Possibilidades, limites e desafios dos Serviços de Psicologia: a avaliação psicológica e as
teorias e técnicas psicoterápicas na formação do profissional de saúde
Neuza Maria de Fátima Guareschi
Carolina dos Reis
PUCRS
No intuito de contribuir nos debates que pretendem realizar neste Encontro, no que se refere
à construção de um diálogo que fortaleça a construção de espaços permanentes de discussão
sobre a interface formação-profissão com as Instituições Formadoras e os Serviços de Psicologias
destas, propomos discutir uma área da formação em Psicologia que prepara o profissional para a
atuação nestes serviços. Para isso apresentamos a análise de uma pesquisa que estamos
realizando com os conteúdos de Teorias e Técnicas Psicoterápicas e a Avaliação Psicológica na
formação em Psicologia.
Essa pesquisa tem por objetivo discutir o quanto à formação em Psicologia, a partir da
análise de currículos contempla a formação dos profissionais de saúde para o SUS. O processo de
análise aconteceu em duas etapas: a primeira envolveu o contato com as universidades. Foram
contatadas seis Instituições de Ensino Superior, para estas foram apresentados o projeto e os
objetivos da pesquisa. Nessa primeira etapa, realizou-se uma análise das grades curriculares de
cursos de Psicologia de seis universidades. Através dessa análise, foram selecionadas as
disciplinas que, pelas nomenclaturas, remetiam direta ou indiretamente às questões sobre saúde.
A partir desse levantamento, as disciplinas foram organizadas em Eixos Temáticos que
emergiram no decorrer da pesquisa, esses eixos foram assim intitulados: Eixo das Biomédicas,
Eixo das Teorias e Técnicas Psicoterápicas e da Avaliação Psicológica e Eixo da Psicologia
Social e Comunitária.
Na segunda etapa da pesquisa objetiva-se destacar e discutir os direcionamentos para os
quais as ementas, conteúdos e bibliografias dos programas das disciplinas caminham, no sentido
de demarcar a formação acadêmica em Psicologia para as transformações do conceito de saúde
proposto pelo SUS. Para tanto os conteúdos dos programas foram organizados em quadros, com
intuito de organizar o conjunto de disciplinas pelos eixos temáticos. Podendo-se, assim,
visualizar possíveis atravessamentos entre os conteúdos desses programas. Posteriormente,
destacamos alguns enfoques temáticos através da análise dos Programas – Ementas, Conteúdos e
Bibliografias – que evidenciam os fundamentos teóricos e epistemológicos dos processos de
aprendizagem que sustentam, atualmente, a formação em Psicologia na área da saúde. Para esse
evento traremos a discussão deste segundo Eixo. Portanto, o que se refere ao Eixo das Teorias e Técnicas
Psicoterápicas e da Avaliação Psicológica, destacando-se três enfoques temáticos: Teorias e Técnicas,
Avaliação Psicológica e Diagnóstico, e, Psicopatologia e Tratamento.
Teorias e Técnicas
Neste primeiro enfoque temático estão inseridas as disciplinas do eixo de Avaliação Psicológica e
Psicopatologia que aparecem voltadas para o estudo teórico de conceitos que deverão, posteriormente, ao
longo dos currículos dos cursos fundamentar o ensino do desenvolvimento das técnicas e das práticas de
psicoterapia na formação do psicólogo. Este processo de ensino focado na aprendizagem das técnicas se
mostra, de maneira geral, caracterizado por um viés mais tecnicista. Essa lógica direciona os currículos no
sentido de privilegiar o ensino dos conteúdos que fundamentam a aprendizagem dessas técnicas e práticas
de psicoterapia. Se tomarmos como exemplo a disciplina de Teorias e Técnicas Psicoterápicas em
Psicanálise1 são elencados conteúdos a serem estudados que se referem ao estudo teórico das
especificidades da psicanálise com crianças e adolescentes, e a conceitos como o de transferência e o de
sintoma. Esses conteúdos aparecem no programa sempre ao lado de expressões como a construção do
campo clínico ou a clínica com crianças, direcionando o estudo desses conceitos, ou seja, a aprendizagem
para a aplicação dessas práticas psicoterápicas. Esse mesmo direcionamento se evidencia na disciplina de
Teorias e Técnicas Psicoterápicas em Cognitivo, em que na relação de conteúdos aparece o estudo de
conceitos como o de pensamentos automáticos e crenças centrais, e, ainda, o estudo dos modelos
teóricos: cognitivo racionalista, cognitivo construtivista e cognitivo pós-racionalista. Esses conteúdos são
seguidos de outros voltados, então, para o estudo da técnica, ou seja, para a aplicação dessas na prática
terapêutica: Processo Terapêutico: entrevista inicial, setting terapêutico, estrutura das sessões, Relação
Terapeuta – Cliente, Terapeuta: pessoa e papel.
Embora os conceitos sejam estudados visando à aprendizagem para a aplicação da técnica, na
grande maioria, as disciplinas propõem pouca ou nenhuma interação com as vivências práticas e/ou com
experiências profissionais. Os currículos dos cursos estão organizados de forma que primeiro sejam
estudadas todas as disciplinas teóricas e, somente para depois, na inserção dos alunos em estágios
profissionais, vivenciarem esta interação. Geralmente, nos currículos, as disciplinas de estágio iniciam a
partir do sexto ou sétimo semestre, quando as disciplinas teóricas já foram concluídas, evidenciando um
distanciamento entre a teoria e a prática, o que vem reforçar uma dicotomização no processo de
aprendizagem e formação. Essa lógica dicotomizada exposta nos currículos pode levar a pensar a
1
As frases e nomenclaturas colocadas em negrito nesse capítulo se referem a nomes de disciplinas e seus conteúdos
retirados de forma literal dos programas das disciplinas enviados pelas universidades estudadas, que são logo em
seguida expostos nos quadros ilustrativos.
manutenção e a reprodução do conhecimento, uma vez que, as teorias são colocadas como aquilo que deve
ser largamente estudado, para posteriormente poder ser aplicado na prática. A grande maioria dos
conceitos são ensinados a partir de autores clássicos, mostrando a ausência de bibliografias mais
contemporâneas que possam propor outras reflexões sobre estes conceitos. Os autores atuais, quando
trazidos, na maioria são os que dão continuidade e aprofundamento ao trabalho dos grandes pensadores.
Um exemplo disso é a disciplina de Teorias e Técnicas Psicoterápicas em Psicanálise em que na
bibliografia básica aparecem autores como Sigmund Freud, Melanie Klein e Françoise Dolto.
Se por um lado se reconheça a fundamental importância do estudo dos conceitos que deram
origem a Psicologia e da leitura de autores clássicos para a formação profissional, por outro lado, nos
programas das disciplinas os conteúdos são apresentados de forma naturalizada, isto é, são ensinados
como portadores de uma verdade a respeito da construção psíquica dos sujeitos, carecendo de uma
discussão sobre o processo histórico e cultural que mostrem as possíveis transformações desses conteúdos.
Os conhecimentos transmitidos parecem permanecer em um lugar de verdade, advindo de um determinado
tempo histórico, sem que sejam questionados ou confrontados com outros enfoques teóricos de outros
momentos históricos. Ao contrário, o que os conteúdos dos programas parecem objetivar é uma
aprendizagem de conceitos de forma naturalizada quanto à necessidade deste no processo de formação,
principalmente no que diz respeito à aplicação e operacionalização para o exercício da técnica e outras
práticas.
DISCIPLINA TEORIAS E TECNICAS PSICOTERAPICAS EM COGNITIVO
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
- Histórico e fundamentos da
- Modelos teóricos: cognitivo racionalista, cognitivo construtivista e
- Abreu, C. N. e Col.
Psicoterapia Cognitiva.
cognitivo pós-racionalista
(2003)
- Diferenciações entre Psicoterapia - Entendimento do self e os processos de mudanças
- Baringoltz, S. (2000)
Cognitivo-Comportamental e
- As crenças, atitudes, regras, pensamentos automáticos
- Cordiioli, A. (1993).
Psicoterapia Cognitivo- Introdução e estudos do Diagnóstico Multiaxial
- Gabalda, I. (1997)
Construtivista.
- Processo Terapêutico: entrevista inicial, setting terapêutico,
- Mahoney, M. e
- Técnicas da Psicoterapia Cognitiva estrutura das sessões.
Niemeyer, R. (1998)
- Relação Terapeuta - Cliente
- Mahoney, Michael.
- Terapeuta: pessoa e papel
(1998).
- Os aspectos inespecíficos em psicoterapia
- DSM IV . (1995).
DISCIPLINA TEORIAS E TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS EM PSICANÁLISE
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
- Estudo sobre o infantil na
- Principais contribuições teóricas sobre a especificidade da psicanálise - Freud,S. (1917-1919)
psicanálise e o tratamento
com crianças e adolescentes
- Dolto, F. (1988)
psicanalítico com crianças a partir
- Construção do campo clínico: entrevistas preliminares, sobre o lugar - Klein,M.A (1997)
dos principais teóricos
dos pais, transferência, a função do sintoma.
- Mannoni, M (1980)
- Sobre o brincar e o desenho infantil na clínica com crianças.
* As disciplinas expostas nos quadros se referem a disciplinas do Eixo da Avaliação Psicológica e Psicopatologia das
diferentes universidades trabalhadas. Na maioria não estão descritas na íntegra, algumas informações foram
compiladas de diferentes disciplinas que apresentavam ementa,conteúdo e bibliografia semelhantes.
Avaliação Psicológica e Diagnóstico
O segundo enfoque temático da Avaliação Psicológica e Diagnóstico, aqui discutido, mostra uma
continuidade em relação ao enfoque temático anterior das Teorias e Técnicas, no que diz respeito ao fato
de aquele enfoque ser o que serve de base teórica para o segundo. Nos conteúdos dos programas das
disciplinas relacionadas aos dois enfoques temáticos, são apresentados tópicos para o ensino de teorias,
acrescidos de outros tópicos voltados mias diretamente para a aplicação de técnicas. Estas disciplinas são:
Avaliação Psicológica: Técnicas Projetivas, Avaliação Psicológica: Psicomotricidade, Fundamentos da
Entrevista Psicológica. Nessas disciplinas, também são apresentados, os estudos teóricos que
fundamentam a origem das técnicas que são ensinadas. O estudo das teorias que fundamentam as técnicas
são, em geral, aqueles já vistos nas disciplinas teóricas dos semestres anteriores, e que, situamos no
primeiro enfoque temático, como sendo os conteúdos ensinados nas teorias clássicas da Psicologia. Na
disciplina de Fundamentos da Entrevista Psicológica, por exemplo, se estuda os fundamentos teóricos do
processo de entrevista clínica e o campo de fenômenos específicos derivados da construção da situação
clínica, tendo nas referências autores como Freud e Laplanche. Posteriormente ao ensino dos fundamentos
teóricos dos instrumentos e métodos, os conteúdos deste enfoque temático se direcionam ao ensino da
utilização e aplicação das técnicas propriamente ditas.
Esse enfoque temático da Avaliação Psicológica e Diagnóstico reúne ainda, o conjunto de
disciplinas voltadas para o ensino do processo de avaliação psicológica e das técnicas e instrumentos de
testagem que caracterizam o diagnóstico psicológico, tais como: Avaliação Psicológica I, II e III,
Fundamentos e Medidas, Psicodiagnóstico, Técnicas Psicométricas, Avaliação Psicológica: técnicas de
manchas de tinta. Essas disciplinas em geral, apresentam bibliografias compostas, prioritariamente, pelos
manuais dos testes psicométricos e projetivos que são ensinados e alguns textos sobre o processo de
avaliação psicológica que tem o mesmo objetivo dos manuais, ou seja, a aprendizagem de como fazer, o
que inclui todos os procedimentos, desde a entrevista inicial, passando pela composição das baterias de
testes de acordo com a demanda, até como prosseguir com a entrevista de devolução e o encaminhamento
quando necessário. O que fica evidenciado na ordem como são apresentados os conteúdos para esta
aprendizagem é um ensino fundamentado em uma perspectiva mecanicista que busca a automatização do
conhecimento levando a uma lógica linear. Essa linearidade no ensino dos conteúdos, parece buscar uma
precisão na aplicação das técnicas e testes com vistas a um resultado certo e objetivo. Coimbra e
Nascimento (2001) destacam que a psicologia enquanto campo do conhecimento faz parte do projeto de
ciência inaugurado pela modernidade no qual se acredita ser possível a apreensão da realidade de forma
imparcial tornando-a mais precisa. A organização de como são colocados os conhecimentos no currículo
de psicologia para serem ensinados, especialmente, os testes psicológicos, parecem assumir esse caráter
objetivo, na tentativa de garantir a este saber um estatuto de verdade.
DISCIPLINA PSICODIAGNÓSTICO
EMENTA
CONTEÚDO
Ensino prático da técnica de avaliação psicológica - Psicodiagnóstico infantil: entrevista inicial e de anamnese;
com o uso de instrumentos diagnósticos da
hora de jogo diagnóstica; entrevista de devolução.
personalidade
- Psicodiagnóstico em adolescentes e em adultos: entrevistas e
seleção da bateria de testes.
- Formulação de laudos e pareceres psicológicos
DISCIPLINA TÉCNICAS PSICOMÉTRICAS
EMENTA
CONTEÚDO
- Histórico, fundamentação teórica e questões
- Fundamentação teórica da Psicometria (breve histórico da
éticas na Psicometria.
Psicometria no Brasil e no mundo).
- Estudos e análise de testes psicométricos
- Classificação dos testes, rapport geral e específico. Objetivo
contemporâneos.
dos testes, condições de uso e aplicação. Terminologia
psicométrica.
- Característica técnica dos testes, padronização e
estabelecimento de normalidade, sexo e escolaridade, QI e
percentual.
- Noções de validade e fidedignidade dos testes. Situação atual
da testagem psicológica e a ética em relação aos instrumentos
psicológicos.
- Listagem dos testes psicométricos que serão ensinados.
BIBLIOGRAFIA
Aberastury, A.
(1987).
Ajuriaguerra &
Marcelli. (1991).
Arzeno, M. (2000).
Coppolillo, H. (1990).
Cunha, J. A. (1994).
BIBLIOGRAFIA
- Anastasi, A. e
Urbina, S. (2000).
- Cunha, J. (2000).
- Cronbach, L. (1996).
- Pasquali, L. (2001).
- Weschler, D. WiscIii (1991).
- Weschler, S. DFH –
III.
Esta organização estruturada de forma linear que parte do estudo dos conceitos teóricos, que
capacitam para a aplicação das técnicas, dentre elas a de avaliação psicológica e psicodiagnóstico, visa
também sustentar a aprendizagem do diagnóstico através da identificação daquilo que não é da ordem ou
do normal, ou seja, da psicopatologia, seguida da indicação de um tratamento específico, neste caso
geralmente a psicoterapia. Essa linearidade pode ser observada na disciplina de Diagnóstico de
Aprendizagem, por exemplo, que inicia trabalhando as dimensões do processo de aprendizagem,sendo,
portanto, um conteúdo teórico baseado nas teorias da aprendizagem, mas que se propõe o estudo dos
fatores fundamentais que levam aos transtornos de aprendizagem e a identificação de transtornos de
aprendizagem, isto é, passa para a Avaliação Psicológica/Psicodiagnóstico, chegando por fim ao
Diagnóstico e tratamento dos transtornos de aprendizagem, contemplando assim, a busca por um
conhecimento específico direcionado ao tratamento daquilo que for constatado como desvio, problema ou
distúrbio.
Dentro dessa linearidade, as disciplinas do enfoque intitulado Diagnóstico, junto com as da
Avaliação Psicológica, são as responsáveis pela capacitação do aluno para a identificação de transtornos.
Dentre esses transtornos se destacam, de sobremaneira, os Diagnósticos de Aprendizagem e de distúrbios
ditos característicos da adolescência como o Transtorno de Personalidade Borderline, Depressão,
Drogadicção e Transtornos Alimentares, sendo estes os que com maior freqüência foram citados nos
programas das disciplinas, como exemplificado no quadro abaixo.
O que está implicado nos programas destas disciplinas do Eixo de Avaliação Psicológica e
Psicodiganóstico de um modo geral, e, especialmente nas disciplinas desse enfoque temático, é uma
perspectiva de ensino que toma como foco central a doença, é a partir dessa que são ensinados modos de
agir e técnicas de tratamento, em detrimento de outros conteúdos que passam a privilegiar a escuta do
sujeito e as singularidades das histórias de vida. É pela busca da identificação precisa dos diagnósticos que
as disciplinas desse eixo se organizam. Essa linearidade descrita poderia ser pensada como nesta
seqüência:
Disciplinas
Teorias e Técnicas
Disciplinas
Avaliação Psicológica e
Diagnóstico
Disciplinas Psicopatologia e
Tratamento
Sendo assim, está posto aqui, uma inversão de prioridades, que coloca a doença e as técnicas antes
de uma determinada escuta da história de vida dos sujeitos, indicando, justamente, o oposto daquilo que o
SUS propõe ao fundamentar as políticas de cuidado em um conceito de saúde que intenciona privilegiar,
antes de tudo, a promoção das condições de vida e a compreenção do sujeito dentro do contexto histórico,
político, social e cultural no qual está inserido.
DISCIPLINA DIAGNÓSTICO DA APRENDIZAGEM – 3º SEMESTRE
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
- Dimensões do processo de aprendizagem.
- Dockrell, J. (2000)
- Fatores fundamentais que levam aos transtornos de
- Coll, C. (2004)
aprendizagem.
Não consta.
- Garcia, N. (1998)
- Identificação de transtornos de aprendizagem.
- Pennington, B. (1997)
- Diagnóstico e tratamento dos transtornos de
- Campos, D. (1991)
aprendizagem.
PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA COGNITVO-COMPORTAMENTAL II – 8º SEMESTRE
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
- Terapia cognitivo-comportamental para tratamento - Beck, A.; Rush, A.;
Shaw, B. et. al. (1997)
Estratégias e técnicas cognitvo-comportamentais para dos comportamentos dependentes.
o tratamento dos principais transtornos mentais, tais - Terapia Cognitvo-comportamental para tratamento - Beck, J. (1997)
dos transtornos alimentares.
- Caminha, R.; Wainer, R.;
como, transtornos de personalidade, disfunções
- Terapia Cognitvo-comportamental para tratamento Oliveira, M. (2003)
sexuais, transtornos alimentares e comportamentos
dependentes. Integração dos pressupostos teóricos com das disfunções sexuais.
- Howton, K. Salkovskis,
a prática clínica.
- Terapia Cognitvo-comportamental dos transtortornos P. Kirk, J. (1997)
de personalidade.
- Young, J. (2003)
Psicopatologia e Tratamento
Como apontamos acima a inserção das disciplinas do Eixo da Avaliação Psicológica e da
Psicopatologia nos currículos dos cursos de Psicologia possuem como disparador a Psicopatologia, ou
seja, ao situarmos a organização dos conteúdos das disciplinas deste Eixo, a Patologia emerge como o
paradigma que vai sendo inserido no aprendizado desses conteúdos na formação em Psicologia. Nesse
caso, poderíamos pensar que a psicopatologia seria o fio condutor da linearidade descrita no enfoque
temático anterior.
Na grande maioria as disciplinas do enfoque temático que intitulamos como Psicopatologia e
Tratamento estão voltadas para o ensino da identificação e desenvolvimento de Psicopatologias dentro de
diferentes escolas teóricas com destaque para a descritiva, psicanalítica e a cognitivo-comportamental. No
entanto, ainda que existam diferentes escolas teóricas nas quais se debruçam os estudos das patologias,
todos estas estão fundamentadas neste mesmo paradigma, ou seja, a Psicopatologia. Nesse sentido, os
conteúdos, pouco ou nada se propõem a uma reflexão sobre o processo saúde/doença, como por exemplo,
a maneira que isto está relacionado aos modos de vida da contemporaneidade, e não somente a
preocupação do que é considerado normal ou patológico.
É significante a relação dos conteúdos nos programas das disciplinas deste enfoque temático da
Psicopatologia e Tratamento em relação à categorização e classificação de distúrbios, doença, desvios,
perturbações como podem ver no quadro abaixo.
Novamente, pontuamos aqui o possível conflito entre este enfoque de aprendizagem
fundamentado ostensivamente em patologias e a concepção de saúde proposta pelo SUS, a qual se
sustenta essencialmente no princípio da integralidade.
DISCIPLINA PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA II – 5º SEMESTRE
EMENTA
CONTEÚDO
Identificação e
- Transtorno de Adaptação
reconhecimento das
- Transtorno de Ansiedade: fobias sociais, especificas, Transtorno de pânico, Agorafobia,
manifestações clínicas Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de estresse pós-traumático, Transtorno de
tanto dos Transtornos estresse agudo e Transtorno Obssessivo-Compulsivo, Trasntorno de Ansiedade devido a uma
de Personalidade quanto condição médica, Transtorno de Ansiedade induzido por substância.
dos Transtornos de
- Transtornos Somatoformes: Transtornos de somatização, Transtorno doloroso, Transtorno
conversivo, Hipocondria e Transtorno dismórfico corporal.
Humor, Ansiedade,
- Transtornos dissociativos: amnésia dissociativa, fuga dissociativa, dissociativo de identidade e
Somatoformes,
Dissociativos, Déficit transtorno de despersonalização, transtorno dissociativo sem outra especificação.
de Atenção, Conduta, - Transtornos factícios
Alimentares e Sexuais e - Transtornos sexuais e da identidade de gênero: transtorno do desejo sexual, transtorno de
da Identidade de
excitação sexual, transtornos do orgasmo, transtornos sexuais dolorosos, disfunção sexual devido
Gênero, para fins de
a uma condição médica geral, disfunção sexual induzida por substância e disfunção sexual sem
outra especificação.
diagnóstico, nas
diferentes faixas etárias, - Parafilias: exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, frotteurismo, masoquismo sexual, sadismo
de acordo com as atuais sexual, travestismo fetichista e parafilia sem outra especificação.
diretrizes nosológicas - Transtornos da identidade de gênero e transtorno sexual sem outra especificação.
- Transtornos da Alimentação: anorexia nervosa, bulimia nervosa, T. da alimentação sem outra
especificação.
- Transtorno de Personalidade: paranóide, esquizóide, esquizotípica, anti-social, borderline,
histriônica, narcisista, esquiva, dependente, obssessivo- compulsiva.
DISCIPLINA PSICOPATOLOGIA II – N/C
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIO.
- Bleichmar, E.
(1998)
- CID – 10
- DSM-IV
- Dalgalarrondo,
P. (2000)
- First, M.
(2000)
- GAP (1990)
- Jaspers, K.
(1987)
- Kaplan, H. &
Sadock, B.
(1998)
- Miranda-Sá Jr,
L. (2001)
- NCCIFP
(1997)
- Paim, I. (1993)
BIBLIO.
Introduzir o aluno no
estudo das psicoses
funcionais, psicoses
orgânicas e retardo
mental.
- Neurose;
- Perversão;
- Somatose.
- Três páginas
de bibliografias
Como um fio condutor evidenciado por uma linearidade e naturalização de conteúdos, este
enfoque temático das Psicopatologias leva, por fim, a aprendizagem do tratamento destas. As disciplinas
que apresentam conteúdos direcionados às patologias, aparecem fortemente adicionadas ao ensino de
técnicas de psicoterapias voltadas para o tratamento destas patologias. Ou seja, oferecendo modelos de
tratamento específicos para cada doença. Como se observa, por exemplo, na disciplina de Psicologia e
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, que se propõe ao ensino de estratégias e técnicas cognitivocomportamentais para o que intitula como os principais transtornos mentais, sendo estes os
comportamentos dependentes, os transtornos alimentares, as disfunções sexuais e os transtornos de
personalidade. Essa mesma busca por uma especificidade no tratamento de acordo com cada doença,
aparece também na disciplina Clínica Psicanalítica Lacaniana em que se estuda A especificidade da
clínica lacaniana e a direção do tratamento em diferentes estruturas clínicas e As entrevistas iniciais em
psicanálise: o paciente psicanalítico e o paciente psiquiátrico. Portanto, o que fica evidenciado nos
conteúdos dos programas tanto da disciplina de Psicologia e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental
quanto na de Clínica Psicanalítica Lacaniana é uma diferenciação no tratamento tomando por base uma
diferenciação na doença. No caso da disciplina de Clínica Psicanalítica Lacaniana, parece que exitem
conteúdos de Técnicas de Entrevista especificados para um determinado tipo de paciente, ou seja, os
pacientes psicanalíticos e os psiquiátricos, portanto, haveria uma forma de entrevista para cada uma das
duas categorias e independente do número de pacientes, estes sempre vão ser categorizados em dois,
definidos pelas doenças que os caracterizam.
DISCIPLINA PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA COGNITVO-COMPORTAMENTAL II – 8º SEMESTRE
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
Estratégias e técnicas cognitivo-comportamentais para o - Terapia cognitivo-comportamental para tratamento - Beck, A.; Rush, A.;
tratamento dos principais transtornos mentais, tais como, dos comportamentos dependentes.
Shaw, B. et. al. (1997)
transtornos de personalidade, disfunções sexuais,
- Terapia cognitivo-comportamental para tratamento - Beck, J. (1997)
transtornos alimentares e comportamentos dependentes. dos transtornos alimentares.
- Caminha, R.; Wainer, R.;
Integração dos pressupostos teóricos com a prática
- Terapia cognitivo-comportamental para tratamento Oliveira, M. (2003)
clínica.
das disfunções sexuais.
- Howton, K. Salkovskis,
- Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos P. Kirk, J. (1997)
de personalidade.
- Young, J. (2003)
DISCIPLINA CLÍNICA PSICANALÍTICA LACANIANA - OPTATIVA
EMENTA
CONTEÚDO
BIBLIOGRAFIA
- Apresenta a clínica psicanalítica lacaniana: sua prática, - As entrevistas iniciais em psicanálise, o paciente - Dor, J. (1996)
as entrevistas iniciais e as formas de intervenção.
psicanalítico e o paciente psiquiátrico;
- Lacan, J. (1998)
- A demanda de tratamento, a transferência e o
- Leite, Márcio Peter De
- Instrumentais: capacidade de diferenciação de outras
modalidades de prática clínica e identificação do modo de diagnóstico psicanalítico;
Souza. (2000)
leitura lacaniana dos sintomas individuais e sociais.
- Interpessoais: habilidade para ler e interpretar
fenômenos estruturados como linguagens, sejam eles
individuais ou sociais; habilidade para análise e
intervenção.
- A especificidade da clínica lacaniana e a direção
do tratamento em diferentes estruturas clínicas;
Ao criar tratamentos cada vez mais específicos para cada patologia, a psicologia busca
uma precisão e coesão cada vez maior nas suas teorias e técnicas, que procuram levar a corretez e
eficácia na aprendizagem destas, que vem caracterizar o ensino deste conhecimento para a
psicopatologia que evita permitir o encontro com o inusitado, mas ao contrário, que prediz,
identifica e modifica comportamentos a partir de padrões previamente determinados. Este
determinismo evidenciado por uma cadeia de conteúdos – sintomatologia, tipo de tratamento,
resultado, corrobora, assim, para a manutenção do status da psicologia dentro de uma perspectiva
de ciência de ordem e certeza característicos da Modernidade. Para Nascimento, Manzini e
Bocco (2006) “Salvo algumas exceções, a formação em psicologia vem sendo frequentemente
regulada por esse modelo, primando pela produção de especialistas sem se preocupar em
construir dispositivos que coloquem em análise tal paradigma” (p.15). Mais uma vez, o que se
tem aqui é a doença colocada em evidência, é em função dela que os tratamentos se especializam,
mas também que a produção de doenças aumenta. Essa perspectiva de aprendizagem, em grande
parte, deixa de lado o olhar para o sujeito como um ser bio-psico-social, e passa a reconhecê-lo
como o portador de uma doença, e não a prática psicológica como forma de eliminar os sintomas
e doenças.
Diante do exposto, é importante destacar a contradição para a qual os currículos dos cursos
de Psicologia estão se voltando: uma vez que a proposta dos currículos se direciona para a
formação de recursos humanos para o SUS – o qual trabalha com o conceito de saúde ampliado,
no qual o foco é o investimento à vida do sujeito e não mais a doença – encontramos um número
expressivo de conteúdos e disciplinas que enfocam a patologização, a doença, a
normalidade/anormalidade. O olhar está para o que foge à norma e não para a potência da vida.
Outro ponto a ser discutido diz da dissociação entre a teoria e a prática, demonstrando uma
fragmentação no ensino. A idéia de que é preciso primeiramente todo um arcabouço teórico sobre
o assunto para que posteriormente possa 'aplicá-lo' se evidencia na forma de como os currículos
se organizam: as disciplinas nomeadas como 'práticas' encontram-se ao final dos currículos,
muitas vezes já em forma de estágio, entendendo que será neste espaço que o/a aluno/a irá
mostrar o que sabe; que é neste espaço que colocará a teoria em movimento; que é neste espaço
que ele irá 'reproduzir' o que aprendeu. A produção de conhecimento, a produção de saber, o
novo, não tem espaço nestas formatações de currículos que encontramos.
Neste aspecto, percebemos, também, uma naturalização das teorias, onde estas são
ensinadas enquanto legítimas e 'verdadeiras'. A problematização do conhecimento não está
presente nos currículos. A discussão da construção do saber, de como este se tornou legítimo e a
forma como a ciência se produz e se sustenta, não é discutida nos currículos em questão. Uma
vez que há uma mudança paradigmática do currículo – que agora se volta à formação para o SUS
– achamos ser relevante também ter um espaço para discutir estas transformações históricas na
formação. São poucos os currículos que contemplam as disciplinas das áreas de Saúde Coletiva
ou Políticas Públicas, presente somente no Eixo da Psicologia Social e Comunitária.
Para finalizar, reiteramos a posição de Benevides (2005), que ao falar da Psicologia, aponta
para uma dicotomização de suas práticas, afirmando que
é a partir da fundação da Psicologia nestas dicotomias que o individual se
separou do social, que a clínica se separou da política, que o cuidado com a
saúde das pessoas se separou do cuidado com a saúde das populações, que a
clínica se separou da saúde coletiva, que a Psicologia se colocou à margem de
um debate sobre o SUS (p. 22).
Entendemos, dessa forma, que os pontos que levantamos neste eixo para a discussão do
currículo de Psicologia não se esgotam. Levantamos alguns e sabemos que teriam vários outros
para ser discutidos. No entanto, entendemos que estes que trouxemos nos auxiliam a pensar de
que forma está se dando o diálogo da Psicologia com o SUS para a formação do profissional de
saúde, principalmente, de que forma a Psicologia vem se posicionamento ética e politicamente na
atualidade.
Referências
BENEVIDES, Regina. (2005). A Psicologia e o Sistema Único de Saúde: quais interfaces?
Psicologia & Sociedade, 17(2), 21-25.
COIMBRA, Cecília e NASCIMENTO, Maria Lívia. (2001). O Efeito Foucault: desnaturalizando
verdades, superando dicotomias. Psicologia Teoria e Pesquisa, 17 (3), 245-248.
NASCIMENTO, Maria Lívia; MANZINI, Juliane e BOCCO, Fernanda. (2006). Reinventando as
Práticas Psi. Psicologia e Sociedade, 8 (1), 15-20.
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Possibilidades, limites e desafios dos Serviços de Psicologia: a