A Língua Portuguesa Como Mercado
Por Nuno Vasconcellos
Os dicionários mais antigos definem mercado, apenas, como o local
onde compradores e vendedores se encontram para trocar os seus bens. Esta
é uma definição que ainda se mantém válida, mas que se tornou incompleta
com o passar do tempo, porque a palavra, no seu uso, evoluiu e é hoje
utilizada com outros significados: por exemplo, para designar todo um sector
ou um determinado conjunto de potenciais consumidores.
Henrique Coelho Neto, escritor nascido no brasileiro Maranhão, diz
que “a língua não se fixa; evolve, mas sempre à custa da seiva que recebe das
raízes e dos benefícios que tira do ambiente”. Foi o que aconteceu a esta
palavra, mercado, que evoluiu, do mesmo modo que a realidade que
designa: um mercado, hoje, graças à transformação das comunicações, não
é, necessariamente, um sítio físico, mas um ponto de encontro imaterial de
vontades.
Este é um exemplo do processo evolutivo a que estamos a assistir, que
altera até as palavras, que está a mudar a forma como nos relacionamos,
como trabalhamos, como aprendemos, como nos divertimos.
O desenvolvimento tecnológico, alicerçado na capacidade instalada
dos sistemas de telecomunicações, está a criar uma estrutura que permite
novas formas de consumo de conteúdos, fazendo com que cada vértice deste
triângulo virtuoso que resulta da convergência e integração dos sectores das
telecomunicações, media e tecnologia (TMT) constitua uma oportunidade
concreta.
Os conteúdos necessitam de boas plataformas e tecnologias para
chegarem às pessoas e as plataformas necessitam de excelentes conteúdos
para serem competitivas. Aproveitando a crescente capacidade
disponibilizada pelas telecomunicações, os conteúdos vêem despontar um
mundo novo, global, para se expandirem, aproveitando renovadas soluções
tecnológicas que, por sua vez, garantem o aproveitamento da capacidade de
comunicação que está a ser instalada.
Esta tendência, global e cada vez mais visível, cria um novo mercado,
centrado nos serviços, mas faz mais do que isso, porque altera as fronteiras
anteriormente existentes, obrigando-nos a lidar com novas geometrias, em
que a base de operação deixa de ser o espaço físico, passando a inclusão a
ser determinada por outros factores. Por isso, quando defini a aposta na
complementaridade e interdependência entre as TMT, estabeleci, também, a
matriz genética lusófona do Grupo Ongoing, tendo por base uma aliança
entre as suas unidades brasileira, portuguesa e africana. Decidimos, assim,
que as balizas do nosso mercado preferencial seriam diferentes,
aproveitando exactamente o alargamento da capacidade de actuação que
poderia ser libertado pelo desenvolvimento tecnológico: por isso, a língua
portuguesa como o nosso campo de actuação.
O português é língua oficial em nove países de quatro continentes. Na
Europa, é o idioma falado em Portugal, o país que o fez nascer; na Ásia,
pontifica na jovem república de Timor-Leste; na América, está o Brasil, onde
reside cerca de 80 por cento dos que falam português. Finalmente, temos
África, onde a língua de Camões é oficial em Cabo Verde, na Guiné-Bissau,
em S. Tomé e Príncipe, em Angola e em Moçambique. E, agora, também na
Guiné Equatorial, a par do espanhol e do francês, na ambição de integrar a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma organização que
pretende, exactamente, dar uma dimensão política aos laços criados por uma
língua comum.
Hoje, o português é falado por mais de 230 milhões de pessoas, nos
países onde o idioma é língua oficial, mas também em outros: por influência
histórica, como a China (por causa de Macau) ou a Índia (através de Goa),
mas, especialmente, através da diáspora, portuguesa, brasileira e africana.
Esta migração traduz-se em comunidades significativas em países como
França, Estados Unidos da América, Canadá, Reino Unido, Alemanha ou
Japão. No total, estaremos a falar de mais de 250 milhões de falantes de
português (como primeira e segunda língua), o que o torna a sexta língua
mais falada do mundo.
Todas estas pessoas lêem, vêem, ouvem, falam português. Ou seja,
consomem livros e jornais, televisão e cinema, música e Internet em
português. Estamos a falar de um mercado multi-geográfico com uma
dimensão idêntica a dois terços do mercado norte-americano, que terá
pouco menos de metade do grande mercado da União Europeia. E este
mercado da língua portuguesa, segundo todas as projecções, está a crescer,
todos os anos, a um ritmo que supera a média dos países industrializados.
O exemplo marcado desse crescimento é o Brasil, que representará,
actualmente, cerca de três quartos do grande mercado global dos que falam
português, constituindo, de facto, o motor deste conjunto.
A população brasileira cresceu 25,8%, em pouco menos de duas
décadas, chegando aos 190,7 milhões de habitantes. Se olharmos com
atenção para os últimos dados disponíveis, verificamos que mais de metade
desta população tem menos de 30 anos de idade.
O crescimento económico, num período dominado por uma grave crise
mundial, mostrou-se sustentado, tendo chegado aos 7,5% por cento – o
ritmo mais robusto em 24 anos –, o que fez com que, em sete anos, a
economia brasileira passasse de ser a 15ª economia mundial para se tornar
na 7ª.
A classe média, que já representava 37% da população, em 2003,
constituirá a maioria da população em 2014.
Pela expressão deste poder, o diálogo, geograficamente, far-se-á, cada
vez mais, de Sul para Norte, do Oeste para Este, se olharmos para um mundo
em que o Brasil se afirma como uma potência regional dominante, com um
papel internacional activo. Mas, no novo mundo que se pode ver através do
desenvolvimento tecnológico, o importante é que esse diálogo será falado
em português, nos quatro cantos do mundo.
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