UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA GRADUAÇÃO EM DIREITO A EFICÁCIA DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DO DISTRITO FEDERAL Aluna: Raquel Martins Rodrigues Orientador: Douglas Ponciano da Silva BRASÍLIA 2007 RAQUEL MARTINS RODRIGUES A Eficácia das Medidas Alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Douglas Ponciano da Silva. BRASÍLIA 2007 Dedico o presente trabalho aos meus pais, grandes colaboradores na minha carreira jurídica, exemplos de incentivo e amor, a quem devo lições que a mera academia jamais ensina. Às minhas irmãs e ao Marcos pelo amor e cumplicidade. Agradeço a Deus por fortalecer minha fé, ao professor Douglas pela orientação e a Coordenação da CEMA do MPDFT pelo carinho na concessão dos dados. “Um dos maiores freios dos crimes não é a crueldade das penas, porém, a sua infalibilidade (...)”. Cesar Beccaria RESUMO RODRIGUES, Raquel Martins. A eficácia das Medidas Alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal. 2007. 81 f. Trabalho de conclusão de curso - (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2007. O presente trabalho cuida da questão da eficácia social das medidas despenalizadoras no âmbito dos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal. Esperamos por meio do presente estudo apresentar um parâmetro atual dos acontecimentos diários na rotina dos Juizados Especiais Criminais, bem como apontar soluções e posturas mais harmônicas entre partes, judiciário e comunidade. A Lei 9.099/95 com seu ímpeto de pacificação social produziu procedimentos rápidos, visando dar uma resposta mais célere a sociedade, entretanto, a falta de um estudo critico que pondere algumas imperfeições nos procedimentos comumente utilizados faz com que a instituição tenha um certo descrédito com a população, onde suas medidas passam a ser sinônimo de impunidade. Outro vertente da presente pesquisa é demonstrar a necessidade de buscar uma melhora na prestação jurisdicional que deve ser rápida, mas também satisfatória, fazendo com que o direito consensual se firme como meio idôneo na busca pela redução da criminalidade. Sem dúvida alguma, a contribuição dos Juizados Especiais Criminais é ímpar para resolução dos conflitos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo, entretanto, devemos sempre buscar a máxima efetividade das normas. Embora nosso trabalho não tenha esgotado o assunto pretendemos por meio de uma análise basilar buscando na finalidade e na evolução da sanção e do pensamento penal descobrir se as medidas alternativas conseguem cumprir a finalidade proposta pelo legislador pátrio. Levando em conta dados locais da Central de Medidas Alternativas do Ministério Público, buscaremos traçar um perfil local. Palavras-chave: Juizados Especiais Criminais. Lei 9.099/95. Eficácia. Medidas Alternativas. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1. População carcerária do Brasil segundo taxa de encarceramento (por 100 mil habitantes) - 1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2003..................62 LISTA DE TABELAS Tabela 1. População Carcerária no D.F de 2004/2007 ................................ 63 Tabela 2. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em 2005 ...............................................................................................................67 Tabela 3. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em 2004 .............................................................................................................. 68 Tabela 4. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em 2005 x outras .................................................................................................68 Tabela 5. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em 2004 x outras .................................................................................................69 Tabela 6. Prestação de Serviço aplicadas em 2005 x outras .......................69 Tabela 7. Prestação de Serviço aplicadas em 2004 x outras .......................69 Tabela 8. Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito Federal durante o ano de 2005 .....................................................................70 Tabela 9 . Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito Federal durante o ano de 2004......................................................................70 Tabela 10. Cumprimento da Medida: Dados acumulados até o final do ano de 2005 ...............................................................................................................71 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS Art. por artigo Id. por idem Ibid. por ibidem SIGLAS CP - Código Penal CPC - Código de Processo Penal CF - Constituição Federal CEMA - Central de Medidas Alternativas JECRIM - Juizado Especial Criminal MP - Ministério Público TC - Termo circunstânciado SUMÁRIO INTRODUÇÃO __________________________________________________________________ 12 Capítulo 1 - A Finalidade das Sanções Penais ________________________________________ 15 1.1 As Escolas Teóricas_________________________________________________ 15 1.1.1 Escola Clássica e a Teoria da Retribuição ___________________________________ 15 1.1.2 Escola Positivista e a Teoria Utilitarista______________________________________ _ 15 1.1.3 Teorias Mistas ou Ecléticas ________________________________________________ 17 1.2 A função da pena no Estado Democrático de direito______________________ 17 1.3 A evolução do sitema punitivo: das penas capitas à medidas alternativas ___ 20 1.3.1 Breve Retrospecto_______________________________________________________20 1.3.2 O novo Paradigma penal__________________________________________________ 23 1.3.3 Legislação Brasileira______________________________________________________ 26 1.3.4 Plano Internacional: Regras de Tóquio _______________________________________ 27 Capítulo 2 - Os Juizados Especiais Criminais _________________ 0Erro! Indicador não definido.8 2.1 Breve Histórico ______________________________ 08Erro! Indicador não definido. 2.2 As alternativas Penais no Direito Comparado ___________________________ 31 2.2.1 O instituto do Plea Bargaining norte-americano ________________________________ 31 2.2.2 Remissione della querela (antigo Patteggiamento) do Direito Italiano________________32 2.2.3 O Procedimento Sumariíssimo Português _____________________________________ 33 2.3 Considerações sobre alguns Princípios Processsuais Penais _____________ 33 2.3.1 Mitigação dos Princípos Processuais Penais: suscitadas inconstitucionalidades __ ____ 38 2.4 Persecução Penal e Ação Penal Pública________________________________ 39 2.5 - Princípios Orientadores dos Juizados Especiais Criminais__________________43 2.6 Procedimento nos Juizados Especiais Criminais ________________________ 44 2.6.1 Competência em razão da matéria e do lugar _________________________________ 45 2.6.2 Fase Preliminar__________________________________________________________ 47 2.6.3 Procedimento Sumariíssimo________________________________________________ 50 2.7 Os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 __________________________ 53 2.7.1 Composição Civil ________________________________________________________ 53 2.7.2 Transação Penal ________________________________________________________ 54 2.7.3 SuspensãoCondicional do Processo _________________________________________ 56 2.8 Efeitos da aplicação das medidas alternativas __________________________ 58 Capítulo 3 - A Eficácia Social das Medidas Alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal __________________________________________________________________ 61 3.1 Breves Considerações ______________________________________________ 61 3.2 Medidas Alternativas Aplicadas_______________________________________ 64 3.3 O papel da CEMA___________________________________________________ 66 3.3.1 Dados Estatísticos _______________________________________________________67 CONCLUSÃO ___________________________________________________________ 73 REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 78 Trabalho de Raquel Martins Rodrigues, intitulado Eficácia das Medidas alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal, apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito, defendida e aprovada em _____/_____/_____, pela banca examinadora consituída por: ________________________________________________________ Douglas Ponciano da Silva Orientador ________________________________________________________ Ana Cristina da Silva Souza ________________________________________________________ Elvécio Diniz Silverio ERRATA Folha Linha Onde se lê Leia-se 14 25 redução da a 21 1 a opção na baixa Idade Média a evolução do a evolução do Mercantilismo Mercantilismo e do e Capitalismo Capitalismo 21 25 ao raciocínio a conclusão 22 9 caso casos 23 21 iníquos inóquos 25 1 Preverem preferem 27 9 OUNU ONU 29 27 as a 37 11 chamada da chamada 38 5 incostitucionalidade inconstitucionalidade 38 11 privativa privativas 38 12 sobre o fato sobre o alegado fato 48 27 possibilita possibilitam 48 28 que constitua atípico pena atípico 70 11 esta estas 74 6 sujeita uma sujeita a uma 74 10 podendo pode 74 22 julgamento. Muitas vezes julgamento, embora muitas vezes pudesse 74 29 no o 75 1 emprenho empenho 12 INTRODUÇÃO Pretendemos estudar no presente trabalho a “Eficácia das medidas alternativas nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal”. É de extrema relevância proceder a uma análise das respostas que a sociedade vem obtendo com as medidas alternativas, por meio de um apontamento que confirme o alcance do escopo primordial da lei na elaboração dos institutos, bem como das expectativas sociais. Os 2 (dois) anos de estágio realizados no Cartório do 1º Juizado Especial Criminal de Ceilândia e, posteriormente, na 1ª Promotoria dos Juizados Especiais Criminais, impulsionaram o faro acadêmico no intuito de explorar sobre a real eficácia das medidas alternativas aplicadas aos crimes de menor potencial ofensivo, razão pela qual optamos pela abordagem tema na conclusão do curso. A criação da Lei 9.099/95 com o objetivo de desafogar a Justiça Comum e o falido sistema prisional, trouxe um novo pensamento penal por meio da possibilidade de um procedimento mais simples e célere que pudesse atender aos anseios da comunidade visando, sobretudo, a pacificação social. As inovações foram bastante aclamadas pelos operadores do direito, entretanto, doze anos após a sua criação grandes são os questionamentos acerca da eficácia dos seus procedimentos e da satisfação social com a tutela jurisdicional oferecida. Para atender ao mandamento constitucional constante no artigo 98, caput, da Carta Magna, foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais pela Lei nº 9.099 de 1995, que atribuiu aos Juizados Especiais Criminais a competência para julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, inicialmente classificados como aqueles cuja pena máxima em abstrato não fosse superior a um ano de reclusão, salvo as sujeitas a procedimento especial, conforme preceituava o artigo 60 e 61 da referida lei. Com o advento da Lei nº 10.259 de 12.07.2001 por meio do seu artigo 2º, parágrafo único, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito federal, alargou-se o conceito de crime de menor potencial ofensivo, passou-se a defini-los, como todos os crimes cuja lei comine pena que não exceda a dois anos ou multa. Em razão da 13 revogação da lei posterior, prorrogou-se a competência do Juizado Especial Criminal no âmbito da Justiça estadual. Tendo como princípios basilares do procedimento a informalidade, celeridade, oralidade e a economia processual, os Juizados Especiais trouxeram uma maior flexibilidade para a disposição da ação penal, garantindo ao Ministério Público um poder ainda maior sobre a titularidade da ação penal, podendo, ainda que mediante representação da vítima, oferecer os benefícios dos institutos despenalizadores da composição civil, da transação penal e do sursis processual. No Procedimento do Juizado Especial é gerado um Termo circunstanciado, que pode ser definido como um breve “inquérito policial”. Posteriormente, as partes são chamadas para uma audiência preliminar, que muitas vezes conduz a desistência por meio da conciliação, nos casos das ações penais públicas mediante representação ou mesmo privadas, ou ainda, proceder-se a uma composição civil dos danos. Não existindo acordo e presentes os requisitos de ordem objetiva e subjetiva previstos no artigo 76 da Lei, o Ministério Público poderá oferecer a transação penal que será homologada pelo juiz. Caso não estejam presentes os requisitos legais ou não seja aceita a transação penal pelo autor do fato, ou ainda, se revogado o benefício anteriormente concedido, o Ministério Público poderá oferecer denúncia oral ou escrita. Designada audiência de instrução e julgamento, restando a réu condenado a um crime cuja pena cominada seja inferior a um ano e presentes os requisitos objetivos e subjetivos, poderá, ser oferecida a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89. Como já ressaltado preliminarmente, existem algumas queixas em torno da real eficácia dos fins a que se prestam os Juizados Especiais Criminais, sobretudo, acerca da mitigação dos direitos individuais inerentes ao processo, tanto do autor do fato, quanto da vítima. E nesse sentido, curiosa é a análise do conceito de Justo atribuído por ambas as partes envolvidas aos procedimentos a que são submetidas. Entretanto, optamos no presente trabalho, por buscar conhecer melhor o alcance das soluções tão exaltadas pela doutrina e pelos criadores dos vários projetos que levaram a preparação da lei, bem como desvendar se os seus propósitos são de fato conquistados por meio das medidas alternativas. 14 Algumas ocorrências corriqueiras nos Juizados Especiais Criminais trazem à baila os seguintes questionamentos: Os Juizados Especiais Criminais são uma resposta eficaz aos problemas que lhe são apresentados? Os Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal promovem satisfatoriamente a prevenção especial (intimidatória) e a prevenção geral (positiva) pretendida? Quanto à prevenção especial (intimidatória): Os Juizados Especiais de fato promovem inserção social por meio das Medidas Alternativas? Quanto à prevenção geral (positiva): A abordagem do procedimento frente aos seus princípios norteadores dão um resposta satisfatória a coletividade? Para desenvolver o raciocínio proposto utilizaremos o método indutivo e buscaremos por meio da pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e da análise de alguns dados das Centrais de Medidas Alternativas e dos órgãos penitenciários estatais. No primeiro capítulo faremos uma abordagem acerca da finalidade da sanção segundo algumas teorias e dentro do Estado Democrático de direito. Procederemos, ainda, a uma revisão sobre a evolução das penas e sobre a necessidade nos dias atuais de busca por institutos penais mais eficazes. No segundo capítulo realizaremos uma discussão acerca dos objetivos da criação dos Juizados Especiais Criminais, discorreremos sobre alguns princípios processuais penais e suas flexibilizações. Além disso, revisaremos algumas informações sobre a ação penal e o procedimento nos Juizados Especiais, por fim, cuidaremos das medidas alternativas em espécie. No terceiro e último capitulo faremos uma análise das medidas alternativas no Distrito Federal, analisando sua aplicação e cumprimento, buscaremos apontar um quadro geral da execução das medidas despenalizadoras, verificando o seu papel sócio-educativo e a contribuição para redução da criminalidade, analisando alguns dados sobre a população carcerária no Distrito Federal. 15 CAPÍTULO 1 A Finalidade das sanções penais 1.1 - Escolas Teóricas Vamos iniciar nosso trabalho fazendo algumas considerações acerca das teorias que se ocuparam em buscar a finalidade da sanção no direito penal, tomando mão do discorrido por El Tasse1, vamos estudar as três escolas e respectivas teorias centrais que se dedicaram ao estudo do escopo das penalidades. 1.1.1 - A Escola Clássica e a Teoria Absoluta da Retribuição Embora não existisse homogeneidade entre os doutrinadores, os princípios básicos continham a filosofia liberal e humanitária. O pensamento é marcado pela obra do marquês de Beccaria “Dos Delitos e das Penas”. A Teoria Absoluta da Retribuição tem Kant como grande expoente, segundo ele a pena é um imperativo exigido pela razão e pela justiça como conseqüência natural do cometimento do delito, consubstanciando uma retribuição jurídica ao mal praticado e uma reparação moral. Para o filósofo, bem como na Lei de Talião, só é justo o que é igual. Desde que a punição atenda os critérios da idéia de “justo” será moralmente justificada, não importando a sua conveniência. 1.1.2 - Escola Positivista e a Teoria utilitarista Esta escola foi fruto da evolução das ciências naturais. Sua linha de argumentação se opunha à teoria da Escola Clássica, na medida em que não analisava apenas o crime e a pena, mas também o criminoso e os fatores que lhe 1 EL TASSE, Adel. Teoria da pena. 1ª ed. (ano 2003), 2ª tir.,Curitiba: Juruá, 2004, p. 39 et seq. 16 levaram a delinqüir, a pena era vista como elemento de proteção social. A escola foi composta por três fases: 1) Fase Antropológica – o expoente mais conhecido é o médico italiano César Lombroso, influenciado pelo evolucionismo de Darwim, o estudioso percorria estabelecimentos prisionais tentando compor as características morfológicas que permitissem a explicação científica do crime. Inicialmente, conectou o crime à uma anomalia no crânio dos infratores típica dos vertebrados, afirmando que o criminoso seria um individuo predestinado ao delito em virtude de caracteres biológicos que lhe faziam regredir a primitividade. Em seguida, relacionou a criminalidade à epilepsia, indicando condições físicas que conduziam a uma tendência delitiva, tais como: assimetria do crânio, uso preferencial da mão esquerda e envergadura na altura. 2) Fase Sociológica – o advogado Henrique Ferri direcionou seus estudos ao ambiente social, acreditava que o crime era fruto do convívio. Valorava mais a prevenção do que a punição, em sua teoria que surgiram os substitutivos penais, medidas voltadas para a transmutação dos elementos incentivadores dos crimes. 3) Fase Jurídica – o jurista Rafael Garofalo acreditava que o delinqüente sofria de uma anomalia moral. Estabelecia a periculosidade ou temebilidade como critério para fixação da pena. Para ele a pena deveria ter alto teor repressivo e quando a sanção penal imposta não fosse eficaz, deveria proceder-se à pena capital. As Teorias Relativas ou Utilitaristas inspiradas pelas idéias humanistas, buscam um fim prático para pena, qual seja, a prevenção. Segundo seus defensores a pena serve para evitar o cometimento de novos crimes. A prevenção pode ser Especial, quando se dirigir à pessoa que está sofrendo sua execução, com o intuito de recuperá-la; ou ainda, pode ser geral, quando estendida à sociedade, afastando a idéia de todos que pensem em delinqüir. 17 Podemos fazer o seguinte contra-ponto: enquanto a Escola Clássica se preocupava apenas com o crime e a pena, a Escola Positiva ocupava-se do criminoso e das circunstâncias que o condiziam à delinqüência. 1.1.3 Teorias Mistas ou Ecléticas Algumas teorias mistas emergiram dos debates entre clássicos e positivistas, foram expoentes: Terceira Escola da Itália, ou Positivismo Crítico; Escola Sociológica Francesa; Escola Moderna Alemã; Escola do Tecnicismo Jurídico (Itália) e a Escola Correcionalista. Estes teóricos sustentam que a pena é essencialmente retributiva, entretanto, sua finalidade é uma mistura de educação e correção. Portanto, a pena teria duplo objetivo: a retribuição e a prevenção. A primeiro em razão de que se pune quem errou e o segundo consubstanciado pelo fato de que se pune para que não cometa um novo erro. Em que pese o binômio, ainda apontam a prevalência da prevenção como objetivo principal. As tendências Contemporâneas têm na pena, um objeto de prevenção sempre estabelecido sob o manto da intervenção mínima, visando, conforme ensina Damásio “à descriminalização, descarcerização e despenalização” 2 1.2 - A Função da Pena no Estado Democrático de Direito A teoria dos direitos fundamentais antecede a noção de Estado de direito e tem sua origem nas Declarações de direito do século XVII, de onde emergiram a maioria dos Princípios Constitucionais adotados no mundo. 2 CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi. As regras de Tóquio e as medidas alternativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. 18 Num contexto de luta contra as arbitrariedades do Estado absolutista, surge o Estado Democrático de Direito, conceituado como um Estado com limitação, regulamentação e adoção de formas representativas3, visando assegurar os direitos individuais com base na liberdade e democracia, sempre inibindo os abusos dos detentores do poder público. O artigo 1º da Constituição Federal atribuiu a nação brasileira à categoria de Estado Democrático de Direito, por via de conseqüência, todo o modelo normativo do país deve ser firmado sob a égide de um Estado de tais atribuições. Por esta razão o ordenamento jurídico penal tem que, obrigatoriamente, repercutir as diretrizes inerentes às características políticas do Estado, devendo zelar pelas garantias individuais, tais quais as que dizem respeito ao princípio da legalidade e demais mecanismos que assegurem materialmente os direitos assegurados a todos os indivíduos. Ante tais elementos, o texto legal deve buscar tanto a prevenção geral, quanto a especial, consubstanciando no direito penal o fruto do consenso coletivo, de modo que a pena não seja mero meio de coação, de intimidação, mas também elemento de convencimento que conduza o cidadão a não delinqüir. Deve-se buscar a afirmação dos valores da maioria da sociedade, que culminou na inspiração normativa como meio de retratar as aspirações populares.4 Assim, como leciona Marco Antônio Marques da Silva5, a pena não deve ser aplicada apenas como modo de punição, mas a serviço do sentimento jurídico penal do povo, restando a aplicação das sanções penais em cada sistema um fruto da resposta atribuída ao seguinte questionamento: Qual a função da pena? No direito pátrio, adota-se a função preventiva da pena, de modo que todo o nosso sistema legal é construído sob a lógica preventiva e não retributiva como nos primórdios das civilizações. A pena analisada sob o plano da prevenção tem por pressuposto a busca da regulação social para a norma jurídico-penal, como já dito, de modo que toda a 3 SILVA, Marco Antônio Marques da, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Saraiva, 1997. SILVA, 1997. 5 Ibidem. 4 19 sociedade espere que os demais cidadãos compelidos pelo temor à norma, não venham a cometer condutas lesivas aos bens juridicamente protegidos.6 A norma assume um caráter diretivo onde se estabelece, via “pressão normativa”, que os demais indivíduos adotem a conduta considerada adequada ao direito, sempre sob a ameaça da culminação de pena aos que transgredirem a conduta ideal. 7 Importante ressaltar que, quando a aceitação da norma não se opera, a eficácia é mais difícil, razão pela qual, faz-se necessário promover a coexistência de dois fatores8. a) a capacidade de determinar sua aceitação pelos destinatários (Prevenção Intimidatória); b) a afirmação do direito na consciência jurídica dos destinatários (Prevenção positiva). Nos Estados intervencionistas as penas geram o terror penal por meio de rigorosas punições aos que praticam as condutas estipuladas pela coletividade como nocivas aos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. Segundo Silva citando Kant9, a pena não poderia ter por finalidade a proteção da sociedade, tampouco se ocupar da missão de prevenção dos crimes, na verdade o individuo é castigado em prol da sociedade. Somente uma pena justa poderia tratar o homem como um ser racional, se convertendo em um real direito do criminoso. Na filosofia Liberal Utilitarista baseada na teoria do controle social o homem era concebido como um ser real empírico, os utilitaristas acreditavam que a pena deveria proteger os cidadãos e seus bens, protegendo a sociedade e prevenindo contra os delitos que causam dano social, atuando com o objetivo de prevenção. 6 Ibidem. Ibidem, p. 29. 8 SILVA, 1997. 9 Ibid. 7 20 Já para os liberais idealistas, que compreendiam o homem como um ser modelo, os criminosos deveriam servir de exemplos para os outros homens, como confirmação dos valores ideais do homem-razão, o caráter da pena era retribucionista. No Estado Social que intervinha “ativamente na vida efetiva da sociedade, a pena não pode ter outra função que não seja a luta contra o delito, no sentido de luta contra a delinqüência, como fenômeno real da existência social”.10 1.3 - A evolução do sistema punitivo: das penas capitais às medidas alternativas 1.3.1 – Breve retrospecto: Inicialmente os indivíduos se socorriam da vingança privada ilimitada para resolver os conflitos sociais, tomando mão da autotutela e da desproporção entre mal sofrido e reação. As primeiras punições têm sua origem nas relações religiosas, nos totens e tabus, instituições que denotavam a submissão do homem primitivo à magia. A visão primitiva da pena era de retributividade, o rigor na punição servia de desestimulo para prática criminosa, nesta fase aplicavam-se penas capitais e cruéis. A primeira grande evolução pode ser constatada com a adoção de critérios de proporcionalidade na vingança, inicialmente quanto ao autor da ofensa e posteriormente, quanto ao grau e intensidade do dano11. Como exemplo o Código de Hamurabi, a Lei das XII Tábuas e a Bíblia. Em razão das manipulações e redução populacional ocasionada pelas penas capitais, optou-se pela transferência do caráter pessoal para o patrimonial, evoluindo para a preocupação com a proporcionalidade entre dano e reparação (composição). 10 11 Ibid., p.18. TASSE, 2004. 21 Na baixa Idade Média a opção pelo uso da pena pecuniária como punição principal ocorreu em razão da evolução do Mercantilismo e do Capitalismo, posteriormente, a evolução mercantilista e a expansão colonial levaram a escassez da força de trabalho, o que conduziu ao uso das penas privativas de liberdade para obter mão de obra forçada12. Destarte, podemos concluir que os interesses econômicos e políticos sempre influenciaram nos rumos do direito penal, embora nem sempre ligados às aspirações populares, mas sim, em benefício das classes dominantes. Da Idade Média ( por volta do ano 476 d.c) até a idade Moderna, passou-se a condenar o corpo do criminoso. O período penal do terror influenciado pelo Tribunal do Santo Ofício da Igreja Católica foi marcado pelo uso de torturas que não sem limitavam aos crimes religiosos, mas também eram usados pelo Estado como meio de obter confissão ou aplicação de penalidades. Nesta fase, as penas de morte aplicadas anteriormente pelos povos primitivos, voltaram a ser usadas em larga escala e de modo mais perverso, posto que eram precedidas por vários suplícios. Com o iluminismo surge uma concepção mais humana de pena, Rousseau e Montesquieu em muito contribuíram com a elaboração de algumas teorias. O primeiro com o ideal de bom selvagem, ao expor que o homem nasce bom, entretanto, sofre uma corrupção pela ação da sociedade em sua personalidade, devendo cada individuo estabelecer um contrato onde cada qual se prive de parte da sua liberdade em benefício da sociedade, sendo a pena a conseqüência do descumprimento deste trato. A colaboração de Montesquieu veio em o “Espírito das Leis”, onde falava que a experiência demonstrou que nos países onde as penas são suaves, o espírito dos cidadãos é marcado por elas, chegando a coclusão de que um povo virtuoso precisa de poucas penas.13 O período humanista, por sua vez, buscou mais benignidade penal objetivando tutelar o direito de defesa e os direitos do homem. Como grande colaboradora está a obra do Marquês Cesar Beccaria, “Dos delitos e das penas”, 12 SICA, Leonardo. SICA, Leonardo. Direito Penal de Emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, 13 TASSE, 2004. 22 que buscou a compreensão do fenômeno do crime e da justa aplicação da pena com base nas idéias iluministas. Com o pensamento iluminista, buscou-se, como já dito, uma finalidade prática para pena, qual seja: a prevenção. Daí surge à pena de prisão como meio de possibilitar a ação estatal e prepará-lo para a vida em sociedade. No ano de 1697 surge a primeira Workhouse da Inglaterra destinadas à baixa delinqüência e que pretendia reformar o delinqüente por meio do trabalho ininterrupto, castigo corporal e instrução religiosa. Foi o primeiro marco histórico do surgimento da pena privativa de liberdade moderna, para os casos mais graves, continuaram a ser usadas as penas de exílio, pelourinho etc.14 Ocorre que o uso exagerado da pena privativa gerou a falência do sistema prisional, contribuindo para gerar um grande bolo de ineficácia e afronta aos direitos fundamentais, sobretudo no que se refere à dignidade da pessoa humana. O marco inaugural das preocupações com falência do sistema prisional ocorreu em 1882, com o “Programa de Marburgo”, onde Von Liszt, sustentava que a pena justa era pena necessária. Constatou-se que: “as penas de curta duração correspondendo, por isso mesmo, à menor gravidade do delito, e à personalidade do delinqüente primário, em regra, menos perigoso, são ineficazes para emendar o delinqüente, mas são suficientes para diminuir no sujeito passivo de sua execução o freio moral, que geralmente enfraquece pelo contágio das prisões.”15 Conforme ensina Bittencourt16, as inquietações geradas por Von Liszt, Adolph Prins, Von Hammel e Garofalo na União Internacional do Direito Penal (1888 e 1889), no tocante à necessidade de vias alternativas à prisão, contaminaram toda a Europa no início do século XX. A Rússia, mesmo sendo um país de cortina de ferro, foi o primeiro a adotar a pena alternativa de prestação de serviços 14 MULLER, Vera Regina. Juizados Especiais Criminais e penas alternativas: solução para o problema da superlotação carcerária? Fundação de apoio à Pesquisa no Distrito Federal – FAP/DF, Brasília. P. 266/274, 1998. Apresentado no 1º Encontro Nacional da Execução Penal. 15 BITENCOURT, Cezar Roberto, Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, 3ª ed. rev. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 16. 16 Penas e Medidas Alternativas – Visão critica. Revista CEJ, Brasília, n. 15, p. 66, set/dez. 2001. 23 comunitários. Em 1948, a Inglaterra criou a prisão de fim de semana, que em 1953 foi adotada pela Alemanha. 1.3.2 – O novo Paradigma penal: A moderna doutrina penal na tentativa de resgatar o princípio da intervenção mínima surgido com a Revolução Francesa e com os ideais de um Estado Democrático de direito, buscou redefinir o direito penal como ultima ratio e não como prima ratio, ou seja, o direito penal só deve ser usado em último caso. Busca-se na atualidade novas concepções de punição, ou na verdade, um mero resgate da essência do princípio democrático referido. “Não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinqüente”17, de modo que a criminalização das condutas só ocorram quando os outros meios de controle social (família, igreja, escola etc) se demonstrarem insuficientes ou não recomendados. O Princípio da intervenção mínima consubstancia verdadeira limitação ao Estado de interferência na vida do individuo, de modo que o Estado só poderá tipificar determinada conduta quando esta se mostrar agressiva a determinado bem jurídico. Existindo outros meios de interferência, deve-se optar por eles. Na lição de Bitencourt: O princípio de legalidade impõem limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado – observada a reserva legal – crie tipos penais inóquos e comine sanções cruéis e degradantes. Por isso, impõe-se a necessidade de limitar ou, se possível, eliminar o arbítrio do legislador.18 E nesse contexto que surge o garantismo, uma doutrina racional e fechada que, embora mais ampla, é convergente com o direito penal mínimo. O seu marco teórico é Luigi Ferrajoli, que construiu a teoria como meio de “reação à crise de legitimidade e inefetividade do sistema penal dentro do Estado Democrático de 17 18 BITENCOURT, 1997, p. 35. Ibidem, p. 39. 24 direito.”19 Esta doutrina comporta três significados: um de modelo normativo de direito, outro de uma teoria jurídica de validade e eficácia das normas e, por fim, uma filosofia política que impõe ao Estado e ao direito a justificação da finalidade de seus atos dentro dos interesses gerais. 20 O que se propõem é um regime de estrita legalidade onde o Estado só interfira, ou seja, só culmine pena quando presentes os dez axiomas jurídicos21 derivados do humanismo e do iluminismo que foram sistematizados pelo próprio Ferrajoli. Na verdade o sistema garantista visa sempre a maior correspondência possível entre a normatividade e efetividade. As decepções com o sistema privativo de liberdade, que no início do século XIX era considerado como meio mais adequado de reforma do delinqüente, forçaram uma nova avaliação com um enfoque completamente diferente da adotada pela escola clássica. Ao invés da aplicação de penas com rigor e caráter retributivo, passou a ser “indispensável que se encontrem novas penas compatíveis com os novos tempos, mas tão aptas a exercer suas funções quanto as antigas, que, se na época, não foram injustas, hoje o são”22. As novas propostas centram-se no aperfeiçoamento das penas privativas, bem como na sua substituição (quando possível). Em que pese todo o esforço acadêmico e doutrinário em desenvolver mecanismos que propiciem uma fórmula mais adequada de tratamento para com o delinqüente “todas as reformas de nossos dias deixam patente o descrédito na grande esperança depositada na pena de prisão, como forma quase que exclusiva de controle social formalizado.”23 Adel El Tasse24 faz uma consideração importante lembrando que na atualidade, referem-se à prevenção como finalidade primordial da pena, sendo abandonado o impulso repressor exagerado, contudo ainda há retribuição na 19 SICA, 2002. SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Evolução legislativa no campo de atuação dos Juizados Especiais Criminais: uma retrospectiva analítica dos 11 anos de vigência da Lei 9.099/95.Revista dos Tribunais. Ano 96, vol. 856, fev. 2007, p. 455-469. 21 A1 Nulla poena sine crimine; A2 Nullum crimen sine lege; A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate; A4 Nulla necessitas sine iniuria ; A5 Nulla iniuria sine actione; A6 Nulla actione sine culpa; A7 Nulla culpa sine judicio; A8 Nullum iudicium sine accusatione; A9 Nulla acusatio sine probatione; A10 Nulla probatio sine defensione. 22 Ibidem, p. 22. 23 Ibidem. 24 TASSE, 2004. 20 25 aplicação da pena, quer por representar a pena privação de direitos que são caros ao indivíduo, quer porque a sociedade não aceita o abandono completo do aspecto de repressão na imposição das conseqüências jurídicas ao delito. Entretanto, sua grande justificativa é a ressocialização do indivíduo ou reinserção, como preferem alguns doutrinadores. Maria Lúcia Karam25 fomenta uma dura crítica aos Juizados Especiais Criminais, os caracterizando como forma de “poder antecipado de punir”. Sua análise ideológica bastante completa é terreno fértil para uma grande arena de debates. Ao falar das origens da pena privativa de liberdade explica com base na filosofia capitalista a razão da preferência pelo uso das medidas privativas de liberdade. Segundo a autora, os avanços dos meios de comunicação, permitem que as pessoas percebam mais os riscos, sejam nas relações produtivas, sejam nas relações sociais, o que torna a vida em sociedade assustadora. Além disso, a lógica individualista, imediatista e egoísta do mundo capitalista, a ausência de solidariedade e de valores mais humanos que econômicos, fazem com que as pessoas apresentem uma sensação absurda de insegurança e medo. Completa, ainda, dizendo que a incapacidade socialista de viabilizar suas idéias, a inexistência de regeneração de novas filosofias utópicas emancipadoras conjugadas com a sensação de inexistência de contradições nos discursos de esquerda e direita (que cada vez mais se aproximam), geram a afirmação das forças ideológicas que primam pela autoridade e ordem, desencadeando uma maior tendência à reação punitiva como solução para o problema da segurança. Todos estes fatores fortalecem a intervenção e a restrição da liberdade individual por meio da manipulação estatal. Esta última vertente do raciocínio explanado é o que vem se chamando na atualidade de “direito penal de emergência”, que nada mais é do que o inchaço normativo regido pelas supostas necessidades sociais de busca por implantação de penas rígidas. O objetivo destas medidas é o de servir como meio de resposta aos problemas da delinqüência, que na verdade são de ordem social. 25 KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de punir. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. 26 Segundo Bittencourt26 “a década de 90 foi uma década perdida jurídicopenalmente”, pois a busca da criminalização maciça e do aumento das penas fomentado pela mídia e pelo poder político, tal qual a Lei de Crimes Hediondos, conduzem a violação das garantias fundamentais e fazem com que as pessoas ignorantes e humildes acreditem que o aumento das penas diminui a criminalidade, o que não é verdade. Alberto Silva Franco27 citando David Garland lembra que a ação repressiva “dá a ilusão de que ‘se está em vias de fazer alguma coisa’ aqui, agora, rápida e bem feita”, uma vez que “o castigo é um ato demonstrativo do poder soberano” que “visa suscitar um amplo suporte popular [...].”Elena Larrauri28, por sua vez, fala sobre a figura do “populismo punitivo”, onde prevalecem soluções simplistas, mas com repercussão positiva na opinião pública. Para Karam com o modelo de produção capitalista, o tempo gasto na produção, passou a ser um elemento de riqueza. A liberdade passou a ser mensurada por meio de um valor econômico, e a conseqüente transformação dos bens em mercadorias, atribuiu a esta um preço, qual seja: o tempo de sua privação. O crime passa a ter a pena privativa como contraprestação, que é medida com base na dimensão da lesão ao bem juridicamente protegido. 1.3.3 – Legislação Brasileira Embora as primeiras tentativas de mudar de fato o sistema penal brasileiro tenham ocorrido por incitativa de Nelson Hungria em 1961, a ditadura militar acabou por atrasar as reformas, de modo que apenas em 1977 e que se deu iniciou a chamada “humanização” do Código com a Lei 6.416/77, que inaugurou o sistema 26 BITENCOURT, 2001. KARAM, 2004, p. 16. 28 INSTITUTO LATINO AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA PREVENÇÃO DO DELITO E TRATAMENTO DO DELINQÜENTE –ILANUD, (BRASIL). Levantamento Nacional sobre execução de penas alternativas: Relatório Final de pesquisa, 2006. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/ Pages/MJ47E6462CITEM IDF2A839578ED546609E22E2060BA1D7A0 PTBR IE.htm> Acesso em: 30 ago. 2007. 27 27 progressivo com os regimes fechado, semi-aberto e aberto, bem como com a inseriu a figura do sursis no ordenamento. Só na reforma de 1984 é que vieram as primeiras alternativas penais, surgiram: a multa substitutiva para penas de até seis meses (art. 60, § 2º, CP); a pena restritiva de direitos para penas inferiores a um ano ou para crimes culposos (art. 44, I); a suspensão condicional da pena para crimes de até dois anos (art. 77); o regime aberto inicial para penas de até quatro anos (art. 33, §2º, c); “regime aberto” como terceira fase possível no comprimento da pena de prisão; e o “livramento condicional”, para apenados a partir de dois anos com cumprimento de apenas um terço – para não reincidentes – e metade – para reincidentes (art. 83). 1.3.4 – Plano internacional: As regras de Tóquio Em razão do processo de globalização, as regras internacionais encontram cada vez mais espaço nos ordenamentos locais. Já em 1955 se pensava na ONU em meios de buscar convergência das legislações em torno da não aplicação das privativas de liberdade, oportunidade em que foram editadas “As Regras Mínimas para Tratamento dos Presos”, posteriormente em 1966 foi firmado “O Pacto Internacional dos Direitos Políticos e Civis”. Durante o ano de 1986 houve um estudo na ONU, visando a implantação de medidas “despenalizadoras” em todo o mundo. Com a observância do aumento da criminalidade e da crise mundial com o sistema prisional foram elaboradas, por meio da Resolução nº 45/110 de 14 de dezembro de 1990, “As Regras de Tóquio” ou “Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-Privativas de Liberdade”. A base do documento enuncia uma série de princípios básicos, visando as medidas não privativas de liberdade, tais como: a restrição de direitos, a indenização da vítima e a composição do dano causado, bem como garantias mínimas para os apenados com medidas privativas de liberdade. Na verdade o diploma constitui uma série de métodos e passos a serem seguidos pelos Estados que desejam instaurar, de modo eficaz e permanente, sistemas penais que optem pelas penas nãoprivativas de liberdade como solução contra a delinqüência. 28 CAPÍTULO 2 OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS 2.1 - Breve Histórico: A norma constitucional imprimiu o reflexo das tendências mundiais do moderno direito penal, visando a efetivação fática da aplicação da norma penal. A idéia de que o Estado possa e deva perseguir penalmente, sem exceção, toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese alguma, certa dose de discricionariedade ou disponibilidade de ação penal pública, mostrou, com toda evidência, sua falácia e hipocrisia.29 Conforme relatos doutrinários e a própria exposição de motivos da Lei 9.099/95, o que ocorria era uma seleção informal conduzida pelos órgãos de persecução penal, que não instauravam inquérito policial para determinadas ações públicas, além disso, o próprio judiciário, bem como o Ministério Público deixavam o feito ser maculado pelo decurso do lapso prescricional. O modelo de justiça conciliatória já vinha se erguendo em todo mundo, países como a Itália, Portugal e Estados Unidos já haviam disciplinado a matéria, entretanto, o sistema processual penal brasileiro que sempre foi norteado pelos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, fez com que o legislador optasse por um modelo que não seguisse os ordenamentos que primavam pelo princípio da oportunidade da ação penal, tal qual ocorre em outros países, como exemplo: o plea bargaining. Em obediência aos princípios clássicos do processo penal pátrio e de conformidade com as tendências modernas, optou-se pelo uso do Princípio da discricionariedade moderada ou regrada. Ante o novo paradigma penal, o legislador constituinte esculpiu no artigo 98, caput: Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: 29 Anteprojeto de Lei para conciliação, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, apresentado à Câmara dos Deputados como Projeto Lei 1.480/89, pelo Deputado Michel Temer. 29 I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;30 Então surge a preocupação pátria em buscar um diploma legislativo que regulamentasse a norma constitucional. Foram iniciados os estudos para desenvolvimento do projeto da Lei 9.099/95, inspirado no Anteprojeto do professor José Frederico Marques, inicialmente apresentado em 1970 ao ministro da justiça Ibrahim Abi-Ackel. O Anteprojeto do professor Frederico Marques prévia um procedimento sumaríssimo para o processamento das infrações de menor potencialidade lesiva. O capítulo referente ao Ministério Público dispunha sobre a possibilidade de uma espécie de transação, onde o parquet poderia propor a substituição da pena de prisão simples ou detenção, quando o acusado se dispusesse a pagar multa, sendo extinta a punibilidade por perempção (art. 84, § 3º ao 5º). O grupo responsável pela elaboração do projeto também analisou o Substitutivo do Projeto de CPP que visava reformar o Código de 1940. O artigo 207, inciso II, do referido substitutivo permitia a extinção do processo, sem mérito, quando o acusado primário, aceitasse em sua resposta o pagamento de multa fixada pelo juiz. Destarte, movido pelo sucesso dos Juizados de pequenas causas criados pela Lei 7.244/84, pelos estudos dos projetos normativos locais e inspirado pelo direito comparado, sem, contudo, deixar de atentar-se a realidade nacional e as próprias aspirações populares, surgiu a Lei 9.099/95. Para regulamentar a matéria, fazia-se necessário uma lei federal em razão da competência privativa da União para legislar sobre matéria penal, conforme estabelece o artigo 22, inciso II, da Constituição Federal. Além disso, também é de competência privativa da União às normas inerentes à matéria processual (art. 22, I, CF), sendo de competência concorrente apenas as normas procedimentais (art. 24, 30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988. 30 XI, CF), que deveriam ser editadas após a promulgação da lei federal, oportunidade em que os Estados poderiam, em razão de competência constitucional, criar Juizados Especiais fazendo uso de normas de organização judiciária, bem como suplementar a lei federal, conforme as necessidades locais. Destarte, caberia a União editar normas matérias e normas gerais procedimentais. Alguns Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraíba, saíram na vanguarda e criaram os Juizados Especiais Criminais por meio de leis estaduais, entretanto, tiveram os diplomas legais considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal por meio do HC 71713-PB, entendendo que era necessária norma federal que ditasse elementos gerais. O anteprojeto que resultou na promulgação da Lei 9.099/95 foi oferecido inicialmente pelos juízes paulistas Pedro Luzi Ricardo Gagliardi e Marco Antônio Marques da Silva à Associação Paulista de Magistrados, após a promulgação do texto constitucional de 1988, o projeto foi submetido a um grupo designado pelo Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Juiz Manoel Veiga de Carvalho. Depois de reuniões e alterações, o anteprojeto foi discutido na Secional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, passando por aprimoramentos sugeridos por magistrados, advogados, delegados de polícias, docentes e interessados.O trabalho foi transformado no Projeto de lei 1.480/89 e apresentado pelo Deputado Michel Temer. Outros projetos com o mesmo objeto já circulavam na Câmara dos Deputados, dentre eles, um de autoria de Nelson Jobim que discorria sobre Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Posteriormente, o Projeto Nelson Jobim foi o escolhido para regulamentar os Juizados Especiais Cíveis e o Projeto Michel Temer selecionado para os Juizados Especiais Criminais. Aprovado na Câmara o projeto foi submetido ao Senado, onde foi alterado e, portanto, submetido novamente a aprovação da Câmara do Deputados, que manteve o projeto inicialmente apresentado. 31 2.2 - As Alternativas Penais no Direito Comparado 2.2.1 - O Instituto do Plea Bargaining Norte-Americano Os norte-americanos desenvolveram o instituto do plea bargaining, que consiste em um acordo realizado entre acusação e defesa acerca da pena e da própria imputação, onde o réu pode se conformar com a acusação, renunciando ao exercício das garantias do devido processo legal. Na verdade consubstancia uma transação onde se propõem ao réu que em troca de sua confissão, a pena cominada será diversa da prevista legalmente, na verdade aplica-se uma pena que o ordenamento atribui a um crime mais leve. Além disto, ainda é possível reduzir o número de figuras típicas imputadas. Nos Estados Unidos o direito penal é regido pelo princípio da oportunidade da ação penal, ao contrário do Brasil, o promotor americano pode usar de discricionariedade para intentar ou não denúncia. Segundo aponta Marco Antônio Marques da Silva31 80 a 95% dos crimes nos Estados Unidos são solucionados com a barganha penal, embora só em 85% dos casos fosse adequada de fato a sua aplicação. Neste instituto o Ministério Público limita a atividade do magistrado a uma tarefa meramente homologatória, por este e por outros motivos plea bargaining muda os passos clássicos do processo, flexibilizando alguns princípios. Vários críticos norte-americanos debatem a questão da desigualdade entre as partes envolvidas, tal qual ocorre no Brasil em referência à transação penal, por exemplo. As críticas alienígenas giram em torno do fato do Ministério Público ter a sua disposição a escolha do tipo penal que será aplicado, além do mais, aqueles que rejeitam o acordo na maioria dos casos são apenados com reprimendas bastante rigorosas. 31 SILVA, 1997. 32 Outra crítica está no fato de que inocentes podem ser condenados em razão da presunção do leading guilty e os criminosos de longa data podem ser beneficiados. A alegação de culpa deve ser realizada perante o juiz do Tribunal e antes mesmo que o juiz aceite a confissão, procede-se a um interrogatório para aferir se a parte tem conhecimento de que não é obrigada a aceitar o acordo, podendo insistir na sua inocência. Se o juiz não se convencer com as respostas, poderá negar acordo ou transação. No Brasil, a doutrina cita o instituto da delação premiada como precursor da barganha no direito pátrio, embora sua finalidade não tenha sido exclusivamente empregada para premiar o delator, mas sim facilitar a elucidação dos fatos. No que tange as vantagens, os que defendem o instituto remetem a economia processual e a celeridade. 2.2.2 - Remissione della querela (antigo Patteggiamento) do Direito Italiano O modelo italiano criado pela Lei 689, de 14 de novembro de 1981, chamado de “Modificações ao sistema penal. Descriminalização”, a partir do artigo 77 cuidava de algumas medidas alternativas à prisão, era o chamado patteggiamento (acordo entre as partes). O referido diploma permitia que diante da possibilidade de aplicação de medida alternativa, poderia o acusado elaborar pedido dirigido ao juiz, que após parecer favorável do Ministério Público, aplicaria a sanção, declarando extinta a infração penal, com registro meramente judicial para impedir concessão de novo benefício. O Código de Processo Penal italiano (Codice de Procedura) manteve e ampliou o instituto da Lei 689/81, o atual artigo 444 prevê a possibilidade de aplicação do benefício para os crimes apenados com pena detentiva de até dois anos. O acordo não constará no registro de certidões e não impede a concessão de sursis sucessivo, além disso, há possibilidade de conciliação nos casos de ações penais condicionadas a representação. 33 2.2.3 - Procedimento Sumaríssimo Português O Código de Processo Penal Português permite desde 1987 em seus arts. 392 e seg. a substituição de pena de multa ou imposição de medida alternativa para crimes com culminação de prisão não superior a seis meses, desde que o Ministério Público, requeira junto ao Tribunal a conversão. O parquet também é parte legítima a pedir indenização civil e a homologação judicial da proposta tem os efeitos de uma condenação. 2.3 - Considerações sobre alguns Princípios Processuais Penais No dizer de Miguel Reale os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento dentre outras causas por motivos de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.32 No campo específico do processo penal podemos conceituá-los como diretrizes fundamentais da política processual penal de determinado Estado. Os princípios são a expressão de uma sociedade de determinada época, traduzem a cultura, política e moral de determinada civilização. Conforme a lição de Tourinho Filho, “causaria espanto afirmar em 1942 que a única prisão provisória que se justifica é a preventiva, assim mesmo, para preservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.”33 É importante proceder ao resgate de alguns princípios processuais penais, sobretudo os expressos na Constituição Federal, para que possamos proceder a uma leitura mais apurada da Lei 9.099/95, também visando tornar fértil o diálogo em torno da mitigação ou flexibilização de alguns princípios dentro do procedimento. 32 REALE, Miguel, Lições preliminares de direito. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 305. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 5 ed. rev., atual. e aum. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 16. 33 34 a) Princípio da Verdade Real No Processo Penal todos os atos investigativos visam esclarecer a verdade material, ou seja, a realidade dos fatos, o império da verdade, só a título de exceção é que pode o juiz penal, tomar mão da verdade formal, quando impossível aferir de todo a realidade. Segundo Tourinho Filho, quando falamos em verdade real, não se pretende chegar a “verdade verdadeira”, mas a verdade em sua essência, conferindo ao juiz penal poderes para colecionar dados que dentro de uma análise histórico-crítica, a possibilidade de restaurar os acontecimentos que envolveram o crime.34 Há doutrinadores que preferem atribuir o termo “verdade processual”, pois o conjunto de elementos, postos à disposição do magistrado para reconstrução histórica do objeto do processo, pode conduzi-lo a uma “falsa verdade real”. b) Princípio do due process of law: O princípio estabelecido no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal e consagrado em todo o mundo, nos remete a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que assegura a todo o acusado o direito de ser presumido inocente até que seja provada sua culpa nos termos da lei, com julgamento público no qual restem asseguradas todas as ferramentas de defesa possíveis. Em verdade, a garantia do devido processo legal tem dupla objetividade, atuando tanto para garantir materialmente a liberdade do indivíduo, quanto para garantir formalmente a paridade de armas com o Estado-persecutor e a plenitude de defesa. Compreendendo plenitude de defesa como o emprego de todos os meios lícitos hábeis a ensejar uma boa defesa. O devido processo legal tem como corolário os princípios do juiz natural, contraditório e ampla defesa, pois todos estes elementos são fatores que conciliados 34 TOURINHO FILHO, 2003. 35 conduzem a um sistema jurídico capaz de oferecer a qualquer cidadão vias seguras para solução dos litígios em geral. Em verdade o devido processo legal consubstancia-se no direito à regular administração da justiça, ou melhor, em um garantia contra a ação tirana do Estado, conforme ensina Marco Antônio Marques da Silva35. O princípio do devido processo legal estabelece a todos os cidadãos a garantia do acesso às garantias normativas que assegurem o direito ao exercício das faculdades e poderes de ordem processual de modo a colocar o cidadão em pé de igualdade com o Estado, que por sua vez, possui a sua disposição todo um aparato administrativo que poderia massacrar o acusado, sem lhe dar qualquer chance de defesa. Infere-se que as garantias do devido processo legal são as garantias da própria jurisdição, não apenas das partes, mas sim, em prol da qualidade da prestação jurisdicional. 36 b) Princípio do contraditório Este princípio confere a qualquer pessoa a possibilidade de pronunciar-se sempre que lhe for atribuída acusação, sendo-lhe assegurado que não existirá decisão sem que sejam expostas as razões da outra parte diante determinado pedido ou argumento. O que se busca é a paridade de armas para se chegar a tão buscada verdade real do processo penal. Podemos afirmar que o contraditório se confunde com a ampla defesa, sendo na verdade a sua forma de materialização, e por via de conseqüência, integrante do devido processo legal, com já dito. O processo deve ser desenvolvido com todas as forças possíveis rumo a busca e revelação da verdade de modo eqüitativo, de sorte que nenhuma das partes venha se sentir desprestigiada. É todo este conjunto de fatores que circunvizinham o 35 36 SILVA, 1997. Ibidem. 36 processo que nos permitem afirmar que o Estado não prima apenas pela imposição de garantias formais, mas também atua de modo a garantir efetivamente a tutela jurisdicional. O contraditório é a própria dialética do processo, ou seja, engloba o conjunto de contradições oriundas das constantes afirmações e negações no decurso do processo que, ao final, serão superadas por meio da atividade sintetizadora pelo magistrado. 37 d) Princípio da Ampla defesa A ampla defesa garante ao réu trazer todos os elementos que visem esclarecer a verdade processual, ou ainda, admite a possibilidade de omitir-se ou calar-se diante de determinada situação. Pode-se dizer que a ampla defesa só está verdadeiramente assegurada quando as verdades do réu e do autor possuírem igual capacidade de convencer o magistrado.38 Importante compreender que a ampla defesa não é, nem pode ser, aquela que satisfaz os anseios do réu, mas sim aquela que satisfaz ao magistrado. Tal afirmação pode ser consubstanciada na seguinte hipótese: o réu por ato de liberdade escolhe determinado advogado para conduzir sua defesa, entretanto, o advogado protocola peças equivocadas, não apresenta argumentos condizentes com o processo etc, o juiz ao constatar a ausência de técnica do advogado, pode anular o feito ou destituir o advogado, nomeando outro defensor, tudo com fulcro na garantia da ampla defesa e do contraditório. 37 38 SILVA, 1997, p. 49. Ibidem. 37 e) Princípio da Presunção de Inocência Como derivativo do devido processo legal, o princípio tem base no Estado Democrático de Direito, emergindo como garantia processual referente à tutela da liberdade pessoal na tentativa de impedir o arbítrio do Estado. Segundo este princípio o acusado é considerado inocente até que exista uma sentença penal condenatória. Durante o inquérito, na instauração da ação penal, o que existe é uma presunção de culpabilidade que apenas põe em dúvida a inocência, mas que pode justificar o acautelamento por meio de algumas medidas, por exemplo, prisão provisória. f) Princípio da Legalidade A também chamada reserva legal, embasa todo nosso ordenamento jurídico. O princípio está inserido no artigo 5º, inciso XXXIX, e determina que “Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e constitui uma limitação das mais efetivas ao ius puniendi estatal. Segundo este princípio a criação de “normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da sua ocorrência exista uma lei definindoo como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”.39 O princípio se desdobra em três aspectos: a anterioridade da lei, a reserva legal e a taxatividade. 39 BITENCOURT, 1997, p. 39. 38 2.3.1 - Mitigação dos Princípios Processos Penais na Lei 9.099/95: Suscitadas Inconstitucionalidades Podemos proceder a algumas considerações acerca de determinados princípios processuais no que tange a sua flexibilização na esfera do JECRIM e até mesmo quanto a argüições inconstitucionalidade. No que diz respeito ao princípio da verdade real, há uma flexibilização, pois no JECRIM reina a verdade consensuada e esta é uma das grandes inovações da Lei. Quanto à ação penal pública, a lei que criou os Juizados Especiais criminais flexibilizou o princípio da obrigatoriedade, ao permitir a aplicação do princípio da oportunidade ou também chamada discricionariedade regrada, o que possibilita uma seleção de casos de menor potencialidade ofensiva ou a aplicação de penas não privativas de liberdade. Muitas são as críticas alegando que o JECRIM não respeita a garantia do devido processo legal, sobretudo, quanto à aplicação da transação penal. Entretanto, Bitencourt40 esclarece dizendo que a transação penal decorre da autonomia de vontade, e é produto do exercício da ampla defesa que estrategicamente, pode preferir transigir ao invés de assumir o risco e o desgaste de um processo alongado[...]”41. Do mesmo modo explica que a simples aquisciência do autor do fato, livre e assistida por seu defensor, na audiência preliminar, que consubstancia o devido processo legal, é suficiente para destruir a presunção de inocência. Além disso, a pessoa que considerar-se inocente poderá aguardar a oportunidade da audiência de instrução, onde poderá erguer toda sua base probatória, o que também evidência o princípio do devido processo legal. Tanto a transação penal, quanto a suspensão condicional do processo são frutos da busca de um novo paradigma de resolução consensual dos conflitos, sempre preservando a primariedade e a inaplicabilidade de privação de liberdade. Maria Lúcia Karam42 chega a chamar a transação penal de “negociação enganosa” e de “forma antecipada de punir”. Por outra via, a quem considere que 40 BITENCOURT, 1997. BITENCOURT, 1997. 42 KARAM, 2004. 41 39 “Chega às raias do patológico procurar inconstitucionalidades com a utilização de lupa, atingindo seu auge quando se afirma inconstitucional o cumprimento regular de um mandamento constitucional”43, referindo-se aqui ao instituto da transação penal, inserto no próprio texto constitucional, art. 98, inc. I. Existem sugestões na doutrina44, que não podemos deixar de considerar no mínimo interessante, que remetem a possibilidade de transação penal só após a Denúncia, como meio de não violar o princípio do devido processo legal, posto que para que se de início a ação penal seria necessária a análise de alguns requisitos dispensáveis para oferecimento da transação. Os que sugerem esta mudança no art. 76 da Lei 9.099/95 primam pela prevalência dos princípios orientadores dos Juizados no procedimento, onde a inocência poderia ser provada de modo célere em um momento designado após o oferecimento da denúncia. 2.4 - Persecução Penal e Ação Penal Pública O jus puniendi é a constatação mais simbólica da soberania estatal. Buscando meios de zelar pelo controle social, garantindo a manutenção da paz e da ordem, quando alguém age de modo a prejudicar os bens juridicamente protegidos e, portanto, pratica uma infração penal, somente o Estado pode punir o individuo delinqüente. No direito brasileiro ao contrário do que ocorre em países como a França, Itália e México, a ação pública não é sempre a regra, nos termos do art. 100 do CP, ação penal só não será pública quando a lei expressamente disser. A ação será pública e, por via de conseqüência promovida pelo Ministério Público, quando interessar ao Estado a tutela de determinado bem, caso contrário à ação será privada. Senão vejamos, existem determinados crimes que exploram a intimidade das pessoas de modo tão intenso e desconfortante que ao Estado não interessaria 43 BITENCOURT, 2003, p. 128. CAMPOS, Alinaldo Guedes. Natureza jurídica da transação penal no Juizado Especial Criminal. Direito Net, 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/62/2062/>. Acesso em 28 ago. 2007. 44 40 ver a vida do cidadão devastada em juízo, pois a condução do processo poderia demonstrar-se muito mais penosa ao autor do ao que ao réu com a culminação de uma pena. Razão pela qual o Estado põe nas mãos da parte ofendida a opção por sujeitar a apreciação judicial análise do crime, exemplo clássico é o do crime de estupro.45 Partindo da sua classificação subjetiva, a qual leva em conta o sujeito que lhe promove, temos: a ação penal pública Incondicionada; a ação penal pública Condicionada; a ação penal privada; e a ação penal popular. Cuidaremos das três primeiras figuras: a) Ação Penal Pública Plena (pública incondicionada) – é aquela promovida pelo Ministério Público sem necessidade de qualquer ato volitivo da vítima, sendo, ainda, indiferente a sua vontade. Podemos exemplificar com o crime de lesão corporal grave; São Princípios da ação penal pública incondicionada: a oficialidade, a indisponibilidade, a legalidade ou obrigatoriedade, a indivisibilidade e a intrascedência. Segundo a Oficialidade só o Estado é titular do direito de punir. O cometimento de uma infração penal já faz surgir a pretensão punitiva do Estado, que nada mais é do que a materialização do direito abstrato. No direito pátrio a apuração criminal é procedida pela polícia, nos termos dos artigos 144 da CF e 4º do Código de Processo Penal. Embora, o Estado seja o titular da ação penal, por não poder estar em juízo encarregou-se de criar um órgão oficial, qual seja, o Ministério Público, para desenvolver esta função nos termos do art. 129, inciso I, da CF.46 No que refere-se a Indisponibilidade, temos que o parquet é apenas encarregado de desenvolver uma missão conferida pelo Estado, portanto, não pode dispor da ação. Entretanto, não há nenhum óbice que inviabilize o órgão ministerial de flexibilizar este princípio. 45 Ressalva-se o disposto no artigo 225 do CP e § § seguintes. Observa-se que a única ressalva a legitimidade do parquet é a referente às ações privadas, onde o titular é o próprio ofendido ou se representante legal, salvo disposto em algumas figuras penais. 46 41 Quanto a Legalidade ou Obrigatoriedade, podemos dizer que no direito brasileiro perdura a obrigação do parquet de promover a ação penal, conduta embasada na máxima nec delicta maneant impunita (os delitos não podem ficar impunes). Como já citado neste trabalho, existem países que optam pelo modelo da oportunidade, fundados no princípio do minima non curat praetor (o Estado não se preocupa com as coisas pequenas). É esta doutrina da intervenção mínima que conduziu várias nações à aplicação de medidas alternativas. Tourinho (2003) sugere que nos casos em que ocorrerem infrações de bagatela, ou seja, crimes mais insignificantes dos que os de menor potencial ofensivo, seja dada absolvição ou procedido o arquivamento do feito. A Indivisibilidade assegura que a ação penal pública é indivisível, ou seja, abrangerá todos os que cometeram a infração, o membro do Ministério Público não pode escolher contra qual dos autores irá ofertar a denúncia. A Intranscendência garante que a ação penal será proposta apenas contra a pessoa a quem se imputa a conduta criminosa, não podendo passar desta pessoa e se estender a terceiros. b) Ação Penal Pública Condicionada – é aquela em que é exigida a manifestação de vontade da vítima como condição de procedibilidade para prosseguimento da ação penal. São princípios da ação penal Pública Condicionada: a oficialidade, a indisponibilidade e a legalidade ou obrigatoriedade. O exercício da ação também é do Ministério Público, entretanto, é condicionada a representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça como condição de procedibilidade. A ação pública condicionada existe em razão do fato de que ela afeta imediatamente o interesse particular e mediatamente o interesse público. Além do mais, a doutrina também afirma que em alguns casos a vítima é essencial para 42 colheita de provas, bem como a conveniência política de evitar o aumento da hostilidade entre particulares. Poucas são as ações condicionadas a representação, a Lei 9.099/95, no art. 88, elegeu a lesão corporal leve e a culposa a esta categoria. Nos termos do artigo 25 do CPP, a representação pode ser retratada antes do oferecimento da denúncia, impedindo a existência de uma ação penal. O parágrafo único do artigo 74 da 9.099/95, também permite que a composição de danos seja causa extintiva da punibilidade. c) Ação Penal Privada - A diferença entre ação penal pública e privada está na legitimidade para agir, que é de titularidade do ofendido. Como lembra Tourinho47 o Estado concede ao ofendido ou seu representante legal o jus persequendi in judicio, mas o direito de punir continua pertencendo ao Estado. Importante fazer esta ressalva em função de algumas criticas no que tange aos Juizados Especiais Criminais, principalmente no que se refere a questão da transação penal para ações privadas. A ação privada é regida por quatro princípios: o da oportunidade, o da disponibilidade, da indivisibilidade e da intranscedência que se igualam em substância às explicações referentes à ação pública. A ação penal privada divide-se em: • Ação penal exclusivamente Privada: aquela cujo exercício pertence o ofendido ou seu representante legal; • Ação penal privada subsidiária da pública: aquela intentada nas ações públicas quando o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal (art. 29, CPP); • Ação penal privada personalíssima: aquela que compete apenas ao ofendido, não pode ser exercida por terceiros. 47 TOURINHO FILHO, 2003. 43 2.5 - Princípios Orientadores dos Juizados Especiais Criminais Esta légua de transformações exige alguns pressupostos que lhe confiram base teórica, razão pela qual passaremos a nos dedicar aos princípios basilares usados para atingir as finalidades propostas pelo legislador. O artigo 2º da Lei 9.099/95 cuidou de definir os princípios orientadores do procedimento nos Juizados tanto criminais, quanto cíveis, estabelecendo que o Juizados de orientariam pela Oralidade, Simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. A Oralidade objetiva dar maior celeridade no processamento dos crimes sujeitos ao procedimento. Deste princípio decorrem outros, tais como: a concentração dos atos processuais na audiência preliminar, da identidade física do juiz e do imediatismo. A Simplicidade busca redução da burocracia clássica existente em nossos Tribunais, reduz os procedimentos, sem ferir a atividade jurisdicional. A Informalidade é derivada do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual devem ser retiradas as solenidades inúteis e o excessivo rigor formal do processo. No que tange a Economia Processual deve-se sempre diante das várias alternativas, primar por aquela mais econômica para o Estado ou para as partes, buscando a mínima utilização das atividades procedimentais. Como anota Bitencourt, a lei 9.099/95 reconhece a validade dos atos processuais “sempre que preencherem as finalidades as quais foram realizados” 48, e condiciona a declaração de nulidade à ocorrência de prejuízo para uma das partes (art. 65 e §1º ). Quanto à Celeridade é princípio decorrente do próprio anseio popular de agilidade as decisões judiciais. 48 BITENCOURT, Cezar Roberto, Juizados Especiais Federais: análise comparativa das Leis 90.99/95 e 10.259/2001, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 79. 44 2.6 - Procedimento nos Juizados Especiais Criminais Várias foram às inovações promovidas pela Lei 9.099/95, que rompeu com o nosso modelo de processual penal anterior, criando um sistema de justiça consensual muito mais avançado, o poder público optou por uma política de despenalização (que não deve ser confundida com descriminalização) ímpar no mundo. Buscou-se uma maior valorização da vítima, conduta observada pela criação dos institutos da transação civil e da reparação de danos. Optou-se pela aplicação das medidas não privativas de liberdade. Surgiu a chamada conformidade processual, onde o aqui chamado autor do fato opta por não correr o risco de ser processado, o que lhe garante a inexistência de um interrogatório criminal, bem como a inexistências de uma estigmatização oriunda do processo penal. Objetivando excluir das conseqüências jurídicas fatos que pudessem ser reparados com o ressarcimento do dano, a criação dos Juizados tem grande função social, sobretudo para evitar aplicação de penas e de castigos mais graves a condutas de baixa lesividade jurídica, o novo procedimento surgiu para trazer equilíbrio ao grande descompasso existente entre um número absurdo de ocorrências criminais que englobavam condutas de menor potencial ofensivo e as decisões judiciais que em função de uma dinâmica processual arcaica impedia decisões mais céleres e compatíveis com os anseios sociais.49 A figura dos conciliadores como partes atuantes no processo, os institutos da transação penal, da suspensão condicional do processo etc. não constituíram apenas uma mera inovação, mas uma quebra de concepções antigas arraigadas na mentalidade processual do país. 49 BITENCOURT, 1997. 45 2.6.1 - Competência em razão da matéria e do lugar A competência é a limitação do poder jurisdicional, ou seja, o limite atribuído ao magistrado de decidir. Nem todos os juízes podem julgar todos os feitos, razão pela qual a lei de organização judiciária fixa os limites da jurisdição. Nos termos do artigo 74 do Código de Processo Penal determinada a competência ratione materiae, ou seja, em razão da natureza da infração, será determinada pelas leis de organização judiciária dos Estados, salvo a competência do exclusiva do Tribunal do júri para processamento dos crimes doloso contra a vida. A lei 9.099/95 ao limitar a competência dos Juizados Criminais às infrações de menor potencial ofensivo, também definiu a competência em razão da matéria, consubstanciando a segunda exceção à regra do artigo 74 do CPP.50 A lei 9.099/95 fixou no artigo 60 e, posteriormente, a Lei 11.313 de 28 de junho de 200651, alterou o texto sobre a competência dos Juizados Criminais, in verbis: Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da 52 composição dos danos civis." 50 Ibidem, p. 69. Embora a própria Lei 10.259/2001 já tivesse estendido o conceito de crime de menor potencial ofensivo, a Lei 11.313/2006 incluiu no texto da Lei 9.099/95 a expressão “não superior a 2 (dois) anos”, bem como a menção a pena pecuniária, que mesmo antes da Lei 10.259/2001 já vinha sendo recepcionada pelo entendimento dos Tribunais, na medida que por se tratar de pena menos rigorosa, não poderia deixar de ser considerada de menor potencial ofensivo (KARAM, 2004). 52 BRASIL. Lei n.º 11.313 de 28 de junho de 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, poder Executivo, Brasília, DF, 29 jun. 2006. Disponível em : <http://www.Planalto.gov.br.> Acesso em 28 de ago. 2007. 51 46 Os Juizados têm “competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo”, respeitadas as regras de conexão e continência“, ou seja, definirão a competência53: • A natureza da infração, que deverá ser de menor potencial ofensivo; • A inexistência de circunstância que enseje a remessa da causa para o juízo comum, exemplo: a não localização do acusado para citação e a complexidade ou circunstâncias do caso; • A conexão ou continência com infração estranha a competência do Juizado Criminal. No que se refere ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, o novo diploma legal estabeleceu no artigo 61 que “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. “ O art. 2º da Lei 10.259/2001 trouxe algumas discussões em função da ampliação do conceito de infrações de menor potencial ofensivo, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o alcance geral da regra contida no referido diploma legal, não existindo qualquer limitação de aplicação no âmbito da Justiça Federal, na medida em que não seria possível existir atuação diferenciada entre os órgãos jurisdicionais, onde no âmbito federal fosse diferenciada a gravidade de determinadas infrações em detrimento do âmbito estadual em razão do próprio princípio da isonomia.54 O artigo 109 da Constituição Federal ao distribuir competência leva em conta nos fatos constitutivos da imputação de uma afetação de bem, serviços ou interesses da união, entidades autárquicas ou empresas públicas. Uma regra que toma a natureza da infração penal, tão somente no aspecto da dimensão de sua gravidade, dada pela medida da pena máxima que lhe é cominada, jamais poderia ser vista, portanto, como regra especial, 53 GRINOVER, Ada Pellegrini . et al., Juizados Especiais Criminais: comentários /á Lei 9.099 de 26.09.1995 4ª ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a lei 10.259/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.66 et. seq. 54 GRINOVER, 2002. 47 aplicável no limitado âmbito de atuação de um daqueles subsistemas de órgãos jurisdicionais, cuja atuação diferenciada, como estabelecido na 55 Constituição Federal, tem, como visto, outra razão de ser. As contravenções penais são por natureza de menor potencial ofensivo, razão pela qual inferem-se na competência dos Juizados Especiais Criminais. Antes do advento da Lei 10.259/01, os crimes sujeitos a procedimento especial, exemplo: abuso de poder, não estavam na esfera de competência dos Juizados Especiais, por exclusão expressa constante no artigo 61 da 9.099/95, como a lei criadora dos Juizados Especiais Federal suprimiu a ressalva, entendeu-se derrogado o dispositivo que havia sido alvo de críticas pela doutrina na medida que os “procedimentos processuais têm natureza e função puramente instrumentais, cuja finalidade é viabilizar o exercício da pretensão punitiva estatal, sem qualquer relação ontológica com a conduta punível.”56 Na delimitação de competência dos Juizados Especiais Criminais não se deve observar a pena cominada em concreto, mas sim a pena cominada em abstrato. O artigo 63 da 9.099/95 adota a teoria da atividade e conforme leciona Bitencourt57, ao definir que é competente o local onde foi praticada a ação. Segundo o referido autor, a teoria da atividade tem o objetivo duplo de promover a finalidade da sanção penal de prevenção geral e de facilitar a coleta de provas, tais quais: perícia e oitiva de testemunhas. 2.6.2 - Fase Preliminar: Nos JECRIMs não existe inquérito policial, o legislador elaborou a figura do Termo circunstanciado para ser a peça informativa da noticia criminis. O chamado TC pode ser conceituado como “um boletim de ocorrência um pouco mais 55 Cf. KARAM, 2004. 56 BITENCOURT, 2003, p. 74 -75. Ibidem, p. 71 et. seq. 57 48 detalhado”.58 À autoridade policial, cabe o papel de registrar a ocorrência e encaminhar o TC, encaminhar o mais rápido possível para os JECRIMs e por último requisitar os exames periciais quando cabíveis. In verbis: Nos termos do artigo 69 da 9.099/95: A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Outra inovação surgida com a Lei 9.099/95 refere-se à inexistência de Auto de Prisão em Flagrante, desde que o autor do fato diante da autoridade policial assuma o compromisso de comparecer posteriormente aos atos processuais em juízo (art. 69, parágrafo único). No que tange ao conceito de autoridade policial, segundo a Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, a quem coube a função de elaborar as primeiras interpretações sobre a lei, podemos entender que: A expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende ‘todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providência devidas no referido artigo.59 Segundo Ada Pellegrini Grinover para o exato cumprimento da Lei 9.099/95, basta que o TC possua indicação do boletim de ocorrência do autor do fato e do ofendido e a relação de testemunhas 60. Entretanto, a situação estava tão calamitosa que a Confederação Nacional do Ministério Público (CONAMP) apresentou sugestão de requisitos mínimos nos TCs, objetivando viabilizar o procedimento. O próprio artigo 69 da Lei 9.099/95 reforça a idéia de que a autoridade não deve promover grandes investigações, entretanto, consideramos que estas condutas são bastante prejudiciais às garantias processuais, pois permitem que até mesmo um atípico penal possa chegar às dependências dos JECRIMs e ser alvo de uma medida despenalizadora que acarretará prejuízo ao chamado autor do fato, que sequer cometeu crime punível, Roger Spode Brutti chama este fenômeno de 58 GRINOVER, 2002, p. 111. GRINOVER, 2002, 110. 60 Ibidem. 59 49 “Princípio da Primeira Impressão” 61 . É plenamente possível a existência real de situações como estas, tendo em vista que o representante do parquet não analisa o mérito para estipulação da benesse. Bitencourt62 alerta que, embora a prática corriqueira diga o contrário, a lei 9.099/95 não dispensa a análise de justa causa, tampouco admite a responsabilidade objetiva. Ocorre que na maioria das vezes o Termo circunstanciado chega da Delegacia sem oferecer os requisitos mínimos para fomentar a opinio delicti, por via de conseqüência o Ministério Público insiste na proposição da transação penal a pessoa que vem indicada como “autora do fato”, o que pode implicar em uma responsabilidade objetiva, na medida em que não há garantia de que a pessoa indicada como autora, possa ser de fato a própria vítima que por não ter se adiantado em comparecer a Delegacia, segue com esta nomenclatura para juízo. Além do mais, mesmo que o sujeito configure como autor do fato, a figura atribuída como típica pode estar sob a égide de uma excludente de ilicitude. Do mesmo modo, Torres63 considerando o conceito de Sérgio Turra Sobrane64, defende que a transação não deve ser utilizada sem pressupostos aptos a tipificarem o crime, devendo o MP proceder a análise minuciosa dos autos, de modo a impedir a aplicação do instituto sem materialidade e, portanto, assegurando as garantias individuais, dentre as quais o princípio do in dubio pro reu. Bitencourt desenvolveu o raciocínio supra citado em 1997 e acreditava que embora estes acontecimentos fossem graves, se justificavam em virtude de dificuldades interpretativas face à recência da lei. Entretanto, decorridos alguns anos, estas práticas ainda permeiam o cotidiano forense. 61 BRUTTI, Roger Spode. Juizados Especiais Criminais e o princípio da primeira impressão. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1113, 19 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8655>. Acesso em: 25 set. 2007. 62 BITENCOURT, ROBERTO CEZAR. Algumas questões controvertidas sobre o Juizado Especial Criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 5, n. 20, p. 83/93, outubro-dezembro.1997. 63 TORRES, 2006. Segundo o qual a “transação penal pode ser definida como o ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada” 64 50 É importante ressaltar que a simplificação do procedimento não excluiu os requisitos exigidos pelo artigo 41 do CPP65, ainda que de modo informal, bem como a análise do disposto no artigo 4366. Segundo Bitencourt, a ausência destes requisitos não só impede o oferecimento da denúncia, mas também da transação penal, devendo o parquet, proceder ao arquivamento do feito. Ressalta o doutrinador, que o próprio artigo 76, caput, da Lei 9.099/95 preceitua implicitamente esta possibilidade na expressão “não sendo o acaso de arquivamento”. A expressão seria uma menção clara de que o Ministério Público deve analisar as condições de ação do art. 43 do CPP, portanto, analisando a justa causa para proposição da medida. Na prática, ao menos no Distrito Federal, a autoridade policial não conduz a vítima e o autor do fato de imediato para os Juizados. Via de regra, as partes são intimadas pelo próprio JECRIM para comparecerem à audiência preliminar. A audiência inaugural do procedimento é a Audiência Preliminar, uma das suas finalidades precípuas é a composição de danos. É esta a oportunidade que a vítima tem de ser reparada, o que na maioria dos casos pode ser mais interessante do que ver o autor do fato respondendo a uma sanção penal. 2.6.3 - Procedimento Sumaríssimo O procedimento sumaríssimo começa com a audiência preliminar. A doutrina critica a divisão do legislador acreditando que seria melhor que a fase preliminar integrasse o próprio procedimento sumaríssimo. Será elaborado termo de audiência com o resumo dos fatos relevantes ocorridos na audiência e a sentença. Oferecida denúncia oral, deverá ser entregue cópia ao acusado que ficará citado e cientificado da Audiência de Instrução e Julgamento (art. 78), assim como o 65 Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário o rol das testemunhas. 66 Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o dato narrado evidentemente não constituir crime (...). 51 Ministério Público. O acusado poderá depositar o rol de testemunhas até 5 dias antes da audiência. A vítima também e convidada a comparecer, pois viabiliza nova possibilidade de tentativa de composição civil e antes do início da Audiência é oferecida nova oportunidade para a conciliação. Ressalta-se que a conciliação nos Juizados pode ser feita a qualquer tempo. Aberta a audiência será concedida palavra para o patrono do autor do fato elaborar a defesa prévia. Esta defesa prévia é mais ampla do que a existente no art. 395 do CPP, esta peça pode conduzir o magistrado à não receber ou rejeitar a denúncia ou queixa, ou seja, é a oportunidade que o magistrado possui de verificar a real existência de justa causa para a ação penal face aos elementos apresentados pela defesa. Em seguida proceder-se-á a contestação, oportunidade em que o defensor poderá argüir preliminares, exceções ou cuidar do mérito. Nesta oportunidade, devem ser apresentadas todas as provas, sendo facultado ao magistrado “eliminar ou excluir” àquelas que considerar impertinentes ou protelatórias (art. 81 §1º). Esta questão é rodeada pela sombra da inconstitucionalidade, não no que diz respeito à impedir a produção das provas protelatórias, mas sim, no que tange às consideradas excessivas, podendo oferecer óbice ao pleno exercício de ação, como salienta Bitencourt.67 Feita a contestação, o juiz decide se recebe ou não a denúncia. Se recebida, procede-se a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa, respectivamente, existindo a possibilidade de condução coercitiva. Por fim, o interrogatório do réu, seguindo ordem diversa do procedimento comum. “O interrogatório no final da instrução exigirá mais diligência e operatividade do juiz, na medida em que passa a integrar realmente a fase instrutória da ação penal.” 68 Depois do interrogatório, são realizados os debates orais69 e a sentença é prolatada. 67 BITENCOURT, 1997. Ibidem, p. 89. 69 Na omissão da lei, aplica-se o prazo do art. 538, § 2º,CPP, que prevê 20 minutos com prorrogação por mais 10 minutos. 68 52 Há possibilidade de reexame da matéria, entretanto, o órgão criado pelo JECRIM é sui generis, posto que é constituído pelas Turmas Recursais que embora constituam garantia de re-análise da matéria, são compostas por três juízes de primeiro grau e, portanto, não constituem duplo grau de jurisdição. Presentes os requisitos extrínsecos (previsão legal, forma prescrita em lei e tempestividade) aliados com o interesse de agir (sucumbência), caberá apelação (art. 593, II, CPP): • Para decisão que rejeitar70 a denúncia ou queixa. • Para sentença (art. 82 da Lei 9.099/95), ainda que homologatória. No que concerne à apelação para sentenças homologatórias, a doutrina majoritária entende que não é possível recorrer em razão da inexistência de sucumbência, o que ocorre em virtude da própria natureza consensual que envolve a homologação, concluindo pela possibilidade de manutenção apenas mediante as ações rescisórias ou anulatórias. Bitencourt71 faz parte da doutrina que mudou o pensamento inicial, afirmando que embora construa entrave a celeridade, este se justifica em razão da “roupagem de legalidade” que pode encobrir arbitrariedades, mesmo diante do parquet e do juiz. A apelação só pode ser por escrito e deve conter tanto o apelo, quanto às razões no prazo de 10 (dez) dias, tempo diverso do previsto no CPP. A doutrina também acredita ser admitido o Recurso em sentido estrito (art. 581, I, CPP), em razão da subsidiariedade do CPP. Também são cabíveis os embargos de Declaração no prazo de 5 (cinco) dias. A inexistência de previsão de outros recursos no rol, não impede sua aplicação em sede dos JECRIM. 70 No caso do “não recebimento”, ou seja, quando cuidar de aspectos formais, é cabível o Recurso em Sentido Estrito. 71 BITENCOURT, 1997. 53 2.7 - Os Institutos Despenalizadores Da Lei 9.099/95 2.7.1 - Composição Civil Com a criação deste instituto a vítima passa a ter mais espaço ímpar no âmbito processual penal, ocupando relevância jamais vista em nosso direito. Esta figura pode ser tida como uma derivação da “multa reparatória”, que não passou de menção nos projetos de reforma penais até então existentes. A composição de danos civis firmada pelas partes e homologada pelo juiz implica em renúncia tácita ao direito de queixa ou representação, conforme seja a natureza da ação, privada ou pública condicionada (art. 74, parágrafo único), constituindo título hábil a ensejar execução na esfera cível. A composição acontece em audiência de conciliação designada para esta finalidade, na qual os conciliadores sob orientação do juiz conduzem o acordo. Além da composição cível, a audiência pode ensejar a mera renúncia do direito de queixa ou representação. Corriqueiramente as audiências possuem duas fases e quando infrutífera a conciliação, é oportunizado a vítima representar contra o autor do fato neste mesmo ato, o que não impede de exercer em outro momento o direito de representação, desde que dentro lapso decadencial. A segunda fase da audiência se inicia quando é oferecida ao autor do fato a proposta de transação penal. As inovações na preocupação com a vítima derramam seus reflexos inclusive sob a suspensão condicional do processo. A reparação à vítima é um princípio orientador do JECRIM, por isto, o legislador inseriu a estipulação de reparação à vítima como condição legal obrigatória da suspensão do processo e o seu descumprimento dá ensejo à revogação obrigatória da suspensão, como veremos. 54 2.7.2 - Transação penal A Transação Penal pode ser conceituada como um instituto jurídico novo, que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade de flexibilizar sua obrigatoriedade, desde que atendidas as condições previstas na Lei, elaborando ao autor da infração de menor potencial ofensivo, proposta alternativa a sua aplicação, sem denúncia, sem instauração de processo e de sem culminação de pena não privativa de liberdade (MIRABETE, 1997, p. 81). O artigo 76 da Lei 9.099/95 assim determina: Art. 76 . Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.72 Para Bitencourt73 a transação penal decorre da autonomia da vontade e é produto do exercício da ampla defesa, que pode optar entre assumir o risco do processo após a fase probatória ou aceitar a proposta ministerial. Presentes os requisitos objetivos (art. 76, §1º e §2º, inc. I e II) e subjetivos (2º, inc. III), deve o membro do Ministério Público propor transação penal. Ressaltase que embora o caput do artigo diga “poderá” a expressão deve ser compreendida como “deverá”, sob pena de ferir o princípio da isonomia. Em todo caso, se o membro do parquet deixar de propor a transação, o juiz fará a remessa dos autos ao Procurador-Geral, que poderá oferecer a proposta, designar promotor para fazê-lo ou não formulá-la, conforme ensina Ada Pellegrini Grinover74. O caput do artigo define duas possibilidades de transação penal: pena restritiva de direitos ou multa. Com o advento da Lei 9.714/98 foi incluída a prestação pecuniária no rol das penas restritivas, razão pela qual foi superada a argüição de inconstitucionalidade de medidas como doação de cestas básicas. 72 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 nov. 1995. 73 BITENCOURT, 1997. 74 GRINOVER, 2002. 55 Outra consideração importante está nos crimes ambientais (Lei 9.605/98), onde a composição dos danos civis é condição para proposta de transação. No que diz respeito à natureza da sentença prolatada na transação penal, a doutrina se divide em dois entendimentos. Os que defendem que sua natureza “não é condenatória a sentença, sendo simplesmente homologatória da transação penal”75, portanto, em caso descumprimento poderia ser proposta ação penal. E os que lhe conferem caráter de “homologatória de natureza condenatória ou condenatória imprópria por aplicar a pena, mas não seus efeitos”76. A última afirmação consubstancia o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, que compreende que o feito já foi atingido pela coisa julgada material e formal, sendo inviável o início da ação penal, mas possível a conversão em pena privativa de liberdade. Ressalta-se a possibilidade de aplicação do instituto nas ações privadas, onde o detentor do direito de ação é o particular. Restando infrutífera a conciliação, proceder-se-á a audiência onde será proposta transação penal, mesmo em se tratando de ação privada, entretanto, o STJ exige que a vítima não se oponha, in verbis: RHC. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETÊNCIA. CRIME DE DIFAMAÇÃO. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. [...] 2 - Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável. 3 - Recurso improvido. (RHC 8.123/AP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 16.04.1999, DJ 21.06.1999 p. 202) 75 76 Ibidem, p.134. MIRABETTI, Júlio Fabrini. Juizados especiais Criminais, Ed. Atlas, 3ª ed., 1998, p. 95. 56 2.7.3 - Suspensão condicional do processo A suspensão do processo tem origem no direito francês e é mais conhecida como Suspensão condicional do processo ou sursis processual. Este instituto despenalizador tem por objetivo suspender a ação penal, ou seja, não há denúncia e não existirá macula na folha de antecedentes penais do denunciado. Remetendo ao direito comparado temos a figura espanhola da supensión del fallo, na qual é mantida toda instrução criminal, sendo suspenso apenas o julgamento. No direito pátrio o popular sursis processual 77 , suspende o próprio processo penal, sendo exigidos para concessão da benesse alguns requisitos de ordem geral e específica. Os requisitos especiais são: pena mínima cominada igual ou inferior a um ano; inexistência de outro processo criminal em curso e; inexistência de condenação por outro crime. Os Requisitos gerais são os mesmos estabelecidos para suspensão condicional da pena. Entretanto, alguns deles são contraditórios, constatando verdadeira gafe do legislador que não observou que os requisitos da suspensão do processo tornam inócuos os requisitos do sursis. a) Requisitos gerais objetivos: I – Só é permitida para penas privativas de liberdade (art. 77 e 80 do CP), entretanto, esta condição se choca com a prevista na lei 9.099/95, na medida em que o artigo apenas exige que a pena cominada não exceda a um ano. II – Inaplicabilidade de penas restritivas de direitos, do mesmo modo, é inaplicável em razão da semelhança da pena restritiva ser mais rigorosa do que o sursis, até mesmo porque enseja uma condenação; 77 Deve-se atentar ao fato de que o sursis da Lei 9.099/95 cuida da suspensão condicional da processo, ao passo que e o sursis previsto no CP, trata da suspensão condicional da pena, onde há uma sentença penal condenatória, sendo suspensa a execução, mediante algumas condições aceitas pelo condenado. Ou seja, houve processo penal e portanto, forja reincidência. 57 b) Requisitos gerais Subjetivos: I – Não reincidência em crime doloso, este requisito é dispensável na medida em que se a lei do JECRIM já impede a concessão do benefício com o simples fato de responder processo criminal, quiçá se tiver condenação; II - Prognose de não voltar a delinqüir. É o único aplicável. Preenchidos os requisitos, é imposta a suspensão condicional do processo, devendo o autor do fato seguir as seguinte condições previstas no artigo 89, § 1º da Lei 9.099/95: I - Reparação do dano, salvo impossibilidade; II - Proibição de freqüentar determinados lugares; III - Proibição de ausentar-se da comarca sem autorização do juiz; I -Comparecimento mensal e obrigatório na juízo para informar e justificar atividades. Existe, ainda, a previsão do art. 89, § 2º, que confere discricionariedade ao magistrado para estipular outras condições. O período de prova para cumprimento das condições será de 2 à 4 anos. As condições do sursis estão dentro do objetivo de inserir o autor do fato socialmente, buscando gerar responsabilidade social nos indivíduos que recebam o benefício. O benefício será revogado obrigatoriamente se o agente vier a ser processado durante o período de prova, não importa quando o crime foi cometido, se antes ou depois do benefício. Ressalta-se que a lei fala de crime, portanto, não se aplica a contravenções. Do mesmo modo será revogado se não for realizada reparação de danos sem justificativa. Neste sentido trazemos à baila a seguinte Jurisprudência: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO PROCESSADO E CONDENADO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO SUSPENSIVO. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O traço essencial da suspensão condicional do processo, de imposição excepcional, é, precisamente, a sua revogabilidade, o que exclui, a seu 58 respeito, a invocação da coisa julgada, não havendo razão que impeça a sua desconstituição pelo conhecimento subseqüente de fato que determina o seu incabimento. 2. O término do período de prova sem revogação do sursis processual não induz, necessariamente, à decretação da extinção da punibilidade delitiva, que somente tem lugar após certificado que o acusado não veio a ser processado por outro crime no curso do prazo ou não efetuou, sem motivo justificado, a reparação do dano. 3. Ordem denegada. 78 Existirá faculdade na revogação quando o acusado vier a responder por contravenção ou descumprir quaisquer uma das condições impostas. Não sendo revogado o beneficio dentro do período de prova, será extinta a punibilidade. Por ser ato fruto de autonomia, pode o autor do fato negar-se a receber a suspensão, oportunidade em que o procedimento deve prosseguir a contar do recebimento da denúncia. 2.8 - Efeitos da Aplicação das Medidas Alternativas No que tange a reincidência está é uma das grandes vantagens das medidas alternativas, pois o acusado continua a ser primário, sem ter sido segregado e sem as marcas e conseqüências típicas da privação de liberdade. Cumprida a transação penal e o período de prova suspensão condicional do processo sem revogação, extingue-se a punibilidade e não existirá nenhum registro penal, salvo em juízo para impedir a concessão de novo benefício no prazo de 5 anos (no caso da transação penal).79 78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.HC 25.395/SP. Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Brasília-DF, julgado em 23.03.2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 25 ago. 2007. 78 Em que pese a existência de doutrinadores que consideram como reincidência o fato do beneficiado pela transação penal não poder receber o benefício no prazo de 5 anos, este argumento não alcança guarida, a razão do prazo é servir de empecilho para prática de novas condutas, reforçando a prevenção especial. A única crítica que tecemos refere-se à não adoção desta estipulação no caso da suspensão condicional do processo. 59 Quanto ao Descumprimento da medida, perdura um debate doutrinário sobre as conseqüências daí advindas, há quem defenda que: A homologação da transação penal aceita impede o oferecimento de denúncia, sobrestando a atuação do Ministério Público, além de suspender o procedimento até o integral cumprimento da medida. Enquanto não cumprida a pena não privativa de liberdade consentida pelo autor do fato, não pode ocorrer a extinção da punibilidade. Persiste, pois, embora em suspenso, o jus puniendi do Estado, bem assim, aquele direito-dever do Ministério Público de exercitar a ação penal pública condenatória. Somente com o seu cumprimento é que será declarada extinta a punibilidade do 80 autor da infração e determinado o arquivamento dos autos. Portanto, em caso de descumprimento da medida “o autor do fato ficará sujeito ao exercício da pretensão punitiva do Estado pelo Ministério Público, o que é adequado, pois não leva ao desprestígio da Justiça Criminal e estimula o cumprimento e efetividade da medida despenalizadora.”81 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI N.º 9.099/95. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 66, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 9.099/95. 1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, quando não existir, na hipótese, sentença homologatória da transação penal. 2. Nos termos do art. 66, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95, os autos devem ser encaminhados para a Justiça Comum, caso não se encontre o acusado para ser citado. 3. Recurso especial conhecido e provido. 82 Entretanto, se o acordo for homologado o entendimento é contrário, senão vejamos: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. 80 OLIVEIRA, TÂNIA Maria Bessa de. O Descumprimento da Transação Penal. Brasília, 2005. 65 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2005. 81 Ibidem. 82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resp 755.868/RJ. Rel. Ministra LAURITA VAZ, Brasília-DF, 14.11.2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 25 ago. 2007. 60 A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. Havendo transação penal homologada e aplicada pena de multa, não sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei 9.099/95 com o art. 51 do CP, com a conseqüente inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser executada pelas vias próprias. 83 Recurso conhecido, mas desprovido. No tocante a conversão da pena de multa em privativa de liberdade é segmentado o entendimento de que: CRIMINAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TRANSAÇÃO. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A transação penal, prevista no art. 76, da Lei nº 9.099/95, distingue-se da suspensão do processo (art. 89), porquanto, na primeira hipótese faz-se mister a efetiva concordância quanto à pena alternativa a ser fixada e, na segunda, há apenas uma proposta do Parquet no sentido de o acusado submeter-se não a uma pena, mas ao cumprimento de algumas condições. Deste modo, a sentença homologatória da transação tem, também, caráter condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes, no caso de outra superveniente infração), abrindo ensejo a um processo autônomo de execução, não havendo falar em renovação de todo o procedimento, com oferecimento de denúncia, mas, tão-somente, na execução ao julgado (sentença homologatória). O acusado, ao transacionar, renuncia a alguns direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e consciente, aceita a proposta e, ipso facto, a culpa. 2. Recurso não conhecido. 83 84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 190.319/SP. Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Brasília-DF, 20.04.1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 26 ago. 2007. 84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 153.195/SP. Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Brasília-DF, 19.10.1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudência/>.Acesso em: 26 ago. 2007. 61 CAPITULO 3 EFICÁCIA DAS MEDIDAS ALTERNATIVAS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DO DISTRITO FEDERAL 3.1 – Breves considerações: Preliminarmente é importante lembrar que não devemos confundir a medida alternativa com a pena alternativa. Medida alternativa “é qualquer instituto legal cabível antes ou após a condenação que evite encarceramento”85, como as previstas na Lei 9.099/95. Já pena alternativa é “sanção de natureza criminal que não implique em privação de liberdade.”86 É sempre necessário proceder-se a uma análise acerca da eficácia social ou efetividade das normas. Na lição de Edihermes Marques Coelho87, a eficácia deve ser compreendida sob dois aspectos: 1) Se as normas são efetivamente cumpridas, ou seja, se as normas são observadas de fato pelos destinatários, seja para que a população como um todo as obedeça, seja verificando se os agentes públicos a aplicam; 2) Se o sistema jurídico é efetivo no que tange ao cumprimento da norma e se o mesmo atua de modo a fornecer elementos que garantam estes objetivos. Aqui o objeto é a verificação do alcance da finalidade da norma vigente. Portanto, na análise da efetividade é mister a verificação de que a norma atinge aos fins almejados quando da sua criação. Conforme já amplamente explanado, o contexto mundial em torno das sanções penais assume novas perspectivas na atualidade. A moderna política 85 Di LASCIO, Guaita Andrelize; TELLES, Thiago da Nova. Alternativas às Penas Privativas de Liberdade. Cad. Ministério Público Paraná, n. 3, v. 6, p. 31/38, jul./set. 2003. 86 Ibidem. 87 COELHO, Edihermes Marques. Reflexões sobre vigência e validade, eficácia, efetividade e eficiência. Boletim Jurídico, ano V, n. 233, jun. 2007. Disponível em: <http://www.boletimjuridico .com.br/doutrina/texto.asp?id=1817>. Acesso em: 17 ago. 2007. 87 Relatório ILANUD 62 criminal busca por meio de novos paradigmas a consecução dos objetivos de redução da criminalidade, que em razão das disparidades sociais causadas pelo capitalismo conduzem a marginalização de grande parcela da sociedade. Que sem educação, sem moradia de qualidade e sem emprego, compõem uma grande massa, onde o Estado parece não chegar. Todo este conjunto de fatores desencadeia uma crise sem precedentes, causando inchaço nos grandes centros e influenciando sobremaneira a vida das pessoas, que estão cada vez mais indisponíveis para o diálogo e para adoção de formas mais pacíficas para resolução dos conflitos típicos da vida em sociedade. Tanto no âmbito nacional, quanto internacional, vem se descobrindo que as penas alternativas não são aptas a conter o avanço da população carcerária. Entre 1995 e 2003 aumentou em 163,4% o número de estabelecimentos prisionais no Brasil88. Gráfico 1. População carcerária do Brasil segundo taxa de encarceramento (por 100 mil habitantes) - 1995, 1997, 1998, 1999, 2001 e 2003. Fonte: ILANUD (BRASIL). Levantamento Nacional sobre execução de penas alternativas: Relatório Final de pesquisa, 2006. 88 ILANUD, 2006. 63 No que diz respeito à população carcerária do Distrito Federal, os dados são os seguintes: Tabela 1. População Carcerária no D.F de 2004/2007 Ano Referência Qtde. Presos População Carcerária em dezembro 2005 7.299 População Carcerária em dezembro 2006 7.267 População Carcerária até junho de 2007 7.669 Média População carcerária 7411,66 Fonte dos Dados: BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen. Conforme demonstra a tabela a populaçao carcerária do Distrito Federal não apresenta nenhuma queda significativa, em que pese a existência de uma maior aplicação de medidas alternativas, conforme as dados da CEMA. Grande é o argumento econômico que justifica a preferência pelas medidas alternativas, entretanto, apenas considerá-las solução mais barata e tão somente com base nesta fundamentação, lhes conferir o status de supervalorização dentro do contexto penal não nos parece razoável. As penas e medidas alternativas devem ser propostas porque são de fato medidas eficazes quando observados determinados parâmetros e não só porque se apresentam economicamente mais viáveis. Pertinente é questionamento do relatório do ILANUD, se existisse a constatação de que “[...] a manutenção de um sistema operante e eficaz de penas alternativas fosse mais onerosa que o sistema carcerário, essa seria uma razão para abandonar a opção política pelas alternativas penais?” 89 Portanto, o Princípio da Economia Processual não pode ser usado em desfavor da sociedade. 89 ILANUD, 2006. 64 Do mesmo modo, o Princípio da Celeridade não pode ser usado em prejuízo de uma ou de outra parte, sob pena de não se realizar o escopo de pacificação social, na medida em que na maioria das vezes, o diálogo pode ser precioso agente na descoberta do real foco do problema e uma condução dos atos processuais visando tão somente o seu arquivamento, dispensando uma análise mínima, conduz a constatação de que esta abordagem pode estar eivada de ineficácia, na medida em que pode gerar uma reincidência. As medidas alternativas têm que ser aplicadas mediante uma avaliação mínima. Acreditamos que a mera fixação de uma doação de cestas básicas, por exemplo, pode não conduzir ao real escopo da lei e gerar futuramente mais gastos aos cofres públicos com novos processos envolvendo as mesmas partes, posto que a mera estipulação, sem critério sócio-educativo em nada resolveu o problema e apenas apaziguou momentaneamente o litígio. Observamos na rotina diária de alguns Cartórios que determinados indivíduos possuem vários registros de ocorrência que não chegaram a fase de preliminar, na maioria dos casos por desistência da vítima, um autor do fato nestas condições deve possuir uma atenção especial do Ministério Público, na medida em que dá indícios de que possui a personalidade voltada para prática de atos lesivos aos bens jurídicos, o que implica na possibilidade de retorno à Vara Criminal. Do mesmo modo que não se pode privilegiar o plano econômico em detrimento da atuação social, não é ético produzir apenas políticas que gerem o arquivamento rápido dos feitos sem promoção de uma prestação jurisdicional efetiva. E serão efetivas ou eficazes as medidas desde que o dano seja reparado e a segurança pública restabelecida, por meio de uma conjugação tanto dos direitos da vítima, quanto do autor do delito. 3.2 - Medidas Alternativas aplicadas Visando a integração social do agente submetido ao processo do JECRIM, as medidas alternativas na maioria dos casos, são aplicadas levando em consideração o perfil do autor do fato, frisando que quando estes elementos não são considerados, o índice de cumprimento é alto, conforme previne a própria CEMA. O 65 sexo, a escolaridade, a idade, enfim, todos os elementos devem ser considerados para que a medida seja cumprida. As penas alternativas são: Prestação de serviço à comunidade (ou entidade pública), Interdição temporária de direitos, Prestação pecuniária e outras. a) Prestação de serviço à comunidade (ou entidade pública): nesta hipótese, o autor do fato deve executar algumas atividades em prol da coletividade, junto à entidades previamente cadastradas, na maioria das vezes são: hospitais, creches, asilos etc. b) Interdição temporária de direitos: o autor do fato é impedido de exercer algum direito por determinado período de tempo. Os exemplos mais típico são a proibição de freqüentar determinados lugares a suspensão do direito de dirigir, mas também pode ser: proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício. c) Prestação pecuniária: onde o autor do fato se compromete a pagar determinada soma em dinheiro ou promover a doação de bens as instituições de interesse público. O exemplo mais corriqueiro é a doação de cesta básica. d) Outros: Também podem ser aplicadas medidas relacionadas à saúde, tais quais: submissão à reuniões junto à grupos de dependentes químicos, alcoólatras, atendimento no Psicosocial forense (NUPIS) etc. Bastante positivas também são algumas medidas relacionadas à educação, como freqüência à cursos profissionalizantes, que sem dúvida promovem a inserção social e modo ímpar. 66 3.3 - O Papel da Central de Medidas Alternativas -CEMA A CEMA (Central de Medidas Alternativas) pertence ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e tem por objetivo produzir informações acerca da aplicação e execução de penas e medidas alternativas, bem como proceder ao acompanhamento das medidas e até mesmo sugeri-las. Criada em 2001 como um projeto-piloto na Promotoria de Ceilândia, atualmente está presente em nas Promotorias de: Planaltina, Sobradinho, Taguatinga, Ceilândia, Brazlândia, Gama, Santa Maria, Paranoá, Samambaia e Promotoria Especial Criminal de Brasília (abrangendo Guará e Núcleo Bandeirante). Existem ainda quatro setores Especializados que fazem parte da Coordenação, englobando: Setor de Suporte Operacional (SSOP); Setor de Consolidação de Informações Gerenciais (SCIG); Setor de Investigação Social para Delitos de Entorpecentes, Violência Doméstica e Maus-Tratos (SISDEV); e Setor de Investigação Social para Delitos de Meio Ambiente e Ordem Urbanística (SISDEMA). O acompanhamento é realizado por meio de entrevistas anteriores e posteriores às medidas alternativas sugeridas. Nas entrevistas, os principais instrumentais utilizados são o Relatório de Investigação Social (RIS), o Relatório de Evolução da Execução da Medida (REEM) e o Relatório Final do Autor do Fato (RFAF). O RIS é uma avaliação socioeconômica para buscar a medida que mais se adapte a realidade do autor do fato. Já o REEM é aplicado nos casos em que houve descumprimento da medida. Na maioria dos casos verifica-se que não houve a aplicação do RIS, portanto, não foram consideradas peculiaridades do caso concreto que viabilizassem a execução da medida. Por fim, o RFAF é usado para verificar qual foi a impressão final do autor, após terminar o cumprimento de sua medida. Só é aplicado em Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. 67 3.3.1 - Dados Estatísticos da CEMA Anualmente a CEMA produz uma publicação chamada “Retrato das Medidas Alternativas”, esta pesquisa refere-se aos dados do Distrito Federal, acerca da aplicação e execução das medidas. Para análise correta da pesquisa é importante esclarecer que os dados das pesquisas são cumulados, ou seja, remetem à 2001 no caso de Ceilândia e nas outras localidades a partir da inserção da CEMA nas respectivas promotorias. Também é importante explicar que os dados coletados e apresentados aqui referem-se até 2005, oportunidade em que a só existia a pesquisa nas promotorias de Ceilândia, Taguatinga, Samambaia, Gama, Brazlândia e Guará. A medida mais aplicada no Distrito Federal é a transação penal, ela representa 58,61% das benesses, embora tenha diminuído em comparação com o ano de 2004, quando somava 63,48%. Um dos fatores preponderantes pela preferência dos institutos é a rapidez, pois o Ministério Público pode aplicar o benefício sem muitas formalidades. Tabela 2. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em 2005. Instituto Nº absolutos Porcentagem Suspensão Condicional do Processo (SCP) 444 13.82% Transação Penal (TP) 1883 58.61% 886 27.57% 3213 100,00% Medidas Aplicadas em Carta de Sentença (multa, pena restritiva de direitos, suspensão condicional da pena e regime aberto) TOTAL Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 03. 68 Tabela 3. Institutos Processuais Não-Privativos de Liberdade aplicados em 2004. Suspensão Condicional do Processo 381 Medidas Alternativas aplicadas em Carta de Sentença (multa, penas restritivas de direitos, 514 suspensão condicional da pena e regime aberto) Transação Penal 1556 Total Geral 2451 Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04. Nas cinco cidades satélites, dentro da transação penal, a prestação de bens e a prestação de serviços são as mais aplicadas. Verifiquemos os dados abaixo: Tabela 4. Prestação de Caráter Pecuniário no D.F aplicadas em 2005 x outros Tipo de Prestação Prestação de Caráter Números absolutos Pecuniário 1166 Porcentagem 30.41 % (Multas, Doação de Bens e Prestação em Dinheiro) Outros 2669 69.59 % TOTAL 3835 100,00% Fonte dos dados: BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 13. Verifica-se que a prestação de bens mais usada é a doação de cestas básicas. Em 2004 era de 49,16% e em 2005 passou para 47,61% das medidas. O percentual de aplicação da prestação de serviço era de 50,84% em 2004 e em 2005 somou 52,39%. 69 Tabela 5. Prestação de Caráter Pecuniário no Distrito Federal Aplicadas em 2004 x outras Prestação de Caráter Pecuniário (Multas, 965 Doação de Bens e Prestação Pecuniária em Dinheiro) Outras 2172 Total Geral 3137 Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 13. Tabela 6. Prestação de Serviço aplicadas em 2005 x outras Tipo de Prestação Números absolutos Porcentagem Prestação de Serviços 942 24.56% Outros 2893 75,44% TOTAL 3835 100,00% Fonte: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 13. Tabela 7. Prestação de Serviço aplicadas em 2004 x outras Prestação de Serviços 637 Outros 2500 Total Geral 3137 Fonte dos dados: BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04 Quanto à aplicação de penas privativas de liberdade, temos que as condenações foram reduzidas durante o ano de 2005, que somaram 696, se comparadas a 2004, com 976 aplicações. Ressalta-se que as estatísticas de Brazlândia e Gama passaram a ser coletadas a partir de agosto de 2004. 70 Tabela 8. Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito Federal, durante o ano de 2005 Tipo de Regime Números absolutos Porcentagem Semi-Aberto 496 69,92% Fechado 210 30,19% TOTAL 696 100,00% Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04 Tabela 9 . Tipos de Regime Privativos de Liberdade aplicados no Distrito Federal, durante o ano de 2004 Regime Semi-Aberto 614 Regime Fechado 362 TOTAL GERAL 976 Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 04 No tocante ao descumprimento deve ser considerado que a análise elaborada pela CEMA refere institutos da Transação Penal e da Suspensão Condicional do Processo que tiveram o prazo expirado, ou seja, pode ser que esta medidas tenham sido descumpridas inicialmente, entretanto, foram substituídas durante o período inicialmente estabelecido para cumprimento, podendo até mesmo terem sofrido prorrogação de prazo, o que acontece na maioria dos casos. Via de regra o autor do fato deixa de comprovar o cumprimento da medida, na maioria dos casos a comprovação é mensal, constatado o descumprimento ele é chamado a comparecer na CEMA ou no próprio Cartório para se justificar. Aceita a justificativa, a medida poderá - dentro do prazo inicialmente designado ou no período estipulado para prorrogação - ser substituída ou reiniciada. 71 Os dados cumulados do cumprimento das medidas alternativas indicam um índice positivo de 81,68%, com conseqüente descumprimento de 18,32%, senão vejamos: Tabela 10. Cumprimento da Medida: Dados acumulados até o final do ano de 2005. MEDIDAS APLICADAS NO D.F Ceilândia Taguatinga Samambaia Gama Brazlând. 3183 1359 1034 704 241 43 10 35 2 0 464 236 185 344 36 15,92% 18,10% 21,27% 49,14 14,93% SUPENSÃO EXTINTAS SEM CUMPRIMENTO CONDICIONAL PROCESSO TRANSAÇÃO PENAL TAXA DE DESCUMPRIMENTO POR CIDADE (%) % TAXA DE DESCUMPRIMENTO 18,32% TOTAL Fonte dos dados: BRASIL.Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Retrato das Penas Alternativas 2006. Brasília, 2006. p. 15. Em Ceilândia, a taxa de descumprimento é de 15,92% em 2005, contra 84,08% de cumprimento, quando em 2004 o descumprimento era da ordem de 17,74%, contra 82,26% de cumprimento, ou seja, houve aumento no número de cumprimento comparando as análises de dados cumulados desde 2001. Em Taguatinga o descumprimento foi da ordem de 18,10%, dados acumulados desde o seu início em 2003, mas ressalte-se que no Retrato de 2004 a taxa de descumprimento registrada foi de 2,16%. Em Samambaia, os dados também acumulados desde 2003, demonstram que o descumprimento de 21,27% em 2005, em 2004 a taxa acumulada era de 6,90%. 72 No Gama e Brazlândia, conforme dados acumulados a partir de agosto de 2004, a taxa de descumprimento de 49,14% e 14,93%, respectivamente. Um dos fatores que consideramos ser fundamental para garantir a eficácia dos institutos refere-se à relação entre a conduta praticada e a medida proposta, afinal, para gerar de fato a inserção social é necessário que o agente compreenda do modo mais hábil possível a importância da tutela ao bem juridicamente tutelado que ele (em tese) lesionou, muito criticada foi e é a doação de cestas básicas. Acreditamos que a referida doação pode ser positiva em alguns casos, mas como é difundida acaba por se sinônimo de “insatisfação popular” e “banalização”. O trabalho apresentado pelo CEMA é de grande valia para consecução dos objetivos da Lei 9.099/95, além de toda estrutura e de funcionários bem preparados, a CEMA ainda disponibiliza meios de mobilizar toda a comunidade, por via das instituições parceiras que recebem as pessoas sujeitas às medidas e colaboram com a inserção social dos autores de fato. 73 CONCLUSÃO: Podemos sintetizar em três os objetivos principais da Lei 9.099/95, conforme menciona Valéria Pandjiarjian90: Desafogar os sistemas carcerários e judiciários; adotar procedimento simples e célere; aplicação de penas com caráter mais social que punitivo. Com o presente trabalho podemos concluir que estes objetivos não são alcançados em sua plenitude, restando comprometida tanto a prevenção especial, quanto a geral. A Lei 9.099/95 com seu ímpeto de pacificação social produziu procedimentos rápidos, visando dar uma resposta mais célere a sociedade, entretanto, para alguns, a celeridade muitas vezes é aplicada em prejuízo de uma ou outra parte. Na transação penal, por exemplo, o promotor não faz nenhuma análise de valor do crime ou contravenção, praticado em tese. Portanto, muitas vezes pode ocorrer que nem sequer exista requisito de materialidade ou autoria hábeis a ensejar uma ação penal, ou seja, uma denúncia jamais seria oferecida. Na maioria das vezes, aberta a audiência, o promotor apresenta para o autor do fato duas opções: “Você pode optar por aceitar a transação penal ou poderá ser processado penalmente, podendo eventualmente se absolvido ou condenado. Você não é obrigado a aceitar a medida despenalizadora, entretanto, se não o fizer corre o risco de vir a responder por um processo criminal.” A possibilidade da vítima de estar frente a frente com o aqui chamado autor do fato em uma audiência preliminar, sem a existência de um processo penal propriamente dito, foi considerada uma inovação bastante vantajosa para ambas as partes e para coletividade, pois há muito a sociedade clamava pela implementação de vias mais céleres para solucionar delitos de pequena monta. O novo procedimento que possibilita ao autor do fato a oportunidade de se retratar (conciliação) antes mesmo de ser processado ou ainda receber a benesse de algum dos institutos despenalizadores previstos na lei; no tocante a vítima, a vantagem maior centra-se na possibilidade de uma reparação material nos casos de 90 PANDJIARJIAN, Valéria. Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/95. Ipas (Brasil). Disponível em: <http://www.ipas.org.br/arquivos/valeria/9099.doc. Acesso em 12 de nov. de 2006. 74 experimentação de danos economicamente apreciáveis, mediante composição civil, que na maioria das vezes é bem mais favorável do que ver o infrator apenado por uma reprimenda estatal. Nesta situação duas circunstâncias são comumente observadas: A primeira é em relação à vítima, que na maioria das vezes, não se sente tutelada pelo Estado quando constata que a pessoa que lhe lesionou determinado bem jurídico será sujeita uma medida sócio-educativa, tal qual uma doação de cesta básica ou prestação de serviço à comunidade, sentimento ainda mais forte quando se trata de ação penal privada. A outra situação é a vivenciada pelo o autor do fato, que muitas vezes podendo estar sendo vítima de uma injustiça, vê-se “encurralado” diante do magistrado e do Ministério Público. Tal fator aliado à ausência de uma defesa técnica, pois na maioria dos casos, o autor do fato está sendo patrocinado por um estagiário da defensoria pública que mal leu o processo e não possui nenhum tipo de contato mais minucioso com o assistido, traz prejuízo à parte. Este, por sua vez, sente-se sem defesa, pois não há defensor público disponível em razão da carga elevadíssima de processos que a defensoria recebe, sendo a representação da defesa mero requisito formal, despido de qualquer caráter assecuratório dos direitos processuais constitucionalmente resguardados. Para determinada parcela mais ignorante e humilde, que nem sempre é devidamente esclarecida dos reais efeitos desta medida alternativa, a medida é encarada como uma pena, sem qualquer direito de defesa, na medida em que, não há nenhuma análise de mérito, sentindo-se condenada sem direito a julgamento, na maioria das vezes aguardar até a suspensão do processo seria mais favorável, posto que antes do recebimento da denúncia (na defesa prévia) o magistrado analisa a presença de justa causa. O instituto da transação penal oferecida ao autor do fato, na maioria das vezes não apresenta um critério sócio-educativo direcionado ao mal que causou a conduta infratora, o que ocasiona um enorme número descumprimento da medida e até mesmo no cometimento da mesma figura típica, pois o Estado não demonstrou pulso suficiente para coibir o autor de uma nova prática delitiva, tampouco, foi capaz 75 de detectar o foco do problema que levou o indivíduo a delinqüir, em que pese todo empenho das CEMAs, agora é que elas estão se espalhando por todo Distrito Federal. Azor Lopes91 discorrendo sobre a questão da violência doméstica, cita o Enunciado 29, elaborado no XI Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil em 2002: “Nos casos de violência doméstica a transação penal e a suspensão do processo deverão conter preferencialmente medidas sócioeducativas, entre elas acompanhamento psicossocial e palestras, visando à reeducação do infrator.” É claro que assim como Azar Lopes92 consideramos a carga de trabalho dos magistrados e dos promotores públicos, mas fatores como atas previamente formatadas que facilitam e agilizam a condução da Audiência, a ausência do Ministério Público nas audiências preliminares, geram a chamada pelo deputado Romeu Tuma “indústria de cestas básicas” que se opõem a terapêutica proposta pelo JECRIM. Carmen Hein de Campos concluí seu trabalho de pesquisa relacionado à violência doméstica dizendo que: A aplicação da pena de multa ou da prestação de serviços à comunidade não tem surtido o efeito desejado nos casos de violência doméstica. Em geral, as vítimas saem frustradas da audiência porque não lhes foi dada oportunidade de opinar e porque a pena imposta não é capaz de reproduzir o grau de gravidade do delito que chegou ao Judiciário. A insatisfação com a pena aplicada (multa ou prestação de serviços à comunidade) representa a impunidade; é como se o delito não tivesse sido penalizado. Embora inovadora nas medidas despenalizantes, a Lei tem sido, por outro lado, incapaz de responder satisfatoriamente aos casos de violência conjugal.93 A solução reclamada por Carmem foi “satisfeita” por meio da criação da Lei Maria da Penha, que estipulou tipos penais mais severos que não estão sujeitos a 91 SILVA JÚNIOR, 2007. Ibidem. 93 CAMPOS, Carmen Hein de. Juizados Especiais Criminais e seu déficit teórico. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 11, n. 1, jan./jun. 2003.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2003000100009&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 25 set. 2007. 92 76 competência do JECRIM, conforme preceitua de modo expresso o art. 41 da Lei 11.34094. Entretanto, acreditamos que não é necessário criar novos diplomas legais para solucionar estas questões, devemos aperfeiçoar os institutos que já existem, buscando a sua máxima eficácia social, ou seja, efetividade. É este é um dos propósitos que buscamos apontar no presente trabalho. Criar novos diplomas legais só geram a chamada “inflação penal”. A sociedade em busca de fugir do aumento da violência começa a rodar em um círculo vicioso, sem perceber que não consegue mais fugir do “Direito Penal de Emergência”. Podemos concluir que o JECRIM quando bem assessorado por uma equipe de acompanhamento consegue ser uma resposta eficaz aos problemas apresentados, satisfazendo a prevenção especial. Entretanto, a prevenção geral, resta comprometida na sua eficiência justamente em razão das falhas operacionais na prevenção especial. Sim, pois a sociedade ao constatar que deteminada pessoa do meio em que está inserido não logrou nenhuma mudança em face da medida alternativa aplicada, passa a desacreditar no instituto, além disso também a que considerar a cultura vingativa imanente ao ser humano e enquanto não for mudada a percepção coletiva, fica difícil alcançar um grau alto de satisfação. Sem nos aprofundar no tema, podemos trazer ao debate a questão da Justiça Restaurativa como alternativa na busca por mais eficácia aos procedimentos criminais. A JR que vem sendo erguida como elemento mais hábil a alcançar a pacificação social, busca a inclusão da vítima e da comunidade na busca pela redução dos danos causados pelo delito, tomando mão de métodos de negociação e mediação. Há uma busca pela restauração de todas as relações abaladas, não só materialmente, pois o infrator é conduzido a refletir sobre as causas do evento criminoso e dos meios de restabelecimento das partes ao estado anterior ao delito, de forma integrada com a comunidade e com a rede de assistência social.95 94 “Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, o independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n 9.099, de 26 de setembro de 1995.” 95 ESCOLA DA MAGISTRATURA DO DISTRITO FEDERAL. O que é Justiça Restaurativa. Disponível em: http://www.escoladamagistratura.org.br/html/static.php?file=justica_restaurativa.html. Acesso em 01 de dez de 2007. 77 No Brasil ainda permeia um positivismo penal decorrente do nosso passado cultural, onde a retributividade ainda é muito forte na mentalidade das pessoas. Além disso, há uma verdadeira confusão entre os institutos que não são bem compreendidos pela população. ”Não só a pena alternativa é encarada [...] como benefício, como também a medida alternativa é vista, pelos órgãos repensáveis pela fiscalização como condenação [não só pelos órgãos ficalizadores, mas principalmente pela 96 própria sociedade]. ” Em que pese a prejudicialidade de pensamentos populares rígidos não favoráveis às penas alternativas, elas são sem dúvida elemento indispensável na atualidade, face às condições degradantes das penitenciárias e falência do sistema de ressocialização no qual ela se fundamenta, entretanto, devemos proceder a uma análise desmitificadora sobre as medidas alternativas. Um estudo mais apurado pode nos conduzir a descoberta de que as medidas alternativas, por si só, não são aptas a esvaziar as prisões e que fatores como índices baixos de reincidência entre indivíduos que foram beneficiados por elas, não constituem uma realidade tão precisa. Defendemos que a medida alternativa só atinge o seu escopo primordial quando contextualizada com a natureza da infração penal atribuída em tese. E em que pese a existência de alguns dados positivos apresentados pela CEMA, acreditamos que Distrito Federal ainda deve ser mais bem assessorado na busca pela maior efetividade das medidas alternativas, pois a praxe não nos fornece elementos tão favoráveis a constatar pela sua eficácia. 96 Relatório ILANUD 78 REFERÊNCIAS: BITENCOURT, Roberto Cezar. Algumas questões controvertidas sobre o Juizado Especial Criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 5, n. 20, p. 83/93, outubro-dezembro.1997. ______. 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