudos de Senna (2004, p. 136)
citam entrevistas realizadas em 1998, nas quais dos vinte e um vereadores gonçalenses,
dezessete prestam algum tipo de assistência social para a população local, (Santos Júnior,
2001).
“Destes, quatro declararam possuir ao menos um centro de atendimento
comunitário [...], (além de) encaminhamento para serviços especializados,
corte de cabelos, cursos profissionalizantes, emissão de documentos e
assistência jurídica [...] Tem todo um esquema que não custa nada para o
político. O político não investe sequer um real, ele não gasta nada. Ele só
recebe as vantagens. Ele tem as fundações que divulgam o seu próprio nome
[...] São fundações onde se coloca o esquema da ambulância, que é só para
levar uma pessoa dali que está passando mal até o pronto socorro; onde se
consegue remédios na própria farmácia do município. E a população fica
satisfeita, porque ela conseguiu resolver logo o seu problema; foi atendida de
imediato” (SENNA, 2004, p. 136 e 137).
A administração do Dr. Charles (2001-2004) no PMDB pode ser um exemplo do
poder que o assistencialismo tem na cidade. Foi eleito vereador duas vezes consecutivas,
Deputado Estadual e prefeito do município. Sua campanha eleitoral para prefeito foi pautada
na “ordem urbana da cidade” e na melhoria da saúde com o slogan: “chame o doutor!”.
Recebeu apoio do então Senador Sérgio Cabral Filho e do ex-governador Welington Moreira
36
Franco nas carreatas e nos comícios que presenciei na Brasilândia. Foi notável a oposição do
PDT de Ezequiel Neves e seus candidatos a vereador, uma clara “resistência” ao retorno de
representantes do grupo Lavoura ao poder, no qual um desses representantes era o ex-prefeito
Hairson Monteiro, candidato a vice-prefeito na chapa de Henry Charles.
A dinâmica política local não é diferente de muitos Municípios da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, RMRJ, mas podemos identificar algumas especificidades
para entender a política urbana. Percebemos que, apesar dos discursos, o aperfeiçoamento da
política urbana não é prioritário. Mesmo com o atual Plano Diretor Decenal, PDD de São
Gonçalo e diversas Leis que regulam a organização político-administrativa do Município,
ainda continuam utilizando a divisão territorial elaborada na década de 1940 e reafirmada nas
décadas de 1960, 1990 e no atual PDD. Um dado constante nas entrevistas, segundo alguns
entrevistados, é o conformismo representado por frases como: “São Gonçalo é assim porque
sempre é administrada por pessoas ‘de fora’, por políticos que moram no Rio de Janeiro e em
Niterói e usam o eleitorado para se eleger, mas depois não retornam à cidade.”29 As
campanhas de Alice Tamborideguy para a Prefeitura e para a Assembléia Legislativa são
dados citados como referência.
Esse comportamento de culpabilidade dos políticos ‘de fora’ foi utilizado para
comentar a influência do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, César Maia na administração
local. O prefeito do Rio de Janeiro ‘enviou’ alguns secretários para trabalharem em São
Gonçalo, mudou a cor da Prefeitura para laranja como no Rio de Janeiro e os uniformes das
escolas municipais e da Guarda Municipal.
Também é comum, segundo entrevistas, ouvirmos comentários políticopartidários afirmando “que alguns prefeitos de São Gonçalo acabam comprando mansões em
Camboinhas e Itaquatiara, bairros nobres de Niterói, mas mantêm a sua residência política em
São Gonçalo”. Dificilmente a população local, analisada através dos entrevistados, admitiu
que a política urbana é realizada com a participação de gonçalenses, alguns na política há
mais de trinta anos, e não “por pessoas que têm a cabeça no Rio de Janeiro e em Niterói e os
pés no chão de São Gonçalo”.
29 Entrevista realizada com um funcionário da Prefeitura Municipal de São Gonçalo em 2006.
37
Parece uma contradição, mas os políticos gonçalenses são considerados
conservadores, como os políticos do grupo Lavoura, mas se inspiram nos contemporâneos
como os de Niterói e do Rio de Janeiro. Um clássico exemplo é a atual administração, no qual
a prefeita Aparecida Panisset tentou, de várias formas, a aliança política com o prefeito
Godofredo Pinto do PT de Niterói, e faz referências à política urbana participativa, mas não
consegue se dissociar da prática administrativa de César Maia, Partido Democrata, do Rio de
Janeiro.
Algumas pesquisas na imprensa apontam pelo menos duas tentativas frustradas da
prefeita Aparecida Panisset em migrar para o partido dos trabalhadores30. Em ambas as
ocasiões o Diretório Municipal repeliu a sua entrada no PT31. Apenas o PDT aceitou a sua
entrada na legenda. Aparecida Panisset, filiou-se ao PDT, acompanhada pelo pré-candidato da
legenda à Prefeitura de Niterói, Jorge Roberto Silveira. Durante a assinatura da ficha de
filiação a prefeita comentou:
“Estou muito feliz por retornar ao PDT, onde me iniciei na política. Este
partido sempre esteve em meu coração [...]. O mais importante não é o meu
retorno. É preciso escutar o povo, que não é compreendido nem ouvido. Ele
precisa de nós.”32
Enfim o que parecia, à primeira vista, como sugere (SENNA, 2004) “o fim do
domínio político do grupo Lavoura com a vitória do grupo brizolista de Edson Ezequiel em
1988” e depois com a substituição deste pelo grupo do antigo PFL, parece mais um intervalo
populista, prontamente preenchido pela velha política conservadora representada antes pelo
grupo Lavoura, e agora pelo velho conservadorismo “modernizado” com o retorno da prefeita
Panisset ao PDT. Eleita vereadora em 1996 pelo PDT, Panisset novamente no partido se
prepara para concorrer à reeleição em 2008 com o apoio do brizolismo modernizado por Jorge
Roberto da Silveira, que a título ilustrativo, filho do antigo governador do Estado, Roberto
Silveira, ligado ao grupo Lavoura em São Gonçalo.
30 Jornal O Fluminense, sexta-feira, 18 de maio de 2006. Caderno Política.
31 Na última tentativa, o diretório municipal do Partido dos Trabalhadores de São Gonçalo, reunido em sua sede
no Boaçu, decidiu não aceitar o pedido de filiação da Prefeita Panisset. Parte do PT local vem mantendo
conversação com o deputado estadual Altineu Côrtes. Nosso Jornal de Notícias. “PT decide domingo se Panisset
ingressará na legenda”. Edição 2525. São Gonçalo, 07 a 09 de julho de 2007.
32 CARVALHO, Anderson. “Prefeita Aparecida Panisset assina filiação ao PDT em São Gonçalo.” Jornal O
Fluminense.
Caderno
política.
20/08/2007.
http://www.ofluminense.com.br/noticias/119061.
asp?pStrLink=2,5,0,119061&indSeguro=0.
38
A expectativa de mudanças positivas, seja na política urbana, no desenvolvimento
sócio-econômico, saúde ou na educação é similar à maioria das cidades brasileiras, mas um
dado que nos parece específico de São Gonçalo é que essa esperança quase sempre se faz com
alternância do poder. O grupo Lavoura permanece no poder da década de 1950 até a década
de 1970. O grupo brizolista permanece do final da década de 1980 até o ano 2000, quando
retorna a política lavourista com Henry Charles, de certa forma, presente até os nossos dias
nos discursos da Prefeita Aparecida Panisset.33
Enfim, buscar mudanças recentes e significativas no eixo, Niterói – Itaboraí, que
corta o Município de São Gonçalo conduz a um contexto contraditório e difuso, caracterizado
pela convivência de pobreza e carência de serviços urbanos básicos, lado a lado da riqueza e
expansão de indústrias de ponta como os laboratórios, a indústria de alimentos e de artefatos
isolantes de vidro. Podem ser encontradas também contradições no predomínio de relações
políticas conservadoras e nos discursos modernizadores.
As mudanças recentes, sobretudo econômicas, são reflexos dessa expansão de
indústrias e dos investimentos de agentes externos, grupo Ecia/Irmãos Araújo na construção
do São Gonçalo Shopping, por exemplo. Além de sobejos de políticas mais amplas como a
decisão dos governos Federal e Estadual de retomar a política de construção naval em
Niterói ou o complexo petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, o COMPERJ. Esses
exemplos, direta ou indiretamente, podem gerar mudanças e empregos em São Gonçalo.
Enfim, a cidade possui pelo menos duas fases distintas de mudança. Uma ligada à expansão
fordista das indústrias que entra em declínio na década de 1970 em São Gonçalo e outra que
se inicia com a implantação de mercados e shoppings com a ampliação dos setores de
comércio e de serviço a partir da década de 1990. O atual momento parece ser de confirmação
da posição hegemônica das principais indústrias e ao mesmo tempo de expansão da oferta de
serviços e comércio. Mesmo com sucessivas ampliações, ainda há a carência nos setores de
lazer, saúde e educação.
33 Segundo a imprensa local: “Aparecida ofereceu ao PT, as Secretarias de Governo e de Trabalho - esta já
ocupada pelo petista Luiz Paiva - e as subsecretarias de Habitação e Educação. Porém, os petistas almejam muito
mais: querem a Secretaria de Educação, por entenderem que ali poderão ser incrementas as políticas públicas
adotadas pelo Governo Lula em todas as prefeituras ad-ministradas pelo PT no país. O outro ponto de difícil
acordo é a convivência no escalão municipal com membros do partido Democratas, ex PFL, que são liderados
pelo Prefeito César Maia, adversário contumaz do presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores”. Jornal O São
Gonçalo, edição 2525, caderno política, 7, 8 e 9 de julho de 2007.
39
Não importa se a conjuntura política local tende para uma linguagem que lembra
“progressismo” político, fazendo um mimetismo de lulismo petista ou se tende para o velho
“conservadorismo” dos “barões” da política gonçalense, a dinâmica da política urbana local
descrita pelos entrevistados tem sempre variações muito tênues. A ausência de grandes
mudanças, de novos grupos no cenário político local pode explicar a atual conformação da
cidade.
A condução política da questão urbana carece de gerenciamento, o que impede o
desenvolvimento de novas práticas de administração pública e da ampliação democrática na
participação do processo de mudança social. Um círculo vicioso no qual a cidade não se
desenvolve porque não há vontade política suficiente, e quando não existe essa vontade, não
são criadas novas idéias e possibilidades de mudança.
40
1.2. São Gonçalo: Identificando as Transformações Sócio-Econômicas
Esse item apresenta algumas transformações mais significativas nesse espaço urbano
através de análises de dados sócio-econômicos e do levantamento das principais atividades. A
delimitação empírica abrange o eixo viário ou conurbação que liga o Município de Niterói,
extremidade Sul do eixo, com o Município de São Gonçalo, na extremidade Norte. As
principais referências geográficas para melhor compreensão deste trabalho são a rodovia BR101, a antiga ligação férrea da Leopoldina no trecho Niterói – Itaboraí e a chamada “orla
Oriental da Baía de Guanabara”.
Como exemplos de transformações recentes, são observadas: a construção de novos
locais de comércio e de serviço como o São Gonçalo Shopping Rio, as novas áreas de lazer
em torno da Baía de Guanabara como o Parque da Praia das Pedrinhas e o Piscinão de São
Gonçalo. Enquanto objetivo secundário discutimos também, alguns projetos como a Estação
Hidroviária de São Gonçalo e os planos para o aumento do número de empregos na indústria
naval niteroiense e gonçalenses.34
Para investigar e compreender algumas transformações ocorridas na área,
consideramos alguns investimentos do capital internacional onde existiam apenas fábricas e
indústrias de médio e pequeno porte descritas anteriormente. Hoje encontramos também
empresas como a Quaker Oats, Akzo Nobel (International tintas), a Gerdau (departamento
comercial), a Vidromatone e grandes hipermercados como o Carrefour em São Gonçalo e o
Sam’s Club do grupo Wal Mart em Niterói. Além da entrada de grandes cadeias de
lanchonetes, Bob’s e McDonalds, bem como lojas chamadas de “âncora” no novo shopping.
O lazer é representado pela escola de samba Porto da Pedra no bairro Vila Lage em São
Gonçalo e pela Viradouro no Barreto em Niterói. Representam um novo perfil para essas
localidades antes ocupadas por fábricas, vilas operárias e habitações da classe média.
34 A partir da construção de novas plataformas, a Petrobrás, está gerando milhares de vagas, diretas e indiretas
nos projetos de expansão no setor de petróleo até o ano de 2010. O projeto do Comperj será devidamente
analisado nos capítulos da segunda parte desse trabalho. Desde a inauguração, no dia 23/11/2005 da plataforma
P-50 houve um aumento na produção nacional de petróleo de 1,9 milhão de barris por dia até 2010. Segundo a
Petrobrás o País deverá estar produzindo 2,3 milhões de barris diariamente. Jornal O Dia, quinta-feira, 24 de
novembro de 2005, pág. 19. Atualmente O Rio de Janeiro constrói e repara cerca de cinco plataformas, sendo
quatro delas (P-43, P-54, P-52 e P-51) em Niterói. Os estaleiros Mauá-Jurong, associado ao Maric SCCS, da
China; Enave-Renave; McLaren; Ebin-Ultratec; CBO; o grupo, Roy Reiter e o Promar; entre outros menores.
Em São Gonçalo apenas o estaleiro Cassinu produz peças navais e está ligado a CBO. Companhia Brasileira de
Offshore.
41
A dinâmica demográfica no eixo Niterói-Manilha também provoca um
considerável interesse sociológico. São Gonçalo em outubro de 2004 já se apresentava como
segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio de Janeiro com 592 mil eleitores. Esta
“potência política” não foi atraente para o Partido dos Trabalhadores que rejeitou a entrada da
atual prefeita como já foi descrito35 e contribuiu para a escolha do Município de Itaboraí para
receber investimentos do COMPERJ.
O partido dos Trabalhadores administra o Município de Niterói36 com menor
número de habitantes que São Gonçalo, passou por mudanças substanciais em diversos
setores tais como: transportes viário e marítimo, setor de turismo com o caminho Niemayer e
o Museu de Arte Contemporânea e setor industrial, primeiro com a parceria da FIRJAN37 e
depois com investimentos dos Governos Estadual e Federal . Um conjunto de recursos do
Governo do Estado como o programa Rio Oil & Gas e do Governo Federal como o apoio
financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES se traduziu
em investimentos e projetos para a indústria naval e para o desenvolvimento local38.
O Município de Niterói aparece na imprensa como exemplo de lugar onde houve
o aumento na qualidade de vida e de possibilidades de emprego, enquanto São Gonçalo
aparece nas páginas policiais e, no máximo, em alguns discursos que comentam o aumento da
auto-estima dos moradores com os novos espaços de consumo, trabalho e lazer. Segundo um
jornal de grande circulação metropolitana temos agora:
35 Nos meses de junho e julho, de 2007, os jornais locais de São Gonçalo e de Niterói noticiaram a tentativa da
prefeita de São Gonçalo em ingressar no PT, mas o diretório municipal não aceitou o seu ingresso no Partido.
Esta estratégia política foi a última cartada para a busca de recursos para os empreendimentos do COMPERJ na
cidade e para receber apoio político nas eleições de 2008.
36 Em 2004 o prefeito eleito em Niterói foi Godofredo Pinto do PT com 65,09% ou 151.592 votos. Enquanto
que João Sampaio, do PDT, recebeu 34,91% ou 81.290 votos. Como foi feriado prolongado, foram 11% ou 34
mil abstenções. O PFL venceu nos dois maiores colégios eleitorais - Rio e São Gonçalo, que juntos representam
50% da população do Estado. Foi Eleita no primeiro turno com 51,95% a deputada estadual e futura prefeita de
São Gonçalo Aparecida Panisset, PFL. No período anterior foi prefeito o médico e ex Deputado Estadual Henry
Charles. A prefeita de São Gonçalo se comprometeu a participar da campanha do petista Godofredo Pinto em
Niterói. Jornal O Fluminense, Publicada na internet em: 11 de outubro de 2004.
37 O último documento pesquisado, elaborado pelo FIRJAN em 2006, só cita São Gonçalo em uma explicação
sobre os municípios que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro. Ver página 23. “Mapa do
Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro”: 2006-2015. Rio de Janeiro: Sistema FIRJAN/DCO, 112 p. 2006.
38 Segundo o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, o Estado do Rio de Janeiro é o principal alvo dos
investimentos. Um investimento total de US$ 32 bilhões (R$ 71,6 bilhões) nos próximos cinco anos. Jornal O
Dia, página 19. Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2005.
42
Shopping center, quatro hipermercados, redes de fast-food, academia com
piscina e aparelhos de última geração, praia ‘bombando’ com água limpa.
Você está pensando na Barra da Tijuca? Enganou-se. Estamos falando da
‘Barra de São Gonçalo’, como já está sendo conhecido trecho de
aproximadamente 10 quilômetros na Rodovia Niterói-Manilha, que reúne
todos os atrativos do paraíso do consumo carioca e virou de vez point do
Município com a inauguração do Piscinão de São Gonçalo há 10 dias.39
Fenômeno semelhante de euforia somente foi observado em 1940 pelo médico e
pesquisador Luiz Palmier quando denominou o distrito industrial de Neves de Manchester
Fluminense.40 Esse entusiasmo pode ter contribuído para atrair de novos moradores e à
conseqüente explosão demográfica que aconteceu em São Gonçalo entre as décadas de 1950 e
1970 quando as indústrias locais, e também de Niterói, atraíram um considerável contingente
populacional aumentando o número de loteamentos regulares e clandestinos no município.
Fato semelhante está acontecendo novamente em São Gonçalo e mais expressivamente em
Itaboraí por conta da instalação do COMPERJ.
Tabela 1. Explosão demográfica em São Gonçalo entre as décadas de 1950 e 1970 em relação a RMRJ.
Município de São Gonçalo
Percentual de crescimento
Total da Região Metropolitana RJ
Número de lotes em 1000 unidades
até 1949
1950 / 59
1960 / 69
16,5
33,3
127,4
186,3
774,6
267,9
1970 / 78
20,9
196,3
TOTAL
198
1425,1
Fonte: Cadastros da Prefeitura Municipal para 1978 e dados da FUNDREM para 1979, apud (SANTOS, 1982, p. 84).
Hoje o crescimento populacional não acompanha o crescimento de ofertas de
postos de trabalho na região. O mercado de trabalho local, como em muitos Municípios do
Brasil, ainda vive o efeito retardado desse crescimento demográfico de duas últimas décadas41
e acumula um contingente populacional de baixa escolaridade e renda, principalmente em São
Gonçalo.
A título de ilustração, fenômeno semelhante ao de São Gonçalo pode ser
constatado atualmente nos Municípios de Macaé, Campos dos Goytacazes e mais
recentemente Rio das Ostras no Norte fluminense. Segundo (NATAL, 2003, p. 37), “alguns
Municípios situados fora da região metropolitana apresentaram taxas de crescimento
populacional bem maiores do que a taxa média” em função das ofertas de trabalho em torno
39 Jornal O Dia, Rio de Janeiro, domingo, 17 de outubro de 2004.
40 Alguns outros municípios do Rio de Janeiro e mesmo do Brasil já receberam esse tipo de eufemismo. No
Estado do Rio de Janeiro, podemos citar o Município de Volta Redonda nas décadas de 1940 e 1950.
41 TCE, Estudo Socioeconômico sobre o Município de Niterói, pág. 58. Rio de Janeiro, 2004.
43
da extração de petróleo na Bacia de Campos.42 A migração para a região vem crescendo
sensivelmente e contribuindo por um lado para o aumento do valor da terra e, por outro para a
geração de, problemas sociais, econômicos e de infra-estrutura.
São Gonçalo, diferente no Norte Fluminense, apresentava no censo de 2000 uma
população de 891.119 habitantes, correspondentes a 8,3% do contingente da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ. Dados sobre o Município indicaram uma taxa
média geométrica de crescimento no período de 1991 a 2000 de 1,49% ao ano contra 1,17%
na região e 1,30% no Estado. O contingente de eleitores de São Gonçalo representa
aproximadamente 64% da sua população. O Município tem um número total de 302.905
domicílios, com uma taxa de ocupação de 87%. A faixa etária predominante encontra-se entre
os 20 e 39 anos. Os idosos representam 9% da população do Município contra 16% de
crianças entre zero e nove anos. A população local distribui-se no território municipal
conforme o quadro a seguir:
Tabela 2. População de São Gonçalo. Habitantes por Distrito. Divisão política.
São Gonçalo
320.754
Monjolos
176.716
Ipiíba
159.812
Neves
156.751
Sete Pontes
TOTAL
77.086
891.119
Fonte: Censo do IBGE. 2000
Segundo esse último censo do IBGE a população dos dois principais distritos,
Neves e São Gonçalo, cortados pela rodovia BR-101 é de 477.505 habitantes. O Município de
São Gonçalo ocupava a 23ª posição no Estado em 2000 no Índice de Desenvolvimento
Humano Médio - IDH-M de 0,782. Com relação aos componentes do índice, São Gonçalo
apresentou o IDH-M educação de 0,896 equivalente a 12a. posição no Estado e pontuou 0,742
no IDH-M esperança de vida na 40a. posição dentre os noventa e um Municípios. Seu IDH-M
renda foi de 0,706 ficando na 31a. posição no Estado do Rio de Janeiro.
42 O autor comenta sobre municípios de Cabo Frio (66,2%), Macaé (41,4%), Angra dos Reis (39,4%),
Teresópolis (14,4%), Petrópolis (12,2%), Volta Redonda (9,9%) e Campos (8,2%)”. NATAL, Jorge. Rede
Urbana e Desenvolvimento Econômico Fluminense: um estudo de caso. Mimeo. 37p. IPPUR/UFRJ. 2003.
44
Para uma breve comparação podemos afirmar que Niterói tinha em 2000 uma
população de 459.451 habitantes, correspondente a 4,3% do contingente da Região
Metropolitana. O Município apresentou uma taxa média geométrica de crescimento no
período de 1991 a 2000 de 0,58% ao ano, contra 1,17% na região e 1,30% no Estado. Niterói
tem cerca de 299.065 eleitores e ao contrário de São Gonçalo, sua divisão política não se faz
por distritos, mas por áreas de planejamento e existem secretarias responsáveis pelo
urbanismo, pelo planejamento urbano e pela ciência e tecnologia voltada para a pesquisa e
para o estudo dos “problemas urbanos” locais “visando” desenvolvimento. Recentemente o
Município de São Gonçalo passou a contar com secretarias responsáveis pelo urbanismo e
pelo planejamento urbano como a SMDS, SMIUMA e a SLFU. Esta última foi responsável
pela revisão do último PDD em 2006.
Com relação ao planejamento São Gonçalo apresenta desde a década de 1960
cinco distritos. Sendo um caso típico de área ainda degradada com ruínas e espaços vazios ou
sub utilizados anteriormente ocupados por indústrias ou atividades complementares, mas
ainda freqüentemente classificado como subúrbio industrial ou cidade dormitório.
Além do trecho Niterói-Manilha da BR-101, ironicamente chamado de barra de São
Gonçalo,43 os dois principais bairros estudados foram Neves e Boa Vista, respectivamente
quarto e primeiro distritos. Neves aparece à primeira vista como um “cemitério de indústrias”
com esqueletos de fábricas e o aspecto de declínio e degradação, mas diferente da nossa
última pesquisa, realizada em 2000 agora tem mais igrejas e supermercados. Ruínas
industriais ainda podem ser vistas em vários pontos, sendo as principais a planta fabril da
Gerdau com uma placa de vende-se desde 2000 e algumas indústrias de conservas como a
Gradim.
O fenômeno das ruínas e vazios industriais é desenvolvido no item 1.5. Apenas
ressaltamos a sua constatação a partir do quadro atual do Município que abrange o seu
surgimento. Não privilegiamos recortes cronológicos ou etapas específicas, pois estas
costumam apontar as transformações nos espaços a partir de “sistematizações” (SOJA, 2000),
momentos do “desenvolvimento econômico” (EGLER, 1979) ou descrevendo as mudanças
apenas como frutos de políticas públicas ou projetos de “intervenção urbana” (SOUZA,
43 Jornal O Dia. Rio de Janeiro, página 3, domingo 17 de outubro de 2004. Matéria: “Barra de São Gonçalo”.
Falando da euforia dos moradores de São Gonçalo sobre a revitalização urbana do litoral.
45
2001). Optamos pela sistematização de uma “totalidade maior” (OLIVEN, 1980, p. 14) onde
o viés sociológico é “convidado” a participar das explicações sobre as transformações
recentes no Município de São Gonçalo.
A extremidade Sul
do eixo Niterói-Manilha, divisa entre os Municípios de
Niterói e São Gonçalo desenvolveu-se economicamente nas décadas de 1940 e 1960, mas nas
décadas seguintes inicia-se um processo de fechamento e transferências de grandes indústrias
provocando o aparecimento de espaços vazios ou sub utilizados. Novas atividades surgem no
final da década de 1990 ligadas ao comércio e serviços enquanto Niterói assiste o
“renascimento” da indústria naval no final da década e direta ou indiretamente atingem o
Município de São Gonçalo que se benefício graças ao emprego da força de trabalho oriunda
da época áurea da indústria naval.44
Essa força de trabalho constitui, em alguns casos, uma reserva para as empresas
que estão contratando em firmas terceirizadas, principalmente nos estaleiros de maior porte
que se uniram como o caso da Enave com a Renave; Ebin com Ultratec ou UTC e o MauáJurong, em consórcio com empresas multinacionais como a Kellog Brown & Root ou KBR,
Halliburton, e Maric SCCS.45
O apoio aos estaleiros de São Gonçalo não foi comentado nas eleições de 2004,
mas vem aparece em 2006 e 2007 como uma “nova” questão estratégica nos discursos dos
candidatos à Prefeitura de São Gonçalo em 2008. Esses não esquecem de citar a posição
estratégica às margens da Baía de Guanabara que possibilitaria a realização de antigos
projetos como o condomínio industrial da CODIN, a revitalização dos estaleiros Cruzeiro do
Sul e Cassinu através incentivos fiscais para a captação de novos projetos e apoio logístico
para o complexo petroquímico de Itaboraí.
44 A estrutura de construção naval em São Gonçalo está limitada apenas ao Estaleiro Cassinu. Uma parcela da
“nova” classe de operários para futuras atividades do Comperj ainda está sendo preparada e provavelmente
deverá vir de outros municípios e de outros Estados.
45 Após quase 20 anos operando separadamente, a Enavi e a Renave, estaleiros de Niterói, foram comprados
pelo Grupo Reicon. Rebelo, indústria, comércio e navegação Ltda, de propriedade do Alte. Hernani Fortuna. O
grupo Reicon atualmente é proprietário do parque industrial na Ilha do Viana, localizada na Baía de Guanabara.
O acesso é feito pelo Píer do Maruí, no bairro do Barreto. Os estaleiros ENAVI, Empresa naval de equipamentos
Ltda. e RENAVE, Empresa brasileira de reparos navais S.A. fundiram-se em outubro de 1995 reunindo
facilidades para os reparos, construções navais, docagens e conversões. Possuem juntas cinco diques disponíveis
e 1500m de ancoradouro com recursos para atender as exigências da comunidade naval nacional e internacional.
O grupo Reicon é envolvido principalmente no comércio de petróleo. Ao reuni-los em uma única companhia
escolheu o nome ENAVI para representar o novo complexo de reparos. O escritório central fica no Norte do
Brasil, Belém no Estado do Pará, tendo a navegação como uma das suas principais atividades.
46
Atualmente São Gonçalo é o terceiro maior Município em população na região
metropolitana do Rio de Janeiro. Sua área territorial é, segundo a Fundação Centro de
Informações e Dados do Estado do Rio de Janeiro - CIDE,46 de cerca de 251km2. Por
localizar-se na orla Oriental da Baía de Guanabara tem seus limites a Norte e a Leste com o
Município de Itaboraí, ao Sul com o Município de Maricá, a Sudoeste com o Município de
Niterói e a Oeste com a Baía de Guanabara.
Com a localização privilegiada no eixo de ligação entre a Capital Fluminense e
outras cidades do Norte do Estado, São Gonçalo é cortado pelas rodovias estaduais RJ-104 e
RJ-106, além da Rodovia Federal BR-101. Possui elevada densidade demográfica com 3.550
habitantes/km2.
Mesmo com controvérsias e comprovação visual a Prefeitura Municipal de São
Gonçalo, a PMSG, declara que a taxa de urbanização municipal é de 100% conforme o
quadro abaixo:
Tabela 3. Características Demográficas em São Gonçalo, 2000.
População Total
891.119
População Urbana
891.119 100,00
População Rural
0,00
População Masculina
429.404 48,19
População Feminina
461.715 51,81
Densidade Demográfica (hab/km2)
3.550,27
Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2000.
Boa parte da população é relativamente jovem e encontra-se na faixa etária de 20
a 49 anos de idade, representada por quase a metade do total de habitantes (48,13%),
conforme pode ser observado na tabela abaixo:
46 Segundo a Fundação CIDE, (2003), a área do município de São Gonçalo é de 251 Km2. Uma referência no
site da PMSG aponta uma área de 251,3 Km2, segundo a Lei 0/20 de 1990.
47
Tabela 4. População residente em São Gonçalo, 2000.
Idade
N°. total
%
0 a 4 anos de idade
74.003
8,30
5 a 9 anos de idade
73.136
8,21
10 a 14 anos de idade
73.285
8,22
15 a 19 anos de idade
80.618
9,05
20 a 29 anos de idade
158.686
17,81
30 a 39 anos de idade
147.960
16,60
40 a 49 anos de idade
123.176
13,82
50 a 59 anos de idade
78.221
8,78
60 e + anos de idade
82.034
9,21
Total
891.119
100,00
Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2000.
A divisão política do Município compreende noventa bairros, (ANEXOS A e E),
mas existem inúmeros sub bairros e localidades que não são computados pela Prefeitura
Municipal de São Gonçalo – PMSG que ainda divide, administrativamente o Município desde
a década de 1940, em cinco distritos47.
Tabela 5. Distritos N°. de bairros, de habitantes e percentual, 2000.
Distritos/bairros
1o distrito – São Gonçalo. 30 bairros
habitantes
%
320.754
36,0
2 distrito – Ipiíba. 20 bairros
159.812
17,9
3o distrito – Monjolos. 17 bairros
176.716
19,8
156.751
17,6
77.086
8,7
891.119
100,0
o
o
4 distrito – Neves. 13 bairros
5o distrito – Sete Pontes. 10 bairros
Total. 90 bairros
Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2000.
A expansão populacional de São Gonçalo foi um o processo rápido e “sem”
planejamento por parte poder público, mas essa dinâmica fez parte de um artifício perverso de
alguns loteamentos e políticas populistas na segunda metade do século XX.
47 Definidos pelo Decreto-Lei Municipal n°. 1.063, de 28 de janeiro de 1949.
48
Tabela 6. Evolução da população no Município de São Gonçalo. 1940 até 2000.
Ano/Período 1940
1940-1950 1950-1960
População
89.528 127.276
244.617
Evolução(%)
42,16
92,19
Fonte: IBGE, censo demográfico de 1991. *Intervalo
realização desse recenseamento.
1960-1970 1970-1980
430.271
614.688
75,90
42,86
de apenas nove anos por
1980-1991 1991-2000*
779.832
891.119
26,87
14,27
causa do atraso de um ano na
A evolução de 92,19% no período 1950-1960 tem várias hipóteses de explicação.
Optamos por responder a esse questionamento a partir de duas outras interrogações: até que
ponto esse crescimento demográfico beneficiou a formação de elites políticas locais? E até
que ponto esse crescimento populacional é apenas uma parte da dinâmica de expansão da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ como apontam os pesquisadores: Santos
(1982), Barbosa, (1999), Lago (2000) e Brandão (2002). Através das contradições, podemos
observar que as elites locais se beneficiaram de um processo maior, que foi a criação de
vetores de expansão metropolitana, mas também foram prejudicados por esta expansão.
A criação de grandes loteamentos sem infra-estrutura foi responsável pelo
surgimento de redutos populistas que indiretamente contribuíram para o afastamento dessas
elites do poder. O caso de São Gonçalo mostra que a flexibilização de Leis para facilitar a
implantação de loteamentos inadequados contribui, até hoje, para a segregação e concentração
da pobreza em determinados bairros: Boa vista, Boaçu, Guaxindiba, Salgueiro, Água Mineral,
Engenho Pequeno, Jardim Catarina, bairro das Palmeiras, Itaóca entre outros à margem da
Baía de Guanabara.
Não estão sendo questionados que os principais períodos de industrialização: de
1920 a 1930 e de 1940 a 1960 constituem fatores de atração de mão-de-obra, mas outros
fatores, que não são citados na literatura específica, também foram importantes. Dentre estes
fatores vale destacar a expansão e influência de Niterói como capital do antigo Estado do Rio
de Janeiro até a fusão dos Estados em 1975, a eleição do gonçalense Geremias de Mattos
Fontes para o Governo do Estado em 1967-1971, o declínio da agricultura local, a construção
da Ponte Rio-Niterói e as mudanças na legislação na década de 1960 que permitiu o boom de
novos loteamentos, além de outros fatores internacionais como as guerras e as migrações por
exemplo.
49
Se até meados dos anos 1960, o Município ocupou papel de destaque com suas
indústrias nas décadas seguintes teve destaque pelo crescimento demográfico. Esse boom de
loteamentos fez São Gonçalo ser classificado como cidade dormitório, como subúrbio de
Niterói e até mesmo ser alvo de preconceitos como, por exemplo, de jovens na intenet que
criaram comunidades para defendem um muro separando o Município de Niterói48.
Enquanto Niterói crescia verticalmente São Gonçalo crescia horizontalmente.
Sucessivos administradores permitiram, e ainda continuam permitindo, a criação de novos
loteamentos clandestinos. Lago (2000) considera que esses “loteamentos periféricos” também
contribuíram para a expansão demográfica na RMRJ. Segundo a autora a década de 1950
marcou o período de consolidação do processo de metropolização. Essa expansão perversa e
ilegal se deve, em parte, à falta de titulação da propriedade da terra, à falta de fiscalização e ao
não cumprimento da legislação urbanística pouco rigorosa nos Municípios vizinhos à capital.
Nota-se, na imprensa local, um aumento na freqüência de termos como “favelas”
e até mesmo de “complexos” para se referir aos loteamentos mais pobres de São Gonçalo.
Essa mudança é recente e pode marcar uma distinção entre bairros com loteamentos legais e
ilegais no município. São considerados “complexos” bairros e localidades como o Jardim
Catarina e o Salgueiro. Este adjetivo é comum como referência a algumas comunidades da
cidade do Rio de Janeiro e passou a ser aplicado à São Gonçalo recentemente. Uma das
possíveis causas do emprego de verbas do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC,
nesses bairros e comunidades é que eles poderiam inviabilizar o fluxo da produção do
COMPERJ que poderá passar pelo eixo Niterói-Manilha.
Este corredor viário é responsável por grande parte dos deslocamentos diários da
população de São Gonçalo e de Itaboraí rumo a Niterói e Rio de Janeiro. São, em sua maioria,
deslocamentos de trabalhadores e de estudantes. Esses deslocamentos diários eram segundo o
censo demográfico do IBGE em 2000, de 74.396 pessoas para Niterói e de 60.960 pessoas
para a cidade do Rio de Janeiro.
Atualmente, autores como Santos, (2003) e Brandão, (2002), afirmam que São
Gonçalo permanece um certo tipo de “periferia de Niterói” ou uma “periferia estendida.” Em
48 Ver por ex. o site www.orkut.com a comunidade: “Eu odeio São Gonçalo”. Acessado em 23 de março de
2007.
50
entrevistas locais percebemos um movimento contraditório quando gonçalenses constroem e
defendem a sua identidade em oposição a Niterói. A antiga capital do Estado do Rio ainda é
vista, por alguns como a “usurpadora das praias oceânicas que pertenciam a São Gonçalo.”
Comentários como estes circulam desde a década de 1940 quando a política de São Gonçalo
era determinada pelo Governo do antigo Estado, sediado no Palácio do Ingá em Niterói.
Desde aquela época circulam também boatos de que “os comerciantes de Niterói são
influentes e não permitem a criação de uma Estação de Barcas em São Gonçalo para não
perder o fluxo diário no centro de Niterói”.
A expansão dessa periferia se dá a partir de Niterói na direção dos Municípios de
Maricá e Itaboraí onde se nota um crescente movimento de loteamentos clandestinos,
principalmente nos bairros do Arsenal, Anáia, Jóquei e Vista Alegre além do aumento de
“invasões” em terrenos públicos. São 29.500 residências distribuídas em 71 favelas do
município, segundo a Prefeitura Municipal de São Gonçalo.
O último Estudo sócio-econômico do Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro - TCE/RJ para São Gonçalo e os dados da Fundação CIDE, indicam que no ano 2000
São Gonçalo representava cerca de 3% do PIB da região metropolitana e 2% do Estadual ,
concentrando cerca de 8,2% do contingente populacional da região metropolitana e 6,2% do
Estado. Esvaziamento econômico, indústrias multinacionais e conglomerados globais que não
investem na cidade somados ao aumento do número de favelas e a crescente tendência do
Município para o setor de comércio e de serviços pode indicar que a desigualdade social pode
aumentar a distância entre São Gonçalo e os Municípios vizinhos, contemplados por planos e
projetos do Governo Federal.
A consciência de que a localização da orla gonçalense é estratégica não só para a
Petrobrás, mas para outras empresas que desejem se instalar no local parece distante.
Observando o outro lado da Baía de Guanabara pode ser vista a Ilha do Governador e a Ilha
de Paquetá que possuem habitações de classe média e mesmo com todos os problemas, ainda
são mais agradáveis que a orla Oriental ou o “lado de cá”. As praias de São Gonçalo que são
igualmente impróprias para o banho parecem impróprias para morar. Percorrendo a parte
gonçalense do eixo Niterói-Manilha da BR-101 que margeia a Guanabara não encontramos
nenhum empreendimento habitacional, a não ser o condomínio de prédios do Gradim da
década de 1980.
51
A construção do São Gonçalo Shopping ainda não é um fator positivo para o
aumento do número de construções na Boa Vista. Não há sinais de revitalização econômica
nesse bairro. A centralidade de Niterói ainda é muito grande, influenciando não só a
economia, a política, mas a administração local.
Para não apresentar um quadro “pessimista” ao falar de São Gonçalo é importante
exacerbar algumas características “positivas” da cidade. Atualmente temos uma das maiores
estações de tratamento do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara - PDBG,
inaugurada em 1996. Essa é a maior iniciativa na área de saneamento básico realizada na orla
Oriental da Baía de Guanabara até hoje. Também fazemos parte da Área de Preservação
Ambiental de Guapimirim com manguezais e áreas de preservação permanente.
Avaliar a problemática que envolve as transformações recentes implicou, também,
num esforço de pesquisa para encontrar os últimos acontecimentos que apontam para um
maior crescimento populacional e conseqüentemente para novas contradições sociais, por
exemplo, o complexo petroquímico no Município vizinho.
A divulgação na mídia da instalação do COMPERJ em Itaboraí já está
interferindo no crescimento demográfico de São Gonçalo devido à proximidade daquele
Município. Entre 1950 e 1980 o movimento foi contrário, muitas pessoas se mudaram de
Itaboraí, Rio Bonito ou de outros Municípios do interior do Estado do Rio de Janeiro, devido
à atração do crescimento de São Gonçalo, conformando-se como uma periferia estendida de
Niterói. Hoje assim como no passado o crescimento populacional do Município, sem os
correspondentes investimentos públicos em infra-estrutura urbana, já está acarretando,
segundo dados do ISP, Instituto de Segurança Pública, o aumento recente dos índices de
violência, quando se observa a história da orla Oriental da Baía de Guanabara.49
Segundo dados da Petrobrás o Complexo petroquímico50 é o principal
empreendimento industrial da empresa no Brasil com investimento previsto em torno de US$
49 Pesquisa realiza em marco de 2006 no Mapa da Violência IV: Os Jovens do Brasil. Juventude, Violência e
Cidadania". Brasília, Unesco, 2004.
50 Previsto para entrar em operação em 2012 e atualmente no início do projeto básico, no qual está inserido o
processo de Licenciamento Ambiental, o COMPERJ é fruto da parceria da Petrobras com o Grupo Ultra e o
BNDES. O Complexo terá capacidade para processar 150 mil barris/dia de óleo pesado nacional. Em uma
mesma planta industrial, sua estrutura será formada por uma Unidade de Refino e 1ª geração (Unidade
52
8,3 bilhões. Ao ser implantado em Itaboraí seguramente poderá transformar o perfil sócioeconômico da região de influência, de maneira especial São Gonçalo pela sua proximidade,
mas sem a devida contrapartida em arrecadação e divisão de impostos e outros tributos,
poderá provocar impactos no meio ambiente e no desenvolvimento urbano da região como
um todo.
A parceria da Petrobrás com o Grupo Ultra com o financiamento do Bndes
fortalece a penetração desse Grupo na Orla Oriental e aumenta a sua participação na
construção naval brasileira. Até então o Grupo operava na região através do estaleiro Ultratec e a Ultra Engenharia nas antigas instalações do estaleiro Ebin na Estrada do Contorno no
bairro do Barreto em Niterói. Com a participação nesse empreendimento, o grupo paulista
ligado à Ultra-brás terá um raio de dominação que compreende o início o fim do eixo
Niterói-Manilha.
São Gonçalo, indiretamente afetado pelo “arco rodoviário” (ANEXO C) que
ligará Itaboraí ao Porto de Itaguaí poderá receber indústrias complementares de componentes
para outras indústrias. Até o presente momento São Gonçalo, em tese, sediará o centro de
treinamento da Petrobrás em parceria com a Prefeitura, um tipo de centro de integração para
capacitar profissionais da região para evitar a migração regional na construção do complexo.
O Arco Rodoviário Metropolitano poderá ser uma das principais obras do PAC no
Estado do Rio de Janeiro. Segundo o projeto inicial irá cortar oito Municípios ligando o
Complexo Petroquímico, o COMPERJ em Itaboraí ao Porto de Itaguaí no Sul do Estado.51 A
previsão é de que em 2009 o arco terá pouco mais de 100 kms de extensão e unirá as rodovias
federais BR-493, BR-101 (Norte e Sul ) e BR-040 (Rio-Teresópolis). Haverá ainda um trecho
de 72 quilômetros, ainda a ser construído, de responsabilidade do Governo do Estado entre a
BR-040 e a Rio-Santos (BR-101).
Petroquímica Básica – UPB, para produção de petroquímicos básicos, como eteno (1,3 milhão de toneladas/ano),
propeno (880 mil toneladas/ano), benzeno (600 mil toneladas/ano) e700 mil toneladas/ano), além de um
conjunto de unidades de 2ª geração (Unidades Petroquímicas Associadas - UPA’s) que vai transformar estes
produtos básicos em produtos petroquímicos.
51 DIAS, Thaís. “Arco Metropolitano em 2009”. Jornal O Fluminense. Caderno cidades. Publicado em
19/08/2007. http://www.ofluminense.com.br/noticias/118872.asp?pStrLink=2,76,0,118872&IndSeguro=0
53
A escolha “estratégica” de Itaboraí e não de São Gonçalo que já teria vendido o
terreno52 para a Petrobrás em Guaxindiba para receber o Complexo foi fundamentada
segundo a Prefeitura de Itaboraí em estudos preliminares dos aspectos técnicos, econômicos,
ambientais e sociais de modo a permitir a viabilidade do empreendimento ao longo dos anos.
A justificativa da Prefeitura de Itaboraí foi semelhante a adotada por São Gonçalo, ou seja, a
existência de área disponível para a expansão, já prevista, do Complexo após cinco anos da
entrada em operação. Itaboraí foi selecionado não por ser administrado pelo mesmo partido
do Governo Federal, mas sim, segundo a sua Prefeitura, por dispor de:
Infra-estrutura logística adequada por sua proximidade dos Portos de Itaguaí
(103 km) e Rio de Janeiro, dos terminais de Angra dos Reis (157 km),
Ilhas d´Água e Redonda (30 km) e por ser atendido por rodovias e
ferrovias, além das sinergias com a REDUC (50 km), com as plantas
petroquímicas da Rio Polímeros e da Suzano (50 km) e com o Centro de
Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello CENPES (38 km), detentor da tecnologia de FCC Petroquímico ou
Craqueamento Catalítico Fluido, que é o grande salto tecnológico desse
empreendimento.53
Estas justificativas acima não seriam suficientes para legitimar a instalação do
complexo em Itaboraí. São Gonçalo além de possuir as Ilhas d´Água e Redonda, depósitos
estratégicos de petróleo para o Estado do Rio de Janeiro, é bem mais próximo de todos os
endereços acima citados, excetuando a REDUC se a ligação com essa refinaria fosse feita por
terra. Caso a ligação do COMPERJ com a REDUC fosse por meio de dutos sob a Baía de
Guanabara, São Gonçalo também seria mais estratégico e econômico.
Além da implausível justificativa para a não instalação do complexo em São
Gonçalo percebemos, durante a pesquisa através da mídia, a ausência de investimentos no
Município para ampliar sua participação no COMPERJ. Sem uma maior participação no
pólo a divisão dos resultados futuros a partir do complexo petroquímico também poderá ser
comprometida.
52 Esse terreno está sendo cogitado pela PMSG para receber a base para armazenagem de produtos líquidos da
refinaria, ainda em fase de planejamento. A Petrobrás tem um terreno de 230 mil metros quadrados. Este foi
comprado de São Gonçalo durante a primeira administração do Prefeito Edson Ezequiel de Matos, ex engenheiro
da Petrobrás e Prefeito eleito pelo PDT em dois mandatos, 1989 e 1998.
53 Fonte: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=348520. Retirado do Jornal Valor
Econômico. Rio de Janeiro. 6/4/2007.
54
A discussão e o planejamento de políticas públicas na instalação do COMPERJ
estão sendo feitos em conjunto com o consórcio do Leste Fluminense – CONLESTE que
agrega hoje onze Municípios. Foi criado em janeiro de 2006 para, segundo o seu diretorgeral Álvaro Adolpho dos Santos, diminuir as fronteiras municipais. Um dois locais citados
para receber investimentos através do PAC é o bairro Jardim Catarina ao invés de
Guaxindiba, ambos bairros pobres de São Gonçalo.
Guaxindiba apresenta desde 1926 inúmeras facilidades para a expansão
industrial. Na época da implantação da indústria de cimento Portland, como já descrito
anteriormente, havia um canal que ligava o Rio Guaxindiba à Baía de Guanabara e um ramal
da linha férrea que ligava o bairro a Rede Ferroviária Federal até o Barreto em Niterói.
Sem investimentos há décadas, Guaxindiba se transformou em uma comunidade
carente com cerca de oito mil pessoas que não têm acesso aos serviços de água potável e
tratamento de esgoto. Já foi considerada até área de “desova” de cadáveres. Segundo
entrevista com o Sílvio de Oliveira, presidente da Associação dos Moradores e Amigos de
Guaxindiba, Vista Alegre e Adjacências, AMAGUAVA, os moradores têm a esperança de
que o COMPERJ possa trazer “alguma coisa boa para a comunidade”, mas esse otimismo é
acompanhado do medo de uma possível explosão demográfica na região com invasões de
áreas e aumento da favelização a partir do aumento dos fluxos migratórios.
Ao lado de Guaxindiba encontra-se o Jardim Catarina, o maior bairro de São
Gonçalo. Objeto de preocupação do planejamento urbano desde 1978 como aparece nos
trabalhos de Santos realizados em 1982 para o IBAM e em trabalhos da FUNDREN
realizados em 1978. Jardim Catarina é um conjunto de loteamentos com alguns moradores,
ainda, desprovidos de abastecimento de água e saneamento básico. Foi por muito tempo
considerado pela imprensa local como “um dos maiores loteamentos da América Latina” não
somente pelo tamanho, mas também pela sua complexidade e ausência de planejamento
desde o seu início. Os loteadores, da empresa Sociedade Expansionista Gonçalense – SEG,
não respeitaram na divisão do loteamento a existência de rios e declives que provocam
alagamentos constantes nas áreas abaixo do nível do mar e próximas à Baía de Guanabara.
Ainda hoje algumas dessas áreas continuam sendo ocupadas e vendidas clandestinamente.
55
Enfim, São Gonçalo e Itaboraí ainda não têm indicadores satisfatórios em
educação e em renda per capita segundo dados do Índice de Desenvolvimento Humano IDH de 2000. Neste sentido, ambos podem ser igualmente considerados para a instalação do
COMPERJ. Como nos mostra a história, o crescimento econômico nem sempre está
associado à distribuição de renda. A apropriação dos benefícios do COMPERJ e das
indústrias complementares pode se tornar no futuro um fator de disputa entre Municípios do
CONLESTE e ainda não existe a certeza se a Petrobrás conseguirá reduzir ou compensar os
possíveis impactos sócio-ambientais.
A partir dos dados coletados na imprensa local pode-se inferir, a priori, que tanto
a Prefeitura de Itaboraí administrada por Cosme Salles do PT quanto a Prefeitura de São
Gonçalo, administrada por Maria Aparecida Panisset do PDT, não fazem referência aos
custos sociais e ao aumento da desigualdade social que projetos deste porte podem trazer.
Podemos citar como exemplo Duque de Caxias depois da REDUC, Macaé e Campos após a
descoberta de novas bacias petrolíferas quando houve um aumento dos índices de violência e
pobreza.
A justificativa para a escolha de Itaboraí e não de São Gonçalo, pelo Governo
Federal, para a instalação do COMPERJ é uma decisão política e foi fundamentada em
estudos preliminares. Aspectos técnicos com as distâncias entre o complexo e o Rio de
Janeiro e as Ilhas na orla de São Gonçalo, aspectos econômicos como o terreno que a
Petrobrás já havia adquirido em Guaxindiba, as facilidades da presença da rede ferroviária e
da saída para o mar da Baía de Guanabara, além dos aspectos ambientais e sociais, como a
proximidade de Itaboraí com a APA Guapimirim, são dados suficientes para questionarmos,
de modo sensato, a viabilidade do empreendimento ou a determinação da escolha sem os
devidos relatórios ou pesquisas sobre os possíveis impactos e conflitos, além dos gastos com
gás para a produção.
Sem dúvida, as distâncias entre as cidades do Rio de Janeiro, Itaboraí e São
Gonçalo, já seriam suficientes para questionar os fatores da escolha locacional.
56
Geralmente alguns momentos de mudança social54 são acompanhados por
contradições e a sua percepção se dá com a observação de novos empreendimentos e
atividades econômicas, como o São Gonçalo Shopping por exemplo ou a revitalização da
construção naval. Porém alguns empreendimentos contraditoriamente não contribuem para a
mudança social, mas para a permanência de antigas formas de estratificação social. Segundo a
análise elaborada pelo IBGE em 2000 sobre o produto interno bruto no intervalo entre 1999 e
2002 nos Municípios em questão:
“O mais recente levantamento de Produto Interno Bruto dos Municípios do
Brasil, elaborado pelo IBGE, de 2002, traz a dimensão do encolhimento da
economia da cidade do Rio de Janeiro. No intervalo entre 1999 e 2002, o
PIB do Município encolheu 9,4% [...] Do outro lado da Região
Metropolitana também houve empobrecimento, com uma taxa de
“crescimento” de -1,6% ao ano em Niterói e de 0% em São Gonçalo.” O
mesmo estudo de Contas Nacionais do IBGE contém a verdadeira história do
dinamismo do Estado do Rio de Janeiro que, a olhos pouco atentos,
camufla a estagnação da sua Região Metropolitana. O crescimento do
estado é puxado, sobretudo, pelos Municípios beneficiados pela exploração
de petróleo, por pólos industriais do Sul Fluminense e, em menor medida,
pelo dinamismo turístico de alguns Municípios da Região dos Lagos.”55
Em oposição à euforia expressa na imprensa, na literatura específica e durante o
trabalho de campo coletamos comentários questionando a estética local, feitos por diferentes
pessoas sobre o eixo Niterói-Manilha. “Num primeiro olhar apresenta uma certa imagem de
degradação, de abandono e de pobreza”, uma imagem, ainda presente, que traz outros
questionamentos sobre a real abrangência da indústria naval em Niterói, (GUEDES, 1997a).
A recente expansão da construção naval na divisa entre Niterói e São Gonçalo não está
“utilizando” os estoques de terras situados na orla de São Gonçalo, apenas o Estaleiro Cassinu
no bairro gonçalense do Gradim produz componentes para embarcações e faz reparos.
54 Mudança social. Aplicamos a definição sociológica que explica mudanças na organização social ou na
estrutura, tais como mudanças nos índices de qualidade de vida, aumento ou diminuição da taxa de emprego e de
mobilidade social. Não nos deteremos apenas em um dado socioeconômico. Segundo BOUDON et alli, “A
sociologia moderna... tende a repudiar a idéia de que existiria uma causa dominante da mudança social”. Esta
sociologia tende a reconhecer a pluralidade dos tipos de mudança. Alguns processos de mudança são endógenos,
isto é, determinados por causas internas a um sistema social; outros são exógenos; outros são mistos. Certos
processos são lineares; outros, oscilatórios. Certos processos são previsíveis; outros, mais dificilmente
previsíveis, especialmente porque são, em uma etapa de seu desenvolvimento, geradores de uma demanda de
inovações.
55 Fonte: PEREIRA, Marcel. Artigo: A agonia carioca. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 21 de julho de 2005.
http://clipping.planejamento.gov.br/ Noticias.asp?NOTCod=208264
57
A degradação da orla Oriental da Baía de Guanabara ainda é atual e demonstra o
declínio das indústrias de Niterói e principalmente de São Gonçalo e seus principais efeitos no
espaço urbano (MENDONÇA, 2000, p. 70).56 Segundo estudos da Universidade Federal do
Rio de Janeiro sobre a poluição na Baía de Guanabara, os resíduos dos estaleiros de Niterói
são transportados para a orla de São Gonçalo e para o fundo da própria Baía de Guanabara em
direção à APA de Guapimirim.57
Além da poluição e do aspecto de degradação, constatamos a persistência de
certos bolsões de pobreza e a falta de desenvolvimento em localidades que, em tese,
denominamos de “vazios sociais”. O aparecimento dessas localidades sem serviços públicos
como infra-estrutura e equipamentos urbanos era justificado pelo declínio industrial e
classificadas como parte de um “grande subúrbio” complementar às atividades do Rio de
Janeiro. (GUEDES, 1997a).
Uma das principais preocupações para a pesquisa foi identificar elementos da
transformação recente da indústria para o setor terciário, pois, a princípio, pareceu uma
grande contradição o surgimento de novos empreendimentos e o aumento de índices
negativos de desenvolvimento sócio-econômicos. Traçamos abaixo uma pequena tabela
relacionando o PIB e a população do Município envolvido no estudo em comparação com o
Município mais próximo.
56 Idem. MENDONÇA, Adalton 2000. Ver principalmente o 2º capítulo: “A revitalização de ruínas e vazios
industriais”.
57 Segundo dados do Anuário do Instituto de Geociências, UFRJ, as partes mais próximas a São Gonçalo
apresentam qualidade das águas bastante crítica. As bacias hidrográficas correspondentes a esta zona se
encontram bastante antropizadas, gerando uma quantidade moderada de material em suspensão. O estudo
apresenta um mapa de Fatores Poluidores construído com dados referentes à quantidade e ao posicionamento das
indústrias, e os percentuais de domicílios sem acesso à rede de água, de esgoto e sem coleta de lixo direto, cujos
dados foram retirados do Censo Demográfico de 1991. A partir da distribuição pontual das indústrias estima sua
densidade, através da definição do número de ocorrências em um raio de interesse. Na folha E (Niterói) observase um grande vazio de indústrias, se comparado com o verificado na primeira, exceto pelas áreas próximas a
Niterói e São Gonçalo. Esta distribuição coincide, em grande parte, com a distribuição da população. A maior
parte das indústrias localiza-se ao longo das rodovias BR-101 e RJ-104. Na porção nordeste a ocorrência de
indústrias é a menor, principalmente por causa da APA de Guapimirim. Fonte: Anuário do Instituto de
Geociências, UFRJ, p. 136 v. 26, 2003.
58
Tabela 7. PIB e participação percentual de São Gonçalo e de Niterói em 2002.
Município e
respectiva Unidade
da Federação
Posição
ocupada
Produto Interno
Bruto a preço de
mercado
(1 000 R$)
Participação
percentual
Relativa
Acumulada
Niterói/RJ
51º
3 914 694
0,29
45,11
São Gonçalo/RJ
36º
4 627 849
0,34
40,42
Fonte: IBGE, 2000. Diretoria de pesquisas, coordenação de contas nacionais.58
São Gonçalo figura como tendo índice zero de taxa de crescimento do PIB do
Estado do Rio de Janeiro e Niterói apresentou um decréscimo de -1,6% no intervalo entre
1999 e 2002. Os dois quadros a seguir representam alguns dados do PIB dos Municípios em
questão e as participações percentuais relativas e agrupadas segundo a Unidade da Federação.
Os dados disponíveis são do primeiro ano do Governo do prefeito Henry Charles, 2002.
A herança do segundo mandato do prefeito Ezequiel Neves perdurou durante o
Governo do Prefeito Henry Charles e ampliou-se na administração de Aparecida Panisset. A
estimativa do produto interno bruto para o ano 2005 não melhorou, mas ao contrário houve
uma redução. O PIB de São Gonçalo foi de R$ 4,2 bilhões, a título de comparação o PIB de
Niterói foi de: R$ 5,8 bilhões segundo a Fundação CIDE e o IBGE.59
A proposta de orçamento para 2006 encaminhada pela Prefeitura de São Gonçalo
para a Câmara de Vereadores previa uma receita de R$ 393 milhões. O setor de infra-estrutura
e urbanismo receberia mais recursos: R$ 129 milhões o que representa 32% dos gastos. Os
investimentos em infra-estrutura são basicamente em saneamento, um dos principais
problemas do município. Em relação ao orçamento de 2005 a proposta apresentou um
crescimento de 12%.
58 Nota: Dados da tabela estão sujeitos à revisão.
59 Ver o site: www.ibge.gov.br. Dados para o ano de 2005 pesquisados em fevereiro de 2006.
59
Tabela 8. Orçamento Municipal. Segundo a LDO.
Município/ano
São Gonçalo - R$
Niterói - R$
2005
340.000.000
506.000.000
2006
393.000.000
641.240.000
Fontes: PMN: www.planejamento.niterói.rj.gov.br e Jornal do Brasil On line. Rio de Janeiro, sexta-feira,
25/11/05.
Não questionamos a discussão sobre a reversão da estagnação econômica da
década de 1990, tratada por Penalva Santos (2003) quando a autora apontou os fortes indícios
da expansão da economia. Hoje essa hipótese é confirmada pelo reaquecimento da dinâmica
econômica e principalmente pelo incremento da produção petrolífera do Estado, mas muitas
áreas, incluindo-se São Gonçalo, não estão sendo agraciadas nesse processo.
Não falta bom senso político para gerar alternativas mais eficientes de equilíbrio
entre Municípios, mas esse bom senso esbarra na falta de recursos e na ampliação da
participação dos Municípios mais pobres na reanimação da atual “dinâmica econômica
Fluminense”.
Nos debates mais recentes, sobre a questão do desenvolvimento de São Gonçalo e
região, sobretudo nas reuniões da conferência das cidades sobre o desenvolvimento no
Município realizadas a partir do dia 28 de junho de 2007, notamos a ausência das discussões
referentes a elaboração de arranjos produtivos locais60 que poderiam ser realizados, ou
pensados, junto às empresas de construção e reparos navais já existentes em Niterói ou através
de sistemas produtivos e inovativos locais junto ao CONLESTE.
A ausência de sinergia entre alguns agentes econômicos pode ser explicada por
vários fatores. O que consideramos mais importante é a concorrência entre Municípios pelo
grande mercado consumidor de São Gonçalo com cerca de um milhão de habitantes. No caso
da construção naval não há explicação pela demora na utilização dos espaços da orla
gonçalense com antiga tradição ao apoio desse setor. A disputa política por votos nos redutos
eleitorais gonçalenses na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, pode
60 Segundo Suzigan esses arranjos seriam “aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais,
com foco em um conjunto específico de atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que
incipientes e geralmente envolvem a participação e a interação de empresas”. Enquanto que “sistemas
produtivos e inovativos locais são arranjos produtivos em que interdependência, articulação e vínculos
consistentes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da
capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento local”. (SUZIGAN, 2004; páginas:
544 e 545).
60
ser também uma explicação para essa ausência de sinergia entre os Municípios. A
insuficiência de interação política e econômica contribui para a falta de desenvolvimento
sócio-econômico na medida em que São Gonçalo vem sendo preterido como parceiro, mas
sim como ator secundário.
Os discursos pró Rio de Janeiro que defendem a união de Municípios são
constantes, mas quando o complexo petroquímico estiver em funcionamento os discursos
podem ou não ser substituídos pelas disputas na divisão dos lucros com a produção. Segundo
o prefeito de Maricá Ricardo Queiroz:
“No início, muitos desdenharam da criação do CONLESTE, pelo
multipartidarismo e diferenças econômicas e sociais. Mas, após um ano, os
encontros já provaram que o discurso está afinado [...] Esquecemos que
somos de partidos diferentes. Aqui não há espaço para oposição. Estamos
trabalhando somente pensando no bem comum, aproveitando esta
oportunidade única que a Petrobrás está proporcionando a todo o Estado.”61
Existe uma crença difusa por quase toda a sociedade de que a Petrobrás representa
a “salvação” da região Leste Fluminense. Segundo a empresa será transferido para o
CONLESTE apenas 0,5% do valor destinado à construção do Complexo Petroquímico e até o
presente momento o valor divulgado para a obra é de US$ 8,3 bilhões.62
Segundo a imprensa os prefeitos demonstram uma inquietação com a Lei dos
Consórcios e com a sua regulamentação, pois esta concede autonomia aos Municípios
associados que poderão comprar e vender materiais sem a necessidade de licitação até R$ 600
mil, além de poderem celebrar contratos com instituições públicas como a Caixa Econômica
Federal ou o BNDES.
Após a criação do CONLESTE, coordenado pelo prefeito de Itaboraí Cosme
Salles (FELICE, 2006, p. 5) o secretariado executivo do consórcio está elaborando conceitos
básicos para o seu funcionamento, um certo tipo de plano mestre da região63 para guiar de
61 FELICE, Gabriel. Artigo: Conleste começa a todo vapor. Jornal O Fluminense. Niterói, 05 de novembro de
2006.
62 Idem, FELICE, 2006.
63 Eleito o primeiro presidente do Conleste. União de onze prefeitos para gerar crescimento econômico da
região em 5 de fevereiro de 2007. Entrevista cedida ao jornalista Gabriel Felice para o Jornal O Fluminense
publicada em 28/01/2007.
61
forma abrangente o desenvolvimento.64 Os gestores do CONLESTE trabalham com a
proposta de destinar 0,1% do ICMS ou do Fundo de Participação dos Municípios - FPM,
cerca de R$ 20 mil mensais, para a saúde, educação e meio ambiente. Esse valor não será
suficiente para uma região onde a maior parte dos Municípios apresenta problemas no sistema
rodoviário, deficiência equipamentos urbanos, falta de saneamento básico e hospitais
desestruturados. Além do mais alguns problemas podem aumentar como a venda de lotes e a
migração em busca de oportunidades de emprego no complexo petroquímico. Em São
Gonçalo já existe a procura por terrenos de uso misto na divisa com o Município de Itaboraí.
O engenheiro Oscar Marmolejo, segundo Felice (2006, p. 4), é mais realista que
alguns representantes dos Municípios envolvidos no CONLESTE. Designado para representar
a Organização das Nações Unidas – ONU e acompanhar as reuniões do COMPERJ, pede
prudência e afirma que o empreendimento deve ser tratado com todo o aprofundamento que
merece para trazer mais benefícios que prejuízos. Segundo ele:
“É preciso haver um grande planejamento para que não se agrave ainda mais
o que não está indo bem. Com estrutura e boa vontade é possível reverter
qualquer situação ruim. Boa vontade todos estão demonstrando que têm.”65
Ainda não começaram os debates sobre temas mais polêmicos como a divisão de
royalties, segurança pública, geração de emprego e direcionamento de novos investimentos.
Em dezembro será realizado o 1° Fórum de Gestão Social para debater essas questões e tornar
claro se o voluntarismo político sobrevive ao velho personalismo político.
Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro “corre por fora” para
conquistar a liderança do consórcio. O Município possui uma Secretaria de Ciência e
Tecnologia bem estruturada, enquanto os outros onze Municípios do consórcio não possuem
ou estão em processo de criação. Essa Secretaria vem, há quase uma década, coletando
informações, produzindo relatórios e estudos sobre o Município como um todo. Niterói possui
também uma “tradição” no planejamento urbano e pessoal qualificado que realiza seus
próprios planos e políticas de desenvolvimento urbano.
64 O deputado estadual Luis Paulo Correa, (PSDB) encaminhou, em agosto de 2007, um projeto de lei à Mesa
Diretora da ALERJ propondo a criação de um Plano Diretor Regional, voltado para a área metropolitana.
"As cidades não irão se desenvolver separadamente. Precisam se coordenar e se ajudar. Até porque, 80% dos
investimentos são implementados nessa região".
65 FELICE, Gabriel, op. Cit; reportagem do dia 05/11/2006.
62
Segundo Felice (2007, p. 5) o prefeito de Niterói, Godofredo Pinto, demonstra
plena consciência de que a falta de planejamento prévio pode causar danos para a população e
cita o Município de Macaé como exemplo de desordem social. Diferente de São Gonçalo, a
Prefeitura Municipal de Niterói – PMN, já está elaborando projetos como o corredor viário da
cidade, a linha férrea para desafogar o trânsito de Niterói, o alargamento da Avenida Central
na Região Oceânica e sua ligação com a RJ-106. Segundo a mesma matéria esses serão os
principais acessos dos moradores de Niterói para o complexo petroquímico e para a Região
dos Lagos.
Empresários de Niterói também estão preocupados com os possíveis impactos que
o COMPERJ pode trazer para a cidade. A Associação do Conselho Empresarial de Cidadania
- ACEC66 se reuniu em agosto de 2007 para questionar políticos e representantes da Petrobrás
sobre o andamento do “maior empreendimento público do país” e sobre os possíveis danos ao
Município (FELICE, 2007). Provavelmente discutiram as expectativas objetivas de lucro
frente o novo cenário de possibilidades além e preocupações com o meio ambiente. Segundo
o mesmo autor, durante essa reunião o atual diretor geral do COMPERJ, Victor Pais, destacou
a iniciativa do Governo Estadual com a construção do Arco Metropolitano, que ligará o
COMPERJ aos portos de Itaguaí e Sepetiba.67
Os políticos de Niterói, ao que tudo indica, estão se preparando para os próximos
debates e, resguardadas as devidas proporções, para a disputa pelos royalties68 da bacia de
Campos na Câmara Federal que poderá acarretar, em nossa opinião, uma possível disputa
pelos resultados do COMPERJ na Alerj. Enquanto um Deputado Estadual de Niterói está
66 ACEC. Associação do Conselho Empresarial de Cidadania. Atualmente presidida por Elízio da Fonseca.
67 FELICE, Gabriel. "Empresários discutem Comperj”. Jornal O Fluminense. Caderno cidades. Publicado em
09/08/2007. http://www.ofluminense.com.br/noticias/117418.asp?pStrLink=2,76,0,117418&IndSeguro=0
68 Royalties: No caso do petróleo, são recursos financeiros provenientes da compensação financeira paga às
cidades pela exploração de petróleo ou gás natural em depósitos localizados na plataforma continental brasileira.
A lei 9478/97 determina que a parcela do valor do royalty que exceder 5% da produção seja distribuída da
seguinte forma: quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres, 52,5% são
destinados aos estados onde ocorrer a produção; 15% aos municípios onde ocorrer a produção; 7,5% aos
municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural; e 25% ao
Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao
desenvolvimento tecnológico do setor. Quando ocorrer na plataforma continental, estados produtores recebem
22,5%. Outros 22,5% vão para os municípios produtores confrontantes; 15% à Marinha; 7,5% àqueles afetados
pelas operações; 7,5% para um fundo especial, distribuído entre todos os estados e municípios e 25% ao
Ministério.
63
acompanhado as discussões, tanto em Brasília quanto no Rio de Janeiro, os edis e demais
representantes de São Gonçalo parecem alheios à discussão.
“Quatro projetos de lei que tramitam na Câmara Federal em Brasília,
propondo uma redivisão dos royalties do petróleo pelos mais de 5,5 mil
Municípios brasileiros. Hoje, 800 deles são beneficiados pelo repasse dos
recursos. O parlamentar69 também quer chamar a atenção para a importância
dos royalties e sua boa aplicação para o desenvolvimento do Estado do Rio.
Só no primeiro semestre o Estado arrecadou mais de R$ 868 milhões com os
royalties de petróleo e gás. O Deputado pretende lançar uma cartilha
explicando o que são e o papel importante do benefício para o Rio de
Janeiro. Segundo o Deputado : ‘Os royalties correspondem a 20% de todo o
orçamento do Estado. Dos 92 Municípios fluminenses, cerca de 70 são
beneficiados pelos royalties". O Estado do Rio recebe cerca de 75% dos
royalties distribuídos aos estados. O Município que mais arrecadou no
primeiro semestre de 2007 foi Campos (R$ 217 milhões). Em segundo está
Macaé (R$ 161,49 milhões), seguido por Cabo Frio (R$ 66 milhões). Niterói
aparece em sétimo lugar (R$ 29,90 milhões). Itaboraí, Marica e São Gonçalo
ocupam a 26ª posição, tendo sido repassados R$ 4,45 milhões para cada uma
das cidades, que após a reclassificação passaram a ser consideradas
produtores secundários de petróleo.”70
São Gonçalo parece cingido entre o COMPERJ em Itaboraí e a “vocação”
hegemônica de Niterói. As mudanças que poderão ocorrer a partir da entrada em cena dessa
nova atividade petroquímica afetamdo os Municípios do consórcio e poderão romper com o
estigma de “cidade dormitório” ou “expansão suburbana de Niterói”. A orla de São Gonçalo
poderá receber investimentos e ampliar as condições de moradia para os blue collar, a
eventual massa de operários que escolherão a cidade para morar enquanto os bairros “nobres”
de Niterói poderão receber os quadros mais especializados, os white collar do COMPERJ.
No terceiro capítulo observamos como o planejamento urbano local ainda não
atentou para a contenção de grandes loteamentos em São Gonçalo a despeito do que ocorreu
na década de 1950. Acreditamos que somente o planejamento eficaz pode minimizar possíveis
desequilíbrios e novas problemáticas na expansão dessa nova atividade petroquímica.71
São analisados, também, os PPDs a partir de um viés instrumental contemplando
os artigos que tratam das áreas atingidas pelas transformações econômicas em curso. Os
69 Presidente da Comissão de Assuntos Municipais e de Desenvolvimento Regional da Alerj, deputado Rodrigo
Neves, PT de Niterói.
70 SOARES, Marcelo Macedo. Artigo: Contra a redivisão dos royalties. Jornal O Fluminense. Caderno Política.
Niterói, 12 de agosto de 2007.
71 Durante entrevista ouvimos, em depoimento de um informante que, na gíria política que “São Gonçalo
precisar evitar ser o steak, empresado entre Itaboraí e Niterói feito um hambúrguer do PT”.
64
bairros de Neves, Gradim, Boa Vista e Porto Velho são usados com exemplos específicos a
fim de promover um debate sobre o desenvolvimento da orla da Baía de Guanabara.
65
1.3. Transformações recentes no eixo Niterói - São Gonçalo
Observando que as transformações em curso no eixo entre Niterói-São Gonçalo
são recentes, inferimos que o processo de ocupação desordenado do Município contribuiu
para o declínio de algumas indústrias e dificultou o aparecimento de novas atividades ligadas
ao comercio e aos serviços.
Neste item usamos dados sócio-econômicos referentes à região metropolitana72 e
ao Leste fluminense para comentar algumas transformações recentes mais significativas e a
mudança social. As transformações mais significativas se iniciam, segundo as analises de
(SANTOS, 1982), com o processo de crescimento e ocupação da periferia por volta da década
de 1950 com o boom de loteamentos.
Mudanças recentes no chamado “mundo do trabalho” e na formação/reprodução dos
trabalhadores, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS73 para a
região, apontam o crescimento do emprego ligado à construção naval e ao setor terciário.
Existem dados etnográficos relevantes nos trabalhos ainda inéditos produzidos por dois
grupos de estudos fluminenses, um da Universidade Federal Fluminense coordenado por
(GUEDES, 1992)74 e outro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro coordenado por
(FREIRE, 2004) do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores em
São Gonçalo.
Autores como Souza (2001), Penalva Santos (2003), Tavares (1993), Natal (2004)
entre outros, comentam a grande a velocidade com que mudanças se processam em algumas
regiões do Estado do Rio de Janeiro e do país, todavia é importante evitar qualquer suposição
72 Geralmente os dados estatísticos bem como informações sociais e econômicas estão agrupadas por
municípios ou por regiões metropolitanas. Neste sentido utilizamos dados para a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, hoje com 18 municípios, bem como para a Região Leste Fluminense. Regionalização do Estado
elaborada pelo SEBRAE/FIRJAN. Segundo esta “nova” definição a região leste, contém os seguintes
municípios: Araruama, Armação de Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casemiro de Abreu, Iguaba Grande,
Itaboraí, Maricá, Niterói, Rio Bonito, Rio das Ostras, São Gonçalo, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Silva
Jardim e Tanguá.
73 RAIS: Relação Anual de Informações Sociais. Consulta por Municípios. Niterói. Código 33-03302. São
Gonçalo. Código 33-04904. Fonte: http://www.rais.gov.br/municipio.asp
74 Guedes, Simoni Lahud, Grupo de pesquisa sobre os trabalhadores da indústria em Niterói vinculado ao curso
de pós-graduação em antropologia. Ver por exemplo a tese de doutorado: Jogo de Corpo: Um Estudo de
Construção Social de Trabalhadores. Tese de doutorado, vols. I e II MN/PPGAS/UFRJ, RJ, 1992. GUEDES,
Simone Lahud. A Reapropriação do Espaço Urbano em Bairros de Trabalhadores, mimeo. Trabalho para o VII
ANPUR, Recife, 1997 e SBS Fortaleza em 2001.
66
de que as referidas mudanças foram precedidas por apenas uma causa ou fator, seja ele
econômico, político ou social. Acreditamos que as condições anteriores ao período 1999-2004
não são satisfatórias para explicar as mudanças no eixo Niterói - São Gonçalo e que estas não
possibilitaram as transformações que buscamos avaliar.
Assim como os trabalhos acima citados são exemplos da retomada da análise das
transformações recentes da economia fluminense, seus estudos reforçam a necessidade de
compreender os impactos sobre o planejamento urbano e regional tratados nesse trabalho
acrescidos do viés sociológico.
Para compreendermos o desequilíbrio que ocorre em São Gonçalo observamos
que não ocorreu o aumento da arrecadação com os novos empreendimentos no período 20032004. A tabela abaixo com as cinco maiores receitas de imposto sobre serviços – ISS/QN75
apresenta os Municípios mais populosos da região metropolitana.
Tabela 9. As Maiores Receitas de ISS/QN
Município
Rio de Janeiro
Niterói
Duque de Caxias
Nova iguaçu
São Gonçalo
UF
RJ
RJ
RJ
RJ
RJ
Pop.
5,937,253
464,353
798,103
780,343
914,534
2003
ISSQN (R$)
1,170,703,546.08
52,376,859.31
49,938,170.99
14,640,589.56
12,883,352.02
2004
Município
UF
Pop.
ISSQN (R$)
Rio de Janeiro
RJ
6,051,399
1,324,207,369.00
Niterói
RJ
471,403
68,287,334.94
Duque de Caxias
RJ
830,679
63,926,266.00
Nova Iguaçu
RJ
817,117
19,833,190.18
São Gonçalo
RJ
914,534
*14.171.687.22
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. 2003 e 2004. *Projeção.76
ISS per capita (R$)
197.18
112.80
62.57
18.76
14.09
ISS per capita (R$)
218.83
144.86
76.96
24.27
Consultando os levantamentos do Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro, observamos a evolução das transferências totais da União e do Estado para o
Município de São Gonçalo e verificamos um aumento de 74% entre 1998 e 2003. Enquanto
75 ISSQN: Imposto sobre serviços de qualquer natureza. Site. www.consultormunicipal.adv.br.
76 Os dados de 2003 e 2004. *Projeção para São Gonçalo calculando um acréscimo de 10% do ano de 2003 para
o ano de 2004. Comparação até o limite mínimo de receita de R$10 milhões em 2004.
67
que a receita tributária teve uma queda de 12% no mesmo período. São Gonçalo, por
exemplo, apresentou uma redução na receita tributária de 2% na arrecadação de IPTU, de
11% na receita de ITBI e de 43% nas taxas. Houve um acréscimo nominal de 14% no ISS.
Tabela 10. Arrecadação de ISS no Município de São Gonçalo entre 1998 e 2003.
1998
1999
2000
2001
2002
2003
11.259
10.572
12.225
9.397
14.007
12.883
Fonte: Relatório do TCE/RJ de outubro de 2004. Ainda não foram computados os dados de 2004 e 2005.
Tabela 11. Conversão em gráfico da arrecadação de ISS em São Gonçalo entre 1990 a 2003.
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Fazendo correlações com o que observamos acima notamos que além da
diminuição de receitas, seja pela queda na receita tributária, seja pela arrecadação de impostos
e taxas, verificamos uma nítida divisão na evolução do grau de pobreza77 entre os Municípios
mencionados. Por um lado temos Niterói com uma baixa proporção de pobres (menos de
15%) enquanto que, por outro lado, São Gonçalo tem uma proporção de pobres que oscilava
em 24% para a década.
Segundo Glauber Teixeira que trabalha no Centro de Referência da Assistência
Social - CRAS em Guaxindiba, “se o COMPERJ for bem planejado trará progresso, caso
contrário vai trazer mais crescimento desordenado e favelização.”78 Glauber afirma que “São
Gonçalo tem receita anual de cerca de R$ 300 milhões, mas 50% da população do Município
não tem acesso à rede de esgoto e ocupa a 22ª colocação do IDH Fluminense.” Segundo dados
77 Este indicador consiste na proporção da população que se encontra abaixo da linha de pobreza, ou seja, a
população que apresenta renda inferior à ½ salário mínimo.
78 Fontes: Jornal Valor Econômico. Rio de Janeiro. 16/4/2007 e Ministério do Planejamento.
http://clipping.planejamento.gov.br/ Noticias.asp?NOTCod=348520.
68
oficiais do censo 2000 São Gonçalo tem PIB de R$ 5,2 bilhões, renda per capita de R$
5.481,01 e cerca de R$ 23,50 por pessoa por ano para investimento.
A indústria era a principal vocação da área e fonte de geração de empregos até a
década de 1980. No momento atual o comércio e os serviços ocupam essa posição. A
implantação de grandes redes de supermercados como o Makro, Carrefour, Extra e mais
recentemente o Sam´s Club e o São Gonçalo Shopping Rio em 2003 demonstram essa
mudança recente na criação de postos de trabalho.
Diariamente, cerca de 60 mil usuários de barcas saem de São Gonçalo para o
Município do Rio de Janeiro e outros milhares vão de ônibus, Transportes irregulares,
conhecidos como vans, e automóveis. Um bom exemplo desta circulação diária está no
trabalho de Araújo (2003)79 que trata das vias que ligam os dois Municípios. Segundo o autor
as vias são utilizadas por grafiteiros como verdadeiras “galerias de arte” nas quais a
linguagem urbana das pichações e desenhos “substitui os inexistentes canais formais de
comunicação” entre a população e o Governo local. As ligações entre Niterói e São Gonçalo
são grandes corredores viários para a passagem de trabalhadores que se deslocam de Itaboraí,
Maricá e São Gonçalo em direção à Niterói e ao Rio de Janeiro.
A empresa Ecia - Irmãos Araújo, localizada na cidade do Rio de Janeiro, percebeu
essa grande circulação, elaborou uma pesquisa sobre o perfil do morador de São Gonçalo e
definiu a localização estratégica no eixo Niterói e São Gonçalo às margens da Baía de
Guanabara para construir o São Gonçalo Shopping Rio. A pesquisa, segundo a revista
Investnews em 2007, visou à modernização do comércio local e apontou que a segunda maior
cidade do Estado em população tinha uma demanda mensal de consumo de R$ 318 milhões e
que 50% dos consumidores que freqüentavam o Plaza Shopping, principal Shopping de
Niterói e mais próximo do Município de São Gonçalo.80
A “ideologia de modernização” implica na construção de novos espaços de
consumo e lazer na periferia como o São Gonçalo Shopping visando “dar” acesso às classes C
79 ARAÚJO, Marcelo da Silva. Vitrines de concreto na cidade: juventude e grafite em São Gonçalo.
Orientador: Prof. Dr. Helio Vianna. RJ: EBA/UFRJ, 2003; IX, 224p (ilustrada).
80 Fonte: Investnews, vida financeira . Http://www.crie.com.br/html/investnews/ vernoticia_chhjci.html.
Pesquisada na internet em agosto de 2007.
69
e D aos novos mercados. Segundo podemos observar em Natal (2004)81 a partir de 2003 os
empresários começaram a dirigir produtos e propagandas para atrair essas classes, o que
coincide com o início da construção do Shopping para incorporar aqueles que “ganham de 2 a
10 salários mínimos” e “constituem cerca de 40% do mercado de consumo do país e mais de
30% dos domicílios brasileiros”. (NATAL, 2004, p. 108).
Em São Gonçalo a construção de espaços de consumo pode representar apenas o
consumo do espaço, (LEFEBVRE, 2000). Novos empreendimentos não significam,
diretamente, a melhoria na qualidade de vida dos habitantes como indica pesquisa recente do
IBGE, onde São Gonçalo aparece como tendo o “segundo pior desempenho do Estado em
relação à participação no PIB per capita do País”.82 Além disso, os entrevistados ressaltam a
ausência de novos espaços de educação fundamental no Bairro da Boa Vista e a baixa
escolaridade nos bairros próximos como Boaçu, Gradim e Itaóca entre outros. Apesar das
novas universidades particulares que se instalaram no Município no mesmo período83 e a
multiplicação de outdoors em inglês quando ainda existe analfabetismo e baixa escolaridade.
A construção da Estação Hidroviária de São Gonçalo e do entreposto municipal
de pesca com restaurantes anexos na Boa Vista e próximos ao São Gonçalo Shopping ou no
Gradim na Rua Manoel Duarte, podem ser elementos geradores de um novo centro
econômico. Esse centro poderá alterar algumas relações de poder entre os Municípios
vizinhos como Niterói, que representa um caminho obrigatório para os trabalhadores do Rio
de Janeiro que moram em São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Pode significar, também, a perda
do monopólio do transporte hidroviário de ligação com o Município do Rio de Janeiro.
Shopping Center, piscinão, estação de barcas e mudanças na esfera produtiva,
como o fechamento de algumas fábricas, contribuem para produzir transformações
demográficas na orla de São Gonçalo desde a década de 1960, quando era apenas um vazio
urbano entre os novos loteamentos de Alcântara e as indústrias de Neves e do Barreto.84
81 NATAL, Jorge. (Org.) Conjuntura fluminense recente 1998 a 2004 - Memórias selecionadas. Papel Virtual.
FAPERJ. 270p. 2004.
82 Jornal O São Gonçalo, Matéria: Na contramão do crescimento, p. 6. Terça-feira, 22 de novembro de 2005.
83 Universidade Estácio de Sá, Faculdades Paraíso, Univer-cidade, Universidade Cândido Mendes, a Universo e
a Universidade Icebeu.
84 Fontes: IBGE, apud (Fusão, 1969, p. 102) e Site do IBGE, 2005. Cidades em www.ibge.gov.br.
70
Muitos fatores contribuíram para o crescimento demográfico acentuado
principalmente nas décadas de 1960 e 1970. O crescimento industrial nas décadas de 1970 e
1980, e o tipo de urbanização adotado nas décadas de 1950 e 1960, possibilitaram grandes
aglomerados humanos como Jardim Trindade, Jardim Alcântara e Jardim Catarina e atraíram
grande número de habitantes dos Municípios vizinhos. Fenômeno bem semelhante, acontece
hoje em São Gonçalo e, em menor escala, em Itaboraí.
Em estudos anteriores, (MENDONÇA, 2000), observamos que a procura por
trabalho nas indústrias de Neves e do Barreto promoveu aumento no número de loteamentos
residenciais, ocupados, principalmente, por moradores oriundos do interior fluminense. Na
tabela abaixo podemos observar um dos momentos mais significativos das migrações
internas, mostrando a evolução do número de habitantes para o Município de São Gonçalo:
Tabela 12. Crescimento populacional em São Gonçalo de 1940 até 2000.
Ano
População
1940
1950
1960
1965
1970
1991
85.521 127.267
244.614
329.674*
527.671
742.458
Fontes: Censos do IBGE de 2000; Abreu, M, 1987 e Fusão*, 1969, pág. 102.
2000
891.119
Ao observar a história do município, não encontramos “grandes empreendedores”,
mas empresas familiares ou de médio porte que vendiam fazendas e grandes áreas, como a
imobiliária São Gonçalo e a loteadora Sociedade Expansionista Gonçalense – SEG85.
Atualmente, também são relatados inúmeros loteadores clandestinos atuando desde a antiga
área rural próxima a Niterói, via Arsenal-Tribobó e RJ-104 e RJ-116 e na área de estudo,
principal ligação do eixo Niterói São Gonçalo, próximo à Baía de Guanabara, na BR-101,
inclusive com loteamentos clandestinos em áreas de proteção ambiental.
Segundo alguns moradores, entrevistados no bairro da Boa Vista, mesmo com o
recente asfaltamento da “comunidade” em frente ao shopping, os terrenos remanescentes de
manguesais correm risco de invasões. Ao indagarmos os habitantes dessa comunidade sobre
as mudanças no seu bairro eles traçam uma nova identidade para o local, não mais ligada ao
passado da comunidade pesqueira, mas essas identidades culturais86 estão sendo impostas de
fora para dentro pelas novas sociabilidades inseridas no processo de mudança social, produto
85 A Sociedade Expansionista Gonçalense, atualmente com sede em Niterói, tem como foco os municípios de
Maricá e de Itaboraí.
86 O conceito de identidade derivado do latim identitate, pode significar tanto qualidade daquilo que é idêntico,
pessoal, quanto identidade cultural, ou seja, a consciência que um grupo tem de si mesmo.
71
das novas relações sociais desses antigos moradores com os novos investimentos públicos e
privados na orla Oriental da Baía de Guanabara.
Dentro desse conjunto de projetos, um que vem paulatinamente sendo comentado
na mídia é o projeto da estação hidroviária. A demora na execução desse projeto parece
sugerir que existe uma disputa entre a PMSG e a empresa que administra o São Gonçalo
Shopping ou entre a Prefeitura e a concessionária das Barcas para definir a escolha do local da
estação. A imprensa afirma que o Shopping adquiriu um terreno em frente para construí-la,
mas a Prefeitura defende a utilização do terreno de uma antiga fábrica de conservas
desativada no bairro do Gradim. Segundo a imprensa a Prefeitura construirá “a estação
aquaviária de carga e passageiros de São Gonçalo” com apoio da Secretária Estadual de
Transportes, da Agência Reguladora de Transporte e da Concessionária Barcas S/A que
discute, na Justiça, se tem ou não direito a explorar a concessão uma vez que o prazo para a
exploração desse serviço já expirou e ainda não foi renovado.87
Alguns argumentos são usados para justificar a mudança na execução do projeto
do bairro da Boa Vista, em frente ao shopping, para o bairro do Gradim, numa área de 16,3
mil metros quadrados. A secretaria Estadual de Transportes afirma na imprensa que “Após
estudos técnicos ficou comprovado que o Gradim é mais viável do ponto de vista econômico,
mobiliário e náutico do que a praia das Pedrinhas”. Segundo essa matéria, o valor presumível
da passagem na Boa Vista seria 15% mais caro que no Gradim, mais próximo ao Rio de
Janeiro. Além disso, segundo existiria um projeto para integração com linhas de ônibus88.
A construção de uma estação hidroviária no Gradim poderá mudar algumas
referências à identidade operária e a hábitos que resistem ainda hoje no local. Podemos
presenciar algumas formas de socialibilidade oriundas de antigos “usos” do bairro e dos
processos de classificação do espaço presentes de forma latente em alguns entrevistados.89
Alguns moradores relatam alterações nas identidades quando relacionam a construção de
novos espaços de consumo em antigos espaços ainda existentes das fábricas de sardinha e de
87 VIANNA, Valéria. Artigo: Secretário de Transportes anuncia local onde ficará a estação aquaviária de São
Gonçalo. Jornal O Fluminense. Caderno cidades, pesquisado em 24 de agosto de 2007.
http://www.ofluminense.com.br/noticias/ 119832.asp?pStrLink=2,76,0,119832&IndSeguro=0
88 Idem VIANNA, Valéria.
89 Durante ao trabalho de campo ficou claro um certo tipo de embate entre o determinismo cultural e o
determinismo geográfico.
72
reparos navais mudando para residências e comércios.90 Em alguns casos é possível perceber
essa “nova” identidade construída a partir dos “novos espaços”. A euforia com a designação
popular de barra de São Gonçalo esconde ao olhar mais cuidadoso reminiscências de
identidades anteriores, rural, litorânea, fabril, proletária, operária e suburbana.
90 Segundo Maurício de Abreu estes antigos espaços são “rugosidades que permanecem até hoje”. Resquícios de
antigas instalações fabris, de ruínas de prédios antigos ou traços urbanos característicos de outras épocas; ou
espaços existentes apenas na memória dos habitantes, que “resistem ao movimento” e permanecem na memória
e, em alguns casos produzindo identidade. Ver por exemplo, seu livro: A evolução urbana do Rio de Janeiro.
73
1.4. Mudança social e a nova centralidade periférica
As transformações recentes na área delimitada provocam mudanças urbanísticas,
culturais e políticas, mas ao mesmo tempo constatamos que essas transformações não causam
mudanças sociais significativas. Efetuando uma análise comparativa e baseando o estudo no
recorte geográfico no eixo Niterói - São Gonçalo encontramos mudanças pontuais, mas são
mudanças que não chegam a impedir a coexistência de certos bolsões de pobreza na Boa
Vista, Itaóca, Gradim e Boaçu onde há pouco desenvolvimento. A pobreza, que antes era
explicada como conseqüência do declínio industrial agora aparece contraditória, graças à
retomada de crescimento no Estado (SANTOS, 2003).
Para compreendermos a mudança social e a conseqüente criação de uma nova
centralidade periférica é necessário ressaltar que Niterói e São Gonçalo atribuem pesos
diferentes ao cumprimento das Leis urbanas e existe um descompasso entre as fases de
revitalização urbana. Enquanto São Gonçalo se prepara para um possível desenvolvimento
industrial com o COMPERJ, Niterói investe no turismo como se estivesse num momento
posterior de intervenção urbana (cf. SOUZA, 2001). Em alguns trabalhos são citados em
“etapas” (VAZ et alli, 2001) ou momentos que vão desde o embelezamento urbano, passando
pela renovação urbana até atingir o atual estágio de revitalização urbana onde seriam, em tese,
realizados investimentos no turismo e na qualidade de vida.
O primeiro momento refere-se ao tempo em que Niterói era a capital do antigo
Estado do Rio de Janeiro e São Gonçalo convertia-se em periferia ou em subúrbio industrial
criando-se assim a principal dualidade histórica entre as duas cidades. Marx, por exemplo,
refere-se a momento histórico similar com a conhecida afirmação do Manifesto sobre a
criação de antagonismos e a “dualização” da vida urbana (MARX, 2004).91 Na década de
1960 e 1970 a orla Oriental da Baía de Guanabara se transforma em importante eixo de
expansão da cidade do Rio de Janeiro. De forma bem clara podemos constatar que o Rio de
Janeiro converte-se em centro, Niterói e um sub centro e São Gonçalo em periferia.
91 Segundo o jovem Marx no livro O manifesto do partido comunista, “a época da burguesia caracteriza-se por
ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade dividi-se cada vez mais em dois vastos campos opostos
em duas classes diamentricamente opostas: a burguesia e o proletariado”. (Marx, 2004).
74
O segundo momento refere-se ao período histórico seguinte quando há um
esgotamento da modernização econômica. Momento de declínio dos antigos distritos
industriais e da construção naval. Segundo Harvey, uma solução possível para o declínio
econômico seria a geração de políticas e de possibilidades para um “modernismo”
(HARVEY, 1994). É quando Niterói urbaniza suas praias oceânicas; constrói os condomínios
do tipo Ubá e planeja o Museu de Arte Contemporânea - MAC. O Rio de Janeiro cria
programas de revitalização dos centros de bairro e de favelas. São Gonçalo cria seu primeiro
PDD, mas não há modernização política, modernismo ou qualquer mudança qualificada,
permanecendo aquém da centralidade periférica. São Gonçalo, hoje, em tese, arrisca-se em ser
classificado novamente como periferia se o desenvolvimento econômico se concentrar apenas
em Itaboraí.
E por fim, o último período, às vezes chamado de “pós-moderno” quando,
segundo Vaz (2001), tenta-se recuperar elementos históricos e simbólicos, compatibilizandoos com a modernização dos espaços. Esse último momento pode ser visto como produtor dos
conceitos de revitalização urbana, renovação, reabilitação, requalificação, regeneração,
restauração etc, para comentar apenas alguns dos inúmeros conceitos com “re” então em voga
na década de 1990. Em Niterói observamos a construção do caminho Niemayer e atualmente
a revitalização do centro da cidade.
Para compreender o processo de mudança social e a criação de novas
centralidades na periférica, procuramos estudar um dos conceitos mais caros e mais antigos
desde o início da filosofia, que, de tempos em tempos, “re” aparece nos estudos sócioeconômicos que é o conceito de mudança social92.
Na filosofia, em muitos casos, a preocupação com as permanências e as mudanças
das ‘coisas’ particulares e transitórias é antiga, o que pode ser um facilitador em nosso
trabalho conceitual.93 Para compreender tais “movimentos” a filosofia clássica buscou
estabelecer uma lei universal e fixa (Lógos), que regesse ‘todos’ os acontecimentos
particulares e ao mesmo tempo fosse o fundamento da harmonia universal ao invés de etapas
ou momentos de desenvolvimentos. É a harmonia feita de tensões “com a do arco e a da lira”.
92 Boudon et alli, op. cit. O conceito de mudança social.
93 Heráclito, pensador grego que se preocupava com o estudo das mudanças. Viveu a cerca de 500 anos a.C. em
Éfeso, cidade da Jônia.
75
Mais tarde, Heráclito foi retomado por Hegel para discutir o princípio universal
que rege todos os movimentos e incorpora uma ‘nova’ visão, a dialética. Mais recentemente,
este último foi retomado por Lefebvre para fazer uma ‘nova’ leitura sobre o ‘movimento’ na
lógica dialética e nos estudos sobre a mudança, a chamado de “revolução urbana”.94
Retomamos o ponto de partida e vejamos Hegel comentando as descobertas de
Heráclito:
Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda:
“O ser é mais que o não-ser”, nem é menos; ou ser e nada são o mesmo, a
essência é mudança [...] Pois Heráclito diz: “Tudo flui (panta rei), nada
persiste, nem permanece o mesmo”. E Platão ainda diz de Heráclito: “Ele
compara as coisas com a corrente de um rio - que não se pode entrar duas
vezes na mesma corrente”; o rio corre e toca-se outras águas. Seus
sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar (Aristóteles), pois
que imediatamente se transforma; o que é, ao mesmo tempo já novamente
não é [...] Heráclito diz; tudo é devir; este devir é o princípio.95
O sociólogo Henri Lefebvre (1995), comentando Hegel, propõe que atualmente
em meio a tantas contradições, as mudanças são ainda mais profundas do que no início do
Século XIX e em parte, ainda as mesmas. Nesse sentido, ele diz: “sejamos resolutamente
modernos. Se o real está em movimento, então que nosso pensamento também se ponha em
movimento e seja pensamento desse movimento. Se o real é contraditório, então que o
pensamento seja pensamento consciente da contradição”.
Para compreendermos as transformações recentes, não necessitamos recorrer,
metodologicamente, a dezenas de teorias nem mesmo se isto fosse possível. Como diz
Bourdieu “uma teoria não é o maior denominador comum de todas as grandes teorias do
passado”, (1967, p. 42). Esta citação nos alerta sobre o risco metodológico da reunião de
vários conceitos ou de várias teorias neste trabalho como também o “perigo” de fazer uma
“história da teoria da mudança ou das teorias que abordam as mudanças”. Neste sentido, nos
concentramos nos fatos, nos fenômenos e nas questões referentes ao nosso questionamento
principal: São Gonçalo está sofrendo mudança social graças às transformações recentes na
94 Para Lefebvre, a mudança é princípio do fenômeno urbano, enquanto que para Hegel, o princípio universal
que rege as mudanças (também das cidades) é um princípio lógico.
95 Hegel, George W. F. “Crítica Moderna”. Os Pensadores Pré-Socráticos, Coleção os. Págs. 102 e 103. Nova
Cultural SP, 2000.
76
economia fluminense? Quando nos referimos, não apenas aos fatos, mas também aos
fenômenos mais abrangentes, reinterpretando-os, acrescentamos a necessidade de criar novos
olhares ou novas visões para compreender esse objeto principal.
Optamos por usar o método como um instrumento ou mesmo como uma técnica.
Recorremos a uma conhecida citação de Bourdieu sobre a diferença entre o uso de uma teoria
como doutrina ou como um método de pesquisa para explicitar o uso de múltiplas visões
sobre as mudanças em São Gonçalo, enquanto técnica de pensamento para nos auxiliar a
extrair conclusões mais precisas. Segundo Bourdieu:
“Devemos [...] reconhecer [...] a convergência das grandes teorias clássicas
em relação aos princípios fundamentais que definem a teoria do
conhecimento sociológico como fundamento das teorias parciais, limitadas a
uma natureza definida de fatos [...] (segundo) Keynes [...] A teoria
econômica não fornece um elenco de conclusões estabelecidas e
imediatamente aplicáveis. Trata-se de um método e não de uma doutrina, de
um instrumento do espírito, de uma técnica de pensamento, que ajuda aquele
que o possui a tirar conclusões corretas. A teoria do conhecimento
sociológico, como sistema de regras que regem a produção de todos os atos e
discursos sociológicos possíveis, e somente destes, é o princípio gerador das
diferentes teorias parciais do social [...] e, por conseqüência, o princípio
unificador do discurso propriamente sociológico que não deve ser
confundido com uma teoria unitária do social”. (BOURDIEU, 1967, p. 43).
Neste trecho, observamos o risco de produzir um sincretismo ou de criar uma
análise com fundamentos de teorias parciais, limitadas. Uma teoria é um método, ou melhor,
um instrumento para tirar conclusões e não as próprias conclusões. Os fenômenos que
procuramos explicar aqui desaparecem se partimos do pressuposto que as mudanças no eixo
Niterói - Manilha são totalmente conhecidas, são dados reais e inquestionáveis. Este
pensamento dificulta o esclarecimento sobre o objeto e impede a dúvida metódica.
É necessário avançar, produzir novos conceitos, nova relação entre teoria e
empiria, para não cometermos o erro empirista, ou seja, ficar na base empírica e pensar que os
dados bem coletados podem explicar os fenômenos, nem tão pouco fazer teoria sem prática.
Observamos também o “perigo” de se fazer um trabalho historicista, esquecendo que a
sociologia é também empírica e não recomenda a naturalização (a reificação) dos conceitos.
Um dos primeiros passos que adotamos, foi observar a relação entre conceitos e
os fatos, isto é, as mudanças que estão ocorrendo na área. Sobretudo pesquisando na orla
77
oriental, onde as mudanças estão se processando mais rapidamente. Envolvendo também
outras áreas do conhecimento, principalmente as ligadas ao setor petroquímico como o
COMPERJ.
Para criando novos olhares e produzir novos objetos é necessário percorrer a
literatura sobre mudança social e algumas transformações urbanas como os processos de
“evolução urbana”.
Em decorrência da atualidade do objeto, encontramos vasta literatura sobre
mudança, mas com ambições diversas. Umas buscam o primum mobile da mudança, agente
indutor do início da mudança. Por exemplo, a descoberta de novos poços de petróleo e a
criação de uma nova centralidade do Norte fluminense, (PIQUET, 2003). Alguns autores
citam, e se propõem a estudar esse primeiro movimento nas contradições materiais, na
produção, no desenvolvimento tecnológico ou nas mobilizações sociais. No caso da orla
Oriental da Baía de Guanabara, esse primeiro movimento parte das transformações na
produção para os embates na cultura e na sociedade local. As mudanças em São Gonçalo
ainda não produziram uma nova centralidade, nem ao menos transformou bairros em centros
de distritos ou mesmo em Centros de Bairros - CBs, como previa o PDD de 1998.
Se esse trabalho fosse sobre a nova centralidade no Norte fluminense seria
necessário pesquisar o aumento da produtividade na extração de petróleo, passando pelas
novas divisões de royalties e pelo crescimento dos impostos. Nosso percurso foi diferente,
não partimos desta visão, deste primum mobile. Acreditamos que, no caso da orla da
Guanabara, existem diferentes fenômenos ocorrendo simultaneamente, o que pode contribuir
para a retomada do crescimento da economia Fluminense.
Autores como Penalva Santos (2003) e Natal (2004, p. 54) são partidários desse
primum móbile. Natal, por exemplo, cita o espetacular crescimento da produção de petróleo e
gás natural no Estado do Rio de Janeiro no período de 1995-2000, e segundo ele esse
movimento, “é o mesmo no qual se dá a positiva inflexão econômica em análise”.
Outros, porém, propõem descrever etapas “necessárias” da mudança, à qual
conferem implicitamente uma direção, qualificando-a como evolução, desenvolvimento ou
78
modernização. São os casos de Souza, (2001) e Oliveira (2003). Algumas teorias buscam
ainda a força motriz da mudança: luta de classes, conflitos entre grupos políticos, contradições
entre forças produtivas e modelo culturais; são os casos de Aglietta, Castels, e em alguns
momentos Lefebvre.
Há ainda quem busque as formas da mudança. Estas podem ser dos tipos linear ou
“multilinear” como afirmaria Sahlins segundo (BOURRICAUD, 1993) ou cíclica
(SOROKIN, 1968), sendo que alguns acreditam que as mudanças devem “necessariamente”
assumir a forma de uma seqüência, bloqueios e momentos de crises.
Alguns autores defendem que a mudança seja contínua e sem incidentes,
procedendo de uma seqüência de desequilíbrios e de ajustamento progressivos, enquanto que
outros pretendem que seja descontínua ou marcada por ruptura ou de mutações, metáfora
construída a partir da distorção de um conceito biológico, mas recorrentemente empregada
para comentar processos de mudança.96
Em alguns casos, a economia trabalha com outra variante do conceito de mutação.
No caso de Tavares (1995), vemos alusão às transformações a partir das contradições entre
política e economia. Reconhecemos a complexidade do estudo da mudança social e por
conseqüência não devemos fazer rejeições a esta ou aquela tradição, mas devemos nos limitar
ao estudo sócio-econômico, em nosso caso mais acessível, quando surgirem contradições
entre uma e outra abordagem.
Como diz Lefebvre, “nosso pensamento (é) condenado pela condição humana a ir
da ignorância ao conhecimento [...] O conhecimento de um ser qualquer tem um começo.
Deve atacá-lo por seu ponto fraco, por seu lado vulnerável; ou, simplesmente, por aquele que
nos é acessível” [...] A análise não pode reduzir o complexo ao perfeitamente simples.
Atualmente, longe de reduzir o complexo ao simples, o método científico busca, sob as
aparências simples, os fenômenos do “real complexo”. (LEFEBVRE, 1995, p. 117 - 119).
96 OLIVEIRA, Jane Souto de. Mutações no mundo do trabalho: O (triste) espetáculo da informalização.
www.ibase.br/pubibase/media/. Revista Democracia viva nº 21. Ibase, Rio de Janeiro, abril e maio de 2004.
79
Na intenção de analisar processos de transformação e de mudança social iremos
deparar ao longo desse trabalho com estudos de Lefebvre sobre os movimentos de ocupação,
transformação e produção dos espaços, além de impactos sobre as identidades locais.
Em São Gonçalo, por exemplo, percebemos, através de entrevistas, uma nova
definição indentitária em relação à antiga classificação fabril. Após a mídia ter rotulado de a
“barra de São Gonçalo”, perguntamos com alguns moradores, dos bairros da Boa Vista viam a
“nova” relação com o lugar. Segundo algumas pessoas, as mudanças “ainda estão
acontecendo”, mas já são visíveis como o piscinão e o shopping. A maioria dos moradores
entrevistados tem conhecimento, mesmo que superficial, da instalação do COMPERJ, mas
muitos acreditam, graças à propaganda da Prefeitura, que este será instalado em São Gonçalo
e não em Itaboraí.
Ao interrogar se esses novos usos estão, de fato, alterando a idéia que os
moradores têm sobre a vocação do eixo entre Niterói e Manilha, percebemos que não. Para
alguns moradores, a vocação de São Gonçalo, e principalmente do eixo Niterói Manilha,
ainda é a antiga vocação industrial. Poucos entrevistados defendem a ampliação das
atividades ligadas ao novo Shopping ou a ampliação do setor de serviços ou de comércio.
Além das transformações sócio-econômicas, não notamos “uma refinalização coletiva” das
subjetividades locais. Quando o assunto é a geração de emprego, por exemplo, os jovens
associam automaticamente a instalação do COMPERJ e a indústria naval. As transformações
recentes não são consideradas em seu movimento, em sua dialética, como uma “nova
produção da subjetividade” para usar uma expressão de Sartre comentada por Guatarri,
(1996). Ou seja, mudam-se as atividades, mas nem sempre as mentalidades.
As entrevistas apontam que não basta encontrar mudanças na economia ou na
paisagem urbana e até mesmo a criação de novas centralidades, como o bairro da Boa Vista.
As transformações são efetivas quanto “não é apenas trabalho de especialistas”, mas quando
há envolvimento da população local. Ou seja, uma mudança de fato, “requer também uma
mobilização de todos os componentes da Paisagem Urbana”. (GUATARRI, 1991, pp. 293,
294 e 300). Mobilização que envolve mudança nos sentimentos sobre a relação dos habitantes
com o seu bairro e a sua cidade.
80
Por mobilização, leia-se maior participação na gestão, na mudança dos espaços e
na condução da própria vida. Uma vez alterado um modelo de pensamento que privilegia
determinadas áreas ou regiões em detrimento de outras. Alguns habitantes entrevistados ainda
não mudaram suas percepções sobre o eixo Niterói - São Gonçalo. Fazem questão de pensar a
sua localidade a partir dos seus distritos, das suas profissões e falam da cidade através das
antigas indústrias ou do Município enquanto cidade dormitório.97 A seguir explicitamos
melhor os instrumentos e as técnicas de pesquisa que nos ajudaram a compreender a
mobilização e o “sentimento” de participação, por exemplo, do indivíduo com o seu bairro.
Neste texto descrevemos o que chamamos de “dialética de novos espaços” e o
estudo do movimento dialético. Quando ouvimos alguém da comunidade de pescadores do
Gradim ou da Boa Vista dizer: isto é um bairro, temos a impressão de que ele se refere a uma
coisa natural, diferente do próprio entrevistado, existente em si mesma e com características
próprias. Entretanto, o simples fato de chamar uma coisa de bairro operário ou “comunidade”
indica que o local não existe em si, mas existe para quem acredita na sua existência, isto é,
possui um sentido, uma experiência para o operário ou para o pescador.
Vamos supor que este pertence a uma classe trabalhadora politicamente
organizada, como o caso da colônia de pescadores, com cultura e identidade própria, que
acredita que esse bairro faz referência e reforça sua identidade. Para ele, esse bairro não é
mais uma simples coisa, mas uma referência à sua identidade. Imaginemos em seguida que
somos uma empresa capitalista que explora shoppings centers e que haja interesse em investir
nesse bairro.
Como empresários, “compramos” terrenos para explorá-los, transformando
antigos espaços vazios em propriedades privadas, local de trabalho e capital, ou seja, as
transformações nas “paisagens urbanas” de São Gonçalo podem afetar a “memórias do
trabalho”. Como exemplo, recorreremos a trabalhos como a dissertação de Leila Araújo
(2001)98 para reconstruir, pela fala dos indivíduos, a paisagem urbana da antiga região
industrial dos Municípios da área objeto. Segundo Araújo, (2001), a memória dos antigos
trabalhadores do distrito de Neves é produto e produtora da identidade dos trabalhadores
97 Como exemplo, podemos citar o caso dos entrevistados na antiga colônia de pescadores do Gradim.
98 ARAUJO, L. de O. Paisagens urbanas reveladas pelas memórias do trabalho. Scripta Nova, Revista
Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (54), 2002. [ISSN:
1138-9788] http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-54.htm
81
ainda hoje. Mesmo com as fábricas fechadas a memória permanece, ainda, indelével.
Corroborando com a visão de Ajaújo, acreditamos que as paisagens urbanas são insolitamente
reveladas pelas memórias do trabalho, mas também observamos que a memória seleciona as
lembranças mais convenientes.99
Consideramos, por fim, que somos fotógrafos, pintores ou planejadores urbanos.
Neste caso, o bairro não é nem referência identitária, nem propriedade privada capitalista,
nem local de moradia, mas forma, cor, volume, linhas, profundidade, um campo de
visibilidade e de planejamento100.
Sob essas quatro formas: “bairro”, “referência identitária”, um novo “shopping
center” e “campo de planejamento”, o bairro como coisa natural desapareceu, sendo negado
como mera coisa pela consciência e pela ação humanas. Tornou-se não-coisa porque tornouse bairro operário-para-nós, significação, ente cultural. Foi consumida-destruída-suprimidanegada pela cultura dos habitantes. Em termos hegelianos, o Espírito negou-se como natureza
e afirmou-se como cultura. Negou-se como ser-em-si, tornando-se ser-para-si. A negação
dialética não significa a destruição empírica ou material de coisas, e sim a destruição de seu
sentido imediato que é superado com os novos usos, por um novo sentido, posto pelo próprio
espírito na corrente hegeliana.101
Acrescentamos o estudo da dialética, pois entendemos por dialética dos espaços a
nova centralidade produzida por empreendimentos nos antigos espaços urbanos ou industriais.
Consideramos, também como dialético o movimento que recria novos espaços, antes,
destruídos ou sub utilizados para “consumi-los” e depois novamente destruí-los.
A possibilidade de construção de novas centralidades constitui o essencial do
fenômeno urbano. Uma centralidade considerada junto com o movimento dialético que a
99 Devido ao acidente da Petrobrás, muitos pescadores ainda permanecem impossibilitados de pescar nas águas
da Baía de Guanabara. A poluição, mesmo que agravada com o acidente, é muito antiga, mas serviu de cimento
para unir pescadores para receber indenizações da Petrobrás. No ano de 2006 e 2007 observamos na mídia várias
manifestações e barqueatas.
100 Chamo de “campo de planejamento”, um determinado espaço onde convivem conflitos sobre o seu devir,
sobre o planejamento do seu futuro. Local onde diferentes grupos lutam para “planeja-lo”, como um campo de
batalha.
101 Nem todos os espaços do eixo Niterói Manilha estão passando por processos de transformação. Alguns
locais mantêm-se preservados, como a “Ilha das Flores”, que por pertencer à Marinha o Brasil, permanece sem
grandes alterações.
82
constitui e a destrói, que a cria e a extingue. “O fato de que qualquer ponto possa ser tomado
como centro é o que caracteriza o espaço-tempo urbano.” (LEFEBVRE, 1970, p. 122).102
Esse movimento é inevitável e dialético. Como diria Marx e mais tarde Berman,
“tudo o que a sociedade burguesa constrói é construído para ser posto abaixo [...] das roupas
aos teares e fábricas que as tecem, aos homens e mulheres que operam as máquinas, às casas e
aos bairros onde vivem os trabalhadores, às firmas, às vilas e cidades, regiões inteiras e até
mesmo as nações – tudo isso é feito para ser desfeito amanhã, despedaçado ou esfarrapado,
pulverizado ou dissolvido, a fim de que possa ser reciclado ou substituído na semana seguinte
e todo o processo possa seguir adiante, sempre adiante, talvez para sempre, sob formas cada
vez mais lucrativas.” (BERMAN, 1996, p. 97). Nessa linha metodológica, o que consegue
resistir ao movimento perpétuo do tempo é o próprio movimento. Sendo assim, a necessidade
de conhecer e decifrar a dialética em outros autores.
Desde Platão e Aristóteles, há divergências quanto ao papel da dialética na
produção do conhecimento. Ambos concordavam que a dialética é o logos,103 dividido
internamente em predicados opostos ou contrários. Os dois filósofos consideram que a
realidade e a verdade obedecem ao princípio de identidade e expulsam a contradição. Esta é
considerada irreal (do ponto de vista da realidade) e possível (do ponto de vista da verdade),
pois é irreal e impossível que uma coisa seja e não seja ela mesma ao mesmo tempo e na
relação.
Ao utilizar a dialética, percebemos que um determinado espaço muda, mas
permanece com características do seu antigo uso. Um bairro como Neves que antes era rural,
passou para industrial, hoje urbanizado, passa por um novo processo que envolve o setor de
serviços, ainda possui atributos rurais. Em algumas casas ainda é comum a criação de animais
e aves para consumo familiar. Através de entrevistas observamos também que a visão de
mundo de algumas pessoas é contraditória. A função da dialética, em Platão, era expulsar a
contradição no processo de conhecimento, aqui ela nos faz conhecer a contradição pela qual
passa os habitantes envolvidos em processos de mudança.
102 LEFEBVRE, H. La revolución urbana. Madrid. Alianza Editorial, 1970. Ver também Le droit à la ville.
Paris. Anthropos, 1971.
103 CHAUI, Marilena. Cap. IV Lógica e Dialética. IN: Convite à Filosofia. pp. 202-204. Ed. Ática. 6ª ed. SP.
1997.
83
Segundo Hegel a dialética é a única maneira pela qual podemos alcançar a
realidade e a verdade como movimento interno da contradição.104 Heráclito já considerava
que a realidade é o fluxo eterno dos contraditórios. No entanto, segundo Chaui (1997), a
contradição dialética possui duas características principais:
a) Nela, os termos contraditórios não são positivos contrários ou opostos, mas dois
predicados contraditórios do mesmo sujeito, que só existem negando um ao outro. Dessa
forma, em lugar de dizer urbano-rural, centro-periferia, urbano-suburbano, exploradoresexplorados,
industrial-pós-industrial,
local-global,
moderno-pós-moderno,
devemos
compreender que é preciso dizer: urbano-não-urbano, rural-não-rural, suburbano-nãosuburbano, exploradores-não-exploradores, industrial-não-industrial, local-não-local, globalnão-global e assim por diante.
b) O verdadeiro negativo é uma negação interna, como aquela que surge se
dissermos, por exemplo, “o espaço urbano é o espaço não-rural”, o urbano é o não-rural, pois,
aqui o ser do urbano, a sua realidade, é a negação da realidade do rural, e o urbano é o rural
negado como rural.
Não temos um espaço industrial que virou urbano, mas um espaço industrial que
deixou de ser industrial porque foi transformado em urbano, e agora está se transformando
novamente. Em pesquisa anterior, (MENDONÇA, 2000), observamos que a cultura ainda
indica a manutenção de traços rurais, como por exemplo, a criação de animais em casa ou a
pesca artesanal na Baía de Guanabara ao lado do São Gonçalo Shopping.
Poderemos também comentar as mudanças, dizendo que um espaço industrial que
está sendo revitalizado e classificado de pós-industrial, na realidade pode ser um espaço
industrial que está deixando de ser industrial porque se transforma em algo ainda não
classificado. O eixo Niterói - São Gonçalo possui esses predicados. Ao mesmo tempo em que
permanece como zona industrial e residencial, foi proposto no Plano Diretor de São Gonçalo
como centro de desenvolvimento para o comércio e o lazer.
104 Na teoria hegeliana, no universo tudo é movimento e transformação e, as transformações das idéias
determinam as transformações da matéria.
84
A cultura também não permanece estática frente aos efeitos das mudanças, como
no caso do desenvolvimento endógeno das comunidades que margeiam a orla Oriental da
Guanabara. As comunidades da Boa Vista, Gradim e Itaóca, entre outras, estão criando
Organizações Não-Governamentais para defender seus direitos, mas ainda mantém algumas
referências da antiga condição trabalhadora. Ver por exemplo os trabalhos de Araújo (2002) e
Guedes (1997) que, entre vários temas, citam a cultura como elemento de defesa da
identidade ligada ao passado industrial.
Por outro lado, percebemos que a dinâmica da própria cultura, - que dentre várias
criações, também produz os processos de mudança, - não pode ser destruída por ela em sua
totalidade, (BAUDRILLARD, 2000).
Em resumo, a cultura também produz memória, e esta pode fornecer informações
sobre os hábitos, por exemplo, dos operários da Gerdau que entrevistamos. Ao questionarmos
sobre as suas principais lembranças, eles relataram além dos trabalhos árduos na laminação,
os momentos de alegria quando participavam do time dos metalúrgicos. O conceito
antropológico de cultura, mesmo abrangente, caracteriza bem que modo de vida e de
sociabilidade é um produto e ao mesmo tempo é produtor da mudança.
Semelhante à célebre frase de Galileu, eppur si muove,105 a estrutura proposta por
Marx na metodologia encontrada no prefácio à contribuição à cr´tica da economia política
parte do movimento do concreto, isto é, do que é observado na sociedade. Porém, esse olhar
para o concreto em muitos, casos está repleto do senso comum do investigador e não revela, a
primeira vista, a essência do que estamos estudando.
“Do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa
de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela
sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência
pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças
produtivas sociais e as relações de produção”. (MARX, 1979, p. 5).
O objeto de pesquisa, em nosso caso específico, à primeira vista, apareceu como um
concreto figurado. Para Marx, é a forma como o objeto aparece ao pesquisador exige que esse
objeto seja analisado mais detalhadamente para revelar que o concreto figurado esconde
105 “Mas ela se move”. Frase de Galileu Galileiem em seu julgamento para provar o movimento da terra em
Roma, no ano 1633.
85
dentro de si uma série de relações complexas. Segundo Marx esse concreto figurado pode ser
descrito como:
“uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais
precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais
simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais
tênues até atingirmos determinações mais simples.” (MARX, 1978, p. 116).
Segundo o mesmo autor, primeiro conhecemos a realidade aparente, depois,
através do pensamento científico, apreendemos o que seria o verdadeiro significado, ou a
essência, daquilo que a realidade aparente não mostra. O concreto, segundo Marx, é uma
síntese de múltiplas determinações, e o método dialético deve ser adotado como uma forma de
se fazer essa síntese. Partimos da observação da realidade, ou do concreto figurado, das
categorias simples que o compõem, para depois definir as relações dessas categorias entre si,
buscando a essência daquilo que estamos estudando.
Percebemos que a realidade observada é uma abstração com determinantes
ocultos que têm que ser descobertos. Esse processo, de descoberta, é realizado pelo
pensamento com auxilio da dialética. Extraindo essa essência a partir da volta à categoria
inicial e a partir das relações entre as categorias simples fazemos as primeiras considerações
preliminares, porém, nosso olhar não é “neutro”, ele parte de nossa realidade histórica e
cultural, como mostra Marx:
“até as categorias mais abstratas – precisamente por causa de sua natureza
abstrata -, apesar de sua validade para todas as épocas, são, contudo [...]
igualmente produto de condições históricas, e não possuem plena validez
senão para estas condições e dentro dos limites destas”. (MARX, 1978, p.
120).
Partindo dessas considerações preliminares, buscamos estabelecer relações entre
as categorias simples, pois é a partir dessas relações mais simples, que o concreto figurado se
“transforma” em concreto de pensamento, totalidade de pensamento ou todo de pensamento.
Segundo Marx, seria uma “síntese de múltiplas determinações”, ou múltiplas abstrações, que
é o concreto depois da nossa operação mental.
86
Se partíssemos da sociedade mais complexa, isto é, da sociedade capitalista
encontraríamos categorias e conceitos em sua forma mais complexa e abriríamos espaço para
decompormos em formas mais simples. Na sociedade capitalista estão as categorias em sua
forma mais complexa, portanto é daí que conseguimos, simplificar nosso objeto concreto até
atingirmos sua forma pensada. Segundo Marx, (1978), seria uma certa “viagem de volta ao
pensamento”, indo do mais simples ao mais complexo, é semelhante ao processo histórico
real. Marx utiliza a metáfora do macaco, segundo ele, a chave para a anatomia do macaco está
na anatomia humana, mas sem naturalizar a nossa sociedade, aplicando essa metáfora como
regra.
Ou seja, para se entender o capitalismo, Marx, parte do capital, aquilo que domina
toda a realidade desse modo de produção. Então ele conceitua o que é o capital e começa sua
análise por pela forma mais simples deste, isto é, a mercadoria. No nosso caso, para
entendermos as transformações recentes em São Gonçalo, necessitamos conceituar essas
transformações e lembrar que são categorias “disfarçadas” em outras formas. Assim como
Marx diferencia o capital do dinheiro, devemos diferenciar as transformações recentes das
transformações que ocorrem habitualmente devido à própria dinâmica das cidades. Segue
assim a necessidade do método dialético.
Ao adotarmos o processo dialético do conhecimento passamos a perceber este
conhecimento como algo que evolui com o tempo, tendo a sua própria dinâmica, e esta não é
observada como realidade. Ou seja, A realidade que observamos, não é necessariamente a
dinâmica das cidades. Em São Gonçalo, por exemplo, a primeira vista, parece estacionada no
tempo e mais grave ainda, observando indicadores como o IDH, temos quase a certeza
estatística, mas como diria Hegel ao comentar a dialética, quebrando a casca da “nós”, temos
uma análise mais apropriada. Como primeiro passo, fomos ao real (a realidade de São
Gonçalo) identificando as transformações mais visíveis até perceber que essas transformações
fazem parte de um todo mais complexo, e este envolve a cultura, a política local, a religião, a
violência etc. Por isso, acreditamos que nossa pesquisa só pode ser elaborada porque tínhamos
uma observação prévia da realidade. Após o primeiro passo que é a observação da realidade,
percebe-se que o real é uma construção social e resultado do pensamento, que segundo
(LEFEBVRE, 1995) é produto e é produtor dessa realidade.
87
As contradições que expomos, como por exemplo, a reutilização de antigos
espaços industriais e o surgimento de novas atividades no local convivendo com a
manutenção dos baixos índices sócio-econômicos apresentados, nos faz recorrer a explicação
marxista. Acreditamos que esta nos permitiu compreender que os fenômenos delineados de
revitalização de espaços são criados pelas condições objetivas das quais o nosso pensamento
deve se dedicar.
Na visão marxista, os fatos humanos mais primários são relações dos homens com
a natureza na luta pela sobrevivência e que tais relações são as de trabalho, dando origem às
primeiras instituições sociais, sendo essas econômicas (estrutura). Mas, para mantê-las, o
grupo social cria idéias e sentimentos, valores e símbolos e novas identidades, aceitos por
todos e que justificam ou legitimam as instituições assim criadas (superestrutura), ou seja, a
cultura. Também para conservá-las, o grupo social cria instituições de poder que sustentam
pela força, pelas armas, pelas Leis, pelas relações sociais ou pelas idéias-valores-símbolos
produzidos.
A releitura do marxismo nos permite compreender as articulações entre o plano
econômico (material) e o simbólico (imaterial) nas transformações recentes e a permanência,
na tradição106 e nos mitos do passado glorioso e industrial da manchester fluminense
apresentados em dissertação anterior ou da antiga abundância da pesca, muito citada nas
entrevistas. A tradição e a realidade podem ser reconduzidas para que a ordem social possa
mudar ou persistir, ao mesmo tempo em que a cultura também pode ser a invenção dessa
ordem simbólica, criação de novos significados, como diria Geertz, “sistemas de símbolos
significantes”.
O cientista social Berman (1996), seguindo os passos de Marx (2004), aponta um
caminho para nosso trabalho, a existência da “mudança permanente”. Ao visitar algumas
localidades percebemos em relatos, que alguns habitantes estão mudando seus projetos e suas
vidas para se adaptar às mudanças. Muitos dos jovens entrevistados estão procurando cursos
na área de petróleo e gás. Cerca de vinte mil se inscreveram na primeira seleção para trabalhar
na obra do COMPERJ. Percebemos que também os jovens estão sendo aprisionados nesse
“moinho” que ora os joga para indústria, ora esporte, ora música, ora empresa. Encontrei
106 Esta pode ser inventada pelos habitantes locais. Como nos mostra Hobsbawn, E et Ranger IN: The Invention
of Tradition. Cambridge University Press, 1983.
88
jovens que dizem mudar de objetivo cada vez mais rápido. Os jovens parecem perdidos entre
a polivalência ou a especialização. A titulo ilustrativo, não percebemos esta preocupação com
a “mudança permanente” entre políticos, o que pode refletir, a priore, na ausência de
dinâmica do planejamento local.107 Enquanto os jovens estão tentando se adaptar às mudanças
de forma rápida e eficaz, os políticos que deveriam atualizar as Leis e principalmente o
planejamento urbano de São Gonçalo parecem não se atentar ao fato com a mesma agilidade.
Segundo Berman, (1996), o indivíduo urbano encontra-se num “turbilhão”,
buscando adaptar-se às situações e imposições, cada vez severas do capital. Como já
havíamos dito, podemos conversar com jovens que fazem vários deslocamentos semanais de
São Gonçalo a Niterói e ao Rio de Janeiro, tentando alcançar qualquer chance que aparece,
dos trabalhos temporários a concursos para qualquer cargo ou realizando novos cursos
técnicos para o trabalho na indústria naval.
Este indivíduo é exemplificado, por Berrman, como Alcebíades a todo tempo,
sempre pronto para as novas situações de emprego e atendo aos novos símbolos e mensagens
globais: polivalência, adaptação, competição e incerteza. Os jovens que expressam nas suas
opiniões a recusa do passado rural, não abominam a velha forma de dominação política a qual
estão inseridos. Cerca de 50% desses jovens em São Gonçalo, por exemplo, são eleitores
evangélicos que apóiam as práticas da política local.108 Pensam estar adaptados para o
mercado darwinista, mas não percebem que podem ser peças em desuso nessa engrenagem
social.
Por fim, neste item apresentamos através da análise das entrevistas, como cerca de
vinte e sete jovens que representam uma parcela da sociedade, vivencia os impactos e as
contradições das transformações recentes. Observamos que essas contradições nem sempre
provocam novas percepções sobre a realidade. Ao mesmo tempo em que jovens do bairro da
107 O município de São Gonçalo teve apenas dois planos. Um elaborado pela FUNDREM: Fundação para o
Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em 1978, e o atual Plano Diretor Decenal
elaborado em 1991. Muito do que está contido no atual plano vem da observação de algumas diretrizes do
primeiro plano. Ou seja, vinte e sete anos sem a execução de planejamento urbano.
108 Segundo a dissertação de OLIVEIRA, Italmar Santos. A territorialidade evangélica pentecostal: um estudo
de caso em São Gonçalo -R.J. IBGE/ENCE. Rio de Janeiro, 2005. O autor afirma que “a expansão do
cristianismo evangélico (neo)pentecostal nas grandes áreas urbanas onde se faz mais presente e com maior
concentração em suas áreas periféricas, convertendo e arregimentando os estratos sociais com menor renda e
com menor nível de instrução, teve na última década em São Gonçalo a amplitude de um fenômeno tsunami
quando aumentou sua população em 105,8% distribuídos por denominações”
89
Boa Vista, por exemplo acreditam que a estação hidroviária poderia mudar completamente o
perfil do bairro, alguns, que também habitam o mesmo bairro, planejam seu “futuro”
buscando novas qualificações nas antigas indústrias e não apostam nas profissões ligadas ao
comércio ou aos serviços.
A título ilustrativo, apesar de não observamos movimentos de defesa da
identidade local como antes, ligadas aos sindicatos e ao passado industrial, encontramos
depoimentos a favor das empresas que são símbolos das mudanças globais: Wal Mart, Bob’s,
McDonalds, Carrefour. Essas empresas, em pesquisa realizada na década de 1990 por
(ARAÚJO, 2001), foram classificadas na época, por movimentos contrários aos novos
empreendimentos, como empresas nocivas.109
Em resumo, há cerca de dez anos, as pessoas eram contrárias às empresas globais
que estavam se instalando, principalmente em Neves. Hoje essas empresas não são mais
hostilizadas. Não devemos ser a voz do outro e sim deixá-lo falar com diz Foucault na Microfísica do poder. Sabemos que essas empresas não investem em responsabilidade social nos
bairros vizinhos e oferecem apenas empregos temporários ou de baixa remuneração, mas a
opinião das pessoas também está mudando.
A indignidade de falar pelos outros é um preço que temos que pagar. Os moradores
são prejudicados pelo capital e além do mais, são “compelidos” a mudar suas visões de
mundo sobre essas novas formas de exploração e expropriação dos seus espaços. A teoria
exige que as pessoas a quem ela concerne falassem por elas próprias.110 Este é um tipo de
contra discurso pouco presente no planejamento. Segundo Foucault, os intelectuais
descobriram recentemente que as massas não necessitam deles para saber [...] e elas dizem
muito bem, mas existe um sistema de poder que barra, e os próprios intelectuais fazem parte
desse sistema de poder. A idéia de que eles são agentes da “consciência” e do discurso faz
parte desse sistema, (Idem, 1971). A seguir apresentamos a segunda parte desta tese onde
descrevemos os “momentos” da desindustrialização até a revitalização do eixo Niterói - São
109 A tese de ARAÚJO, Leila Oliveira de Lima, (2001) sobre a região industrial, mostra alguns movimentos
sociais de moradores contra a construção dos supermercados. Ver por ex. Jornal O Fluminense de 24/07/1992,
pág. 4: “Chaminé é implodida para dar lugar a supermercado”.
110 Foucault, M. Os intelectuais e o poder. Conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze. Pág. 72. IN:
Microfísica do Poder. Cap. IV pp. 69-78. 11ª ed. Graal, RJ, 1993.
90
Gonçalo com o auxílio do “viés sociológico” e da percepção das mudanças sociais pela
imprensa local.
Essa revitalização do eixo Niterói - São Gonçalo é pontuada pela década de 1990 e
está diretamente ligada ao fechamento de indústrias e fábricas na orla Oriental da Baía de
Guanabara e com a reutilização de “friches urbanas”, espaços vazios e ruínas industriais. A
partir dessa primeira constatação, apontamos empreendimentos e projetos públicos e privados
para a retomada de desenvolvimento local. Alguns destes empreendimentos já estão afetando
diretamente a orla da Baía de Guanabara e, de forma indireta, o Município de São Gonçalo.
91
1.5. Revisitando as “friches urbanas” e os vazios sociais
Segundo a definição do Service Technique de l’Urbanisme – STU,111 o conceito
“friches”, mais precisamente de “friches industrielles” ainda é utilizado na França para
designar:
“um espaço, construído ou não, desocupado ou muito sem utilização; antes
ocupado por atividades industriais ou outras atividades ligadas à indústria. E
a reinserção deste espaço, no mercado imobiliário, independente do seu uso,
implicará num novo planejamento, salvo a utilização precária ou
provisória.”112
No Brasil, esta definição necessita da devida separação entre a palavra “friche”,
de origem holandesa e do francês arcaico. Segundo o dicionário histórico da língua francesa,
o termo latim vervactum, significa retornar a terra, roçar ou cultivar: retourner la terre,
défricher.113 Esta origem francesa da palavra "friche" pode designar o estado e a duração de
terras não cultivadas por muitos anos. A idéia de "friche" está associada ao repouso da terra,
liberada pela agricultura, de certa forma "abandonada".
Uma outra origem de palavra aparece no século XIX, encontrada em comentários
nórdicos e holandeses também sobre o cultivo da terra114. A palavra (virsch) servia para
qualificar a terra “fraîche” obtida sobre os polders. Há uma raiz comum nessa palavra com a
original no francês arcaico “fresche”, que significava “frais”, ou terra descansada ou
repousada.
A idéia comum nas duas origens é a ligação com o solo, prestes a ser cultivado.
Concluímos que a idéia original de “friche” é a idéia de um espaço, preservado ou não, que
pode ser cultivado, utilizado para receber novos significados, projetos que possam combater o
abandono.
111 Pesquisa realizada em fevereiro de 2007 em Paris no STU. Serviço Técnico de Urbanismo da França.
112 SEPROREP/STU: L’Enjeu Friche Industrielle, Paris, STU, 1984, p. 6, apud DELUC, Isabelle, 1989 p. 11.
113 Segundo o Dictionnaire historique de la langue française de 1992.
114 DONADIEU, Pierre. "La jachère hypothèses pour un exorcisme". INRA. Institut National de la recherche
agronomique. http://www.inra.fr/dpenv/donadc19.htm. Le Courrier de l'environnement n°19, Paris, maio de
1993.
92
Se a idéia original da palavra denota repouso: "En friche veut dire au repos", as
terras ou espaços “adormecidos” estão nessa condição enquanto não recebem novos usos,
novos significados. Transportamos essa idéia de repouso da terra cansada, exaurida pelos usos
agrícolas, agora para o espaço urbano, industrial, para representar terrenos outrora utilizados
pelas plantas fabris por um longo tempo, mas que podem ser, agora, novamente “cultivados”,
isto é, no caso urbano, aptos a receberem nova cultura de reconquête (reconquista), podendo
abandonar, ou não, a ligação com a memória coletiva, que, em nosso caso, atribui a esses
antigos espaços a sua identidade industrial.
De uma forma geral, as “friche ou friches” podem significar desde terras
abandonadas até sobrenomes de famílias suíças e francesas, que chegaram no Brasil no século
XIX. Por outro lado, preferimos trabalhar com o (conceito) “friches” que pode ser relacionado
tanto aos terrenos liberados pela agricultura quanto pelas indústrias.
O conceito “friche” também foi utilizado para a análise da diferenciação espacial
e temporal entre a nova atividade industrial e os vazios decorrentes da velha atividade
agrícola. Este conceito, porém, não diz respeito ao conceito de “friche” tal qual usamos aqui,
mas um antecessor “flurwüstung”, onde os vazios são entendidos como de origem direta da
industrialização do espaço rural, ou por causa das migrações em direção às cidades que
causaram o abandono de vilas inteiras nos campos no período da industrialização.
A definição que elegemos para discutir as alterações econômicas num
determinado espaço, como o aparecimento de ruínas e vazios industriais, usávamos as
influência européias, principalmente francesas, que tratam, desde a década de 1980 das
“friches industrielles” e “friches urbaines”115.
Quando concluímos a nossa dissertação de mestrado em 2000, tínhamos a
preocupação, acadêmica, como diria Pierre Bourdieu, de analisar a relação entre conceitos e
115 Friches urbanas: “Terras livres e abandonadas no meio urbano e na periferia por não terem sido cultivadas
ou construídas, onde há demolições de edifícios, fábricas ou instalações provisórias. Os antigos quarteirões de
fábricas e vilas operárias”. Friches industriais: “terrenos abandonados pelas indústrias, por estas terem sido
relocalizadas ou cessado suas atividades. Esta expressão é indicada aos terrenos ainda ocupados por construções
de indústrias, não demolidos, mas inutilizados”. (Dictionnaire de l’Urbanisme et de l’Aménagement (Merlin e
Choay. 1985, p. 312).
93
as razões práticas da “nova pobreza urbana”,116 não a partir de dados estatísticos, mas a partir
da constatação da existência de grandes terrenos “abandonados” entre Niterói e São Gonçalo.
Na década de 1990 e também agora na primeira década do século XXI
examinamos esses “abandonos” como aspectos fundamentais para entender a vida nos antigos
bairros industriais dos distritos do Barreto e de Neves. Optamos por pesquisar o caso do
Município de São Gonçalo, estigmatizado pela pobreza concentrada e inserido em dois
“mundos” distintos: pobreza e possibilidade de reconquista desses espaços.
Por um lado, a indignação em alguns depoimentos pode representar as
conseqüências nocivas desse tipo de economia que trouxe tantos prejuízos sociais segundo
alguns habitantes. Por outro lado, podem ser percebidas algumas possibilidades através de
novas formas de interação social e possibilidades de revitalização desses antigos espaços, que
podem ser transformados em novos espaços de cultura e lazer ou retornar à industrialização.
Simmel, ao longo da sua vida, analisou, de outro ângulo, a situação onde o
indivíduo, na sociedade moderna, busca se compreender enquanto ponto de interseção entre
vários mundos. Hoje, podemos observar, também, que a vida nas grandes metrópoles, produz
“novas” formas de interação social, através das experiências e das vivências em novos e
antigos espaços. Segundo ele, quando o indivíduo se envolve na multiplicidade de relações,
vivencia um dualismo. Somos ao mesmo tempo um todo individualizado e parte desse todo,
desse universo de novos significados.
De la multitud de relaciones en las que los hombres, los grupos, las imágenes
se entrelazan, nos deja petrificados en todas partes el dualismo de que lo
aislado pretenda ser un todo y de que su pertenencia a un todo mayor sólo
quiera otorgarle el papel de miembro. Sabemos que nuestro centro está al
mismo tiempo fuera de nosotros y en nosotros, pues nosotros mismos y
nuestras obras somos meros elementos de totalidades que nos reclaman
como parcialidades de la división del trabajo; y en esto nosotros mismos
queremos, sin embargo, ser algo redondeado y que-está-sobre-sí-mismo y
crearlo. (SIMMEL, 1996, p. 175).
Compreendemos com o estudo dos espaços vazios e de ruínas que o cenário
urbano ou a “paisaje”, como prefere Simmel, exerce influências sobre as experiências
individuais. Alguns entrevistados afirmam que “São Gonçalo não muda”, mas quando citamos
116 BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Cap. “Espaço social e espaço simbólico”, pp.13-33. Ed. Papirus, São
Paulo. 2003.
94
o Shopping ou novos hipermercados, eles afirmam que já estão tão acostumados com a
imagem degradada da cidade e que esses empreendimentos contemporâneos, às vezes, não
trazem novos significados ou, pelo menos, demoram a apagar os antigos.
Estamos como hombres totales frente al paisaje, tanto el natural como el
convertido en arte, y el acto que nos lo crea es inmediatamente un acto que
mira y un acto que siente, hecho saltar en astillas en estas separaciones por
vez primera en la reflexión posterior. El artista es sólo aquel que consuma
este acto conformador del mirar y del sentir con tal pureza y fuerza que
absorbe en sí plenamente la materia natural dada y la crea de nuevo como a
partir de sí; mientras que nosotros, los restantes, permanecemos más ligados
a esta materia y, en esta medida, todavía acostumbramos a percibir este y
aquel elemento aislado allí donde el artista realmente sólo ve y configura
«paisaje» (SIMMEL, 1976, p. 176).
Acreditamos que as pessoas que moram perto de friches ou de áreas em abandono
se acostumam com essas “paisagens” e as naturalizam. Criam sentimentos e valores para
classificar, separar e comparar o “seu contexto urbano” através de suas experiências.
Diferente do artista que procura o belo, o morador comum parece observar o que as outras
pessoas comentam e gravam em suas mentes significados atribuídos e arraigados. Daí a
permanência de estigmas nos discursos sobre São Gonçalo, dee certo modo ligados aos
costumes e às percepções daqueles que não habitam a cidade.
Simmel, no mesmo artigo, comenta que não devemos explicar o indivíduo apenas
pela referência a si mesmo, mas também levando em consideração as suas interações com os
outros como no caso dos moradores dos antigos distritos de São Gonçalo, notadamente
influenciados por hábitos e costumes de Niterói e Rio de Janeiro, como diz Simmel, pelas
“configurações sociais”, formadas pelas relações no trabalho, igreja, escola e pelo convívio
em diferentes instituições.
O debate sobre esses espaços antes denominados de “vazios”, sejam eles urbanos
ou industriais, nos remete novamente a este mesmo questionamento do grande mestre da
sociologia. Hoje, compreendemos como os espaços vazios ou em ruínas exercem influência
sobre as experiências individuais.
Em uma das entrevistas, um jovem de dezenove anos, comentou que o seu sonho
era mudar-se para Niterói porque em São Gonçalo não existe “vida”. Provavelmente, o jovem
95
se referia à vida cultural, lazer ou à vida noturna. A sua relação com o tempo, com as antigas
construções e os usos não o deixa se identificar com as ruínas do “passado”, pois as suas
experiências não fazem parte desse “mundo do trabalho”.
O jovem entrevistado, em tese, parece vivenciar a experiência de morar em São
Gonçalo, mas não se identifica com o universo industrial do município. Essa constatação pode
revelar diferentes perspectivas e formas de tratamento que indivíduos ou grupos sociais
utilizam para classificar “seus espaços”. A experiência com as identidades e com os laços
sociais que são feitos e desfeitos ilustra bem a nossa preocupação, diferente dos primórdios
dos conceitos que antes aplicamos para compreender esse fenômeno. O conceito de friches
pode representar algo mais, como ruínas e vazios relacionados a sentimentos e experiências,
enfim “terreno fértil” para o “cultivo” de novos hábitos e costumes. Assim como no passado,
o conceito representou as terras “frescas” liberadas para novos plantios da agricultura, agora,
liberadas para o cultivo de novas experiências.
Recentemente, um documentário intitulado: “ruínas urbanas”, produzido por
Índia Mara Martins em 2006, apresentou novas experiências e diferentes olhares, como
costumo dizer, de multi-visões - sobre a relação entre indivíduos e o meio urbano, os novos
usos e “ocupações” de vazios no meio urbano da cidade do Rio de Janeiro, examinados a
partir da sua multiplicidade de interações sociais. Exemplos como a Companhia de Tecidos
Nova América (1925), transformada, em 1995, no “Nova América Outlet Shopping” servem,
no documentário, para discutirmos a atualidade do conceito de friches urbaines. Algumas
pessoas que freqüentam o Shopping não associam a construção ao seu passado industrial e
provavelmente acham até que a edificação foi construída para abrigá-lo, renegando todo o seu
passado.
No início dos primeiros trabalhos de campo, por não termos, em nossa língua,
uma denominação que traduzisse completamente esse fenômeno usamos, inicialmente a
terminologia estrangeira: friches urbaines. Há um problema conceitual, já que esta definição
representa, ainda, espaços industriais e vazios urbanos, à primeira vista em “abandono” que
podem ser transformados, revitalizados e receber novos usos sociais, mas não se refere ao
espaço no sentido “abstrato”, isto é, a relação com novas categorias de representação desses
espaços e não com espaços existentes e concretos. Como nas palavras do jovem citado
anteriormente: “minha cidade está morta”, friche, nesse sentido figurado, quer dizer vazios ou
96
ruínas sociais, diferente do sentido concreto como o utilizado na literatura para exemplificar
vazios ou ruínas industriais.
Nos depoimentos também ouvimos vários relatos sobre os novos usos nesses
espaços como alojamentos, escritórios, estacionamentos, áreas de lazer, parques, armazéns e
por outras indústrias, mas não encontramos nenhuma referência aos vazios sociais tais quais
tentamos desenvolver aqui.
Muitas vezes, novos empreendimentos não conseguem disfarçar a imagem de
degradação da paisagem urbana, principalmente nos subúrbios industriais, exceto quando são
grandes operações.117 No Brasil, alguns casos de fábricas, ruínas e espaços vazios reanimados
são exemplos de alteração nos usos e valorização dos indivíduos. O bairro da antiga Fábrica
de Tecidos Nova América, inaugurada em 1925 passou por uma fase de valorização após a
planta fabril ser re-inaugurada como Shopping em 1995. A transformação em Shopping
afetou, de forma positiva, esse subúrbio carioca, transformando-o em referência para a região
norte.
Acreditamos que medidas de revitalização118 da e na orla Oriental da Baia de
Guanabara podem contribuir para a valorização da identidade dos moradores da cidade na
medida em que o declínio das atividades econômicas contribuiu para a baixa de auto-estima
da população local. Novas atividades nessas áreas, através da reutilização da infra-estrutura
disponível e de vazios industriais podem recuperar traços importantes da identidade cultural
local, formada pela classe trabalhadora e perdidos por conta do declínio industrial119 citado.
Foi necessário trabalhar um conceito como o de vazios sociais para designar
locais, bairros, distritos ou mesmo cidades, onde a ausência de atividades econômicas criou
117 Em (MENDONÇA, 2000), a construção do Grande Estádio de France em la Plaine Voyageurs em SaintDenis, subúrbio de Paris, e as Docklands em Londres. Operações urbanas que visavam mudar a imagem e a
economia na região. Conseguiram interferir, também, na identidade social desses antigos espaços que foram
zonas portuárias, vilas operárias, banlieue rouge etc. Em fevereiro deste ano, retornamos a Paris e podemos
constatar as novas referências sobre Saint-Denis.
118 O conceito de revitalização é utilizado apenas como uma ferramenta para designar um novo uso, uma nova
“vida”, ou uma revitalização de espaços vazios ou pouco utilizados. Optamos pelo sentido amplo do termo, pois
esse envolve novos usos e novas formas de ação sobre espaços degradados ou sub utilizados oriundos de
processos ou modelos de organização social do espaço.
119 Imaginemos como as crianças matriculadas nas escolas da cidade cantam todos os dias pela manha o Hino
Municipal: “Teu passado - cidade - foi honroso, teu futuro será maravilhoso, e o teu presente fúlgida verdade...
Tens usina com muitas chaminés que logo dizem prontas quem tu és”.
97
um vazio de atividades sociais, alterou alguns significados, contribuiu para a diminuição da
auto-estima e desvalorização de determinados aspectos importantes da cultura local. Em
francês, a definição friches sociales120 está diretamente associada aos conceitos de “ciclos
industriais”, e de “descentralização industrial”. O conceito, tal qual propomos aqui serve para
associar outros pontos importantes da análise das mudanças. Um desses pontos é a abordagem
das suas dimensões sociais, econômicas e espaciais.
“Em se tratando de arquitetura e planejamento urbano, é fundamental
entender corno diferentes grupos representam e utilizam suas casas, as ruas
que freqüentam, o bairro que habitam, seus padrões de sociabilidade, suas
preferências estéticas, sua etiqueta, visões da sociedade e do mundo em
geral. A sociedade brasileira contemporânea vive, dramaticamente, as
dificuldades e impasses entre os diferentes grupos que a compõem. A
gravíssima desigualdade social, o contraste de níveis de vida e uma efetiva
crise de Valores, produzem um quadro de conflitos e tensão”. (VELHO,
1997, p. 4).
Sob o ponto de vista antropológico, as mudanças sociais podem provocar
momentos de tensões e conflitos em diversos setores da sociedade. O declínio ou o
desenvolvimento econômico e as devidas medidas de ajuste social podem criar locais de
conflito e tensão social, assim como as cidades que são transformadas “da noite para o dia”
em pólos industriais, sofrendo os efeitos da falta de planejamento e cidades que passam por
processos de esvaziamento ou declínio industrial.
A construção do conceito de vazio social é bem diferente da definição técnica
“friche industrial”. Para o Serviço Técnico de Urbanismo da França, o conceito “friches
industrielles,” é utilizado geralmente para designar “um espaço, construído ou não,
desocupado ou muito sem utilização; antes ocupado por atividades industriais ou outras
atividades ligadas à indústria”.121 A definição que acreditamos ser a mais apropriada deveria
levar em consideração não apenas o espaço construído, mas também a memória e os usos
sociais, ou seja, o que as pessoas da orla fazem ou pensam sobre a reconquista desses espaços.
120 A definição, friches sociales, foi introduzida na França em 1966 pelo geógrafo Jean Labasse. Essa definição
serviu como uma primeira referência para pensarmos os vazios sociais associados aos indivíduos e não apenas
aos espaços. Ver, por exemplo, LABASSE, Jean IN: L’organisation de L’espace: Éléments de Géographie
Voluntaire. p. 457, 458. Hermann, Paris, 1966.
121 SEPROREP/STU: L’Enjeu Friche Industrielle, Paris, STU, 1984, p. 6 apud DELUC, Isabelle, p. 11. 1989.
98
Segundo Jacques Malezieux
122
o desenvolvimento econômico em cidades com
passado industrial - no seu caso a região parisiense - necessita de implementação de medidas e
políticas que visem à reconquista de friches industriais. O autor define o conceito a partir dos
espaços industriais, mas não cita os “vazios sociais”. Daí, a necessidade de fazer uma
distinção entre a palavra “friche”, que de uma forma geral pode significar simplesmente terras
abandonadas, o conceito “friches industriais” que pode ser relacionado aos terrenos liberados
pelas indústrias e, por último, o conceito de vazios sociais que se refere às práticas ou usos
sociais, antes e após uma friche.
O conceito “friche” também foi utilizado para a análise da diferenciação
espacial e temporal entre a nova atividade industrial e os vazios decorrentes da velha
atividade agrícola. Este conceito, porém, não é o conceito de “friche” tal qual usamos aqui,
mas um antecessor “flurwüstung”, onde os vazios são entendidos como de origem direta da
industrialização do espaço rural, ou por causa das migrações em direção às cidades que
causaram o abandono de vilas inteiras nos campos no período da industrialização europeu.
De fato, cidades afetadas por crises econômicas, principalmente velhas regiões e
subúrbios industriais, precisavam revitalizar suas economias. Na França, esta situação
demandou estudos de planejamento e ações governamentais para reverter tais problemas, não
só econômicos, mas sociais e espaciais, que se agravaram no fim dos anos 1970 e início da
década de 1980. Nessa década algumas ações foram realizadas pelo Institut d’Aménagement
et d’Urbanisme de la Région Ile-de-France – IAURIF, na região.123
Na região de Saint-Denis, podemos observar que a participação da comunidade
foi considerada, mas mesmo assim o processo de reanimação alterou o perfil e o
“funcionamento” de cidade.124 Em São Gonçalo, onde o processo de industrialização não teve
a mesma magnitude, a crise e o declínio industrial também foram fatores agravantes. A
quantidade de vazios e ruínas industriais não é grande, mas é grande o sentimento de vazio
122 MALEZIEUX, Jacques: Politique et pratique du développement économique dans les communes
anciennement industrialisées de l’agglomération parisienne, Revista Hommes et Terres du Nord, páginas 299 à
303. Paris. 1989.
123 MALEZIEUX, Jacques: Réanimation de Friches Industrielles en Banlieue Parisienne, Congrès national de
sociétés savantes, Geographie p. 179-194. Lyon, 1987.
124 Em fevereiro de 2007 constatamos que um dos novos empreendimentos que mais chamou atenção, em
Saint-Denis, foi um shopping center, junto à antiga saída de metro. Esse shopping alterou o fluxo de automóveis
de pedestres pelo local. Também alterou o perfil do centro da comuna. Antes uma municipalidade rouge, agora
mais um pólo de comércio e habitação periférico.
99
social, carência e abandono, constatados através de entrevistas e depoimentos desde os
primeiros contatos com a população local.
A expressão “vazio social” sugere uma homogeneidade que não existe, e pode
indicar apenas uma das causas do fenômeno: o desaparecimento da vocação inicial de
localidades com marcas da antiga industrialização. Cabe, também, ao planejamento urbano e
seus agentes a preocupação em integrar esses vazios à comunidade, para proporcionar uma
melhor qualidade de vida urbana e restaurar a atratividade. O objetivo não é o de reconstruir
indústrias, mas propor usos mais racionais para esses vazios, a fim de diminuir a miséria e
melhorar a conceito que alguns habitantes têm da sua própria localidade.
Constatamos também que referências pejorativas sobre a cidade, como um todo,
remetem quase sempre a comparações com Niterói e Rio de Janeiro e que também há uma
nítida separação entre os pontos de vistas de moradores antigos e moradores mais recentes.
No que se refere a esse tema, encontramos algumas publicações interessantes dos professores
Evadir Molina e Salvador Mata e Silva,125 ambos estudiosos de São Gonçalo, que acreditam
que essa dicotomia tem sentido ao observarmos as estatísticas referentes ao número de
habitantes da cidade durante a passagem de rural para industrial e antes e depois da Ponte
Rio-Niterói.
Apesar de existirem artigos e teses sobre diferentes épocas da cidade, não
encontramos dados sobre que comprovem a estranha relação dos habitantes com a cidade.
Enquanto os “mais velhos” fazem alusão ao passado industrial de forma positiva, alguns
jovens entrevistados mencionam o oposto. Em seus discursos, notamos argumentos contrários
à industrialização, semelhantes aos discursos ecológicos relatados por alguns.
Notamos que algumas escolas, como por exemplo, a Walter Orlandine, centros
culturais como o ICBEU; a UERJ/SG e algumas organizações não-governamentais
desenvolvem atividades para manter viva a memória da indústria local, talvez acreditando que
possibilidades de “revitalização” possam surgir através da tomada de consciência sobre o
passado da cidade.
125 MATA & SILVA, Salvador e FERREIRA, Osvaldo Luiz: SÃO GONÇALO Ed. Belarmino de Mattos.
CDD-372.8909815. São Gonçalo, RJ. 1993. SILVA, Salvador Mata e, MOLINA, Evadyr. São Gonçalo no
século XVIII. Rio de Janeiro: Ed. Muiraquitã , 1998.
100
Do nosso trabalho em 2000 até hoje, multiplicaram-se as monografias e estudos
sobre a industrialização na cidade. As Faculdades de História, Pedagogia, e principalmente de
Geografia da FFP da UERJ em São Gonçalo, criaram grupos de estudo e laboratórios para
analisar esse objeto. Paralelamente, o número de textos publicados relativos ao assunto
também aumentou na internet. Talvez esse movimento possa favorecer a difusão de
informação sobre as reutilizações e revitalizações dos vazios sociais e dar um novo rumo para
a cidade.
Enquanto na França, a busca pela “evolução do conceito” nos mostra que os
primeiros “approches” foram sobre as técnicas operacionais e aspectos jurídicos, fiscais, e
patrimônio arquitetônico, nesse estudo o conceito ainda interessa mais aos planejadores,
pesquisadores e estudantes de uma forma geral que às comunidades locais diretamente
afetadas.
Pesquisadores também se interessaram na França na década de 1980 e aqui no
Brasil a partir da década de 1990, na arquitetura e no planejamento, pelos vazios urbanos com
abordagens sob diferentes ângulos. O fato do tema ainda ser discutido no meio técnico,
acadêmico ou profissional, mostra que estudos de caso ainda são necessários, sobretudo
quando contemplam o ponto de vista da cultura e identidades dos indivíduos e grupos sociais
locais. Em São Gonçalo, pelo menos, essa abordagem é uma inovação que denota uma nova
relação com o objeto.
Por outro lado, empresas privadas que, na busca pelo lucro, realizam programas
de “revitalização”, implementando atividades comerciais, habitações e equipamentos urbanos.
No eixo Niterói – Manilha, a maioria das novas atividades sofreu a ação de capitais nacionais
e estrangeiros e as intervenções do poder público, como o piscinão, a orla da praia das
Pedrinhas e da praia da Luz são exemplos de ações públicas populistas e fisiologistas, pois
são geralmente inauguradas em vésperas de campanhas eleitorais e não provocam a
“reconquista” dos espaços. Além disso, a urbanização do entorno geralmente é limitada e
criada apenas como condição de acesso, como nos casos das obras da praia da Luz, que tem
acesso limitadíssimo e em menor grau a orla da praia das pedrinhas.
101
Na outra extremidade da orla oriental, no distrito de Neves, a constatação de
vazios sociais é maior. Distrito nitidamente em decadência após o declínio industrial, não teve
traços arquitetônicos e urbanísticos preservados.126 Encontramos em Rietbergen, (1989), a
necessidade de proteção para o patrimônio industrial. Segundo ele, a importância da
“preservação dos monumentos industriais” é fundamental para a preservação da identidade.
Enquanto o autor cita exemplos nos Países Baixos e na Grã-Bretanha pioneiros neste tipo de
“arqueologia industrial”, citamos como exemplo a fachada da antiga siderúrgica Hime em
Neves que merece atenção especial.127
Acreditamos que propostas individualizadas, como operações pontuais da
iniciativa privada, não sejam soluções definitivas para transformar estigmas e visões de
mundo que legitimam a existência de vazios sociais. Para os vazios industriais. Segundo
Malezieux: “quanto mais proteção recebe uma construção, maiores serão as probabilidades de
conservá-la”. Para os vazios sociais, quanto maior a resistência, maior será a chance de
preservar a sua identidade.
Para Rietbergen (1989), a reutilização de construções industriais é uma medida de
conservação mais concreta que a proteção oficial por aspectos culturais e históricos ou a
restauração destes bens.128 Segundo o autor: “conservando apenas pelo valor industrial,
corremos o risco, no melhor dos casos, de ter um espaço com a função de museu”. Como bem
sabemos, nos países em desenvolvimento, na maioria dos casos as friches se transformam em
ruínas ou são demolidas, uma vez que geralmente não há uma política de preservação para
este tipo de patrimônio em particular.
126 As vilas operárias do Vila Lage, Fiat Luz e Vidreira vem sofrendo a ação do tempo e modificações
sucessivas feitas pelos próprios moradores.
127 A fachada da antiga Siderúrgica Hime, ainda de pé, remonta a década de 1920. São grandes janelas em
forma de arco que marcavam a entrada principal da usina. Na década de 1970, quando a siderúrgica funcionava
“a todo vapor” era comum sentir o calor do forno através dos arcos da janela quando passávamos de ônibus pela
Rua Oliveira Botelho. Segundo entrevistados: a antiga usina e a fachada com os arcos representam o apogeu do
distrito de Neves, seus sofrimentos com as altas temperaturas da laminação e os vários casos de cegueira pela
intensidade da luz produzida pelo metal incandescente.
128 Rietbergen, 1989, op. cit. O autor descreve uma Lei nos Países Baixos sobre a proteção das construções
industriais: The Monument and Historic Buildings Act e o Monumenten Inventarisatie Project. Os projetos de
inventário de monumentos foram projetos executados entre 1986 e 1995 inicialmente em áreas rurais. O alvo do
projeto era definido pela municipalidade devido à importância cultural para a região. Segundo a Secretaria de
Conservação do Governo dos Países Baixos certos edifícios históricos dão à cidade ou à vila um caráter e beleza,
típicos da sua época. São referências do “nosso” passado. Este departamento, denominado de RDMZ, foi criado
em 1947. Atualmente é o ponto central para o conselho, a pesquisa e o know-how no campo dos monumentos.
Para o departamento, a tarefa mais importante é a proteção e a conservação de monumentos, não somente de
edifícios históricos, mas também o “ambiente histórico”, the historical environment enquanto paisagens valiosas.
Esta tarefa é regulada em Lei para edifícios históricos através do ato de 1988.
102
Em São Gonçalo, detectamos que nem sempre a solução dos problemas das
construções industriais está na busca de novas utilizações e novos usos. O caso das Conservas
Orleans, por exemplo, que teve sua fachada “recuperada” parcialmente, mas transformada em
loja de materiais de construção sem a devida preocupação de restauração da edificação, que
fazia referência à memória da época industrial.
Outros exemplos, como as vilas Hime, onde foram feitas modificações sem a
preocupação em conservar os aspectos arquitetônicos e os desenvolvimentos sucessivos, são
fortes indícios de como as vilas operárias não despertam interesse com as vilas fechadas da
vidreira que vêm sofrendo alterações significativas, mas ainda conservam algumas
características originais.
A título ilustrativo, as instalações das Conservas Coqueiro antes da venda para a
Quaker, já haviam encoberto algumas construções existentes no local129 além da Gare de
Neves, convertida em presídio para a 73ª DP descrita a seguir em etnografias do terceiro
capítulo.
Os impactos urbanos causados pelo declínio industrial em São Gonçalo não são
calculados por meio de métodos e técnicas de intervenção. Nas entrevistas, podemos entender
como as pessoas se sentem vivendo em uma cidade que classificam de dormitório. Enquanto
na França o aumento do número das friches assinalou mudanças na economia e na tecnologia,
aqui, as mudanças não se tornaram objetos de novas políticas urbanas e sociais.
Como diria o grande mestre Claude Levi-Strauss, “o objeto é bom pra pensar”,
mas aqui não foi pensado, ou foi pensado pelo avesso como sugerem algumas soluções
aplicadas em São Gonçalo, diferentemente da França, possuem características próprias e
compatíveis com as práticas sociais de descaso e abandono, condizentes com nossas
características sócio-econômicas e culturais. Daí, a necessidade de pensar novas políticas
urbanas e sociais que possam, efetivamente, trazer mudanças de fato e não utopias.
129 Encontramos uma foto publicada na década de 1950 que mostrava uma igreja católica na área fábrica
Coqueiro. Não conseguimos comprovar a veracidade dessa construção, por isso preferimos não citá-la.
103
As políticas púbicas podem começar pela identificação das friches ou pela
elaboração de propostas específicas para cada bairro ou região, com propostas apoiadas na
fiscalização do setor público, podendo ter ou não a participação parcial ou integram do setor
privado. As intervenções que encontramos, como supermercados e shopping, não visam à
reabsorção dos locais abandonados para a sociedade, mas criam verdadeiras ilhas de
segregação, como as áreas próximas aos novos hipermercados e ao São Gonçalo Shopping.
Em Niterói e em São Gonçalo as primeiras intervenções em antigos terrenos
industriais foram feitas pelo setor de supermercados e habitação, mas nenhum caso de
intervenção foi realizado pelo setor público, o que poderia criar áreas de lazer, por exemplo.
A carência destas áreas pode ser compreendida através da comparação com Municípios de
Niterói e Rio de Janeiro.
Na França existem casos de revitalizações bem sucedidas, como a da região Norte
Pas de Calais, que se deve, em parte, pelo seu apelo ao passado e pela sua “herança
industrial” de antiga região com usinas siderúrgicas e construção ferroviária como o
conhecido TGV, Train à Grande Vitesse, ou trem de alta velocidade. Nessa região, houve o
envolvimento dos atores locais e regionais com o meio ambiente e com a reconquista dos
espaços, e foi criado, ainda, um programa de reflorestamento que viabilizou a plantação de
10.000 hectares de vegetação, o que mostra as várias possibilidades de inovação aplicáveis
com a participação da comunidade.
Em São Gonçalo somam-se à carência de espaços verdes os problemas de
transportes e serviços públicos e áreas e atividades ligadas ao lazer. A rede ferroviária,
completamente sucateada, não facilita a conexão entre os diferentes meios de transporte e
contribui para afastar novos investimentos e a possibilidade, mesmo que remota, da ligação
direta por barcas ou linha três do metrô para o Rio de Janeiro através da Baia de Guanabara
continua uma hipótese muito utilizada em épocas eleitorais, sem definição de cronograma
definitivo.
Somando a carência dos transportes, a cidade não possui equipamentos, serviços e
espaços adequados destinados às novas empresas, que par hasard queiram se instalar.
Observamos na administração local uma centralização de informações incompatível com uma
gestão coerente. A burocracia, que ultrapassa o urbano, atinge e impede a criação de
104
conselhos e fundos de ajuda para impulsionar a economia local e a cultura. Idéias que
poderiam ser discutidas na cidade, geralmente são abortadas antes mesmo de entrarem em
discussão. As últimas reuniões “participativas” para a elaboração do PDD contaram com a
participação de uma dúzia de pessoas e as propostas mais “criativas”, segundo um funcionário
da administração local, entraram na sala “nas pastas da equipe consultora”.
A participação efetiva dos habitantes também poderia ser um fator de atratividade
e debate sobre outras questões. Podemos perceber que a cidade é valorizada quando a
identidade coletiva é respeitada e ao mesmo tempo pode se tornar fonte de recursos. O
número pequeno, mas crescente de estudos publicados sobre este tema no Brasil, mostra uma
tomada de consciência recente. Nos casos de São Gonçalo e Niterói, foram os empresários
que descobriram as possibilidades de investimento a partir das friches, e só mais tarde a
academia e “atores” do planejamento ligados ao poder local tomaram conhecimento da
problemática. Mesmo assim, as administrações municipais ainda não pensaram ações
emergenciais para estes espaços, conforme nos mostram os Planos Diretores locais de São
Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro.
Um ensaio sobre as friches ultrapassa a delimitação geográfica de um objeto de
pesquisa. Uma abordagem mais ampla torna-se necessária, sobretudo quando falamos de
Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro. A conceituação “friche urbaine” aplicada em nosso
primeiro estudo tratou de um ex-distrito industrial que representa ora uma conurbação em
Municípios vizinhos, ora um conjunto de bairros de um mesmo município, São Gonçalo e
Niterói. Bairros geralmente de uso misto, isto é, constituídos por habitações e outras
atividades.
Para o nosso estudo, nos limitamos apenas à definição mais ampla que abrange
espaços construídos ou não, desocupados ou muito sub-utilizados, antigamente ligados a
atividades industriais ou cuja reinserção no mercado imobiliário, independente do uso,
implica num novo planejamento, salvo os casos de utilização precária ou provisória que
observamos, como estacionamentos, “favelas”, galpões de igrejas e oficinas clandestinas. A
ampliação da conceituação facilitou o contato com a diversidade de terrenos, empresas
industriais abandonadas ou usadas para outros fins como equipamentos urbanos, campos de
futebol, habitações irregulares e supermercados.
105
Vários fatores concorrem para a existência das friches no local estudado, fatores
políticos e econômicos, a “ausência planejada” de planejamento urbano local, a diminuição no
“consumo” de terrenos para as atividades industriais (como é o caso da reestruturação da
Siderúrgica Gerdau), a diminuição das áreas ocupadas por empresas que necessitavam de
portos ou grandes pátios, bem como a redefinição das atividades, devido à concorrência. No
caso da área estudada, vemos nitidamente a preocupação com a diminuição dos custos de
transporte, que provocam a transferência de atividades para outras cidades. Não podemos
deixar de citar o caso do Barreto, bairro em Niterói, que em função da falta de políticas
públicas de incentivo à continuidade das atividades de construção naval, teve seus estaleiros
fechados na década de 1980, e reabertos apenas na década de 1990.
Consecutivas crises econômicas também contribuíram acentuaram o número de
processos de relocalização geográfica e afetam novas reorganizações econômicas e urbanas na
cidade. Em São Gonçalo, o número de terrenos liberados não é grande, mas estes ainda são
marcados por atividades anteriores. O caso da Gerdau é ideal para exemplificarmos: o terreno
em Neves inicialmente foi um campo para corridas de cavalos (jóquei), depois uma Aciaria da
Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas - CBUM, depois vendido à Siderúrgica Hime,
comprada posteriormente pela COSIGUA,130 e finalmente passou a pertencer à Gerdau.131
Podemos encontrar ainda a vila de operários da HIME, a fachada da Fábrica, o
campo de futebol do “time dos metalúrgicos”, referência da identidade local, os prédios da
Usina da Gerdau e o próprio nome do bairro operário Vila Lage em homenagem ao industrial
Henrique Lage. Até hoje, em função destes marcos, verifica-se que o modo de organização
espacial local ainda é muito influenciado pelo período industrial.
As friches nos Municípios de São Gonçalo e Niterói não são caracterizadas pela
sua grande diversidade, nem pelo tamanho ou localização, mas quanto às suas “funções”
originais, que definiam a identidade fabril do município, ligada às atividades industriais do
século XX. Neste sentido, ao pensar tais locais, laços sociais devem ser considerados com o
passado e com a “identidade operária”.
130 Companhia Siderúrgica da Guanabara.
131 A Gerdau encerrou suas atividades de produção no ano 2000. Continua com as atividades comerciais, na
saída pela rodovia Niterói – Manilha. O terreno, com cerca de quinze mil metros quadrados, localizado na outra
extremidade, frente para a Rua Oliveira Botelho, está à venda desde 2000, mas até o presente momento, 2007,
ainda não tinha sido vendido.
106
Novas ocupações e instalações de estabelecimentos comerciais na região têm
promovido a mudança da paisagem e dessa identidade operária. Outdoors com propagandas
de grandes empreendimentos, automóveis, lanchonetes como Bob’s e McDonalds,
supermercados e lojas como Carrefour, Sam’s Club e a C&C, (Casa e Construção), são novos
símbolos que se sobrepõem aos anteriores, mudando não somente a vocação original da área,
como também os hábitos da população, num “efeito dominó” de abandono das origens e
rápida assimilação das novas atividades comerciais e de serviço, afetando não só a vida
econômica, mas também a vida cultural e social dos jovens entrevistados.
Algumas atividades industriais no meio urbano deram origem à diferenciação e à
solidariedade entre diferentes comunidades da cidade, e contribuíram para criar antagonismos
com outras cidades vizinhas. A organização de alguns bairros também está ligada aos diversos
tipos de estabelecimentos outrora envolvidos na produção. A degradação de algumas áreas,
como por exemplo, terrenos próximos a uma friche, apresentam à primeira vista ao visitante
relações diretas com essa friche industrial, o que chamamos a seguir de efeitos da degradação
de uma friche urbana.
Efeitos sócio-econômicos constituem apenas alguns dos efeitos possíveis sobre o
tecido urbano. Dentre estes, podemos citar os efeitos da degradação urbana ligados às friches:
efeitos visuais, espaciais, econômicos, sociais e culturais. A aparência de degradação dos
locais com friches deve-se ao tipo de uso e à falta de manutenção que sofrem os terrenos e
prédios ainda existentes, e produz também um efeito depreciador na paisagem urbana. Em
outros trabalhos, denominamos de “cemitérios de indústrias” o perímetro que ia da descida da
ponte Rio – Niterói até o bairro da Vila Lage.
Alguns efeitos também podem favorecer o aparecimento da insegurança, e em
alguns casos o surgimento da violência nas áreas próximas, influenciando as práticas sociais,
alterando hábitos da vida dos habitantes, costumes e visões de mundo, relacionados aos
espaços. Alguns locais degradados foram associados pelos entrevistados ao “vandalismo,
tráficos de drogas, assaltos e até assassinatos”. As “ruínas urbanas” podem passam, no
imaginário local, como “ruínas humanas”, desvalorizando a auto-estima de moradores de
áreas próximas a friches.
107
Outros efeitos sociais e econômicos associados as friches por alguns habitantes
são os relacionados com o aumento da taxa de desemprego, e à diminuição da “vida cultural”:
diminuição do número de cinemas, teatros, abandono de praças e áreas de lazer.
O aparecimento, na década de 1980 do jargão “cidade dormitório” demonstrava o
esvaziamento econômico local e uma crítica às administrações municipais. Apontava que
havia um desequilíbrio entre comércio local e os centros vizinhos de Niterói e do Rio de
Janeiro, estes últimos “sempre beneficiados”. “Quando o centro do Rio e de Niterói estão
cheios, horário comercial, São Gonçalo está vazio, mas no fim de semana é o contrário”, diz
um morador da Covanca.
O desaparecimento de algumas atividades também significa a diminuição de
receitas. A perda de recursos em alguns casos pode tornar-se fonte de despesas com a
manutenção e vigilância dessas áreas. Há também um efeito de desanimador das empresários
que buscam implantar atividades em locais próximos, implicando a sub-utilização das infraestruturas, das redes e dos equipamentos existentes, sinal da desvalorização de todo um
patrimônio social e mesmo uma concentração de friches pode implicar na desvalorização de
um distrito, outrora classificado como local de concentrações de trabalhadores das industriais.
Alguns operários que se mantém no local podem se encontrar numa situação de
marginalização e exclusão não só dos novos mercados de trabalho, mas principalmente dos
benefícios que possuíam. A mudança de atividade força esse grupo social a adquirir sua
autonomia e flexibilidade, num contexto onde, além do choque na mudança econômica, são as
culturas e as práticas operárias que podem se transformar, resistir ou até desaparecer. O caso
da já citada rua Oliveira Botelho é emblemático, há uma concentração de pequenas e médias
empresas ocupadas por ex-operários das indústrias locais que resistem à venda de suas
oficinas.
A equação de equilibrar as novas intervenções e os estabelecimentos existentes
não é tão simples. Para que os espaços possam ser reutilizados sem prejudicar seu metier é
preciso que se faça uma análise sobre as modificações que poderão ocorrer no zoneamento
após a reutilização de um terreno ou construção. As alterações dificilmente são previstas sem
um minucioso relatório e a liberação de terrenos de grande porte ou de vários terrenos de
tamanho médio, mas contíguos, poderia resultar numa política pública, municipal ou estadual
108
que valorizasse em parte o potencial desse espaço urbano, como por exemplo, a construção de
empreendimentos ou o alargamento de vias públicas, levando em consideração a preservação
do interesse local.
A revitalização pode ser realizada através de empreendimentos como operaçõespiloto, estudos detalhados e simulações que implicariam na manutenção da identidade dos
distritos e na promoção de novas formas de geração de renda. Diferentemente do que pode ser
observado, constatamos a modificação das vocações e a “rápida” transformação da “imagem”
da cidade e a modificação da percepção dos moradores.
Algumas áreas em Niterói e em São Gonçalo estão tendo suas vocações alteradas
para favorecer empresas dos ramos de serviço e comércio. Mas, para a “razão econômica” que
ainda persiste, espacialidades são desvalorizadas com a implantação de outros usos ou
atividades culturais e de lazer. Em nossa opinião, a recuperação ou “revitalização” de friches
poderia assumir formas diversas: novas atividades com habitações populares, equipamentos
urbanos, espaços verdes, esporte, lazer etc. A “revitalização” pode tanto remediar carências
urbanas como falta de habitações, ausência de vida econômica local e áreas de lazer, quanto
contribuir para a manutenção da identidade local. A mudança, em muitos casos, é inevitável,
mas é necessária a luta pela identidade ou identidades dos grupos sociais presentes, já que é
preciso respeitar o passado.
109
CAPÍTULO 2: DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO À REVITALIZAÇÃO DO EIXO NITERÓI
- SÃO GONÇALO
O âmbito dos desejos e reivindicações humanas se amplia muito além da
capacidade das indústrias locais, que então entram em colapso. A escala de
comunicações se torna mundial, o que faz emergir uma mass media
tecnologicamente sofisticada. O capital se concentra cada vez mais nas mãos
de poucos. Camponeses e artesãos independentes não podem competir com a
produção de massa capitalista e são forçados a abandonar suas terras e fechar
seus estabelecimentos. A produção se centraliza de maneira progressiva e se
racionaliza em fábricas altamente automatizadas. [...] Um vasto número de
migrantes pobres são despejados nas cidades, que crescem como num passe
de mágica - catastroficamente - do dia para a noite. Para que essas grandes
mudanças ocorram com relativa uniformidade, alguma centralização legal,
fiscal e administrativa precisa acontecer; e acontece onde quer que chegue o
capitalismo (BERMAN, 1986, p. 89).
110
2.1. São Gonçalo: a percepção das mudanças, shopping e supermercados
O artigo realizado por Araújo em 2002 revela que as “novas paisagens” que surgem na
década de 1990 são frutos do retorno das atividades econômicas nesses bairros:
Entretanto, tais mudanças representam o novo, que vem sendo acrescido a
essa paisagem com sutileza e relativa lentidão. No entanto, as ruínas fabris,
que continham a visibilidade de um período fluente e efervescente do lugar,
vêm sendo postas abaixo. Tal fato vem sendo observado pelo olhar atento do
pesquisador e por outros sujeitos, que de forma direta ou indireta estão
inseridos nesse movimento.132
A percepção das mudanças acima citadas e apontadas por Araújo faz parte do “novo”
repertório dos indivíduos entrevistados, sobretudo no distrito de Neves. Quando questionados
sobre os novos empreendimentos, os entrevistados apontam, como novas referências da
cidade, o São Gonçalo Shopping, os supermercados Carrefour e Sam´s Club, o piscinão e,
acreditem se quiser, o pólo petroquímico, este ainda em fase de projeto, e se edificado
pertencerá ao município de Itaboraí. Em função da guerra de publicidade, entretanto, São
Gonçalo, para muitos entrevistados, é o local escolhido para o COMPERJ.
Segundo Araújo, em outubro de 1992 o Carrefour foi inaugurado em Neves. O
supermercado francês foi construído em poucos meses e “a toque de caixa”. Para a autora,
“em tempo recorde e foram investidos 15 milhões de dólares. Derrubaram por completo o
prédio principal, chaminé e o bosque da quase centenária fábrica de Fósforos Fiat Lux, para
dar lugar ao novo hipermercado e o seu estacionamento, com capacidade para 1.430 vagas”.
(ARAÚJO, 2002, p. 6). O terreno do atual supermercado, antes de pertencer a Fiat-Lux,
fazia parte do manguezal, que ia de Neves ao fundo da Baía de Guanabara.
Antes da construção do supermercado, havia uma comunidade - a favela da Fiat-Lux,
que inicialmente ocupou os terrenos atrás dos outdoors da Rua Oliveira Botelho. Essa
comunidade, com cerca de uma dúzia de barracos, foi removida da área para dar lugar ao
supermercado. Quando a rodovia Niterói-Manilha começou a ser construída, muitas
comunidades se ampliaram, graças à criação de novos aterros, como o de Itaoca, onde situava
132 ARAÚJO, Leila de Oliveira Lima, Paisagens urbanas reveladas pelas memórias do trabalho”. Scripta.
Nova revista electrónica de geografía y ciencias sociales Universidad de Barcelona. Vol. VI, número 119, (54).
Barcelona, 1 de agosto de 2002.
111
o lixo da cidade de São Gonçalo e, ilegalmente de outros municípios. De Neves à Itaoca, hoje
existem as comunidades com maiores índices de pobreza do município. O distrito de Neves
foi “ampliado” em alguns quilômetros, surgindo assim escolas, posto de saúde, ruas, uma
igreja, um posto do DETRAN e a nova 73ª Delegacia de Polícia. O crescimento de
comunidades e de favelas se expandiu para as áreas próximas ao friches ou ruínas e vazios
industriais, deixados pelas fábricas e indústrias, e pelos terrenos remanescentes de manguezal
que não foram devidamente protegidos.
Após a inauguração do Carrefour, o distrito de Neves definitivamente abandonou a
fase das grandes indústrias e entrou na fase de comércios e serviços. O terreno em Niterói, ao
lado da fábrica Fiat Lux, separado de São Gonçalo pelo rio Bomba, foi adquirido pelo grupo
americano Wal Mart, que construiu o Sam´s Club, supermercado exclusivo para associados,
que vende desde alimentos até eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos para
comerciantes, lojistas e atacadistas.
A instalação destes grandes empreendimentos e o aumento de construções na área
atraíram mais recentemente a loja C&C, Casa e Construção. Nas proximidades, instalaram-se
ainda as lanchonetes Bob´s e McDonald´s, a concessionária de automóveis da Fiat, dois
postos de gasolina e uma oficina de serviços automotivos. Ao lado, já em Niterói, encontramse o Clube Cinco de Julho e a quadra da Escola de Samba Unidos Viradouro, que em função
do carnaval atrai um grande número de pessoas oriundas também do Rio de Janeiro e Niterói.
No bairro vizinho, chamado de Vila Lage, em São Gonçalo, funcionam lado a lado a
nova quadra da Escola de Samba Unidos do Porto da Pedra, o Centro Social Missionário
Nova Unção e a Indústria Seves-Electrovidro, onde havia as antigas Electrovidro, a Vidreira e
Cia. Vidrobrás. Em Neves, permanece a Comercial Gerdau, próxima à Igreja Evangélica
situada no antigo terreno da Fundição Palmares.
As entrevistas mais recentes, realizadas em 2006, nos permitiram situar o distrito de
Neves, e de modo geral o município de São Gonçalo, como locus de novas percepções a partir
dos novos empreendimentos. Mas, ao mesmo tempo, respostas sobre as histórias da cidade e,
em especial, do quarto distrito, ainda estão fortemente relacionadas ao período das antigas
fábricas e indústrias. Moradores entrevistados contam que os novos espaços continuam não
112
correspondendo aos anseios e necessidades, principalmente os espaços públicos de lazer, que
continuam escassos.
Algumas respostas parecem indicar a existência de uma dialética entre as
transformações econômicas em curso e as representações sociais da população local, uma
tentando “influenciar” a outra. Esta contradição, certamente produto da percepção durante a
pesquisa, também é transformada pela pesquisa. A observação sobre “o movimento perpétuo
de transformação do município sujeito ao fluxo da história”, como diria Löwy (1993), indica
que a cidade ainda não realizou a passagem da Manchester para a nova realidade, tal a força
socializadora do período industrial até os nossos dias.133
A “entrada em cena” de novos elementos como o shopping e supermercados parecem
não influenciar a memória dos habitantes mais velhos que, quando entrevistados, afirmam
espontaneamente que os elementos do período industrial como ruínas, estações de trem, e
terrenos vazios no perímetro urbano ainda influenciam as suas percepções sobre a cidade.
Elementos como a ferrovia e os portos constituíram, antes da rodovia, as referências de
localização espacial e o marco histórico do desenvolvimento industrial e comercial de São
Gonçalo. Ao mesmo tempo, também foram elementos da socialização e reificação das
relações sociais, dos operários com a cidade. Por isso, quando conversamos com habitantes
mais idosos, estes têm conhecimento das transformações que a cidade vem sendo submetida,
mas alguns ainda cultivam uma certa nostalgia do passado.
Essa hipótese reforça a nossa tese de que existem várias formas de percepção das
mudanças no eixo Niterói - Manilha. Enquanto moradores de Neves valorizam algumas
lembranças do passado industrial e criticam o atual estado de declínio, os habitantes da Boa
Vista, por exemplo, referem-se às mudanças de forma mais positiva, reafirmando a crença na
“evolução” do bairro e concomitantemente do município.
Como apontamos na primeira parte, a localização do bairro de Neves e do bairro da
Boa Vista, ambos às margens da Baia de Guanabara, favorece a reconquista dos espaços
vazios ou abandonados, mas o poder público parece esquecer que cada um tem um passado
distinto e este reflete nas formas como os moradores percebem os seus espaços.
133 LÖWY, Michael: Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma Análise Marxista. Cortez Editora. 9ª
edição SP, 1993.
113
As formas de resistência, ou resiliência
134
às mudanças também são demonstradas de
modo diverso. Enquanto os moradores de Neves e, sobretudo, os ex-operários têm sua
organização nos modelos sindicais e de associação de moradores, como o Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de São
Gonçalo, localizado na Rua Maurício Abreu, 2336, que se destaca pela sua atuação no
passado no distrito de Neves, São Gonçalo tem vários sindicatos135 ligados a outras tantas
modalidades profissionais.
Em relação às associações de moradores, podemos dizer que as mais atuantes são as
de Vila Lage e de Neves, formadas principalmente por ex-operários das indústrias do bairro.
No bairro da Boa Vista e Gradim, em função das proximidades da Baía, as associações mais
atuantes são as ligadas aos pescadores, como já citamos anteriormente.
Os atuais projetos e propostas de reutilização nesses bairros poderão ser fortemente
marcados pela resistência à mudança e mesmo pela rejeição das propostas. As associações de
pescadores da região já se manifestaram contra a implantação da estação hidroviária e mais
recentemente contra a poluição provocadas por grandes empresas na Baía de Guanabara que
vem prejudicando suas atividades.
Desde janeiro de 2000, pescadores de São Gonçalo se sentem prejudicados pelo
derramamento de óleo na Baía de Guanabara, que cobriu as praias das pedrinhas e do Gradim,
junto às colônias de pescadores. Segundo alguns moradores do local, a mancha se estende da
divisa do município de São Gonçalo com o bairro do Barreto em Niterói até a APA de
134 O conceito de resiliência é usando aqui para designar as comunidades que vem ao longo do tempo resistindo
às mudanças culturais e sócio-econômicas. O conceito é originário das Ciências Físicas, mas foi aplicado na
Psicologia (MASTEN & COATSWORTH, 1998) para conceituar manifestações de competências e habilidades
na realização de tarefas inerentes ao desenvolvimento humano. Essas competências eram observadas em pessoas
que na infância passaram por situações de privação social e emocional que poderiam impedi-las de executar
atividades no futuro. SOUZA, Marilza Terezinha Soares de et alli. Resiliência Psicológica: Revisão da Literatura
e Análise da Produção Científica. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology 2006, Vol. 40, Num. 1 pp. 119-126.
135 Em São Gonçalo, além do sindicato dos trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de materiais
elétricos, existem o sindicato dos trabalhadores nas indústrias de produtos químicos e farmacêuticos; o sindicato
dos trabalhadores nas indústrias do vestuário; o sepe (professores das escolas públicas); o sindicato especifico
dos vigilantes; o sindicato nacional dos trabalhadores aposentados e pensionistas; o sindicato dos vendedores de
produtos farmacêuticos; o sindicato do comércio varejista; o sindicato dos empregados de edifícios; o sindicato
dos empregados em estabelecimentos bancários; o sindicato dos estabelecimentos de ensino; o sindicato dos
servidores municipais; o sindicato dos trabalhadores em transportes rodoviários; o sindicato dos trabalhadores na
indústria de cimento cal gesso e o sindicato dos trabalhadores nas indústrias da construção e do mobiliário.
114
Guapimirim. No dia 01 de outubro de 2007, os pescadores de São Gonçalo e adjacências
fizeram uma barqueata contra a poluição, que saiu de São Gonçalo com destino ao Rio de
Janeiro para protestar contra o aumento da poluição na Baía de Guanabara136 e o descaso da
Petrobrás em relação à demora no julgamento da ação de indenização movida contra a
empresa em 2001.137
Em razão das manifestações mais recentes, as possibilidades de reutilização dos
espaços “cedidos” pelas industriais devem ser reavaliadas. A proposta do COMPERJ traz à
tona a discussão sobre a reindustrialização da orla Oriental da baía de Guanabara.
Acreditamos que essas manifestações, parte da percepção das mudanças, devem ser
consideradas como tema contemporâneo para o debate do planejamento e da industrialização.
A implantação de projetos de grande porte ou de grande impacto, como a estação
hidroviária, o complexo petroquímico ou o porto seco, estão, muitas vezes, distantes da
realidade local. As grandes empresas, mesmo com o todo marketing da responsabilidade
social, não parecem preocupadas em analisar seus impactos sobre as comunidades do entorno
da baía.
Na medida em que o atual Plano Diretor de São Gonçalo não reverencia as
comunidades, as empresas parecem também não levá-las em consideração. Na parte referente
ao Plano Diretor, procuramos apontar críticas e sugestões que possam contribuir para
repensar, não só o papel dos poderes públicos com as comunidades, mas também como esses
poderes podem elaborar instrumentos em sintonia com as comunidades e perceber melhor
seus anseios frente às mudanças em curso, suas opiniões e suas identidades.
Enquanto Freire (2004) enaltece as características fabris do bairro de Neves - “Neves é
uma antiga localidade (um lugar para muitos trabalhadores) que teve seu auge industrial no
136 Jornal O Globo. Terça-feira, 02 de outubro de 2007. Página 19. Caderno Rio. “Pescadores protestam contra
Petrobrás na Baía”. Eles criticam demora da empresa no pagamento de indenizações relativas a vazamento de
óleo em 2000.
137 Idem. Segundo a matéria do O Globo: “a Petrobrás foi condenada em primeira instância a ressarcir os
prejuízos de mais de 12 mil pescadores, mas uma série de recursos vem retardando o pagamento. A Federação de
Pescadores do Estado do Rio (Feperj) acusa a Petrobrás de agir de forma antiética ao contratar como advogado
um ex-desembargador, Paulo Sérgio Fabião, que atuou no processo. O pedido de indenização contra a Petrobrás
foi julgado procedente pela juíza Simone Gastesi Chevrand, da 25ª Vara Cível, em 2002. Durante o processo, um
agravo de instrumento foi apreciado pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça e teve como relator o então
desembargador Paulo Sérgio Fabião. Aposentado em 2004, Fabião foi chamado pela Petrobrás para passar a
defendê-la em meados de 2007”.
115
das décadas de 30 e 40 que correspondeu ao Estado Novo”, nós classificamos a Boa Vista
como o bairro de grandes contrastes. De um lado da rodovia, um grande shopping, o São
Gonçalo Shopping Rio e de outro lado a praia das Pedrinhas e o Piscinão, única área de lazer
popular na região. Enquanto Neves é o lócus do trabalho, pela sua origem, Boa Vista é o local
da diversão. No verão, o “calçadão” da praia das Pedrinhas se enche de “banhistas”, com mais
de vinte barraquinhas de madeira e alvenaria que vendem cervejas e “peixe fresco” pescado
nas águas da Guanabara.
Próximo a esta área, circulou no ano 2006 uma proposta para abrigar o antigo
Mercado de Peixe do Rodo de São Gonçalo e um espaço para o comércio e consumo dos
pescados. Esta proposta, que não se desenvolveu, estaria em maior sintonia com as
características de uso do bairro e com os costumes dos moradores e freqüentadores, já que nos
fins de semana dos meses de verão, circulam cerca de quinze mil banhistas pelo “Parque das
Pedrinhas”, denominação oficial do conjunto que envolve o calçadão da praia, o piscinão, a
área de lazer, os quiosques (oficiais), as baraquinhas, o bosque e o estacionamento. Há um
grande movimento de veículos no verão que saem da Rodovia e seguem pela orla da praia das
Pedrinhas. Com o grande número de transeuntes, leva-se em média uma hora para chegar ao
final da praia, uma distância com cerca de apenas quinhentos metros.
Enquanto Boa Vista mostra perspectivas de novas atividades ligadas ao lazer e ao
turismo, segundo Freire Neves ainda é “um ambiente urbano degradado com grandes
indústrias e inúmeras casas comerciais em estado de ruínas”. A industrialização está
passando, mas acredita-se que a vocação, não somente de Neves, mas também de outros
bairros do entorno como o Gradim, Porto Velho, e Porto Novo ainda seja industrial. Ao
mesmo tempo em que a indústria em São Gonçalo vem sofrendo um processo de crescente
decadência, o poder local “aposta” na recuperação da econômica municipal com as verbas do
Plano de Aceleração do Crescimento - PAC e com a “chegada” do COMPERJ, mesmo com
um aparente consenso na literatura sobre a economia municipal, de que São Gonçalo não seja
capaz de absorver toda a mão de obra ociosa.
Nos texto de Senna (2004), do TCE-RJ (2004), Freire (2004) e Araújo (2002), a
administração municipal cultua a crença “quase religiosa” no discurso do retorno da
industrialização ou como diz a mídia na re-industrialização. Distante da posição acadêmica e,
a princípio na contra-mão do crescimento do setor de serviços, a administração local não
116
procura desenvolver formas alternativas de geração de renda e emprego para mais de oitenta
mil desempregados na cidade, além do crescente numero de trabalhadores informais.
Enquanto as pequenas empresas tradicionais de alimentos e confecções138 sobrevivem
frente às sucessivas crises, São Gonçalo ainda concentra o principal pólo de lojas e pequenas
fábricas de roupas do leste fluminense. Este dinamismo, graças à proximidade com a capital,
vem perdendo “fôlego” num contexto de disputa com outros pólos. Alcântara já não compete
mais com Cabo Frio, Petrópolis e Teresópolis, e isto mostra que o recente processo de reindustrialização da orla Oriental poderá encerrar de vez o setor de confecções e de alimentos.
Existem pequenas e médias confecções espalhadas pelo território do município, mas se
concentram ainda em Alcântara, próximo ao futuro COMPERJ e como já se disse
anteriormente, as últimas indústrias de pescado e alimentos se concentram no distrito de
Neves.
Os baixos salários e condições de emprego também são fatores que afastam os
trabalhadores qualificados das empresas de São Gonçalo, restando apenas aqueles com baixa
qualificação e dificuldades de absorção pelo mercado. Os salários pagos nas pequenas e
médias empresas legalizadas, é de um a dois salários mínimos, mas segundo Oliveira (2005,
p. 4) “entre 28% e 30% dos chefes de família em São Gonçalo, recebem menos de um salário
mínimo por mês”. O desemprego em São Gonçalo vem crescendo desde a década de 1990 e
essa realidade também não é muito diferente no Rio de Janeiro, onde a taxa de desemprego
em 1991 era de 7,7% e em 2000 subiu para 18,0% conforme as informações139 abaixo
fornecidas pelo IBGE para a década de 2000.
Tabela 13. Desemprego em São Gonçalo. IBGE, 1991 e 2000.
1991
2000
6,8%,
17,3%,
Fontes: Censos do IBGE de 1991 e 2000 e (OLIVEIRA, 2005).
138 As empresas de alimentos se concentram em Neves e no Porto Novo. A principal ainda é a Quaker,
Coqueiro. Recentemente a principal indústria de confecção, as Lojas Leader, cerrou suas portas em São Gonçalo.
No local funciona apenas um grande depósito.
139 Informações disponíveis no site do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em:
http://www.ibge.gov.br. Pesquisado nos censos demográficos de 1991 e de 2000.
117
Tabela 14. Índices de desemprego em São Gonçalo. IBGE, 2000.
Faixa entre 16 e 17 anos de idade
Masculino
Feminino
51,6%;
42,7%
Faixa entre 18 e 24 anos de idade
Masculino
Feminino
22,5%
33,7%
Distinção racial 1991.
Brancos
Negros
6,8%
6,7%,
Distinção racial 2000.
Brancos
Negros
17,3%.
20,3%
Fontes: Censos do IBGE de 1991 e 2000 e (OLIVEIRA, 2006).
A seguir temos a tabela 15 com a posição por diferenciação sexual e grupo ético em
São Gonçalo ocupação para 2000.
118
Fontes: Censos do IBGE de 1991 e 2000 e (OLIVEIRA, 2006).
Ao mesmo tempo em que o centro da cidade, mais conhecido como “Rodo” de São
Gonçalo140, perde lojas e ganha “barraquinhas de camelô”.141 O centro não se consolidou
enquanto centro de consumo e de cultura, e ao longo das últimas décadas todos os cinemas da
cidade foram fechados, alguns transformados em Igrejas Evangélicas. Só recentemente, com a
inauguração do Shopping, a cidade ganhou oito novas salas de projeção, disputando o público
140 Referência à Praça Luiz Palmier, onde o bonde fazia a volta, o rodo. Retornando para o Barreto.
10 Termo utilizado popularmente para falar de comércio informal.
119
com os cinemas de Niterói. A abertura do shopping também contribuiu para o fechamento de
algumas lojas, que se deslocaram para o empreendimento. Duas lanchonetes McDonald´s
fecharam, uma no Rodo e outra no bairro do Zé Garoto, esvaziando ainda mais o Rodo.
O trabalho doméstico aparece como sendo a principal ocupação para as mulheres
negras, como em muitas cidades brasileiras. São Gonçalo “fornece” muitos trabalhadores
domésticos para a Zona Sul do Rio de Janeiro, distante 35 quilômetros, agravando ainda mais
a condição de vida das pessoas que não encontram trabalho na cidade e precisam se deslocar
diariamente de uma cidade para a outra.
Se antes as empresas se instalavam em São Gonçalo para diminuir seus custos com
terrenos e mão-de-obra mais barata, hoje ainda sofrem com a falta de infra-estrutura. Esse
processo pode ser identificado ao se analisar a perda de importância da cidade. O desemprego
e a falta de infra-estrutura, somados à grande taxa de crescimento demográfico, considerada
uma das mais significativas do Estado, vêm fazendo com que São Gonçalo se torne um dos
municípios mais violentos do Estado. Segundo Freire (2004), o setor terciário foi o principal
responsável pela geração de empregos e São Gonçalo vem se transformando em uma
economia de serviços, o que configura uma fase de desindustrialização, e não de reindustrialização conforme a mídia e o poder local parecem acreditar.
120
2.2. A desindustrialização e a revitalização econômica
No início do século XX, quando se iniciou o processo de industrialização de São
Gonçalo, a economia do Rio de Janeiro já estava consolidada e em franco processo de perda
na disputa com o Estado de São Paulo. São Gonçalo, eixo de expansão secundário para a
indústria, apresentava grandes possibilidades para ser um “novo eixo de expansão
demográfica”. Devido ao tamanho do seu território, dividido em grandes fazendas, já era
possível prever, em tese, seu futuro sem planejamento e controle do seu crescimento. Nas
décadas de 1950 e 1960, como já mencionamos anteriormente, já apresentava taxas elevadas
de loteamentos e de crescimento demográficos. A cidade estava, assim, acumulando as
desvantagens locacionais que iriam, no futuro, impedir o seu desenvolvimento.
A industrialização de São Gonçalo, com exceção do bairro do Arsenal, praticamente se
limitou ao distrito industrial de Neves. Nas décadas de 1940 e 1950, a economia local era uma
mera coadjuvante da economia de Neves. Com a decadência das fazendas da região de
Alcântara, a economia gerava entorno dos portos e das indústrias de Neves. O século XX foi
um período marcado por perdas na cidade, tanto das antigas indústrias quanto dos
equipamentos e instituições que se localizavam nos treze bairros que compunham o distrito de
Neves.
A decadência cultural e política da cidade também podem, em termos, serem
explicadas pela decadência do distrito. A perda de centralidade da indústria e da dinâmica
econômica não trouxe novas possibilidades e perspectivas. Mesmo o médico e pesquisador
Luiz Palmier, com todo o seu entusiasmo pela cidade, na década de 1950 não conseguiu
enaltecer as belezas locais de São Gonçalo cinqüenta anos depois.
O desastroso processo de ocupação do território com grandes loteamentos irregulares
abertos, ainda hoje, à luz do dia e o processo de desindustrialização tiraram do município a
condição de atrair novas indústrias, mesmo se isso fosse ecologicamente viável. Tal descaso
fez, e ainda faz, a economia local mergulhar numa crise sem precedentes e sem possibilidades
imediatas de superação. As sucessivas crises, como a crise dos anos 1970 e das duas décadas
seguintes, criaram um contexto econômico desfavorável para a atual “revitalização
econômica” apresentada na mídia como sendo uma tábua de salvação da administração atual.
121
A decadência do Estado do Rio de Janeiro, como um todo, é anterior a década de
1970, mas é comumente associada à perda da função administrativa de Capital Federal. Essa
posição política, privilegiada, dividia o Estado em núcleo e periferia e ainda hoje é nítida essa
divisão do Estado. São Gonçalo, por sua vez atuava como periferia de Niterói, Capital do
antigo Estado do Rio de Janeiro, produzindo bens e alimentos como complementaridade do
mercado carioca. Santos (2002) cita, de forma interessante, a passagem em que Lessa (2000)
confirma essa hipótese sobre as atividades realizadas em São Gonçalo. Segundo esse autor,
essas atividades “foram responsáveis pelos principais núcleos ativos do interior fluminense,
produzindo alimentos para a população da metrópole carioca142”. Do papel de campo produtor
de alimentos e mercadorias para pólo industrial, São Gonçalo teve a sua estrutura urbana
completamente modificada para “atrair novas indústrias”.
A atratividade exercida por São Gonçalo também se dava pela quantidade de portos
para o escoamento da produção industrial já citada e pela oferta de terras para a construção de
plantas fabris. Com as reestruturações produtivas, que diminuem o “consumo” de espaço
pelas empresas e devido ao grande número de re-localizações, a cidade se encontra hoje sem
possibilidade de desenvolver, nem a agricultura, nem a indústria de outrora.
A desindustrialização produziu o fenômeno das friches, ruínas e vazios industriais,
estudados em Mendonça (2000). Atualmente, as friches de São Gonçalo e de Niterói não são
mais tão visíveis quanto na década passada, porém ainda é visível uma certa quantidade delas
em Niterói no bairro do Barreto e em São Gonçalo, dispersas pelos bairros de Neves, Porto
Velho, Gradim, Porto Novo e Vila Lage. Essa diversidade também se dá no tamanho e na
função das friches. Os novos usos vão desde habitações até uma “arena radical”143, onde até
recentemente jovens apostavam corridas e arrancadas com seus carros dentro de uma indústria
desativada.
Há um certo consenso na literatura, e expresso nas palavras de Santos (2002), de que
“o século XX foi um período marcado por perdas do Rio de Janeiro, tanto de suas antigas
funções dinâmicas quanto até mesmo de sua ascendência cultural e política no País, mas que
acabou trazendo novas perspectivas para a economia fluminense: a crise econômica do País,
142 LESSA, Carlos. O Rio de todos os brasis. Ed. Record. Rio de Janeiro, 2000.
143 Definição popular criada por jovens para classificar o galpão de um antigo estaleiro no Gradim utilizado
como pista de corridas.
122
com a perda de centralidade da indústria na dinâmica econômica, poderá abrir-lhe melhores
perspectivas”. A autora não cita, entretanto, que as “melhores perspectivas” podem não
conduzir a novos usos compatíveis com os anseios da população local.
Desde a perda de dinamismo da indústria gonçalense na década de 1970 até hoje, as
“melhores perspectivas” são caracterizadas pela utilização dos espaços de pequeno e médio
porte, onde as indústrias já apresentavam declínio há muito tempo, com exceção da indústria
de alimentos, química e de artefatos de vidros, compradas por empresas de grande porte para
atender ao mercado nacional e mundial.
Segundo Santos (2002), “em 1970, a fatia da economia fluminense na indústria
brasileira era de menos de 16% e a da economia paulista alcançou 58%. Entre 1930 e 1970,
apenas São Paulo elevava sua participação no PIB industrial brasileiro em detrimento dos
demais estados da Federação, mais particularmente em detrimento da participação da
indústria fluminense. A indústria paulista tornava-se o centro dinâmico da indústria brasileira,
e as dos outros estados tornavam-se zonas de complementaridade da paulista”.144
Como já dissemos no primeiro capítulo, São Gonçalo, que tem sua origem industrial
como complementar ao Rio de Janeiro, agora é duplamente complementar. Quando a região
metropolitana do Rio de janeiro era um importante centro industrial, São Gonçalo possuía
uma certa importância relativa, mas quando o centro perde importância, a “periferia perde
duas vezes”, diz um político local entrevistado. Desde a sua origem, a industrialização de São
Gonçalo se mostrou com desempenho insuficiente para se tornar autônoma no conjunto dos
municípios fluminenses, e:
“no interior fluminense, o governo do antigo Estado do Rio de Janeiro pecou
por falta de iniciativa. Em 1960, o Distrito Federal foi transferido com a
inauguração da nova capital federal, Brasília. Nesse momento, a cidade do
Rio de Janeiro tornou-se Estado da Guanabara e foi mantida a separação
entre núcleo e periferia da Região Metropolitana. Constituindo-se numa
Cidade-Estado, a Guanabara teria de procurar uma estratégia de
desenvolvimento que contemplasse apenas as áreas contidas na cidade.”
Idem (2002).
144 Op. Cit. SANTOS, Angela Moulin S. Penalva. Economia fluminense: Superando a perda de dinamismo?
IBGE. LPP, Laboratório de Políticas Publicas, Rio de Janeiro. Setembro de 2002.
123
Neste mesmo período, São Gonçalo começa a apresentar uma taxa de crescimento
demográfico elevadíssima dentre os de municípios da RMRJ. Esse período pode ser
classificamos como sendo de expansão demográfica. Esse crescimento, por sua vez, é
mencionado em entrevistas, como uma das causas responsáveis pela degradação da cidade. O
setor terciário pode se beneficiar com esse grande mercado potencial. Além do mais, o setor
de serviços vem sendo o principal responsável pela geração de emprego no município, ao
mesmo tempo em que as atividades produtivas ligadas à indústria apresentam uma certa
estabilização.
Para corroborar a nossa tese de que São Gonçalo pode apresentar um melhor
desempenho com as atividades terciárias do que com a re-industrialização, utilizamos uma
passagem de Santos (2002) afirmando que: “o contexto atual pressupõe a possibilidade de a
economia fluminense superar sua secular estagnação, não apenas em função da presença da
mencionada “economia de serviços” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mas também
da disponibilidade das novas vantagens locacionais: amplo mercado consumidor, oferta de
infra-estrutura produtiva e de mão-de-obra especializada. Aliás, a maior disponibilidade
desses recursos nas regiões mais desenvolvidas, Sudeste e Sul, poderá traduzir-se no aumento
de sua participação no PIB brasileiro”.
Enquanto o poder local continua defendendo a crença no retorno do processo de
industrialização, perdemos, em tese, a condição imposta pelo século XXI, marcada pela pósindustrialização com forte tendência ao setor terciário. Além do mais, São Gonçalo, com
cerca de um milhão de habitantes, apresenta um grande mercado consumidor em potencial
pouco explorado, disponibilidade de força-de-trabalho e infraestrutura logística devido a sua
localização na orla da Baía de Guanabara.
A constatação em nossas pesquisas de locais abandonados, ligados ou não a atividades
industriais, pressupõe a possibilidade de re-utilização destes espaços. Galpões da antiga
Gerdau em Neves; gares ou estações ferroviárias desativadas ou transformadas em residência,
como as estações do Tamoio, Gradim, Porto Novo e até em presídio, caso da antiga estação de
Neves, hoje presídio ligado à 73ª DP; empresas de diferentes atividades transformadas em
Igrejas, como os casos da antiga Fundição Palmares e da antiga Oficina, em frente à praça de
Neves; a antiga Indústria Estrela, hoje estacionamento, campo de futebol e salão de festas;
além de áreas reservadas para a especulação imobiliária, terrenos não construídos ou
124
“abandonados” considerados como friches, pois outrora estavam ligados ao “passado
industrial”.
Constatamos, também, sobretudo nos bairros do Gradim, Vila Lage e Neves que
alguns desses terrenos estão se tornando “críticos” em relação ao processo de favelização, em
função da crescente desativação dessas indústrias e abandono de suas construções e terrenos,
que se tornaram alvo de novas ocupações irregulares, classificadas com favelas, com grande
quantidade de desempregados ou pessoas sem renda fixa. Segundo alguns moradores da
comunidade, “onde havia indústria não tinha perigo de assaltos,” devido ao grande fluxo de
trabalhadores nos locais145.
O distrito de Neves é o que apresenta melhor infra-estrutura e grandes áreas em
potencial para a implantação de novas atividades e reutilização das friches. Boa localização,
infra-estrutura e oferta de terrenos estão tornando o distrito vulnerável, tanto para a
especulação imobiliária quanto para o processo de favelização. Esta disputa entre o legal e o
“ilegal”, quando se trata de habitação, poderia, em tese, impedir a implantação de grandes
empreendimentos, sobretudo do setor de serviços.
Segundo alguns moradores de Neves, principalmente os que moram no trecho entre a
pracinha do Vila Lage e o Carrefour, terrenos “abandonados” como o da antiga Gerdau,
(colocado à venda desde 2001, mas sem interessados), aumentam o risco de assaltos e
desvalorizam suas habitações devido à proximidade da antiga planta fabril, em péssimo estado
de conservação. O serviço de segurança particular “cuida” apenas da parte interna da fábrica
para evitar o furto de alguns materiais ainda existentes. O abandono da área atraiu também a
degradação por vandalismo, marca negativa do declínio econômico, a decadência de antigos
imóveis do início do século XX e a ausência de vida cultural e social, conforme comentado.
As estórias que os habitantes locais nos contaram, enalteciam o passado glorioso dos vários
cinemas e espaços de diversão que existiam em Neves. Saudade e melancolia se misturam nas
lembranças dos “bons tempos” na região.
145 Atualmente, vem crescendo, nesses locais a atuação de grupos de extermínio, chamados pela população de
“cerol” ou de “carro da lingüiça”, para combater a expansão do tráfico de drogas e atividades ilícitas. Não
podemos comprovar a atuação de milícias ou grupos paramilitares, mas há uma certa “tradição”, segundo
algumas estórias, da atuação de grupos de extermínio no município. Os locais mais próximos à rodovia NiteróiManilha são considerados pontos de “desova” de cadáveres. E atualmente de prostituição infantil. Geralmente a
iluminação pública e a segurança são precárias em toda a orla oriental da Baía de Guanabara. Há apenas um
posto de policiamento da Polícia Rodoviária Federal, na altura do bairro Porto do Rosa e um DPO ao lado do
São Gonçalo shopping.
125
As antigas atividades culturais e industriais contribuíram para a criação da identidade
dos moradores do município. A organização de bairros, margeando a linha férrea, também
está ligada ao passado industrial e os estabelecimentos que ainda existem, ou melhor, resistem
estão condenados pela degradação.
Essa degradação não é apenas “privilégio” de Neves, já que outros bairros também
sofrem os efeitos econômicos da falta de revitalização. Em função da poluição da Baía, todos
os bairros da orla Oriental da Baía de Guanabara sofrem com a ocupação ilegal dos terrenos e
as habitações de baixa renda, produzindo um efeito depreciador sobre a paisagem urbana. Tal
efeito pode gerar, em tese, outros efeitos, como a sensação de insegurança, que influencia
diretamente as práticas sociais, isto é, a vida dos habitantes, que alteraram seus hábitos,
deixando de praticar exercícios ou caminhadas pelas ruas próximas à Baía de Guanabara.
Alguns moradores ainda freqüentam o piscinão até certa hora, e têm opiniões críticas quanto à
mudança de gestão, antes estadual e agora municipal desse espaço.
Com o aparecimento de novas atividades como o shopping, os grandes supermercados
e as áreas populares de lazer, o município tem a chance de atrair novas empresas que
procuram implantar atividades que aproveitem a infra-estrutura e os equipamentos já
existentes. A hipótese da entrada de novas atividades pode representar uma a solução para
terrenos como o da Gerdau em Neves e para plantas de antigas indústrias na orla do Gradim.
Na Rua Oliveira Botelho, no trecho que vai da pracinha do Vila Lage até quase a
pracinha do Barreto, principal via do distrito de Neves, há uma grande concentração de
pequenas lojas e empresas de “fundo de quintal”, outrora ligadas à metalurgia, esquadrias de
alumínio e de ferro e serralherias, muitas formadas por ex-operários das indústrias da cidade.
Essa concentração de atividades poderia ser “re-conquistada” pelo Poder Público em
operações urbanas que alterassem os usos ou que criassem centros de bairros mais dinâmicos.
As intervenções urbanas poderiam ser executadas com a implantação de novos equipamentos,
embelezamento e pequenas intervenções que pudessem revitalizar o trecho em questão.
Para que o trecho Neves - Barreto possa ser revitalizado, sem prejudicar seus
habitantes, é necessário que as modificações sejam realizadas não só em conformidade com a
“vocação” da área, mas com a participação da população, para não repetir os mesmos erros do
126
programa Rio-cidade, aplicado na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1990, onde somente
as vias principais foram privilegiadas. Por ter sido um projeto local e “pontual” não conseguiu
superar carências além dos “corredores” comerciais. O programa se iniciou pelos principais
corredores comerciais e se expandiu através do Programa Rio-Ruas pelas demais ruas das
proximidades, mudando a infra-estrutura das redes aéreas, drenagem, sistema viário etc.
O Projeto São Gonçalo 2000, nitidamente inspirado no Rio-cidade, foi feito nos
primeiros anos da administração Henry Charles, entre 2001 e 2004, que trouxe o ex-prefeito
Luiz Paulo Conde, mentor do projeto do Rio, para planejar ligações entre diferentes partes do
município com a Rodovia Niterói- Manilha e urbanizar alguns bairros de São Gonçalo. O
projeto não foi levado adiante e não privilegiou eixos viários ou centros de bairros como no
município do Rio de Janeiro.
Os principais benefícios do projeto São Gonçalo 2000 foram a reconstrução de praças,
como a do Gradim e ligações da rodovia Niterói – Manilha com o Centro ou Rodo de São
Gonçalo. A ligação Porto da Pedra – Rodovia BR 101 não valorizou terrenos ou imóveis, mas
“facilitou” o acesso ao shopping na Boa Vista146, tipo de intervenção que valoriza uma parte
importante do município, mas ainda não contribui para a atração de outros empreendimentos
ou mesmo para o embelezamento urbano e revitalização das vias públicas existentes.
Intervenções nos moldes do Rio Cidade e de São Gonçalo 2000, se bem executadas,
poderiam, em tese, contribuir para a reestruturação da cidade. No capítulo referente ao Plano
Diretor de São Gonçalo, comentaremos outros projetos, dentre estes a criação de distrito
industrial de Guaxindiba e a Estação Hidroviária também. A Prefeitura Municipal chegou a
negociar dois terrenos para impulsionar novos empreendimentos - o primeiro foi durante a
administração de Ezequiel Neves, quando em 1998 a Prefeitura “vendeu” para a Petrobrás
parte do terreno da antiga Fábrica de Cimento Portland, no distrito de Alcântara, para a
construção de um Pólo Distribuidor de Combustíveis. Recentemente, na administração de
Panisset, a PMSG negociou o terreno para a construção da Estação das barcas.
146 Em 2006 a Prefeitura construiu um viaduto em frente ao Boa Vista Shopping Rio facilitando o acesso para
ambos sentidos da rodovia BR 101. O Governo do Estado também construiu uma passarela de pedestres, sobre a
rodovia, entre o shopping e o piscinão para diminuir o número de atropelamentos.
127
Esses dois empreendimentos também podem contribuir para a revitalização no
município, podendo até modificar vocações de bairros e suas adjacências, quiçá
transformando até a imagem de degradação da cidade.
Os bairros da Boa Vista e Gradim podem ter suas vocações alteradas para favorecer a
especulação imobiliária e a instalação de empresas dos ramos de serviço e habitação. Como já
dissemos antes, acreditamos que a valorização desses bairros, historicamente ligados à pesca,
a indústria de conservas e as atividades de lazer, pode acarretar transtornos para os atuais
moradores e para as atividades ali exercidas.
Não é um fato isolado e nem sigiloso que mesmo impróprias para o banho, essas áreas
são utilizadas para o lazer. Segundo o levantamento feito por pesquisadores da UERJ de São
Gonçalo:
“Todas as estações, excetuando-se a estação 6 (canal) são praias que
comumente recebem banhistas, e ou freqüentadas por pescadores locais que
obtêm nestas águas seu alimento e sua fonte de renda. Algumas destas
praias, como por exemplo, a praia de São João, a praia da Luz e a praia das
Pedrinhas possuem toda uma infra-estrutura de quiosques para receber
turistas que acabam por consumir o pescado extraído do próprio local. A
estação 6, trata-se de um rio (ou canal) que recebe o aporte direto de esgoto e
que deságua próximo a estas praias, sendo utilizada como estação controle
justamente para se ter uma idéia da quantidade de poluição que alcança
estas. Esta estação sempre apresentou devido a estes fatores, os menores
valores de salinidade e as maiores contagens dos indicadores microbianos de
poluição, estando sempre imprópria para o banho segundo a Resolução
número 20 de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, CONAMA
em 2002”. (PIMENTEL, 2004, p. 15).
E mesmo com a proibição, que já tem cerca de vinte anos, encontramos muitos
pescadores e catadores de caranguejo desempenhando suas atividades de pesca. Atualmente,
com os sucessivos derramamentos de óleo, sobretudo após o desastre de 2000 essas práticas
vêm diminuindo, mas ainda são freqüentes. Os peixes e caranguejos extraídos desse local e
vendidos para os donos dos quiosques restaurantes das Pedrinhas e da praia da Luz estão
altamente contaminados, segundo o mesmo levantamento da UERJ:
“os valores médios de coliformes fecais encontrados para as estações 1
(praia de São João), 2 (praia da Luz), 3 (praia da Beira), 4 (praia da Caiera) e
5 (praia de São Gabriel), estão abaixo do máximo permitido para
balneabilidade segundo esta mesma Resolução (1.000 coliformes fecais
/100ml), a qual porém, sugere que a classificação dos corpos d´água baseie-
128
se em um mínimo de 5 coletas, onde no máximo 20% destas ultrapassem o
valor acima citado; o que classifica as estações 2 (praia da Luz) e 4 (praia da
Caiera), juntamente com a estação 7 (praia das Pedrinhas) que apresentou
média superior ao valor permitido, como impróprias ao banho.”
(PIMENTEL, 2004, p. 5).
A orla Oriental da Guanabara vem apresentando esses valores impróprios para
balneabilidade há muito tempo. Acreditamos que a re-industrialização e a ocupação ilegal
podem agravar esse quadro, ao passo que a revitalização pode, de alguma forma, influenciar,
pelo menos, no debate sobre qualidade das águas da Baía de Guanabara e seus usos, uma vez
que proibir a pesca e o lazer não produziria nenhum efeito. As autoridades não parecem se
preocupar com assunto a ponto de colocar placas em todo o entorno da Baía de Guanabara
para proibir o banho e as atividades de subsistência, e enquanto isso a população local e os
banhistas de fim de semana continuam freqüentando o local como se não houvesse qualquer
ameaça às suas saúdes.
Como as margens da Baía de Guanabara têm, historicamente, servido de moradia e
trabalho para as comunidades pesqueiras, qualquer alteração pode causas uma “expulsão
branca” dos habitantes locais. A criação de postos de pedágio, caso seja privatizada a rodovia
federal BR 101 Norte, como já citamos anteriormente, poderá penalizar, ainda mais, essa
população. As atividades culturais e de lazer que encontramos na orla são eventos sazonais
das classes populares. Geralmente, a orla é ocupada no verão e os moradores de outros bairros
e mesmo de Itaboraí ocupam a orla num trecho que vai da praia das Pedrinhas, passando pelo
piscinão até as ilhas de Itaoca e do interior da baía de Guanabara. Além da área de lazer na
Praia das Pedrinhas, barraquinhas são improvisadas nas ilhas de Jurubaiba e nas praias da Luz
e São João e algumas embarcações fazem passeios e travessias para outras ilhas como
Paquetá, por exemplo, mostrando a demanda por investimentos nas atividades de lazer e
turismo da região.
A recuperação ou revitalização dessa orla da Guanabara tem provocado rupturas com
as antigas atividades e tradições das populações locais. Contudo, ainda existem espaços
verdes e espaços utilizados por empresas ligadas aos antigos ramos de reparos navais e pesca.
A permanência de estaleiros como o Cruzeiro do Sul e o Cassinu parecem remediar as
transformações econômicas que estão “contribuindo” para modificar o a orla Oriental.
129
No entanto, empreendimentos que não contribuem para a geração de renda e emprego,
nem modernizam as empresas já existentes ou não atraem novas atividades podem, em tese,
aumentar as estatísticas negativas de poluição da Guanabara e dilacerar o tecido urbano do
Município de São Gonçalo tão desgastado e “surrado” por políticas ou empreendimentos mal
sucedidos.
A orla apresenta espaços vazios aparentemente “não funcionais” para ao capital, mas
isto não significa que contribuem para a manutenção das relações sociais. Foi comum, durante
nossas entrevistas, ouvir relatos de moradores de diferentes bairros, que ainda mantém o
costume de juntar amigos para “pescar” na orla de São Gonçalo. Encontramos muitas
“garagens” de barcos na orla do Gradim, Boa Vista e arredores. Em muitos casos, também
ouvimos que “as praias também servem para a reunião das famílias, piqueniques e festas de
aniversário”.
Projetos de revitalização dessa orla devem considerar essas atividades na medida em
que contribuem para atrair os habitantes de São Gonçalo para as áreas de lazer no litoral. A
carência dessas áreas é comentada por quase todos os moradores entrevistados. A magnitude
da carência pode justificar atitudes emergenciais da administração local para não
“desperdiçar” esse ambiente.
O ecossistema principal que era o mangue, agora está parcialmente destruído.
Infelizmente “graças” à sua localização privilegiada entre uma rodovia federal e a Baía de
Guanabara, a área de manguezal, que abrangia parte da APA Guapimirim, fazendas e
depósitos de empresas, e ia de Neves até o fundo da Baía de Guanabara, foi escolhida para a
construção de loteamentos ilegais, sem a mínima infra-estrutura, que degradam
paulatinamente o meio ambiente.
A carência de lazer, que geralmente caracteriza os “espaços dos pobres”, poderá
aparecer no futuro como um fator importante para a reivindicar a proteção do eixo Niterói –
Manilha. A opção de revitalização ao invés de re-industrialização deve ser pensada para o
município como um todo. Esta nova “mentalidade” ligada ao lazer, não mudaria a vocação da
orla, mesmo tendo o seu passado e identidades ainda ligados ao período industrial.
130
A explicitação dessas carências como o lazer não é suficiente para induzir ao debate
sobre as outras carências da cidade. Observando de perto, a orla Oriental, como um todo, é
um dos locais mais pobres do Estado do Rio de Janeiro e o chamado “fundo da baía de
Guanabara” apresenta os piores índices de qualidade de vida (TCE, 2004).
O lazer e o turismo populares, como vem sendo feitos na orla, proporcionam alguns
benefícios para essa comunidade pobre, como a geração de empregos sazonais (informais) nos
quiosques e vendas ambulantes, além de diversão a baixo custo para os moradores do local e
até municípios vizinhos. No entanto, da forma como são realizados hoje provocam danos ao
meio ambiente, com grande acúmulo de lixo deixado pelos usuários das praias e áreas de lazer
após os fins de semana e temporadas de verão.
Induzir à revitalização para criar novas formas de renda ou ganho para a população
pode, de fato, ser muito difícil, uma vez que depende da participação do poder público e, na
medida do possível, de parcerias com a iniciativa privada. Mas, o capital busca novas
oportunidades de lucro, e nesse local é praticamente impossível encontrar estas oportunidades
nos moldes requisitados pelo capital. Os bairros mais próximos à Baía de Guanabara, como já
dissemos anteriormente, são os locais mais pobres do município, o que mostra a necessidade
premente de se estudarem novas formas de solidariedade para solucionar essas questões.
Os debates públicos, poderiam ser formas de discussão mais amplas e democráticas
sobre as possibilidades de geração de empregos como o lazer e podem contribuir para a
valorização da orla Oriental da Baía de Guanabara. Algo para minimizar os danos causados
pela concentração da pobreza em determinadas áreas. Segundo os dados oficias da PMSG, na
cidade a renda per capita gira em torno de R$ 144,00, sendo o distrito de Neves o que
apresenta a maior renda per capita com cerca de 2,97 salários mínimos e o distrito de
Monjolos com 1,98 salários mínimos.147
Em muitos casos, estes dados representam uma meia verdade, pois ocultam os custos
sociais que diferenciam o morador de Neves dos moradores da outra extremidade da cidade.
Há uma grande diferença em viver em locais alagadiços como o Jardim Catarina, invasões
como as áreas próximas ao mangue ou próximo ao “lixão de São Gonçalo”. Os custos com
147 Pesquisado em março de 2007 no site da PMSG. http://www.saogoncalo.rj.gov.br/estatistica.php. IBGE,
Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000.
131
transporte e alimentação são barreiras para a população local, mas também criam uma
atmosfera desfavorável para a instalação de empresas e a valorização de áreas livres no local.
Apesar de sua geografia a orla da Guanabara não atrai, por enquanto, muitos interessados em
investimentos.
Uma vez que as possibilidades de expansão espacial são limitadas, a utilização destes
espaços, mais cedo ou mais tarde, será inevitável. Alguns moradores entrevistados acreditam
que o atual estado dos bairros que compõem o eixo Niterói-Manilha cria empecilhos para a
revitalização destes mesmos bairros. O processo de re-industrialização se torna a solução mais
prática para o poder local, na medida em que o custo para a implementação de novas
atividades industriais é a isenção de impostos, e em alguns casos, a cessão de terrenos com
um mínimo de urbanização e infra-estrutura instalada. A revitalização já envolve um
planejamento e estudos mais detalhados, projetos de urbanização de órgãos específicos, e a
preocupação em criar atividades que aumentem a valorização do conjunto urbanístico da
cidade.
132
2.3. Causas e fatores da desindustrialização
Marshal Berman (1986), fazendo alusão à obra de Marx, não descreve apenas o
nascimento de um novo capitalismo, mas uma mudança na sociedade que evoca o desespero
daqueles que são afetados pelo “ritmo frenético que o capitalismo impõe a todas as facetas da vida
moderna”, inclusive nos confins de mundo, como nos bairros mais pobres das cidades de Países
como o Brasil.
Após um breve período de dekansho, como diriam os japoneses sobre o longo período
entre a elaboração da primeira parte e a sua escrita, retornamos a mais uma parte do trabalho.
Nesse item, fazemos a apresentação sucinta de algumas causas da desindustrialização de São
Gonçalo e evidenciamos que o conjunto de fatores da desindustrialização no município não é
idêntico a outros municípios, estados ou Países.
A revitalização do eixo Niterói - São Gonçalo na década de 1990 está diretamente
ligada a alguns acontecimentos, dentre estes, destacamos a transferência e o fechamento de
indústrias e fábricas na orla Oriental da Baía de Guanabara, bem como a reutilização de
espaços vazios e ruínas industriais no eixo Niterói Manilha. A partir deste primeiro momento
ou estágio de revitalização, contamos com projetos públicos e privados em diferentes setores,
para a retomada de desenvolvimento do Estado. Alguns destes projetos poderão, em tese,
afetar diretamente a orla da Baía de Guanabara, e conseqüentemente os municípios de São
Gonçalo, Itaboraí e Niterói principalmente.
Entre alguns desses projetos citamos, por exemplo, a implementação da Estação
Hidroviária da Madama em São Gonçalo,148 a construção do chamado “anel viário” ligando o
porto de Sepetiba à rodovia federal BR 101 norte, na altura do município de Itaboraí; a
privatização de alguns trechos da BR 101, trecho Niterói - Manilha; a construção do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - COMPERJ; a reabertura de um antigo estaleiro
em São Gonçalo; os possíveis usos da antiga planta fabril da empresa Gerdau em Neves; o
148 Projeto que vigora no PDD desde o início da década de 1990. Por exemplo, ver o “Art. 55 – A Prefeitura de
São Gonçalo considera a implantação do Terminal Hidroviário do Porto da Madama como essencial ao
desenvolvimento municipal e ao equacionamento dos seus problemas de transporte.” Lei n.º 065/91. Plano
Diretor da Cidade de São Gonçalo em 9 de dezembro de 1991.
133
crescimento do fenômeno da “favela fábrica”149 na antiga Indústria Gradim, novos usos como
a Escola de Samba Unidos do Porto da Pedra e uma Igreja Evangélica na Av. Lúcio Tomé
Feiteira, no bairro Vila Lage, entre outros casos de reutilização e revitalização no eixo Niterói
Manilha.
Sobre a privatização de trechos da BR 101, observamos que desde abril de 2005 vem
sendo discutido na ALERJ o projeto de privatização da rodovia que, segundo o Departamento
Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DENIT, é uma das formas de viabilizar a
conservação da estrada. Se por um lado, este projeto viabiliza os custos de manutenção da
rodovia, por outro a instalação de praças de pedágio na Rodovia Niterói-Manilha, 20
quilômetros depois da descida da Ponte Rio-Niterói, poderá penalizar a população mais
carente dos municípios de São Gonçalo e de Itaboraí. Segundo a deputada estadual Graça
Mattos, representante do PMDB gonçalense:
“a rodovia já causou transtornos porque muitos locais da cidade ficaram
abaixo do nível do mar. Agora fazer a população pagar para chegar à cidade
é um absurdo", analisa Graça. Na opinião da deputada, o pedágio deve
existir para manter as rodovias, mas ela pede uma cobrança em áreas menos
urbanas que os arredores do Carrefour, onde deve ser instalada uma das
praças de pedágio.”150
É importante frisar que a construção do trecho Niterói - Manilha da BR-101, cortou ao
meio de alguns bairros de São Gonçalo, separando, no início da década de 1980, por exemplo,
os bairros da Boa Vista, Jardim Catarina, Neves, Guaxindiba e Portão do Rosa, além de outros
não menos importantes.
O Ministério dos Transportes realizou em outubro deste ano os leilões para as
concessões de sete trechos de rodovias federais para a iniciativa privada. Na concessão, estão
incluídos 320,10 quilômetros da BR-101 no Estado do Rio de Janeiro, que vão da Ponte RioNiterói até a divisa do Estado com o Espírito Santo.
Segundo o Ministério dos Transportes, as concessões servirão para obter
“investimentos para realizar melhorias, mas os usuários pagarão pedágio”. Em maio de 2007 a
149 Usamos esta expressão “favela fábrica” para falar da ocupação irregular em espaços, ruínas ou terrenos de
antigas indústrias desativadas.
150 Jornal O Fluminense. “Privatização: polêmica na ALERJ”, pág. 4. Caderno Política. Niterói, 29 abril de
2005.
134
imprensa noticiou que algumas modificações estariam sendo realizadas no atual modelo de
concessão para que as empresas assumam os trechos com menor custo para os usuários.
Segundo a matéria: “a principal alteração é que não teremos mais o pagamento da outorga,
(valor que as empresas teriam que pagar ao governo federal em troca da concessão da
rodovia) e isso fará com que a tarifa do pedágio seja mais barato.”151
A resolução do Conselho Nacional de Desestatização que aprova as condições para o
processo de concessão de trechos das rodovias federais foi publicada em 21 de maio deste ano
no Diário Oficial da União. Esta resolução define os valores máximos de pedágios, por trecho,
que serão cobrados pelas empresas vencedoras 152 e os leilões que estavam previstos para 16
de outubro foram realizados no dia oito de outubro de 2007. Segundo a mídia local:
A empresa OHL com sede na Espanha foi a “grande vencedora” do leilão. O
pedágio custará em torno de R$ 2,258 no trecho Rio de Janeiro até o Espírito
Santo. Esse valor para o pedágio significa um deságio de 40,95% em relação
ao valor de R$ 3,824 definido pela ANTT.153 A empresa construirá, nos
320,1 quilômetros da BR-101 Norte, cinco pedágios. O interesse pelo trecho
da BR 101 que corta o estado do Rio de Janeiro foi grande, pois foram feitas
10 propostas pelo trecho. A OHL Brasil, presidida por José Carlos Ferreira
de Oliveira, parece apostar alto no crescimento econômico e na evolução no
tráfego no País.154
Segundo informações colhidas no endereço eletrônico da empresa espanhola OHL
Concesiones,155 essa seria a primeira empresa não brasileira em gestão de concessões de
rodovias no País. A OHL Brasil detém, no estado de São Paulo, 100% do acionariado de
quatro lotes de rodovias, administrados por quatro concessionárias: Autovias, Centrovias,
Vianorte e Intervias. Os quatro lotes formam uma malha viária interligada de 1.147 km no
Estado de São Paulo, Estado mais industrializado do Brasil e o responsável por mais de um
terço do PIB de todo o País.
151 Jornal O Fluminense. “BR-101 perto da privatização. Modificações reduzirão preço do pedágio”. Caderno
Economia, www.ofluminense.com.br. Acesso em 08 de maio de 2007.
152 Jornal O São Gonçalo. “BR-101 e outras sete rodovias serão privatizadas este ano”. Caderno geral. Página 6,
terça-feira, 22 de maio de 2007.
153 ANTT. Agência Nacional de Transportes Terrestres.
154 Fonte: Jornal O dia. Rio de Janeiro, terça-feira 09 de outubro de 2007.
http://odia.terra.com.br/economia/htm/geral_127808.asp. As informações são de Klinger Portella, do site: Terra.
155 OHL Concesiones. http://www.ohlconcesiones.com. Endereço: C/ Gobelas 45-49. El Plantío. CEP: 28023
Madrid. Telefone: +(34) 91.348.4100. Fax: +(34) 91.348.4579. E-mail: [email protected]
135
O Grupo OHL é um dos grupos líderes da construção, concessões e serviços da
Espanha. Foi criado em novembro de 2000 para desenvolver infra-estruturas mediante o
sistema de concessões. Atualmente, a atividade de concessões é a “linha de negócios mais
estratégicos” para o Grupo.156 Além de rodovias, atua no setor aeroportuário no México, setor
naval com portos de atracação, portos esportivos e comerciais, além de ferrovias e linhas de
metrô na Espanha.
Segundo o Jornal O Fluminense, a previsão inicial é de que sejam criados cinco praças
de pedágio no trecho RJ-ES, onde deverão ser cobrados cerca de R$ 2,258 a partir de meados
de 2008. Ainda não foram divulgados os bairros onde serão construídos os pedágios, mas se
dividirmos os 320,10 quilômetros da BR-101 por cinco, temos em média um pedágio a cada
60,02 quilômetros. Como já existe um pedágio na saída da Ponte Rio - Niterói, acreditamos
que o pedágio mais próximo poderá ser construído entre São Gonçalo e Itaboraí.
“A previsão inicial é a de que existam cinco praças de pedágio nesse lote,
onde deverão ser cobrados cerca de R$ 2,258 a partir de meados de 2008.
Segundo estimativas da Polícia Rodoviária Federal, apenas entre Niterói e
São Gonçalo, o número de veículo chega a 150 mil nos dias úteis,
exatamente por causa da grande procura pela ponte, onde a média diária é de
130 mil automóveis [...] A Agência Nacional de Transportes Terrestres
informou que ainda não estão definidos os locais onde serão instaladas as
praças de pedágio no trecho privatizado da BR 101. No próximo dia 19, os
dirigentes da própria ANTT vão confirmar os vencedores do leilão realizado
ontem após checagem da documentação apresentada em outras fases da
licitação.”157
A colocação de pedágios entre São Gonçalo e Itaboraí pode inviabilizar projetos entre
as duas cidades, como o atual COMPERJ. A cobrança também prejudicaria milhares de
pessoas que estão migrando para Itaboraí e que trabalham no Rio de Janeiro ou em Niterói. O
número de veículos, estimados pela PRF em 150 mil por dia, pagando um pedágio de R$
2,258, representa um ganho bruto de R$ 338.700,00 apenas num dos cinco trechos pedagiados
na BR 101.
156 Fonte: http://www.ohlconcesiones.com/imagenes/mapa_mundial2_pt.gif&imgrefurl=
157
Jornal
O
fluminense.
Caderno
Economia.
Niterói,
10
de
outubro
de
2007.
http://www.ofluminense.com.br/noticias/126277.asp?pStrLink=2,74,0,126277&indSeguro=0.
“Empresa
espanhola garante direito de administrar trecho da BR-101 no Estado do Rio”. Matéria de Luiz Gustavo Schmit e
Sérgio Soares.
136
A explicação da existência da desindustrialização em São Gonçalo é um fato sui
generis, em que se devem levar em consideração múltiplos fatores. Os principais fatores que
concorrem para essa explicação são aqueles apresentados na própria dinâmica histórica, um
certo tipo de “evolução” que vai do desenvolvimento de antigas atividades rurais ao declínio
destas, passando para atividades industriais e conseqüentemente o seu declínio. Contudo,
podemos falar de alguns fatores políticos e econômicos que também contribuíram para a
desindustrialização.
Segundo Oliveira (2005, p.
3 e 4), “a cidade apresenta um perfil global de
periferalidade. Isso significa concentração de população pobre e negra, com menor
escolaridade, baixo nível de acesso a serviços e equipamentos urbanos. Esse ambiente de
periferalidade foi produzido pelo processo de modernização e não é seu oposto, mas seu
resultado determinado. A industrialização do Rio desorganizou modos tradicionais de
reprodução social, ao mesmo tempo que foi motor de atração para grandes contingentes
populacionais, recrutados para nova vida urbana em posição subordinada no mercado de
trabalho, na participação política e no acesso a benefícios e direitos”.
A diminuição da atividade industrial nas décadas de 1960 e 1970 acarretou um menor
“consumo” de terrenos para essas atividades e para a diminuição das áreas ocupadas
tradicionalmente por empresas que necessitavam dos portos da orla Oriental da Baía de
Guanabara ou de grandes pátios. Os principais portos do século XX em São Gonçalo, foram
os portos de Neves, Porto Velho, Gradim, Porto Novo e Madama, além do terminal de
Guaxindiba para a indústria de Cimento.
No bairro do Gradim, surgiu uma das comunidades mais antigas, a chamada “Favela
do Gato.” Ao seu lado, o Governo Municipal construiu uma Escola de Pesca para oferecer
cursos aos filhos dos pescadores do município. Neste bairro, encontra-se também uma antiga
usina elétrica de médio porte, fechada há mais de 20 anos, que gerava energia para o Porto
Velho, Porto Novo, Porto da Pedra, Paraíso além do Gradim.
A redefinição das atividades econômicas também é considerada como fator relevante
devido à concorrência internacional em certos ramos. Como já citado, no ramo das indústrias
de conservas, o Grupo norte-americano Pepsico e Quaker do Brasil adquiriu as empresas de
São Gonçalo, sobretudo as Conservas Coqueiro e inúmeras pequenas fábricas no distrito de
137
Neves. A concorrência multinacional também levou à ampliação do setor químico
farmacológico, com a instalação dos laboratórios B-Braun no distrito de Alcântara, além da
ampliação da indústria de cimento pelo grupo francês LaFarge em Guaxindiba. Outro caso
exemplar, já citado, foi o caso da indústria de artefatos de vidros do grupo francês SEVES, no
caso da Electrovidro, que levou à redefinição das atividades de produção de vidros e artefatos
de isolamento e tijolos refratários em toda a América Latina.
A redução de algumas atividades industriais em São Gonçalo também está ligada à
redução dos custos de transporte e à proximidade com as fontes de matéria prima, como nos
casos das fábricas de fósforos e de fogos que existiam em Neves, entre as quais podemos citar
a Cia de Fósforos Fiat Lux e a Fábrica de fogos Santo Antônio. Citamos também, algumas
fábricas de conservas no bairro do Gradim como a Orleans e a Jangada, além de alguns
pequenos estaleiros como o Cruzeiro do Sul e o Cassinu, que retomou as suas atividades na
década de 1990 para complementar algumas atividades da construção naval de Niterói.
A redução de algumas atividades também está ligada às consecutivas crises
econômicas que vêm sofrendo o Estado do Rio de Janeiro, a despeito da inflexão positiva na
década de 1990. Em São Gonçalo, as crises nas décadas de 1970 e 1980 acentuaram os
processos de relocalização industrial, afetaram a continuação de antigas atividades e
limitaram a entrada de novas atividades econômicas na cidade. Como exemplo, podemos citar
a existência de terrenos liberados pelas atividades anteriores: a planta fabril da Gerdau, parte
da planta fabril da Vidrobrás, além de algumas fábricas de conservas, oficinas e laboratórios.
A reorganização espacial das indústrias nos distritos de São Gonçalo não se deu pela
entrada de novas atividades do mesmo setor, mas pela substituição por atividades ligadas ao
comércio e serviços e pela “modernização” de algumas atividades produtivas como artefatos
de cimento e vidro, bem como produtos químico-farmacêuticos.
A diversidade de atividades produtivas em São Gonçalo produziu um leque que
abrangeu desde grandes multinacionais como a Quaker até pequenas fábricas de máscaras de
carnaval, vassouras, trenas e metros para a construção civil, refrigerantes Mineirinho e Flecha,
produtos de limpeza etc. Esta diversidade, de certa forma, foi e ainda é “positiva” para o
município, pois evitou o fenômeno de centralização de atividades, além de garantir trabalho
para antigos empregados de algumas indústrias fechadas. A abertura de muitas oficinas na
138
região do distrito de Neves também ocorreu em função do fechamento das grandes indústrias,
pois a maior parte delas pertence a ex-metalúrgicos e ex-funcionários da indústria naval.
Nas décadas de 1970 e 1980, com o aumento dos custos de transporte e do processo de
produção tradicional, antigas fábricas como as de conservas se transferiram para o sul do País,
em busca da proximidade das áreas de pesca e de uma melhor infra-estrutura. Com isso, o
número de indústrias e de fábricas de pescado caiu de nove na década de 1970 para duas ou
três na década de 1980. Atualmente, o município de São Gonçalo possui apenas quatro
indústrias de pescado, todas ainda concentradas no antigo distrito industrial de Neves.
Tabela 16. Empresas de enlatamento de pescado em São Gonçalo - RJ.
Nome da Empresa
Quaker Brasil Ltda.1
Endereço e telefone
Volume de
produção
latas/dia
Rua São Jorge, 95/195, Porto Velho, 610.000
São Gonçalo, RJ.
(500.000 sardinha
110.000 atum)
Conservas Rubi S/A
Rua Cruzeiro do Sul, 55, Gradim, São 120.000
Gonçalo, RJ.
sardinha e atum
Conservas Piracema S/A
Rua Dr. Manoel Duarte, 152, Gradim, 90.000
São Gonçalo, RJ.
sardinha
Sul Atlântico de Alimentos S/A
Rua Dr. Manoel Duarte, 2061, Gradim, 50.000
São Gonçalo, RJ.
sardinha
1
A informação sobre o total de latas produzidas pela Quaker Brasil Ltda. provém da própria empresa.
Fonte 1: Infopesca: O Mercado de Pescados no Rio de Janeiro. Vol. 3, 1997
http://www.infopesca.org/accesopublico/manuales.
Fonte 2: Sindicato das Indústrias de Conservas de Pescado de Niterói - Rua Visconde do Uruguai, 535, 11°
andar.Centro Niterói, RJ.
O setor siderúrgico também sofreu mudanças significativas nesse período. A
siderúrgica Hime, em Neves, foi vendida para a Cosigua, a Companhia Siderúrgica da
Guanabara transferiu, aos poucos, suas atividades para a Gerdau, que por sua vez, transferiu
as atividades de produção para a usina de Santa Cruz no Município do Rio de Janeiro e passou
a manter apenas a divisão comercial em São Gonçalo. A transferência da produção da Gerdau
para a região de Santa Cruz deveu-se à proximidade ao porto de Sepetiba e ao futuro arco
rodoviário, viabilizando as vias de escoamento de sua produção e recebimento das matériasprimas.
139
As mudanças na produção de conservas e pescado corresponderam à diminuição da
produtividade do setor e à escassez de matérias-primas, simultaneamente ao agravamento das
crises econômicas do Estado e à ausência quase que absoluta de planejamento industrial e de
qualquer projeto de reorganização espacial no município. Além disso, algumas plantas fabris
da cidade se tornam obsoletas em função da racionalização dos novos modos de produção,
que já não necessitam de tanta força de trabalho e grandes plantas fabris, resultando, segundo
a nossa tese, na ampliação das friches industriais na década de 1990.
Entre os anos de 1996 a 2001, segundo Freire (2004), o Estado passou por dois
processos: um de prejuízos com o “enxugamento” do Estado e outro de recuperação
econômica marcado pelo binômio petróleo e gás da Bacia de Campos. Em municípios como
São Gonçalo, o resultado dessa análise é negativa, pois nesse período foram criados apenas
sete mil novos postos de trabalho o que, para Freire, representa ao mesmo tempo “uma
escassez de empregos” na indústria, mas simultaneamente uma ligeira ampliação da oferta de
algumas atividades ligadas ao setor terciário.
Esses dois movimentos de desemprego e emprego não são contraditórios entre si. Em
São Gonçalo, as causas da desindustrialização a partir dos anos 1970 fazem parte de um outro
tipo de fenômeno diferente, mas complementar à emergência do setor de comércio e de
serviços no distrito de Neves. Enquanto a desindustrialização teve como principal causa
fatores econômicos, a terciarização tem como alavanca a grande oferta espacial de terrenos
livres ou plantas fabris subutilizadas, com baixos custos e incentivos da administração
municipal. O exemplo mais recente é a aquisição da planta da antiga Fábrica de Conservas
JANGADA, pela PMSG, para a futura instalação da Estação Hidroviária.158
A desapropriação da planta fabril das conservas Jangada poderá representar a
“reconquista” de cerca de 11 mil metros quadrados. A futura estação será construída próxima
à sede municipal, a cerca de 600 metros da BR-101, Niterói-Manilha. A princípio, o projeto
da nova estação será realizado pelo arquiteto Paulo Casé, autor de uma série de intervenções
importantes na cidade do Rio de Janeiro.
158 FELICE, Gabriel. “Terminal hidroviário de São Gonçalo começa a sair do papel”. Jornal O Fluminense.
Caderno cidades. Acesso em 01/09/2007.
140
As principais ruas dos antigos bairros industriais do Gradim e do Porto Novo,
inclusive a Rua Manoel Duarte, que será o principal acesso ao terminal de barcas, segundo a
PMSG também ganharão obras de reurbanização, visando a mudança da identidade local de
industrial para comercial.
A construção de uma estação de barcas no local poderá, em tese, afetar também a
rotina dos pescadores locais numa área em que a tradição pesqueira é grande, mesmo com o
fechamento das indústrias de conservas e com a escassez do pescado na Baía de Guanabara.
Segundo os pescadores das associações de pesca próximas à área da futura estação hidroviária
das barcas, “o percurso traçado pode interferir na rotina e resultados do trabalho dos mais de
1,3 mil pescadores locais”. Para as duas entidades principais - Associação dos Moradores e
Pescadores do Porto Novo e Praia - AMPOVEP e Associação dos Pescadores Livres do
Gradim e Adjacências159, além dos impactos com a pesca tradicional, caso não seja realizado
um estudo sério de impacto sócio-ambiental, as áreas de manguezal próximas também
poderão ser afetadas novamente com a formação da maré com o movimento de grandes
embarcações.
Nas proximidades da futura estação de barcas, além de quatro grandes indústrias de
pescado e duas grandes associações de pescadores, existem ainda pequenos e médios
estaleiros para reparos de construções navais, como o Estaleiro Cassinu, que se destaca pelo
seu porte médio e o Estaleiro Eisa, recentemente reativado.160
Não obstante o voluntarismo da PMSG em assinar protocolos de intenções para
reativar antigas estruturas de fábricas e indústrias como a antiga Indústria Gradim de
Equipamentos para se transformar no Estaleiro Eisa, é sabido também que a construção e os
reparos navais encontram-se em processo de retração e diminuição de postos de trabalho, o
que provocou a recente greve de operários do Estaleiro Mauá. A área da antiga Indústria
Gradim possui cerca de 46 mil metros quadrados e está situada no bairro do Gradim, próxima
à futura estação hidroviária. Atualmente desativada, a indústria encontra-se cercada por uma
ocupação irregular de habitações de alvenaria.
159 Os endereços das principais associações: Associação dos Pescadores da Praia das Pedrinhas APPP. Rua
Professora Maria Joaquina, 3111. Praia das Pedrinhas (21) 2615-9899, São Gonçalo; Associação dos Pescadores
Livres do Gradim e Adjacências APELGA. Rua Cruzeiro do Sul, 50 Gradim. (21) 2606-8567.
160 Jornal O Fluminense. Caderno economia. “Assinado acordo para reativar Estaleiro Eisa”. Acesso em
31/08/2007.
141
Para entender além da desindustrialização e o incremento do setor terciário, a PMSG
também conjectura a construção de portos secos ou terminais de carga e descarga. Esse
porto161 seria uma espécie de terminal para armazenamento de cargas a ser construído,
possivelmente, próximo à Ilha de Itaóca e ligado ao continente por uma ponte com acesso
exclusivo à BR-101 no trecho Niterói-Manilha. A estratégia de localização segue o mesmo
princípio do COMPERJ e busca a ligação com o arco rodoviário para servir como uma nova
rota comercial para o interior do Estado do Rio de Janeiro e Estados vizinhos.
Segundo a imprensa local, a PMSG, na figura da prefeita Panisset, acredita que: “tudo
que vamos fazer é alargar o canal natural já existente no fundo da Baía de Guanabara para a
passagem de embarcações de médio porte. Será uma reutilização da área marítima com vistas
à reativação da indústria naval e à instalação do Porto Seco, que poderá armazenar cargas e
contêiner”. Além dos enormes gastos de uma obra dessa envergadura e do aumento da
poluição na Baía com a dragagem que reviraria o fundo do canal central, a Prefeitura parece
entrar na contra-mão do “desenvolvimento sócio-econômico” devido à má compreensão do
processo de desindustrialização que a região vem passando e das “outras” possibilidades de
revitalização urbana ligadas ao setor terciário e mesmo ao futuro do COMPERJ.
A ampliação do setor de serviços e comércios, além de mais econômica, também pode
ser mais viável a curto prazo. A atual tendência, não só em São Gonçalo, mas em muitas
regiões metropolitanas brasileiras, reforça a tese do incremento do setor de serviços, através
de parcerias entre os setores públicos e privados, visando o desenvolvimento “limpo” e
sustentável, apesar de o discurso oficial da PMSG visualizar o eterno retorno às supostas
raízes industriais da cidade e o fantasma da “Manchester Fluminense”, que de tempos em
tempos renasce e nos assombra. Como afirma a prefeita Panisset: “Os bairros Porto do Rosa,
Porto da Pedra e da Madama foram áreas de porte industrial. Quero resgatar a história e a
atividade econômica do município”.162
Segundo o Secretário Municipal de Fazenda, José Maria Machado Rodrigues, “os
projetos do porto e das barcas vão ajudar a cidade a atrair investimentos. São Gonçalo sofre
161 Fonte: Agência de notícia da PMSG. São Gonçalo, 15/09/2005.
http://www.saogoncalo.rj.gov.br/noticiaCompleta.php?mes=07&ano=2007&cod=311&tipoNoticia=Desenvolvi
mento%20Econ%C3%83%C2%B4mico.
162 Idem, site da agência de notícia da Prefeitura de São Gonçalo.
142
com o esvaziamento de receita e indústrias. Falta infra-estrutura para o recebimento de
empresas. Queremos tornar o município atrativo”.163 O Secretário parece se esquecer que o
mercado classifica os municípios como interessantes ou não para investir e não é o poder
local, por mais bem intencionado que seja, que determina onde, quando e como o capital será
investido.
São Gonçalo passa por uma fase crítica de violência, com um número crescente de
homicídios, latrocínios, roubos e furtos, além da crescente favelização no município desde a
década de 1980. O Secretário Municipal de Fazenda, acima citado, esqueceu de mencionar
que esses pequenos detalhes vêm provocando, como já apontamos no capítulo anterior, o
agravamento da diminuição de receitas do município. A violência não somente colabora para
o fechamento de indústrias e conseqüente desindustrialização, como afasta novos
investimentos no município.
Assim com fatores os econômicos e sociais também favoreceram a desindustrialização
no município, não podemos esquecer das questões políticas, como o populismo sem
compromisso com o desenvolvimento local, que beneficiou a especulação imobiliária de
grandes loteamentos sem infra-estrutura, muitos deles em antigas fazendas que, depois de
loteadas e vendidas, contribuíram para a desvalorização do município, chamado de “cidade
dormitório” até a década de 1990.
Ao mesmo tempo em que se agravava a ausência de terrenos para a expansão
industrial no final da década de 1970 e primeira metade da década de 1980, a favelização e a
incompetência política, sobretudo nas administrações de Jayme Campos e subseqüentes,
contribuíram para o declínio industrial. Fatores externos como crises econômicas
internacionais e nacionais, somadas à falta de interesses em direcionar recursos para a
modernização das fábricas e indústrias locais agravaram-se com a omissão e o laissez-faire,
adotados pela municipalidade. Omissão na fiscalização dos loteamentos e da explosão
demográfica que vêm causando a desordem vivenciada na cidade ainda hoje e o laissez-faire
que contribui para que a cidade perca arrecadação de impostos, taxas e tributos, e contribui
para o agravamento da informalidade.
163 Idem. http://www.saogoncalo.rj.gov.br
143
A soma dessa postura da administração municipal mais a conjuntura econômica
negativa resultou num terreno fecundo para as crises relacionadas com o declínio industrial
então verificado. Em primeiro lugar, a mentalidade rural e provinciana na gestão da coisa
pública e em segundo lugar a ausência de divisas para revitalizar e adequar a cidade aos
investimentos do capital, que favoreceram não somente o declínio da indústria local, como
também da indústria brasileira.
Confirmando a nossa tese, Oliveira (2005, p. 3) afirma que “o crescimento de São
Gonçalo deve-se, naturalmente, à dinâmica da metrópole carioca, constituindo-se a partir dos
anos 1940, diante do elevado processo de urbanização, numa aglomeração urbana,
reservatório de mão-de-obra barata, notadamente formada por emigrantes nordestinos”. Nos
anos 1950, a cidade chegou a ser considerada pólo industrial, tendo também expressiva
concentração de fazendas dedicadas à citricultura. A partir dos anos 1980, como ocorreu com
o restante do País, a recessão econômica e a desindustrialização tiveram seus efeitos sentidos
na cidade. Considerada "periferia consolidada", a cidade de São Gonçalo inscreve-se na teia
de relações metropolitanas como uma região de privação relativa ou pobreza.
No capítulo anterior, indicamos que as chamadas indústrias tradicionais do distrito de
Neves, como as conservas, a indústria de couros como o Curtume São Sebastião, fósforos,
fogos e a alimentícia iniciaram suas atividades em meados da década de 1940, mas
conquistaram o mercado no período seguinte, nas décadas de 1950 e 1960. Nas décadas
seguintes, entretanto, sem os devidos esforços para a modernização e aprimoramento
tecnológico, essas indústrias iniciam um período de declínio, que culminou na década de
1980.
À exceção das conservas Coqueiro164, as outras empresas tecnologicamente
desatualizadas foram paulatinamente encerrando as atividades ou operando mais lentamente.
Somados aos processos de abertura do mercado, crises econômicas e defasagem tecnológica,
as empresas de pequeno e médio porte remanescentes foram levadas à falência, o que agravou
consideravelmente o problema do desemprego em São Gonçalo.
164 Em razão de suas características e da venda da unidade da Rua São Jorge para o grupo Quaker Brasil Ltda.
144
A situação atual em São Gonçalo, sobretudo das empresas tradicionais não favorece a
atração de novos investimentos, seja de capital nacional ou mesmo estrangeiro. A falta de
espaço para a expansão industrial, o crescimento demográfico acentuado e a ausência de mãode-obra qualificada, entre outros motivos, geram a descrença, em alguns habitantes, na
entrada de novos investimentos na cidade.
Em entrevistas realizadas em 2006, recolhemos depoimentos de ex-trabalhadores
descontentes e incrédulos com a possibilidade de criação de mais empregos, na retomada dos
investimentos na área industrial e no sucesso do COMPERJ. Parece que ambos os lados:
capital e trabalho não cultivam a esperança dos bons tempos da “Manchester fluminense”
como a atual prefeita. As promessas de dias melhores não têm convencido nem os
investidores nem os trabalhadores entrevistados.
145
2.4. O declínio do emprego industrial e o crescimento dos empregos nos serviços. O São
Gonçalo Shopping Rio como exemplo
Em São Gonçalo, as duas últimas décadas têm sido sui generis em relação às
transformações no processo de urbanização. Ao mesmo tempo em que constatamos o
crescimento das desigualdades sociais, parcela da população local vislumbra possibilidades de
desenvolvimento. O caso São Gonçalo shopping é emblemático nesse sentido.
Por um lado, esse empreendimento inseriu parcela da população do município no
mercado de consumo local. Até então, os consumidores de São Gonçalo freqüentavam apenas
os shoppings de Niterói. Por outro lado, parece aprofundar a diferença entre aqueles que estão
dentro desse novo mercado e daqueles que estão fora do shopping. O contexto geral do bairro
da Boa Vista é bem diverso daquele vivido no interior das lojas e estabelecimentos do
shopping.
Apresentamos neste sub item a hipótese de que o crescimento dos empregos no
comércio e nos serviços, como no caso do São Gonçalo shopping, não trouxe a recuperação
econômica após o declínio do emprego industrial.
No contexto municipal, sobretudo a partir da inauguração do primeiro shopping165 do
município em março 2004, percebemos uma nova configuração do espaço público próximo ao
empreendimento, como a construção de viadutos e o calçamento de vias de acesso, mas não
em relação aos espaços privados, tais como novas habitações e novos empreendimentos. Não
houve a entrada em cena de novos atores voltados para a ampliação das práticas de comércio
e de serviços no distrito.
A inclusão social166 e a possibilidade de constituição de novas relações entre o
shopping e a sociedade também não foram construídas. Neste contexto de ausência de
165 Inaugurado no dia 25 de março de 2004 como o quarto maior do Estado e o, o São Gonçalo Shopping tem
45.000 m² de área bruta locável. Conta com 176 lojas “satélite” e 15 lojas “âncora”. Segundo a propaganda
“tornando-o um dos shoppings mais bem ancorados do país”. O empreendimento teve um investimento de R$ 60
milhões da empresa Ecia Irmãos Araújo. Representa um novo empreendimento na orla oriental da Guanabara
que, segundo o site do shopping é um: “impulso para a cidade que está em pleno progresso com uma população
de um milhão de habitantes”. Fonte: http://www.saogoncaloshoppingrio.com.br/
166 Por inclusão social definimos qualquer forma de envolvimento e participação do empreendimento,
supracitado, com a melhoria na qualidade de vida ou benefícios para a comunidade local. Essa participação pode
146
políticas urbanas e de projetos para a ampliação da participação dos atores da sociedade civil,
há uma visível privatização do espaço público. Exemplos como a alteração nas linhas de
ônibus municipais para atender ao shopping e o calçamento das vias de acesso são influências
nítidas do mercado sobre as políticas urbanas no âmbito local.
As políticas sociais parecem circular na órbita das agendas das empresas localizadas
no bairro. Quando o São Gonçalo Shopping passou da administração do grupo EGEC/BR
Malls para a administração da empresa Ancar, de propriedade do Grupo Fernandes Araújo,
detentor acionário da empresa GSR Shopping Ltda;167 seria uma boa oportunidade para mudar
a relação do empreendimento com as comunidades do entorno. Medidas como
apadrinhamento de alguma praça ou mesmo do piscinão em frente não foram cogitados e nem
mesmo os buracos nos acessos ao shopping parecem estimular a “responsabilidade social.”
As empresas de São Gonçalo, de modo geral, ainda parecem desconectadas da questão
social. A influência desses atores nas políticas públicas, através da urbanização de áreas,
infra-estrutura e incentivos fiscais está na contramão de políticas urbanas participativas e
democráticas.
A ausência de relações entre as empresas e a sociedade civil parece descortinar a falta
de modernização nas ações do capital local e global nas periferias. A sociedade local é alvo da
ação organizada de “máfias” nos transportes coletivos, nos loteamentos e também em algumas
associações. Os habitantes da cidade, que são os mais interessados nas melhorias, são também
os mais desorganizados política e socialmente. Surge o “espaço privilegiado” para a ausência
de relacionamento entre o capital privado e a sociedade civil, que forma lacunas preenchidas
pelo oportunismo político ou pela economia informal que prolifera no município.
se dar de diferentes modos. No caso do shopping as intervenções, da construtora Ecia Irmãos Araújo e da PMSG,
não trouxeram benefícios diretos para a comunidade. Ainda existem assentamentos informais e falta de infraestrutura no quarteirão em frente ao shopping. O empreendimento, controlado desde julho de 2007 pela empresa
Ancar: Gestão Integrada de Shopping Centers não implementou programas de inclusão social, ou planos de
apoio às comunidades locais.
167 A empresa Ancar Gestão Integrada de Shoppings Centers, tem convênios com as seguintes empresas: Ivanhoe Cambridge. Caisse de dépôt et placement du Québec; Ancar Empreendimentos comerciais; Nacional
Iguatemi; General Growth Properties, Inc; Grupo Multiplan e o grupo Cadillac Fairview. A Ancar no Rio se
localiza na Av. das Américas, 7.777 - Subsolo - Shopping Rio Design Barra. CEP 22793-081 - Rio de Janeiro –
RJ. Tel./PABX: 3525.7777 / Fax.: 3525.7797. Fonte: http://www.ancar.com.br/noticias.
147
Diversos autores168 já apontaram para a necessidade de articulações entre indivíduos e
instituições, sobretudo para os bons resultados para ambos, quando há relações entre a
“sociedade civil”, a econômica e a política. Esse relacionamento pode, ao nosso ver, facilitar a
revitalização e o desenvolvimento dos locais onde organizações respeitam a comunidade local
e vice-versa.
Segundo Teixeira (2000), por exemplo, quando novos atores coletivos se articulam,
podem produzir ações que fortalecem a sociedade civil como um todo e influenciar nas
políticas públicas e nas políticas urbanas.
A problematização colocada por Teixeira (2000) questiona a capacidade de
mobilização dos movimentos populares e sindicais e neste sentido, nos solidarizamos com
essa posição quando observamos a desorganização dos movimentos sociais, ONG´s e
associações gonçalenses. A título ilustrativo, quando um novo empreendimento, como o
shopping, se estabelece no município parece não se preocupar em tomar conhecimento das
associações locais a fim de traçar estratégias de solidariedade.
A proliferação de Organizações Não-Governamentais - ONG´s em São Gonçalo a
partir da década de 1990 não contribuiu para alargar a participação popular nas decisões
públicas,
muito
menos
nas
iniciativas
privadas.169
Novos
empreendimentos
que
“desembarcam” na cidade não desempenham um papel social relevante, em virtude da
ausência de redes de solidariedade que aproximem empresários e comunidade local.
Quando não há grupos que possam pressionar pelas suas reivindicações, como afirma
Dagnino (2002), a sociedade perde o poder de pressão. Embora São Gonçalo possua diversas
associações, sindicatos e organizações não-governamentais, a PMSG não confere o mesmo
reconhecimento que é dado aos demais segmentos: políticos e econômicos, sobretudo.
168 Ver por exemplo os textos de ARATO, Andrew et COHEN, Jean; Civil society and political theory.
Cambridge: Mit press, 1992. DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São
Paulo: Paz e Terra, 2002. TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global. Limites e desafios da participação cidadã.
São Paulo: Cortez, 2001. SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da
globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.
169 As principais organizações não-governamentais nas décadas de 1990 e 2000 foram aquelas ligadas a cultura
e ao meio ambiente.
148
Na medida que a sociedade participa das transformações sociais e econômicas, a sua
identidade pode ser preservada ou convertida em algo melhor, que possa contribuir para o
crescimento da cidade como um todo. Conforme afirma Arato (ARATO et al. 1992), a
participação contribui para enraizar valores, normas, instituições e identidades sociais na
cultura política:
“O sucesso dos movimentos sociais deve ser entendido não enquanto o
preenchimento de seus objetivos substantivos, ou enquanto sua autoperpetuação como movimento, mas como a democratização de valores,
normas, instituições e identidades sociais enraizadas na cultura política. É
nesse contexto, que a categoria dos direitos torna-se importante. Se
concebermos o ganho dos movimentos em termos de institucionalização de
direitos, tal como definimos, o desaparecimentos dos movimentos sociais,
seja em virtude de transformação operacional, seja devido a sua absorção por
identidades recentemente construídas não significa o desaparecimento do
contexto que leva à geração e constituição dos movimentos. Os direitos
conquistados estabilizam as fronteiras entre o mundo da vida e movimentos
sociais e o Estado e economia, eles também constituem condição de
possibilidade de emergência de novas associações, fóruns e movimentos”.170
A ausência de organizações sólidas que possam pressionar contra a entrada de
empreendimentos nocivos ao meio ambiente e a identidade local nos traz inquietações. Ainda
não sabemos a dimensão desse fenômeno recente, que é a transformação da orla Oriental da
Guanabara, especialmente no eixo Niterói-Manilha, mas já podemos visualizar possíveis
dificuldades após suas implementações.
A abordagem de experiências anteriores vem demonstrando que os grupos mais
desorganizados são aqueles que mais sofrem frente a grupos poderosos, sejam do capital
nacional ou global. Citamos o caso dos pescadores frente aos efeitos da poluição da
Guanabara em 2000 e do descaso da Petrobrás, bem como os moradores do distrito de Neves,
que estão perdendo os últimos espaços que fazem referência à identidade industrial da cidade.
Agora, iremos nos debruçar nas informações sobre o shopping e a sua atuação na Boa Vista.
Interrogamos alguns moradores sobre os papéis dos novos empreendimentos em geral,
e em particular ao São Gonçalo shopping, que a principio significou uma ruptura com as
relações tradicionais entre essa cidade e Niterói. Há uma divisão de opiniões na própria
sociedade local, onde muitos consideram que o shopping trouxe avanços ainda que lentos e
170 Arato et Cohen, 1994, página: 176.
149
descontínuos para o desenvolvimento do município e alguns que não vêem qualquer
perspectiva de melhorias a partir do empreendimento.
Desde que foi inaugurado no dia 25 de março de 2004, o São Gonçalo shopping, de
uma forma geral, passou a ser não só uma referência “positiva” para a cidade, mas também
um fator de orgulho para a população formada principalmente por jovens e adolescentes. Os
jovens entrevistados se “enchiam de orgulho” ao citar o empreendimento como “o maior do
shopping do Estado”, ou “maior até que o Barra Shopping”. Na verdade, ele não foi o
primeiro shopping do município, já que São Gonçalo já possuía inúmeras galerias de lojas e
pequenos shoppings no Rodo e em Alcântara, além do shopping Corcovado,171 construído na
Rua Carlos Gianelli, na “entrada do Boaçu”.
O São Gonçalo Shopping tem cerca de 45.000 m² de área bruta e foi construído entre a
antiga “barreira” da Boa Vista, onde era retirado barro para as olarias de Itaboraí e São
Gonçalo e o campinho de futebol da barreira. O terreno original tem cerca de 69.500 m².
Na época da construção, o shopping já era comentado pelo seu grande porte, mas a
concepção das lojas foi pensada com um perfil mais popular, com lojas com aluguéis mais
acessíveis e possibilidade de instalação de marcas locais. Este tipo de empreendimento, bem
difundido no Brasil dentre os Shoppings, escolheu uma combinação entre compras, lazer e
alimentação visando atrair a população de São Gonçalo e Itaboraí, e enfrentar a concorrência
com o comércio de Niterói, principalmente os shoppings Plaza e Bay Market, junto às barcas.
Se fosse de pequeno porte, certamente não iria competir por muito tempo com os shoppings
de Niterói, mas como foi construído com grandiosidade, acabou agradando à população.
A disputa pelo consumidor gonçalense que fazia suas compras em Niterói, e em menor
grau em Alcântara, foi travada com o uso de táticas de diferenciação de ofertas de consumo e
através da localização estratégica. Com sua praça de alimentação debruçada sobre a Baía de
171 O shopping Corcovado, inaugurado na década de 1990. Foi construído no terreno de um antigo solar situado
na Rua Carlos Gianelli. A localização privilegiada no início da via, na localidade conhecida como a “entrada do
Boaçu” não contribuiu para o sucesso desse empreendimento. Talvez o seu pequeno porte ou a ausência de uma
loja âncora tenham influenciado no seu fracasso. Mais tarde foi inaugurado o “Rodo shopping”. De porte maior e
com o funcionamento de um cinema nos seus primeiros anos, teve mais sucesso que o anterior. Localizado na
Avenida Nilo Peçanha, uma continuação da principal Avenida do Município e caminho que vai do Centro para
Alcântara, teve mais sucesso que o primeiro shopping.
150
Guanabara, proporciona lazer e uma “bela” paisagem “frente ao mar” como poucos
empreendimentos no Brasil.
O Shopping conta com quase duzentas lojas, sendo quinze de médio e grande porte,
consideradas “lojas âncora”. A área total construída, com cerca de 97.500 m², abriga uma
grande universidade, a Estácio de Sá, oito salas de cinema, um supermercado e uma praça de
alimentação com mais de dez restaurantes. A sua implementação fez surgir uma nova rua,
denominada de Avenida São Gonçalo no bairro Boa Vista no quilômetro 8,5 da rodovia BR
101, trecho Niterói-Manilha. O empreendimento, segundo o site da construtora, foi resultado
de um investimento de R$ 60 milhões da Ecia Irmãos Araújo e representou o primeiro
investimento de grande porte no bairro da Boa Vista.
Após a construção, a empresa BR Malls passou a administrar o São Gonçalo shopping
até junho de 2007. A partir desta data, a empresa Ancar Gestão Integrada de Shopping Centers
começou a administrá-lo em parceria com empreendedores e lojistas.
A empresa BR Mall fazia a gestão do São Gonçalo Shopping Centers com a EGEC,172
firma de contratos para a prestação de serviços, que atuava com a empresa JSR Shopping
Ltda, com o objeto de reduzir “a inadimplência dos lojistas e a redução dos custos das
despesas orçamentárias”. A Ancar, atual gestora do negócio, especializou-se no ramo dos
shoppings desde a década de 1970, segundo a propaganda da empresa:
Na década de 1970, mas precisamente em 1972, “a família Carvalho, há 33
anos no comando do Banco Andrade Arnaud, identifica um grande e
promissor nicho mercadológico no segmento dos shoppings centers e, após
transferir o controle acionário do Banco, cria a Ancar Empreendimentos
Comerciais. Adquirir 50% das ações do Conjunto Nacional Brasília, o
primeiro shopping da região Centro-oeste e o segundo inaugurado no País. A
partir daí, o presidente da Ancar Empreendimentos, Sergio Andrade de
Carvalho, é eleito o primeiro presidente da Abrasce em 1980 e após a
inauguração de vários shoppings pelo Brasil o Sr. Sergio Carvalho torna-se o
172 EGEC, Empresa de Gerenciamento de Empreendimentos Comerciais. Segundo o site da empresa, a
remuneração da EGEC pelos serviços contratados é, em geral, dividida entre uma remuneração fixa e uma taxa
de administração variável baseada em uma porcentagem da receita auferida pelos empreendimentos. Além disso,
eventualmente é estabelecida uma remuneração a título de adicional de produtividade, representando uma
porcentagem sobre o total da receita de acordo com a proporção de metas atingidas estabelecidas.
151
único latino-americano a fazer parte do Conselho de Trustes do ICSC International Council of Shopping Centers até 1997.”173
Desde a década de 1990, a Ancar inaugurou uma parceria com a sociedade civil a
partir do shopping Nova América Outlet Shopping, que no princípio usava o conceito de
outlet, mas depois passou a ser um shopping tradicional. Em 1997, a empresa criou o projeto
social "Plantando o Amanhã" e a Organização Não-Governamental “Cruzada do Menor” para
promover um bom "relacionamento com a comunidade". Sua missão é, segundo a empresa:
‘Ser a primeira opção em gestão de Shopping Centers’ e ‘criar uma
experiência única. Encantadora para os consumidores, rentável para os
lojistas e empreendedores, através de uma equipe feliz e comprometida com
os valores da empresa’ [...] ‘fazendo a diferença - Compromisso com a
melhoria da qualidade de vida e transformação das comunidades ao nosso
redor’.
Não podemos, ainda, perguntar sobre esse “compromisso com a comunidade ao
redor”, pois a Ancar tem pouco tempo de experiência com o bairro da Boa Vista e seu
entorno. Por isso, em nossa pesquisa não encontramos ações efetivas realizadas com o intuito
de atender alguma reivindicação da população local, mas para não sermos levianos
aguardamos “pelo futuro do shopping”.
A
nossa
pesquisa
indicou
algumas
reivindicações
dos
moradores
locais,
principalmente das comunidades em frente ao shopping, que aguardam o desenvolvimento
econômico além da área do empreendimento. Alguns moradores entrevistados comentam que
o shopping não trouxe benefícios diretos além da “facilidade de compra” e também não gerou
empregos para os moradores locais, pois a maioria destes não tem qualificação profissional e
experiência necessária para atender às lojas, restaurantes e demais atividades realizadas no
shopping.
Além do mais, alguns moradores da Boa Vista comentam que o shopping “não
contribui” socialmente para o combate da pobreza da população da região. Apenas cinco
minutos de automóvel separam o shopping das comunidades mais pobres do município como:
173 Fonte: http://www.ancar.com.br/noticias. Ancar Gestão Integrada de Shopping Centers. Av. das Américas,
7.777 - Subsolo - Shopping Rio Design Barra. CEP 22.793-081 - Rio de Janeiro – RJ. Tel./PABX: 3525.7777 /
Fax.: 3525.7797.
152
Itaoca, Jardim Catarina e o manguezal. O bairro também tem uma localidade pobre
denominada de “Morro da Boa Vista”, mas não tão miserável quanto as três citadas.
O empreendimento e os seus gestores ainda não identificaram a necessidade da
geração de alguma atividade que possa contribuir para auxiliar ou gerar dinamismo no
comercio adjacente ao empreendimento. O shopping é contemplado por cerca de quinze
linhas de ônibus, algumas circulares e outras municipais. Algumas linhas foram criadas pela
PMSG, especialmente para conduzir consumidores e funcionários para o local. Os pontos
irregulares do transporte ilegal, (vans piratas na linguagem popular), estão localizados em
frente ao posto da Guarda Municipal e à Cabine da Polícia Militar. Na rua em frente ao
shopping não existem calçadas para pedestres e esta rua, denominada de Avenida Barão de
São Gonçalo, é um trecho com cerca de cem metros, inúmeros buracos e iluminação precária.
Em frente ao shopping, na Rodovia BR 101, trecho Niterói-Manilha, mais
precisamente no quilômetro 8,5 da “pista”, constatamos pontos de prostituição de “jovens” no
início das tardes. A praia das Pedrinhas tem tradição quanto ao lazer e à diversão no
município há muito tempo e até a década de 1980, quando a “pista” foi construída, existia a
“zona do tenente Hélio”, famoso bordel que funcionava na rua de barro que dava acesso à
praia das Pedrinhas.
Atualmente, os botecos e quiosques da orla, agora urbanizada, não são pontos de
prostituição. Apenas atraem moradores de diferentes bairros e de cidades vizinhas para o
lazer. Esse contraste com o shopping, em frente, parece contraditório, pois são dois grupos
bem distintos que ocupam um mesmo espaço, separados apenas pela rodovia. Enquanto o
shopping oferece aos seus usuários “total suporte” com segurança, ar condicionado e
estacionamento, o “outro” lado parece, à primeira vista, um caos. Segundo a propaganda da
administradora:
“A Ancar Gestão oferece aos lojistas total suporte nos empreendimentos que
administra, em busca da redução de custos e aumento nas margens de lucro.
Shoppings seguros e atraentes para o consumidor significam maior tráfego e
volume de vendas e, conseqüentemente, maior retorno de capital para os
investidores [...] A empresa administra a execução de manutenções
preventivas utilizando um software específico, e também se responsabiliza
pelo planejamento, organização e supervisão do controle da área de
estacionamento, além de outros serviços”.174
174 Idem http://www.ancar.com.br
153
No mundo inteiro, o negócio shopping vem se consolidando, pois ao mesmo tempo em
que aglomera grandes empresas num mesmo local e diminui os riscos com insegurança das
ruas, também isola a população pobre do entorno, criando um tipo de “ilha da fantasia” para
poucos. A administração eficiente, nesse caso, é aquela que atende aos anseios dos
comerciantes e empresários, e se compromete com alguns problemas urbanos locais, cria
organizações não-governamentais, tem responsabilidade social, mas não consegue a redução
da crescente miséria ao seu redor. Alguma coisa está errada ou essa é a lógica do velho capital
tal qual nós conhecemos? Creio que agora temos mais um elemento: o marketing social.
Enquanto os gestores afirmam abertamente a preocupação com a estética e o conforto
“interno” e com os acessos às mercadorias e serviços, nós nos preocupamos, também, com
aqueles que apenas se alimentam das novas propagandas e desejos criados pelos
departamentos de marketing e merchandising expostos no lado de fora do empreendimento
em suntuosos outdoors.
“Quebrado um paradigma no mercado, enxergando a importância cada vez
maior da ambientação, a Ancar criou na estrutura dos shoppings o
departamento de Arquitetura e Ambiente, que tem como função estar focado
em tudo ao que é relacionado à percepção do cliente, criando um ambiente
valorizado, onde prevalece o capricho, o cuidado nos detalhes e o bem-estar
do consumidor”.175
A empresa, “socialmente responsável”, utiliza “seus colaboradores como voluntários”
em programas de integração entre as comunidades e os empreendimentos sob sua
responsabilidade. Esperamos que essa filantropia seja estendida ao morro da Boa Vista ou ao
lixão de Itaoca para, segundo a empresa, gerar “o bem-estar e crescimento social nas
comunidades.”
Assim como os custos e os benefícios são monitorados freqüentemente através de
gráficos e índices comparativos, esperamos um dia ver tais estudos auxiliando em escolas e
creches da região. A eficiência na prestação de serviços de administração dos shoppings
poderia ser “socialmente” utilizada para apoiar a gestão, quase sempre precária, de alguma
escola ou associação local. Não falo apenas em São Gonçalo, mas de qualquer município
onde os índices sejam semelhantes aos encontrados nesse município:
175 Idem site da Ancar.
154
“Com relação aos componentes do índice, São Gonçalo apresentou IDH-M
Educação de 0,896, 12º no estado, e pontuou 0,742 no IDH-M Esperança de
Vida, 40º posição dentre os noventa e um municípios analisados. Seu IDHM Renda foi de 0,706, no qual o município ficou em 31º lugar no estado.”
(TCE, 2004, p. 26).
Estes grandes empreendimentos não são criados em municípios que não oferecem
retorno de seus investimentos. A escolha se dá mais pela sua localização do que pelo novo
nicho de negócios. Segundo uma reportagem sobre shoppings, a chamada “indústria dos
Shoppings” no Brasil teve seu início em 1966, mas seu boom de crescimento foi a partir das
décadas de 1980 e 1990, quando o País e, sobretudo, o Rio de Janeiro, passaram por uma
grave crise econômica e de segurança:
“Na década de 70, além do Conjunto Nacional de Brasília, cinco novos
empreendimentos foram iniciados, mas foi a partir da década de 80 que a
indústria de Shopping Centers iniciou seu grande impulso de crescimento,
com o número de Shopping Centers aumentando consideravelmente até o
final da década de 90, quando o ritmo de lançamento de novos
empreendimentos começou a diminuir”. 176
Parece uma contradição, mas é só aparente. Quando São Gonçalo e o Estado do Rio de
Janeiro passam por uma fase de inflexão econômica positiva, como diz Natal (2004) é a hora
exata de investir e abrir um novo empreendimento no caminho entre a metrópole e a bacia de
petróleo de Macaé.
Desde 1966, o número de empreendimentos vem crescendo de forma
acentuada, totalizando, em 31 de dezembro de 2006, atualmente 346
Shopping Centers, segundo a ABRASCE177. São vários os fatores de
crescimento dos Shoppings Centers, como o crescimento urbano, a
necessidade de maior segurança e maior conforto [...] entre outros”.178
Por apresentar características de shopping regional, o São Gonçalo shopping congrega
uma variedade de lojas, serviços e lazer. Ainda que tenha um perfil mais popular que a
maioria, é comum o chamado “passeio pelo shopping”, onde as pessoas caminham pelos
corredores, observam as lojas, e consomem esporadicamente. As lojas chamadas de “âncoras”
criam fluxos, mas não o consumo.
176 Fonte: http://www.pavarini.com.br/brmallsprospecto090707.pdf .
177 ABRASCE: Associação Brasileira dos Shoppings Centers.
178 Idem http://www.pavarini.com.br/brmallsprospecto090707.pdf .
155
De modo geral, os recursos para a implementação dos Shoppings Centers provêm de
capitais próprios dos investidores, reunidos em acordos e também de valores oriundos de
contratos de abertura de crédito com instituições financeiras fomentadoras, como o BNDES e
a Caixa Econômica Federal. Os investimentos no setor são geralmente feitos mediante a
aquisição de cotas-parte. Segundo Natal (2005, p. 60), a economia do Estado teve sua
inflexão positiva, também graças aos financiamentos com recursos públicos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico, como foram os caso do São Gonçalo shopping e
muitos outros empreendimentos, como a retomada da construção naval. Segundo o autor,
graças à ideologia pró-mercado dos governos federais:
“a economia fluminense ingressou nessa fase graças aos investimentos
privados, muitos deles financiados com recursos públicos (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico), diga-se, como foi o caso da privatização
da Ponte Rio-Niterói e de tantas vias entregues para efeito de exploração a
firmas privadas e à mudança de cenário então empreendida graças à
emergência de uma ideologia claramente pró-mercado e anti-Estado, por
suposto”.179
Se esses empreendimentos são realizados em alguns casos com subsídios públicos, por
que não atuar com responsabilidade social? Segundo dados da Ancar, a empresa exerce a
responsabilidade social em outros locais, e não necessariamente nas proximidades de seus
empreendimentos. Com a recente incorporação do São Gonçalo shopping na sua carteira de
clientes, a cidade poderá ser “beneficiada”, nem que seja pelo marketing social:
A Ancar Gestão é uma empresa socialmente responsável, que utiliza não
apenas recursos financeiros, mas também a sua experiência em
administração, com a participação de seus colaboradores como voluntários,
para viabilizar programas que levem à integração das comunidades com os
empreendimentos sob sua responsabilidade. Atualmente, a Ancar
desenvolve, implanta e gerencia projetos que visam o bem-estar e
crescimento social nas comunidades assistidas, como a Cruzada do Menor e
o programa Junior Achievement. A Ancar apóia ainda o projeto Espaço
Compartilharte, que atua desde 1991 em Canoas, área rural de
Teresópolis/RJ. O projeto promove oficinas sócio-educativas e ações
complementares à escola formal, além de acompanhamento médico,
dentário, fitoterápico e psicossocial de crianças, adolescentes e seus
familiares, vivendo em situação de risco pessoal e social.Uma das ações
desenvolvidas no Espaço Compartilharte - o Programa Compartilhando a
Arte de Brincar - conquistou o importante Prêmio Criança 2004 da Fundação
Abrinq, na categoria Convivência Comunitária.180
179179 NATAL, Jorge. (Org). Rede urbana, dinâmica econômica e questão social: o Estado do Rio de Janeiro
pós 95. Rio de Janeiro: Publicati editora. 2005. 284p.
180 Idem site da Ancar.
156
A empresa cita como parte da “responsabilidade social” a criação de novos postos de
trabalho, mas a realidade gonçalense não sofreu grande impacto com esse novo
empreendimento. Abaixo, apresentamos alguns dados sobre o São Gonçalo Shopping para o
exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2006, feito pela consultoria da empresa BR
Malls Participações S.A.
Tabela 17. Dados relativos ao São Gonçalo Shopping. Dezembro 2006.
Unidade
São Gonçalo Shopping
Estado
RJ
Área bruta construída:
ABC (m²)
46,4
Nº lojas (em unidades)
Visitantes/ano/milhões
176
11.400 milhões
Fonte: Pesquisa realizada em abril de 2007 na internet no site: http://www.cvm.gov.br/dados/ofeanal/RJ-200701195/20070216_prospecto%20preliminar.doc.
Segundo o último relatório da consultora, o São Gonçalo Shopping “foi inaugurado no
dia 25 de março de 2004, como o quarto maior Shopping Center do Estado do Rio de
Janeiro”, com dois estacionamentos, um na entrada da frente e o maior nos andares
superiores, somando 2.500 vagas. Conta com 176 lojas, sendo 169 lojas Satélites e 7 âncoras,
dentre elas o Hipermercado Extra, a Leader Magazine, a Marisa, as Lojas Americanas, C&A,
Casa & Vídeo, Casas Bahia e o Ponto Frio. O relatório não cita os mais de 1.500 usuários da
Universidade Estácio de Sá e o documento fala apenas da freqüência total, que é de
aproximadamente 11,4 milhões consumidores ao ano.181
Bem diferente dos dados apresentados na mídia que, segundo o jornal O Dia chega a
atrair 120 mil pessoas por fim de semana e 1 milhão por mês”, com uma estimativa de venda
para o Natal de 2004 de R$ 50 milhões e geração de três mil empregos diretos no
empreendimento.182
A participação do pessoal empregado em São Gonçalo não sofreu grandes alterações
de 2003 para o ano seguinte com a inauguração do shopping. Segundo dados do IBGE temos:
181 Prospecto preliminar de oferta pública de distribuição primária de ações ordinárias de emissão da: BR Malls
Participações S.A. Companhia Aberta de Capital Autorizado. Praia de Botafogo 501, salão 701 (parte), Bloco II,
CEP. 22.250-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CNPJ n.º 06.977.745/0001-91 – NIRE 35300316614 – CVM
n.º 19.909 – ISIN. Publicado na página: http://www.cvm.gov.br/dados/ofeanal/RJ-200701195/20070216_PROSPECTO%20PRELIMINAR.DOC.
182 Jornal O Dia, domingo, 17 de outubro de 2004. RJ, página 3.
157
Tabela 18. Pessoal Ocupado por Ramo de Atividade no Município de São Gonçalo. 2003.
Atividade
Alojamento e Alimentação
Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas
Comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos
Construção
Indústrias extrativas
Indústrias
de transformação
Produção e distribuição de eletricidade, gás e água
Pessoal ocupado
3.579
7.657
29.318
5.202
144
14.062
73
Saúde e Serviços sociais
3.672
Educação
6.773
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais
3.066
Transporte, armazenagem
e comunicações
8.204
Intermediação
Financeira
4.726
Administração pública, defesa e seguridade social
13.109
TOTAL
99.585
Fonte: Cadastro Central de Empresas. IBGE, Rio de Janeiro, 2003.
A administração do shopping não forneceu os dados precisos, mas calculamos
que lá trabalham diretamente cerca de 2.500 pessoas, com um rendimento nominal mensal
médio, em 2003, de um a dois salários mínimos. Uma grande universidade transferiu o
campus do Rodo, onde tinha cerca de 565 alunos, para o shopping e hoje conta com mais de
1.200 alunos. Segundo uma revista sobre shoppings centers: “o pioneirismo dessa iniciativa
de localização de campus universitário em shopping vem do Rio de Janeiro em função das
questões de segurança, já que estudar em um ambiente afastado dos problemas urbanos é
tranqüilizante até para os pais.”183
Para o empresário do setor de shoppings “ter uma universidade no shopping significa
atrair um público consumidor que pode chegar à casa dos 5 mil alunos/dia. Além disso,
fortalece consideravelmente o mix de lojas”. A universidade atrai outras atividades como
papelarias e copiadoras, além de aumentar o consumo nas praças de alimentação. “É um
público bonito, que agrega valor ao shopping. Eles são tratados com muito conforto,
segurança e se tornam pessoas de casa”184, avaliou o diretor Evandro Ferrer, da empresa
183 Revista Shopping Centers - Junho/2005. artigo: “Uma aula de empreendimento: Universidades em
shoppings agregam valor ao imóvel, beneficiam lojistas e trazem segurança e conforto para os alunos”.
184 Idem, Revista Shopping Centers - Junho/2005.
158
Ancar. Na época da publicação dessa revista a Ancar administrava o Nova América, e
conforme dito anteriormente, assumiu desde junho de 2007 a gestão do São Gonçalo
shopping.185
Para efeitos de comparação, no shopping Nova América os alunos compõem 15% do
público do shopping, mas em São Gonçalo 95% dos alunos da Universidade moram no
município, consumindo não apenas enquanto estudantes, mas como moradores da região,
conforme avaliou Marcos Evangelho, superintendente do shopping até junho de 2007: “a
demanda daqui é muito grande. Há falta de universidade na região de São Gonçalo, Itaboraí e
Rio Bonito. Você abre um nicho para aqueles que procuram resolver seus compromissos perto
de casa”.
185 Idem, ibidem.
159
2.5. A percepção das mudanças e a retomada da indústria naval
A expectativa não foi somente em torno das possibilidades de desenvolvimento a
partir do São Gonçalo shopping. A retomada da industria naval também significou a
esperança de novos empregos para a orla gonçalense, mas não aconteceu, de fato, a atração de
novos investimentos nesse setor. As tentativas de desenvolvimento da construção naval em
São Gonçalo não foram tratadas com a devida atenção por parte do poder local, e portanto não
atraíram investimentos do grande capital, que preferiu revitalizar os estaleiros de médio e
grande porte que já existiam em Niterói.
No trecho Niterói - Manilha da BR-101, os dois principais bairros com “tradição” em
reparos e construção naval foram o Gradim e o bairro Madama. No primeiro, ainda é possível
encontrar esqueletos de oficinas e o aspecto de declínio, mas no segundo bairro a degradação
é ainda maior. Lá encontramos uma maior quantidade de grandes oficinas de reparos em
ruínas e industrias de conservas também fechadas, também encontradas no Gradim. O
Estaleiro Cruzeiro do Sul, convertido na “Arena Radical” dos jovens era usado para corridas
ilegais de automóveis e continua à espera de revitalização. O uso clandestino foi interrompido
pela Polícia Militar em agosto de 2006, e até o presente momento continua abandonado.
Nas eleições de 2004, a atual administração “prometeu” o apoio aos estaleiros de São
Gonçalo. A atual prefeita ainda mantém, no Gradim e na Madama, além de outros bairros,
redutos eleitorais expressivos, mas após as eleições de 2004, apenas a mídia local comenta a
construção naval na cidade como uma questão estratégica para o município.
A posição estratégica às margens da Baía de Guanabara não é suficiente para a atração
de novos empreendimentos no setor naval. Além de não haver necessidade de expansão desse
setor, pois é nítido o esgotamento da demanda em Niterói, o calado186 na região não é
satisfatório. Tal problema, no entanto, não impede que se façam obras para aumentar o calado
e incentivar o reparo e construção de embarcações de pequeno porte. 187
186 Profundidade necessária para o serviço de ancoragem e atracamento de embarcações.
187 Agradecimentos ao pessoal do AMRJ: Arsenal de marinha do Rio de Janeiro. Em especial ao engenheiro
naval Jorge Luis da Silva que nos forneceu clippings com o atual estado das artes no setor naval fluminense.
160
A revitalização do antigo Estaleiro Cassinu188 é um bom exemplo dessa possibilidade.
Mesmo sem incentivos fiscais e sem apoio, essa empresa conseguiu aumentar a sua fatia de
participação no setor naval e contribuir para a arrecadação municipal. Produtor de
componentes para as embarcações, o estaleiro também faz reparos em apoio à indústria naval
da cidade vizinha.
A expansão da construção naval em Niterói não contribuiu para a redução do número
de greves e manifestações de trabalhadores navais, comuns a partir de 2005. Provavelmente,
se houver novamente o declínio da indústria naval em Niterói, como ocorreu na década de
1980, o estaleiro gonçalense sentirá mais fortemente os efeitos da crise. A construção naval
em Niterói tem seu “prazo de validade” estabelecido pela capacidade de exploração e
comercialização de matérias-primas extraídas na Bacia de Campos. Quando diminuir a
produção, certamente reduzirá também a necessidade de transporte dos seus produtos,
sobretudo, gás e petróleo. Com a descoberta de uma nova área de extração na bacia de Santos,
São Paulo, denominada de Tupi, pode acontecer um impacto na construção naval por mais
cinqüenta anos.
Além do mais, os bairros gonçalenses estão mais próximos que Niterói da APA de
Guapimirim. Vazamentos em estaleiros da orla de São Gonçalo seriam mais danosos que em
Niterói, onde as praias são utilizadas com freqüência por moradores e turistas. Já constatamos
em estudos da UFRJ sobre a poluição na Baía, que resíduos dos estaleiros de Niterói são
transportados para a orla de São Gonçalo e estão se encaminhando para o fundo da Baía de
Guanabara, em direção a APA de Guapimirim189.
188 Estaleiro Cassinu Chipyard. Cruzeiro do Sul, 662. São Gonçalo - CEP: 24430-620. Tel. (21) 2607-1601. Rio
de Janeiro/RJ
189 Segundo dados do Anuário do Instituto de Geociências, UFRJ, as partes mais próximas a São Gonçalo
apresentam qualidade das águas bastante crítica. As bacias hidrográficas correspondentes a esta zona se
encontram bastante antropizadas, gerando uma quantidade moderada de material em suspensão. O estudo
apresenta um mapa de Fatores Poluidores construído com dados referentes à quantidade e ao posicionamento das
indústrias, e os percentuais de domicílios sem acesso à rede de água, de esgoto e sem coleta de lixo direto, cujos
dados foram retirados do Censo Demográfico de 1991. A partir da distribuição pontual das indústrias estima sua
densidade, através da definição do número de ocorrências em um raio de interesse. Na folha E (Niterói) observase um grande vazio de indústrias, se comparado com o verificado na primeira, exceto pelas áreas próximas a
Niterói e São Gonçalo. Esta distribuição coincide, em grande parte, com a distribuição da população. A maior
parte das indústrias localiza-se ao longo das rodovias BR-101 e RJ-104. Na porção nordeste a ocorrência de
indústrias é a menor, principalmente por causa da APA de Guapimirim. Fonte: Anuário do Instituto de
Geociências, UFRJ, Pág. 136 Volume 26. 2003.
161
A tradição ao apoio desse setor naval em São Gonçalo se dá mais por ser residência
dos metalúrgicos e operários navais dos estaleiros de Niterói do que pela história naval local.
A revitalização do Estaleiro Cassinu aconteceu graças aos novos contratos para a
modernização de embarcações. A empresa CBO, Companhia Brasileira de Offshore190 está
revitalizando o Estaleiro Cassinu para servir de apoio na construção e reparos navais. Na
época da pesquisa de campo, a obra realizada no estaleiro iria gerar em média 200 empregos,
afirmava um consultor da Sobena.191
Em um desses contratos o estaleiro recebeu a quantia de R$ 13 milhões para
modernização de três embarcações da Companhia Brasileira de Offshore. O contrato foi
assinado em 2004 na sede da Secretaria Estadual de Energia, da Indústria Naval e do Petróleo
com a presença do então Secretário Wagner Victer, do presidente da CBO, Luiz Maurício
Portela e do diretor-presidente do Estaleiro Cassinu, Antônio de Santana.
Este programa de revitalização do setor naval gonçalense, apoiado pelo governo
estadual192, serviu para demonstrar a possibilidade de revitalização do setor. O Estaleiro
Cassinu hoje conta com uma área maior e com possibilidade de expansão e depende da
demanda em novos reparos ou construções. Segundo o presidente do estaleiro, Sr. Antônio de
Santana, foram construídos os rebocadores CBO Carmem, CBO Célia e CBO Clarisse,
embarcações do tipo TS 3000 e SV 300, com 43 metros de comprimento cada um.
O estaleiro elaborou projetos de modernização em geral nas embarcações, visando a
substituição da propulsão e instalação de um novo propulsor lateral para cada embarcação.
Esses três rebocadores foram construídos para operar na logística entre plataformas da Bacia
de Campos, no transporte de material e equipamentos, e terão sua capacidade instalada
ampliada.
Quando este estaleiro, em São Gonçalo, entrou num processo de revitalização, a partir
dessas três embarcações, acreditava-se que as chances de revitalização do setor seriam
190 Companhia Brasileira de Offshore - CBO, responsável pelo encomenda do CBO Guanabara, tem como
principal acionista o grupo Fischer, presidido por Norberto Farina.
191 SOBENA. Sociedade Brasileira de Engenharia Naval.
http://www.sobena.org.br/noticias/noticias_jun2004_revitalizacao.asp
192 Fonte: http://www.netbabillons.com.br/navegacao/nv-index.htm?
162
aumentadas para atender à demanda das atividades de apoio offshore normalmente realizadas
pelos estaleiros de Niterói.
Mas, ao longo da pesquisa notamos que os mesmo problemas detectados na orla de
Niterói e na Baía de Guanabara começaram a aparecer próximos ao recém inaugurado
estaleiro:
“Técnicos da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
(FEEMA) e da Prefeitura de São Gonçalo vistoriaram ontem a área da Baia
de Guanabara, na altura do estaleiro Cassinu onde houve um vazamento de
óleo no último domingo. Foi constatado que cerca de 2 mil litros do produto
vazaram e uma pequena quantidade foi para o fundo. De acordo com a
Prefeitura, as multas podem chegar a R$11 milhões.”193
Ao mesmo tempo em que o tão desejado “progresso” parecia retornar ao velho distrito
industrial, aparecem os fantasmas da poluição e degradação da Baia de Guanabara. Mas, a
CBO e o estaleiro Cassinu ampliaram seu contrato, segundo matérias publicas no Jornal O
Globo:
“A Companhia Brasileira de Offshore – CBO, está investindo US$ 75
milhões na construção e modernização de seis embarcações. A obra será
feita no estaleiro Wilson Sons, em Santos, e no estaleiro Cassinu, em São
Gonçalo. Deste total, US$ 30 milhões serão recursos próprios. Segundo o
presidente da CBO, Luiz Maurício Portela, o projeto vai gerar cerca de 4 mil
empregos diretos e indiretos. A obra vai permitir a revitalização do estaleiro
Cassinu, que vai receber um investimento de US$ 23 milhões. Segundo o
Secretário Estadual do Rio de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner
Victer, o contrato com o Cassinu será assinado na próxima semana. - Esse,
provavelmente, será o 18º estaleiro reaberto no estado desde 1999 - afirmou
Victer, lembrando que, até então, o Cassinu vinha se dedicando a pequenos
reparos.”194
Na mesma época, o COB passou a utilizar também o Estaleiro Ebin, em Niterói. O
Ebin construiu uma embarcação do tipo Plataform Suply Vessel - PSV195 para ser utilizada no
transporte de cargas e mantimentos para as plataformas de petróleo da bacia de Campos.
193 Fonte: O Fluminense, Caderno cidades. “Feema vistoria vazamento”. Acesso em 19/07/2004.
194 RANGEL, Juliana Jornal. O Globo. Edição Online Matérias: “CBO encomenda novas embarcações a
Wilson Sons e Cassinu e CBO investe US$ 75 milhões na construção de novas embarcações. Rio de Janeiro, 20
de Maio de 2004.
195 Este navio, de médio porte, tem 3.250 toneladas e 76,70 metros de comprimento. Esta embarcação teve sua
construção executada em poucos meses. Popularmente considerado como navio rebocador.
163
O caso mais recente em São Gonçalo refere-se à reabertura do Estaleiro Eisa,
revitalizando as estruturas da Gradim Equipamentos. Dessa vez, a PMSG participa na
assinatura do protocolo de intenções e poderá permitir a abertura inicial e de postos de
trabalho, que segundo a imprensa local somam “quinhentos num primeiro momento, podendo
chegar a mil numa segunda fase”. 196
A antiga área da Gradim Equipamentos é de aproximadamente de 46 mil metros
quadrados e o local, no bairro do Gradim, ainda desativado, aguarda novos investimentos para
a reforma. A previsão é de que seja inaugurado no fim deste ano para a construção de
“estruturas metálicas para atender ao segmento naval e indústrias em geral, além do
COMPERJ.”197
Esperamos que a Petrobras passe a priorizar, também, o reparo de suas frotas em
estaleiros de São Gonçalo. Mas, com o compromisso ambiental e responsabilidade social para
impedir novos casos de vazamento e poluição da Guanabara. Acreditamos que o
desenvolvimento econômico, experimentado no passado, seja acompanhado de políticas
sociais na defesa do patrimônio e das identidades locais. Na medida em que os estaleiros
gonçalenses recebem novas encomendas, os riscos para as colônias de pescadores do Gradim
e da Boa Vista, também podem aumentar.
Neste capítulo, analisamos algumas mudanças recentes no Município de São Gonçalo.
Procuramos caracterizar essas mudanças através do estudo das possíveis causas e fatores da
desindustrialização. Num segundo momento, procuramos conhecer como a população
entrevistada está percebendo as mudanças. Usamos como agente motivador dos
questionamentos, os períodos anteriores e posteriores aos empreendimentos: São Gonçalo
shopping, os grandes supermercados e a industria naval local.
A questão central levantada aqui foi saber se a revitalização econômica está
contribuindo para superar o declínio econômico causado pela desindustrialização. A
revitalização econômica foi estudada a partir do estudo das chamadas “friches urbanas”.
Diferentemente das pesquisas anteriores, usamos novos conceitos para esse trabalho como o
196 Jornal O Fluminense. Caderno economia. “Assinado acordo para reativar Estaleiro Eisa”. Acesso em
31/08/2007.
197 Idem, O Fluminense. 31/08/2007.
164
de “vazio social”. Adaptamos esse conceito para tentar explicar a relação entre as friches ruínas e vazios industriais - com os locais sem investimentos e em decadência, aos quais
denominamos vazios sociais.
Apresentamos o atual “estado das artes” do crescimento dos empregos nos serviços,
citando os casos do São Gonçalo shopping e a “retomada” da indústria naval gonçalense.
Dentre as questões mais relevantes, destacamos o estudo dos novos empreendimentos a partir
da investigação das empresas gestoras e multinacionais envolvidas no território municipal.
O momento atual do município tem sido marcado pela expectativa, com ênfase nas
promessas da atração de novos postos de trabalho no COMPERJ, na ampliação do shopping,
na estação hidroviária e na ocupação da orla gonçalense com novos empreendimentos.
Os empreendimentos estudados aqui, em sua maioria produtos da iniciativa privada,
demonstram de certa forma o abandono do planejamento urbano local em detrimento do
planejamento pontual do capital. Este tipo de “planejamento” age sobre o devir das
comunidades mais desprovidas de poder de participação e pressão.
Praticamente nenhuma política urbana foi elaborada pela administração local para
prever possíveis divergências entre os novos empreendimentos e as comunidades próximas.
Os empreendimentos, por sua vez, até o final da redação desse texto, não haviam criado
políticas sociais voltadas para algum aspecto relevante nos bairros pobres onde atuam.
No período estudado, entre 2005 e 2007, a política urbana continuou marcada pelas
mesmas características das administrações anteriores. Um misto de indiferença198 e factóides
que alimentam a disputa na mídia escrita local.199
A administração Panisset, que começou com o PFL e migrou recentemente para o
PDT, após ser recusada pelo PT, pouco se diferencia das anteriores. Essa administração
recebeu apoio do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, mas não trouxe modernização e
transparência à gestão atual.
198 A velha máxima da política clientelista local: “deixa como está pra ver como é que fica”.
199 Como tentamos demonstrar nos textos anteriores, sucessivas administrações do município vem usado os
periódicos locais para defender ou atacar a política de desenvolvimento da cidade.
165
Encontramos a mesma centralização de decisões presente no governo Charles, mas com
uma pequena diferença: a adoção de políticas supostamente participativas e sem as devidas
discussões. Não observamos a instauração de novos conselhos municipais ou mais
independência e deliberação para os atuais, a elaboração de propostas progressivas para
ampliar a participação da sociedade civil não aconteceu e não notamos a mobilização popular.
Em paralelo, detectamos a ausência de políticas urbanas efetivas e o início de um
processo de enfraquecimento do poder local em detrimento do aumento do poder do capital
econômico em certas decisões importantes para o município. A construção do viaduto na Boa
Vista para facilitar o acesso ao shopping, além da colocação de uma “entrada simbólica” da
cidade, são dois exemplos desse poder.
Os moradores do bairro da Boa Vista, mesmo após a construção do shopping, ainda
sofrem com a falta de água e de saneamento básico. Enfrentam essa deficiência de serviços
urbanos básicos com a crença que novos empreendimentos possam gerar mais empregos e
trazer revitalização para a região. A percepção das mudanças contribuiu para abrandar esta
situação.
Alguns moradores entrevistados têm nítida idéia de que a administração local é incapaz
de gerar sozinha os processos necessários para o desenvolvimento da região. Alguns
moradores parecem acreditar que a atuação dos capitais privados na cidade contribui para
combater a pobreza. Mas, alguns moradores parecem desconhecer que parcela dos capitalistas
da região promovem loteamentos clandestinos, ocupação e uso do solo urbano irregular que
contribuiu para o declínio econômico da cidade.
Quando os moradores da barreira foram surpreendidos com a construção do shopping,
antiga frase de Marx ressonou aqui, como atual: “uma massa de proletários livres foi lançada
no mercado de trabalho pela dissolução dos séqüitos feudais”. Mas, diferente da época feudal,
quando essa massa se transformou no operariado urbano, os jovens da Boa Vista não tiveram
a mesma “sorte”. O grande senhor feudal de Marx cria o proletário mediante expulsão
violenta de sua base fundiária. Aqui, o grande senhor “usurpa” a terra e cumpre uma “função
social”.
166
Observamos que existe uma contradição nas respostas dos moradores relacionada aos
empreendimentos, tanto em Neves quanto na região da Boa Vista. Alguns moradores não
fazem a distinção entre investimentos de capital local e do capital internacional. Não
percebem que o shopping trouxe investimento, cultura e lazer, mas também ocupou uma
enorme área da orla da Guanabara, atraindo a especulação imobiliária ilegal que está
produzindo loteamentos clandestinos.
No início de 2007, encontramos uma faixa anunciado lotes à venda no resto de
manguezal entre a chamada “torre da Rádio Manchete” e o São Gonçalo shopping. Os
moradores também não percebem que o lucro desse empreendimento é muito maior que os
benefícios que traz para a comunidade. Além do mais, como expusemos anteriormente, não
desenvolve, ainda, atividades ditas de “responsabilidade social” com a população mais pobre
do município.
O capital, na tradição marxista, promove e consolida a exclusão social. Promove
também as estruturas que encobrem a segregação sócio-espacial e os problemas urbanos mais
comuns. Quando comparamos o São Gonçalo shopping a uma “ilha de fantasias”, olhávamos
o entorno, já que o empreendimento é cercado por morros, bairros sem infra-estrutura e áreas
pobres com deficiência de planejamento e urbanismo e os loteamentos não possuem alguns
serviços urbanos mais básicos.200
Enquanto isso, no shopping, como dissemos, a empresa gestora inovou montando um
departamento de “arquitetura e ambiente” para embelezar o “mix de lojas” e “influenciar a
percepção do cliente”.201 O problema externo não é visível, porque os acessos ao
estacionamento do shopping foram plenamente urbanizados e o próprio shopping fica no alto,
destacando-o na paisagem e também das construções do asfalto.
200 É comum encontrarmos, nos dias de chuva, vários sacos plásticos nas principais vias da Boa Vista e do
Gradim. Quando perguntamos a procedência desse “lixo”, alguns moradores responderam que são usados para
proteger os pés da lama no percurso da casa até o ponto de ônibus. Motivo de vergonha para os jovens
entrevistados. Principalmente para aqueles que vão para o shopping. A Avenida Joaquim de Oliveira, por
exemplo, fica facilmente alagada nos dias de chuva, no trecho próximo ao shopping até a localidade do Coroado,
na Brasilândia.
201 Segundo o site da Ancar. A empresa inovou: “quebrado um paradigma no mercado, enxergando a
importância cada vez maior da ambientação, a Ancar criou na estrutura dos shoppings o departamento de
Arquitetura e Ambiente, que tem como função estar focado em tudo ao que é relacionado à percepção do cliente,
criando um ambiente valorizado, onde prevalece o capricho, o cuidado nos detalhes e o bem-estar do
consumidor”.
167
A relação entre as comunidades da orla da Guanabara e a administração municipal não
é tão participativa e transparente como comentada no PDD, o Plano Diretor. Muito comum
perguntarmos a população local o que é um plano diretor, e a maioria desconhece esse
instrumento legal e a sua relevância social. O fato da existência de legislações bem elaboradas
e complexas não representa a aplicação desses instrumentos, como exemplo, podemos citar a
“desordem” dos loteamentos, invasões e a crescente favelização às margens da rodovia BR101.
Uma primeira constatação nos locais denominados de “vazios sociais” refere-se à
atuação diferenciada do poder público quando há interesses privados em jogo. O exemplo
mais evidente é o grande número de críticas feitas pela população à falta de água, que
segundo alguns moradores do Gradim, Porto da Pedra e da Boa Vista, aumentou em alguns
pontos depois da construção do shopping, onde não há o mesmo problema.
A falta de água e de alguns serviços públicos essenciais, em muitos casos, não está
desligada de uma prática comum nas cidades brasileiras, que privilegiam o capital privado
em detrimento da população. Não só a chuva provoca transtornos na região, mas a falta de
calçamento provoca uma poeira de pó de barro nos dias de sol forte, freqüentemente
citada nos depoimentos coletados.
Em meio a este quadro, questionamos: qual é o peso do capital privado na orientação e
na elaboração da política urbana local? Além do mais, essa interrogação sugere duas outras: o
plano diretor é um instrumento pro forma, por formalidade? Seus atos legais são apenas ad
solenitatem, ou seja, para solenidades ou se ajustam às reivindicações da população?
Com isto, podemos afirmar que o plano em si é um instrumento importante, mas que
vem perdendo algumas funções na medida em que permanece distante das comunidades. O
fato não é a maior prioridade para determinado seguimento da sociedade, mas a constatação
de pesos diferentes em decisões da gestão dos seus espaços comuns.
Observam-se, sem dúvida, importantes avanços econômicos no eixo Niterói –
Manilha, mas não constatamos o mesmo avanço na solução de questões sociais antigas. As
168
organizações não-governamentais que atuam na região202 não são suficientes para combater o
nível de pobreza que existe nessa área. Além do mais, não têm peso político no processo de
gestão local.
Sem o conhecimento mais amplo da realidade e poder político, as associações de
moradores e as comunidades de pescadores se sentem preteridas nas decisões políticas mais
importes. A diminuição da pesca na orla gonçalense teve vários motivos, mas é inegável que a
poluição e o assoreamento são, em último caso, os fatores preponderantes. Da década de 1950
até hoje, todos os quatorze portos, que existiam entre Neves e o porto do Rosa,
desapareceram. Os últimos pontos de atracação são as pequenas “marinas” improvisadas por
estaleiros e clubes como o Cruzeiro do Sul, e principalmente pelas colônias de pescadores.
A título ilustrativo, devemos destacar a importância desses portos na história e na
economia da região. Conforme afirma Braga (1998), São Gonçalo já possuía em 1860 mais de
30 engenhos e olaria para telhas e tijolos. Estes produtos eram embarcados nos “portos da
Ponte, Gradim, Boaçu, Porto Novo, Porto Velho, Ponta de São Gonçalo, Guaxindiba e da
Vala em Neves”.203
A importância histórica não foi suficiente para evitar e completa extinção desses
portos. Ligados à “evolução” industrial da cidade, foram “explorados” até o seu assoreamento
completo. A ligação destes portos com o comércio e as principais indústrias da orla Oriental
da Baía de Guanabara era forte e em função do assoreamento, apenas alguns deles
permanecem na ativa. Comunidades próximas herdaram seus nomes, e hoje são bairros do
município. Desde a época em que era chamada de “sertão de Niterói, esses bairros da orla
gonçalense foram tachados de “muito insalubres” para habitação.204
202 Associação Guardiões do Mar e associações de pescadores por exemplo.
203 BRAGA, Maria Nelma Carvalho. O município de São Gonçalo e sua história. 2a. ed. Falcão, São Gonçalo,
1998.
204 "A região por onde se estendeu o casario da cidade é aquela situada mais próxima ao mar, (Baía de
Guanabara) onde se localizavam os portos de ancoradouro, que, pela ordem, a partir da localidade de Neves,
assim se apresentavam: Porto do Lyra, Porto da Madama, Porto Velho, Porto Novo, Porto da Pedra, Porto da
Ponte e Porto do Rosa; mas como esta zona não era muito salubre, as casas e prédios administrativos situavam-se
na parte mais elevada, ao sopé dos morros por onde passava a Estrada de Ferro Leopoldina Railway e a Estrada
de Ferro Maricá, que,vindo do interior, convergiam na Vila de Neves onde se situavam os armazéns para
baldeação e os agentes dos produtores do interior." MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Desestruturação e
Reestruturação do Município de São Gonçalo 1913-1918. O processo de Urbanização do Sertão de Niterói.
Mimeo. 24p. Niterói: UFF. 1973.
169
Atualmente, todos os bairros têm áreas edificadas e tornaram-se zonas de usos mistos,
com serviços, industrias e comércios convivendo em meio à poluição e locais de embarque e
desembarque de pescadores.
Não há racionalidade administrativa na escolha de prioridades do município. Hoje, os
recursos técnicos da Prefeitura estão incumbidos de atrair novos empreendimentos em torno
do COMPERJ, como o caso do Estaleiro Eisa que poderá construir peças para a nova refinaria
e para a companhia de petróleo da Venezuela. Essa racionalidade parece desconsiderar o
passado industrial que gerou a poluição da Baía de Guanabara e que contribuiu para o
“inchaço” da cidade.
Com isso, o mesmo discurso do século XX retorna ao cenário das zonas periféricas e
dos antigos distritos industriais gonçalense. Este discurso disseminava a crença que os
objetivos sociais são alcançados na medida em que se prioriza o capital privado, esperando
que ele possa entrar, se instalar e gerar novos postos de trabalho no município. Como diria
Robert Castel: “é o caso de mostrar que, em primeiro lugar, as populações que povoam essas
“zonas” ocupam, por isso mesmo, uma posição homóloga na estrutura social. Em segundo
lugar, que os processos que produzem essas situações são igualmente comparáveis, isto é,
homólogas em sua dinâmica e diferentes em suas manifestações.205
Para que o século XXI não presencie a repetição de alguns erros do século XX, tornase necessário o abandono desse tipo de planejamento urbano que se mostrou incapaz de
combater a produção e reprodução da pobreza no município e não trouxe resultados desde a
sua primeira “edição” em 1989, isto é, há dezoito anos, tempo demais para comprovar a sua
ineficácia em alguns pontos.
Não utilizamos a nomenclatura de “planejamento estratégico” para designar as
estratégias de gestão da PMSG, porque consideramos que este não é o caso, ainda que em
alguns momentos a orientação do plano é a atração de capitais vulgarmente chamados de
flexíveis, como alguns capitais da construção naval e do setor de comércio e serviços206. São
Gonçalo, nesse sentido, está ligado diretamente ao circuito internacional de grandes capitais
205 CASTEL, Robert, As metamorfoses da questão social. Página 27. Ed. Vozes, RJ, 1997.
206 Como por exemplo, os capitais que estão “por trás” dos estaleiros Eisa e Cassinu. Assim com os capitais que
controlam ações do São Gonçalo shopping: grupo Ivanhoe Cambridge. Caisse de dépôt et placement du Québec
através da Ancar. Nos grandes supermercados, Wall Mart e Carrefour. Além dos já citados Seves, Quaker Oats,
PepsiCo, LaFarge, Akzo Nobel e B-braun em outros empreendimentos.
170
financeiros, que não têm a intenção de enfraquecer o planejamento local, mas são combativos
quando seus interesses são interrompidos por ações ou políticas que restringem seus “fluxos”.
Na medida em que administrações municipais, populistas ou progressistas, interfiram
nos interesses de grandes capitais, podem surgem problemas como o esvaziamento ou o
declínio de atividades econômicas. Quando as cidades como São Gonçalo participam da
“economia globalizada” e flexível tornam-se mais frágeis, o controle passa a ser disputado
pelo “mercado”.
Essa disputa nos faz crer que a administração local tende a privilegiar planejamento
pontual em detrimento do planejamento contínuo, que inclua também ações estratégicas de
combate à concentração de pobreza nas localidades como Itaoca, Zumbi, Gebara, Palmeiras
etc, onde o capital não demonstra interesse, apenas descaso.
Mesmo em municípios com prefeitos “progressistas” como Itaboraí e Niterói, notamos
o comprometimento com capitais especulativos. A Petrobrás trouxe muitos investimentos para
Niterói e certamente aplicará milhões no COMPERJ em Itaboraí, mas a empresa faz parcerias
com Halliburton, Kellog Brown & Root (KBR) e Maric SCCS,207 grupos que representam
nitidamente a economia flexível. Além disso, a relação entre investimentos estrangeiros e
postos de trabalho é nitidamente desigual.
Esses grupos, para obter um maior lucro, estabelecem de prioridades muitas vezes
contrárias aos interesses dos municípios onde atuam. Os dados coletados pela UFRJ, citados
nesse capítulo sobre o aumento da poluição na Guanabara, são argumentos fortes. O aumento
da poluição e o desemprego foram algumas das conseqüências negativas deixadas pelo último
surto de desenvolvimento da indústria naval na década de 1970.
A escolha entre formas mais democráticas de gestão urbana que valorizam as
comunidades ou formas que priorizam a economia “flexível” e extemporânea, deve ser
expressa em documentos mais eficientes que os atuais Planos Diretores ou demais Leis
municipais.
207 Para mais detalhes, consulte a discussão sobre a indústria naval em Niterói no primeiro capítulo.
171
CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS PLANOS DIRETORES E A PERCEPÇÃO DAS
TRANSFORMAÇÕES URBANAS
“Do mesmo modo que os outros trabalhadores, por exemplo, o tecelão, ou o
construtor de navios, devem ter à mão a matéria que convém à sua obra, e a
obra é tanto mais bela quanto mais bem preparada for a matéria, também é
preciso que um fundador de Estado e um legislador tenham já pronta e
convenientemente elaborada a matéria que lhes é própria [...] Se uma cidade
tiver poucos habitantes, pecará por penúria; se os tiver em excesso, poderá
subsistir como nação, se contar com as coisas necessárias, mas já não será
uma cidade. Com efeito, não se poderá estabelecer nela uma boa ordem”.
(ARISTÓTELES, 1978).
172
3.1. Delimitando as atuais legislações sobre o espaço urbano municipal
Se o filósofo Aristóteles pudesse visitar, mesmo que hipoteticamente o município de
São Gonçalo, certamente ficaria chocado e pronunciaria o texto acima. Perplexo, observaria que
uma pequena vila de pescadores e fazendeiros “foi” transformada em município do porte de uma
cidade-nação. Diria ele, quando o “legislador” não encontra mais “a matéria que lhe é própria”
que é impossível estabelecer a ordem. O atual “estado das artes” e das legislações que tratam do
espaço urbano municipal podem ser testemunhas silenciosas desta sombria hipótese.
Iniciamos esta parte analisando alguns “documentos” legais elaborados pela PMSG –
os dois Planos Diretores produzidos após a Constituição Federal de 1988. Começamos com o
Plano de 1989, publicado em 1991, e depois analisaremos o estudo atual do PDD de 2006,
publicado em 2007 no site oficial da Prefeitura Municipal de São Gonçalo.208
Os dois Planos Diretores de São Gonçalo são popularmente classificados como
“planos de governos”. O primeiro tem as “marcas” dos sujeitos políticos locais representantes da
aliança PT-PDT e o segundo, de espectro mais amplo, representa a aliança política entre o antigo
PFL e os pequenos partidos de centro-direita.
Em comum, os dois Planos Diretores foram elaborados por escritórios externos
técnicos e contaram com o suporte da administração pública municipal. Essa prática pode
demonstrar a centralização na escolha das principais diretrizes e uma espécie de descrédito nos
recursos humanos da própria administração local. Muitos dos cerca de cinco mil funcionários,
diretos e indiretos na época, poderiam ter sido melhor aproveitados nesse trabalho. Segundo
208 Pesquisa realizada em abril de 2007 na internet no site oficial da PMSG, http://www.saogoncalo.rj.gov.br.
173
alguns entrevistados, foi uma “prática que gera gastos públicos e que não atinge os objetivos para
os quais foi concebida”. Como em outros tantos municípios brasileiros, o Plano diretor de São
Gonçalo foi “terceirizado”. Se, por um lado, compreende-se que a contratação de escritórios
externos especializados no assunto, pudessem agilizar sua produção, por outro os Planos muitas
vezes se afastaram da realidade local, tornando-se difíceis de implementar.
A contratação do escritório Mayerhofer & Toledo, externo a administração local,
resultou em um plano diretor com um enfoque tradicional. A firma especializada que realizou o
primeiro PDD em 1991 desconsiderou a consulta popular. Na época a população necessitava de
uma ouvidoria ou de um canal de atendimento para a s suas reivindicações.
As principais reclamações que ouvíamos nas primeiras pesquisas realizadas em 1990
foram sobre transporte, asfalto, água, equipamentos urbanos e saúde, e são muito semelhantes às
reclamações atuais. Hoje o município conta com cerca de sete conselhos, mas a participação
popular e a representatividade são ineficientes e não têm efeito prático na resolução dos graves
problemas urbanos.
Em nove de dezembro de 1991 foi publicada Lei n.º 065/91, revogando a Lei 036 de
1979 e instituindo o Plano Diretor da Cidade de São Gonçalo. Este Plano Diretor de 1991 veio
substituir o plano anterior, elaborado em 1978 pelo governo estadual e aprovado em 1979. A
revisão deste plano deveria ser feita após a Constituição de 1988, mas atrasou quase 11 anos. O
Plano de 1991, iniciado em 1989, teve como ponto de partida algumas informações e diretrizes da
Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro209 sobre o
Município.
209 FUNDREM: Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Plano Diretor
do Município de São Gonçalo: Relatório Consolidado. RJ, 1978.
174
A FUNDREM realizou em 1978 o estudo para implementar um Plano Diretor de São
Gonçalo. Elaborou propostas de atuação em diversos setores: parcelamento da terra, uso do solo,
zoneamento além de instrumentos relativos ao “desenvolvimento” do município. A Fundação
pretendia elaborar um instrumento para o executivo do municipal, a partir do qual seria possível a
viabilização de um sistema de planejamento e monitoração em vários municípios da Região
Metropolitana. Tal plano, no entanto, não foi implementado e, ainda hoje, falta revisar o uso do
solo e o zoneamento. Este último nos remete ao governo Lavoura, descrito na primeira parte deste
trabalho.
A demora na implementação dos Planos contribui por torná-los, de certa forma,
obsoletos. Algumas informações, como os estudos sobre a realidade econômica municipal,
analisadas nos dois últimos Planos Diretores (de 1991 e de 2006), por exemplo, já se encontram
desatualizas, em função da dinâmica atual do município. De uma forma geral, os dados sobre a
economia local carecem de constante atualização e podem resultar em propostas ineficazes.
A elaboração do Plano Diretor em 1991 foi cercada de críticas por não ter sido
observado o princípio da ampla participação nas principais etapas de Plano. Esse primeiro Plano
Diretor, diferentemente do segundo PDD, não foi concebido na lógica dos planos “participativos”,
mas foi realizado em reuniões “abertas” em locais previamente definidos. Os locais utilizados
para a confecção deste PDD corroboram as críticas a ausência de participação efetiva. A escolha
da sede da Prefeitura em São Gonçalo e de escritórios de arquitetura e planejamento na Cidade do
Rio de Janeiro não condizem com o discurso participativo atual. Na literatura política, essa é a
“geografia da verdade”, na qual o planejamento é produzido com o uso da técnica e que:
175
“A verdade, como o relâmpago, não nos espera onde temos a paciência de
emboscá-la e a habilidade de surpreendê-la, mas que tem instantes propícios,
lugares privilegiados, não só para sair da sombra como para realmente se
produzir. Se existe uma geografia da verdade, esta é a dos espaços onde
reside, e não simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor
observá-la. Sua cronologia a é a das conjunções que lhe permitem se
produzir como um acontecimento, e não a dos momentos que devem ser
aproveitados para percebê-la, como por entre duas nuvens. Poderíamos
encontrar na nossa história toda uma ‘tecnologia’ desta verdade:
levantamento de suas localizações, calendário de suas ocasiões, saber dos
rituais no meio dos quais se produz”. Extratos do texto, “La maison des
fous”. (FOUCAULT, 1993, p. 65).
Na elaboração do segundo Plano Diretor, em 2006, essa “tecnologia” tornou-se, ainda
mais sombria, na medida em que o discurso participativo impôs que algumas reuniões fossem
realizadas “hors la maison” e com a “participação de algumas lideranças locais. Essa
“participação” social que deveria ser a conditio sine qua non210 do planejamento. De acordo com
a imprensa local, foi feita por luminares que “se reuniram na Câmara dos Vereadores”211.
Segundo a imprensa local, “no auditório da nova Prefeitura, no Mutondo, foi realizada uma
reunião de atualização do PD destinada aos secretários municipais”212 ou ainda, “na última sextafeira, os subsecretários se reuniram com ambientalistas, representantes da sociedade civil e
arquitetos na Câmara Municipal”.213
Foram várias reuniões nas dependências da Casa Legislativa214 e algumas realizadas
em locais “privilegiados” onde já “reside uma verdade”. Esse ritual teve um calendário específico,
quase sempre as sextas-feiras ou aos sábados em locais como associações e órgão públicos para
legitimar a “consulta pública”.
210 Conditio sine qua non: condição sem a qual não; requisito essencial ou condição necessária.
211 Jornal Nosso Jornal. Caderno Política. – Edição on line 2269 – Internet São Gonçalo, 24, 25 e 26 de junho
de 2006.
212 Nosso Jornal de Notícias. Edição 2341 - http://www.nossojornal.info/. São Gonçalo, 05 de outubro de 2006.
213 Nosso Jornal de Notícias. Edição 2294. http://www.nossojornal.info/São Gonçalo, 29, 30, 31 de julho de
2006.
214 Nosso Jornal de Notícias. Edição on line 2384. São Gonçalo, 09, 10 e 11 de dezembro de 2006.
176
Em razão desse tranqüilo processo de elaboração do segundo PDD observamos a
continuidade do antigo Plano Diretor ao invés do avanço na discussão das questões sociais do
município. Com a análise dos dois últimos Planos ficou evidenciado que a forma de participação
da sociedade poderia ser diferente, especialmente no que se refere à elaboração de propostas de
participação e controle efetivo no planejamento urbano.
No primeiro Plano Diretor do município o desenvolvimento econômico foi pensado a
partir de alternativas como a implantação de um pólo de desenvolvimento industrial em
Guaxindiba, alternativa que visava a gradual substituição das indústrias do distrito de Neves para
o novo “sub-centro de desenvolvimento de Guaxindiba”, (PDD, 1991, p. 6 e 7).
O Plano já mencionava, a possibilidade da criação de um “Pólo distribuidor de
combustíveis” (idem, p. 14), que atrairia empresas ligadas a petroquímica para um novo “pólo
industrial”. Essa possibilidade foi pensada em função da ligação do prefeito Ezequiel Neves com
a Petrobras. A PMSG pretendia mudar a configuração e a economia da cidade, atraindo novos
investimentos, (Idem p. 14), mas não considerou a existência de ruínas e vazios industriais em
Neves nem a expansão, quase espontânea, do setor terciário na orla da Baía de Guanabara.
Nessa ocasião, a necessidade de diagnósticos precisos foi substituída pelo imperativo
do desenvolvimento per se. Não havia estudos sobre a situação econômica das principais
empresas como a Gerdau, por exemplo, que estava preparando a transferência da unidade Neves
para a Santa Cruz, no município do Rio de janeiro. O texto do primeiro Plano Diretor citava que a
“existência de terrenos vagos em áreas bem estruturadas denuncia uma forma de investimento
perverso onde desaparece a função social da propriedade”, mas não indicava terrenos nem quais
iniciativas poderiam resolver ou remediar tais situações.
177
O segundo plano já cita esta área consolidada como “preferencial para a ocupação
urbana e para os investimentos em infra-estrutura, devendo ser adensada inclusive com a
ocupação dos vazios urbanos existentes, de forma a viabilizar os investimentos” (PDD, 2006, p.
142). A necessidade de investimentos em infra-estrutura e aproveitamento dos vazios existentes é
óbvia, mas deveria ser privilegiada há uma década. Propostas concretas, como a oferta de
incentivos e apoio a relocalização industrial, não “foram efetivadas”, apesar de o segundo Plano
propor algumas alternativas.
Mas a simples repetição de artigos da Lei 1981 pode ser um forte indício de que o
zoneamento Industrial em São Gonçalo continua sendo fac simile da proposta inicial da
FUNDREM.215 O atual PPD menciona o zoneamento urbano da Região Metropolitano do Rio de
Janeiro da década de 1980, principalmente o 1º artigo desta Lei, ao comentar a alternativa para a
localização de atividades industriais definidas no segundo parágrafo como:
“zonas de uso predominantemente industrial (ZUPI) - destinadas,
preferencialmente, à instalação de indústrias cujos processos, submetidos a
métodos adequados de controle e tratamento de efluentes, não causem
incômodos sensíveis às demais atividades urbanas e nem perturbem o
repouso noturno das populações”. (PDD, 2006, p. 132).
Do ponto de vista legal, tanto o primeiro quanto o segundo plano diretor parecem não
levar em consideração as principais mudanças que estão ocorrendo no município. Ao repetir a
antiga proposta de zonas destinadas à instalação de indústrias torna a Lei desatualizada e provoca
uma confusão entre a realidade local e as diretrizes propostas no Plano. Mesmo considerando que
o setor terciário local está em desenvolvimento, o atual Plano aponta para o adensamento das
antigas áreas litorâneas próximas ao distrito de Neves e continua “apostando” na fórmula clássica
215 Artigos 1º a 3º da Lei Estadual nº 466, de 21 de outubro de 1981 – Dispõe sobre o Zoneamento Industrial na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
178
do desenvolvimento industrial através da complementaridade ao COMPERJ ou do Distrito de
Guaxindiba.
A simples mudança no discurso, não representa uma mudança de atitudes. Enquanto
nossas observações apontam para a retomada do antigo processo de ocupação do Gradim pelo
Estaleiro Cassinu e talvez até com a reabertura dos Estaleiros Eisa e Cruzeiro do Sul, o texto da
nova Lei proclama o contrário:
“A manutenção do atual modelo de desenvolvimento urbano baseada no
“espraiamento” – ou sprawling tem-se mostrado inadequada ao município
uma vez que: não cria no cidadão o vínculo com o espaço físico, ou seja, o
orgulho de ser e de morar em São Gonçalo; promove a degradação ambiental
do município; apresenta altos custos para a implantação de infra-estrutura”.
(PDD, 2006, p. 47).
A opção pela fórmula tradicional foi escolhida, provavelmente, para facilitar a entrada
do capital de ocasião, ou seja, aquele capital ligado ao boom do petróleo da bacia de Campos. Este
capital em geral, entretanto, não está comprometido com o desenvolvimento durável e
socialmente responsável que beneficiaria o município.
Os dois Planos analisados também não indicam métodos para atingir o
desenvolvimento durável e responsável. Várias questões urbanas são tratadas, mas suas soluções
representam uma certa continuidade do projeto desenvolvimentista do primeiro plano. O segundo
Plano cita, por exemplo, as propostas de desenvolvimento econômico com a implantação de
“novos sub-centros de desenvolvimento” apresentados no primeiro PDD e que igualmente não
foram implementados. Assim como o antigo discurso da implantação do pólo industrial de
Guaxindiba.
179
“O Título IV dispõe sobre as Propostas de Desenvolvimento Econômico,
incluindo entre elas a implantação de novos subcentros de desenvolvimento
em Porto Velho, Boa Vista e Guaxindiba, assim como o fortalecimento dos
subcentros do Rio do Ouro e Largo da Idéia para servir de apoio a área rural.
Igualmente considera prioritária a implantação do Terminal Pesqueiro no
Porto Velho e o incremento das atividades de pesca, reparação e construção
naval e embocadura dos rios Brandoa e Marimbondo, bem como, a
implantação do pólo industrial de Guaxindiba”.(PDD, 2006, p. 144).
As diretrizes relativas ao desenvolvimento econômico enfatizam, quase sempre, o
papel da indústria no Município como ator principal do desenvolvimento. Como já apontamos em
capítulos anteriores, o município não promove a articulação entre esses atores econômicos e a
sociedade. Todos os sub-centros apontados acima, primeiramente citados em 1991 e repetidos em
2006 não foram implementados e a distância entre a comunidade e o poder local parece se
expandir.
Além do mais, durante nossas pesquisas não encontramos ações com o intuito de unir
empresas e poder local em prol das comunidades que envolvem algumas dessas empresas. Em
função da expansão das “favelas” na região, grandes empresas como a Electro-vidro e a
Comercial Gerdau, antiga indústria, têm investido mais na segurança de suas propriedades do que
em ações voltadas para a comunidade. Fora isso, a pequena e microempresa do município não
recebem incentivos para a inovação e participação em ações que possam contribuir para reduzir
danos como o desemprego e a miséria.
Observamos nos trabalhos de campo que alguns dos bairros acima citados como subcentros: Porto Velho, Boa Vista, Guaxindiba, Rio do Ouro e Largo da Idéia continuam tão pobres
quanto antes. A instalação do São Gonçalo Shopping não representou a geração de empregos ou
180
de renda para a população da Boa Vista, bairro em que se encontra e sim a crença no aumento da
violência na região216, segundo alguns jovens entrevistados.
Se o fortalecimento do setor de serviços merece destaque na economia do Bairro da
Boa Vista, igualmente merece destaque a precariedade no abastecimento de água, saneamento
básico e demais serviços públicos. Enfatiza-se no segundo PDD “alterações urbanísticas no bairro
para facilitar a implantação de estabelecimentos comerciais de porte, com acesso direto pela
Rodovia Niterói Manilha”, mas a referida Lei de 1999 não cita os meios necessários para a
manutenção das empresas no local ou incentivos para a atração de novos “estabelecimentos” do
setor de serviços. (PDD, 2006, p. 147).217
As diretrizes relativas ao desenvolvimento econômico da orla gonçalense não
resultaram no desenvolvimento de atividades relacionadas à pesca e aproveitamento da orla
oriental da Guanabara, ainda pouco explorada. O primeiro Plano Diretor citava a construção de
um terminal hidroviário e de pesca no bairro do Porto da Madama, (PDD, 1991, Art. 45º). Já o
segundo PDD apenas reforça essa idéia citando o ofício nº 055/SEMPLAN/91, de 29 de Julho de
1991, onde é delimitada a área próxima as ruas Manuel Duarte, Alberto Torres e pelo rio Brandoa
como prioritária para a implantação dos Terminais Hidroviários e Pesqueiros. (PDD, 2006, p.
134).
As matérias relacionadas à pesca e ao meio ambiente devem ser criticadas, pois na
elaboração dos Planos Diretores os anseios das comunidades de pescadores não foram
216 Um jovem entrevistado relatou que vários carros foram roubados no dia da inauguração do shopping. A
partir dessa data o Bairro da Boa Vista começou a conviver com outras modalidades da violência. O bairro,
desde a década de 1970 aparece entre os mais pobres do município. É comum lembrarmos dele quando a mídia
nacional apresenta a origem de “bandidos” como o jovem Sandro Nascimento. Este jovem ficou conhecido
internacionalmente pelo seqüestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro em junho de 2000.
217 Lei nº 25/99 (publicada em 23/06/99) – autoriza o Poder Executivo a promover alterações urbanísticas do
parcelamento do solo urbano no Bairro Boa Vista, 4º Distrito do Município de São Gonçalo.
181
contemplados. Segundo algumas entrevistas, os pescadores solicitam a construção de terminais
pesqueiros próximos às colônias e não às fábricas. Também são contrários a instalação de
terminais hidroviários, como a estação das barcas, em locais de fluxo de pequenas embarcações.
Outro aspecto importante relativo ao meio ambiente diz respeito aos possíveis
impactos que a implantação dos terminais hidroviários ou pesqueiros pode trazer para a região,
notadamente degradada por décadas de descaso. A ocupação litorânea de se deu de forma livre e
com a ocupação desordenada das margens da rodovia BR 101. Conforme as imagens de satélite
podem mostrar, pouquíssimas áreas remanescentes de mangue resistem além da Ilha de Itaóca,
Boa Vista e da APA Guapimirim.
Com a notícia da instalação do COMPERJ em Itaboraí, a orla de São Gonçalo
desponta com um importante vetor de expansão urbana do Município. Esta segunda expansão
contradiz qualquer proposta de zoneamento contida nos dois Planos Diretores, e principalmente
com a realidade local. O litoral que deveria ser conservado para atividades estratégicas para o
desenvolvimento econômico, a cada ano recebe mais habitações e até loteamentos irregulares.
Algumas discussões apresentadas neste trabalho se referem apenas aos aspectos
técnicos dos Planos Diretores analisados, mas devemos ressaltar que as diferenças entre o
primeiro e o segundo PDD são muito visíveis. Enquanto o primeiro avança em proposições e
perde em participação, o segundo plano avança no diagnóstico, mas reitera a crença de que é
necessário desenvolver a cidade através das antigas fórmulas econômicas.
O primeiro Plano Diretor não tratava da participação efetiva da sociedade civil, mas
contraditoriamente apresentou propostas de cunho popular como, por exemplo, no segundo
182
parágrafo do Art. 2° que destina a “área periférica do litoral” à recreação e o desenvolvimento de
pequenas localidades já existentes. O segundo plano se intitula “participativo” e privilegia o
desenvolvimento industrial como a instalação do Complexo Petroquímico Rio de Janeiro alheio
ao impacto que empreendimentos desse porte podem trazer para as comunidades litorâneas de
Neves até a divisa com Itaboraí.
Devemos ressaltar, entretanto, que o processo de revisão do primeiro Plano Diretor
não pretendeu ter o alcance de um novo plano para o Município, mas pretendeu, ao nosso ver,
adequar a Lei de 1991 às diretrizes estabelecidas na política urbana nacional. Daí o emprego da
denominação “participativo”, copiosamente em voga na final da década de 1990, para definir a
atual revisão.
183
3.2. Planos Diretores: transformações planejadas e não planejadas
“Mais uma vez representantes de organizações não-governamentais, líderes
comunitários, membros da sociedade civil organizada, do Crea/RJ, IAB
(Instituto de Arquitetos do Brasil), da AGEIA (Associação Gonçalense de
Engenharia e Arquitetura), de vereadores e funcionários da Secretaria de
Infra-estrutura, Meio Ambiente e Urbanismo, além do subsecretário de
Urbanismo e coordenador do Plano Diretor Marcelo Fanteza e do Secretário
de Saúde Einars Sturms, se reuniram na manhã de ontem, na Câmara dos
Vereadores, para discutir assuntos relativos ao Plano Diretor do município.
Em pauta, a apresentação de um esboço dos estudos da região dos bairros
Boa Vista e Praia das Pedrinhas, de acordo com projeto solicitado de
requalificação urbana da área, proposto na última audiência pública do Plano
Diretor, realizada no mês passado”.218
O texto acima, retirado de um jornal local, refere-se ao segundo Plano Diretor de São
Gonçalo. Ao analisar o relatório final do PDD, elaborado após essas reuniões, observamos que a
cantilena se repete. Transformações planejadas são substituídas por não planejadas e assim o
planejamento urbano segue a sua segunda edição sem atingir as metas básicas para o município. O
texto acima é uma demonstração clássica da distância entre o que é desejado e pactuado nas
reuniões e texto final da Lei. Tanto o segundo PDD quanto a Lei orgânica municipal não definem
precisamente com executar a “requalificação urbana” das áreas acima citadas.
A Lei orgânica municipal cita que as praias, manguezais e a zona costeira são áreas
de relevante interesse ecológico e de preservação permanente.219 O Plano Diretor que deveria ser
um instrumento “básico da política de desenvolvimento” e propor novas formas de e expansão
urbana não traz novas soluções para o município. Já existem na orla algumas atividades de
turismo ecológico no funda da Baía de Guanabara explorando o potencial da APA de Guapimirim
e das ilhas do município.
218 Jornal Nosso Jornal. Caderno Política. - Edição on line 2269. São Gonçalo, 24 a 26 de junho de 2006.
219 Artigos 202 e 203 da Lei Orgânica do Município de São Gonçalo editada em de 04 de abril de 1990.
184
Tanto o PDD quanto a Lei Orgânica são legislações rígidas que impõem um tipo de
preservação contrária aos hábitos dos moradores locais. Por não englobar os anseios e práticas de
diferentes comunidades espalhadas pelo território do município, as leis não promovem novas
ligações viárias ou marítimas nas áreas urbanas consolidadas. Onde poderiam ser elaborados, por
exemplo, conexões hidroviárias entre a orla gonçalense e as Ilhas de Paquetá e do Governador
além de alguns outros pontos em Niterói e no município do Rio de Janeiro. No PDD de 1991 está
previsto apenas a ligação entre São Gonçalo e a estação das barcas na Praça XV no centro da
cidade do Rio de Janeiro220, conforme citações anteriores.
Os serviços de transporte estão apoiados, sobretudo, num sistema exclusivamente
rodoviário atualmente com mais de cem linhas regulares de ônibus além de linhas vans
alternativas, (regulares e irregulares). A passagem do leito do ramal da RFFSA na estrutura
urbana de São Gonçalo não é utilizada servindo apenas como obstáculo ao sistema viário
principal. O ramal completamente sucateado é atravessado por corredores viário de tráfego
pesado, quase sempre congestionados, que misturam caminhões, carretas, ônibus, vans e carros de
passeio.
A proposta da linha três do metrô, contida nos Planos Diretores, vem corroborar a
tese de que as transformações planejadas são quase sempre suplantadas pelas intervenções não
planejadas no território municipal. O exemplo da linha férrea existente é clássico para
compreendermos que a ausência de vontade política só é menor que a carência de recursos, um
montante inicial de cerca de R$ 750 milhões para a implantação da terceira linha de metrô:
220 O cidadão que deseja ir de São Gonçalo à Ilha do Governador, no Rio de Janeiro tem duas alternativas. A
primeira seria um ônibus de São Gonçalo até Niterói, depois uma barca até o Centro do Rio de Janeiro e por
último uma barca para a Ilha do Governador, levaria em média duas horas. Também poderia utilizar um ônibus
de São Gonçalo até o Centro do Rio ou para a Avenida Brasil e depois pagar uma outra condução até a Ilha do
Governador. Nesse caso levaria cerca de uma hora e meia ao passo que se existisse uma ligação hidroviária
gastaria menos de vinte minutos. Se o caso fosse a Ilha de Paquetá, a distância seria menor ainda.
185
“Ontem, representantes da empresa francesa Veolia, maior operadora de
transportes do mundo, visitaram o ramal com o secretário. Um novo projeto,
ligando o centro de Niterói a Alcântara, em São Gonçalo, pode sair do papel,
mas falta a verba de R$ 750 milhões. O objetivo do secretário é a
implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), que usaria 28 antigos
carros da Linha 2 do Metrô (São Cristóvão a Pavuna, no Rio) na primeira
fase da Linha 3. Os carros ficariam agrupados em 14 composições com
capacidade para 636 passageiros cada. Hoje, o secretário participa de reunião
com representantes da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e
Secretaria estadual de Habitação para tentar viabilizar a verba [...] O
coordenador de operações da América Latina da Viole, Jean-Louis Soulas,
demonstrou interesse na linha, mas não prometeu nenhuma obra. ‘Essa pode
ser a nossa primeira operação no Brasil, mas não há nada definido. É apenas
uma visita’, resumiu o francês. A primeira fase da obra, com a verba de R$
750 milhões, alcança 17 quilômetros (centro de Niterói a Alcântara). Ao
todo seriam 12 estações, sendo três em Niterói e nove em São Gonçalo:
Araribóia, Jansen de Mello, Barreto, Neves, Vila Lage, Paraíso, Parada 40,
221
Zé Garoto, Mauá, Antonina, Trindade e Alcântara”
A expectativa do Secretário Estadual de Transportes, Júlio Lopes é que a captação
desta verba seja feita até o final desse ano e o início das licitações em 2008. O projeto, que está
em estudo desde 1979 poderá sofrer mais modificações em relação ao traçado original para
beneficiar 40 mil moradores.
Atualmente, segundo diagnóstico oficial do Plano Diretor, o sistema ferroviário que
corta o município é ocioso, e “são realizadas apenas 02 viagens diárias para manter as áreas do
entorno da linha férrea desocupadas. Não se verificam cancelas para garantir a segurança durante
a travessia de pedestres e veículos sobre os trilhos, o que torna os cruzamentos perigosos” (PDD,
2006, p. 69). Em pesquisa de campo. Constatamos que cerca de 200 pessoas utilizam o trem que
funciona em condições precárias. Ele trafega uma vez pela manhã e outra no fim da tarde. Mais de
10 mil famílias deveriam ser removidas da região, pois as suas casas estão localizadas às margens
da linha do trem.
221 Jornal O São Gonçalo. Caderno: Política/Geral. Matéria: “Metrô continua emperrado. Secretaria de
Transportes busca verba de R$ 750 milhões para a linha Niterói-SG”. Página 3. Sexta-feira, 11 de maio de 2007.
186
Por outro lado, segundo dados do IBGE222, milhares de pessoas circulam de ônibus
entre Niterói e São Gonçalo. a falta de integração entre as modalidades de transportes acarreta
num gasto diário muito maior para estas pessoas, que se beneficiariam com tarifas de transportes
integrados. Segundo o secretário estadual de transportes, “a tarifa VLT pode ser menor que R$ 2,
próximo ao valor cobrado atualmente pelos coletivos no mesmo percurso. A segunda fase do
projeto, que abrangeria os outros dezessete quilômetros do ramal ferroviário, seguiria de Jardim
Catarina, passando por Laranjal, Guaxindiba, Itambi, Amaral, até chegar a Visconde de Itaboraí,
em Itaboraí”.223
Se por um lado o secretário estadual diz que o ramal de Guaxindiba ainda tem
condições de ser reativado, o leito da Estrada de Ferro Maricá, totalmente desativada,
praticamente desapareceu e se encontra ocupado em vários pontos por atividades irregulares.
Como havíamos dito, em Neves, por exemplo, uma gare foi ocupada pela 73ª Delegacia de
Polícia. No bairro Paraíso, uma oficina foi ocupada pelo prédio da Associação dos ExCombatentes e no bairro de Santa Catarina a oficina de reparos foi “convertida” em igreja
evangélica e parte ocupada por invasores.
Algumas observações feitas pelos técnicos da FUNDREM em 1978 durante a
elaboração do estudo do Plano Diretor continuam válidas ainda hoje, e vem se agravado com a
ocupação irregular de toda a área que margeia a linha férrea do município. Na época o estudo da
Fundação afirma que:
222 O comércio e as empresas de Niterói e do Rio de Janeiro continuam, segundo o IBGE provocando os
maiores deslocamentos diários para fora do município de São Gonçalo. Os dados do último censo apontavam
cerca 149.379 pessoas ao dia. Fonte: IBGE. Estudos e Pesquisas Estruturais e Especiais. Censo Demográfico de
2000.
223 Idem, Jornal O São Gonçalo. 11 de maio de 2007.
187
“Constata-se a não existência de um transporte de massa, mas apenas de um
frágil sistema de transporte rodoviário incapaz de satisfazer a função
fundamental que lhe cabe e criando problemas para a população que com ele
convive”. (PDD, 1991, p. 120).
Desde o estudo básico do primeiro Plano Diretor ao diagnóstico224 mais preciso do
segundo Plano realizado em 2006, constatamos que o município de São Gonçalo vem sendo,
quase sempre, tratado como subúrbio periférico de Niterói. Situa-se entre o passado rural e o
declínio industrial e, graças a conurbação que apresenta com Niterói, continua sendo
estigmatizado. “São Gonçalo ainda demonstra um significativo crescimento que confirma seu
perfil de cidade dormitório, ‘celeiro’ de mão-de-obra para Niterói”, (PDD, 2006, p. 24). Os
estudos, analisados até o presente momento, não oferecem alternativas ao modelo perverso de
parcelamento do solo no município. Este vem aumentando visivelmente desde o final da década
de 1950 e modificando a configuração urbana numa amplitude quase irreversível.
Paralelamente à falta de alternativas de desenvolvimento como o turismo e a
agricultura, com o declínio da atividade industrial na década de 1960 o município, através de uma
Lei do legislativo comete um grave equívoco ao considerar 100% do seu território como urbano:
“Por se tratar de um município de perímetro urbano, a área ocupada
corresponde a um total de quase 70% de sua área total. Apesar de a área
rural ter sido extinta em 1962, ao transformar o município em área urbana, a
atividade rural praticamente não acontece ou se dá de forma irrelevante na
caracterização do município. No geral, o bairro de Ipiíba é hoje o que
mantém esse aspecto rural mais acentuado. Em se tratando do município,
representa 8% da área total. No entanto, essa ocupação menos adensada da
área rural vem proporcionando uma crescente atividade de loteamentos
clandestinos que não são acompanhadas por diretrizes de urbanização nem
de legislação”. (PDD, 2006, p. 42).
224 O estudo básico do primeiro PDD foi elaborado pelo escritório de arquitetura, planejamento e consultoria
Mayerhofer & Toledo. O diagnóstico do segundo Plano Diretor foi elaborado pelo escritório Technum
Consultoria SS, coordenado pela arquiteta e urbanista Mônica Von Glehn Herkenhoff de Brasília.
188
Esta nova “legislação” desencadeou uma ocupação mista, residencial-industrialcomercial, pois não havia, na época, um plano ou instrumento de zoneamento mais minucioso.
Em 1978 a diretoria de planejamento da FUNDREM concluiu o estudo para implementar um
Plano Diretor em São Gonçalo visando um zoneamento mais rigoroso para o município225. Nele
estavam contidas propostas de atuação setorial, projetos de Lei para um novo parcelamento da
terra, uso do solo, zoneamento e instrumentos relativos ao próprio Plano Diretor. Pretendia-se
obter um instrumento para o executivo do municipal, a partir do qual seria possível a viabilização
de um sistema de planejamento e monitoração. Tal plano, no entanto, não foi implementado.
Como não existiam as chamadas zonas industriais institucionalizadas, a FUNDREM
então, localizou e delimitou três zonas de uso predominantemente industrial, ZUPIs, onde
indústrias já estavam implantadas desde a década de 1920. Uma ZUPI costeira, situada no litoral
do município que corresponde à parte do atual distrito de Neves; a ZUPI Tribobó/Alcântara, no
entroncamento viário entre a RJ-104 e a RJ-106; e a ZUPI Guaxindiba, às margens da rodovia
federal BR-101.
O que deveria ser o distrito industrial de Guaxindiba, localizado na ZUPI de mesmo
nome e ocupando uma área de 200.000m2, não se concretizou. Atualmente, como demonstramos
na primeira parte deste trabalho, a principal indústria continua sendo a cimenteira desde o final da
década de 1920 com a produção de artefatos de cimento. Atualmente a área é ocupada pela
empresa francesa La Farge.
O distrito deveria funcionar sob forma de condomínio com cerca de 18 lotes com área
média de 10.000m2 cada. Este parcelamento permitiria uma maior agilidade em seu
225 FUNDREM: Plano Diretor do Município de São Gonçalo: Relatório Consolidado, RJ, 1978.
189
gerenciamento e principalmente a implantação de infra-estrutura e serviços modernos com o
emprego de alta tecnologia para sediar empresas do COMPERJ.
Desde 1981 a Lei n.º 466 de 21 de outubro autoriza o Estado a dispor sobre o
zoneamento industrial das suas regiões metropolitanas, cabendo, então, aos municípios, a
elaboração de seus Programas de Ocupação de Zonas Industriais (POZI). Neste período São
Gonçalo passava por graves turbulências administrativas envolvendo corrupção, mas em 1982 um
Decreto municipal n.º 04 de 26/01 regulamentou o uso do solo, utilizando as seguintes categorias
já definidas pela Lei n.º 36 de 1979:
- Área Comprometida com Ocupação Urbana, - ACO, dividida em Zona de Uso
Diversificado - ZUD, tipo I e II e Zona Residencial (I, II e III);
- Área de Ocupação Progressiva - AOP;
- Área de Ocupação Progressiva II - AOP II;
- Zonas de Uso Predominantemente Industrial – ZUP;
- Área de Preservação e Proteção – APP.
O zoneamento atual, contido no PDD de 2006 foi definido pelo “Plano de
Organização Territorial”, regido pela Lei n. 13/98 publicada em 10/06/98. Este plano estabelece
as normas de organização do território do município, disciplina a situação fundiária da terra, o
sistema viário, o uso e a intensidade do uso do solo, e indica as áreas propícias à localização dos
equipamentos urbanísticos de uso público. Pela atual desorganização territorial, podemos deduzir
que estes Planos de ordenação não tem grande eficácia em São Gonçalo.
190
Abaixo descrevemos alguns dos principais artigos do “Plano de Organização
Territorial” de 1988 reproduzidos no PDD de 2006.
Lei nº 13/98 (publicada em 10/06/98) - Altera dispositivos que menciona da
Lei nº 164, de 05 de janeiro de 1988. Revoga a Lei 45/95 e o art. 3º da Lei
164/88 e os Decretos 17/88; 41/89; 04/82 e 036/91. Modificações ao Plano
de Organização Territorial do Município de São Gonçalo. A Lei nº 13/98
assim dispõe sobre o zoneamento do Município: Art. 1º - O Artigo 3º, da Lei
Municipal nº 164, de 05 de janeiro de 1988, que institui o Plano de
Organização Territorial do Município de São Gonçalo, passa a vigorar com
as modificações e acréscimos que seguem no Art. 3º;
Z1 – Zona de Uso estritamente Residencial.226
227
Z2 – Zona Mista.
Z3 – Zona Mista Intensiva.228
Z4 – Zona Predominantemente Industrial.229
Z5 – Zona de Uso Predominantemente Rural.230
Z6 – Zona de Recreio.231
232
Z7 – Zona de Preservação. (PDD, 2006, p. 154).
A organização das áreas predominantemente industriais descrita na Lei permite
“todos os usos residenciais” junto aos usos comerciais, de serviço, além de todos os usos
industriais permitidos no Zoneamento Industrial Metropolitano. Tal fato permitiu que ao lado das
grandes indústrias de Neves, Guaxindiba e Arsenal fossem construídos grandes loteamentos,
226 Onde só serão permitidas construções unifamiliares e multifamiliares e equipamentos de serviço e comércio
de vizinhança. A taxa de ocupação de terreno máxima permitida deverá de 60% (sessenta por cento).
227 São permitidos todos os usos residenciais, todos os usos de comércio, equipamentos, serviços, manufaturas e
indústrias leves. A taxa de ocupação de terreno máxima permitida deverá ser de 65% (sessenta e cinco por
cento).
228 Admitem-se todos os usos das zonas mistas (Z2), com permissão de maior densidade de ocupação. A taxa de
ocupação de terreno máxima permitida deverá ser de 70% (setenta por cento).
229 São permitidos todos os usos residenciais, de comércio, de serviço, e todos os usos industriais permitidos no
Zoneamento Industrial Metropolitano, sobre o qual versa a Lei Estadual nº 466/81. A taxa de ocupação máxima
permitida deverá ser de 50% (cinqüenta por cento).
230 Destina-se ao incentivo das atividades agropecuárias no Município, caracterizando-se pelas predominâncias
de usos não necessariamente urbanos. Admitem-se os usos: residencial unifamiliar, de recreação e lazer,
industrias leves e manufaturas. O lote mínimo resultante para projeto de parcelamento da terra deverá ser de
5.000m2 (cinco mil metros quadrados). A taxa de ocupação de terreno máxima permitida deverá ser de 20%
(vinte por cento).
231 Só se admite equipamento de recreio, cultural, educacional público ou particular e residenciais unifamiliares.
O lote mínimo resultante para projeto de parcelamento da terra deverá ser de 500m2 (quinhentos metros
quadrados). A taxa de ocupação de terreno máxima permitida deverá ser de 30% (trinta por cento).
232 Somente serão permitidos usos de recreio, cultural, educacional e residenciais unifamiliares. Não se
permitirá o parcelamento. Não será permitido nenhum tipo de obras que venha modificar os aspectos
paisagísticos, históricos ou arqueológicos do local, tais como: movimento de terra, cortes de árvores ou
construções de grande porte, todos os projetos localizados nesta zona deverão ser precedidos, obrigatoriamente,
de um Relatório de Impacto no Meio Ambiente - RIMA.
191
clandestinos ou não com o apoio dos governos estaduais e municipais. Por exemplo, Jardim
Catarina, conjunto do bairro Vila Lage e condomínios no Arsenal e região. O crescimento
irregular no entorno desses aglomerados também inviabilizou a expansão de algumas empresas e
indústrias.
No estudo básico do primeiro Plano Diretor as ZUPIs, (Zonas de Uso
Predominantemente Industrial) não são descritas em detalhes. O texto final do Plano não levou
em consideração que em 1991, quando foi concluído esse estudo básico, a área industrial de
Neves já representava apenas 9,2km2 (4% do território), e a área efetivamente ocupada um total
de 162 km2 (76%).
A área comprometida com este modelo de urbanização irregular vertiginoso
correspondia a 153 km2 dos atuais 249,14 km2 do município o que representava, na época, 67%
da área total, excluídas as áreas industriais.
A situação de São Gonçalo apresenta atualmente uma série de especificidades:
carência de infra-estrutura, caracterizada pela expansão urbana provocada pelo crescimento
demográfico ocorrido nas décadas de 1960 e 1970, superior à média estadual, o desenvolvimento
econômico incapaz de acompanhar o crescimento da população na década de 1980 e o aumento
da “desordem urbana”, culminando com a favelização e acarretando mais violência na década de
1990.
A forma de divisão territorial adotada pelo município criou três macro-áreas,
apresentadas da seguinte forma no PDD de 1991 e reiteradas em 2006:
192
- Área Urbana Consolidada;
- Área Periférica do Litoral;
- Área Periférica do Interior.
A área Urbana Consolidada, prevista no PDD desde 1991 abrange a porção mais
densamente ocupada do município, compreende parte do 1º Distrito, limitada pela rodovia BR101, parte do 3º distrito limitada pela BR-101, até a altura da localidade de Guaxindiba; a parte
mais populosa do 2º distrito representada pelos bairros contíguos à rodovia RJ-104 e os 4º e 5º
distritos: Neves e Sete Pontes.
Essa área urbana consolidada é considerada preferencial para a ocupação urbana e
para os investimentos em infra-estrutura. Segundo os dois Planos Diretores, “devendo ser
estimulado tanto a adensamento das áreas já ocupadas, como o preenchimento dos vazios urbanos
existentes de forma a promover uma ocupação racional do território e viabilizar os investimentos
necessários”. (PDD, 1991. Art. 2º).
O plano diretor de 1991 também previa três novos centros de desenvolvimento: Porto
da Madama, Boa Vista e Guaxindiba, aproveitando a localização, destes bairros, às margens da
BR-101. Para cada um desses núcleos ou centros, deveriam ter sido feitos projetos específicos
para criar condições de atração de novos investimentos. Hoje o setor que vem apresentando maior
desenvolvimento nos últimos anos tem sido o setor terciário. Na área industrial de Neves, ainda
decadente, foi previsto o reforço às instalações existentes no litoral até o bairro do Gradim, através
da instalação do Terminal Pesqueiro no Porto Velho.
O chamado “núcleo de Guaxindiba” próximo ao centro comercial e residencial de
Alcântara foi destinado para o uso industrial e à localização de atividades complementares ao
193
COMPERJ. Em 1991 falava-se em “Pólo Industrial de São Gonçalo”, visando atrair
empreendimentos de porte metropolitano para reforçar a participação do município na economia
do estado. A “atração de novos investimentos” não se concretizou, mas observamos um aumento
na oferta de terras para loteamentos nas adjacências do núcleo de Guaxindiba.
Ao contrário de Guaxindiba, o antigo distrito industrial Neves sofreu algumas
mudanças desde a década de 1990. Instalaram-se na área grandes supermercados e mais
recentemente a Comercial Gerdau. Além disso, em 1991 foram previstos para o distrito de Neves
alguns projetos. Um projeto de urbanização para o entorno do futuro terminal hidroviário, ainda
sem local definido; um projeto de alinhamento do acesso para o terminal; a requisição urbanística
de áreas com superfície superior a 2.000m2; o IPTU progressivo para áreas com superfície
superior a 2.000m2 e, por último, a aplicação do instrumento de parcelamento ou edificação
compulsórios. Esses instrumentos, mesmo não aplicados in totum foram reeditados na atual
edição do Plano Diretor, (PDD, 2006, p. 143).
A primeira análise, dos setores econômicos, apresentada nas informações básicas
(PDD, 1991), apontava que as indústrias de São Gonçalo com maior participação na economia
municipal eram caracterizadas pela baixa concentração tecnológica e de mão-de-obra, (indústrias
de bens de consumo não duráveis), e por índices insatisfatórios de poluição. Na década de 1990,
de um número de sessenta e sete indústrias, trinta, ou seja, 45%, apresentavam alto potencial
poluidor, vinte e quatro com (36%), potencial médio. Treze restantes (19%), baixo ou
desprezível.233
233 Segundo os dados da FEEMA, das trinta indústrias com alto potencial poluidor, quatorze indústrias tinham
tal classificação por suas emissões nos corpos d’água, três no ar e treze, em ambos, o que perfaz vinte e sete
pontos de poluição das águas e dezesseis do ar, nestas categorias. Das vinte e quatro com médio potencial
poluidor, oito tinham tal classificação por suas emissões nos corpos d’água, sete no ar e, nove em ambos, o que
perfaz dezessete pontos de poluição das águas e dezesseis do ar nestas categorias.
194
Quanto à localização das indústrias com alto potencial poluidor, 12 estavam no 1º
distrito, (São Gonçalo); 3 no 2º distrito, (Ipiíba); 2 no 3º distrito, (Monjolos); 12 no 4º distrito,
(Neves), e uma no 5º distrito, (Sete Pontes). Ainda quanto à localização dos 67 empreendimentos,
(20,9%) estavam, em 1985, localizados em Zonas de Uso Predominantemente Industriais (ZUPIs)
do município, o que aponta para situações de inadequação locacional para a grande maioria, fator
que se torna ainda mais relevante no caso daquelas que estão implantadas em áreas densamente
povoadas, como o 4º distrito por exemplo.
Atualmente a localização das indústrias com alto potencial poluidor continua
margeando as rodovias estaduais e em menor escala a rodovia BR 101, na área contígua à Baía de
Guanabara. A atividade industrial no distrito de Neves, hoje completamente decadente e não atrai
novos investimentos desse setor. Nas proximidades com Itaboraí o município é marcado por
loteamentos com grandes proporções, como Jardim Catarina, mas apresentam lotes com áreas
abaixo da permitida pela legislação o que inviabiliza completamente a atividade industrial na
região.
São Gonçalo, a princípio, apresenta dois centros, o Rodo e o centro de Alcântara. O
primeiro foi planejado, mas o segundo não. No centro urbano de Alcântara encontramos prédios e
lojas mais modernos e as edificações mais altas do município. Apesar de ter seu uso
predominantemente residencial é o principal centro de serviços e comércio do município.
Encontramos também a chamada “rua da feira”, local das lojas de jeans e vestuário em geral, além
da grande concentração de vendedores ambulantes.
Alcântara não possui mais o glamour do passado quando era denominado de “pólo de
confecções”, mas ainda exerce atratividade para “sacoleiros” e consumidores de muitos bairros e
195
municípios da região metropolitana, sobretudo, Itaboraí, Silva Jardim, Rio Bonito e Maricá. Nas
proximidades do centro de Alcântara é possível distinguir áreas ocupadas por usos comerciais e
de serviços, principalmente ao longo dos eixos viários principais do distrito onde se concentra a
atividade de comércio. (PDD, 2006, p. 42).
Os trechos abaixo, extraídos do Plano Diretor de 1991 apresentam algumas soluções
tecnicistas da época que até hoje não foram implementadas:
Art. 35 – O Código Municipal do Meio Ambiente definirá a obrigatoriedade
do tratamento dos esgotos sanitários, indicando o nível e as soluções
alternativas de tratamento adequado.
Art. 56 – Deverão ser feitas gestões junto ao Governo Federal para a
utilização do ramal ferroviário existente e não utilizado, em efetivo sistema
de transporte de massa, seja pela reforma e ampliação do atual sistema, seja
pela implantação de um novo sistema de transporte de massa.
O Poder Público Municipal continua buscando articulações políticas com os governos
Estadual e Federal e com a iniciativa privada. Mas ações técnicas, como as apresentadas acima,
não recebem apoio pelo alto custo de implantação e por não trazer retorno eleitoral para os
políticos locais que disputam espaço com políticos de outras regiões.
Alguns instrumentos do Plano Diretor são expressos em artigos de Lei, mas não
indicam os fundos para sua execução. A dependência dos Poderes Estaduais e Federais torna o
município refém da conjuntura política e “obriga” periodicamente alianças e a “dança das
cadeiras”, ou seja, a troca de partido político. A atual prefeita, por exemplo, já trocou de partido
três vezes, o que infelizmente não é uma exclusividade de São Gonçalo.
Os instrumentos técnicos às vezes são subjugados pela conjuntura política e não têm
eficácia em curto e médio prazos. Assim como já foi expresso em textos anteriores sobre o Plano
196
Diretor de São Gonçalo, alguns instrumentos são de aplicação de longo prazo, para
administrações sucessivas, visando não perpetuar a administração e o grupo político que governa
no momento da elaboração do Plano. Por ironia do destino, em muitos momentos estes grupos
mantêm-se no poder até hoje. (MENDONÇA, 2000).
Em geral esses instrumentos técnicos analisados são “mecanismos de retórica” e não
contribuem efetivamente para o desenvolvimento de áreas periféricas. Um velho ditado romano
descreve bem esse sentimento compartilhado por muitos entrevistados:
Aliud est falsum, aliud simulatum.
Aliude est dare, aliud promittere.
Aliud est calare. aliud tacere.
Uma coisa é a falsidade, outra, a simulação.
Uma coisa é dar, outra prometer.
Uma coisa é calar, outra mentir, (esconder).
Justificativas desse tipo foram comuns quando questionamos pessoas envolvidas na
administração. O projeto do “terminal hidroviário” no distrito de Neves foi realizado em 1982
pela Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, a antiga CONERJ.234 Hoje, vinte e
cinco anos depois, ainda figura no repertório das promessas políticas. Outro exemplo é o projeto
do “distrito industrial de Guaxindiba” realizado em 1983 pela Companhia de Desenvolvimento
Industrial, a Codin. A construção da Estação de Tratamento de Esgotos - ETE,235 no bairro da Boa
Vista ainda é incompleta.
234 CONERJ: Programa de Transportes Hidroviários de Massa na Baía de Guanabara. Estudo de Demanda e
Integração. PLANAVE S/A. Rio de Janeiro, 1982
235 A ETE – Estação de Tratamento de Esgoto - da Boa Vista, implantada pelo programa de despoluição da
Baía de Guanabara, encontra-se em operação, mas não está operando com toda a sua capacidade devido à
insuficiência de esgotos para tratamento. Além do mais essa ETE foi construída próxima a área urbana e ao lado
da área de lazer popularmente denominada de piscinão da Boa Vista.
197
A estação prevista no primeiro Projeto de Despoluição da Baia de Guanabara
(PDBG) é mais um exemplo de projeto inconcluso devido à má gestão de verbas públicas. E
mesmo quando for concluída apenas minimizará a demanda existente de saneamento básico,
reivindicada pela população local.
O desenvolvimento de um município do porte de São Gonçalo e mesmo de um
distrito fica comprometido quando o poder local é condescendente com interesses eleitoreiros e
submete a lógica técnica a esses interesses. Quando não respeita a participação popular, ou pior
ainda a vida urbana, subverte a razão de ser do planejamento.
198
3.3. Estudo Crítico dos Planos Diretores de São Gonçalo
Através da análise dos dois últimos Planos diretores constatamos que esses
instrumentos de política urbana ainda são comprometidos por políticas partidárias. A antiga
fórmula que combinava macro projetos regionais com diagnósticos detalhados e relatórios
consolidados é mais próxima a realidade atual. Impede a interferência dos governos locais e
impõem um ritmo ao crescimento das cidades.
Os antigos instrumentos elaborados pelas fundações para o desenvolvimento
metropolitano nas décadas de 1970 e 1980 merecem as devidas críticas, mas serviam para
amortecer algumas contradições sociais que caracterizam a vida urbana naquele momento. Na
época era possível implementar instrumentos de ordenamento e uso do solo, controlando a
expansão desordenada e conduzindo à dinâmica urbana.
Em algumas ocasiões ouvimos ponderações justificando as dificuldades para
implementar um planejamento urbano no município. Alguns entrevistados justificavam, em seus
depoimentos, os problemas por conta do tamanho do território com cerca de 249 km2; devido ao
tamanho da população, cerca de um milhão de habitantes ou devido à ausência de movimentos
sociais organizados.
A falta de canais de comunicação entre a Prefeitura municipal e a população continua
sendo uma constante nas reclamações coletadas. Procedimentos simples como a solicitação de
retirada de entulho ou substituição de lâmpadas da iluminação pública pode levar meses ou
mesmo não ser executada. Estes fatos são agravados pela ausência de debates democráticos com a
população.
199
O segundo PDD, realizado no ano de 2006 é um exemplo tácito da “participação”
social pro forma. Mesmo o Estatuto das Cidades não conseguiu trazer novas práticas e ampliar a
participação popular em São Gonçalo. Os Planos Diretores repercutem na mídia local, mas
questionados, os entrevistados negam conhecer a sua aplicação. A participação nos debates e
reuniões deliberativas continua sendo feita por grupos de interesse local e por algumas entidades
representativas da sociedade civil.
Não acreditamos que Planos Diretores possam ser considerados “soluções para
problemas urbanos”, pois esses envolvem uma trama complexa que vai além do plano local e
envolvem interesses de capitais globais. Dedicamos a segunda parte deste trabalho tentando
demonstrar essa hipótese. Mas acreditamos que instrumentos de ordenação urbana podem
contribuir para evitar disputas políticas e desequilíbrios entre distritos ou bairros nas cidades.
A democracia pressupõe a institucionalização dos conflitos entre os setores
organizados, mas também instrumentos de conquista e ampliação da cidadania. Os Planos e
estudos analisados até aqui podem, no mínimo ter sido, oportunidades para que os sociólogos e
planejadores entrem em contato com as mais diversas realidades e pontos de vista.
Optamos por fazer esse item intitulado de “Estudo Crítico dos Planos Diretores de
São Gonçalo” com o intuito de criticar a velha “crença racionalista” ainda disseminada em muitas
administrações municipais. Essa crença, quase religiosa significa, além da concentração de poder
nas mãos dos técnicos e políticos, a reprodução das desigualdades sociais de uma forma mais
“racionalizada”.
200
O chamado “planejamento participativo”, em voga na década de 1990 e repetido no
estudo preliminar do PDD de 2006, ainda não é a panacéia que irá instaurar uma democracia
participativa como alguns podem crer. A letra fria da Lei não substitui a nobreza do diálogo como
forma de solucionar “problemas urbanos”. A simples utilização do termo “participativo” não
significa que todos os níveis desde a elaboração até a tomada de decisões sejam necessariamente
participativos. O limite entre a necessidade da utilização técnica e a atividade participativa ainda
está por ser delimitado.
Dentre os vários questionamentos que tivemos durante a elaboração desse trabalho,
podemos afirmar que pelo menos um foi elucidado. Inferimos que as propostas contidas no
produto final do PDD de 2006, assim como no Plano anterior, não fazem referência aos “vazios
sociais” ou bolsões de pobreza que detectamos no município. A ampliação no diagnóstico social
do último Plano não foi suficiente para penetrar recantos como o Engenho Pequeno, Luiz Caçador
e Salgueiro, esquecidos pelos planos analisados.
Localidades como essas, carentes de quase todos os serviços públicos, representam
uma lacuna entre o planejamento urbano dito participativo e a realidade local. A título ilustrativo,
é bom lembrar que consideramos como - vazios sociais - localidades onde a ausência de
planejamento contribuiu para agravar a situação de precariedade. As localidades, acima citadas
estão entre as mais pobres e renegadas do município.
Quase consideradas sub produtos da especulação fundiária, não são sequer citadas
nos Planos Diretores ou demais legislações analisadas. Durante dois anos de pesquisa nos jornais
locais encontramos apenas referências nas páginas policiais. A demora em ocupar socialmente
esses espaços, através de instrumentos já previstos em leis, facilita a ocupação irregular. Podemos
201
constatar tanto na “área de preservação ambiental” do Engenho Pequeno quando nas comunidades
do Salgueiro, Água Mineral, e Luiz Caçador a favelização desses antigos espaços rurais, um tipo
de transição não planejada do rural ao urbano que não passa pelo processo de urbanização
tradicional.
O “toque de recolher” imposto pelo tráfico de drogas e os constates crimes
comentados pelos moradores desses locais podem explicar a não citação desses bairros nos Planos
Diretores. A não previsão em Lei da construção de moradias populares, equipamentos e serviços
destinados às camadas populares configura e reforça a tese da existência desses vazios sociais e os
mantêm excluídos da chamada “cidade legal”.
Estas localidades deveriam ser diagnosticadas nos futuros Planos Diretores. Tanto a
criação quanto a aplicação de instrumentos de inclusão social só podem ser concretizadas através
de leis específicas para as suas principais necessidades. As condições e prazos fixados para a sua
execução também devem ser contemplados para que não se repita o erro de descrever nos artigos
dos Planos sem a devida regulamentação.
Instrumentos, como a requisição urbanística através de permuta, previstos no Artigo
17º do primeiro PDD possibilitariam a intervenção do Poder Público nos vazios sociais urbanos já
parcelados, mas carentes de equipamentos sociais. Podemos citar como exemplos os bairros do
Jardim Catarina e da orla da Baía. O Jardim Catarina não é um simples bairro, é um conjunto de
três grandes loteamentos ocupados de forma distinta e segundo os dados da PMSG possui cerca
de 25.000 lotes e conta com cerca 100.000 habitantes.
202
Para São Gonçalo, apenas o Jardim Catarina será contemplado através de projetos do
PAC. O governo federal prevê a destinação de verbas públicas para o saneamento básico; criação
de espaços públicos de lazer e a implantação de equipamentos urbanos e comunitários. O
conjunto dos loteamentos do Jardim Catarina foi escolhido porque além de ser cortado pela BR
101, está localizado próximo a área delimitada para a construção do COMPERJ, além do mais,
faz fronteira com o antigo distrito de Guaxindiba, tornando-se de grande interesse estratégico.
A existência de “vazios sociais” não assinala apenas o declínio de uma economia
amparada na indústria, mas também comprova que a ausência de um planejamento urbano eficaz
intensificou os movimentos de esvaziamento de bairros como Neves, Gradim e Porto da Madama.
Antigos espaços de vocação industrial ainda não possuem projetos específicos para as suas
revitalizações. Neves por exemplo, ainda sofre com um lento processo de substituição de
atividades do setor secundário para o setor terciário. Além disso a construção de mais uma igreja
evangélica da cidade, numa área de 20.000 m2 ocupada até 1999 pela Fundição Palmares na
Avenida Oliveira Botelho, em Neves, comprova a tese de que a ocupação de espaços
anteriormente industriais por outras atividades é uma tendência no distrito.
A atual administração local demorou a reconhecer e incentivar a recuperação de
espaços pouco utilizados ou quase abandonados por novas atividades industriais, por outro lado, a
mesma administração mostra-se empenhada na aquisição de terrenos ou fábricas, como a
Conserva Jangada para implantação do já citado terminal Hidroviário, mas demonstra
preocupação com reutilização de plantas fabris do porte da Gerdau, por exemplo, que transforma
parte do bairro de Neves em um grande vazio urbano.
203
Para este tipo de vazio urbano é previsto no Artigo 182º da Constituição Federal nos
parágrafos 2º e 4º, que o poder público exija os proprietários de imóveis não edificados,
subutilizados ou não utilizados promovam o seu adequado aproveitamento, de modo a fazer com
que cumpram sua função social.
O não atendimento a essa exigência poderá penalizar o proprietário com o
parcelamento ou edificação compulsórios. Para a aplicação desse instrumento, é necessário que o
imóvel esteja situado em área contemplada pelo atual Plano Diretor. Como não é o caso, não há
uma Lei específica regulando essa questão e dificultando a sua execução. Os instrumentos de
parcelamento ou edificação compulsórios já se encontravam descritos dezesseis anos atrás no
Artigo 16º do Plano Diretor de 1991.
A inércia do poder público em produzir operações de revitalização urbana, como no
caso do entorno da antiga usina da Gerdau, cria entraves para a entrada de novos
empreendimentos e aumenta os custos dos agentes incorporadores que poderiam produzir
habitações populares no terreno da antiga planta fabril.
A valorização de espaços considerados como vazios urbanos poderia atrair novas
atividades e principalmente a aproveitar a infra-estrutura existente. Neste sentido, o sistema viário
existente no eixo Niterói Manilha é um fator de valorização e de atratividade. Mas a ausência de
políticas públicas para o incentivo da habitação na região litorânea do município ainda é um fator
decisivo para propiciar o aparecimento de loteamentos e comunidades de baixa renda. A própria
PMSG está desenvolvendo um projeto para a construção de casas populares no Gradim. A
intenção é louvável, pois prevê a urbanização e substituição de comunidades como a Favela do
204
Gato236, mas pode seguir o mesmo modelo de comunidades do Rio de Janeiro como a Maré à
Vila do João espraiando-se paralelamente a via principal.
Desde o nosso último trabalho, realizado em 2000, a preocupação com a revitalização
dos vazios urbanos e industriais ainda é pequena, tanto por parte da administração municipal
quanto Estadual. As operações ainda não ocorreram e estão inteiramente à mercê da lógica
especuladora do mercado. Independentemente das preocupações detectadas nas comunidades
locais e apontadas no Estatuto da Cidade e descrito no produto final para a elaboração do segundo
Plano Diretor:
“Dentro da esfera do planejamento municipal, considerados como
instrumentos de política urbana, o Estatuto da Cidade apontou, entre outros:
[...] Instrumentos específicos, tais como: parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios, imposto predial e territorial urbano progressivo,
desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, concessão de
direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia; direito de
superfície; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,
transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas,
consórcio imobiliário”. (PDD, 2006, p. 120).
Os dispositivos citados acima nos fazem lembrar a sombria hipótese aristotélica e
explícita no atual “estado das artes”. Não basta demonstrar em Lei a preocupação em tratar das
questões urbanísticas e questões ambientais. O “direito à cidade sustentável”, incluindo-se o
direito à moradia237 para a população de baixa renda, não é considerado na gestão municipal. E
isso acontece nesse momento de rápida mudança do seu eixo Niterói manilha.
Este eixo continua crescendo a cada dia, enquanto as políticas vêm na contra-mão
desse crescimento. A administração municipal parece não levar em conta o futuro próximo que
236 A Lei nº 31/99 publicada em 06/06/1999, passou a denominar a antiga “Favela do Gato” em Vila Cassenú.
A comunidade, situada no bairro do Gradim, uma das mais antigas no município de São Gonçalo, abrigava
antigos trabalhadores da indústria de conservas e pescadores da Baía de Guanabara.
237 O direito a moradia faz parte da “Emenda Constitucional nº 26, de 14/02/2000” e foi introduzido na
Constituição Federal entre os principais direitos sociais.
205
poderá representar um aumento demográfico graças à instalação do COMPERJ. A atual
administração deveria assumir um papel mais ativo e implementar políticas sociais antes que o
município tenha a sua estrutura econômica novamente transformada.
A atual crise no planejamento urbano não é mais expressa, como na década de 1970
pelo esvaziamento dos órgãos de planejamento, mas ao contrário, pelo excesso de instituições
ineficientes e de legislações que não apontam de forma clara as fontes financeiras.
Não existem projetos eficientes para combater a “metropolização da pobreza” e uma
preocupação especial com a população de baixa renda. A indicação em diversos instrumentos
legais não passa de letra morta e vem provocando um fenômeno recente no município, a ocupação
de prédios privados por famílias de baixa renda como nos casos da Avenida Maricá e da região
entre o bairro de Santa Catarina e Pita.
206
3.4. A Percepção dos processos de mudança social
Neste item analisamos depoimentos coletados em entrevistas e recolhidos por correio
eletrônico para compreender a percepção social sobre o processo de mudança no município.
Utilizamos algumas observações técnicas recentes, contidas na literatura disponível sobre
mudança social e transformações econômicas.
São Gonçalo assim como grande parte das “cidades contemporâneas” é um lócus
privilegiado de “estilos de vida” e “visões de mundo” distintas, como afirma (VELHO, 1997, p.
4). As transformações em curso no eixo Niterói-Manilha, desde o final da década de 1980,
ampliam essa multiplicidade de opiniões. Moradores, visitantes e trabalhadores de São Gonçalo
são unânimes em detectar esse processo, mas para Velho é “fundamental a constatação da não
linearidade desse processo”.
Através de entrevistas percebemos que alguns moradores dos bairros próximos à Boa
Vista interpretam positivamente a construção do shopping e do piscinão em São Gonçalo. Mas
quando nos afastamos desse sub centro e questionamos moradores de Sete Pontes e Ipiíba,
distritos mais distantes. Registramos algumas críticas referentes à escolha da localização do
empreendimento. Um entrevistado mencionou que a “Boa Vista é uma roça. O shopping deveria
ter sido construído no Centro da cidade, pois temos que pegar dois ônibus para chegar lá. Quando
saímos, depois do cinema, é muito perigoso ficar esperando o ônibus. Tem muito perigo de
assalto e o ônibus demora muito”.238
238 Entrevista concedida por um morador do bairro de Sete Pontes em outubro de 2007.
207
Por outro lado, para um morador da Boa Vista, “o shopping está fazendo com que a
Prefeitura asfalte as ruas do bairro e o piscinão foi a salvação para o lazer. Temos até festa no final
do ano, com shows e uma queima de fogos”.239 Assim, é importante destacar que encontramos a
coexistência de múltiplos julgamentos e em certos casos, posições conflitantes. A complexidade
começou a surgir quando ouvimos as críticas de moradores da Boa Vista e posições elogiosas de
moradores distantes.
Para alguns entrevistados na Boa Vista, o shopping encobre a realidade pobre do
“morro da Boa Vista”. O aumento da falta de água se deu por conta do “desvio da água do bairro
para o shopping” e não pelo adensamento populacional no primeiro distrito. O distrito sede , (São
Gonçalo) passou a abrigar no ano 2000 cerca de 36,0% da População municipal.240
Assim como as opiniões são diversas, o bairro apresenta uma certa diversidade entre
os seus habitantes. Não há uma uniforme ética, como apontou o jovem americano.
“We drove through a street just past Sao Goncalo shopping (near the bay)
and heading towards the city centre, one big long street of a few miles long,
with barely road coverings a truely awful street, I think all folks where black
around there, her dad drove through very quickly so I guess it was pretty
bad”. E-mail de um jovem americano em 2006.
“Nós dirigimos por uma rua após o São Gonçalo Shopping (próximo à Baía
de Guanabara) em direção ao centro da cidade, uma grande rua com algumas
milhas de comprimento, com péssima cobertura de asfalto. Uma rua
verdadeiramente horrível. Pensei que todos ali fossem negros. Seu pai
dirigiu muito rápido, por isso eu considerei que fosse muito perigoso”.
Lá encontramos divisões étnicas não tão precisas, como em bairros onde predomina
grupos da mesma origem ou em condomínios, (VELHO, 1997, p. 4). O que o jovem acima não
239 Entrevista com morador da Boa Vista em dezembro de 2006.
240 Fonte: IBGE/DPE - Censo Demográfico de 2000.
208
foi capaz de perceber é homogeneidade da classe social que predomina nessas áreas periféricas.
São famílias da classe trabalhadora ou classe média empobrecida compartilhando o mesmo bairro
com moradores oriundos de antigas comunidades de pescadores. (VELHO, 1997, p. 4).
Como diz o antropólogo, “nem sempre isso se dá de forma nítida, havendo
freqüentemente uma interpenetração, quase indistinguível, à primeira vista, de grupos e estilos
sociais particulares”. (VELHO, 1997, p. 5). Num mesmo bairro, assim como nos grandes
edifícios de apartamentos é comum identificarmos categorias sociais e indivíduos bastante
heterogêneos quanto ao seu modo peculiar de construção social da realidade, opções existenciais e
valores em geral.241
“A memória individual e social é um dos principais instrumentos para a
manutenção e alimentação de quaisquer identidades. Aspectos da paisagem,
praças e prédios, ruas, móveis, álbuns de família, quadros, preferências e
tabus alimentares, crenças, superstições, histórias familiares, piadas, jargão,
vocabulário em geral, formas de expressão lingüística, tudo isso constitui um
acervo de memória permanentemente interpretado que estabelecem
fronteiras entre diferentes segmentos sociais. Essas fronteiras não são, no
entanto, impenetráveis e sua rigidez é relativa. Constantemente elas flutuam
e sofrem transformações a partir de fatos e experiências novas mais ou
menos imprevisíveis. O fenômeno que nos interessa particularmente é o
ininterrupto processo de negociação dessas diferenças, permitindo a própria
continuidade da vida social”. Idem, (VELHO, 1997, p. 5).
Diferenças encontradas entre os depoimentos de moradores e visitantes produzem ou
reproduzem as fronteiras culturais. Quanto mais “estrangeiro” for o observador; mais rígida
poderá ser essa fronteira.
“tis a horrible place that São Gonçalo, I´ve never seen a place like it I dont
think, ive been to a few rough places in europe but I think I would be robbed
or killed in 2 minutes in some of them streets”. (Idem, 2006).
241 VELHO, Gilberto. A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1989 (5a edição).
209
“São Gonçalo é um lugar horrível. Eu jamais vi um lugar como este. Não
consigo nem pensar. Estive em alguns lugares rudes na Europa, mas em São
Gonçalo pensei que fosse ser roubado ou assassinado em dois minutos
andando em algumas de ruas dessa cidade”. Depoimento de um jovem
americano à sua amiga gonçalense.242 (Idem, 2006).
Quando comparamos depoimentos de pessoas de diferentes segmentos sociais as
contradições são mais aparentes nas suas visões de mundo. Segundo Lefebvre, essas contradições
nos aproximam da verdade. Para um jovem de um país desenvolvido a revitalização de um bairro,
como a Boa Vista, deveria envolver a reorganização da vida urbana, mas as ruas continuam “feias
e tristes” e trazendo à tona a distinção social entre o espaço social e o espaço simbólico
apresentados nas opiniões dos diferentes jovens como diria Bourdieu.243
“Having just returned from Brasil after 5 weeks holiday staying with my
brasileira and her family in Niterói, I can confirm that she is indeed correct, I
attended a wedding of her cousin in Sao Goncalo and whilst drving through
to the church, and whilst on a bus a couple of times in the place, I can
confirm there are some really really ugly streets in this city. Infact there are
more ugly women than what I would call pretty or even average looking
when compared to Rio. (Idem, 2006).
“Logo após retornar ao Brasil, depois de cinco semanas de férias com a
minha brasileira e sua família em Niterói, eu posso confirmar que ela estava
correta. Eu assisti ao casamento do seu primo em São Gonçalo, e enquanto
nos dirigíamos a Igreja, em dois ônibus naquele lugar, eu posso afirmar que
realmente existem muitas ruas feias nesta cidade. De fato as mulheres de lá
são as mais feias quando comparadas, em média, com as do Rio de
Janeiro.”244 (Idem, 2006).
Quando a administração local ou um grande empreendimento revitaliza terminado
distrito em detrimento de outro produz fronteiras rígidas (VELHO, 1997, p. 5) ocultas ao
pensamento do senso comum. Esse não compreende nem aceita a lógica dialética.
242 Tradução livre do depoimento de um jovem americano enviado à sua amiga gonçalense por e-mail em
janeiro de 2006. A transcrição respeitou a grafia utilizada por este jovem na internet.
243 BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Cap. “Espaço social e espaço simbólico”, pp.13-33. Ed. Papirus, São
Paulo. 2003.
244 Tradução livre do depoimento de um jovem americano. Idem.
210
“O pensamento ‘é’ e só pode ser, transição, movimento, passagem de um
grau a outro, de uma determinação a outra, relação com o real e com suas
próprias etapas percorridas”, (LEFEBVRE, 1995, p. 178).
Os depoimentos, dos jovens entrevistados, indicam que eles pertencem a diferentes
grupos sociais, mas compartilham valores e visões de mundo preconceituosas. Não reconhecem
que a pobreza tende a ser evidenciada quando localidades como a Boa Vista passam a fazer parte
da cidade formal. A ligação da rodovia BR 101 até o Rodo de São Gonçalo só foi pensada a partir
do projeto São Gonçalo 2000. Começou a ser utilizada por pessoas de outras cidades pra chegar
até a quadra de escola de samba no Porto da Pedra e a partir da inauguração do São Gonçalo
Shopping, colocou de vez o bairro em evidência.
Compreender a positividade dessas contradições é uma “exigência interna do
pensamento” (LEFEBVRE, 1995, p. 178). Segundo a dialética lefebvreiana o pensamento é
movimento, assim como os espaços, os pensamentos sobre esses mesmos espaços, tendem a se
transformar, entrar em movimento.
“O pensamento se afirma como movimento de pensamento ao mesmo tempo
que pensamento do movimento, i.e. conhecimento do movimento objetivo.
Se imobilizado, ele se destrói. A análise, a separação dos momentos, não
pode ser senão momentos do pensamento vivo’. (LEFEBVRE, 1995, p.
178).
Conseguimos avançar na análise das entrevistas quando reconhecemos as
contradições dos depoimentos. Assim descobrimos que as diferentes visões de mundo são
contraditórias, mas complementares. O bairro é feio e bonito, é uma roça e é moderno ao mesmo
tempo. Como diria Lefebvre o real é contraditório e “a relação entre dois termos contraditórios é
descoberta de algo preciso: cada um é aquele que nega o outro”. (LEFEBVRE, 1995, p. 179).
211
“By the way, Sao Goncalo itself surely must be the poorest city in Brazil, it
is a horrible place and even the good streets (ie the ones with tarmac or
concrete and not just mud) are terrible, I didnt see all the city but what I saw
was terrible and I am told it is all similar or worse”. (Idem, 2006).
“De fato, São Gonçalo deve ser certamente a cidade mais pobre no Brasil. É
um lugar horrível. Mesmo as melhores ruas (com asfalto) ou concreto têm
lama, são terríveis, não conheci toda a cidade, mas o que eu vi foi terrível, e
eu digo, toda ela deve ser assim ou parecido”. (Idem, 2006).
“Minhas amigas marcaram depois do trabalho para ir ao São Gonçalo
shopping para trocar o sapato que ela tinha comprado, mas não gostou. As
lojas estavam em promoção. Muitas novidades. Depois fomos comer na
praça de alimentação. Puxa! Foi um máximo. Botamos o papo em dia. Foi
maravilhoso. Mas a Rita nunca tinha ido ao shopping, ela estava encantada
com tanta beleza, luxo, harmonia de organização e a decoração” Entrevista
com uma jovem estudante sobre o shopping em 2007.
São Gonçalo está passando por um momento distinto, entrando na “nova” lógica do
capital global. Antes o capital internacional explorava a cidade e não se preocupava com a sua
estética. O período de auge da Portland, La Farge, International, Quaker, Seves e B-Braun aos
poucos cede espaço para o terciário, representado pelos hiper mercados e pelo shopping. Estas
mudanças provavelmente irão impor uma nova estética de consumo que influenciará os bairros
periféricos.
Não só o jovem americano, mas qualquer pessoa que visitasse a orla da Boa Vista na
década de 1990 pensaria como ele. A beleza citada pela jovem, ao visitar pela primeira vez o
shopping é um sentimento que vem sendo compartilhado por muitos jovens que por grande parte
de suas vidas conviveram com espaços precários e desprovidos de luxo e preocupação estética.
Alem disso os cinemas do empreendimento, que atraem os jovens, ainda são os únicos
divertimentos desse tipo na cidade.245
245 Até a década de 1970 o município possuía vários cinemas: São José, Tamoio, Venda da Cruz, Paraíso e
Neves. Na década de 1990 a cidade possuía apenas o cinema do Rodo shopping, fechado na mesma década. Com
o crescimento das denominações evangélicas todos os outros cinemas foram “convertidos” em Igreja. Até a
inauguração do São Gonçalo shopping, em 2004, o Cine Teatro Alcântara era o único para atender uma
população de quase um milhão de habitantes. Este último sobreviveu porque pertencia a uma Escola particular.
Hoje o shopping tem oito salas de cinema que trazem “orgulho” para os entrevistados.
212
A falta de investimentos e a crise de empregos na economia municipal são
amenizadas pelas promessas de trabalho no shopping e no COMPERJ. A via expressa, que corta o
centro da cidade, ganha novos acessos ao empreendimento. O transporte irregular e clandestino,
por conta dos novos itinerários e das “vans piratas” abre novos caminhos e loteamentos.
“Eu já ouvi falar muito sobre o São Gonçalo shopping, mas particularmente
nunca fui. Mas como todo shopping, lá encontram-se muitas oportunidades
de emprego, e um dos mais conhecidos como ‘os empregos temporários’ que
bem ou mal oferecem chances de jovens conquistarem o primeiro emprego,
mesmo que seja apenas por alguns meses. O shopping de São Gonçalo é de
muito difícil acesso para quem precisa utilizar o transporte coletivo. Para ir é
uma tristeza, não é todo lugar que passa um ônibus para lá, mas van tem
bastante, que por sinal lota na volta.” Depoimento de uma jovem sobre o
shopping em 2007.
Ao incluir o bairro da Boa Vista e arredores no circuito do capital global novos
loteamentos surgem. É o capital do varejo acompanhando o capital global. A comunidade pobre
em frente ao shopping cresce e o último espaço de mangues quase foi vendido. Graças à denúncia
de moradores uma placa de venda de lotes foi retirada pela PMSG e até o presente momento não
foi recolocada.
“Quando começou o projeto de construção falaram que ia haver melhoria nas
proximidades do shopping e que ele ia trazer melhorias a São Gonçalo, mas
só melhoraram as ruas de acesso ao shopping. Sem contar com as casas
humildes que têm nas localidades próximas ao shopping, que não está de
acordo com o tipo de pessoas que estão acostumadas a freqüentar o
shopping. A Prefeitura poderia fazer melhorias nas proximidades do
shopping”. Depoimento de morador da Boa Vista em 2006.
Assim como Alexis de Tocqueville246 acreditamos que os dois maiores problemas, a
violência e a pobreza, só podem ser combatidas quando são criadas as “comissões de cidadãos”
(selected-men), segundo ele, composta por aqueles que moram e trabalham no bairro, para discutir
246 TOCQUEVILLE, Alexis. “A Democracia na América”. Obra escrita em 1835 sobre os Estados Unidos da
América. 2ª edição. São Paulo ed. Edusp, 1977.
213
os seus problemas e planejar em conjunto as soluções. As políticas públicas municipais ditas
participativas, demonstraram não compreender a complexidade das transformações em curso.
O transporte regular, tão criticado nas entrevistas, perde espaço a cada dia. Não
atende todos os bairros e localidades do município. Mesmo subsidiado não compete com os
preços do transporte irregular. A chamada “máfia das vans” controlada, entre outros, pelo
vereador “Motta da Copasa”247 conta com mais de cinco linhas para atender o público do
shopping. A população gonçalense, aos poucos, vai virando refém desse transporte, fato que levou
o recentemente a uma disputa “territorial” para controlar o transporte no eixo Niterói Manilha.
Além dos pontos negativos que foram destacados no decorrer desse trabalho,
podemos observar no relato da jovem que trabalha no shopping a alegria de ter seu emprego,
cercado de “segurança, lazer e alimentação”.
“Eu não conhecia muito o shopping e não tinha o que falar. Bom, agora
posso falar um pouco porque já trabalho lá quase uns dez meses. É bem
grande mesmo como falaram. Eu acho muito mal dividido. Não tem muitas
lojas. Ele não é muito movimentado. Se você for lá nos dias de semana no
horário da manhã é bem vazio, a tarde é um pouco mais movimentado, não
posso falar muito porque trabalho no horário da manhã. Eu acho muito bom,
porque trabalho menos, mas em compensação, no fim de semana é muito
cheio. Qualquer hora que você for lá vai tá movimentado. Tem uma coisa
que gosto muito no shopping São Gonçalo é a praça de alimentação que tem
muita variedade pra comer. Você pode ir comer sanduíches, como você pode
ir jantar, porque tem variedade em restaurante e pizzaria. Tem muita
segurança pelo shopping todo. Pelo menos eu nunca vi casos de roubo.
Gosto também das salas de cinema. Tem bastante opções de filmes e não é
tão caro. Por isso vive tão cheio. Tem uma academia bem grande no
primeiro piso tem a faculdade Estácio e tem um grande estacionamento com
capacidade para muitos carros. Bem é isso que eu posso falar do shopping
São Gonçalo, eu gosto muito de lá. É um lugar tranqüilo para passear com a
família.” Depoimento de uma trabalhadora do shopping em 2007.
247 Atualmente preso por sua ligação com a chamada “máfia das vans”.
214
É quase senso comum, mas o depoimento da jovem acima se relaciona com a visão
de mundo de um futuro moderno e idílico apontado por administradores do shopping. Segundo
eles é possível harmonizar trabalho, segurança e lazer num mesmo espaço.
“Consumo, lazer e educação combinam? Parece que sim. Desde que diversas
universidades brasileiras passaram a procurar shopping centers para a
instalação de seus campi, os corredores dos empreendimentos ganharam um
público adicional: alunos e alunas como mochilas, pastas e [...] sacolas de
compras. Vantagens para os alunos, que têm nas instalações a segurança e o
conforto necessários – além de um acesso rápido a serviços concentrados em
um só lugar”248
Entretanto, alguns estão do lado fora do “paraíso idílico”. As relações entre o
shopping, a cidade e a favela ainda são incipientes e vêm acompanhadas quase sempre de um
estigma negativo. Desde a construção do empreendimento em 2003 havia a promessa de
urbanização da Boa Vista e adjacências, mas as autoridades olham as áreas pobres do entorno e
suas populações como um problema a ser eliminado.
O economista Carlos Lessa, (2000)249 já destacava ao comentar a cidade do Rio de
Janeiro que a população pobre, habitante em sua maioria, das favelas, durante o processo de
urbanização da cidade, no início do século foi discriminada e excluída do planejamento urbano
em detrimento de uma classe dominante, que visava a utilização do espaço urbano como símbolo
urbanístico “moderno”.
“[...] os perigosos para a saúde. Sua presença afetava o prestígio da capital
republicana. No cortiço a superpopulação e a precariedade dos serviços de
infra-estrutura (água, esgoto, lixo, energia e gás) somavam-se á precariedade
higiênica e à ausência de conforto e privacidade [...] A República se propôs a
cancelar os cortiços por razões urbanísticas e sanitárias explícitas, em busca
de uma configuração de prestígio. A reforma urbana nada propôs em relação
aos quarteirões lindeiros à área reformada, tampouco sugeriu nenhum novo
248 Revista Shopping Centers. Matéria “Uma aula de empreendimento”. Junho, 2005.
249 LESSA, Carlos, O Rio de Janeiro de todos os Brasis: Uma reflexão em busca de auto-estima. Ed. Record,
Rio de Janeiro, 2000.
215
padrão de controle policial. Não realizou qualquer política habitacional para
os pobres. Simplesmente não tomou considerações a moradia para o povo.
Desconheceu o problema. Parecia que, para os homens da Reforma Passos, o
povo era invisível.” (LESSA, 2000, p. 296)
A história se repete como na piada marxista. Assim como a reforma urbana de Pereira
Passos, a construção do shopping desconsiderou “os quarteirões lindeiros” A administração
municipal não realizou nenhuma política habitacional para os moradores das comunidades em ao
lado e atrás do shopping. Simplesmente asfaltou a rua, (que o jovem americano considerou com
péssima cobertura de asfalto) e desconheceu os outros problemas. O povo ainda parece invisível
para a mentalidade dos antigos “os homens da Reforma”.
Desde o período da Reforma Passos vários projetos de intervenção nos chamados
vazios sociais foram executadas. Umas autoritárias, com remoções e expulsões e outras menos
violentas como as reconstruções e urbanizações. O programa “favela-bairro” no Rio de Janeiro
procurava inserir áreas pobres aos bairros. Neste trabalho não nos detivemos no estudo das favelas
em São Gonçalo, mas vários sociólogos e antropólogos estão pesquisando as políticas públicas
para as comunidades pobres do município. 250
A Avenida Barão de São Gonçalo, rua de acesso ao shopping, foi criada com uma
dupla utilidade. A primeira foi ligar a Rodovia Federal BR 101 ao empreendimento como uma
“alça de acesso” e em segundo lugar separar o shopping do bairro, tornando-o “suspenso no
espaço” que o ligaria a favela.
250 Em São Gonçalo temos Simone Guedes, Leila de O. Araújo, Désirée Guichard Freire, Carlos Nelson
Ferreira Santos entre outros que pesquisaram ou pesquisam o município. No Rio de Janeiro temos Luiz Antônio
Machado da Silva, Maria Alice Rezende de Carvalho, Alba Zaluar, Lícia do Prado Valladares, Luiz César
Queiroz Ribeiro entre outros.
216
Essa “rua” atualmente vem sendo utilizada como ponto final das “vans piratas” e uma
grande quantidade de veículos parados durante o dia. Na rua passou a funcionar uma “praça de
alimentação” paralela onde são vendidas “quentinhas” para os motoristas. Também encontramos
um “lava a jato” que cuida das vans e dos táxis. No seu início, próximo à BR 101, funciona um
posto de gasolina onde alguns carros usados são negociados “paralelamente” aos “feirões” do
shopping. Além disso entre o shopping e a BR, em dois trabalhos de campo, encontramos jovens
fazendo da “pista” ponto de prostituição.
Logo após o shopping temos a primeira via de acesso ao centro (Rodo) de São
Gonçalo. O maior trecho desta via é asfaltado, (Avenida Joaquim de Oliveira), mas em péssimo
estado de conservação. Não encontramos favela, apenas casas simples de alvenaria. Alguns
sobrados e pequenos comércios de bairro. Esta via é muito utilizada pelos moradores da Boa
Vista, Brasilândia e Boaçu e por moradores de outros bairros que vão ao Rodo.
Na Boa Vista, quase todas as casas são de alvenaria, mas na parte alta encontramos
casas feitas recentemente, cobertas com de resto de telhas, tábuas e folhas de zinco. Esta parte alta
é popularmente chamada de “morro da Boa Vista” e já convive com conflitos do tráfico de
drogas. O alto do morro não é de difícil acesso, mas habitantes do local não encorajam a visita de
estranhos.251
Ainda nessa área, serviços públicos como: água, luz, esgoto, asfalto, telefone, correio
etc são precários ou inexistente. Apenas a vista para o shopping e para a Baía da Guanabara
valoriza a transação imobiliária das casas. A associação de moradores, como em outras áreas da
251 A pesquisa não se estendeu mais na comunidade por questões de segurança. Até a década de 1980 cheguei a
freqüentar a casa de alguns colegas no Morro da Boa Vista, mas hoje não me atreveria a entrar na localidade sem
um bom motivo.
217
cidade, é loteada por pré-candidatos a vereador que se servem do “cargo” para trocar favores com
a administração municipal.
Próximo ao Bairro da Boa vista, encontramos o bairro Rosane e Brasilândia,
localizados entre o litoral e o centro da cidade, onde o padrão de construção das casas é melhor. O
bairro Rosane é um antigo condomínio popular da Caixa Econômica Federal e o bairro da
Brasilândia é dividido em duas partes. Perto da Boa Vista e do bairro Rosane há um grande
conjunto habitacional, Alair Pires, com sessenta e quatro prédios, cada um com cinco andares e
um total de vinte apartamentos cada “bloco”. O conjunto é popularmente chamado de “Coroado”
em referência à novela que passava no final da década de 1960 quando foi construído. O outro
lado da Brasilândia é mais antigo. Suas ruas fazem referência aos estados brasileiros. As casas
mais próximas à Igreja Matriz são mais valorizadas e atendidas por todos os serviços públicos.
Os moradores da Brasilândia, entrevistados, são unânimes em afirmar os benefícios
que o São Gonçalo shopping trouxe para o bairro. Novas linhas de ônibus, com preços especiais,
foram criadas para ligar o Rodo ao shopping. Quase todas passam pelo Bairro da Brasilândia e
algumas vão até Niterói via BR 101 evitando cortar todo o município de São Gonçalo.
Entre a Boa Vista e a Brasilândia funcionam o Posto de Saúde da Família, o Centro
Integrado de Educação Pública, o CIEP Pastor Waldemar Zarro e uma Igreja Católica
recentemente construída. Atrás desses três imóveis encontra-se o único campo de futebol
comunitário que ainda resiste à especulação financeira. Conhecido como “campo do seu Paulino”
ou “campo do bairro Rosane” é o único reduto de lazer para os moradores dos três bairros. Nele é
comum encontrarmos moradores fazendo cooper bem cedo pela manhã até a noite. Jogos de
218
futebol nos fins de semana, os principais comícios eleitorais e shows. Os parques de diversão e
circos também escolhem a área do campo para suas atividades.
Para concluir, acreditamos que as transformações em curso no município de São
Gonçalo estão provocando mudanças significativas no espaço e na vida dos seus habitantes. Ao
longo das duas últimas décadas e em especial à de 1990 o número de empreendimentos do setor
terciário cresceu significativamente e vem acarretando uma maior heterogeneidade social, isto é
diversificando as práticas que antes eram feitas apenas nas ruas estão passando também para
dentro dos espaços privados, como o shopping, hiper mercados, academias e áreas de lazer
privadas.
As entrevistas apontam para mudanças significativas, não só nas percepções dos
moradores, mas as modificações no espaço social, ou seja, no convívio e nas formas de
socialização. Acreditamos também que o crescimento do município que poderá acontecer com a
entrada em cena do COMPERJ poderá acarretar políticas públicas de repressão ou conversão de
comunidades tradicionais, como os pescadores, para áreas mais pobres e distantes.
Os espaços, que antes denominamos vazios sociais poderão se tornar “espaços do
capital” e seus moradores, como afirmou Lessa, um “povo invisível”. Foram excluídos das
discussões “participativas” antes da implantação dos Planos diretores ou são alvos das decisões de
investimento de capitais estrangeiros. A resistência existe, mas não suplanta o processo de
transformação em curso. A última questão se coloca: as comunidades continuaram produzindo
demandas até o momento que os atores políticos e agentes do capital tomem consciência das suas
atividades.
219
“Sabe-se que a lenta maturação do ser humano que o faz depender da
família, da moradia e do 'habitar', da vizinhança e do fenômeno urbano, tem
por implicação a educabilidade, e por conseqüência uma espantosa
plasticidade. O ser humano tem ‘necessidade’ de acumular e esquecer; tem
necessidade simultânea ou sucessivamente de segurança e de aventura, de
sociabilidade e de solidão, de satisfações e de insatisfações, de equilíbrio e
desequilíbrio, de descoberta e criação, de trabalho e de jogo, de palavra e de
silêncio. A casa, a morada, a residência e o apartamento, a vizinhança, o
bairro, a cidade, a aglomeração, satisfizeram, ainda satisfazem, ou não
satisfazem mais a alguns desses aspectos”. (LEFEBVRE, apud GUEDES,
1992).
Assim como o filósofo sabemos, que a maturação do ser humano é lenta,
principalmente os “homens das reformas”. A emergência do fenômeno urbano, isto é da entrada
em cena do terciário no município, poderá trazer implicações para todos os segmentos sociais que
compartilham os espaços.
A “necessidade de acumular” e esquecer as contradições do capital, como por
exemplo o aumento do sentimento de insegurança nos locais que se desenvolvem está colocando
em debate essa “nova sociabilidade”. A opção pelos espaços fechados pode gerar um certo
sentimento de segurança, mas também de solidão. A satisfação do consumismo pode levar a
depressão e ao desequilíbrio. Enfim a dialética lefebvriana foi uma das escolhas para dar conta
desse objeto em movimento. Da criação à destruição dos espaços surge o “novo” trabalho e um
“novo silêncio”. Essa nova sociedade satisfaz ou não as pessoas que produzem e são produtos
desse “fenômeno urbano”.
220
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Incentivar a prática da responsabilidade social e ambiental nas empresas não
é um aspecto ligado, apenas, à ética: é também um fator estratégico
fundamental para a competitividade. A empresa que adota uma gestão
socialmente responsável alcança diversas vantagens em relação às que não
adotam tais práticas. Esse fato pode ser comprovado pela análise de alguns
índices financeiros, tais como o Dow Jones Sustentability Index – que
valorizou 196% em 12 anos, contra 145% do Dow Jones. Mapa do
Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro: 2006-2015. (FIRJAN, 2006).
221
Relação entre as transformações econômicas e as mudanças sociais
Optamos por estudar os fenômenos recentes em São Gonçalo sob uma perspectiva
complexa que envolve economia, história, política e a chamada, “evolução urbana”. Segundo
(OLIVEN, 1980, p. 14) “a cidade não se auto-explica, pois não é uma totalidade, apenas a
objetivação de uma totalidade maior na qual ela se insere”. Nesse sentido, A partir dessa
perspectiva, que denominamos de multi-visões, entramos em contato com
fatores
econômicos, políticos e sociais para compreender o atual “estado das artes” do
desenvolvimento municipal como um todo.
Conforme Weber (2004),
a cidade é uma pré-condição para a expansão do
capitalismo e seu desenvolvimento intensifica o crescimento da própria cidade.
Dialeticamente, o capital produz a cidade e esta, ao crescer, intensifica a exploração
capitalista, (OLIVEN, 1980, p. 14). Servindo-se dos diferentes setores da economia
extrativista, industrial e pós-industrial, esse capital experimenta diferentes momentos como o
atual de intensificação do setor terciário.
O desenvolvimento das cidades, de modo geral, não as transforma no lócus da
consciência revolucionária como desejavam Marx e Engels. Pelo contrário, através do caso
estudado em São Gonçalo, podemos inferir que os novos espaços de comércio e diversão,
segundo depoimentos de jovens entrevistados, tendem a produzir a expansão da consciência
consumista capitalista. Essa consciência pode criar “campos cegos” que nos impedem de ver
os “vazios sociais” nos arredores dos espaços de consumo.
222
Desde Louis Wirth, a sociologia urbana considera que o fenômeno urbano produz
e reproduz um “modo de vida” específico e nele a cidade é definida como “espaço de
consumo”, onde, segundo Lefebvre, (2000), o “consumo do espaço” se faz por meio de um
“campo cego” cujo sentido é atribuído pelo inconsciente. São “cegos” porque indivíduos
urbanos “modernos” fazem de conta que não estão vendo os “espaços dos pobres”, “vazios
sociais”, onde os “pobres invisíveis” citados por Lessa (2000) não são mais excluídos da
ideologia do consumo que ilumina esses campos.
Segundo OLIVEN (1980, p. 23), nas teorias de Wirth a cidade tem o poder de
induzir mudanças no comportamento social. Nas teorias de Castells, ele encontra vínculos
entre o centro do modo capitalista e os efeitos nos comportamentos nas periferias. Essa
“ideologia da modernização” tem o propósito de justificar o estado de “subdesenvolvimento
das sociedades mais atrasadas, encobrindo as verdadeiras causas desta situação”. A periferia
se transforma em mais um espaço de reprodução do consumismo capitalista, antes
“privilégio” apenas dos centros urbanos mais desenvolvidos. Essa transformação se faz por
meio de uma “ideologia modernizante” diferente da ideologia positivista do século XIX, pois
não se traduz necessariamente nas promessas de progresso nem de ordem urbana.
Esta ideologia, ou visão de mundo, opera através de mitos como a “Barra de São
Gonçalo,” mencionada no primeiro capítulo desse trabalho, ou graças à “ideologia prómercado”, (NATAL, 2005, p. 60) descrita no segundo capítulo. Essas ideologias simplificam
antagonismos, ocultam diferenças culturais, econômicas e sociais entre membros de uma
mesma sociedade, (OLIVEN, 1980, p. 29).
223
Diferentemente dos autores citados por Oliven, não compartilhamos a visão
pessimista de que a urbanização traz a desorganização cultural nem a visão otimista de que a
urbanização provoca a mudança social. Oliven (1980, p. 30). Constatamos, a partir desse
estudo realizado em São Gonçalo, que ambos os modelos pecam ao desconhecer a visão
dialética.
Segundo Lefebvre (2000, p. 126). “a relação dialética entre a forma urbana e o
conteúdo” oculta a exploração capitalista urbana. A cidade vem recebendo novos
empreendimentos de alcance global e alterando a sua “forma”, mas a sociedade em si
continua alheia às principais decisões sobre seu futuro, apesar do discurso “participativo”. “A
passividade dos interessados, seu silêncio, sua prudência reticente quanto ao que lhes
concerne, dão a medida da ausência de democracia urbana, isto é, de democracia concreta”.
Em São Gonçalo uma grande parcela dos cidadãos entrevistados classifica como
um avanço e “modernidade” a construção do shopping, mas alguns têm conhecimento das
contradições sociais que um empreendimento desse porte descortina. Se “a esfera sócioeconômica e a cultural não mantêm uma relação de linearidade do tipo mecanicista”,
(OLIVEN, 1980, p. 33), alguns entrevistados também relacionam o “aumento da violência”
com a “maquiagem” que o shopping trouxe para a Boa Vista.
No terceiro capítulo, descrevemos como a percepção “psicológica” produz valores
e motivam a crença no desenvolvimento sócio-econômico local. A maioria dos moradores do
eixo Niterói-Manilha, por exemplo, continua com a mesma precariedade dos serviços básicos
e a maior parte não trabalha nos novos mercados e no shopping. Ainda assim, muitos afirmam
que têm agora a oportunidade de consumir nesses empreendimentos.
224
O filho de um pescador pode até ter a possibilidade de trabalhar num
hipermercado, na construção naval, no shopping ou no futuro complexo petroquímico, mas
certamente esse “emprego” e os novos hábitos de consumo adquiridos não interferirão na
estratificação social imposta pela lógica capitalista. Segundo Oliven (1980, p. 76), essa
modernização tende a criar “uma homogeneização de comportamentos individuais numa
escala mais ampla”, processo que é fortalecido pela padronização dos bens oferecidos aos
consumidores.
Uma “nova ordem” se instala e transforma diferentes indivíduos e grupos por ela
envolvidos em novos consumidores, mas as mudanças não ocorrem apenas na economia, mas
também na cultura, “na esfera de comportamentos, valores, estilos de vida, lealdades,
identificações, concepções de mundo” (Idem, 1980, p. 77). Nos fins de semana, por exemplo,
filhos de antigos operários de Neves e pescadores da Baía se encontram no shopping,
divididos por “grupos MSN,”252 mas sentem vergonha de contar a sua origem e ocultam os
“sacos plásticos” que usam nos pés para não sujar os sapatos em dias de chuva. São os
chamados “pés de barro” que o shopping “ajudou” a descortinar.253
As respostas apontam que a ideologia de modernização não implica em melhores
oportunidades de vida, mas no acesso simbólico a todas as camadas sociais dos novos grupos
de consumo, tais como os encontrados nas “tribos” do shopping. Agora, os grupos e
252 Grupos de jovens que se organizam através da internet para freqüentar o shopping nos fins de semana.
MSN, Microsoft Service Network é um novo software que facilita a navegação na internet. Com ele, as pessoas
podem pode ler seus e-mails, falar com os amigos on-line, apreciar música e vídeo on-line e navegar na Web.
Esse programa traz os benefícios das tecnologias comuns da Microsoft relacionadas à Internet como, por
exemplo, o Hotmail, o Internet Explorer, o Windows Messenger e o Windows Media Player; tudo em um
programa simples que funciona com a sua conexão de Internet existente. Fonte site da microsoft.com.
253 Encontramos no shopping algumas “tribos urbanas” de diferentes denominações, emos, posers, rockeiros,
pagoderos e funkeiros. Estes grupos de jovens se reúnem na praça de alimentação nos fins de semana. São filhos
das classes trabalhadoras do município.
225
indivíduos podem “compartilhar” os mesmo símbolos dos jovens da zona Sul, mas isto não
produz igualdade entre eles. As desigualdades se apresentam desde a sua localização, como
diz um entrevistado:
“não sei o porquê desse shopping ter sido construído em uma localidade tão
ruim, mas de certa forma acaba iluminando o lugar, trazendo um contraste
com o local em questão [...] Esse é um shopping bom e com infra-estrutura
superior aos clássicos Plaza e Bay Market (em Niterói), entretanto, por
opção minha, tendo a freqüentar os clássicos, não que eu seja saudosista,
mas sim por vários fatores, incluindo a localidade e os freqüentadores me
levam a eles. Curioso, um shopping que leva o nome de uma cidade não ser
localizado no centro dela.” (Depoimento de um estudante do ensino médio
de São Gonçalo, em 2007).
Percebemos uma mudança na tendência da exclusão da “classe subalterna” que
agora afirma “participar das atividades antes privilégios das classes médias de Niterói” e de
outras cidades, mas continuam sem acesso aos recursos e bens econômicos urbanos
economicamente incorporados nessas cidades. O comércio e as empresas de Niterói e do Rio
de Janeiro continuam, segundo o IBGE, provocando os maiores deslocamentos diários para
fora do município de São Gonçalo. Os dados do último censo apontavam cerca 149.379
pessoas ao dia.254
Os “invisíveis sociais” citados por Lessa (2000) estão localizados fora dos centros
clássicos, mas dialeticamente, essa população que trabalha ou estuda fora de São Gonçalo
ainda utiliza serviços e comércios de Niterói e do Rio de Janeiro. O crescimento do terciário
no município pode alterar esse quadro, mas a geração de empregos pode ser insuficiente para
garantir vaga para os cerca de 112.800 desempregados no município. (IBGE, 2000).
254 IBGE. Estudos e Pesquisas Estruturais e Especiais. Censo Demográfico de 2000.
226
Por último gostaríamos de reafirmar as formas de resistência ou resiliência255 que
encontramos nos grupos sociais entrevistados. Estes demonstram uma resistência possível às
mudanças impostas pela lógica perversa do mercado. Enquanto os moradores, ex-operários e
pescadores defendem suas organizações sociais tradicionais, os modelos defendidos pelo
grande capital encontraram formas de combate tão eficientes como foram a lutas no passado.
Estas podem representar uma fonte de inspiração para os novos embates no futuro.
255 O conceito de resiliência é usando aqui para designar as comunidades que vem ao longo do tempo resistindo
às mudanças culturais e sócio-econômicas. O conceito é originário das Ciências Físicas, mas foi aplicado na
Psicologia (MASTEN & COATSWORTH, 1998) para conceituar manifestações de competências e habilidades
na realização de tarefas inerentes ao desenvolvimento humano. Essas competências eram observadas em pessoas
que na infância passaram por situações de privação social e emocional que poderiam impedi-las de executar
atividades no futuro. SOUZA, Marilza Terezinha Soares de et alli. Resiliência Psicológica: Revisão da Literatura
e Análise da Produção Científica. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology 2006, Vol. 40, Num. 1 pp. 119-126.
227
Interrogando as Novas Centralidades no Eixo Niterói – Manilha
A “ideologia de modernização” implica na construção de novos espaços de
consumo e lazer na periferia, como o São Gonçalo shopping, visando “dar” acesso às classes
C e D aos novos mercados. Segundo podemos observar em Natal (2004), os empresários
começaram a dirigir produtos e propagandas para atrair essas classes, a partir de 2003, o que
coincide com o início da construção do shopping, com a intenção de incorporar aqueles que
“ganham de 2 a 10 salários mínimos” e “constituem cerca de 40% do mercado de consumo do
país e mais de 30% dos domicílios brasileiros”. (Idem, 2004, p. 108).
Para que essas classes passem a consumir os produtos oferecidos nos
empreendimentos recém inaugurados é necessário criar novos “estilos de vida” e “visões de
mundo” para “dirigir o consumo” como apontava Lefebvre ao criticar, na revolução urbana:
“o capitalismo burocrático de consumo de massa dirigido”. Uma nova dinâmica econômica
impõe mudanças especiais para transpor obstáculos, mas não dissipa “a antiga relação entre
crescimento econômico e distribuição de seus frutos”. (Idem, 2004, p. 116). A tese apontada
por Natal de que a inflexão econômica não dá conta de explicar o crescente numero de
indigentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, apesar do crescimento econômico,
aqui corrobora “o drama social” que detectamos em São Gonçalo e se transforma em
comédia. Os excluídos assistem, das suas casas nos morros da Boa Vista ou de Neves a
chegada de novos produtos ao Carrefour, Wal Mart e ao Shopping, mas ainda “não” podem
tocá-los.
Nesta tese, os fatores “de natureza sociológica” são “convidados” a explicar esta
cena dantesca em São Gonçalo. A ‘febre’ apontada por Natal para os shoppings da periferia,
228
que triplicaram de número nesta década (Idem 2004, p. 122), não ampliou na mesma
progressão o número de postos de trabalho. A “febre” que pudemos observar em todos os
segmentos sociais entrevistados é a do aumento na sensação de insegurança e do consumo de
bens supérfluos.
A “modernização” das indústrias multinacionais em São Gonçalo também está
produzindo, desde a década de 1990 a queda do emprego industrial. Os cortes na Seves, Bbraun, LaFarge, Akzo Nobel e Quaker Oats devem-se à modernização e à substituição do
trabalho humano. Além disso muitas lojas e indústrias não absorvem o trabalho dos jovens
sem qualificação profissional. Os Sindicatos dos Trabalhadores, nitidamente “esvaziados” no
município desde a década de 1980, não têm poder de negociação e não oferecem cursos
profissionalizantes suficientes aos jovens sem esperança, que “acabam engrossando as fileiras
da criminalidade” (Idem, 2004, p. 249).
Em resumo, Natal corrobora a nossa tese ao afirmar que o “clima de euforia” no
Estado do Rio de Janeiro, também encontrado em nossa pesquisa sobre São Gonçalo, deve ser
encarado com a devida cautela. Observamos que a concentração de renda também aumenta,
proporcionando este cenário contraditório. Assim como a riqueza do petróleo não permanece
na Bacia de Campos, a riqueza prometida por novos empreendimentos em São Gonçalo ainda
não foi descortinada.
Para não repetirmos argumentos e opiniões de Natal (2005) e Penalva Santos
(2003), optamos pelo viés sociológico ao apontar que, ao contrário das teses dominantes, para
a maioria dos segmentos entrevistados em São Gonçalo o quadro econômico é favorável e
permite o acesso aos símbolos de status representados por produtos e serviços que circulam
229
na economia global. O morador mais pobre da Boa Vista ou do distrito de Neves acredita que
um dia entrará no “templo do consumo” e acessará os bens e serviços de que “necessita”. Esse
morador nem sempre perde ou ganha, vive a procura de brechas no “vazio social” de serviços
públicos e ofertas de emprego. Não sabe, em tese, que o dinamismo econômico que o
município experimenta nem sempre determina a “distribuição funcional da renda” (NATAL,
2005, p. 21), mas nem por isso deixa de mimetizar aqueles que têm acesso a essa renda.256
Antes dos hiper mercados, do piscinão e do shopping, a população da orla
gonçalense experimentava uma crescente perda de auto-estima detectada através dos
inúmeros apelidos e piadas sobre as suas histórias de vida. É inegável que os novos
empreendimentos contribuíram para o resgate dessa auto-estima e para uma mudança na
identidade local, antes ligada à indústria e ao “mundo do trabalho”. Diferentemente do Estado
do Rio de Janeiro que, segundo Natal (2005, p.
46) passou por um período de crise
econômica no intervalo que compreende os anos de 1980 até 1995, São Gonçalo, de modo
geral, passou a vivenciar o crescimento do seu setor terciário que contribuiu para esse clima
de aparente euforia.
Enquanto a crise do Estado Rio de Janeiro tem sua origem na industrialização
capitalista de São Paulo “no último quartel do século retrasado delegando às demais
economias regionais funções especializadas e de complemento à principal economia do país”,
(NATAL, 2005, p. 47) a crise em São Gonçalo e de outros municípios pobres no Estado faz
parte dessa lógica brasileira, mas também pode ser explicada pela “incompetência” de alguns
políticos locais como tentamos demonstrar no segundo capítulo desse trabalho. Em São
256 Muito provavelmente os jovens que se organizam em “tribos urbanas” aos sábados no São Gonçalo
shopping não sabem ao certo porque “representam” papeis muito diferentes da sua realidade. Filhos de
pescadores se transformam em emos, filhos de operários da construção naval em roqueiros ou punks. Mimetizam
a juventude das classes médias e altas do Rio de Janeiro e de São Paulo na esperança de “ter” a mesma
“distinção social”.
230
Gonçalo, sucessivos grupos políticos se revezaram e, ainda se revezam, no poder há décadas,
bem antes do início da hegemonia econômica paulista.
Além dessa ‘pseudo’ elite política o Estado e o município têm, conforme frisa
Natal, as chamadas “elites empresariais” que conseguiram transformar o discurso pró Rio de
Janeiro em “defesa de interesses particulares estritamente econômicos em supostos interesses
regionais.” (NATAL, 2005, p.
48). Em alguns casos, esses interessas encontram-se
travestidos de incentivos à prática da responsabilidade social e ambiental para ampliar a
margem de lucro nas bolsas de valores de Nova York.257
No terceiro capítulo tentamos apresentar como as falácias do planejamento
urbano, “dito participativo”, continuam sendo as “marcas indeléveis desta nova forma de
intervenção no espaço urbano, sublinhando a prevalência do ‘mercado’ sobre as antigas
modalidades de planejamento mais orientadas pelo Estado e pelos também chamados
interesses nacionais”. (NATAL, 2005, p. 49). Observamos como os Planos Diretores de
1991 e de 2006 são quase fac-símiles de propostas contidas no Plano anterior da FUNDREM
e de estudos do IBAM, quando o Estado possuía agências de planejamento mais adequadas
que muitos dos atuais escritórios terceirizados.258
A “inflexão econômica positiva” apontada por Natal pode induzir à euforia, mas a
recente centralidade na economia do eixo Niterói-Manilha mostra que alguns desses
estabelecimentos industriais, comercias e de serviços remetem seus lucros para as suas sedes e
não investem no local em que se situam. Nossas pesquisas sobre a responsabilidade social de
257 FIRJAN. Mapa do Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, 2006-2015, página 72.
258 Por exemplo, na pesquisa bibliográfica encontramos trabalhos do antigo Centro de Pesquisa Urbana, CPU
do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, elaborado por Carlos Nelson Ferreira dos Santos,
Marco Antonio da Silva Mello, François Bremaker, Arno Vogel entre outros, que desde a década de 1970
elaboraram propostas para São Gonçalo.
231
alguns desses estabelecimentos apontam que ainda há mais propaganda que atividade efetiva.
A despeito dos novos postos de empregos criados e dos impostos gerados, o orçamento do
município de São Gonçalo vem seguindo a taxa de crescimento dos últimos anos.
Outro ponto abordado nesta tese foi a privatização do trecho norte da Rodovia
Federal BR 101 que corta o Município de São Gonçalo por uma empresa espanhola. Graças
ao aumento de fluxos o lucro será garantido. Natal ao abordar o conceito de rede urbana nos
indica que esta rede é composta por fluxos “materiais” e “imateriais” agindo sobre os “fixos”,
espaço geográfico, que estão provocando mutações nas cidades e bairros por onde “passa” o
novo capital global. Segundo Milton Santos, as grandes mutações contemporâneas que
produzem novas técnicas de expansão capitalista aderem o capital global ao território e ao
cotidiano em quase todo o mundo.
Vivenciamos uma nova materialidade que, segundo Milton Santos, constrói um
“mundo confuso e perverso”, mas dialeticamente “pode vir a ser uma condição da construção
de um mundo mais humano. Basta que se completem as duas grandes mutações ora em
gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana”.
Segundo Milton Santos, a grande mutação tecnológica é dada pela emergência e
disseminação de técnicas da informação como o MSN na sociedade, que une os jovens no
shopping aos sábados. Ao contrário das técnicas das máquinas essas tecnologias de
comunicação são “constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os
meios e culturas, ainda que seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos
grandes capitais”. Quando sua utilização for democratizada, entretanto, essas técnicas doces
poderão estar ao serviço do homem para trazer mais responsabilidade que consumo.
232
Santos também nos fala de uma “mutação filosófica do homem” que poderá
capacitá-lo a atribuir um novo sentido à sua existência, não apenas as ideologias do
consumismo que presenciamos em nossa pesquisa. Acreditamos que novos empreendimentos
são necessários e bem-vindos. No entanto, a relação entre expansão econômica e bem-estar
social implica num conjunto de mediações que “não podem sucumbir ao raciocínio fácil e
imediato” do mercado.
233
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244
ANEXOS
Anexo A. Evolução Política do Município de São Gonçalo.259 A partir da década de 1940.
Ano
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
Prefeito
Eugênio Sodré Borges/ Brígido Tinoco
Egílio Justi/ Aécio Nanci
Darci Pereira Nunes/ Alberto Goulart de Macedo
Alberto Goulart de Macedo
Egílio Justi
Gilberto Afonso Pires
/ Joaquim de Almeida Lavoura Gilberto Afonso Pires
Joaquim de Almeida Lavoura
Joaquim de Almeida Lavoura
Joaquim de Almeida Lavoura
/ Jeremias de Mattos Fontes/ Fidélis Freire Ribeiro (interino)
Fidélis Freire Ribeiro (interino)/ Jeremias de Matos Fontes
Jeremias de Matos Fontes
Joaquim de Almeida Lavoura ou Osmar Leitão Rosa
Joaquim de Almeida Lavoura
José Alves Barbosa/Osmar Leitão Rosa/Nicanor Ferreira Nunes
Nicanor Ferreira Nunes
José Alves Barbosa ou Nicanor Ferreira Nunes
/ Joaquim de Almeida Lavoura
Joaquim de Almeida Lavoura
Joaquim de Almeida Lavoura/ Zeir de Souza Porto
Zeir de Souza Porto
Zeir de Souza Porto /Jayme de Mendonça Campos
Jayme de Mendonça Campos
Jayme de Mendonça Campos / José Alves Torres/ Jayme de Mendonça Campos
Jayme M. Campos/ Arismar Dias/Jayme Campos/Arismar Dias/ Jayme M. Campos
Jayme de Mendonça Campos
Jayme de Mendonça Campos /Hairson Monteiro dos Santos
259 Fontes: SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos: Processo de crescimento e ocupação da periferia. RJ, IBAM,
1982, e BRAGA, Maria N. C. O Município de São Gonçalo e a sua história, p.176/177. São Gonçalo, 1997.
Além de dados pessoais.
245
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Hairson Monteiro dos Santos
/ Manoel de Lima
Edson Ezequiel de Mattos
João Barbosa Bravo
Edson Ezequiel Mattos
Dr. Charles Armond Calvert
Maria Aparecida Panisset
246
Anexo B. Bairros do Município de São Gonçalo, 2007.260
1º Distrito:
São Gonçalo
(30 bairros)
Alcântara
Antonina
Boaçu
Brasilândia
Centro
Colubandê
Cruzeiro do Sul
Estrela do Norte
Faz. dos Mineiros
Galo Branco
Ilha de Itaoca
Itaúna
Lindo Parque
Luiz Caçador
Mutondo
Mutuá
Mutuaguaçu
Mutuapira
Nova Cidade
Palmeiras
Porto do Rosa
Recantos das Acácias
2º Distrito: Ipiíba
(20 bairros)
Almerinda
Amendoeira
Anaia Grande
Anaia Pequeno
Arrastão
Arsenal
Coelho
Eliane
Engenho do Roçado
Ieda
Ipiíba
Jardim Amendoeira
Jóquei
Maria Paula
Nova Repúplica
Rio do Ouro
Sacramento
Santa Izabel
Várzea das Moças
Vila Candosa
3º Distrito:
Monjolos
(17 bairros)
Barracão
Bom Retiro
Gebara
Guarani
Jardim Catarina
Lagoinha
Laranjal
Largo da Idéia
Marambaia
Miriambi
Monjolos
Pachecos
Raul Veiga
Santa Luzia
Tiradentes
Vila Três
Vista Alegre
4º Distrito: Neves
(13 bairros)
Boa Vista
Camarão
Gradim
Mangueira
Neves
Parada 40
Paraíso
Patronato
Porto da Madama
Porto Novo
Porto da Pedra
Porto Velho
Vila Lage
5º Distrito: Sete
Pontes
(10 bairros)
Barro Vermelho
Covanca
Engenho Pequeno
Morro do Castro
Novo México
Tenente Jardim
Venda da Cruz
Zumbi
Santa Catarina
Pita
Distritos e suas áreas no Município.
5 Distritos
1º São Gonçalo (sede)
2º Ipiíba - Rio do Ouro
3º Monjolos, J Catarina
4º Neves
5º Sete Pontes
Área em ha.
6.800
7.200
5.100
1.300
2.400
Rocha
Rosane
Salgueiro
São Miguel
Vila Iara
Área total
22.800 ha.
Zé Garoto
Tribobó
Trindade
Fontes: Plano Diretor da Prefeitura Municipal de São Gonçalo, 2006. A divisão de São Gonçalo em cinco Distritos. A
modificação administrativa verificada em 31/07/1957 e ainda utilizada.
260 Fonte: Pesquisa realizada em agosto de 2007 no site da Prefeitura Municipal de São Gonçalo.
247
Anexo C. Desenho do Arco Rodoviário e relação de Municípios da RMRJ, 2007.261
2007
261 Idem.
248
Anexo D. Distritos do Município de São Gonçalo, 2007.262
262 Idem, ibdem.
249
Anexo E. Bairros do Município de São Gonçalo. 2007,263
263 Idem, ibdem
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