Aceite para publicação em 29 de novembro de 2010.
Atualizado em setembro de 2011 e abril de 2013.
OUTUBRO
2010
Como se mediu
a distância das
estrelas
Ana Paula Silva Correia
José Rodrigues Ribeiro
Escola Secundária com 3º ciclo de Henrique Medina, Esposende
Antiguidade Clássica
DUAS IDEIAS BASTANTE GENERALIZADAS
• Ao contrário dos planetas e do Sol – que
quanto mais rápido se movem no céu,
mais próximos estariam – as estrelas (por
se moverem à mesma velocidade)
encontrar-se-iam todas à mesma distância
da Terra e muito para além dos planetas.
• As diferenças de brilho entre as estrelas
dever-se-iam por isso, não à desigual
distância, mas sim ao desigual tamanho.
Novas ideias (I)
• O filósofo e teólogo Nicolas de Cusa
defendeu em 1440, na sua obra
filosófica “De Docta Ignorantia”, que a
distância das estrelas poderia não ser
igual para todas.
• No século XVII, verificou-se que,
enquanto era possível ver ao telescópio
o disco dos planetas, as estrelas
continuavam a ser pontos luminosos.
Conclusão: As estrelas situavam-se
muito mais longe que os planetas.
Novas ideias (II)
• No final do século XVII, fizeram-se as
primeiras estimativas da distância de uma
estrela.
• Partia-se do princípio errado de que todas
as estrelas teriam o mesmo brilho que o
Sol e que era a distância que as fazia
parecer pouco brilhantes. Entre os que
tentaram usar esse método contam-se
James Gregory, Isaac Newton, Christian
Huygens e Edmund Halley.
Para Halley, Sirius estaria a 2 anos-luz de distância.
Sabemos agora que o valor não é correto (Sirius fica
quatro vezes mais longe), consequência do fato dessa
estrela ser na verdade mais brilhante que o Sol.
O movimento próprio das estrelas
(I)
• Foi o mesmo astrónomo Edmund Halley
quem em 1718 anunciou uma importante
descoberta:
Ao comparar a posição das mesmas estrelas
em catálogos elaborados em diferentes
épocas, concluiu que (sem margem para
dúvidas) algumas tinham mudado de
posição ao longo do tempo.
• Rapidamente se constatou que a exceção
constituía a regra e que todas as estrelas
tinham movimento próprio. Umas porém
eram bastante mais rápidas do que a
maioria.
O movimento próprio das estrelas (II)
• Por exemplo, Sirius demora 1400 anos a percorrer
no céu o equivalente ao diâmetro da Lua,
ao passo que Betelgeuse precisa de 58.000 anos
para efectuar a mesma deslocação.
• A estrela mais veloz é a estrela de Barnard
ou “flecha de Barnard”, que em apenas 180 anos
percorre a mesma distância.
• A descoberta do movimento próprio levou a pensar
que as estrelas mais rápidas seriam também
aquelas que se encontravam mais perto da Terra.
FONTE:http://www.rssd.esa.int/index.php?project=HIPPARCOS&page=high_p
O método da paralaxe (I)
• No século XIX, começou a ser possível medir a distância
das estrelas através de um método alternativo: a paralaxe.
• A ideia subjacente ao método poderá ser compreendida
através deste exemplo:
Quem estiver à janela de um comboio em movimento e quiser
acompanhar, por exemplo, uma árvore que esteja junto à linha,
tem de mover rapidamente os olhos ou a cabeça; porém, se
estiver a olhar para uma montanha distante, pode ficar durante
minutos sem desviar o olhar e mesmo assim acompanhá-la.
Quanto mais afastado estiver o objecto, menor efeito tem
o movimento do comboio sobre a direção do nosso olhar.
Se quisermos, podemos também calcular a que distância o tal
objecto fica, medindo o desvio (em graus) que os nossos olhos
têm de fazer para manter o objecto em mira. É o que fazem os
topógrafos, nos seus levantamentos de terrenos.
O método da paralaxe
(II)
• Se considerássemos que a Terra é o nosso
“comboio”, que se move a 30 km/s à volta do
Sol (translacção), e que as estrelas são
objectos que vemos da nossa “janela”,
poderíamos também tentar medir o ângulo
que temos de mover a cabeça para
continuarmos a olhar para a mesma estrela.
• Só que as estrelas parecem estar sempre no
mesmo sítio, por mais que a Terra ande. Era
aliás essa uma das razões usadas pelos
defensores das teorias geocêntricas. Vamos
ver que não é bem assim ...
O método da paralaxe (III)
• É contudo preciso esperar que a Terra se desloque muitos milhões
de km, para podermos notar alguma diferença na direção de
qualquer estrela. Para isso, mede-se a posição da estrela, em duas
ocasiões, separadas de seis meses.
• Devido ao movimento de translação, tal significa que se observou a
estrela a partir de pontos distanciados 300 milhões de km (o
diâmetro da órbita da Terra), sendo a pequena diferença na
posição da estrela no firmamento denominada paralaxe estelar.
Imagem retirada de
http://www.astro.ucla.edu/~wright/distance.htm
O método da paralaxe (IV)
• Na prática, o processo não é tão simples quanto pode
parecer, pois existem dois importantes fatores de erro:
1. O movimento próprio das estrelas, que origina
desvios de posição várias vezes superiores aos
causados pela paralaxe, e que tem por isso de ser
devidamente contabilizado em todos os cálculos.
2. A reduzida dimensão da paralaxe estelar (mesmo na
estrela mais próxima não atinge 1/4600 de grau), que
a torna muito difícil de medir com precisão.
• Por isso, depois de muitas tentativas fracassadas, foi
preciso esperar por 1838 pela primeira medição da
distância de uma estrela.
A “corrida” à estrela mais próxima
Friedrich Bessel (Observatório de Konigsberg, Alemanha)
ALVO: 61 Cygni, a estrela de maior movimento próprio
então conhecida.
Thomas Henderson (Observatório do Cabo, África do Sul)
ALVO:
Alfa Centauri (Alfa do Centauro), muito brilhante e dotada de grande
movimento próprio.
Friedrich von Struve (Observatório de Dorpat, Rússia)
ALVO:
de maior
Vega, da constelação da Lira, uma das estrelas
mais brilhantes do céu.
Os resultados
Bessel
O vencedor, pois publicou os resultados em dezembro de 1838
no Astronomische Nachrichten, com base em mais de um ano
de observações feitas a 61 Cygni. O valor que obteve (10,4 anosluz) é bastante próximo do correto (11,4 anos-luz).
• Henderson
Mediu entre abril de 1832 e maio de 1833 as posições de alfa
Centauri. Por excesso de cautela, esperou a confirmação das
observações, divulgando-as apenas em 11 de janeiro de 1839
na Royal Astronomical Society. Obteve 2,8 anos-luz, valor
inferior ao correto em cerca de 35%.
• Struve
Entre 1835 e 1838, observou Vega. Embora em 1837 tivesse
publicado um resultado preliminar, só em outubro de 1839
divulgou a paralaxe da estrela, concluindo que esta se
encontrava à distância de 12,5 anos-luz. Sabemos agora que a
distância é o dobro.
Avanços subsequentes
• O método da paralaxe (baseado na órbita da Terra) unicamente
servia para as estrelas mais próximas: por esse motivo, no final
do século XIX, conheciam-se as distâncias de apenas 55 estrelas.
• Em 1912, Henrietta Leavitt descobriu a relação períodoluminosidade para as cefeidas, o que permitiu (a partir do
período de variação do brilho) estimar a distância de estrelas
desse tipo, em muitos casos situadas a milhares de anos-luz.
• Em 1989-1993, o telescópio orbital Hipparcos
foi utilizado para determinar paralaxes de
mais de 118 mil estrelas, com uma precisão
nunca antes atingida.
Qual é afinal a estrela mais
próxima?
• Durante muito tempo supôs-se que a nossa
vizinha mais imediata era a alfa Centauri, que
tinha sido estudada por Henderson, a qual se
encontra a 4,36 anos-luz.
• Mas existe na verdade uma outra estrela
ainda mais próxima, mas invisível a olho nu,
descoberta apenas em 1913 pelo astrónomo
sul-africano Robert Innes.
• Situa-se perto de alfa Centauri, sendo aliás
muito provável que pertença ao mesmo
sistema, e designa-se Proxima Centauri. A sua
distância ao Sol é de apenas 4,24 anos-luz.
Os “vizinhos” do Sol
• Depois de quase dois séculos de trabalho aturado de muitos
astrónomos, é agora possível ter uma ideia bastante completa
do conjunto das estrelas que nos rodeiam.
• Na sua maioria, trata-se de anãs vermelhas (classe espectral
M), mais frias e mais pequenas do que o Sol. Nos últimos dois,
três anos, a lista tem vindo a ampliar-se com a inclusão de
estrelas ainda mais pequenas e frias, as anãs castanhas. Por
isso, apesar de se encontrarem muito perto, poucas das nossas
vizinhas são visíveis a olho nu.
• Aliás, no conjunto das vinte estrelas mais brilhantes do céu,
apenas três se situam a menos de 12 anos-luz, havendo
inclusive algumas afastadas de nós centenas de anos-luz. Ao
contrário do que se pensou durante algum tempo, muito
brilhante não significa necessariamente próxima.
BIBLIOGRAFIA
•
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Wilhelm and Otto Struve”, Kluwer Academic Press, 1987.
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Sagan, Carl. “Cosmos”, Gradiva, Lisboa, s/ data.
“The Brightest Stars in the Hipparcos Catalogue” in
http://www.rssd.esa.int/
Ano-luz e parsec
ANO-LUZ (a.l. ou ly)
Distância percorrida pela luz, durante um ano juliano (= 365,25 dias)
à sua velocidade no vazio (299.792,458 km/s)
1 ano-luz = 9.460.730.000.000 km = 9,46073 x 1012 km
PARSEC (pc)
Distância correspondente a uma paralaxe de um segundo de arco, medida
entre dois pontos extremos (separação: 2 UA) da órbita terrestre
1 parsec = 30.857.000.000.000 km = 3,0857 x 1013 km
FACTOR DE CONVERSÃO
1 pc = 3,2616 ly
As 20 estrelas mais próximas
(a vermelho, sistemas visíveis da Terra a olho nu; a castanho, anãs castanhas)
Adaptado de http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_nearest_stars
NOME
CONSTELAÇÃO
DISTÂNCIA (anos-luz)
CLASSE ESPECTRAL
MAGNITUDE (m)
MAGNITUDE ABSOLUTA (M)
1
Próxima Centauri
Centauro
4,24
M5
11,1
15,5
2
Alfa Centauri
Centauro
4,36
G2 K1
0,0 1,3
4,4 5,7
3
Estrela de Barnard
Ofiúco
5,96
M4
9,5
13,2
4
WISE 1049-5319
Vela
6.52
L8 L9/T0
---
---
5
Wolf 359
Leão
7,78
M6
13,4
16,6
6
Lalande 21185
Ursa Maior
8,29
M2
7,5
10,4
7
Sirius
Cão Maior
8,58
A1 A2
-1,4 8,4
1,5 11,3
8
Luyten 726-8
Baleia
8,73
M5 M6
12,5 13,0
15,4 15,8
9
Ross 154
Sagitário
9,68
M3
10,4
13,1
10
Ross 248
Andrómeda
10,32
M5
12,3
14,8
11
WISE 1506+7027
Ursa Menor
10,52
T6
---
---
12
Epsilon Eridani
Erídano
10,52
K2
3,7
6,2
13
Lacaille 9352
Peixe Austral
10,74
M1
7,3
9,8
14
Ross 128
Virgem
10,92
M4
11,1
13,5
15
WISE 0350-5658
Retículo
11.21
Y1
---
---
16
EZ Aquarii
Aquário
11,27
M5
13,3 13,3 14,0
15,6 15,6 16,3
17
Procyon
Cão Menor
11,40
F5 A
0,4 10,7
2,7 13,0
18
61 Cygni
Cisne
11,40
K5 K7
5,2 6,0
7,5 8,3
19
Struve 2398 (= S 2398)
Dragão
11,53
M3 M3
8.9 9,7
11,2 12,0
20
Groombridge 34
Andrómeda
11,62
M1 M3
8,1 11,1
10,3 13,3
Estrelas situadas a menos de 12,5 anos-luz
FONTE: http://www.atlasoftheuniverse.com
Distância das 20 estrelas mais brilhantes do céu
Sirius
Canopus
Arcturus
Alfa Centauri
Vega
Capella
Rigel
Procyon
Achernar
Beta Centauri
Altair
Betelgeuse
Aldebaran
Acrux
Spica
Antares
Pollux
Fomalhaut
Deneb
Beta Crucis
CONSTELAÇÃO
Cão Maior
Quilha do Navio (Carina)
Boieiro
Centauro
Lira
Cocheiro
Orion
Cão Menor
Erídano
Centauro
Águia
Orion
Touro
Cruzeiro do Sul
Virgem
Escorpião
Gémeos
Peixe Austral
Cisne
Cruzeiro do Sul
DISTÂNCIA (anos-luz)
8,6
310
36,7
4,4
25,3
42,2
870
11,4
144
400
16,8
640
65
320
250
600
33,7
25,1
1550
290
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Como se mediu a distância das estrelas