15/11/2015
Culpadas ­ 15/11/2015 ­ Fabrício Corsaletti ­ Colunistas ­ Folha de S.Paulo
Culpadas
Ilustração Guazzelli
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Culpadas ­ 15/11/2015 ­ Fabrício Corsaletti ­ Colunistas ­ Folha de S.Paulo
15/11/2015 02h00
Hoje, ainda dentro da campanha #AgoraÉQueSãoElas, passo a palavra pra quem entende
do assunto. Com vocês, Noemi Jaffe *:
­ Os meninos riram e disseram que eu não podia ter sentado no colo do Alexandre, no
cinema.
­ A Sandra disse que, na rua da Graça, havia mulheres que vendiam suas calcinhas por
cinco cruzeiros e que os meninos da classe iam lá comprar.
­ Quando eu sangrei, no acampamento, me assustei muito, mas a Noêmia disse que isso
era normal entre as mulheres.
­ Meu pai dizia que, num casamento, a mulher deve ser sábia e fazer com que o homem
acredite que ela é submissa.
­ O Walter fazia mágicas e pediu para eu levantar a blusa. Se eu não levantasse, ele me
transformaria num bicho feio.
­ A Carla só descobriu que estava grávida no quinto mês de gravidez. O rapaz de quem ela
engravidou tinha sumido.
­ A Bernardete foi estuprada no caminho de casa. Quando chegou, teve vergonha de
contar para a mãe.
­ A Cris disse para a Taís que era melhor elas se calarem, porque ninguém acreditaria
nelas e elas ainda poderiam perder o emprego.
­ O delegado Mário perguntou para a Suzana se ela sempre saía daquele jeito na rua e
que era para ela se preparar, se não estivesse disposta a mudar de comportamento.
­ A filha da minha vizinha, Gláucia, foi ameaçada com uma faca e saiu correndo, pedindo
ajuda. O moço que passou achou que ela fosse meio louca.
­ A Virginia disse que a uma mulher bastariam um quarto e 50 libras, coisas impensáveis
para uma mulher no início do século 20, para que ela pudesse se tornar uma escritora.
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Culpadas ­ 15/11/2015 ­ Fabrício Corsaletti ­ Colunistas ­ Folha de S.Paulo
­ O Flávio disse a Joana que ele já fazia muito: afinal, levantava todas as noites para trocar
a fralda do bebê.
­ No parque, a Claudia me recriminou por eu amamentar em público. Disse que tudo bem,
tudo bem, mas que muito bonito não era, eu tinha de concordar.
­ Disseram que o tal do Saul, o estuprador, até que foi bonzinho, porque falou que se ela
ficasse calada ele não lhe faria mal. Ela concordou.
­ Ele era diferente do outro, o Mário, que gostava de machucar mesmo.
­ Você viu que a Selma engravidou de um estuprador e tirou o bebê? Deve ser conversa
dela.
­ A personagem da Clarice se matou quando descobriu que o dente da frente tinha
quebrado. A outra se prometeu, mas não cumpriu, que não prepararia mais o jantar para o
marido todos os dias.
­ O Alex brigou com a Gisela, porque sempre faltava alguma coisa na mesa.
­ O Milan disse que, se na época de Dostoiévski o culpado sempre procurava a punição,
na época de Kafka a punição sempre procura os culpados.
­ O Kafka, no romance "O Processo", escreveu que o personagem K precisava se
defender de um crime que ele mesmo desconhecia.
­ A Madalena chorava e sua mãe consolava, dizendo assim: "Pobre não tem valor; pobre é
sofredor, e quem ajuda é o senhor do Bonfim".
­ O deputado Cunha é líder religioso. Ele tem uma conta na Suíça. Ele encaminhou um
projeto de lei para dificultar o acesso ao aborto por estupro, legal no país. Com esse
projeto as mulheres estupradas, para serem atendidas no SUS, precisarão passar por um
exame de corpo de delito.
*Noemi Jaffe é escritora, professora e crítica literária ­escreveu "Írisz: as orquídeas"
(Companhia das Letras, 2015), entre outros. Ela integra a iniciativa #AgoraÉQueSãoElas,
em que mulheres escrevem
no lugar de colunistas homens a convite deles.
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Os meninos riram e disseram que eu não podia ter sentado no colo