Política pública federal e os serviços de água e esgoto.
Resumo
O artigo trata das políticas públicas federais em relação aos serviços de água e esgoto. O
período colonial se caracteriza pela ausência de políticas. No Brasil Império as poucas ações
sanitárias foram realizadas nas imediações dos portos para preservar a economia
agroexportadora. Na Velha República o movimento sanitarista iniciado por Saturnino de Brito
teve importantes desdobramentos locais . Políticas federais apresentam ocorrem à partir da
criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930, era Vargas, ora tendendo a fortalecer o
município ora a fortalecer ações dos estados federados. As políticas federais são retomadas
em 2007 com a promulgação da Lei Federal 11.445 e o Plano de Aceleração do Crescimento,
PAC. Antes destes fatos, há momentos importantes, como a extinção do Banco Nacional de
Habitação, BNH, em 1986 e a tentativa de abertura do setor de água e esgoto ao capital
privado, com o advento da Lei das Concessões, 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso,
sem sucesso. Um aspecto da política atual é a ampliação da ação da União junto a municípios,
que são os detentores do poder de decidir o modelo dos serviços do saneamento básico. A
política é focada em obras e não nos serviços prestados aos usuários. A Lei Federal 11.445
possui princípios, mas define políticas, como a criação do regulador dos serviços, que tem a
função de cuidar de um ordenamento institucional e de ser um disseminador destas políticas
junto à sociedade além de fiscalizar e regular. O setor amadurece e se desenvolve, mas com
grandes desafios para a meta da universalização dos serviços.
Palavras Chave: Políticas públicas federais de água e esgoto; água e esgoto.
Abstract
The article deals with the federal public policies in relation to water and sewerage services.
The colonial period is characterized by the absence of policies. In the Empire of Brazil sanitary
services were taken in the vicinity of ports to preserve agro-export economy. In the Old
Republic sanitation movement initiated by Saturnino de Brito had important local
developments. Federal policies started from the creation of the Ministry of Education and
Health in 1930, was Vargas, sometimes tending to strengthen the municipality and in some
times to strengthen federal states. Federal policies are resumed in 2007 with the enactment of
the Federal Law 11.445 and the Plano de Aceleração do Crescimento, PAC. Before these facts,
1
there are important moments, such as the extinction of the Banco Nacional da Habitaão, BNH
in 1986 and attempted to open the water and sewage sector to private capital, with the
advent of the Concession Law, 1995, the government of Fernando Henrique Cardoso
unsuccessfully. One aspect of the current policy is the expansion of federal actions with the
municipalities, which are the powers that be to decide the model of sanitation services. The
policy focuses on works rather than services provided to users. The Federal Law 11,445 has
principles, but define policies such as the creation of services regulator, which has the task of
caring for an institutional order and being a disseminator of these policies in the society
besides oversee and regulate. The industry matures and develops, but with great challenges to
the goal of universal service.
Keywords: Federal public Policy in water and sewer; water and sewer.
Histórico dos serviços e políticas públicas de água e esgoto no Brasil.
A questão do saneamento e das práticas de higiene relaciona-se às culturas dos povos
formadores da identidade nacional. Os colonizadores europeus trouxeram seu estilo de vida
que chocava com a cultura indígena baseada no respeito ambiental, onde a seleção de áreas
para os descartes dos resíduos produzidos era uma preocupação, bem como pela higiene
pessoal e banhos rotineiros. Destacando que a baixa densidade das populações indígenas
favorecia este tipo de cultura. A forma de colonização brasileira moldou a questão do
saneamento: “instabilidade, precariedade e provisoriedade” (Resende, 2008). O Estado
português manteve-se ausente nas questões públicas de saneamento básico durante o Brasil
Colônia ( 1530-1822).Com o desenvolvimento da escravidão e do tráfego negreiro, momento
em que negros estavam expostos ao processo de grande insalubridade que favoreciam o
aparecimento de doenças. Alguns destes escravos foram destinados ao apoio aos serviços
domésticos, origem do “agente sanitário”, que era encarregado do transporte de dejetos das
casas-grandes e sobrados e de abastecer as casas com água para uso diário. Eram conhecidos
como escravos de ganho. Ainda no período colonial brasileiro destaca-se a figura de Maurício
de Nassau e do empreendimento holandês em Pernambuco no século XVII. Obras de
drenagens, canalização, aterros e criação de áreas para deposição de resíduos foram
implantadas em Recife. A preocupação do Estado em relação à salubridade das áreas era
restrita às de interesse econômico, como as zonas portuárias.
2
O advento das navegações a vapor do século XIX propiciou maior mobilidade das populações
litorâneas e por conseqüência a mobilização das doenças1. No início do século XIX o Rio de
Janeiro era tão insalubre que a elite evitava os verões na cidade, mudando-se para a região
serrana de Petrópolis. A febre amarela era disseminada em toda a capital e nos principais
centros urbanos como Salvador e Recife. Glória Kaiser, no livro Dona Leopoldina: uma
Habsburg no trono brasileiro, cita passagens que registram a questão do saneamento básico
da época: “..... há insetos por toda parte..... as gentes derrubam água do banho, apodrecida,
nos degraus e corredores.......as lavadeiras batem as peças de roupas com água de um grande
poço, água suja coberta por flocos de espuma que esquenta ao sol da manhã....” e ainda:
“....tinham de encontrar uma nova fonte de água, um riacho cristalino com água potável, como
havia sido o Rio da Carioca......e um serviço de carroças para transportar à cidade....”
Alguns serviços de água foram concedidos2 à iniciativa privada, assim como os serviços de
energia elétrica e de bondes, ainda no século XIX. A City do Rio de Janeiro3 que atuou até 1947
e a City de Santos que atuou até 1953 são os exemplos mais relevantes. Ainda no século XIX o
governo do Império impõe que os serviços de água e esgoto devem ser desenvolvidos na
municipalidade.
O desenvolvimento tecnológico que ocorre entre 1890 à 1930, por conta da atuação da
engenharia sanitária, é traduzida na figura de Saturnino de Brito, Emílio Ribas, Adolfo Lutz e
Oswaldo Cruz. Ele já defendia a questão de proteção dos mananciais para preservação da
água. Neste período houve, em São Paulo, investimentos e participação da Fundação
Rockfeller no Instituto Butantã e Instituto Pasteur. O Estado, durante a República Velha, impõe
reformas sanitaristas no Rio de Janeiro e em Santos, local de escoamento da produção
agrícola.
Com o Golpe de 1930 inicia-se a centralização do Estado. Getúlio Vargas governa por decretos
até 1934. Um decreto de 1930 cria o Ministério da Educação e Saúde Pública. Após a
constituinte de 1934 foi criada uma estrutura federal para o saneamento e saúde, o Serviço
Especial de Saúde Pública, Sesp, e estimulados os congêneres estaduais em departamentos
que tinham a atribuição de implantar sistemas de água e repassavam a operação para os
1
- Costuma-se afirmar que a medicina só se tornou “científica” após o desenvolvimento da teoria
microbiana das doenças, na segunda metade do século XIX. Anteriormente preponderava a tese
miasmática de que as doenças eram transmitidas pelo ar à partir de exalações de animais ou pessoas
doentes ( Fonte: Rebouças, 1999)
2
- O instituto da concessão de serviços públicos não é recente no Brasil, mesmo para serviços de
saneamento básico. A Lei Federal nº 8987, Lei das Concessões, é de 1995.
3
- The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited, de capital inglês.
3
municípios. Estas estruturas de serviços de água e esgoto podiam estar vinculadas à
administração direta e ou empresas públicas, no caso de cidades de maior porte. O modelo se
mostrou não muito produtivo, pois as operadoras não conseguiam manter certo padrão de
eficiência ou não tinham condições para fazer os investimentos que a água e esgoto
demandam. Esta questão da falta de continuidade de investimentos ou a falta de
manutenções mínimas nos sistemas ainda é um “traço” marcante nos nossos dias.
Na década de 60 o Bando Interamericano de Desenvolvimento, BID estimulou a formação de
empresas de economia mista e imposições contratuais impondo responsabilidades como a
autonomia administrativa e autoridade para impor a tarifação com base em planos
econômico-financeiros. Com o apoio da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste,
Sudene foram criadas as companhias estaduais do Maranhão, Caema; Piauí, Agespisa;
Paraíba,Cagepa e Sanecap e em Pernambucoa Sanep.
Uma política federal inicia-se com modelos municipais da década de 30, depois com empresas
estaduais, na década de 60, estimulado pelo BIRD, e ampliação desta determinação da política
do Plano Nacional de Saneamento, Planasa de 1969. O modelo PLANASA foi híbrido, pois
fomentou a constituição de grandes empresas estaduais, para ganhos de escala, e também
incentivou o modelo dos SAAEs, serviços autônomos de água e esgoto, nos municípios. No
final da década de 80 o pêndulo volta a tender para os municípios com a consolidação do
conceito, escrito na Constituição de 1988, de que o poder concedente em matéria de água e
esgoto é o município. Há um elemento novo na década de 90, com a política de delegação de
serviços. Os serviços de água eram vistos como serviços públicos que deviam ser prestados por
organizações do Estado, mas volta-se a introduzir a possibilidade de prestação de serviços por
entes privados, no processo conhecido como publicização, definido por Bresser Pereira (1996)
como um roll de serviços públicos que podem ser prestados por nãos estatais. O pano de
fundo desta política de reforma do Estado foi a questão fiscal e conseqüente falta de
capacidade do Estado em investir. Daí decorre a promulgação da Lei das Concessões de 1995.
Importante notar que logo após esta lei, o setor privado não investiu, como esperado. Este
fato pode ser explicado por duas razões: questões ideológicas, com a resistência de setores
da sociedade em aceitar a delegação de serviços público e grupos de poder, como os sindicato
de empresas estatais estaduais de saneamento e por questões de segurança jurídica e
4
institucional que não foram suficientes para motivar o setor privado investir nestes serviços de
infraestrutura4.
Do período PLANASA surgiram a Sabesp no Estado de São Paulo; o Cedae no Estado do Rio de
Janeiro; Sanepar no Paraná; a Embasa na Bahia; Copasa em Minas Gerais, etc.....
Com a liquidação do Banco Nacional de Habitação, BNH, em 1986, braço financeiro do modelo
PLANASA, o setor ficou sem fontes de financiamento. Com a Lei das Concessões e com os
modelos de gestão da água e esgoto, associado à financiamentos das agências Banco Mundial,
BIRD e do BID, houve uma tentativa de atrair o capital privado ao setor, mas os resultados
ficaram muito aquém das necessidades nacionais. Política federal só ocorreria em meados de
2007 com dois fatos: a promulgação da Lei Federal 11.4455, que veio para nortear todo o
setor, e a política federal de disponibilização de investimentos via o Plano de Aceleração do
Crescimento, PAC. Há discussões sobre a eficácia e a eficiência do PAC e seus procedimentos,
bem como a discussão de questões conceituais. Todas as pessoas que estão envolvidas no
setor são unânimes em afirmar que o setor passa por uma evolução. O novo Marco
Regulatório do saneamento básico aponta um caminho e possibilidades para o setor privado
investir no setor. Vivenciamos o processo de distensão de setores da sociedade em aceitar que
o papel que o capital privado pode desempenhar no objetivo de universalização dos serviços
de água e esgoto. Este processo relaciona-se com a prática do governo Lula da Silva, e
posteriormente Dilma Roussef, que aos poucos vai admitindo a necessidade de outros
modelos de financiamento para a infraestrutura, além do puro financiamento do Estado. O
capital privado pode complementar o capital do Estado nas obras e serviços de água e esgoto.
A Lei Federal das Parcerias Público-Privadas também é um instrumento legal importante para
os objetivos de participação privada. Este instrumento ainda é pouco utilizado mas as poucas
experiências já demonstraram bons resultados. O potencial de PPPs em obras e serviços no
saneamento é muito grande.
Obra ou serviço? Dilema e avaliação da política federal.
Muitas organizações estatais, locais e estaduais, são
gerenciadas (?) sem dispor de
capacidade financeira e técnica para realizar as manutenções e ampliações mais elementares.
4
- O setor é intensivo em investimentos e o retorno do capital ocorre no longo prazo, que necessita de
estabilidade institucional e legal.
5
- Esta lei foi discutida no Congresso Nacional por mais de 20 anos.
5
A tarifa de água e esgoto continua sendo utilizada como instrumento político: preços que não
viabilizam as manutenções, muito menos os investimentos.
Tal movimento resvala no
populismo ou em um “deliberado jogo de cena” onde se paga pouco por serviços de má
qualidade6 que não garantem os serviços futuros. Estas operações locais e estaduais já foram
socorridas pelo governo federal que oferta obras com recurso a fundo perdido. A ampliação de
redes e sistemas demanda aprimoramento nos serviços. São softwares para acompanhamento
dos consumos, faturamento e atendimento, capacitação técnica, monitoramento de perdas de
água dos sistemas, telemetria, etc.....Deste fato decorre que a entrega de obra não garante,
por si só, um bom serviço. O investimento federal é uma alavanca para o setor, mas ainda sim,
é necessária a prática de tarifas módicas e justas. O conjunto de competências necessárias
para estas organizações pode se traduzir na necessidade de boa gestão.
Antes de 2007 não havia recursos. Dois aspectos devem ser observados na análise sobre
recursos financeiros : acesso a recursos e financiamentos e que estes possam ser ampliados
com o decorrer dos anos. O PAC vem de encontro a estes dois aspectos, com a ampliação
gradativa de recursos orçamentários nos planos plurianuais.
Uma questão que merece constante estudo para reformulação é a necessidade de rever
processos burocráticos entre a entrega do projeto básico e o acesso aos recursos. A execução
orçamentária é muito lenta. O agente financeiro, Caixa Econômica Federal, é extremamente
burocrática. Mecanismos como seguros e garantias específicas podem aumentar ligeiramente
os custos administrativos mas proporcionar maior agilidade na execução orçamentária.
Falta à política dissecar uma questão conceitual. Água e esgoto são “obras de engenharia” ou
serviços ? . Sistemas de água e esgoto não são obras de engenharia7. Obra, sensu stricto, tem
começo, com um projeto, meio, com a execução, e fim, na sua entrega. Serviços requerem
aprimoramentos constantes com investimentos freqüentes que demandam trabalho 24 horas
por dia, 365 dias por ano. Desde a década de 30 até o PAC II, as políticas não são focadas nos
resultados dos serviços. O modelo mantém os operadores com baixa eficácia e baixa eficiência.
Muitos operadores estatais e empresas públicas possuem pendências fiscais, “cadastro sujo”,
não estando aptas a, sequer, demandar investimentos via PAC.
6
- Tribunais de Contas estaduais vêm relatando ocorrências de uso indevido das taxas dos serviços de
água e esgoto em muitos municípios. É o uso indevido dos recursos dos serviços de água e esgoto para
outras finalidades que não são investimentos e ou manutenções nos sistemas, com casos de uso para
cobrir custeio de folha de pagamentos da administração direta
7
- A presidente da sociedade de economia mista Saneamento Básico do Estado de São Paulo, Sabesp,
incluiu entre seus desafios, colocar a empresa como eminentemente prestadora de serviços. As grandes
obras de engenharia estão sendo modeladas via PPP, como foi a ampliação do sistema produtor Alto
Tietê em 2009/2010 e para a obra de adução de água bruta do Rio Juquiá para o sistema Cotia.
6
Outra questão não enfrentada pela política é sobre subsídios e questões regionais. Os grandes
centros urbanos e cidades com mercado consumidor desenvolvido, em todas as regiões
brasileiras, deveriam ter acesso à financiamentos federais, receber recursos financeiros e
devolvê-los ao longo do tempo. Dinheiro a fundo perdido deveria ser canalizado para os
municípios pequenos de todo o Brasil e médios das regiões que não possuem condições
econômicas e financeiras aptas a suportar a implantação dos sistemas de água e esgoto. Esta é
uma forma de atacar as assimetrias regionais. Para ilustrar o problema, recursos federais são
alocados em organizações que possuem sérios problemas de gestão, como a Companhia
Estadual de Água e Esgoto, Cedae, do Estado do Rio de Janeiro igual ao dito popular “saco sem
fundo”. Sem mudanças no modelo de organização e postura dos que detém o poder de
conceder, não haverá serviços de água e esgoto adequado. Ainda sobre subsídios: alocamos
nas obras, via empresas prestadoras de serviços, como no exemplo da Cedae. O Chile pratica
uma forma mais racional que é canalizar os subsídios via orçamentos municipais e via
orçamentos estaduais, aliviando a tarifa dos usuários. O exemplo é que se a comunidade local
achar que a setores da população, como famílias com renda inferior, família sem renda, não
possuem capacidade de pagar tarifas de água e esgoto, será pago pelo poder local ou
estadual, que exigiria lei específica e programação orçamentária. Aqui no Brasil o subsídio vai
para organizações ineficientes e que muitas vezes entra em descaminhos e alimenta a
corrupção.
Sobre estes assuntos, Resende, 2008, relata que o IV Congresso Internacional de Engenharia
Sanitária de 1954 fez as seguintes recomendações, que são pertinentes nos atuais dias:

Toda água consumida deve ser paga, contrapartida de serviços;

Para as classes desfavorecidas economicamente deverão existir taxas e ou tarifas
especiais para que estes possam ter acesso à água suficiente para a higiene e a
nutrição;

O preço da água deve crescer com o consumo8;

As taxas ou tarifas nas regiões subdesenvolvidas devem custear, no máximo, a
operação, a manutenção e as melhorias, sem se preocupar com o capital empregado
na construção ( que significa obra).
De todo o relato acima é preciso comentar que é uma análise genérica para todo o Brasil.
Paralelamente existem cidades, regiões em que a cultura de organizações de ótima gestão é
8
- O preço de tarifas de água é singular em custar mais de quem consome mais.
7
uma realidade. Das grandes empresas estaduais existem organizações com evolução de foco
nos serviços e busca de adaptações para os desafios como a Sabesp, Copasa, Sanepar, etc....
A política pública embutida na lei: uma pequena análise.
A Constituição de 1988 faz referência ao saneamento básico nos seguintes artigos, abaixo
relacionados, lembrando que água tratada e esgoto, objetos de discussão neste artigo,
pertencem a estudo grupo de serviços intitulados de saneamento básico9:
Artigo 21 (XX): compete à União, entre outras atribuições, “instituir diretrizes para
o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos”;
Artigo 23 (IX): competência comum da União, dos estados, do distrito federal e dos
municípios “promover programas de construção de moradias e de melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico”;
Artigo 30 (V): atribui aos municípios competência para “organizar e prestar,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão os serviços públicos de
interesse local”;
Interessante notar que a Constituição não cita que o saneamento é de competência municipal.
Tal entendimento vem da doutrina que interpretou que o saneamento básico é um conjunto
de serviços e de obras de interesse local. Posteriormente a Lei Federal 11.445/2007 confirma
este princípio. Os autores Couto e Arantes in “Novas democracias e reformas constitucionais:
polity ou policy?” se propõem a tentar entender analiticamente as constituições em países que
instituíram suas democracias ou se redemocratizaram entre os anos 70 e 80 do século
passado, e neste sentido, sobre o saneamento básico e a Constituição de 1988, podemos dizer
que existe correspondência entre os preceitos constitucionais e os interesses gerais dos atores
políticos. Não é necessário emendar a Constituição para encaminhar problemas e ou
obstáculos que o setor vem discutindo. Há, na lei federal, consensos e alguns conflitos , mas
considerando que vivemos em uma sociedade poliárquica, segundo definição de Robert Dahl,
os diversos grupos de interesse atuando politicamente para o seu aprimoramento.
O marco regulatório do saneamento básico, Lei 11.445/2007, além de fazer definições e dar
diretrizes também entra no campo da formulação de políticas, que são aspectos conjunturais.
9
- Os termos saneamento básico, saneamento ambiental ainda são utilizados com definições diferentes.
A Lei Federal 11445 definiu quais serviços estão no roll do saneamento básico. Ainda sim restam
problemas com a chamada “drenagem urbana”. Ainda hoje drenagem urbana são “obras” e muito
pouco de serviços.
8
No ANEXO nº 1 são apresentados os dispositivos desta lei federal e uma classificação em dois
grupos: normas conjunturais e em princípios.
Foram analisados 51 dispositivos constitucionais, dos quais 35 dispositivos foram considerados
princípios e 16 dispositivos considerados normas conjunturais.
A agência reguladora como uma organização a serviço da política federal.
Um fator decisivo para a implementação destas políticas federais relaciona-se com um déficit
de cultura de saneamento. A política é top-daw com a agência como um braço do poder
federal que deverá discuti-la na base e propor reformulações em um movimento no sentido
contrário, bottom-up. As agências federais de telecomunicações e de energia elétrica se
preocupam essencialmente com preços e para evitar o poder de mercado, principalmente com
o processo de convergência de mídias nas telecomunicações. As agências locais ou regionais
do saneamento possuem uma função de “delegado” ou de “zelador” da boa execução das
políticas, fomentando a disseminação dos conceitos e da política.
Cabe zelar pelos seguintes serviços:
1. Água: coleta de água bruta, tratamento e distribuição de água tratada;
2. Esgoto: serviços de coleta, afastamento e tratamento dos esgotos domésticos;
3. Lixo urbano: compreende toda a cadeia do lixo, que passa pela varrição de ruas e
logradouros, coleta do lixo, transporte e disposição final, a coleta seletiva do lixo e
separação dos recicláveis, a coleta e destinação específica do lixo hospitalar, a coleta e
a destinação específica dos resíduos da construção civil;
4. Drenagem urbana de águas pluviais.
Cabe à agência reguladora redimir conflitos entre os usuários, poder concedente e operadores
de serviços, sejam operadores estatais
públicas, da administração direta ou indireta e
privadas.
Amplos setores da sociedade desconhecem o que são os serviços de água e esgoto. A
organização social de interesse público Trata Brasil, apoiado por indústrias fornecedoras de
equipamentos e serviços, vem desenvolvendo atividade institucional em todo o Brasil visando
a debater e discutir os desafios do saneamento, promovendo programas educativos,
estudando e pesquisando sobre a eficiência do uso do dinheiro do PAC, seus desembolsos,
execução de obras, entre outras atividades. Como as agências reguladoras do saneamento
9
Todas as sociedades com alto grau de desenvolvimento passaram pelo desafio da construção e
da implantação de serviços de água e esgoto adequados. Não há atalho neste caminho. Tais
serviços implicam em fortes externalidades positivas, ou seja, bons serviços de água existe o
objetivo de colocar o assunto na agenda política.
Balanço do PAC Saneamento
O relatório de 2006 do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, "A Política de
Políticas"
classificou
o
Brasil
como
alta
em
seu
índice
geral
de qualidade das políticas públicas na América Latina, só perdendo apenas para o Chile10. A
eficiência do Bolsa Família, no contexto federalista , deve-se à criatividade e construção de
relacionamentos entre o governo central e o governo local, pode servir de exemplo e de
motivação para a politica federal e a meta de universalização dos serviços de água e esgoto. O
impacto do PAC Saneamento do Governo Federal não é igual à eficácia e efetividade da
política do Programa Bolsa Família. Na distribuição de renda a União chega às localidades sem
passar pelos governadores. Esta é uma política top-dawn que não encontrou barreiras ou
condicionantes, com o governo federal sendo o timoneiro, sem necessidade de muito ajuda de
outras esferas do poder, que restringe-se ao município fazer cadastro de famílias.
Os governos locais têm mostrado uma grande incapacidade de apresentar projetos de água e
esgoto. As demandas locais se traduzem em projetos. O governo federal não faz projetos de
água e esgoto. Esta situação pode até ampliar as diferenças locais. Cidades menores das
regiões menos favorecidas não tem conseguido “ fazer projetos” com a mesma velocidade das
cidades grandes dos estados mais desenvolvidos. Empresas estatais de diversos entes da
federação que “devem na praça” e não possuem as certidões negativas necessárias para
demandar os investimentos via PAC. Nestes casos o balcão do PAC adentra nas discussões
políticas, pois não existe interesse em mudanças do modelo de gestão das empresas estaduais
ineficientes, como já citados anteriormente.
À partir desta exposição, relato as barreiras do PAC do Saneamento:
10
- Tracy Beck Fenwick publicou artigo intitulado “Avoiding Governors: The Success of Bolsa Família”
onde discute a eficiência da política pública federal com o programa Bolsa Família à partir da análise do
federalismo brasileiro: Latin American Research Review, Volume 44, Number 1, 2009, pp. 102-131.
10

Faltam técnicos capacitados para gerar os estudos sobre o saneamento e
posteriormente confeccionar bons projetos11;

Muitas obras são realizadas com projetos básicos, que geram inconformidades, erros
de concepção de engenharia e erros orçamentários12 ;

O foco do PAC Saneamento é fazer obras. Deveria ser alocar recursos financeiros em
obras e serviços, com foco nos resultados da qualidade dos serviços prestados;

Existe uma demanda jurídica no Supremo Tribunal Federal sobre o poder concedente
em regiões metropolitanas. É uma demanda específica
das grandes empresas
estaduais. Uma visão mais racional apontaria que em regiões metropolitanas o poder
concedente deveria ser o estado. Apesar deste conflito houve evolução em
negociações de municípios, estado e empresas prestadores dos serviços, como o
acordo do município de São Paulo com a Sabesp;

A regulação e fiscalização é a ponta de uma lança da política federal, inserida em lei.
A regulação pode ser local, regional ou estadual. Já existem organizações nos três
moldes em atividade, mas são experiências muito recentes para uma análise maior.
Conclusões
Os serviços de água e esgoto possuem diversos status que refletem as diferenças brutais
entre as regiões e cidades brasileiras. Um indicador sobre serviços de esgoto para o Estado de
Santa Catarina chama a nossa atenção, pois mostram que os serviços são tão ruins como em
estados do nordeste e norte do país. Este exemplo mostra o tamanho do desafio na busca da
universalização e na qualidade dos serviços.
As políticas públicas desde a década de 30 mudam em relação à concentração das operações
dos serviços no município e no estado.
A Constituição de 1988 não precisa ser emendada para redimir conflitos do setor. A lei federal
conhecida como marco regulatório do saneamento básico faz definições de princípios e entra
nas questões conjunturais e define políticas públicas. A política definida em lei está sendo
11
- Em todo o setor de infraestrutura há este tipo de problema. Investimentos maciços só ocorreram no
ciclo militar. Há um “apagão” de profissionais de engenharia com experiência.
12
- A Lei das Licitações permite que uma obra venha a ser licitada com um simples projeto básico. Ao
contrário, o RDC, Regime Diferenciado de Contratações, modelo para as obras da Copa de 2014 e
Olimpíada de 2016, incentiva a licitação com um documento chamado concepção de projeto. Tal
modelo implica em riscos maiores que podem levar à “estouro dos orçamentos”.
11
implementada pelo PAC Saneamento desde meados de 2007, com relativo sucesso, que
merece reformulações.
O federalismo não tem sido uma barreira para a implementação das políticas públicas federais
que estão postas. A União chega aos municípios via PAC, mas os resultados não são tão rápidos
e positivos, se comparados com o Programa Bolsa Família, pois no saneamento outros atores
precisam estar atuando em conjunto que são os municípios e os operadores dos serviços.
A instituição da regulação e fiscalização por novo ente, que se situa entre o poder concedente
e o operador dos serviços é uma experiência nova que deve ser avaliado com o tempo.
Referencias Bibliográficas
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de Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano.
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do 5º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política, ABCP. Belo Horizone,
2006.
FENWICK, T.B. Avoiding Governors: The Success of Bolsa Família.Latin American Research
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Disponível
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http://www.nee.ueg.br/seer/index.php/revistaplurais/article/viewFile/71/98. Acessado em
04/2012.
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Editora Singular, 2009.
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RESENDE, Sonaly Cristina. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2. Ed. Belo
Horizonte, MG: Editora UFMG, 2008.
13
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Política pública federal e os serviços de água e esgoto. Resumo