VI Congresso Nacional Associação Portuguesa de Literatura Comparada /
X Colóquio de Outono Comemorativo das Vanguardas – Universidade do Minho 2009/2010
UMA VANGUARDA FORA DE TEMPO.
A situação aporética do surrealismo português.
Carlos Machado
Escola Secundária de Caldas das Taipas
E pur si muove.
A tentativa de definir aquilo que é a pós-modernidade tem vindo cada vez mais a
transformar-se num labirinto de sentidos onde cada um encontra um caminho para se encerrar
a si próprio. De facto, não há consensos sobre o seu estatuto, modo de afirmação ou forma de
existência. Assim, esta problemática pós-modernidade tanto é encarada como estatuto do
conhecimento, regido por um pensiero debole que recusa todo o tipo de certezas definitivas
(Vattimo, 1987), como condição do saber, descrente de qualquer metanarrativa de legitimação
ou grande narrativa de emancipação (Lyotard, 1989), como categoria periodológica,
referindo-se a uma transformação radical do zeitgeist das sociedades pós-industriais,
definitivamente desideologizadas (Bell, 1973) ou como lógica cultural de regimes tardocapitalistas (Jameson, 1991).
O facto é que a expressão entrou inexoravelmente no léxico dos estudos culturais
como “um conceito-esponja, capaz de absorver características muito diversas” (Amaral, 1991:
21-22), independentemente do facto de haver quem defenda que “em pouco tempo se
conseguiu suscitar em torno dela uma espécie de cansaço ou impaciência” (Coelho, 1989: 5).
Deste modo, acabou por ser aceite como remetendo para um referente impreciso, nebuloso,
muitas vezes equivalente a contemporâneo ou como uma “nova consciência histórica em
vários domínios do pensamento ocidental” (Amaral, 1991: 24).
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Nesta acepção mitigada e de especificidade reduzida, a expressão é entendida como
correspondendo às transformações operadas no domínio do conhecimento nas sociedades
ocidentais após a segunda guerra mundial e, no domínio mais restrito da cultura, como um
sinónimo de pós-vanguardismo, dado o desvanecimento da crença na força regeneradora das
utopias libertadoras de todos os movimentos (anti)artísticos surgidos no complicado período
entre-guerras. Assim, o consenso mínimo sobre o dealbar da pós-modernidade situa-o nos
finais dos anos cinquenta do século XX.
O surrealismo português, nascido oficialmente em 1947, por ocasião da fundação do
Grupo Surrealista de Lisboa, parece, por conseguinte, ter surgido de forma anacrónica,
pretendendo afirmar-se como vanguarda no contexto nacional, num momento em que no
contexto internacional essas mesmas vanguardas perdem vigor e surgem desacreditadas
formas de neo-vanguardismo. Com efeito,
“os surrealistas portugueses chegam depois do futurismo, de Dada, do surrealismo, do
expressionismo, do construtivismo, da abstracção; e, no que toca ao contexto local, depois de
Orpheu, da presença, do neo-realismo com que entabulam um diálogo mais longo e duradouro
do que é uso pensar-se, e mesmo – data decisiva – do início da publicação das Obras de
Fernando Pessoa, em 1942” (Silvestre, 2002: 16).
À primeira vista, a sua manifestação, tardia no contexto internacional, vem
deslegitimar o seu alegado estatuto de vanguarda, com a sua lógica implícita de superação e
ultrapassagem do passado e com o seu esforço no sentido de desbravar caminhos utópicos,
que servirão de guia e de parâmetro de um futuro ainda para vir.
Essa aparente ilegitimidade decorre das próprias características fundacionais daquilo
que deve ser um projecto de vanguarda. Com efeito, um estudo atento do termo vanguarda
revela que este é utilizado, desde há longa data, no domínio mais restrito da gíria militar,
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tendo adquirido posteriormente conotações mais vincadamente políticas, sobretudo a partir do
século XVIII, com o dealbar da Revolução Francesa (Calinescu, 1991: 104).
No domínio artístico, a sua origem remonta ao início do século XIX, já que
“the earliest use of the term ‘avant-garde’ as applied to a progressive artistic group occurs around
1825, toward the later phase of the European Romantic movements, and is associated with the
followers of the proto-socialists Saint-Simon and Fourier” (Murphy, 1999: 35).
A vanguarda artística aparece, desta forma, indefectivelmente ligada, desde as suas
origens, a várias utopias políticas de carácter eminentemente moderno. No domínio artístico,
a vanguarda afirma-se como iconoclasta, pretendendo erigir um mundo novo a partir das
cinzas do passado. Nessa medida, a acção desenvolvida, com vista à abolição das fronteiras
entre arte e vida, redimensiona profundamente a dimensão estética das obras realizadas.
A vanguarda, ao proceder à auto-crítica da arte, revela o seu carácter institucional,
pois permite dilucidar a pressão e a influência que os agentes envolvidos nessa instituição
exercem sobre os mecanismos de criação de sentido. Nessa medida, exige a formulação de um
tipo diferente de juízo estético, assim como o redireccionamento do objecto de análise
hermenêutica, pois
“if the emergency of the avant-garde marks art’s entry into the stage of «self-criticism», it also
signifies the beginning of a similar form of «ideology-critique» through which artistic practice is
turned against art itself as an institutional formation. It means that art’s critical power no longer
operates merely in an «immanent» fashion, that is, as the kind of criticism that remains enclosed
within the social institution (such as when one type of religion criticizes another) and within
which it would consequently be blind to the institutional restraints operating upon it. In as far as
it analyzes the overall functioning of the institution itself – and especially its social and
ideological effects rather than the individual elements of the system – self-criticism operates as a
form of ideology-critique performed from within the limits of the institution, yet directed against
its institutional functions. What this self-criticism means in practical terms for the «historical»
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avant-garde of the early twentieth century is that, unlike previous avant-garde movements, its
subversive or revolutionary character is demonstrated by the way that it turns its attention
increasingly to the institutional framework through which art is produced and received, and to
the «dominant social discourses» which emerge in art through these institutional mediations”
(Murphy, 1999: 9).
A dimensão social e política das obras vanguardistas é essencial para a sua definição.
Com a vanguarda, a atenção do receptor passa de um nível estético para um nível metaestético e o questionamento do valor de todos os códigos constitutivos da mensagem é
realizado ao mesmo tempo em que se analisam as mútuas relações de influência que se
estabelecem entre a mensagem e o seu contexto de circulação. A autotelia endógena da
estética modernista é, desta forma, definitivamente posta em causa. Em suma,
“the avant-garde’s standpoint rests upon a form of ideology-critique that, as a mode of «selfcriticism», is aware above all of its own epistemological limits and institutional conditioning”
(Murphy, 1999: 48).
Esta autoconsciência da arte – decorrente de experiências-limite que põem em causa o
funcionamento ortodoxo da instituição arte, nomeadamente as relativas à criação de cadavresexquis e de ready-made e à produção de obras através da exploração das potencialidades
oferecidas pelo automatismo psíquico – não deixa de depender de um questionamento crítico
dos pressupostos de base da própria instituição. Nessa medida, está directamente relacionada
com o período problemático entre guerras e com o seu peculiar zeitgeist, o que é revelador de
“que desde el inicio la vanguardia artística se desarrolló como una cultura de la crisis”
(Calinescu, 1991: 125).
Este questionamento profundo desenvolve-se através de processos de arqueologia
cultural, por um vasculhar de toda a herança que o cânone se encarregou de deixar ficar nas
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margens. Ao proceder deste modo, procede-se à desierarquização da tradição disponível e à
fusão de influências, tendências e traços.
Nesta precisa medida, compreende-se que “um rasgo característico dos movimentos
históricos de vanguarda consiste, precisamente, em não terem elaborado nenhum estilo; não
há um estilo dadaísta, nem um estilo surrealista. Na verdade, estes movimentos acabaram com
a possibilidade de um estilo de época, ao converterem em princípio a disponibilidade dos
meios artísticos das épocas passadas” (Bürger, 1993: 47), Com efeito, “la vanguardia no
anuncia uno u otro estilo: es en sí un estilo, o mejor, un antiestilo” (Calinescu, 1991: 121)
Dada a sua vertente destruidora, a vanguarda consegue pôr em causa a própria ideia de
novo e de originalidade, pelo seu esgotamento, facilitando o terreno para o dealbar da pósmodernidade. Este trabalho refundador contou com a contribuição prestimosa e em larga
escala do dadaísmo e do surrealismo, durante mais de três décadas de produção artística.
Por um surrealismo independente.
Considerando estas características fundacionais da vanguarda, o surrealismo português
surge, à primeira vista, como deslocado. Com efeito, em vez de surgir como uma equipa de
elite que caminha à frente do batalhão, correndo perigos e desbravando os caminhos que os
outros seguirão, em 1947, o movimento português parece trilhar os percursos conhecidos que
os outros abriram e assistir de camarote à destruição e reconstrução que outros realizaram. O
seu surgimento, no contexto nacional, é inequivocamente simultâneo ao advento dos
primeiros devaneios pós-modernos no contexto internacional. Esta visão, que conduz
apressadamente a considerar o movimento anacrónico – no fundo, aquilo que se pretende
refutar no âmbito deste artigo – vê a sua legitimidade reforçada por outros dois factores
suplementares.
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O primeiro prende-se com o relativo desmembramento e consequente perda de élan
vital do grupo francês, nesta mesma data de 1947, em resultado das sucessivas querelas
intestinas do movimento, que se materializaram na expulsão e dissidência de muitos dos seus
elementos, ao ponto de Breton só ter mantido um único companheiro fiel ao longo de toda a
sua jornada, Benjamin Péret. A necessidade de proceder a constantes correcções da trajectória
do grupo e de se reorientar teoricamente a corrente (em movimentos de avanço e de recuo
face à importância do materialismo dialéctico marxista e do Partido Comunista Francês e face
às pulsões e tendências esotéricas, místicas e ocultistas de membros politicamente menos
empenhados, como Antonin Artaud) inviabiliza, inclusivamente, a partir de determinado
ponto da história do surrealismo internacional, a construção de uma sua visão unitária (e daí o
esforço bretoniano de caucionar imagens historiográficas consentâneas com os seus princípios
do momento, tal como sucede com Jean-Louis Bédouin e ao contrário do que acontece com o
declarado adversário que se torna Maurice Nadeau). Esta fragmentação do movimento
internacional leva a crer que o surrealismo português se apresenta como uma excrescência
post-mortem, surgindo este surrealismo de segunda depois do surrealismo de primeira, ou
seja, como se este surrealismo anacrónico estivesse tão fora de tempo que nem o surrealismo
legítimo o conseguiria reconhecer como igual.
O segundo factor que vem, aparentemente, garantir a consistência dos argumentos
daqueles que defendem o anacronismo do surrealismo português diz respeito às vicissitudes
da constituição do Grupo Surrealista de Lisboa e ao seu reduzido tempo de existência. 1 Estes
1
Os primeiros esforços para a constituição do movimento surrealista português desenvolvem-se em 1947,
formalizando-se a existência do Grupo Surrealista de Lisboa em Outono desse ano. O grupo, após a dissidência
de Mário Cesariny e dos seus futuros companheiros, dissolve-se. A acção concertada realizada pelos elementos
dissidentes também é efémera. Com efeito, a partir da década de 50 do século XX,
“a actuação dos surrealistas portugueses, salvo uma ou outra acção colectiva, tornou-se visível mais a
um nível individual e de intervenção estética do que propriamente a um nível colectivo e explícito de
intervenção político-social” (Azevedo, 2002: 80).
Nessa medida,
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elementos permitiram que se lançasse o anátema do fim do movimento logo em 1952, como
se este decreto mortuário constituísse uma forma de repor o tempo nos seus eixos.
Em relação ao primeiro factor, deve dizer-se que o movimento português sempre se
pautou por uma grande margem de autonomia relativamente ao seu congénere francês. De
facto, o movimento português tratou sempre de preservar uma saudável independência que
lhe assegurasse uma identidade singular e original. Os pressupostos de base do movimento
foram bebidos na fonte francesa, seleccionando-se aqueles aspectos considerados mais
relevantes e deixando-se de parte tudo aquilo que se considerava desvirtuar o projecto,
evitando-se que a manifestação portuguesa fosse uma mera variação da matriz internacional. 2
Em relação ao segundo aspecto, não se deve esquecer que Breton afirma, em 1964,
que a amplitude da utopia surrealista, na medida em que exige a revolução permanente e um
espírito de abertura constante à mudança, é a garantia da sua permanência. Segundo ele, “c’est
l’apparente demesure de ce projet [du mouvement surréaliste] qui, pour le surréalisme, est
garante de sa durée et assure, d’étape en étape, sa recharge” (Breton, 1970: 247).
“apesar de ser um movimento ainda relativamente recente em Portugal, o certo é que já em 1949 não
eram só os elementos do Grupo Surrealista de Lisboa que sentiam que o grupo tinha acabado, também
os membros do outro grupo começavam a ter consciência de uma certa desagregação que iria sendo
cada vez mais acentuada até à ruptura quase completa por volta de 1952, tendo ficado apenas alguns
membros isolados a trabalharem separadamente dentro da óptica surrealista” (Marinho, 1985: 62-63).
A situação altera-se, a partir de 1952, pois
“a actuação colectiva surrealista deixa de se fazer sentir sistematicamente. A partir de agora serão
posições individuais de este ou aquele autor que irão marcar uma certa sobrevivência do movimento”
(Marinho, 1985: 96).
Conclui-se, portanto, que a fase organizada do movimento, para além de tardia no contexto internacional, é
também efémera, pois tem uma duração visível de cerca de cinco anos.
2
Com efeito, as influências são profundas, mas não suficientemente expressivas para aniquilar toda a
originalidade emergente do movimento português, pois
“não devemos ignorar, no entanto, que todas essas influências fruto do contacto – por outro lado, nem
sempre directo nem o suficientemente assíduo, nem demasiado amplo e profundo – com os surrealistas
franceses e com uma determinada tradição literária, artística e filosófica, se sobrepõem e por vezes se
integram de um modo original com as que provêm da tradição poética portuguesa, produzindo-se assim
um jogo de conjunções e disjunções que, além do mais, se cristalizariam em poéticas e condutas tão
claramente diferenciadas entre os distintos autores que resulta por vezes arriscado falar de uma acção e
menos ainda de uma poética colectiva a propósito da aventura surrealista portuguesa – suma de
aventuras pessoais apenas acidentalmente coincidentes que também poderia servir para estabelecer uma
certa diferença relativamente ao surrealismo francês aglutinado em redor de André Breton e derivado,
frequentemente, em seita (doutrina-dogma, iniciação e sacerdócio, ortodoxia e heterodoxia, heresias e
excomunhões, liturgia e sacrifício)” (Cuadrado Fernández, 2001: 283-284).
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Nessa medida, o devir histórico do surrealismo não admite a ideia do seu fim, num
qualquer hipotético fim da história quimérico. Daí que a luta contra algumas tentativas de
decreto da morte do surrealismo, perpetradas pelo discurso alegadamente isento da
historiografia, seja permanente em Breton, que, já em 1942, recusa a tentativa de transformar
o surrealismo num movimento passageiro, sujeito à lógica da efemeridade das modas
culturais, e, em Portugal, se manifeste de forma recorrente nos heterodoxos textos de Mário
Cesariny. Refira-se que o discurso crítico que promove a ideia de fim do movimento após a
dissolução do Grupo Surrealista de Lisboa só pode ser entendido no contexto do diferendo
que opõe José-Augusto França a Mário Cesariny, que está na origem dessa mesma dissolução.
José-Augusto França defendeu sempre que o surrealismo acabou com este grupo (e, logo,
com o seu afastamento e com o dos seus companheiros, António Pedro e António Dacosta).
Mário Cesariny advogou sempre o contrário, por continuar a julgar que este movimento veria
a sua legitimidade aferida pelas próprias condições sócio-políticas vigentes, ou seja, pela
necessidade de lutar contra a ordem moral bafienta do regime ditatorial salazarista.
A formulação teórica dos pressupostos vanguardistas do surrealismo, para Cesariny e
para os seus companheiros, é, neste aspecto, profundamente influenciada pelo marxismo,
visto que aí se manifestam implicitamente algumas ideias típicas do pensamento
revolucionário. De facto, prevendo-se uma transformação da arte num período pós-histórico
ou, por outras palavras, pós-revolucionário, num momento idílico em que os homens
pudessem ser realmente humanos, deveria assistir-se nesse momento à transfiguração do
surrealismo num movimento ainda mais emancipador do que aquilo que já seria. O
surrealismo apresenta-se, portanto, como uma ideologia eternamente insatisfeita, que não se
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restringe aos pruridos formais de algum modernismo e esteticismo de objectivos menos
vastos 3 .
Como em Portugal, a pós-história só será possível em 1974, os teóricos do movimento
terão hipóteses em excesso para afirmar a pertinência dos objectivos formulados e, por
conseguinte, a vitalidade do projecto. A este propósito, Eduardo Lourenço defende que o
vigor da acção desenvolvida pelos nossos surrealistas se concretiza numa radical
transformação da forma de conceber o modo de viver nacional, declarando que:
“apesar do condicionalismo tão particular da época, com a sua censura mais ou menos ubuesca,
apesar do fenómeno sociologicamente minoritário das suas expressões oficiais, a sensibilidade
que nas atitudes e gestos surrealistas se encarnou trouxe à superfície um Portugal-outro,
anómalo, eficaz justamente até por não propor desta vez «reforma ideológica, cultural ou ética»
de nacional recorte ou aplicação, mas apenas por tornar inactual, arcaico, fóssil, um mundo de
formas que era a forma mesma do inteiro viver nacional” (Lourenço, 1992: 34).
Como é fácil de verificar, por um lado, este discurso opõe-se frontalmente ao discurso
necrológico de José-Augusto França que afirma que “o movimento não durou mais do que o
espaço de uma manhã” (França, 1993: 567). 4 Por outro lado, revela que a história só é bem
recebida pelos surrealistas como pretexto para a sua acção subversiva e para objecto da sua
revolução contra-ideológica.
Por um surrealismo transhistórico.
De facto, explicar o surrealismo de um ponto de vista histórico sempre se revelou
difícil e, no entender dos artistas envolvidos, escusado. O poder subversivo dos surrealistas,
3
Assim, Breton refere, em 1952, que “c’est assez dire que, les conditions dans lesquelles il s’est développé étant
loin d’être révolues, le surréalisme ne saurait être déjà rejeté dans le passé, au même titre que l’impressionisme
ou le cubisme par exemple” (Breton, 1970: 10).
4
Dada a posição hegemónica de José-Augusto França no campo artístico-literário, como director da ColóquioArtes e como académico consagrado, é natural que a o surrealismo tenha sido objecto de uma demorada
menorização axiológica, que só há pouco tempo começou a ser contestada. 9 VI Congresso Nacional Associação Portuguesa de Literatura Comparada /
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durante o longo inverno salazarento, teve como alvo prioritário a acção ideológica do Estado,
que serviu de motivo para o desenvolvimento da prática reiterada da paródia e da sátira, que
se materializou “numa contrafacção negativa e frontalmente iconoclasta da imagem oficial e
estereotipada” (Martins, 1995: 176). A repressão teve de ser forte do ponto de vista dos
esbirros do poder, o que conduziu à fuga, exílio, partida e silêncio de muitos dos nossos
surrealistas 5 .
Erguendo-se contra a história, o surrealismo recusou toda a forma de historicidade.
Efectivamente, a afirmação do carácter transhistórico do surrealismo é recorrente em
Cesariny, o mais activo dos seus teorizadores. No seu discurso, os pressupostos teóricos do
movimento são de tal forma hipostasiados que o seu carácter parece relevar do domínio do
sagrado, do indesvendável e do tabu. A posição de Cesariny é inequívoca quando afirma o
seguinte:
“o que em primeiro lugar me vem à cabeça é que não podemos de maneira nenhuma dispor do
surrealismo, não podemos tentar escrever a história de um surrealismo futuro, chame-se ele
surrealista ou não, tal como não podemos dispor do surrealismo que vem, se vem, de 1924 a
hoje. NÃO NOS PERTENCE” (Cesariny, 1985: 206).
Parece, portanto, lógico que pelas indefectíveis características deste movimento, que
se afigura eterno e transhistórico, o discurso historiográfico sobre o mesmo esteja
impossibilitado, no entender de Cesariny, que afirma peremptoriamente:
5
António Maria Lisboa é a primeira vítima, falecendo após um longo período de doença agravado pela sua
estada em França, em 1949, em condições deploráveis. Fernando Lemos foge para o Brasil em 1953. Mário
Henrique Leiria sai de Portugal em 1954 e, depois de ter passado por muitos países, acaba por fixar-se no Brasil
em 1961. António Dacosta, graças a uma bolsa de estudo, arranja forma de partir para França, onde acabará por
residir durante longo tempo. Isabel Meyrelles fixa-se no mesmo país. Cruzeiro Seixas parte para Angola em
1952, tendo permanecido aí até 1964. Mário Cesariny passa longas temporadas em França e, sobretudo, em
Inglaterra, onde escreve parte do seu livro dedicado a Vieira da Silva. Finalmente, há a referir os casos trágicos
de Manuel D’Assumpção e de João Rodrigues, que se suicidam, em 1965 e em 1967, respectivamente.
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“curioso é saber que não se fará a história do movimento surrealista em Portugal. Posto entre
dois impossíveis, o do início e o do fim, nem os seus protagonistas se qualificam para
Herculanos, nem os amadores disso, temos visto, se haverão de esforçar” (Cesariny, 1997: 14) 6 .
Paradoxalmente, o mesmo Cesariny que afirma o carácter transhistórico (e a-histórico)
do surrealismo é também o historiador do movimento. Com efeito, Osvaldo Silvestre comenta
ironicamente que
“não nos surpreende assim excessivamente que o nosso surrealismo tenha produzido pelo menos
um Herculano e que esse Herculano se tenha chamado Cesariny, autor de pelo menos duas
tentativas de uma história comparada, ano a ano, dos prolegómenos e história do nosso
surrealismo” (2002: 17).
A aporia não se instaura, contudo, nesta posição de Cesariny, pois a falsa contradição
decorre do carácter histórico de toda a acção, mesmo que se pretenda assumir como
transhistórica. De facto, não se pode esquecer que “todos os esforços para escapar à história
são historicamente determinados” (Pozuelo Yvancos, 2001: 429). Assim sendo, a tentativa de
Cesariny construir uma (id)entidade surrealista transhistórica não deve deixar de ter em conta
todas as limitações e idiossincrasias da constituição de cânones pessoais (neste caso, o de uma
poesia surrealista) pela obediência a categorias estáveis e pretensamente universais
(concretamente, o código de valores ético-estéticos imposto sobretudo – mas não só – pelos
manifestos bretonianos), configuradores da sua identidade. Por outras palavras, o
transhistórico nunca deixará, por nenhuma força mágica ou oculta, de ser histórico, devendo
6
O trabalho de índole histórica sobre o surrealismo português acaba por ser dificultado pelo próprio Cesariny
que se compraz em não atribuir qualquer tipo de importância à datação rigorosa das suas obras. Com efeito, pode
dizer-se legitimamente que
“as dificuldades de fixação dos textos de Mário Cesariny, notadas pelos leitores e
assinaladas pelos críticos literários, são idênticas as que encontramos na fixação do corpus
da sua obra plástica. Perante esta dupla realidade podemos afirmar que a densa teia de
dificuldades e complexidades que se interpõe entre a obra produzida por Cesariny e o seu
entendimento racionalizado não resulta de qualquer desatenção da sua parte – é um
elemento estruturante da poética criativa do autor” (Pinharanda, 2004: 22).
Por esta razão se explica a decisão tomada neste trabalho de referir as obras de Cesariny em função da data
expressa das edições a que recorremos e não em função da sua (hipotética e incerta) data original.
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tomar-se “a «transhistoricidade» como uma modalidade do «histórico» e não como
equivalente de «supra-histórico» (ou de metahistórico, com o mesmo valor do prefixo em
metafísica)” (Gusmão, 2001: 208).
António Maria Lisboa, por seu lado, perfilha também esta visão transhistórica do
surrealismo que Cesariny defende, ao afirmar que
“a Surrealidade não é só do Surrealismo que hoje tem incontestavelmente um limite na acção e
um limite no conhecimento – o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes
Poetas quaisquer que sejam as suas decisivas experiências” (in Cesariny, 1997: 162).
A consequência da leitura destes discursos é a construção de uma imagem do
surrealismo como entidade eterna, inacabável e constantemente reactualizável, isto é, dito de
outro modo, como entidade supra-histórica e a-histórica. Não admira, então, que Cesariny
proclame que
“[o surrealismo] nunca vai acabar. Quem leu o André Breton com atenção percebe isso, não só
não vai acabar como não teve começo. Claro. A investigação do Breton na literatura e na pintura
refere os povos primitivos, os quadros de areia dos índios, as pinturas rupestres, de uma maneira
que influenciaram muito depois a chamada arte moderna. A única coisa que o Breton fez foi
reunir numa espécie de teoria, ou de filosofia ou de bloco, o que parecia que ao longo dos
tempos não fazia sentido. Numa altura chamou-se Romantismo, depois noutra altura chamou-se
não-sei-quê, depois outra coisa... Ainda há e há-de haver sempre Surrealismo” (Cesariny, 2002:
16-17).
Assim sendo, face a todo este conjunto de limitações relativas ao próprio contexto
histórico-cultural que assiste à sua manifestação e ao conjunto de diferentes instaurados na
sua análise crítica e nos seus mecanismos de consagração, é natural que, ainda hoje, a génese
e o desenvolvimento do movimento sejam sujeitos a um conjunto de explicações superficiais,
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equivocadas, paradoxais e, frequentemente, inconsistentes. A questão do anacronismo do
movimento, ou o seu alegado carácter tardio e desajustado, assume neste âmbito uma
importância fundamental.
Com efeito, o facto de se assumir como tardio o carácter do surrealismo português,
quando integrado no contexto internacional, não deve forçosamente significar o deduzir como
consequência o seu alegado anacronismo, como o faz alguma crítica apressada que procura
menorizar a importância do movimento. Com efeito, apesar de cronologicamente tardio
quando compreendido numa conjuntural e hipotética história universal do surrealismo, o
movimento português nunca deixou de constituir uma autêntica vanguarda, no contexto
português, afirmando-se sempre adiantado e desajustado face ao seu tempo histórico 7 .
O que se revela uma evidência incontornável é que
“as peculiares características de um tempo e de um país – o Portugal dos anos 40-50 – foram
utilizadas quase sem excepções pela crítica não só para explicar as circunstâncias e
condicionamentos da aparição e desenvolvimento do movimento surrealista português – o que
nos parece inevitável e óbvio, ainda que insuficiente –, mas também para definir algumas das
suas características (tópicos temáticos, determinadas técnicas) constitutivas essenciais tanto da
práxis colectiva como das poéticas particulares dos seus autores – o que já não nos parece tão
evidente nem nos basta para explicar suficientemente uma e outras” (Cuadrado Fernández, 2001:
287).
Pondo de parte os preconceitos relativos ao falso anacronismo do movimento, verificase que grande parte das experiências desenvolvidas pelos actores portugueses caminha
perfeitamente a par daquelas que outros realizam no exterior. Assim,
7
Este vanguardismo, como é óbvio, constituiu mais um factor de rejeição das obras produzidas e das acções
desenvolvidas junto do grande público, que não compreende facilmente o alcance revolucionário dos códigos
empregues e das mensagens veiculadas, capazes de pôr em prática a ordem normal das coisas. Esta
incompreensão torna-se bem visível, por exemplo, nas reacções públicas e jornalísticas às acções desenvolvidas
no Jardim Universitário das Belas-Artes, em Maio de 1949, tal como se pode depreender da leitura de alguns
artigos jornalísticos publicados em A Intervenção Surrealista (Cesariny, 1997: 128-136).
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“após um momento inicial que se estende até finais de 1948/meados de 1949 (segundo os
autores), o automatismo e as teses sobre o sonho e o inconsciente, o mito e as culturas primitivas
serão transformados por uma grande parte deles – à excepção de Mário Cesariny que se encontra
nesta via desde 1947, e de outros artistas em que ambas as vias correm paralelas, como é o caso
de Azevedo – em ponto de partida para surgimento de um Surrealismo abstracto, baseado na
união destes aspectos com os da própria criação artística. Com isto se aproximam, sobretudo, das
experiências que Roberto Matta, Ashile Gorky, Estebán Francés, Gordon Onslow Ford, Wolfran
Paalen tinham começado a desenvolver desde finais da década de trinta” (Ávila, 2001: 64).
Desta forma, verifica-se que
“não existe portanto um atraso neste nascimento do Surrealismo em 1947, perfeitamente a par do
que acontecia no âmbito internacional [com o nascimento do grupo Malmö na Suécia, do grupo
Ra em Praga e do grupo Dau al Set em Espanha]” (Ávila, 2001: 63).
Antes pelo contrário, o surgimento do surrealismo português deve ser entendido no
contexto particular de “une prolifération sans frontières” de movimentos surrealistas, um
pouco por todo o mundo, no período pós-segunda guerra mundial, tal como entendem Alain e
Odette Virmaux:
“le retour de la paix favorise le surgissement, un peu partout, d’une foule de mouvements
artistiques. Sous la forme, parfois, de regroupements, de convergences à vocation d’emblée
internationale, comme ce sera le cas pour «Cobra». Cette efflorescence a un double visage:
attraction et répulsion à l’égard du surréalisme. Souvent on se réclame de lui, on établit un lien,
mais simultanément on tient à se démarquer, à réfuser l’inféodation, voire à s’opposer”
(Virmaux, 1987: 208).
Assim, não admira que a independência constitutiva do surrealismo português seja
concebida como um sucesso na concretização de objectivos, visto que esta mesma
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independência resulta da atribuição de “um certo número de características nossas às nossas
realizações super-realistas”, como o afirma Alexandre O’Neill numa carta datada de Setembro
de 1947 (in Cesariny, 1985: 294-295).
Esta autonomia acarreta, como consequência, a definição de traços próprios no caso
português, que se traduzem em diferenças fundamentais nas produções poéticas e plásticas.
No que diz respeito à poesia, Cesariny é claro quando afirma, num texto de 1973 intitulado
“Para uma cronologia do surrealismo português”, que
“Mais de três décadas passadas sobre o início, talvez não fosse mal que a luso ensaística, mesmo
formosamente ausente, como vive, do surrealismo aqui, desse em reparar como a poesia
daqueles que entre nós verdadeiramente creram e se empenharam na proposta surrealista – falo
de Alexandre O’Neill, de mim, s.m.p., de António Maria Lisboa, de Pedro Oom, de Mário
Henrique Leiria, de Carlos Eurico da Costa, de Fernando Alves dos Santos, de Cruzeiro Seixas,
de Ernesto Sampaio – é aquela que menos deve e em isso mesmo menos se parece com a poesia
surrealista francesa. Ou abexim. De tal dívida e semelhança são muito mais tributários entre nós
os poetas da pesca à linha nos lagos do bolo doce éluardiano e chareano, digerido como peixe
novo tão mais de quanto a mais milhas de tudo aquilo que o surrealismo foi ou quis ser ou será”
(Cesariny, 1985: 277).
A originalidade da produção portuguesa passa a ser erigida em valor máximo e explica
o facto, só na aparência paradoxal, de os poetas portugueses devedores da estética de Éluard e
Char serem, afinal, exteriores ao surrealismo. A uma estética da imitação de traços
academizantes, a vanguarda surrealista oporá sempre a criação livre e original, cuja origem
remontará aos mais recônditos espaços da mente humana. Assim, a crítica de Cesariny incide
sobre aqueles que acolhem o surrealismo como um estilo de escrita, como um conjunto
normativo de regras a empregar na produção de novas obras, sem se aperceberem da vertente
política do movimento. Por outras palavras, a crítica dirige-se a todos os poetas que
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pretendem transformar o surrealismo em mais um movimento estético de traços modernistas,
tornando-o desta forma ideologicamente inócuo, socialmente passivo e marcusianamente
afirmativo.
A questão anacrónica.
É fácil de concluir, portanto, que o atraso ou anacronismo do surrealismo português é
uma falsa questão. Em parte, porque o dealbar da nossa pós-modernidade só se vislumbra,
efectivamente, a partir dos anos setenta do século XX, como nos recorda Fernando Pinto do
Amaral (1991). Nessa medida, falar da nossa literatura da segunda metade do século XX será
inevitavelmente
situarmo-nos
no
domínio
dos
modernismos,
pós-modernismos
e
anacronismos, como afirma Américo Diogo (1993). Por outra parte, a ilegitimidade da
questão reporta-se ao tempo suspenso ou de história parada do nosso azar salazarista.
Irremediavelmente fora da história, toda e qualquer veleidade cosmopolita de fazer o tempo
retomar o seu curso e de lutar pela emancipação social deve ser vista, em contexto nacional,
como uma real manifestação de vanguarda. Esta menção estatutária é insistentemente
reclamada pelos frustrados surrealistas que, reconhecendo a impossibilidade de uma acção
conjunta, nunca se furtam, contudo, ao desenvolvimento de uma acção individual pelo bem
comum. Este propósito é, inclusivamente, assumido numa carta dirigida ao surrealista inglês
Simon Watson Taylor, datada de 1950:
“Em cada país a posição surrealista tem de se colocar conforme as suas próprias possibilidades e
formas de actuação, condicionada pelo meio em que existe e é obrigada a ser e servindo-se da
capacidade de revolucionar-destruir-criar que esse mesmo meio lhe proporciona. […]Por isso as
actuações têm de adaptar-se ao local em que se situam. Por isso a nossa afirmação de que, em
Portugal, não é possível a existência de qualquer agrupamento ou movimento dito surrealista,
mas a de que apenas poderão existir indivíduos surrealistas agindo, por vezes, em conjunto” (in
Cesariny, 1981: 151).
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A actividade isolada destes poetas e artistas coloca-os inequivocamente no lugar
impossível da utopia, assumido o termo também na sua acepção etimológica. Porventura
atrasados relativamente ao que se passa na história, isto é, longe daqueles que se deixam estar
orgulhosamente sós, os surrealistas portugueses colocam-se sempre à frente dos seus
concidadãos. Assim, é impossível identificar atraso ou anacronismo na posição destes que
lutam contra o mesmo, do ponto de vista político-social e do ponto de vista artístico.
Esta discussão, como se viu, ocupa o lugar central no dissídio que opõe duas facções
do movimento, servindo durante muito tempo como pretexto para a marginalização artística
de sujeitos que sempre se pretenderam independentes. O anátema do anacronismo, um
argumento aparentemente factual e irrefutável, escamoteou, contudo, o lugar periférico da
nossa história social, pois, tal como o afirma Osvaldo Silvestre,
“muito haveria a dizer sobre isto, embora do muito a dizer não devesse constar a tradicional e
cansada imputação de «atraso», que em verdade nada adianta. Tanto mais que por aí não se vai
longe: a cultura portuguesa da modernidade (aceitemos que essa modernidade se afira por 1789,
data iniciadora do que em tempos se chamava Era Contemporânea) é desde o Romantismo por
definição atrasada. Este modelo heurístico, que somatiza a dramatização temporal produzida pela
modernidade – o progresso, o atraso, etc. –, há muito nos deveria ter ensinado que a sua
aplicação à nossa cultura, como a todas as culturas (semi)periféricas, nos inibe um entendimento
produtivo da nossa fenomenologia cultural, entregando-nos antes nos braços de um
ressentimento eterno (que é como quem diz: nos braços da Geração de 70)” (Silvestre, 2002: 16).
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Carlos Machado (Escola Secundária de Caldas das Taipas)