IGEPRI
Monografias
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama
sobre o Incentivo ao Setor Tecnológico no
Brasil durante o Primeiro Mandato de
FHC (1995-1998)
Bárbara Regina Vieira Lopes
Volume 3 | Ano 1 | 2011
Nota: Todo conteúdo publicado pela Monografias
Igepri é de total responsabilidade de seu(s) autor (es).
As opiniões expressadas nesse caderno não representam as opiniões do periódico, nem do Conselho
Editorial e nem dos órgãos filiados a este caderno.
Lopes, Bárbara Regina Vieira.
L864p
Políticas públicas dos anos 90: um panorama sobre o incentivo ao setor
tecnológico no Brasil durante o primeiro mandato de FHC (1995-1998) / Bárbara Regina
Vieira Lopes. – Marília, 2011.
124 f. ; 30 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2011.
Orientador: Francisco Luiz Corsi.
1. Globalização. 2. Neoliberalismo. 3. Políticas públicas. 4. Desenvolvimento tecnológico. 5.
Tecnologia da informação. 6. Brasil – Política e governo. 7. Brasil. Presidente (1995-1998:
Fernando Henrique Cardoso). I. Autor. II. Título.
CDD 338.981
IGEPRI
Monografias
Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto
de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua
missão é servir de espaço alternativo à publicação de pesquisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedicados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão
Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo.
Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório
governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com
novas propostas para a elaboração de políticas públicas,
efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias
e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos.
Conselho Editorial
Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco)
Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília)
Heloísa Pait (UNESP – Marília)
Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília)
Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais)
Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor
José Blanes Sala (UFABC)
Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca)
Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara)
Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília)
Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília)
Tullo Vigevani (UNESP – Marília)
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
UNESP - Universidade Estadual Paulista
Bárbara Regina Vieira Lopes
POLÍTICAS PÚBLICAS DOS ANOS 90: UM PANORAMA SOBRE O
INCENTIVO AO SETOR TECNOLÓGICO NO BRASIL DURANTE O
PRIMEIRO MANDATO DE FHC (1995-1998)
MARÍLIA - SP
2011
1
Barbara Regina Vieira Lopes
UNESP - Universidade Estadual Paulista
Bárbara Regina Vieira Lopes
POLÍTICAS PÚBLICAS DOS ANOS 90: UM PANORAMA SOBRE O
INCENTIVO AO SETOR TECNOLÓGICO NO BRASIL DURANTE O
PRIMEIRO MANDATO DE FHC (1995-1998)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Conselho de Curso de Relações
Internacionais da Faculdade de Filosofia e
Ciências, da Universidade Estadual PaulistaUNESP – como parte dos requisitos para a
obtenção do título de bacharel em Relações
Internacionais, sob orientação do Professor
Doutor Francisco Luiz Corsi.
Área de Concentração: Política Externa
BANCA EXAMINADORA
Orientador: ______________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi (Orientador)
Departamento de Ciências Políticas e Econômicas – FFC – UNESP/Marília
2º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Oliveira
Departamento de Ciências Políticas e Econômicas – FFC – UNESP/Marília
3º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Dr. Luis Antonio Paulino
Departamento de Ciências Políticas e Econômicas – FFC – UNESP/Marília
Marília, 28 de junho de 2011
2
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Lopes, Bárbara Regina Vieira.
L864p
Políticas públicas dos anos 90: um panorama sobre o
incentivo ao setor tecnológico no Brasil durante o primeiro
mandato de FHC (1995-1998) / Bárbara Regina Vieira Lopes.
– Marília, 2011.
124 f. ; 30 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Relações Internacionais) – Faculdade de Filosofia e
Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2011.
Orientador: Francisco Luiz Corsi.
1. Globalização. 2. Neoliberalismo. 3. Políticas públicas. 4.
Desenvolvimento tecnológico. 5. Tecnologia da informação. 6.
Brasil – Política e governo. 7. Brasil. Presidente (1995-1998:
Fernando Henrique Cardoso). I. Autor. II. Título.
CDD 338.981
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Barbara Regina Vieira Lopes
Aos meus pais, Renato e Sylvia,
pelo amor, por todo o esforço e pela apreciável compreensão em todos os caminhos e
escolhas,
mesmo que difíceis e longos.
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Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq (agosto 2010/outubro 2010) e à FAPESP (novembro 2010/outubro
2011), pelo suporte financeiro e credibilidade confiada ao projeto de Iniciação
Científica, que permitiu meu desenvolvimento intelectual e, posteriormente, a
elaboração deste trabalho.
Agradeço especialmente ao professor Francisco Luiz Corsi, por ter aceitado a
orientação desta Iniciação Científica que originou esta monografia. Agradeço a coragem
ao orientar-me neste projeto. Sabíamos desde o início que seria um desafio, já que é
pouco estudado no país, contudo, com todo zelo e paciência orientou-me. Agradeço,
sobretudo, pelo incentivo ao desenvolvimento e finalização deste e dos demais projetos.
Ao professor Marcelo Fernandes de Oliveira. Para mim foi um grande
conselheiro sobre inúmeros temas, principalmente, sobre a área acadêmica e os desafios
e inflexões do futebol.
À professora Cristina Soreanu Pecequilo, por mostrar á seus alunos a
importância da pesquisa e do empenho. Agradeço pelo incentivo e liderança.
Ao professor Luis Antonio Paulino, por ser tão zeloso com seus alunos e por
dividir seu vasto conhecimento. Agradeço, sobretudo, sua participação em minha banca.
Aos professores Rafael Salatini de Almeida e Angelita Matos Souza que
dividiram seus respectivos conhecimentos e, desta forma, ajudaram-me a compreender a
“doce complexidade” das Ciências Sociais em nosso curso.
Ao meu pai-herói, Renato Vieira Lopes, que tanto se empenhou em me ajudar, e
torceu pela finalização de todos os meus projetos realizados até esta data. Por seus
ensinamentos cívicos, críticos e de boa fé para com o outro. Pelo batalhado esforço e
incentivo para que pudéssemos trazer o diploma de volta pra casa, juntamente, com
minha amada mãe, Sylvia Regina Valto Braz Lopes, quem me ensinou a não desistir.
Pelo amor, paciência e elegância que conduziu os momentos difíceis.
Á minha linda e divertida irmã, Maria Clara, por sempre acreditar em mim.
Aos meus amados avôs, Maria Vieira Lopes (que não pôde esperar), Arlindo e
Dirce Braz, exemplos de vida e de conduta que me esforço em seguir.
Á jovem e promissora internacionalista, Camilla Silva Geraldello, que tem sido
“uma irmã mais nova”, sua maturidade e liderança são apreciáveis. Agradeço pela
amizade, companheirismo e incentivo aos meus projetos.
5
Barbara Regina Vieira Lopes
À Jane Angélica Gulielmitti pela amizade e afetuoso companheirismo em todas
as horas e ocasiões. Uma irmã!Sempre compreensiva e zelosa. Tenho certeza que
estudos sobre a Palestina estarão muito bem representados.
Á Hevellyn Menezes Albres pela amizade e companheirismo. Estudiosa, é um
exemplo acadêmico a ser seguido, seu nome estampará grandes pesquisas.
Á Marina Camarinha, Vanessa Aparecida, Julia Figueiredo, Jéssica Rabelo,
Andressa Roberta, Irís Rabelo Nunes. Amigas muito queridas das Ciências Sociais e
Relações Internacionais que sempre estiveram dispostas a partilhar inúmeros momentos,
sobretudo, pela amizade sincera oferecida.
Aos demais amigos da V turma de Relações Internacionais da UNESP/Marília,
pelo agradável convívio e inúmeros momentos divertidos. Também, aos professores da
Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP/Marília pelos ensinamentos.
E por fim, á minha linda e pequena Camila Leal Scherer, por me ensinar á amar,
amando. Pela compreensão, dedicação imensurável á nós e, sobretudo, ao incentivo
carinhoso em todos os momentos difíceis e fáceis que atravessei até hoje.
6
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
RESUMO
Considerada a real importância do fator tecnologia como uma das bases condutoras
de inserção mundial de um país, este projeto visa analisar as políticas públicas de
incentivo ao ramo de Ciência e Tecnologia de Informação (C&T.I) durante o
primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Procuraremos
discutir em que medida o Governo FHC, ao buscar uma nova inserção da Economia
brasileira
na
Economia
mundial,
procurou
implantar
uma
política
de
desenvolvimento tecnológico por meio da produção nacional de C&T.I.
Discutiremos as políticas públicas para este setor e quais foram seus principais
obstáculos, nos anos 90.
PALAVRAS-CHAVE:
Globalização.
Neoliberalismo.
Políticas
Públicas.
Desenvolvimento. Tecnologia de Informação.
7
Barbara Regina Vieira Lopes
ABSTRACT
Considered the real importance of technology as a factor of conductive bases worldwide
insertion of a country, this project aims to analyze public policies to encourage the
business of Information Science and Technology (S & T.I) during the first government
of Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). We discuss to what extent the FHC
government, by seeking a new insertion of the Brazilian economy in the world
economy, sought to implement a policy of technological development by means of the
national S & T.I. Discuss public policy in this area and what were your main obstacles
in the 90s.
Key-words: Globalization. Neoliberalism. Public Policy. Development. Information
Technology.
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Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................11
Primeiro Capítulo
A crise de Bretton Woods e seus efeitos (1970-1990)
1.1 Um panorama sobre a crise do sistema capitalista.................................................................14
1.2 A reorganização do sistema e a ascensão da agenda neoliberal nos anos 80........................18
1.3 O significado da Globalização tecnológica............................................................................22
1.4 A América Latina durante a década perdida (1980-1990).....................................................27
Segundo Capítulo
PNDs, “autonomia nacional” e os fracassados planos de combate á inflação
(1973 -1992)
2.1 Linhas Gerais: O “Milagre econômico” (1973).....................................................................33
2.2 II PND: Intervenção estatal na questão tecnológica...............................................................36
2.3 A busca pela autonomia nacional na década de 70 e a lei da informática na década de 80...42
2.4 A Lei do Software (1987): Breve apresentação.....................................................................49
2.5 Anos 80-90: Década perdida para o Brasil – Estagnação político-econômica.......................52
2.6 O lacônico Governo Collor (1989-1992): Prelúdio Neoliberal..............................................56
2.7 A Nova lei de informática (1991)...........................................................................................59
Terceiro Capítulo
Anos 90: Neoliberalismo e desenvolvimento tecnológico?(1992-1995)
3.1 Era Itamar Franco (1992-1994): O eficaz Plano Real de FHC..............................................66
3.2 Ruptura político Econômica nos Governos Collor e Itamar: O Brasil adere ao
Neoliberalismo.............................................................................................................................73
3.3 Considerações sobre a continuidade e descontinuidades da Política de desenvolvimento
tecnológico no Brasil (1980-1995)...............................................................................................79
Quarto Capítulo
Estratégias para o desenvolvimento de C&T.I (1995-1998)
4.1. Primeiro mandato de FHC (1995-1998)................................................................................90
4.2 Os ganhos e conseqüências do Plano: Um Balanço...............................................................94
4.3 Estratégias de Desenvolvimento de FHC e a questão tecnológica........................................98
Considerações Finais.....................................................................................................103
Referências....................................................................................................................110
Anexos...........................................................................................................................113
9
Barbara Regina Vieira Lopes
Num tempo, página infeliz da nossa história.
Passagem desbotada na memória das nossas novas gerações.
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída
em tenebrosas transações.
Seus filhos erravam cegos pelo continente.
Levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais.
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz, uma ofegante
epidemia. Que se chamava Carnaval, o Carnaval, o Carnaval.
Chico Buarque, 1984
10
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
INTRODUÇÃO
Esta monografia é resultado do relatório parcial apresentado à Fapesp1 em maio
deste ano. Em sua gênese, este trabalho procurou debater o mesmo tema, porém,
periodizado na “Era Cardoso” (1995-2002).
Ultrapassaríamos os limites da presente monografia se discutíssemos,
detalhadamente, seus dois mandatos, por isso, procuramos de uma maneira objetiva,
contudo, bem articulada e rica em seus principais números e análises, debatermos
apenas o período 1995-1998.
A razão acadêmica para focarmos o primeiro mandato e não a “Era Cardoso”
(1995-2002) como um todo, encontra-se na linearidade de FHC em manter uma
determinada estratégia tecnológica em seus dois mandatos. Uma das diferenças que
encontramos em relação aos dois períodos está concentrada em suas políticas
macroeconômicas, excluindo o meio tecnológico de seu Governo.
Além disso, as conjunturas externas (como a abertura dos mercados na periferia
do sistema e o otimismo gerado pelo fim da Guerra-Fria) e a estabilização da Economia
brasileira foram alguns dos pilares de sua política comercial e, consequentemente, do
aumento de nossa vulnerabilidade externa, por isso, o primeiro mandato para nós é de
fundamental importância.
Este corresponde apenas ao primeiro mandato; sua fundamentação teórica,
obrigatoriamente, necessitou: De uma discussão dos cenários da década de 80, uma
compreensão das políticas do início dos anos 90 e, entendermos, quais foram os seus
maiores obstáculos, para a afirmação das políticas de FHC.
Nossa metodologia buscou contextualizar os antecedentes (internacional e
nacional), para que pudéssemos compreender, em quais contextos foram tomadas
medidas que proporcionaram nosso debate. Dividimos essa monografia em quatro
partes.
A primeira parte nos remete à crise do sistema internacional nos anos de 1970.
Esta crise global afetou tanto os países centrais, como os periféricos. Nesta seção,
apresentamos algumas das origens do fim do Sistema Bretton Woods e seus efeitos nos
países centrais, principalmente, nos periféricos, com o foco na América Latina. Neste
contexto, discutimos a busca pela reorganização do Sistema Internacional com a
1
Processo 2010/12330-7.
11
Barbara Regina Vieira Lopes
alternativa neoliberal que, juntamente, com a globalização tecnológica, tornou-se um
dos principais instrumentos para a reestruturação da economia capitalista.
A Segunda parte nos dá o cenário pelo qual passou a economia brasileira entre
1970-1993. Analisamos desde a época do “Milagre econômico” e o otimismo dos
anseios de “Brasil potência”, até o Governo Itamar Franco, quando a economia beirava
a hiperinflação (95% ao mês), antes da inserção do Plano Real na Economia. Neste
período, consideráveis tentativas de redefinição da política industrial brasileira foram
criadas, no que se refere ao âmbito tecnológico, porém, mantiveram seus insucessos por
diversos fatores, os quais foram, cuidadosamente, analisados.
A terceira parte retrata o Brasil, economicamente, estabilizado. As medidas
tomadas para essa conquista, as etapas, e por fim, um balanço de ganhos e perdas que
comprometeram ou impulsionaram a economia do país com a inserção do Plano Real na
Economia brasileira. Com FHC empossado, uma inflação de 3% a.m e uma moeda
estabilizada, nós apresentamos algumas considerações sobre a continuidade e
descontinuidades da Política de desenvolvimento tecnológico no Brasil (1980-1995).
A quarta parte discute qual foi a estratégia de Governo de FHC para a definição
de uma política industrial (de C&T.I) mais competitiva e agressiva, em relação á
inserção brasileira na arena internacional. Se havia alguma Política Tecnológica, como
esta foi elaborada? Quais foram seus obstáculos e seus resultados? E por fim,
apresentamos, ao término desta seção nossas conclusões acerca deste tema.
A quinta parte apresenta nossas conclusões, encerrando esta monografia.
12
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Primeiro Capítulo
A crise internacional e seus efeitos
(1970-1990)
A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu
suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise. E, no
entanto, até a década de 1980 não estava claro como as fundações da
Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente.2
(HOBSBAWM, 1994, p. 15-393).
2
HOBSBAWM, Eric. A Era dos extremos: O breve século XX 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
13
Barbara Regina Vieira Lopes
1.1
UM PANORAMA SOBRE A CRISE DO SISTEMA CAPITALISTA
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a configuração da nova Ordem
político-econômica internacional, trouxe uma época de intensa prosperidade ás
economias capitalista. Muitos autores conceituados, como Hirst e Thompson (1998),
denominam o período de 1945-1973 de “boom do capitalismo”; Hobsbawn (1992), de
“idade de ouro do capitalismo”; e Chesnais (1996), dos “trinta anos gloriosos do
capitalismo”.
Este momento também foi marcado pela disputa de duas diferentes potências
globais: Estados Unidos (EUA) versus União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). Estas potências possuíam dois distintos projetos que pleiteavam entre si, a
hegemonia do sistema mundial, no conflito conhecido como Guerra Fria (1945 - 1989).
Tal duelo apresentava um mundo dividido entre duas ideologias: O capitalismo
e o socialismo, respectivamente. Esta disputa baseava-se em diferentes modos de
produção e comportamentos Estatais.
Em meio a este cenário, emergia no sistema global, outros atores, tais como, as
Organizações Multilaterais, que acirravam o debate destas duas forças. Um dos
objetivos centrais dessas Organizações era coordenar o diálogo internacional. Para esta
melhor coordenação (e regulamentação econômica) entre os países, criou-se o Sistema
Bretton Woods3, que pleiteava promover um melhor funcionamento das relações
econômicas entre os Estados do Bloco Ocidental.
Para seus autores, Bretton Woods tinha o propósito de reconstruir a Ordem
Econômica internacional, pois, temia-se que a desorganização econômica decorrente do
período de guerra levasse as nações a novos conflitos.
Desta forma, era de vital importância que fosse criada uma instituição que
contribuísse para a estabilidade econômica mundial. As reformas ali debatidas deveriam
promover a expansão do comércio entre as nações e colocar seu desenvolvimento a
salvo de agitações financeiras, ou seja:
3
A fim de reconstruir o sistema capitalista no Pós-segunda Guerra, os 55 países aliados reuniram-se nas
Conferências de Bretton Woods (julho, 1944), em New Hampshire (EUA), onde foi definido o Sistema
Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, propondo regras para as relações comerciais e
financeiras entre os países capitalistas. O mundo acabava de sair de uma Grande Guerra, a Europa estava
destruída, e os EUA ainda sentiam os efeitos da Grande Depressão (1929). Após muitas discussões na
conferência, e posições de distintos projetos – de um lado o inglês Keynes e do outro, o americano White
– as propostas de origem norte-americana prevaleceram, no final da Conferência, o clima de otimismo e
esperança dominou as discussões acerca do assunto, e por trás de tais sentimentos, os resultados das
disputas entre os diferentes projetos demonstraram, claramente, a hegemonia norte-americana na Nova
Ordem ali estabelecida.
14
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Tratava-se, também, de erigir um ambiente econômico internacional
destinado a propiciar um amplo raio de manobra para as políticas
nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso social.
(BELLUZZO, 2005, p. 226).
Contudo, a fase áurea do capitalismo, como todo ciclo econômico, não
permaneceu ascendente por muito tempo. Ao final dos anos 60, os múltiplos fatores que
colocariam em xeque a estabilidade do Sistema Internacional já poderiam ser sentidos.
Tais determinantes – a concorrência internacional, a crise energética, a industrialização
da periferia, os movimentos de contestação social, a perda dos lucros sob o modo de
regulação fordista, entre outros – originariam uma crise estrutural na Ordem vigente.
A concorrência Internacional japonesa e de um seleto grupo de países europeus,
principalmente, a produção alemã, afetou diretamente a Economia estadunidense.
Paralelamente, a URSS, nos campos político e militar faria frente ao modelo liderado
pela nação norte-americana.
Beluzzo (2005, p. 227, grifos nossos) ressalta que:
A rápida recuperação das economias européias e o espetacular
crescimento do Japão foram causas importantes do progressivo
desgaste das regras monetárias e cambiais concertadas em
Bretton Woods. A concorrência comercial das renovadas economias
industrializadas da Europa e do Japão e o fluxo continuado de
investimentos americanos diretos para o resto do mundo, além dos
gastos da Guerra Fria, determinaram desde o final dos anos 1950, a
ampliação do déficit do balanço de pagamentos americano e a
acumulação de dólares nos bancos centrais da Europa e do Japão.
A invasão de produtos japoneses e europeus (de boa qualidade e de baixos
custos) na economia americana demonstrou uma alta capacidade econômica e produtiva
destes países, acirrando o aumento da concorrência internacional.
Além de haver esta concorrência, no campo econômico; na esfera ideológica, os
EUA estavam no ápice do confronto da Guerra Fria quando se iniciou a Guerra do
Vietnã (1959-1975). Uma possível vitória sobre os vietnamitas provocaria sua máxima
expressão sobre os demais países no sistema internacional, principalmente, sobre a
URSS. Entretanto, a derrota estadunidense colocou em dúvida a posição hegemônica
norte americana.
Paralelamente, temos a crise energética manifestada pelas crises do petróleo de
1973 e 1979. Tais conjunturas fizeram com que seus patamares de preços aumentassem
de uma maneira significativa, colocando em risco o abastecimento da fonte primária de
15
Barbara Regina Vieira Lopes
energia da produção capitalista. O impacto do aumento dos preços e da falta de
abastecimento atingiu todos os países, principalmente, os EUA.
Agravando
a
situação
de
desgaste
político-econômico,
eclodiam
os
“movimentos de contestação social”, tais como: o de cunho sindical, que pleiteava o
aumento salarial, impedindo que os grandes capitalistas recompusessem a lucratividade
por meio do arrocho salarial; e os de cunho “anticapitalistas”, que por meio do cenário
de instabilidade e crises, abriram-se precedentes para diversos tipos de reivindicações.
Movimentos alternativos a esquerda tradicional floresciam nos países europeus; era um
momento de luta pelo interesse das minorias específicas4.
Como destaca Fiori (1999, p. 34-38 apud CORSI, 2002, p. 15):
Na periferia, os EUA foram derrotados no Vietnã e os movimentos
nacionalistas e de esquerda pareciam tomar conta da região. Os
produtores de petróleo, como desdobramento da Guerra do Yom
Kippur, impuseram um choque nos preços do produto, eliminando um
dos pilares que sustentaram a fase áurea de crescimento econômico
capitalista.
A partir destas determinantes, podemos concluir que a década de 70 foi marcada pelo
esgotamento de um longo ciclo de prosperidade do capitalismo. Como enfatizou
Carneiro (2002, p. 48):
Os principais indicadores econômicos revelam a exaustão do
dinamismo desse padrão pela desaceleração do crescimento do
produto nos principais países industrializados, pela conseqüente
perda de dinamismo do comércio mundial e pelo aumento da
inflação, simultaneamente á elevação das taxas de juros.
Tabela 1 – Indicadores da Economia Mundial de 1950-1980 (% a.a)
Indicadores
1950-60
1960-70
1970-80
4
A década de 1960 foi marcada por grandes acontecimentos, que culminaram em movimentos de caráter
revolucionário de contestação da Ordem social, econômica e política vigente. Neste contexto, podemos
ressaltar: O assassinato de Martin Luther King, em 4 de abril de 1968, que reascendeu o debate étnico nos
EUA; os protestos, sobretudo, estudantis, contra a Guerra do Vietnã e regimes autoritários; os
movimentos nacionalistas e, por fim, feministas, que enfatizava a igualdade de gênero.Como citado por
Corsi (2002, p. 15), “entre meados dos anos 1960 e meados dos anos 1970, aprofundou-se o conflito
social na Europa, com o avanço das forças de esquerda. Os EUA também foram varridos por fortes
movimentos de contestação social. Florescia uma cultura anticapitalista. Surgiram vários movimentos
sociais setoriais, alternativos aos burocratizados movimentos da esquerda tradicional, que lutavam pelos
interesses de minorias específicas”. Contudo, mesmo que alguns movimentos setoriais, como o
movimento feminista, tivessem alcançado expressivas vitórias, Corsi (2002) ressalta que “no embate com
os trabalhadores, dadas as circunstâncias sociais, políticas, culturais e econômicas do momento, os setores
capitalistas acabaram levando a melhor e fizeram prevalecer os seus interesses. Os grandes capitalistas,
associados principalmente aos governos conservadores dos EUA, da Grã-Bretanha e da Alemanha,
buscaram reorganizar o sistema para enfrentar a contestação social, o avanço do socialismo soviético e a
crise econômica”.
16
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
PIB Total
Comércio mundial ¹
Taxas de juros (Longo Prazo)²
Nominais
Reais
Índice de Preços (IPC)²
4,2
6,5
5,3
8,3
3,6
5,2
3,7
1,2
2,5
5,1
2,4
2,7
8,2
0,3
7,9
Fontes: Maddison (1989), World Bank (1991) e Unctad (1993) apud Konzul Wright (1997) para PIB e
Comécio; Homer & Sylla (1191), apud Ciocca & Nardozzi (1996) para Juros e Preços. (1) Exportações;
(2) Medias ponderadas para Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França Apud Carneiro 2002, p.48;
A crise estrutural do capitalismo nos anos 70 foi fruto da sobreposição de várias
crises, a saber: A crise de produção, a crise energética, a crise do sistema financeiro
internacional e paralelamente a estas, houve em certos aspectos, uma crise de
hegemonia americana por conta da situação delicada por qual passava sua Economia e
moeda, além da surpreendente derrota na Guerra do Vietnã, como anteriormente
mencionado.
Todos estes elementos citados demonstraram que o fim da “Era de prosperidade
do capitalismo” havia chegado. É neste contexto que reascendia o debate sobre a ordem
econômica, e como ela deveria ser conduzida.
Dada as circunstâncias (políticas, econômicas, sociais e culturais), os setores
capitalistas necessitavam reorganizar o Sistema; os Estados de maior poder na arena
internacional, principalmente, os Estados Unidos, a Grã Bretanha e a Alemanha,
tentaram conter tanto o avanço do socialismo russo, como a crise econômica, por meio
da única alternativa passível de execução: A refundação da base do sistema produtivo
capitalista. O neoliberalismo era uma alternativa a ser aplicada.
17
Barbara Regina Vieira Lopes
1.2 A REORGANIZAÇÃO DO SISTEMA E A ASCENSÃO DA AGENDA
NEOLIBERAL
“A liberação financeira é algo como o fogo. É
bom ter, mas você pode queimar toda a sua
casa”.
Jagdish Bhagwaiti – Ex-diretor do Gatt
Para enfrentar o problemático cenário dos anos 70, houve uma mudança de
postura dos EUA. Para alguns autores, as transformações propostas pela nação
hegemônica para reestruturar o sistema acarretaram, entre muitos elementos, no início
ou na aceleração do processo de globalização. Segundo outros, a nova postura adotada
mudaria as estruturas política e econômica das economias nacionais, resultando em uma
nova concepção de economia internacional, causada pela Globalização.
Como explicou Corsi e Alves (2002, p. 8):
A globalização, como nova fase do capital, é resultado tanto da
tendência à internacionalização do capitalismo, quanto da crise
estrutural do capital, aberta no final dos anos 1960, marcada por
intensa luta de classes. A resposta que o capital deu ao avanço do
socialismo, à crítica da cultura burguesa, à redução das taxas de lucro,
à crise da hegemonia norte-americana, e ao avanço das forças de
esquerda no centro e na periferia do sistema, geraram as condições
para um complexo de reestruturações em várias dimensões –
produtivas, econômico-financeira, política e inclusive, cultural – que
desembocaram na mundialização do capital.
O fenômeno da globalização nas últimas três décadas foi determinado pelas
políticas de liberalização e desregulamentação que foram incorporadas as Economias
centrais e periféricas, que teve como marco, a eleição de Margareth Thatcher em 1979
na Inglaterra e, posteriormente, coligada pelo republicano Ronald Reagan, nos Estados
Unidos, em 1981.
Como cita Pires (2010, p. 223):
As idéias que inspiraram os conservadores britânicos são aquelas das
conhecidas escolas “Austríacas” e de “Chicago”, cujos maiores
expoentes foram Friedrich A. Hayek e Milton Friedman. De forma
geral, as idéias por eles preconizadas defendiam o extremo laissezfaire. Friedman (1985), em Capitalismo e liberdade, defendia o
completo afastamento do Estado da esfera econômica também da
assistência social. Era contrário ao Imposto progressivo, ao imposto
sobre as sociedades anônimas, a educação e a previdência pública, à
regulamentação governamental, ás empresas públicas, aos parques
nacionais etc. O Estado deveria preocupar-se apenas com a defesa
nacional e em garantir o direito de propriedade e o cumprimento dos
contratos.
18
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Para Chesnais (1996), a “Mundialização do Capital”, é uma forma de
organização da Economia Internacional, que tem como uma das principais
características, novas formas de atuação nas empresas industriais e dos grupos
financeiros. Estas transformações são, sobretudo, facilitadas ou resultantes de
mudanças no pensamento político, organização do Estado Nacional e de
reestruturação produtiva:
A expressão “mundialização do capital” é a que corresponde mais
exatamente à substituição do termo inglês “globalização”, que se
traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista,
voltado para a produção manufatureira ou para as principais
atividades de serviços, de adotar por conta própria, um enfoque de
condutas “globais”. (CHESNAIS, 1996, p. 17).
A globalização econômica assume feições neoliberais, e de acordo com
Chesnais (1996, p. 29) ela inclui também a globalização financeira, “que não pode ser
abstraída da lista de forças às quais deve ser imposta a adaptação (ou ajuste estrutural)
dos mais fracos e desguarnecidos” Como citado por Chesnais (1996, p. 26)
A globalização mudou a importância relativa dos fatores causadores
de interdependência. A internacionalização é dominada pelo
investimento internacional do que pelo comércio exterior e, portanto
molda as estruturas que predominam na produção e no intercâmbio
de bens e serviços. Os fluxos de intercâmbio intracorporativo
adquiriram importância cada vez maior.
Paul Singer (2002, apud GONÇALVES, 2003, p. 32) ressalta que o sistema
financeiro movimentaria bilhões de dólares, diariamente, e esta maior volatilidade dos
capitais internacionais aumentaria, substancialmente, os riscos de crises econômicas:
A liberalização e a desregulamentação representam maior liberdade
para os fluxos internacionais de capitais. Isso, juntamente com os
novos instrumentos financeiros e as inovações tecnológicas, tem
significado maior volatilidade dos fluxos financeiros internacionais.
Não existe uma definição única deste processo que contenha toda a abrangência
do fenômeno. Há inúmeras tentativas de definições a partir de autores já citados. Ainda,
segundo outros, como Robert Solomon (2001, p. 11) diz que tal “conceito são apenas
transações internacionais crescentes de todos os tipos. Tal revolução da informação fez
do mundo um lugar menor”, ou até mesmo para Hirst e Thompson (1998, p. 20),
afirmam que “a Globalização é mito conveniente a um mundo sem ilusões, mas também
é um mundo que rouba a esperança”.
19
Barbara Regina Vieira Lopes
Como se vê, há diversas opiniões que contribuem para grandes debates sobre o
tema. Uma das poucas semelhanças vista nos autores citados por este trabalho está na
concepção de mudanças em todas as esferas da economia e da política mundial. Tais
transformações são encontradas nas relações comerciais, políticas, interpessoais e
financeiras entre as diversas nações e sociedades.
Torna-se claro que a partir destas modificações, foi reestruturada a imagem
clássica do Estado-Nação. Sua principal função era de ser o único detentor do controle
das relações econômicas, políticas e interpessoais da sociedade dentro de seu território.
Com o processo de globalização essas funções foram transferidas, em parte, para
diversos atores, como agências reguladoras, Organizações e Associações Institucionais.
Podemos indicar quatro fatores fundamentais que influenciaram, fortemente, a
expansão ou o crescimento do fenômeno globalização. O primeiro: A crise do Estado de
bem-estar nas nações capitalista centrais e a ascensão do expoente político neoliberal
traduzido pelos governos de Margareth Thatcher, a “dama de ferro”, na Inglaterra em
1979 e de Ronald Reagan nos EUA durante a “Era Reagan” (1981-1989).
Segundo: Na dissociação da União Soviética (URSS), o fim do Regime
socialista promoveu uma grande expansão da alternativa Liberal. Muitos autores, entre
eles, Francis Fukuyama (1992) apontavam o “Fim da História”5, ou seja, os
acontecimentos políticos indicavam que o Capitalismo havia vencido e, desta forma,
seria o único sistema econômico vigente da nova Ordem mundial.
Os Terceiro e Quarto fatores estão coligados, são eles a “Revolução Científica
Tecnológica” (RCT) e processo de reestruturação produtiva. Estes dois fatores
foram relevantes para o fim da União Soviética, já que a corrida tecnológica (espacial e
armamentista) e a promoção da vanguarda de produtos de alto nível industrial
estadunidenses fizeram com que a URSS não conseguisse acompanhar tal corrida. Desta
forma, seu nível competitivo foi se enfraquecendo no sistema bipolar.
A queda do Socialismo foi, simbolicamente, a expressão máxima do fim de tal
sistema. Os EUA passaram a ocupar o topo da liderança do Sistema Internacional. Tal
5
Francis Fukuyama (1952 - ) é um célebre cientista político americano que, com enorme convicção,
anunciou o fim da história em um ensaio publicado pela revista National Interest,em 1989.Com o fim da
URSS e dos regimes comunistas da União Soviética e do Leste Europeu, o autor comemorava a suposta
vitória final da ordem liberal do ocidente, desta forma, era o fim do embate ideológico da Guerra
Fria.Com o fim do debate ideológico, só haveria espaço para a expansão dos mercados sob as regras da
livre-concorrência.Para mais detalhes acerca desta questão, ver FUKUYAMA, Francis.O fim da história
e o último homem.Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
20
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
vitória seria vista como uma prova do sucesso do sistema capitalista, cuja influência as
economias do terceiro mundo seria imensurável.
Como veremos na sessão seguinte, a revolução tecnológica (principalmente, na
área da informática), permitiria o acesso rápido, fácil e de baixo custo a qualquer tipo de
informação. Tal informação, associada à cultura norte-americana seria um dos triunfos
do “poder brando6” dos EUA.
E por fim, as reestruturações produtivas, organizacionais e empresariais
aplicadas em inúmeras empresas espalhadas pelo mundo mudariam a lógica da
produção, tornando-a menos custosa (inclusive, com menos gastos sociais), e com altos
índices de produtividade (por meio da eficiência da robotização e modernização dos
insumos).
Baseada nesta conjuntura, a intensificação do processo de globalização,
juntamente, com as inovações tecnológicas seriam reguladas pela agenda neoliberal,
que surgia com força na segunda metade dos anos 80.
Esta agenda surgia como uma opção política palpável, principalmente, para os
países subdesenvolvidos, interessados em alianças econômicas e militares, por meio da
“política de salvaguarda”, para suas respectivas economias em crise. A fim de diminuir
seus altos déficits internos e externos, os países periféricos foram levados pela “onda
liberal” ao reformarem seus sistemas político e econômico.
6
De acordo com o renomado autor estadunidense Joseph S. Nye Jr. o poder de uma potência é entendido
como a capacidade de obter os resultados desejados freqüentemente vem associada à posse de
quantidades relativamente grandes de elementos tais como: população, território, recursos naturais, vigor
econômico, força militar e estabilidade política. O poder brando é um meio indireto para se induzir o
poder. Na política mundial, é possível que o país obtenha os resultados que quer porque os outros desejam
acompanhá-lo, admirando os seus valores, imitando-lhe o exemplo, aspirando ao seu nível de
prosperidade e liberdade. Desta forma o uso da tecnologia seria usado para a difusão da cultura de valores
e comportamento norte-americano Ver, NYE JR. O Paradoxo do poder Americano. São Paulo: Unesp,
2002.
21
Barbara Regina Vieira Lopes
1.3 O SIGNIFICADO DA GLOBALIZAÇÃO TECNOLÓGICA
“A globalização opera em benefício dos que
comandam a vanguarda tecnológica e
exploram os desníveis de desenvolvimento
entre os países”.
Celso Furtado, 20027.
Alguns autores, como Reinaldo Gonçalves (2003), explicam que a Globalização
econômica é sustentada por quatro pilares: Comercial, Produtiva, Tecnológica e
Financeira:
A dimensão comercial expressa o comércio internacional de bens e
serviços. A dimensão produtiva refere-se às operações de empresas
transacionais que controlam subsidiarias e filiais em outros países. A
dimensão tecnológica envolve, em grande medida, a
transparência de know how ou diretos de propriedade por
intermédio de relações contratuais. A dimensão financeira abrange
os fluxos internacionais de capital de empréstimos, financiamento e
investimento externo indireto [ou de portfólio]. (GONÇALVES,
2003, p. 25, grifos nossos).
Para Gonçalves, a esfera tecnológica é uma das principais determinantes da
globalização. Nessa nova fase do capital, cada vez que a produção supera a absorção de
bens e serviços por parte dos consumidores, a saída escolhida pelos capitalistas é, em
geral, norteada pela chamada “saída shumpeteriana8”.
De acordo com Schumpeter (1961), criador da teoria, os produtores promovem
uma “Nova onda tecnológica”, que destrói a estrutura antiga e introduz novas formas de
montagem e produtos, com o intuito de promover a expansão da empresa. Desta forma,
a empresa capitalista sempre teria lucros, e sobreviveria á competitividade da livre
concorrência. Tal fenômeno é intitulado “destruição criadora”9.
7
Celso Furtado, Em busca de um novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea. São Paulo: Paz e
Terra, 2002, p. 42.
8
Joseph Schumpeter nos diz que a introdução de uma inovação no sistema econômico é chamada por ele
de “ato empreendedor”, realizada pelo “empresário empreendedor”, visando a obtenção de um lucro. O
lucro é o motor de toda a atividade empreendedora, segundo o autor, o qual, trata o lucro não como a
simples remuneração do capital investido, mas como o “lucro extraordinário”, isto é, o lucro acima da
média exigida pelo mercado para que haja novos investimentos e transferências de capitais entre
diferentes setores.
9
Como citado por Schumpeter (1984, p. 112-113), “o processo de mutação industrial – se me permite o
uso do termo biológico - que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro,
destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato
essencial a cerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as
empresas capitalistas”.
Para mais detalhes acerca desta questão, ver SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e
Democracia. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1984, Cap.7, p. 112-113.
22
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Esta “destruição” tem como objetivo atualizar e modernizar bens e serviço. Com
esta modernização haverá tanto o escoamento da produção, a fim de satisfazer os novos
desejos dos consumidores; como, por outro lado, os empreendedores obterão um lucro
acima da média para novos investimentos. Alguns autores ressaltam que uma das
principais razões que contribuíram diretamente para a crise internacional, teria sido a
falta de inovações tecnológicas. Como citado por Carneiro (2002, p. 49, grifos nossos):
Para Fajnzylber (1983) e Teixeira (1993), o período marcado pelo
fim de Bretton Woods, está fortemente ligado pelo esgotamento
de onda de inovações, em cujo dinamismo assentou-se o crescimento
das economias capitalista no pós-guerra.
Desta maneira, a partir das transformações propostas pelos EUA para a
reestruturação do Sistema Capitalista nas décadas de 70 e 80, os países centrais10
comandaram o processo da vanguarda tecnológica.
Houve um investimento de centenas de bilhões de dólares11 por parte das
potências capitalistas para que elas pudessem estar à frente das inovações tecnológicas.
Em linhas gerais, a RCT transformou-se em peça chave para que estes países se
mantivessem no núcleo da esfera produtiva do Sistema.
Como ressalta Chesnais (1996, p. 141):
Os grandes grupos industriais mundiais têm, invariavelmente,
despesas muito elevadas de P&D. A tecnologia é uma dimensão
central de sua atuação internacional. É também um dos campos
determinantes onde se entrelaçam as relações de cooperação e
concorrência entre rivais.
Com as reformas (neo) liberalizantes a partir do projeto “Guerra nas Estrelas”12
ou Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE) da Era Reagan, as transformações
tecnológicas – principalmente, das áreas de microeletrônica, informática e
telecomunicações – passaram a ter uma importância crucial na busca pela liderança
mundial.
10
Chamamos atenção para alguns países periféricos, como: Índia, China e Coréia do Sul, que por meio de
políticas de incentivos, em diversos setores estratégicos de suas respectivas economias, assim como os
países do Centro, estes também tiveram uma inserção expressiva no Sistema Internacional (CANUTO,
1994).
11
Em 1988, os países da OCDE gastaram um total de cerca de 285 bilhões de dólares, (225 bilhões em
1985) em P&D.Desse total, os EUA corresponderam por quase metade (138 bilhões de dólares, ou seja,
48,$%), os países da CEE por pouco mais de um quarto (27,7%), o Japão por 17,9% (51 bilhões de
dólares) e o conjunto dos demais países, apenas 6%.
12
O projeto Guerra nas Estrelas, criado pelo governo do presidente Ronald Reagan em 1984, – consumiu
quase 100 bilhões de dólares –, e previa criar um escudo para identificar e destruir (no ar) mísseis
nucleares que viessem a serem lançados pela União Soviética (SCHELP, 2005).
23
Barbara Regina Vieira Lopes
De acordo com Chesnais (1996), a liderança produtiva estaria sob a égide das
inovações:
As transformações advindas, desde fins da década de 70, nas relações
entre a ciência, a tecnologia e a atividade industrial fizeram da
tecnologia um fator de competitividade, muitas vezes decisivo,
cujas características afetam praticamente todo o sistema
industrial (entendido em sentido amplo, e portanto abrangendo parte
dos serviços). (...) Paralelamente, todas as tecnologias críticas
contemporâneas caracterizam-se por sua alta capacidade de difusão
intersetorial. Elas oferecem a oportunidade de renovar a concepção
de muitos produtos e de inventar novos. Mais importante ainda:
exigem a transformação dos processos dominantes de fabricação,
bem como das técnicas de gestão, em todo o sistema industrial.
(CHESNAIS, 1996, p. 142, grifos nossos).
A preocupação com o desenvolvimento econômico associado ao progresso
tecnológico tornou-se um dos principais instrumentos de inserção ativa de um país nas
relações político-econômicas contemporâneas.
Com o aumento da competitividade entre os países, à medida que estes se
equiparam com modernos aparatos produtivos, o meio técnico-científico passa a atuar
em todas as esferas da Economia, principalmente, o setor produtivo-comercial, sendo
este um fator vital para a manutenção do crescimento. Desta forma, a importância do
meio científico-tecnológico tomará proporções imensuráveis.
Como resume Moreira (1997), sob o contexto da onda neoliberal, os países que
almejassem um crescimento expressivo nas relações internacionais, teriam que
introduzir em suas respectivas políticas domésticas tal agenda. Para tanto, os esforços de
alguns Estados, para esta aplicação foram ousados e intensos:
[...] Os pontos de mudanças foram: reorganização da divisão do
trabalho, fator imprescindível para a compreensão do capitalismo em
escala mundial, o que manifestaria, sobretudo, a crescente
concorrência internacional, pois, para retomar o crescimento é
preciso competir e vencer, assim a competitividade passa a ser o
motor da globalização, assim como foi o “progresso” no início do
século XX, e o “desenvolvimento” no pós-segunda [...].(apud
VIZENTINI, 1998, p. 38, grifos nossos)
24
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
É neste contexto de competitividade e inovações tecnológicas que, devemos
enfatizar que no ano de 2010, a Millward Brown13 – empresa líder mundial em
consultoria e pesquisa de mercado – realizou um estudo que continha as 100 empresas
mais valiosas do mundo. Nesta lista encontramos mais de 10 multinacionais no meio de
eletrônico/informática14, e das cinco primeiras do ranking, quatro, são do setor de
tecnologia (C&T.I):
Tabela 2 – As cinco maiores empresas do mundo (2010)
#
Marcas
1
2
3
4
5
Google
IBM
Apple
Microsoft
Coca-Cola
Valor de Mercado
2010 ($M)
114.260
83.383
83.153
76.344
64.963
Fonte: institutos de pesquisa Brand Analytics / Millward Brown (2010)
Certa vez, o criador e, atual presidente de uma das empresas que mais
revolucionou o setor tecnológico na área da informática, a Microsoft Corporation15, Bill
Gates, disse em uma conferência na cidade de Chicago, nos anos 90: “As únicas
grandes companhias que conseguirão ter êxito são aquelas que considerarão os
seus produtos obsoletos antes que os outros o façam”.
Esta frase resume de uma maneira clara o meio competitivo da Economia
Liberal, cuja busca pela modernização, sobretudo, a constante atualização de seus
produtos, será o segredo para o sucesso de uma empresa.
13
MILLWARD BROWN. As 100 maiores empresas do mundo do ano de 2010. Estados Unidos, 2010.
Disponível em:< http://www.brandz.com/output/brandz-top-100.aspx>. Acesso em: 17 fev. 2011.
14
Entre elas, estão: Sony, Samsung, Nokia, Nintendo, Amazon.com, Black Berry, Intel, Dell, Siemens,
SAP e GE.
15
A Microsoft Corporation é uma empresa americana, focada na indústria de Distribuição Digital,
Eletrônicos de Consumo, Hardware, Software e Vídeo Games. Fundada por Bill Gates e Paul Allen nos
anos 70, emprega atualmente cerca de 89.000 pessoas, e em 2010 apresentou os seguintes números: Seu
valor de mercado é de US$ 227.03 bilhões, cujo lucro apresentado foi de US$ 18.760 bilhões, tendo um
faturamento de US$46.175 bilhões.
25
Barbara Regina Vieira Lopes
Na esfera estatal, uma alta taxa de crescimento e uma relativa autonomia no
setor tecnológico, são alguns dos pilares que o promovem de uma maneira ativa no
sistema internacional.
Os países do Centro mantiveram-se no núcleo da esfera produtiva e, desta forma,
até hoje, são as principais potências do setor de Tecnologia. Isto se deve, entre diversos
fatores, a massivos investimentos na produção nacional de C&T.I nos anos 70-80.
Neste mesmo período, a América Latina passava por uma grave situação
político-econômica. Os ajustes econômicos, ou como Chesnais (1996) escreveu “as
adaptações” das diversas economias periféricas às premissas neoliberais, promoveu um
grande choque nas economias subdesenvolvidas.
Ao inserirem as práticas neoliberais em suas políticas domésticas, os países
localizados na América Latina passaram por uma forte crise econômica, o que
comprometeu o desenvolvimento da região.
Ao contrário do que era defendido pelos países centrais, ao estimularem os
Estados periféricos á adotarem as políticas de caráter neoliberal, como veremos nas
seções seguintes, a inserção expressiva na esfera internacional, por parte destes países
subdesenvolvidos não ocorreu.
Um significativo endividamento estatal, uma alta vulnerabilidade externa
associada a uma clara dependência tecnológica foram alguns dos resultados obtidos
pelos Estados Latino-Americanos que procuraram adotar as políticas neoliberais nos
anos 80 e 90.
26
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
1.4 A AMÉRICA LATINA DURANTE A DÉCADA PERDIDA (1980-1990)
Os
desempregados,
os
sem-teto,
os
abandonados os excluídos são a expressão
dramática dos sacrifícios exigidos (...) pela
escolha puramente ideológica fundada no rigor
orçamentário,
na
competitividade,
na
produtividade, etc. As pessoas não querem
mais isso. Elas não aceitam que se chame de
“reforma” o que só é, em sentido próprio, uma
contra reforma um retorno á antiga Ordem.
Le monde, 1966.16
A
reestruturação
econômica
nos
países
desenvolvidos
e
os
ajustes
macroeconômicos impostos à periferia, de acordo com alguns autores, como Ayerbe
(2002) e Cano (1999), fizeram com que a década de 80 fosse para a América latina
sinônimos de estagnação econômica, crises em todos os setores da Economia, altos
níveis de desemprego e endividamento estatal, agitações populares e golpes militares.
As crises internacionais, seguidas de substanciais aumentos dos preços do
petróleo em 1973 e 1979, promoveram grandes desequilíbrios nas contas externas
latino-americanas. De acordo com Cano (1999, p. 25):
No cômputo geral da década de 1970, os principais países da
América Latina (...) aproveitaram as brechas que as duas crises
internacionais (a produtiva e a financeira) lhes proporcionavam pela
vinda de investimentos diretos ou, principalmente, pela via dos
financiamentos. Logo no início da década de 1970, a América Latina
usou a via do endividamento (...). O recrudescimento inflacionário, o
déficit estrutural do balanço de pagamentos e o alto
comprometimento do débito externo (juros e amortizações) em
relação ás reservas ou às exportações significaram um enorme saque
contra o futuro, e a vinda, a qualquer momento, de uma crise de
enormes proporções.
Neste contexto, José Luís Fiori (1999, p. 13), assinala que:
Até o fim dos anos 70, três países da América Latina mantiveram o
crescimento de sua renda per capita: Brasil, Colômbia e México. No
entanto, a partir do início dos anos 80, o crescimento destes países
despencou e eles perderam as promissoras posições que haviam
conquistado em termos de participação na renda mundial.
Um dos principais fatores que contribuíram para a estagnação econômica da
região foi o aumento de juros nos EUA entre 1978 e 1982. Essa elevação resultou na
crise das dívidas externas na periferia, que levou inúmeros países a uma situação de
insolvência, entre eles: Polônia, México, Brasil e Argentina.
16
PRAGA, São Paulo, n. 1, p. 45-53, 1966. Apud FIORI, 1998, p79.
27
Barbara Regina Vieira Lopes
Os índices sócio-econômicos da década de 80 para a América Latina foram
“catastróficos”. Como citado por Fiori (1999), houve uma impressionante queda da taxa
média anual de crescimento do PIB. Em sua fase de “recessão” (1980-1985), a taxa
anual do PIB desta região crescia em média 0,6%, já em sua fase de “recuperação”
(1985-1990), ela subiu não mais que 1,9%.
As importações se reduziram à média anual de 8,1%, contudo, o fraco
desempenho das exportações (0,8%) era reflexo da queda dos índices dos preços médios
de nosso principal produto de exportações da região as commodities, as quais caíram
20% em termos nominais (30% se excluirmos o petróleo).
Entre 1985 e 1990, o quadro parecia melhorar, pois, estimuladas por alguns
programas específicos de liberalização comercial e de renegociações da dívida externa
que se iniciariam neste período, as importações voltariam a subir (9,7% anual).
Contudo, não havia motivo para otimismo, mesmo havendo uma melhora na
pauta de exportações, resultado da diversificação da pauta, como: novas commodities
industriais, autopeças, veículos e produtos químicos dos principais países exportadores,
nossa participação nas exportações mundiais continuava baixa, com um índice ainda
menor na década seguinte, 5,5% em 1980 e, posteriormente, 3,9% em 199017, mantendo
estes números baixos no ano de 2000 (Anexo A).
Em relação à dívida externa, transferência de recursos, taxas de inflação,
desemprego, arrochos salariais e distribuição de renda da América Latina, os dados são
alarmantes, como citados por Abramo (1997) e Cepal (1997), mostrando-nos porque o
termo “década perdida” faz luz à uma das piores crises econômicas para a região:
Entre 1980 e 1990 a transferência líquida de recursos da America
Latina somou US$198, 3 bilhões, ao passo que o montante da dívida
salta de US$ 166, 6 bilhões em 1979, para 443,0 em 1990. (...) As
políticas de combate à inflação não só foram inócuas, como os
resultados pioraram sensivelmente: A taxa média anual dos preços,
que fora de 84,4% entre 1980 e 1984 sobe para 229,8% entre 1984 e
1989, com alguns países ingressando num processo de
hiperinflação.(...) O desemprego aberto urbano subiu de 6,7% em
1980 para 8,3% em 1985, e sua queda em 1990 para 6,2% se deve
muito mais á informalização do emprego (cuja taxa passa de 40%
para 52%) do que á geração líquida de empregos formais.As políticas
salariais encarregaram-se de reduzir os salários, em 33% para o
17
Ver, CANO, Wilson. Soberania e Política Econômica na América Latina. São Paulo:
Editora Unesp, 1999, p. 25-34.
28
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
salário mínimo, 13% para o industrial, 14% para a construção civil e
28% para o rural.Com isso, a distribuição de renda piorou muito: o
número de pobres, no mesmo período passou de 136 milhões para
197 milhões e o de indigentes de 62 milhões para 92 milhões.
(ABRAMO, 1997; CEPAL, 1997 apud CANO, 1999, p. 35-36).
Se pudéssemos analisar os países latino-americanos, iríamos ver que cada um
deles carrega inúmeras especificidades: suas origens étnicas, seus passados coloniais,
suas diversificadas dimensões geográficas e econômicas, estruturas políticas, seus
credos, os comportamentos das diferentes classes sociais e etc.
Todavia, a partir da década de 1970, desde o momento em que cada um deles,
aplicou em suas agendas econômicas e políticas, as principais pautas das práticas
liberalizantes, os resultados para todos estes Estados, foram os mesmos: desordem
econômica, desarranjo político e descontentamento social, acirrando as tensões sóciopolíticas em todos os segmentos da população.
Como citado por Paulo Nogueira Batista Júnior (2000, p. 100):
A América Latina acabou se convertendo, com a anuência de suas
elites, em laboratório onde a burocracia internacional baseada em
Washington – integrada por economistas descompromissados com a
realidade política, econômica e social da região – pôs em prática, em
nome de uma pretensa modernidade, doutrinas temerárias e contrárias
a nossos interesses fundamentais.
Como veremos nas próximas seções, o caso brasileiro é um exemplo de alta
vulnerabilidade externa e dependência tecnológica Latino-Americana. Esta situação
poderia ser revertida, caso houvesse uma mudança na orientação da política de
desenvolvimento tecnológico brasileiro.
Como supõe Simiqueli18(2008, p. 11), esta posição de subdesenvolvimento, no
contexto mundial, pode se perpetuar, caso não seja tomada alguma medida:
[...] tal dependência atingiria níveis crônicos, se levada adiante.
Conforme os meios de produção evoluem, maior torna-se a
desigualdade entre os países centrais [fornecedores de tecnologia] e
os periféricos [usuários/consumidores, sem o domínio das técnicas de
produção].
Como ressaltou o autor, uma tentativa de mudança na política industrial
brasileira foi elaborada nos anos 70. Um de seus objetivos era reduzir esses altos níveis
de dependência tecnológica e de inserção passiva19.
18
SIMIQUELI, Revistas de Estudos Estratégicos E-premissa, Campinas, n. 3 p.10–44, jan./jun. 2008.
Disponível
em:<
http://www.unicamp.br/nee/epremissas/pdfs/3/ArtigoRobertorevistaPremissascorrigido.pdf>. Acesso em:
19 dez. 2010.
29
Barbara Regina Vieira Lopes
Havia no país, no que se refere à fabricação de produtos do setor da informática,
uma capacidade produtiva altamente inexperiente (no que se refere á mão-de-obra
qualificada), um pequeno e seleto número de consumidores e um mercado nacional
ocupado por centrais de montagem das grandes transnacionais20.
O Governo optou por tomar medidas que revertesse o estágio de
subdesenvolvimento, entre outras políticas, a elaboração da Política Nacional de
Informática (PNI) no início dos anos 80, representou sob diversos aspectos, uma
tentativa de redefinição da política industrial brasileira, a qual, de acordo com Roselino
e Garcia (2004, p. 2) é um instrumento importante para redefinir os rumos da Economia
de um país:
Desde logo é importante destacar que a política industrial exerce
efeitos muito importantes sobre a economia como um todo, ao
promover a competitividade da indústria doméstica e contribuir na
geração de emprego e renda, além dos efeitos positivos sobre a
balança comercial.
Primeiramente, no contexto da RCT, as intervenções militares em políticas públicas
de informática – como as que ocorreram no Brasil nos anos 70 – já ficam claras no
início dos anos 60, principalmente, se formos contextualizar o delicado momento
político por qual passava as relações políticas no período de Guerra Fria (19451989), como escreveu Simiqueli (2008):
[...] Por fim, a preocupação com aspectos como segurança,
auditabilidade, formação de uma base local de conhecimento e
tecnologia, e independência evidenciam que, de certa forma, por trás
do interesse das Forças Armadas em informática estaria a importância
dada à tecnologia enquanto variável estratégica, como definida pelo
Ministério da Defesa: “É essencial o fortalecimento equilibrado da
capacitação nacional no campo da defesa, com o envolvimento dos
setores
industrial,
universitário
e
técnico-científico.
O
desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para a
obtenção de maior autonomia estratégica e de melhor capacitação
19
“A inserção passiva no sistema mundial de comércio significa, então, que a trajetória de crescimento
econômico endógeno dos países em desenvolvimento torna-se dependente da evolução dos preços dos
produtos primários e da evolução da demanda internacional. As perspectivas são pouco favoráveis para os
países dependentes da exportação de commodities, tendo em vista a concorrência no mercado
internacional, a instabilidade dos preços das commodities, o baixo dinamismo da demanda por produtos
primários e o progresso técnico que substitui matérias-primas por produtos manufaturados”.
(GONÇALVES, 2003, p. 99).
20
De acordo com Piragibe (1985, p. 109) a IBM, iniciou suas operações no Brasil em 1917 e a
Burroughs, em 1924. Outras grandes empresas do setor, paulatinamente, instalar-se-iam em território
nacional, como: Olivetti (1952 - Itália), NCR (1957 – EUA), Honeywell (1960 – EUA), Hewlett-Packard
(1967 – EUA), Fujitsu (ex-Facom) (1972 – Japão), Control Data (1974 – EUA), Digital Equipment
(DEC) (1974 – EUA), Data General (1975 – EUA) e Datapoint (1975 – EUA). Acarretando em sérias
preocupações ao Governo militar.
30
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
operacional das Forças Armadas[...]. (SIMIQUELI, 2008, p. 13,
grifos nossos).
Desta maneira, veremos no capítulo seguinte como seguiu o objetivo nacional
durante a década de 1970. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) podem ser
compreendidos como uma tentativa objetiva do Governo brasileiro de sairmos de nossa
condição de subdesenvolvimento.
A Crise internacional dos anos 70 atingiu diretamente os setores estratégicos de
nossa Economia, principalmente, o setor de energia. Com a aplicação destes Planos em
nível nacional, previa-se a superação da dependência desses setores que foram afetados
pela crise mundial.
Desta forma, a busca por uma maior capacitação tecnológica nacional em CT&I
será tratada pelo Governo como uma das prioridades do Plano. Como veremos na seção
seguinte, o fator “tecnologia” será entendido pelo Governo como um instrumento que
poderá nos dar a possibilidade de termos uma inserção ativa no Sistema Internacional,
visto a importância que a RCT estava ganhando como fenômeno da reestruturação
produtiva, associada á aceleração do processo de globalização.
31
Barbara Regina Vieira Lopes
Segundo Capítulo
PNDs, “autonomia nacional” e os
fracassados planos de combate á
inflação
(1973 - 1992)
As transformações advindas, desde o fim da década de 70, nas
relações entre a ciência, a tecnologia e a atividade industrial fizeram
da tecnologia um fator de competitividade, muitas vezes decisivo,
cujas características afetam praticamente todo o sistema industrial21.
(CHESNAIS, 1996, p. 141).
Nos anos 70, quando as economias dos países desenvolvidos se
encontravam em crise e, em alguns casos, já em processo de
reestruturação produtiva, o Brasil passava pela experiência do
“milagre” (68/73) e, posteriormente, pela implementação do II PND
(74/76), que deu uma sobrevida ao ciclo expansivo até o final da
década, à custa da aceleração do endividamento externo22.
(CASTRO; SOUZA, 1985 apud FILGUEIRAS, 2006, p. 71).
21
22
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2006.
32
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
2.1 LINHAS GERAIS: O “MILAGRE ECONÔMICO" (1973)
O Brasil passou por um forte período de desaceleração do crescimento,
acompanhado de elevação da taxa de inflação a partir de 1961 com a renúncia de Jânio
Quadros23, cuja situação estendeu-se durante o mandato de João Goulart (1961-1964).
Com o início do Governo Militar, as primeiras medidas econômicas foram tomadas com
ênfase à estabilização e às reformas estruturais24.
O Plano de Ação Econômica do Governo25 (Paeg) implantado pelos ministros da
época controlou a inflação e contribuiu para a criação das bases do crescimento
econômico, era o surgimento do “Milagre Econômico”, mostrando a decidida
recuperação do país.
Como expõe Resende (1991, p. 213):
O programa de estabilização, implementado entre 1964 e 1968 logrou
reduzir a taxa média de inflação anual de algo próximo de 100% no
primeiro trimestre de 1964 para algo em torno de em 20% em 1969,
simultaneamente, o crescimento do produto, que em 1963 fora apenas
0,6%, se recuperou após 1966, e já em 1968 atingia a taxa de 9,8%.
O Crescimento real do PIB que no período de 1962-67 “atingia uma média de
somente 3,7%, alcançou médias anuais de 11,3% nos anos de 1968-74” (BAER, 1995,
p. 91). Contudo, o “Milagre” que estava acompanhado de altos índices de crescimento
neste período26, á longo prazo, implicou em elevados cortes sociais. O arrocho salarial
foi severo, resultando em forte concentração da renda.
23
Neste período tivemos um espetacular crescimento do PIB de 10,3%, contudo, ele declinou para 5,3%,
1,5% e 2,4%, respectivamente, em 1962, 1963 e 1964. O que explica tal declínio, de acordo com Baer
(2003) foi a “contínua crise política, vivenciada pelo país, após a renúncia de Jânio Quadros á
presidência, em agosto daquele ano”.
24
Para tanto, foram realizadas algumas reformas estruturais, tais como a reforma tributária, com
substituição dos impostos em cascata pelos de valor adicionado; a reforma trabalhista, substituindo o
regime de estabilidade pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), com ônus ao empresário; a
reforma do sistema monetário, com a criação do Sistema Financeiro Brasileiro (SFB), com a criação do
Conselho Monetário Nacional (CMN), responsável pela política monetária, em substituição à
Superintendência para a Moeda e Crédito (SUMOC), subordinada ao Ministério da Fazenda, do Banco
Central do Brasil (BACEN) responsável pela execução da política monetária elaborada pelo CMN, e
regulador do funcionamento dos bancos; do Banco Nacional de Habitação (BNH) para gerenciar os
recursos oriundos do FGTS, e distribuí-los por intermédio do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e,
finalmente, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para administrar os mercados, primário e
secundário, de ações. (GIAMBIAGI, 2005, p. 6)
25
Em linhas gerais, o Plano foi apresentado em 13 de agosto daquele mesmo ano, como estratégica
econômica, seus objetivos eram: Acelerar o ritmo de crescimento econômico; Conter, progressivamente,
o processo inflacionário; Atenuar os desníveis econômicos e regionais, assim como as tensões causadas
pelos desequilíbrios sociais, mediante melhoria das condições de vida; Assegurar pela política de
investimentos, oportunidades de emprego produtivo à mão de obra [...]; Corrigir a tendência de déficits
descontrolados do balanço de pagamentos [...] Governo do Brasil, 1965a, p.5 apud SOUZA, 2010, p. 170;
26
De acordo com Baer (1995, p. 92): A produção de aço aumentou de 2,8 milhões de toneladas de 1964
para 9,2 milhões de toneladas em 1976; a capacidade instalada de produção de energia elétrica aumentou
33
Barbara Regina Vieira Lopes
Em um levantamento realizado em 1972 Baer (1995, p. 95), aponta que 20% da
população haviam recebido 63% da renda do país, ou seja, 22 milhões tinham uma
renda per capita de aproximadamente US$ 1,2 mil, enquanto, 65 milhões (80% da
população) tinham receitas inferiores a US$ 300.
Furtado (1976) destacou que 50% da população viviam basicamente ao nível da
subsistência, com uma renda per capita de 130 dólares. Esses mesmos 50% da
população têm uma participação na renda equivalente ao 1 % mais rico da população.
Tabela 3 - Perfil da Demanda Global no Brasil
Grupos
1°
2°
3°
4°
% da
população
População
1000
50%
40%
9%
1%
100%
45.000
36.000
8.100
900
9.000
Renda per
capita
(em dólares)
130
350
880
6.500
350
Renda Total
(em dólares)
Renda em
%
5.850
12.600
7.128
5.850
31.428
18,6
40,1
22,7
18,6
100
Fonte: Celso Furtado, Um Projeto para o Brasil, op. cit. p.8. Baseado em dados da CEPAL,Estudios sobre
la Distribución del Ingresso em America Latina, Santiago, 1967.
A partir desses dados, Furtado (1974 apud BAER, 1995, p. 102) observou:
A concentração na distribuição no Brasil ocasionou um perfil de
demanda no qual os bens de indústria tecnologicamente avançados
estão fortemente representados, fato que também se reflete na
estrutura produtiva do país. Assim, o contínuo dinamismo desse tipo
de indústria depende da manutenção ou mesmo de um aumento na
concentração de renda.
Além desse panorama social, entre 1967-72 a dívida externa também deu um
salto de quase US$11,1 bilhão. De acordo com Singer (1977), essa elevação da dívida
externa foi possível devido a um excesso de liquidez nos mercados internacionais, com
taxas de juros baixas e com prazos de pagamentos longos, o que tornou o
endividamento externo atrativo.
de 6.840 milhões de megawatts para 21.796 milhões no mesmo período; o cimento, de 5,6 para 19,1
milhões de toneladas; veículos motorizados, de 184 mil para 986 mil e automóveis de passeio, de 98 mil
para 527 mil; papel de 0,6 para 1,9 milhão de toneladas; em 1976 produção de televisores tinha atingido
1.872 milhão de aparelhos e a produção de geladeira 1.276 milhão. A taxa média de crescimento anual de
construção de estradas aumentou de 12% no período de 1964-67 para 25% em 1968-72 d z taxa de
crescimento de pavimentação de 6% para 33%. Dados que caracterizam o termo “milagre econômico”.
34
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Com o choque em 1973, o preço da commodity quadruplicou, causando sérios
déficits27 na balança comercial brasileira, já que o país importava 80% do petróleo
consumido.
Neste cenário, o Governo poderia reduzir substancialmente o crescimento, deste
modo, haveria uma alta diminuição de importações, ou, poderia elevar nossas taxas
contínuas de crescimento, o que, certamente, implicaria em um declínio das reservas
cambiais e um aumento da dívida externa. O que de fato, este último ocorreu.
Podemos definir, em linhas gerais, que o II PND tornar-se-ia uma resposta para
os pontos de estrangulamento da economia brasileira, principalmente, no setor
energético, a idéia principal do Plano seria a superação da dependência desses setores.
27
De acordo com Baer (2002 p. 108) a conta total de importações do pais passou de US$ 6,2 bilhões em
1973 para US$ 12,6 bilhões em 1974, o saldo da balança comercial passou de um leve superávit em 1973
para um déficit de US$ 4,7 bilhões em 1974 e a conta corrente de um déficit de US$ 1,7 bilhão para US$
7,1 bilhões.
35
Barbara Regina Vieira Lopes
2.2 O II PND – INTERVENÇÃO ESTATAL NA QUESTÃO TECNOLÓGICA
Com o choque do petróleo, em novembro de 1973, o Brasil deu início a uma
nova fase de desenvolvimento, ao invés do Governo implementar medidas que
amortecessem os efeitos da crise internacional, o governo optou por realizar um
programa contendo sérias políticas econômicas de crescimento, que resultou em
importantes mudanças estruturais no país.
A partir de 1974, os efeitos de tal crise começam a ser sentidos no país, quando
o Brasil passou por uma desaceleração econômica até 1980, fazendo o PIB crescer em
média 7,1% ao ano, bem diferente dos anos anteriores, o qual superava os 10%.
Naquele mesmo ano, a inflação tinha alcançado 34%, passando para mais de
40% entre 1976-1978, atingindo incríveis 79% em 1979. Tais indicadores
demonstravam, claramente, que a fase do “milagre econômico” tinha acabado.
Quando Geisel (1974-1979) assumiu, seu Governo tinha dois objetivos: O
primeiro, combater a inflação, juntamente, com os desequilíbrios das contas externas; e
o segundo, assegurar a retomada do crescimento econômico, mediante um audacioso
plano de desenvolvimento econômico, o chamado II PND (Plano de Nacional de
Desenvolvimento).
É importante ressaltar que o Governo faria estas importantes mudanças por meio
do financiamento externo. Sem os empréstimos seria impossível a viabilização do
pagamento das importações de produtos fundamentais: o petróleo e os insumos
necessários à produção de bens industrializados que deveriam acompanhar o II PND, o
qual consistia em um vasto programa de investimento, cujas metas eram:
(I) Substituição das importações de produtos industriais básicos
(como aço, alumínio, cobre, fertilizantes, produtos petroquímicos) e
bens de capitais;
(II) Rápida expansão da infra-estrutura econômica (energia hidráulica
e nuclear, produção de álcool, transporte e comunicações). (BAER,
2003, p. 110).
Muitos desses investimentos foram realizados por empresas estatais (em setores
como: energia, aço e infra-estrutura econômica), enquanto outros (principalmente, bens
de capital) foram executados pelo setor privado, com apoio maciço do Banco de
Desenvolvimento (BNDE).
De acordo com Carneiro (2002, p. 55), os objetivos principais do Plano eram
“transformar a estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos, conduzindo o
Brasil a uma posição de potência intermediária no cenário internacional”.
36
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Sua estratégia poderia ser sintetizada em quatro eixos centrais, de acordo com
Baer (2003): Modificações na matriz industrial, ampliando a participação da indústria
pesada; mudanças na organização industrial acentuando a importância da empresa
privada nacional; desconcentração regional da atividade produtiva, visando reduzir a
concentração espacial da produção; e, finalmente, melhoria na distribuição de renda.
Seus objetivos eram bem definidos, e consistiam em:
(1) Agir como uma fonte política contra cíclica diante o impacto
causado pela crise do petróleo e manter uma razoável taxa de
crescimento, um nível de emprego e de consumo;
(2) Mudar a estrutura da economia através da substituição de
importações e diversificação e expansão. (BAER, 2003, p. 110)
Alguns estudiosos acreditam que o PND II tenha sido criado para aumentar a
auto- suficiência do Brasil nos setores estratégicos como energia, e desenvolver
novos tipos de vantagens comparativas, visto a deterioração dos preços dos produtos
primários. Além disso, o Plano legitimava o regime, como ressalta Carneiro (2002, p.
56):
[...] A opção pela segunda alternativa [expandir a demanda doméstica
à custa de um endividamento externo maior], apesar de atrasar o
ajustamento, atendia á estratégia de legitimação do regime militar,
pois, de fato, constituía a possibilidade de preservar ao máximo os
interesses domésticos que lhes davam sustentação.
Carneiro (2002, p. 57), ainda nos diz que Fishlow (1986) analisa o período a partir de
uma pergunta fundamental:
Por que o Brasil não se ajustou melhor à deterioração da situação
externa? Isto é, quais fragilidades de uma estratégia de política
econômica, cuja orientação geral era a substituição de importações
nos setores de bens intermediários e bens de capital e a manutenção
do esforço exportador? O autor destaca três contradições importantes
do Plano: A subestimação da crise do petróleo quanto sua magnitude
e desdobramentos; o agravamento no curto prazo da situação do
balanço de pagamentos; e a ênfase excessiva do papel do Estado
como protagonista do projeto.
Muitos autores chamam a atenção para o endividamento causado pelo II PND.
Serra (1982) atesta que houve uma grande expansão da dívida externa brasileira, por
conta do Plano ter recorrido, fundamentalmente, ao financiamento externo; ele ainda
ressalta que o momento de execução do mesmo era impróprio, já que, estávamos
passando pela desaceleração da economia doméstica após os anos do “Milagre” e a
conjuntura internacional era recessiva, por conta da crise internacional.
37
Barbara Regina Vieira Lopes
Para o Governo, o crescimento da dívida externa era justificado pela
possibilidade de futuras economias, resultantes dos programas de investimento – devido
à substituição de importações e o desenvolvimento de uma nova pauta de exportações –
poderiam criar oportunidades para o Brasil produzir superávits comerciais que
cobririam os juros e, em longo prazo, debitar a dívida internacional.
No entanto, com ressaltou Fishlow (1986), o governo Geisel, além de lidar com
uma expansão da dívida, herdou os mesmos problemas do período anterior, tais como:
uma indústria com pouca capacidade ociosa a exigir elevados investimentos para a
hipótese da manutenção do crescimento, a deterioração das relações de troca, a inflação
em alta e uma matriz energética, excessivamente, dependente do petróleo.
Castro & Souza (1985) têm um posicionamento oposto ao de Fishlow (1986),
eles acreditam que a resposta brasileira à crise de 1974, foi de fundamental relevância
para a Economia, pois o Plano atingiu diretamente sobre a formação do capital. Com o
II PND buscou-se superar a crise e o subdesenvolvimento.
O ajustamento estrutural de 74-79 constituiu, segundo os autores, um ponto de
ruptura, ao direcionar a industrialização para as indústrias capital-itensivas e
tecnológico-intensivas, integrando o parque industrial e dando-lhe competitividade
internacional.
Após a compilação de opiniões de diversos autores como: Fishlow (1986), Lessa
(1978), Tavares&Lessa (1983) e Serra (1982), à exceção de Castro&Souza, Carneiro
assim descreveu:
Em síntese, do conjunto de autores que analisam o período, à exceção
de Castro&Souza (1985), pode-se extrair os seguintes pontos
relevantes: O momento de realização do programa foi inadequado em
razão da conjuntura internacional recessiva e da desaceleração cíclica
interna; o programa carecia de maior articulação entre os
investimentos, havendo um visível sobredimensionamento em
particular no que se referia aos bens de capital sob encomenda;
recorreu-se excessivamente ao financiamento externo, ao mesmo
tempo em que se descuidava da questão energética, vulnerabilizando
a economia a novos choques externos; a manutenção do crescimento
acelerado a qualquer preço teve como justificativa última o
atendimento ao conjunto de interesses que sustentavam o regime
autoritário, convertendo o Estado no principal instrumento desse
desiderato. (CARNEIRO, 2002, p. 59, grifos do autor).
De acordo com Camargo (2010, p. 214), o II PND não foi consistente na
previsão e geração de tecnologia, pois no setor de bens intermediários, o qual estava a
38
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
cargo do Estado, o padrão tecnológico evoluía lentamente, o que possivelmente, inibiu
maiores investimentos nessa área.
Para o desenvolvimento e, posteriormente, ampliação do setor tecnológico, a
implantação da indústria de bens de capital deve ter variáveis solucionadas em sua base,
tais como: o financiamento, a escala de produção, o tamanho do seu mercado e o acesso
á tecnologia, fatores, que eram fortes obstáculos ao desenvolvimento deste setor nas
Economias subdesenvolvidas.
Em síntese, o II PND não conseguiu resolver essas questões, já que, não previa
os necessários investimentos em pesquisa, desenvolvimento e educação. Não havia
um maciço investimento à inovação, acarretando na diversificação do setor, quando na
verdade, o Governo deveria ter estimulado a especialização.
Muitos fatores contribuíram com isso, como o restritivo mercado nacional que
não possuía escala suficiente para comportar especializadas indústrias do ramo; a
presença de inúmeras empresas estrangeiras, dificultando o crescimento autônomo da
tecnologia nacional, pois estas já importavam a tecnologia, não a transferindo,
desestimulando a produção interna.
Em comparação com economias periféricas, como a Coréia em 1980, que estava
desenvolvendo um setor de bens de capital, este era bem menor que o setor brasileiro,
porém, este ramo era dominado pelas próprias empresas nacionais, desta forma, os
investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em educação seriam bem maiores
(CARNEIRO, 2002, apud CAMARGO, 2010, p. 214).
Resumindo, podemos afirmar que o II PND não significou grandes alterações na
estrutura industrial, como se esperava. Pois os investimentos nos setores estratégicos,
principalmente em bens de capital e intermediário, ficaram abaixo do esperado. Entre
1974 e 1980, enquanto os bens de capital cresceram 7,4%, em média, ao ano, o setor de
bens intermediários expandiu 8,3%. O setor que mais cresceu, foi o de bens duráveis,
com impressionantes 9,3% anuais, e o de não duráveis, apenas, 4,4%.
Como podemos ver na tabela abaixo, a distribuição setorial de investimentos
esboça os baixos resultados do Plano.
Tabela 4 – Distribuição Setorial do Investimento (%)
Setores
1970-74
1975-79
Projeções II PND
Energia
8,4
10,1
19,4
Petróleo
Carvão e Gás
1,1
0,0
1,7
0,0
2,0
2,4
39
Barbara Regina Vieira Lopes
Eletricidade
7,3
8,4
15,0
Indústria
18,6
17,8
22,8
Indústria básica
Metalurgia
10,5
2,4
10,7
2,7
19,3
6,8
Mat. de transporte
1,8
1,5
2,3
Mecânica e elétrica
Química
2,0
2,4
2,5
2,2
2,7
4,5
Não metal e papel/celulose
2,0
1,8
2,0
Outros
Transporte
8,1
11,6
7,2
9,4
3,5
10,2
Comunicações
3,1
3,5
3,8
Investimento/PIB (%)
22,5
14,1
---
Fonte: Carneiro, 2002 apud CAMARGO, 2010, p. 214.
O PIB sofreu forte desaceleração, caiu de 10,3% em 1976, para algo aproximado
de 5%, nos três anos seguintes. Em março de 1979, assume Figueiredo (1979-1985),
que, inicialmente, não alterou a política econômica do país.
Com o segundo choque do petróleo, naquele mesmo ano, houve um acirramento
da deterioração das relações de troca, que vinha caindo desde a segunda metade dos
anos 1970, e para piorar o quadro econômico, é neste contexto que há o aumento das
taxas de juros mundiais em reação às políticas monetárias internas dos Estados Unidos.
A inflação disparou em 1979, passou de 79,4% para 100,6% em 1980. A soma
dos déficits da balança de pagamento e da conta corrente chegou a cifras superiores a 15
bilhões de dólares. A dívida externa (bruta) ultrapassou as cifras de 32 bilhões de
dólares.
O balanço do II PND (1975-1980) não é positivo, já que, ele deixou um rastro de
endividamento externo, não conseguindo corrigir os maiores desequilíbrios das contas
nacionais, ocasionando, principalmente, em significativos aumentos inflacionários.
Os acontecimentos e os números apontavam que a atual conjuntura econômica
nacional estava nos levando á uma grande crise, algo que os governantes não
imaginavam, já que, o objetivo central do II PND era a retomada do crescimento,
juntamente, com a mudança produtiva, a qual acarretou em uma grande guinada no
desenvolvimento do país, a fim de sairmos da posição de subdesenvolvimento, ainda
que esta fosse baseada em massivos financiamentos externos. Na década seguinte, tal
endividamento, somado aos altos níveis de inflação no final da década de 70, fará o
Brasil dos anos 80 atravessar sua própria “década perdida”.
40
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Neste mesmo contexto, no campo tecnológico, teremos a Lei de Informática (1984),
que dará continuidade à intervenção estatal neste setor. Esta medida, de acordo com
alguns autores, entre eles Vigevani (1995), pode ser considerada como um
importante passo para a busca da autonomia nacional durante o período de
estagnação econômica latino-americano.
41
Barbara Regina Vieira Lopes
2.3 A BUSCA PELA AUTONOMIA NACIONAL NA DÉCADA DE 70 E A LEI
DA INFORMÁTICA NA DÉCADA DE 8028
“Subdesenvolvimento não se improvisa.
É obra de muitos séculos. ”29
Nelson Rodrigues
O início dos anos 70 é marcado pelos primeiros esforços concretos do Governo
brasileiro no sentido da busca pela autonomia tecnológica em eletrônica digital.
Preocupados com os atuais acontecimentos, como: A instabilidade internacional, pelos
sinais de desgaste do áureo ciclo de prosperidade gerados pelas regras de Bretton
Woods; com o início anunciado da deterioração das relações de trocas e da presença
significativa de empresas multinacionais do setor de informática, o Estado brasileiro
optou por realizar planos e projetos que objetivassem a autonomia tecnológica nacional.
As diretrizes mais amplas deste processo são encontradas no I Plano Nacional de
Desenvolvimento e no I Plano Básico de Desenvolvimento Científico Tecnológico
(1973/1974)
Assim eram algumas diretrizes do documento elaborado:
A revolução tecnológica, principalmente nas últimas décadas,
repercute profundamente sobre o desenvolvimento industrial e o
comércio internacional, passando o crescimento econômico a ser cada
vez mais determinado pelo progresso tecnológico (…). Deve-se dar
prioridade à articulação do sistema de ciência e tecnologia com o
setor produtivo, com a programação governamental e com as
realidades da sociedade brasileira atual. A integração entre aquele
sistema e as diferentes dimensões da sociedade em mudança
permitirá a conseqüente e fecunda interação (…). A interação
indústria-pesquisa-universidade [será] impulsionada mediante
realização de programas conjuntos de pesquisa, em setores
prioritários e, em grande dimensão, com participação de instituições
governamentais de pesquisa, universidades e setor privado (...). A fim
de possibilitar a coordenação das unidades componentes, deverão ser
constituídos sistemas setoriais basicamente com os seguintes
objetivos:
(I)
Formulação de diretrizes gerais de política de pesquisa em
cada área correspondente;
(II)
Elaboração dos programas setoriais de pesquisas;
(III)
Acompanhamento de programas e projetos setoriais
específicos.
(CNPq30, Itamaraty, 1979, p. 01-11 apud SALLES FILHO, 2002, p.
397).
28
Para entendermos a criação do II PND, é preciso contextualizar suas origens e, posteriormente, seu
desenvolvimento no âmbito da questão de C&T.I, por isto, nesta sessão, serão abordados: o I PND
(1973/1974), a reserva de mercado (1976), e, em linhas gerais, o desenvolvimento da PNI em 1984 com a
Lei de informática.
29
Apud BATISTA JR., Paulo N. - A economia como ela é. São Paulo: Boitempo, 2000.
42
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
O I PND indicava que a execução da política industrial consistiria, entre outros
pontos:
Desenvolver setores novos, ainda com possibilidade de substituir
importações e com alta densidade tecnológica, como indústria
química, de metais não-ferrosos, eletrônica, aeronáutica [de forma
seletiva] a construção naval [setor de supergraneleiros]. (PIRAGIBE,
1985, p. 117).
O I PBDCT fazia menção clara á criação de uma indústria de minicomputadores:
Através da associação do Governo com empresa nacional e fabricante
estrangeiro [e ao desenvolvimento de tecnologia de computadores,
pelo] projeto e construção de minicomputador digital para fins civis e
militares [por equipes universitárias]. (PIRAGIBE, 1985, p. 117).
O conceito de capacitação tecnológica está fortemente relacionado com os dois
Planos, onde é possível identificar as ideias Schumpeterianas, traduzidas por Lewis
(1978), ao indicar que o comércio internacional, não é mais o motor do
desenvolvimento, como fora no século XIX, para o autor, como expresso por Vigevani
(1995, p. 72), “o motor do desenvolvimento deveria ser o progresso técnico, enquanto o
comércio internacional deveria servir como óleo lubrificante e não como combustível”.
Desta forma, nossa posição de subdesenvolvimento poderia ser revertida a partir
da execução dos planos tecnológicos, pois, já era percebido que o progresso técnico
seria o diferencial da balança de poder entre os Estados, tanto no comércio quanto na
política internacional, principalmente em países periféricos, como os situados na
América Latina, cuja região já era tomada por debates e discussões desde os anos 40
acerca da questão tecnológica, reverenciando as ideias Cepalinas.
Cardoso (1980, p. 23, grifos nossos) mostra que a questão da inovação é um
elemento essencial para o desenvolvimento:
Opondo-se as ideias que prevaleceram nos meios liberais-ortodoxos
que aceitavam a premissa fundamental da teoria de mercado relativo
às vantagens comparativas da divisão internacional do trabalho,
Prebish afirma que as relações econômicas entre o Centro e a
Periferia tendem a reproduzir as condições de subdesenvolvimento. A
mão invisível do mercado aparecia, para Pebrish, como
madrasta: em vez de corrigir as distorções, acentuava-as. Por que
isso? Porque os países centrais se apropriam da maior parte dos
frutos do progresso técnico.
30
CNPq. Documento Nacional Brasileiro, Itamaraty, 1979. In: CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE
APLICAÇÃO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA AO DESENVOLVIMENTO – ONU, 1979, Nova Iorque.
Anais. Nova Iorque: ONU, 1979. p. 1-11.
43
Barbara Regina Vieira Lopes
No Brasil, além da busca pela capacitação nacional, a motivação inicial de criar
uma indústria nacional de computadores estava concentrada na convergência de
interesses do Ministério da Marinha, especificamente, a Diretoria de Comunicações e
Eletrônica (DCEM) e o Ministério do planejamento, através do BNDE, ambas
preocupavam-se com a modernização de seus aparelhamentos de processamento de
dados e o incentivo à autonomia tecnológica da indústria brasileira, respectivamente.
Com o objetivo de promover o “projetamento, desenvolvimento e construção de
protótipo de computador eletrônico para operações navais31”, o chamado projeto
Guaranys, pode ser considerado o marco pioneiro da intervenção estatal no setor. Este
seria financiado por duas agências, FNDCT/Finep e Funtec/BNDE, estas, traduzidas na
forma organizacional no recém-criado Grupo de Trabalho Especial32 (GTE).
Em 1972 criou-se a CAPRE33 (Comissão de Atividades de Processamentos
Eletrônicos), que ficou responsável tanto pela racionalização de computadores na
administração pública federal, como, na aquisição de aparelhagens e treinamento
pessoal.
A criação desta comissão representou a institucionalização do Estado no setor
de informática, contudo, como aborda Piragibe (1985, p. 118), mesmo com a criação
destes Planos, comissões e grupos, ainda não havia diretrizes explícitas no sentido da
formulação de uma política industrial no novo setor, mesmo que o Governo, já naquela
época, tivesse à disposição uma pequena mão de obra qualificada34, permitindo os
primeiros protótipos de equipamentos de processamento de dados35.
Outro momento relevante era a sensibilidade dessas universidades de
perceberem a real necessidade estratégica de uma capacidade tecnológica nacional,
desta maneira, a migração de alguns profissionais para organismos institucionais,
principalmente na CAPRE, teve enorme influência na formulação da política industrial
para o setor.
31
Ver, VIANNA, D.M.M. Processo decisório no Setor de informática nos últimos dez anos. Tese de
mestrado. IUPERJ, 1981.
32
Criado pelo Decreto N° 68.287, de dezoito de fevereiro de mil novecentos e setenta e um.
33
Criado pelo Decreto N° 70.370, de cinco de abril de mil novecentos e setenta e dois.
34
Para o setor de C&TI, havia estudantes de pós-graduação no exterior que eram financiados por agências
governamentais como CNPq e CAPES, e muitos deles reuniam-se em alguns centros universitários.
35
Como exemplificou Piragibe (1985 p. 119): No Instituto Tecnológico da Aeronáutica foi desenvolvido
o primeiro computador digital, o Zezinho, ainda em 1961; na Escola Politécnica da USP, O Patinho feio.
Outros projetos também foram projetados, principalmente, no Núcleo de Computação eletrônica da UFRJ
(O terminal inteligente), PUC-Rio e nas Universidades federais do Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Paralelamente no Sepro (Serviço de processamento de Dados do Ministério da Fazenda) desenvolveu-se o
concentrador de teclados, com o intuito de facilitar processamento do Imposto de Renda.
44
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
As conclusões parciais do GTE indicavam que o segmento de mini-sistemas,
seria o mais adequado para a objetivação do interesse nacional, além de atenderem as
demandas da marinha, as variáveis envolvidas eram vantajosas, já que, este tipo de
segmento demandava uma tecnologia mais acessível, as exigências de investimentos
iniciais eram de menos porte, bem como, era esperado altas taxas de expansão desses
produtos.
No entanto, havia divergências entre as agências estatais envolvidas, em relação
ao desenvolvimento de computadores, para uns, deveria destinar-se a fins militares, para
outros, orientar-se a fins comerciais.
Em 1973, a produção destes mini-computadores, ficou sob responsabilidade da
USP (Projetos de equipamentos – hardware) e da PUC-RJ (desenvolvimento do
software), dando origem ao minicomputador G-10.
Outra divergência referia-se a qual empresa fabricaria o equipamento, já que
havia a participação dos capitais privado nacional, estrangeiro e do Estado. Os membros
da GTE ficaram divididos, a marinha queria a associação inglesa (com a empresa
Ferranti) que já era conhecida por eles, por fabricarem seus equipamentos navais; já o
BNDE, com a (Fujitsu) japonesa.
Em 1974 foi criada a primeira empresa nacional de computadores, a COBRA36
(Computadores e Sistemas Brasileiros S/A), que tinha um acordo com sua parceira
estrangeira de transferência de tecnologia para a fabricação do minicomputador Angus
700, de uso militar. Porém, administrada pela DIGIBRÁS, que não conseguiu
concretizar seus objetivos, a COBRA ficaria então como caso único em sua história.
Em 1975, a crise do petróleo dificultou o objetivo e estratégia nacional, o
Conselho de Comércio Exterior (CONCEX) incluiu os computadores e seus respectivos
equipamentos, nas medidas adotadas para o controle das importações. Ao mesmo
tempo, o Conselho ampliou os poderes37 da CAPRE, que estabeleceu a necessidade de
anuência prévia do organismo para a emissão de guias de importação para estes
produtos, tanto para empresas do setor público como privado.
36
Era uma empresa que tinha em sua formação a associação de empresas privada nacional (Equipamentos
Eletrõnicos – EE), o Estado (Digibrás) e uma empresa estrangeira (a Ferranti Ltda). A digibrás (Empresa
Digital brasileira) também criada em 1974, tinha como objetivo apoiar a criação de empresas nacionais de
minicomputadores e equipamentos, ela era uma holding estatal que deveria planejar e administrar as
atividades de implementação e, posteriormente, controlar as subsidiárias.
37
Resolução n° 104, de três de dezembro de mil novecentos e setenta e cinco.
45
Barbara Regina Vieira Lopes
Em 1976 a CAPRE ficou responsável por estudar e propor as diretrizes da
política nacional de informática38, tornando-se responsável pelo planejamento e
coordenação dessas atividades no país.
No II PND, a política de informática focava “o desenvolvimento dos setores de
base e, como novas ênfases, particularmente indústrias de bens de capital, a indústria
eletrônica de base e a área de insumos básicos. Dada a importância dos sistemas
integrados de comunicação e informática, base tecnológica da moderna indústria e
administração deverá ser desenvolvida no País a eletrônica digital39”
Em consonância com o II PND, neste mesmo ano, o Conselho Plenário da
CAPRE definiu as diretrizes para o setor, cinco objetivos foram especificados pela
política governamental:
I) Obter capacidade tecnológica que possibilite projetar,
desenvolver e produzir equipamentos eletrônicos e software no
país;
II) Assegurar que as empresas nacionais tenham uma posição
predominante no mercado nacional;
III) Criar empregos em geral e oportunidades de empregos, mais
aprimorados para os técnicos e engenheiros brasileiros;
IV) Obter balanço de pagamentos favorável em produtos e serviços
de informática;
V) Criar oportunidades para o desenvolvimento de uma indústria de
partes e componentes em informática. (CAPRE, 1975 apud SEI,
1983a, p. 60).
Em 1977, a COBRA recebeu, substancialmente, reforços técnicos e financeiros,
além disso, formava-se um pool de 11 bancos privados, que assumiria 39% do capital da
empresa, enquanto o Estado ficava com 56% e o restante (5%), entre os antigos
acionistas (EE e Ferranti).
Isso fez com que a ela pudesse anunciar o lançamento e um mini computador de
maior capacidade, o modelo 530 – uma versão aprimorada do antigo G-10 –, o primeiro
produto que havia sido desenvolvido com tecnologia nacional.
Sobre a “reserva de mercado” do período, Piragibe (1985, p. 127) assim
escreveu:
A decisão de excluir as firmas estrangeiras do mercado de pequenos
sistemas, entretanto não eliminou a ofensiva das grandes empresas
multinacionais de computadores em concorrer neste mercado. Em
1979 o Conselho Plenário da CAPRE depois de uma série de
contramarchas, rejeitou os projetos da IBM e da Burroughs para
computadores médios-pequenos. Observe-se que este segmento era
38
39
Decreto n° 77.118 de nove de fevereiro de mil novecentos e setenta e seis.
II PND (1975/1979) Rio de Janeiro, FIBGE, p.30.
46
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
único ainda não ocupado, e apresentava uma fronteira de expansão
para as empresas nacionais de minicomputadores.
Ao final de 1978, o Ministério das Relações Exteriores e o Serviço Nacional de
Informática, além do CNPq se envolveram na criação de um grupo – Comissão Cotrin –
com o objetivo de melhorar a situação geral da área de informática no país.
Esta Comissão alegava que a CAPRE não possuía os instrumentos adequados
para uma atuação mais abrangente e integrada. Ela propunha a reestruturação dos
órgãos envolvidos e a formulação de uma política global para o setor, desta forma,
consolidava-se a intervenção estatal na área de informática pelo decreto 84.06740:
Artigo 1º - É criada como órgão complementar do Conselho de
Segurança Nacional, a Secretaria Especial de Informática, SEI, com a
finalidade de assessorar na formação da Política Nacional de
informática (PNI) e coordenar sua execução, como órgão superior
de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização, tendo em
vista, especialmente, o desenvolvimento científico e tecnológico do
setor. (SEI, Boletim informativo, 1983, p. 13-17, grifos nossos).
As atividades da SEI era bem mais abrangentes do que a da CAPRE, as decisões
da Secretaria englobariam equipamentos de processamento de dados, as atividades de
microeletrônica, teleinformática, controle de processos, instrumentação eletrônica,
softwares e serviços.
Outras agências governamentais que afetariam a política de informática eram:
CNPq, Finep, Subin, vinculadas à SEPLAN e o INPI (instituto Nacional), para assuntos
relacionados à contratos de transferência tecnológica e propriedade industrial, além do
ministério da Educação e Cultura e o Banco do Brasil (CACEX e FIPEC).
Como destaca Roselino (2006), as medidas tomadas entre o I PND (1972) e a
formulação da PNI (1979) apontavam que ainda era preciso uma política mais
consistente para a capacitação da tecnológica nacional, e esta viria sob forma de lei, a
chamada Lei de informática41 de 1984, a lei “foi a conclusão de uma trajetória em que
pareceu vitorioso, perante o país, o conceito de capacitação tecnológica” (Vigevani,
1995, p. 83).
Esta lei estabelecia princípios, objetivos e diretrizes da PNI. Desta forma a
legitimidade à intervenção estatal nessa área estaria assegurada. Estava prescrito na Lei:
40
Decreto aprovado em oito de outubro de mil novecentos e setenta e nove.
Lei N°7.232/84, aprovada pelo Congresso Nacional em três de outubro de mil novecentos e oitenta e
quatro e sancionada pelo presidente João Baptista Figueiredo.
41
47
Barbara Regina Vieira Lopes
1. A criação da Conin (Conselho Nacional de Informática) com o
intuito de debater e adotar resoluções sobre a orientação que a
PNI deveria seguir;
2. Propor o PLANIN (Plano Nacional de informática) a cada três
anos;
3. Criava o fundo Especial de Informática e Automação;
4. Extinguia a Digibrás, deixando a responsabilidade comercial para
a SEI e o BNDES e parte de fomento para a CTI, que fora criado
em 1982 e era transformado em fundação. (ZUKOWSKI, 1994,
p. 19).
O artigo 43 apontava que o software deveria ser tratado em legislação específica
– tema que será abordado na seção seguinte. O artigo 15 fazia referência aos incentivos
fiscais que este produto deveria receber em relação ao seu desenvolvimento na indústria
nacional. Além de contar com diversos incentivos (Anexo B).
Como destacou Roselino e Garcia (2004, p. 178):
(...) Essas medidas representaram o prenúncio de uma política mais
abrangente (a “Política Nacional de Informática”) que seria aprovada
pelo Congresso Nacional em 1984, [Com a aprovação da Lei, foi
garantida] a reserva de mercado para os próximos oito anos para a
quase totalidade dos produtos e serviços relacionados às atividades de
informática. Naquele contexto, o desenvolvimento de componentes
apoiava-se em uma política de proteção ao "similar nacional" para os
segmentos voltados aos equipamentos de pequeno e médio porte.
Apesar da entrada e criação de órgãos governamentais na política de
informática, o que observamos no período da “reserva de mercado” em meados de 1976
até o fim dos anos 1980, é o caráter passivo em relação a importantes aspectos dessas
indústrias, já que, as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), eram
financiadas quase que em sua totalidade por recursos das próprias empresas.
Ao contrário deste caráter passivo, se analisarmos o setor de C&T.I de alguns
países centrais, como Estados Unidos e Japão, cuja área de informática estava à época,
bem sucedida, podemos ver, claramente, que a execução direta e o financiamento de
P&D por estes Estados revelaram-se decisivos para o desenvolvimento e,
posteriormente, expansão de suas indústria nacionais.
O que também foi motivo de preocupação, de acordo com Piragibe (1983, p. 44)
é que no país, não se promoveu de forma ativa a criação de uma infra-estrutura
tecnológica no setor, a qual incluiria a capacitação de recursos humanos altamente
especializados para o desenvolvimento de tecnologias avançadas relativas à informática.
Tais leituras demonstravam claramente, que a reserva de mercado e a criação de
secretárias e grupos associados, eram medidas insuficientes, haja vista, a necessidade de
48
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
um alto financiamento de P&D, além de medidas voltadas para a educação e,
posteriormente, capacitação profissional, para o desenvolvimento da tecnologia
nacional.
49
Barbara Regina Vieira Lopes
2.4 A LEI DO SOFTWARE (1987): BREVE APRESENTAÇÃO
Como explicitado acima, desde o início dos anos 80, delineava-se o surgimento
de uma indústria de software. Tal aparecimento estava inserido em um ambiente
propício para seu desenvolvimento, por conta de algumas condições favoráveis.
Podemos citar alguns fatores que contribuíram para um clima conveniente de
desenvolvimento do software, tais como:
1. A capacidade tecnológica que vinha sendo adquiria desde a
década de 70;
2. A atuação limitada das multinacionais no mercado local de
software para a microinformática, havendo amplos espaços sem
concorrência externa e;
3. A expectativa de uma política setorial de fomento que criasse
mecanismos de proteção para a concorrência externa e de
estímulo a produção local de software, alimentada por diversas
iniciativas de intenção do Governo.
(ZUKOWSKI, 1994, p. R-2).
Essas condições estimulavam o empreendimento local no setor, bem como a
realização de investimentos em P&D relativamente elevados, da ordem de 40%, sendo
esse último um fator vital para que as empresas nacionais pudessem eliminar as
possíveis barreiras de entrada, e manterem-se no mercado.
Em meados dos anos 80, mesmo que a indústria mundial de software fosse
jovem, esta vinha experimentado um intenso dinamismo, passando por um processo de
constantes transformações, desde sua Engenharia até sua estrutura de mercado.
Em 1987 havia no país um mercado deste produto bem expressivo, com cerca de
1500 empresas que comercializavam mais de 8.000 produtos quase de todos os tipos e
de variados portes de equipamentos. O Mercado brasileiro era o 10º no ranking
mundial, conforme os dados da OECD, e almejava um grande potencial de crescimento,
dada a informatização incipiente e um potencial mercado, dadas as dimensões do país.
Contudo, não havia regulamentações para a comercialização deste produto,
muito menos uma política setorial para o desenvolvimento desta indústria. Ainda que as
universidades promovessem bons cursos, e houvesse um mercado de trabalho promissor
como as empresas da Assespro, que geravam cerca de 18.000 empregos diretos e, na
amostra da SEI, 73% do pessoal empregado era de nível superior, sendo 8% pósgraduados (ZUKOWSKI, p. R-3).
Em suma, havia um mercado promissor para os recursos humanos qualificados,
que pressionava o Governo a implantar uma indústria de softwares no país, pois havia
no Brasil uma base mínima para seu início.
50
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Dadas estas condições e potencialidades do setor, Zukowski (1994), chama
nossa atenção para o interesse das multinacionais do setor. Bastava o estabelecimento
de uma proteção eficaz do Governo contra a pirataria em um ambiente de livre
concorrência que certamente as empresas nacionais perderiam seu domínio em seu
próprio território.
Desta forma, o mercado nacional dependia do Estado para implantar uma
política setorial de fomento que tratasse de questões básicas, tais como:
1. Regras para a comercialização e internamento (envolvendo até
mesmo o regime de tributário do software, que não estava
definido;
2. Proteção de propriedade intelectual;
3. Criação de fontes de recursos e mecanismos para financiamento;
4. Criação de mecanismos de geração e canalização de demanda
para indústria local, pelo menos no que se refere ao
aproveitamento do poder de compra do Estado; e
5. Coordenação de projetos de P&D, envolvendo universidades e
empresas, articulados em estratégias com definição de
prioridades. (ZUKOWSKI, 1994, R-4).
Em 1987 foi promulgada a chamada “Lei do Software”42. Este projeto de lei do
Executivo tratava-se da proteção dos direitos do autor, e da regulamentação do
internamento, cadastramento e comercialização de software. De acordo com Roselino
(2006, p. 115-116, grifos do autor):
No caso do software, um instrumento protecionista específico foi
criado em 1987, exigindo-se a inexistência de similar nacional para o
registro e comercialização de software estrangeiro voltado aos
equipamentos de pequeno e médio porte no país. Como isso, o
desenvolvimento de software passou a contar com uma política de
proteção ao similar nacional.
Como ressalta Zukowski (1994, p. R-8) “É inegável o papel que a
regulamentação trazida pela Lei de Software, principalmente a proteção jurídica,
desempenhou em termos de amadurecimento e impulso ao desenvolvimento do
mercado”.
Por outro lado, ressalta o autor, que a lei criou uma série de instrumentos que
não tiveram efeito, ou que não chegaram a ser aplicados, em parte, por problemas de
formulação. O governo estabeleceu uma política de não interferência estatal no
funcionamento do mercado43.Orientando a Lei para o sentido das forças do mercado.
42
Lei 7646/87, aprovada em três de outubro de mil novecentos e oitenta e sete.
Não se pode confundir com “abertura da concorrência externa” porque o mercado de softwares nunca
esteve fechado.
43
51
Barbara Regina Vieira Lopes
As conseqüências deste afastamento do Governo perante as demandas do setor,
em um primeiro momento, acarretaram: No crescimento do mercado, como era
esperado; na ampliação e consolidação do domínio das multinacionais neste setor e no
aumento de preços.
Ainda sobre a aplicabilidade da Lei, Roselino (2006, p. 115-116, grifos do
autor) enfatiza que:
Esse instrumento visava impor um rígido controle das importações de
software estrangeiro, a exemplo das restrições existentes para os
equipamentos. No entanto, em razão da natureza específica desse
bem imaterial, os efeitos foram menos significativos. Essa proibição
resultava na generalização das cópias ilegais. A natureza não-material
e reprodutível do software dificulta enormemente o controle
protecionista, uma vez que uma única cópia de um programa
introduzida no território nacional poderia dar origem a incontáveis
cópias irregulares. Zukowski (1994) argumenta ainda que, além da
ineficiência das barreiras à importação, a exigência de comprovação
de similaridade era bastante complicada, e o ônus do processo recaía
sobre a empresa nacional.
Como já citado acima, empresas que tinham capacidade para desenvolver
softwares voltaram-se para a comercialização de produtos estrangeiros, abandonando
seus projetos de desenvolvimento de produtos nacionais.
Mesmo com esses problemas, muitas empresas continuaram investindo em
desenvolvimento de softwares e ampliaram o volume de vendas, mesmo com a
constante concorrência estrangeira.
Em síntese, cabe ressaltar que as empresas locais eram relativamente pequenas,
estando muito distante das grandes multinacionais de software no que se refere a
indicadores como faturamento, valor absoluto nos dispêndios com P&D e marketing.
52
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
2.5 OS ANOS 80-90: DÉCADA PERDIDA PARA O BRASIL – A ESTAGNAÇÃO
POLÍTICO-ECONÔMICA44
“Mas, o que eu quero é lhe dizer que a coisa
aqui tá preta. É pirueta para cavar o ganha
pão”.
Chico Buarque
Até os anos de 1980 a taxa de crescimento do Brasil era considerada estável,
porém, à medida que a inflação vinha apresentar níveis bem elevados, a economia,
praticamente, estagnou45. A razão do processo inflacionário no Brasil pode ser
considerada uma questão ampla e complexa46.
De acordo com Baer (1995), um dos principais fatores que contribuíram para seu
crescimento pode estar ligado tanto à estrutura institucional brasileira como ao
comportamento de seus componentes.
Estes dois fatores, em tese, explicariam a explosão inflacionária desde 1973. A
década de 80 seria um período de inflação crescente e políticas macroeconômicas
caóticas.
44
É importante destacarmos que durante a Década de 1980-1990, nós tivemos, somente, a “Lei de
informática” de 1984, como única medida norteada para a o desenvolvimento de C&T.I nacional.Esta
década está inserida em uma profunda estagnação econômica, onde as políticas públicas para o setor, não
estarão nos planos do governo. Os projetos para o desenvolvimento do setor serão retomados em 1991
com o fim da vigência da lei de 1984. Esta ausente intervenção estatal será abordada nas próximas seções.
45
Esta década foi marcada por um desempenho econômico tão desfavorável, que suscitou interpretações
divergentes sobre as razões desta performance. Entre tantas, podemos destacar a interpretação que
contempla os economistas críticos do ajuste externo da economia brasileira. Como cita Carneiro (2002),
uma síntese de suas posições encontra-se em Brasil (1987), no qual se conclui que as tentativas de
retomar o crescimento econômico e melhorar a distribuição da renda, realizadas em meados da década de
1980, esbarraram na restrição externa, ou seja, na imperiosidade de gerar elevados superávits comerciais
para fazer face ao serviço da dívida. Observando esta questão em uma perspectiva ampla, Cardoso de
Mello (1984) assinala a inconsistência temporal entre o crescimento das exportações, o principal fator
para a geração e sustentação de superávits, e a transferência de recursos ao exterior.Isso porque o bom
desempenho das primeiras dependeria da renovação tecnológica do parque produtivo nacional,
num contexto internacional de aceleração do progresso técnico.Tal período de ajustamento recessivo
comprometeu o crescimento sustentado do país em uma perspectiva à longo prazo.Para mais detalhes
acerca deste assunto ver, CARNEIRO, 2002, p. 141-145.
46
A origem da inflação no país é uma questão que envolve inúmeros fatores. Além de não ser consensual
entre os estudiosos, ela é repleta de conjunturas que contribuíram para seu agravamento ao longo dos
anos. Podemos destacar a visão de Baer (1995 p. 136-140), que escreveu que a natureza da inflação
brasileira tem dois pontos de vistas. De um lado, há a tradição clássica ortodoxa e, do outro, os
“neoestrturalistas”. Enquanto a primeira “escola” apontava as políticas monetárias e fiscais (como as
políticas de stop and go), os choques agrícolas e uma taxa de crescimento baixa e inconstante como
algumas das principais causas do processo inflacionário brasileiro; os “neoestrturalistas” apontavam a
inflação inercial (aquela em que a inflação presente é uma função da inflação passada. Deve-se à inércia
inflacionária, que é a resistência que os preços de uma economia oferecem às políticas de estabilização
que atacam as causa primárias da inflação. Seu grande vilão é a "indexação", que é o reajuste do valor das
parcelas de contratos pela inflação do período passado). Tal inflação era aprofundada pelo período de
recessão, desta forma, tal “escola” a indicava como maior causa da explosão inflacionaria no país.
53
Barbara Regina Vieira Lopes
O segundo choque do petróleo (1979) duplicou seu preço, houve um substancial
aumento dos juros nos Estados Unidos, somado à contínua queda nas relações de trocas
comerciais mundiais, tornaram a década de 80, uma década custosa aos cofres públicos,
além de gerar tensões sociais que agravavam a relação Regime-Sociedade.
O desempenho da economia nacional durante o Governo Figueiredo (19791985) foi bastante irregular. Entre 1979-84 a renda per capita declinou 25%, o
percentual das pessoas com renda domiciliar per capita inferior a linha de pobreza
aumentou de 38,78% em 1979, para 48,39% em 1984.
Entre os anos 1970-90 já haveríamos desembolsado quase 276 bilhões de dólares
em juros e amortizações. Ainda assim, a dívida bruta externa do país situava-se em 123
bilhões de dólares. Do total desembolsado, 236 bilhões de dólares foram pagos entre
1980-90 (PIRES, 2010, p. 246).
Em 1982 o Brasil pediu socorro ao FMI, porém o fechamento das linhas de
crédito dificultou os ajustes dos juros internos, os quais poderiam ter sido minimizados
com os empréstimos.
A situação cambial “beirava a insolvência”, como dito por Pires (2010), o autor
ainda ressalta que o país teve que honrar aproximadamente 20 bilhões de dólares entre
amortizações e juros, ante um superavit comercial de apenas 780 milhões dólares.
Como ressaltou Filgueiras (2000) o resultado desse processo de exportação de
capitais foi avassalador para o Brasil. Nossa capacidade produtiva já estava muito
aquém do seu potencial pleno quando os primeiro índices indicando o aparecimento da
“crise da dívida”.
Portanto, “a redução da demanda interna preconizada no FMI, e adotada pelo
Governo brasileiro como recursos para diminuição das importações teve efeito
avassalador sobre a atividade econômica, o emprego e a renda” – Como explicitado na
Tabela 5 –. Adicionalmente, assistíamos o arrocho salarial, o desemprego, o corte de
crédito para a produção agrícola e à ampliação do atraso tecnológico no setor industrial.
Tabela 5 – Inflação, PIB e Taxa de investimento nos Governos Figueiredo e Sarney
Ano
Inflação
(%)
Taxa de
Crescimento
do PIB (em %)
1980
100,2
9,3
Investimento
Interno Bruto
(em relação ao
PIB)
22,9
1981
109,9
-4,3
24,3
1982
95,4
0,8
23,0
Governo
Figueiredo
54
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
1983
154,5
-2,9
19,9
1984
220,6
5,4
18,9
1985
225,5
7,8
18,0
1986
142,3
7,5
20,0
1987
224,8
3,5
23,2
1988
684,5
-0,1
24,3
1320,0
3,2
26,9
1989
Sarney
Fonte: Conjuntura Econômica – FGV (abril/99) apud FILGUEIRAS, 2000, p.75;
Os resultados desta nova fase de desenvolvimento brasileiro pós-choque do
petróleo (1973), e a repercussão das avassaladoras crises, externa e interna, do início
da década de 80, provocaram uma enorme insatisfação em todos os segmentos da
sociedade, acirrando as tensões sociais existentes no país, como expôs Filgueiras
(2006, p. 181), tal descontentamento se expressou entre outros eventos:
[...] Na constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST), criação da Central única dos Trabalhadores (CUT), fundação
do Partido dos Trabalhadores (PT) e na realização de cinco greves
gerais entre 1983 e 1989 [...].
A partir deste cenário, na esfera político-econômica, a nova fase democrática
brasileira trouxe consigo grandes desafios, os principais eram: a dívida externa, o déficit
público e a inflação.
Para o novo governo o ato emergencial a ser executado, sem dúvidas, era a
procura por uma estabilização econômica durável. Todavia, durante a administração do
presidente José Sarney (1986 – 1990), não havia de fato um projeto estratégico de longo
prazo, além disso, a falta de coesão sociopolítica dificultou a implementação e o
desenvolvimento de reformas de curto prazo, predominaram os planos de estabilização
econômica – Plano Cruzado (1986/87)47, Plano Bresser (1987)48 e Plano Verão (1989)49
–, cujos resultados foram pífios.
47
A estratégia era combater a inflação por meio do crescimento de mercado interno. Lançado em
28/02/1986. Obteve sucesso à curto prazo somente.Com o plano não deu certo, um de seus formuladores,
o Ministro da Fazenda, Dílson Furnalo renunciou em 1987.Em abril deste mesmo ano Luis Carlos
Pereira-Bresser é empossado em seu lugar, com o desafio de montar um projeto a longo prazo.
48
A estratégia era estimular as exportações, realinhar os preços relativos e pagar os juros da dívida
externa. Seu objetivo era deter o processo inflacionário e evitar a hiperinflação. O plano entrou em vigor a
partir de junho de 1987, e assim como o plano anterior, teve sucesso apenas à curto prazo, desta forma,
em dezembro daquele mesmo ano, Bresser-Pereira renunciou.
49
Sob o comando de Maílson de Nóbrega, houve uma reforma monetária, conhecida como “plano
verão”, e foi instituída em 14 de janeiro de 1989. A crítica ao plano verão baseava-se no argumento de
55
Barbara Regina Vieira Lopes
Sarney saiu do governo e no final dos anos 80 observam-se projetos distintos em
disputa na corrida presidencial, em um contexto no qual o país beirava hiperinflação e o
tom de desesperança era dominante.
De um lado, começou a ganhar força, refletindo a ascensão dos movimentos
sociais nas cidades e no campo, um projeto reformista, cujas principais bandeiras eram a
reforma agrária, a suspensão do pagamento da dívida externa, a retomada do
crescimento econômico, o aumento do emprego e expansão dos direitos sociais.
A candidatura de Luis Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), as eleições de 1989 expressam esse projeto, que pode ser sintetizado pelo slogan
da campanha: “Terra, Trabalho e Liberdade”.
De outro lado, Fernando Collor de Mello, com enorme apoio da imprensa,
ganhou crescente espaço a partir de seu programa calcado na moralização da política e
dos serviços públicos, e de alinhamento às propostas Liberais de abertura e
desregulamentação das Economias nacionais, que ganhavam rápido terreno em escala
mundial, naquele momento. Os setores conservadores viram em Collor, a “tábua de
salvação” contra o avanço da esquerda, embora, nem todos estivessem convictos do
caminho a trilhar.
A resolução do impasse, como sabemos, foi a vitória de Collor nas eleições de
1989.
que ele tornava as expectativas inflacionárias dependentes do sucesso das políticas fiscal e monetária no
dia a dia constituindo-se em passo atrás com a relação á experiência heterodoxa já acumulada em erros
anteriores, de fato o plano fracassou rapidamente (PIRES, 2010, p. 260)
56
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
2.6
O
LACÔNICO
GOVERNO
COLLOR
(1989-1992):
PRELÚDIO
NEOLIBERAL
Em março de 1990, Fernando Collor de Melo assume a presidência, e
diferentemente de Sarney, apresentou um plano político-econômico bem definido, as
metas eram reduzir os altos índices inflacionários e modernizar a economia através de
medidas drásticas de liberalização.
Desta forma, assistiu-se o começo de uma ruptura político-econômica que
mudaria a trajetória de desenvolvimento do País. Seu planejamento econômico pautavase na mistura do “choque heterodoxo” com as premissas das organizações multilaterais
(FMI, Bird, Federal Reserve e etc.), o chamado “Consenso de Washington”50.
Para acabar com uma inflação que passava de 84% ao mês, o Plano Collor
institui:
a)
b)
c)
d)
Ajuste Fiscal de 10% do PIB
Programa de privatizações
Abertura Econômica
Controle severo da movimentação financeira; e
e) Congelamento de preços, com prefixação em seguida.
(PIRES, 2010, p. 264).
Pode-se dizer que o início dos anos 90 seria marcado pela adoção de um novo
conjunto de políticas macroeconômicas e implementação de reformas favoráveis ao
mercado, demonstrando ser uma clara tentativa de retomar seu antigo dinamismo
econômico. Como ressalvam Pinheiro, Giambiagi, e Moreira (1997, p. 8):
Essas reformas compreenderam uma série de iniciativas que
objetivavam aumentar a produtividade por meio da minimização da
50
Expressão Consenso de Washington nasceu em 1989, criada pelo economista inglês John Williamson,
ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Numa conferência do
Institute for Intemational Economics (IIE), em Washington, Williamson listou políticas que o governo
dos Estados Unidos preconizava para a crise econômica dos países da América Latina. Por decisão do
Congresso norte-americano, as medidas do Consenso de Washington foram adotadas como imposições na
negociação das dívidas externas dos países latino-americanos. Acabaram se tornando o modelo do FMI e
do Banco Mundial para todo o planeta. De outro lado, movimentos nacionalistas e de esquerda criticam
essa política e protestam contra sua aplicação. O neoliberalismo prega que o funcionamento da economia
deve ser entregue às leis de mercado. Segundo seus defensores, a presença estatal na economia inibe o
setor privado e freia o desenvolvimento. Algumas de suas características são:
a)Abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e da eliminação de barreiras aos
investimentos estrangeiros;
b)Amplas privatizações;
c)Redução de subsídios e gastos sociais por parte dos governos;
d)Desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzam os
custos das empresas (Ed. Abril, 2004).
57
Barbara Regina Vieira Lopes
interferência governamental no mercado e da maximização da
competitividade na economia. Dentre essas iniciativas, as mais
importantes foram: A liberalização do comércio, a privatização e a
desregulamentação. O impacto da liberalização do comércio foi
imenso, tanto se consideramos a integração do país à economia
mundial como o incentivo que isso representou para a modernização
tecnológica e o incremento da produtividade.
Nesta direção, eles avaliam que a partir de 1990/91, o Brasil da década de 90
passaria por três reformas de cunho político-econômico, cabe aqui ressaltar a primeira:
Nesta primeira (1991/94), o Brasil abandonou o tradicional regime
de substituição de importações, abrindo a economia e privatizando
firmas industriais. A economia reagiu positivamente, mas a alta
inflação barrou os ganhos de eficiência e o crescimento; (PINHEIRO;
GIAMBIAGI; MOREIRA, 2001, p. 29, grifos nossos).
Quanto ao aspecto externo, ainda no Governo Collor, deu-se efetivamente início
ao processo de liberalização, foi criado o PND (Plano Nacional de Desestatização) que
englobava empresas de grande porte.
Como se sabe, as políticas industriais a favor de medidas à curto prazo, o
fracasso de seus Planos Econômicos – “Collor 1”, “Collor 2” –, e as acusações de
corrupção e de tráfico de influências em seu mandato, paralisaram o Governo e
aceleraram o processo de impeachment, e destituição do cargo. Collor deixou a
presidência em setembro de 1992. E sobre este último, assim descreveu Chossudovsky
(1999, p. 170-171 apud PIRES, 2010, p. 268):
Nos “bastidores”, longe dos olhos do público uma transição
multibilionária estava sendo negociada pelo ministro da Economia de
Collor, Maurício Marques Moreira, e pelos credores internacionais do
Brasil, de junho a setembro de 1992, coincidindo cronologicamente
com o processo de impeachment do presidente. Os ministros do
governo renunciaram e declararam publicamente que não apoiavam
Collor. Marques Moreira, “internacionalmente respeitado”,
permaneceu em seu cargo, assegurando a necessária ligação com o
FMI e os credores comerciais. [...] Um acordo preliminar sobre a
fórmula da “reestruturação” (segundo o plano Brady) dos US$ 44
bilhões devidos aos bancos internacionais foi divulgado pouco antes
do impeachment de Collor pelo Congresso em 29 de setembro de
1992. Era uma liquidação: o ônus do serviço da dívida do Brasil
aumentaria substancialmente em decorrência da transação.
Desta maneira, o Governo brasileiro se comprometeria a condicionar sua política
econômica ás premissas impostas pelos credores internacionais, “coincidentemente”,
58
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
é neste contexto que as barreiras não tarifárias vão cair drasticamente, até que muitas
sejam abolidas por completo, como citado por Pinheiro, Giambiagi e Moreira (2001,
p. 9):
No período 1988/93, o governo reduziu drasticamente a proteção aos
produtores nacionais. Duas reformas, em 1988 e 1989, promoveram a
queda da tarifa média sobre as importações, que baixou de 51% para
35%. A maioria das barreiras não-tarifárias foi eliminada em 1990,
culminando com o fim da reserva de informática em outubro de 1992.
Como enfatizado por Carneiro (2002, p. 313, grifos do autor):
[Conforme assinalados per Holanda (1997) e Hay (1997),] a
estrutura herdada de meados dos anos 50 foi inteiramente
reformulada no início dos anos 90. Desde logo, as barreiras não
tarifárias – consideradas por muito como o principal instrumento de
proteção – foram inteiramente eliminadas. Foi abolido o Anexo C,
uma lista da qual faziam parte cerca de 1.300 produtos de importação
proibida em razão da produção similar nacional. Os regimes especiais
de importação foram reduzidos ao drawback, à Zona Franca de
Manaus e ao setor de tecnologia de informação.
Como Roselino (2006) sintetizou, após a vitória de Collor, essa nova
configuração institucional em consonância com a postura mais geral da política
governamental de orientação liberal provocou mudanças significativas na indústria
nacional.
Com o regime mais aberto e desregulamentado, com quebra de barreiras, nós
temos durante o breve Governo Collor que uma nova lei de informática foi aprovada
pelo Congresso em 1991, mesmo que a definição de novas regras para o setor tenha
ocorrido com a aprovação da Lei 8.248/9151, sua vigência inicia-se apenas com a
remoção dos mecanismos de regulamentação em 1993.
51
Lei aprovada dia vinte e três de outubro de mil novecentos e noventa um.
59
Barbara Regina Vieira Lopes
2.7 A NOVA LEI DE INFORMÁTICA (1991)
Em 1998, o Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou um balanço sobre os
resultados da Lei criada em 1991, e neste, consta quais eram as premissas e objetivos
de tal legislação:
Esta política tem como objetivo promover a inserção competitiva da
indústria brasileira de tecnologia de informação no mercado
globalizado, através de ações aplicadas nas áreas tecnologia e
industrial voltadas para geração de tecnologias e maior agregação de
valor nas cadeias produtivas; domínio das inovações tecnológicas de
produtos e de processos em áreas-chave do setor; maior participação
do setor produtivo privado nos dispêndios de C&T no País: Maior
interação entre os setores produtivos e acadêmico; expansão do
parque industrial de informática; geração de mais empregos
qualificados associados a esse setor; e estimular a difusão do uso da
informática como meio de modernização de outros setores industriais
e de serviços. (BRASIL, 1998, p. 1).
A chamada “Nova Lei de Informática” eliminou as restrições anteriores ao
capital estrangeiro e definiu uma nova política de estímulos, por meio de incentivos
fiscais, relacionados às atividades de Tecnologia de Informação, centradas na
obrigatoriedade de esforços mínimos em P&D. De acordo com Garcia e Roselino
(2005, p. 5):
Esta legislação ocupou [desde então, parte do chamado] “vazio
institucional” deixado pelo desmonte do aparato da política de
informática. A definição deste novo regime deu-se ainda com o
lançamento de programas governamentais, com enfoques mais
restritos no início dos anos 90, como parte integrante de um projeto
maior denominado DESI (Desenvolvimento Estratégico em
Informática).
A preocupação com o desenvolvimento tecnológico do Governo parecia ser
grande, já que, foi percebido pelo Estado que o investimento neste setor na esfera
mundial alcançou níveis surpreendentes, pois, somente em 1992, “a produção eletrônica
mundial ultrapassou as cifras de U$800 bilhões e tinha a previsão de dobrar e alcançar
U$1,7 trilhão na década seguinte (2002), tornando-se a maior indústria no mundo”
(BRASIL, 1998, p. 35).
A Política aprovada na Lei nº 8248/91 enfatizou o atendimento dos requisitos de
inovação, seletividade e qualidade como instrumentos de estímulos, juntamente, com
exigências de contrapartidas. Entre os estímulos, destacam-se:
(a) Imposto sobre Produto Industrializado – IPI. Este incentivo
aplica-se às empresas que industrializam produtos de informática.
60
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Estão isentos do IPI, até outubro de 1999, os produtos fabricados no
País de acordo com as regras do Processo Produtivo Básico,
propiciando uma redução média em torno de 15% do custo final do
produto;
(b) Imposto de Renda – IR. As empresas que produzem bens e
produtos de informática puderam reduzir em até 50% do Imposto de
Renda devido em cada ano fiscal, as despesas em atividades de P&D.
Este incentivo teve validade até dezembro de 1997;
(c) Capitalização – Qualquer empresa pôde deduzir 1% do Imposto
de Renda devido em cada ano fiscal, na compra de ações novas de
empresas brasileiras de capital nacional que tinham como atividade
principal a produção de bens e serviços de informática. Este incentivo
foi válido até o ano fiscal de 1997;
(d) Preferência nas compras governamentais. Em condições
equivalentes de técnica e preço, o governo dá preferência à aquisição
de bens e serviços de informática desenvolvidos e produzidos no
País. (BRASIL, 1998, p. 8-9, grifos nossos).
Em contrapartida, era exigido das empresas:
I) Investimentos em P&D. Aplicação de pelo menos 5% do
faturamento das empresas em atividades de P&D, sendo 2% em
convênio com universidades, institutos de pesquisa ou Programas
Prioritários em Informática;
II) Industrialização: atendimento às regras do Processo Produtivo
Básico – PPB. Constitui-se no critério mínimo de industrialização
para cada classe de produto, em substituição ao conceito anterior de
índice de nacionalização, permitindo focalizar em nichos da cadeia
produtiva e a conseqüente seletividade de produtos, partes e peças a
serem fabricados localmente;
III) Qualidade. Obtenção de certificação ISO 9000 dos Sistemas da
Qualidade das empresas, em prazo não superior a dois anos.
(BRASIL, 1998, p. 8-9, grifos nossos).
Tal projeto incorporava:
a) Rede Nacional de Pesquisa – RNP, com a missão de
desenvolver e implementar a infra-estrutura para a internet com
fins acadêmicos;
b) Programa Temático Multiinstitucional em Ciência da
Computação – ProTeM-CC, articulando projetos de pesquisa
consorciados entre a comunidade acadêmica e setor privado;
c) Programa Nacional de Software para Exportação – SOFTEX,
que tinha como objetivo ampliar a presença do software nacional
no mercado internacional; e
d) Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho,
SINAPAD, que visava criar centros de prestadores de serviços de
supercomputação no País. (BRASIL, 1998, p. 8-9, grifos
nossos).
Como citado por Amsden (2001, apud ROSELINO, 2006, p. 138, grifos do
autor):
61
Barbara Regina Vieira Lopes
Esse tipo de política, não-restritiva, é considerado adequado a essa
nova configuração política de orientação liberal, sendo inclusive
aceita por organismos multilaterais de comércio. A intervenção
estatal para a promoção de ciência e tecnologia em geral, incluindo
P&D, é legal sob as leis da Organização Mundial do Comércio.
Em relatório oficial do Governo, foi constatado que em 1980 havia menos de 200
doutores especializados no setor da informática (Engenharia e análise de sistemas) no
Brasil; com o incentivo da Lei, em 1998 esse número alcançou mais de 700 doutores na
área.
A partir da aplicação dos instrumentos previstos na Lei, os investimentos totais das
empresas em implantação, modernização e ampliação industrial no ano de 1997, foi
investido, pelas empresas, já instaladas cerca de R$1,3 bilhão em treinamento,
modernização, ampliação e P&D.
Em comparação com os demais países da América Latina, o mercado de Tecnologia
da Informação brasileiro mostra-se bastante significativo quando comparado aos demais
países da região. Com crescimento superior a 10% ao ano, este mercado atingiu a casa
dos R$ 17 bilhões anuais no final da década de 90 e com maior taxa de investimento em
P&D, entre os demais setores industriais brasileiros.
Com o sucesso dos resultados obtidos52 (Anexo H), em relação ao fim de sua
vigência, os principais aspectos da legislação original (Lei 8.248/91) seriam renovados
em leis posteriores, em 2001 e 200453, com algumas alterações, demonstrando sua
parcial efetividade.
Como analisado por Roselino (2006), além da obrigatoriedade dos investimentos
tecnológicos, a lei também impõe a necessidade de observância das diretrizes do
Processo Produtivo Básico (PPB), com etapas mínimas do processo produtivo a serem
realizadas no Brasil. Desta forma, o processo tecnológico pode estar concentrado em
território nacional, mesmo que este seja apenas o processo inicial da produção do
produto.
52
53
Tivemos resultados positivos em relação aos Impactos sobre:
a) As atividades de pesquisa e desenvolvimento - P&D;
b) Relacionados ao Processo Produtivo Básico – PPB;
c) Intra/extra-firma dos investimentos em P&D;
d) Qualidade e treinamento;
e) Competitividade internacional; e,
f) Da suspensão ou extinção dos benefícios da Lei.
Lei 10.176/01, sancionada em janeiro de 2001 e Lei 11.077/04, sancionada em dezembro de 2004.
62
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
A importância da Nova Lei manteve consigo altos recursos envolvidos54, como
também seu papel era determinante na criação e manutenção de departamentos,
laboratórios e institutos e grupos de pesquisa. De acordo com alguns atores como Galina
(2003) e Roselino (2006), isso ocorreu especialmente após a liberalização dos mercados
no início dos anos 1990, e após a privatização do sistema estatal de telecomunicações
(Sistema Telebrás).
Diferentemente do período de “reserva de mercado” a “Lei de Informática” tem
o papel de preservar e estimular esse novo ambiente institucional, desta maneira, tal
legislação será um importante instrumento de política, é especialmente adequada para
atrair atividades tecnológicas de empresas e instituições multinacionais, no âmbito do
processo de internacionalização das funções produtivas do país.
O ambiente criado aos fabricantes brasileiros era de otimismo, pois tais leis
aferiam, aparentemente, a possibilidade do desenvolvimento de uma tecnologia nacional
e, com ajuda do Estado, nossas indústrias estariam plenamente aptas para competirem
em termos igualitários com as concorrentes estrangeiras quando a reserva de mercado
terminasse, como ocorrido no Japão e nos Estados Unidos:
A aplicação desta legislação, e a aceitação desta pelas empresas,
resultou em significativos valores investidos em P&D durante sua
vigência. Estima-se que no período 1993-2000 o montante acumulado
destes investimentos tenha atingido R$3 bilhões, provenientes das
empresas que operam em todo o território nacional (com exceção da
Zona Franca de Manaus) (MCT, 2000, p. 145). O Gráfico 1 apresenta
a distribuição destes investimentos dentre as Unidades da Federação,
evidenciando a concentração de cerca de 2/3 do valor total no estado
de São Paulo.(ROSELINO, 2006, p. 6).
54
O montante de recurso envolvido sob a forma de renuncia fiscal e de suas contrapartidas, segundo os
últimos dados consolidados disponíveis, a renúncia fiscal realizada entre 1993 e 2000 somou R$ 4,4
bilhões, contra uma arrecadação em tributos de R$ 8,1 bilhões no período, referentes à produção das
empresas incentivadas, frente a investimentos (de 1993 a 2002) de P&D da ordem de R$ 3,3 bilhões.
63
Barbara Regina Vieira Lopes
Gráfico 1 – Distribuição por UFs dos Investimentos em P&D das empresas
beneficiárias de incentivos da Lei de Informática (1993-97)
Série1; Rio Série1;
Grande do Paraná;
Série1;
Sul; 3%;
3%
12%;
Minas
12%
Gerais;
2%; 2%
Série1;
Outros
Estados; 3%;
3%
Série1;
Rio de
Janeiro;
16%; 16%
Série1; São
Paulo; 64%;
64%
Fonte: BRASIL, 1999.
Este valor investido foi distribuído entre esforços de pesquisa na própria
empresa (cerca de R$2 bilhões), em instituições de ensino e pesquisa (que ficaram com
aproximadamente, a metade, R$1 bilhão) e ainda recursos direcionados aos programas
prioritários do MCT (SOFTEX, RNP e ProTeM-CC com R$128 milhões).
Ainda conforme informações do MCT (2000), estes benefícios foram
concentrados em poucas empresas com elevados faturamentos. Do volume total de
benefícios concedidos, 83% relacionaram-se com as atividades de apenas 30 empresas,
sendo que as dez empresas com maiores valores receberam o equivalente a 61% dos
benefícios totais.
A Tabela 6 demonstra que os investimentos em P&D é uma tendência geral,
como comprovado pelos vastos montantes de recursos:
Tabela 6 - Gastos com P&D de subsidiárias de Empresas estadunidenses realizados
fora dos EUA, segundo país (US$ milhões)
País
Total
Alemanha
Reino Unido
Canadá
Japão
França
Itália
Holanda
Brasil
1982
3.851
1.079
824
505
112
332
150
65
97
1989
7.922
1.726
1.718
975
1.000
521
393
367
92
1994
11.877
2.849
2.158
836
1.130
1.372
365
415
238
1995
12.582
3.068
1.935
1.068
1.286
1.271
346
495
249
1996
14.181
3.061
2.133
1.582
1.337
1.321
553
545
489
64
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Suécia
Austrália
Bélgica
Espanha
Irlanda
Suíça
Israel
México
Cingapura
África do Sul
28
114
223
40
9
60
11
30
0
23
31
190
313
58
156
59
29
37
24
9
72
230
469
ND
396
191
96
183
167
14
691
287
292
288
171
242
97
58
63
17
439
406
369
317
193
189
166
119
88
18
Fonte: U.S. Bureau of Economic Analysis, 2000, extraído de MCT (2000, p. 130)
O que podemos concluir parcialmente sobre os dados apresentados, é que seus
incentivos fiscais impulsionaram a modernização e crescimento das empresas ligadas ao
ramo de tecnologia (da informação).
Porém, o volume inserido no setor pelo Estado, mesmo sendo alto, se comparado
aos países da América Latina, o valor ainda é visto como baixo por alguns autores, já
que o objetivo inicial era o desenvolvimento da tecnologia nacional, o que não ocorreu.
Com a execução da lei, vimos muito mais a qualificação da mão de obra, a
modernização do aparato produtivo e do consumo. A tecnologia inovadora e atual,
naquela época, estaria longe de acontecer, perante o momento delicado que a Economia
atravessava desde a estagnação econômica dos anos de 1980 até o início da década
seguinte.
Com o fim do Governo Collor, e tendo a aplicabilidade da lei iniciado em
meados de 1993, esperava-se que o quadro de incipiente indústria nacional pudesse
mudar com a estabilização da Economia no final do Governo Itamar, e, por conseguinte,
no primeiro Governo FHC.
65
Barbara Regina Vieira Lopes
Terceiro Capítulo
Anos 90:
Neoliberalismo e desenvolvimento
tecnológico?
(1992 - 1994)
[Em relação aos grandes grupos industriais privados e estatais], a
tecnologia é uma dimensão central de sua atuação internacional. É
também um dos campos mais determinantes onde se entrelaçam as
relações de cooperação e de concorrência entre rivais55. (CHESNAIS,
1996, p. 141).
A difundida crença de que as reformas voltadas para a abertura das
economias e a liberalização dos mercados produzirá uma dramática
aceleração no crescimento dos países em desenvolvimento representa
um salto no escuro e um ato de fé56. (PAUL KRUGMAN, apud
FIORI, 1998, p. 74).
55
56
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Xamã, São Paulo
FIORI, José Luis. Os moedeiros falsos. 4. Ed.Petrópolis: Ed. Vozes, 1998.
66
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
3.1 A ERA ITAMAR FRANCO (1992-1994): O EFICAZ PLANO REAL DE FHC
“Tá na sua mão, na minha mão na mão da gente
Fazer de Fernando Henrique nosso presidente.”
Campanha publicitária de FHC/1994
Em 1992, após o impeachment de Collor, Itamar Franco assume e,
diferentemente, do presidente anterior que estava seriamente associado á uma política
econômica lastreada no viés Liberal – que levou o país à maior recessão de sua história
–, Itamar mostra-se, de acordo com Baer (1995) e Moreira (1997), reticente em relação
às reformas previstas no Governo Collor, além de estar acompanhado de uma
sustentação política frágil.
A crise econômica latino-americana dos anos 80 causada, entre diversos fatores,
pelos ajustes econômicos de orientação neoliberal, acarretou em um grande repúdio a
este projeto por uma parcela expressiva da população brasileira. Esta descontente
parcela indicava um massivo apoio ao candidato de esquerda á corrida presidencial de
1994 – Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante a elaboração do Plano Real, a mídia enfatizava que este era um projeto
econômico ainda não testado, fazendo com que a desconfiança de alguns e expectativas
positivas de outros, pressionasse seus formuladores por medidas de estabilização
econômicas eficazes, já que os índices inflacionários apontavam para a hiperinflação.
Para solucionar este problema, no dia 7 de dezembro de 1993, foi então
anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, a nova proposta para
a estabilização econômica, “era uma complexa arquitetura político-econômico-eleitoral,
que [possibilitaria] a derrota, mais uma vez, das forças de esquerda, recolocando na
ordem do dia o projeto liberal urdido desde os tempos do Governo Collor”
(FILGUEIRAS, 2006, p. 92).
O Plano Real foi amplamente discutido no Congresso e implementado
gradualmente. Ele possuía dois fatores fortes: O ajuste fiscal e um novo sistema de
indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda. O diagnóstico apresentado
pelo Governo era de que a inflação se originava, em parte, do descontrole de gastos
públicos, desta forma, era preciso cortá-los, reduzindo o tamanho do Estado.
Em quase 10 anos de luta contra a inflação, o Plano Real foi a primeira política
bem-sucedida. Como podemos ver na tabela abaixo.
67
Barbara Regina Vieira Lopes
Tabela 7 – Brasil: os formuladores de política econômica e suas estratégias de
estabilização- (1985-93)
1985
Ministro da
Economia
F. Dornelles
Principal Política
Econômica
Ortodoxia
1986
D. Funaro
Plano Cruzado
Bresser
Pereira
Plano Bresser
Assembléia Constituinte
Maílson da
Nóbrega
Arroz e feijão
Eleições Presidenciais
(Nov/89)
Zélia
Cardoso
Plano Collor I
Marcílio M.
Moreira
G. Krause
Ortodoxia
P. Haddad
Indeterminada
Ano
1987
Presidente
José Sarney
1988
1989
1990
1991
Collor
1992
1993
Itamar Franco
Plano Verão
Collor II
Principal evento
político
Eleição de
Governadores e
Assembléia Constituinte
(Nov/86)
Processo de
Impeachment
E. Rezende
FHC
Plano Real
Fonte: BAER, 1995, p. 192. [com alterações nossas]
Alguns autores como Pires (2010, p. 293), acreditam que a inflação brasileira, na
década de 80, esteve associada aos desequilíbrios externos, originários dos choques do
petróleo (em 1973 e 1979) e no choque de juros nos Estados Unidos57, que tiveram um
57
A questão sobre os desequilíbrios nas contas brasileiras e o aumento da inflação é ampla e complexa.
De acordo com Neves e Oliva Júnior (2004), “o Milagre Econômico, que se estendeu de 1968 até 1973,
representou o contexto de grande desenvolvimento industrial e econômico. Nesta época, o PIB brasileiro
cresceu, em média, 11,3% com base em bens duráveis e construção civil, com a inflação controlada e
balança comercial equilibrada até 1973. Entretanto, este quadro otimista mostrou-se insustentável a partir
de 1973, tendo como causa a ocorrência de fatores endógenos e exógenos à economia brasileira. Quanto
aos fatores internos, observa-se o esgotamento da capacidade ociosa e os efeitos da inflação reprimida
decorrente do surgimento de pontos de estrangulamento e a limitação de se usar as importações para
solucioná-lo, como explica Singer (1973, p. 64): “O defasamento no tempo entre o aumento do preço do
produto escasso e o aumento de sua oferta, com a eliminação da escassez, faz com que os demais ramos
afetados pela escassez também tenham que reduzir sua produção e, portanto, criam-se condições para a
elevação de seus preços. (...) Essa generalização dos aumentos dos preços chama-se inflação e ela tende a
mascarar os pontos de estrangulamento”. Complementando, o autor expõe ainda que: “A possibilidade de
abrir pontos de estrangulamentos mediante importações tem naturalmente seus limites. Em primeiro, nem
todas mercadorias são importáveis. Em geral não se importam serviços de comunicações nem de
transporte interno, nem de energia. (...) Em segundo lugar, nem sempre as mercadorias que se necessita
importar se encontram disponíveis no mercado mundial (p. 72)”. Quanto aos fatores externos, verificouse o desequilíbrio no sistema monetário internacional, com a crise do dólar e o fim do sistema de Bretton
Woods, e o 1º choque do petróleo em 1973, resultando em recessão mundial e elevado aumento das
importações brasileiras em valor monetário e não em volume, o que tornou o saldo da balança comercial
negativo em 1974. Nas palavras de Sandroni (1981, p. 41): “Em 1974 acontece o desastre. “A balança
comercial sofre um enorme desequilíbrio, isto é, apresenta vultoso déficit”. Arrastado pela elevação dos
preços do petróleo e de outras matérias primas, o valor das importações da um salto de canguru: mais do
que dobra em apenas 12 meses, passando de 6,1 bilhões em 1973 para 12,6 bilhões no ano seguinte. O
68
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
significativo aumento na década seguinte, precipitando a crise da dívida externa
brasileira que, juntamente, com a depreciação do câmbio, desencadeou um aumento
impressionante dos preços, ocasionando uma espiral inflacionária.
A fonte de sua elaboração se constituiu de, pelo menos, duas vertentes, como
ressaltou Filgueiras (2006):
A primeira foi, sem dúvida, o chamado “Consenso de
Washington”, que se expressou para a América Latina os novos
caminhos – segundo ele, da estabilização e do desenvolvimento – que
deveriam ser trilhados por suas sociedades economias, a partir das
transformações mundiais impulsionadas pelos três fenômenos
abordados anteriormente: O Liberalismo, a Reestruturação Produtiva
e a Globalização (...). A segunda referência importante do Plano
Real foi a experiência do Cruzado, com todas as discussões que
ocorreram em seu entorno, em particular no que se refere à
natureza da “inflação inercial”. Com destaque para o debate e a
conseqüente disputa entre as propostas de uma “moeda indexada”
versus a de um “choque heterodoxo” e a própria condução prática da
política de estabilização do Cruzado que indicou os procedimentos
que não58 deveriam ser repetidos. FILGUEIRAS, 2006, p. 93-94
[grifos do autor e nossos];
valor das exportações se eleva para 7,9 bilhões”. Diante deste quadro de deterioração da economia
brasileira, o governo tinha duas alternativas: ajustamento ou financiamento. A escolha se fez pelo
financiamento, pois, segundo Castro (1985, p. 29), “o governo brasileiro (...), recusou o caminho do
ajustamento, e reiterou sua opção, datada de meados dos anos 60, pelo crescimento com endividamento”,
sob o comando do governo do General Geisel, empossado em março de 1974. No entanto, em um
primeiro momento, o ministro Simonsen buscou o ajustamento via controle da demanda por meio da
compressão do crédito, mas a crise financeira desencadeada pela quebra do Banco Halles levou a uma
grande procura por liquidez, inviabilizando essa opção. Como resultado de todos esses acontecimentos, é
implementada, em 1974, uma nova política econômica: o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento –
II PND. Podemos concluir de acordo com Singer, que a crise brasileira decorre de problemas estruturais
decorrentes do próprio Milagre.Os setores cresceram de uma maneira desorganizada, cuja tentativa de
equilibrá-los veio em forma do II PND, como expresso acima”.
Para mais detalhes acerca deste assunto ver, NEVES; OLIVA JÚNIOR. II PND, O Plano Real e as
possibilidades de crescimento econômico: Uma análise sob a ótica das contas externas.Revista
Eletrônica de Economia. N 3, 2004. Disponível em:
<http://www.viannajr.edu.br/site/menu/publicacoes/revista_economia/artigos/edicao3/artigo_30002.pdf>
Acesso em: 06 abr. 2011. SINGER, P. As contradições do Milagre. Estudos Cebrap. out./dez. 2003
58
Entre outras questões, aprenderam que:
a) A inflação brasileira não era apenas inercial e a fragilidade financeira do Estado se constituía
num dos seus componentes fundamentais;
b) A passagem abrupta de todos os preços e salários para a nova moeda num determinado dia “D”
traz consigo as pressões inflacionárias já presentes na velha moeda – ao sancionar o
desalinhamento de preços relativos previamente existentes e detonar a retomada do conflito
distributivo na nova moeda;
c) A remonetização da economia e o consumo se aceleraram com a queda da inflação nos primeiros
meses da nova moeda – implicando a necessidade de uma política monetária que estabeleça
taxas de juros mais elevadas; e
d) O salário real médio do conjunto da economia, em relação àquele que prevalecia anteriormente,
pode crescer e pressionar o consumo a curto prazo e etc; (FILGUEIRAS, 2006, p. 100).
69
Barbara Regina Vieira Lopes
De acordo com seu diagnóstico, o Real iria atuar em três setores: O equilíbrio
orçamentário, a reforma do Estado e a reforma monetária. O caminho escolhido para tal
objetivo passaria por três fases distintas, e sucessivas, ao longo do tempo: o ajuste
fiscal, a criação da Unidade de Referência do Valor (URV) e a instituição de uma nova
moeda (o Real).
Filgueiras (2006, p. 101) ainda ressalta um elemento essencial para o sucesso do
plano:
A chamada revisão constitucional, em andamento naquele período,
tendo por objetivo, sobretudo, a efetivação de reformas de caráter
liberal, na organização do Estado – em particular, a quebra dos
monopólios estatais –, constituiu, segundo os autores do Plano, em
elemento essencial para seu resultado final fosse positivo. No entanto,
posteriormente, com o fracasso daquele processo revisor naquela
direção, essas reformas passarem a fazer arte do discurso do
candidato FHC, na qualidade de quarta etapa do Plano.
Em julho de 1993, foi elaborado o Plano de Ação Imediata (P.A.I), que
posteriormente, foi um instrumento importante para a primeira fase do Real, o Ajuste
Fiscal (de 1/12/93 a 28/02/94).
Como destaca Pires (2002), o foco do P.A.I era a austeridade nos gastos
públicos, o programa previa cortes orçamentários em todos os níveis de poder, de
acordo com o Governo, era preciso reorganizar o setor público e suas relações com a
economia provada, para tanto o Governo diagnosticou as seguintes necessidades:
Filgueiras (2000, p. 117-184, grifos nossos) apontou suas diretrizes:
1. Corte de gastos públicos – de aproximadamente seis bilhões de
dólares no orçamento de 1993, em todos os ministérios.
2. Recuperação da Receita – através do combate a evasão fiscal,
inclusive das grandes empresas.
3. Austeridade no relacionamento com Estados e Municípios –
através do corte de repasses inconstitucionais, forçando Estados e
Municípios a equilibrarem seus gastos através de cortes.
4. Ajustes nos Bancos Estaduais – em alguns casos, através da
intervenção do Banco Central, buscando cortes de gastos e
punindo irregularidades com a Lei do Colarinho Branco.
5. Redefinição das funções dos Bancos Federais – buscando o
enxugamento da estrutura, evitar a concorrência recíproca e
predatória, e punir irregularidades através da Lei do Colarinho
Branco.
6. Privatizações – De empresas dos setores siderúrgico,
petroquímico e de fertilizantes, por entender que as empresas
públicas estarem reféns de interesses corporativos, políticos e
econômicos.
70
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Como ressaltou Baer (1995, p. 380), as principais medidas de ajuste fiscal
consistiam em:
1. Um aumento geral de impostos de 5%59;
2. 15% de todos os impostos arrecadados iriam para um recémcriado Fundo Social de Emergência; e
3. Corte nos investimentos, no pessoal e nos orçamentos das
empresas estatais, cerca de US$ 7 bilhões.
O Fundo era uma medida temporária, por isso, o governo anunciou planos de
longo prazo para emendas constitucionais, que transfeririam responsabilidades em
diversas áreas (saúde, serviços sociais, habitação, saneamento básico, irrigação,
educação) aos estados e municípios.
A segunda parte do Plano foi introduzida no final de fevereiro, com a criação da
Unidade de Referência de Valor (URV), a qual estava vinculada ao dólar em uma base
de um por um. O Brasil passaria a ter duas moedas em circulação: O Cruzeiro Real,
faria o papel de meio de troca; e a URV, funcionando como unidade de valor, cujo valor
desta unidade era definido a partir de três índices de inflação60.
Os preços oficiais, assim como os contratos e impostos foram convertidos em
URV e gradualmente os preços eram expressos desta forma. Idealmente, este processo
deveria possibilitar a transação paulatina de todos os valores de Cruzeiro Real para
URV. Quando quase toda a Economia tivesse operado sob esta base, haveria a transição
para nova moeda.
Com o passar das semanas, todos os valores estavam relativamente alinhados,
não haveria qualquer pressão para modificações de posições dos agentes econômicos,
desta maneira, estaria garantido que a inflação que contaminava o Cruzeiro Real, não
fosse contaminar a nova moeda. O componente inercial da inflação estaria eliminado
com o papel indexador do URV.
No início do mês de julho, foi introduzida na Economia a nova moeda. A
conversão foi feita na proporção de CR$ 2.750,00 = 1 URV = R$ 1,00. Com a confusão
inicial dos consumidores em relação aos preços relativos na nova moeda, muitos
estabelecimentos tiraram vantagem dessa confusão e aumentaram seus preços.
59
Foi criado também o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que posteriormente
transformou-se na Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Esse tributo,
inicialmente previsto para vigorar um ano, cobrava 0,25% sobre os cheques descontados e transações
financeiras realizadas eletronicamente, por meio do sistema bancário, este imposto foi sendo prorrogado,
mediante medida provisória até 2007.
60
O IGP-M da fundação Getúlio Vargas, o IPCA do IBGE e o IPC da FIPE-USP.
71
Barbara Regina Vieira Lopes
Os empresários esperavam um congelamento de preços, porém, usando as
relações públicas, o Governo sugeriu ao público que diminuíssem suas compras, para
que houvesse uma queda dos preços. Nas primeiras semanas, os preços caíram,
juntamente com os índices inflacionários.
Deve-se mencionar que a inflação também caiu em virtude do aumento das
importações, que foi possibilitado pela valorização do câmbio. A inflação baixou de
uma taxa mensal de cerca de 47% em junho, para 1,5% em setembro. Em outubro e
novembro, ela foi de 2,6% e 2,5%, respectivamente, já em dezembro, esse índice era
apenas de 0,6%.
Desta maneira, a taxa média de crescimento também parecia animadora, dois
trimestres anteriores à introdução do Plano Real, ela atingiu uma média de 4,3%, na
primeira metade de 1994, subiu para 5,1%, e na segunda metade de 1994, estava em
impressionantes 8,8% ao ano no primeiro trimestre de 1995.
Não podemos esquecer que uma das dimensões essencial do Plano Real foi a
Reforma do Estado – em suas vertentes tributária, administrativa e previdenciária61 –
aliadas a privatizações, abertura comercial e financeira O Ministro Cardoso (1993)
explicitou o tipo de reformas que o Estado deveria passar, as quais seriam levadas à
cabo em seu primeiro Governo (1995-1998):
As grandes Reformas que ajudarão o Brasil a crescer se, permitir a
volta da inflação. Uma reforma tributária, com menos impostos e
uma estrutura mais simples, com mecanismos mais eficientes de
combate á sonegação e um sistema de arrecadação mais justo. Uma
reforma administrativa que torne o Governo mais eficiente, mais
racional, menos gastador e que descentralize a administração, com o
fim também, de alguns privilégios de funcionários públicos. Uma
reforma da previdência que ter o sistema da falência elimine as
aposentadorias especiais, garantidas as atuais, e permita a
convivência de um sistema público com o privado.(FILGUEIRAS,
2006, p. 110).
Em síntese, o Plano resultou numa impressionante queda da inflação, fato que,
como previsto, elevou os níveis de eficiência, estimulou a competitividade e atraiu o
investimento estrangeiro. Contudo, houve um nítido aumento dos déficits fiscal e em
conta corrente.
A proposta apresentada por FHC fugiu de armadilhas como congelamento de
preços e salários, sua engenhosa estratégia pautava-se na moeda virtual (URV) atrelada
61
E da ordem econômica, como quebra dos monopólios estatais, tratamento isonômico entre a empresa
nacional e a estrangeira, e desregulamentação das atividades e mercados considerados, até então,
estratégicos e/ou de segurança nacional.
72
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
ao dólar, além disso, o Governo estipulou um prazo de quatro meses para que os agentes
econômicos se adaptassem a tal unidade. Inicialmente.
O Plano Real teve um balanço positivo em sua aplicação, já que a inflação foi
combatida e os indicadores econômicos sinalizaram nos períodos posteriores á
introdução da nova moeda, que o Brasil voltaria a trilhar o caminho do crescimento.
As privatizações e a abertura comercial ajudaram na execução e no sucesso do
Plano Real, e por esta “proposta” ter conseguido com êxito baixar para menos de 5% a
taxa média da inflação – que no início dos anos 90 beirava a hiperinflação –, seu
formulador, Fernando Henrique Cardoso, pôde colher os frutos desta política, com a
vitória nas eleições presidenciais de 1994.
73
Barbara Regina Vieira Lopes
3.2
RUPTURA POLÍTICO ECONÔMICA NOS GOVERNOS COLLOR E
ITAMAR: O BRASIL ADERE AO NEOLIBERALISMO
“Eu os convoco para mudar o Brasil”.
Discurso de posse de FHC/1995
Como dito em seções anteriores, a Nova Ordem Mundial indicava que as
políticas neoliberais seriam o único meio para um país sair de sua condição de
subdesenvolvimento.Caso um Estado almejasse inserir-se neste Novo Contexto pós1989 a implementação destas políticas deveriam ser feitas em todas as esferas de sua
Economia.
Como citado por Amado Cervo (2002, p. 2, grifos nossos):
O triunfo do capitalismo sobre o socialismo soviético em 1989
deu impulso à globalização em sua dimensão horizontal e
vertical. Três fatores influíram sobre o reordenamento das
relações internacionais: A ideologia neoliberal, a supremacia dos
mercados e a superioridade militar dos Estados Unidos. A
globalização engendrou nova realidade econômica, caracterizada
pelo aumento de volume e da velocidade dos fluxos financeiros
internacionais, pelo nivelamento comercial em termos de oferta e
demanda, pela convergência de processos produtivos e, enfim
pela convergência de regulações nos Estados. Essa tendência
história deparou-se, entretanto, com duas outras que a continha
e outra que a embalava: a formações de blocos econômicos, e a
nova assimetria entre o centro do capitalismo e sua periferia.
Como enfatiza Solomon (2001), para a América Latina foram elaboradas algumas
diretrizes bem definidas em direção às políticas favorecidas por instituições como:
FMI, Banco Mundial, Federal Reserve e a elite de executivos dos Estados Unidos:
O Consenso [de Washington] relacionava-se a dez instrumentos
políticos: déficits fiscais, prioridades de gastos públicos (reprovavam
os subsídios, mas aprovavam a educação e a saúde assim como a
infra-estrutura pública), reforma fiscal, taxas de juros, taxas de
divisas (ou cambiais, que deviam estimular o crescimento das
exportações), política comercial, investimento direto estrangeiro,
privatização, desregulamentação e direitos e direitos de
propriedade.(SOLOMON, 2001, p. 82).
Deve ser mencionado que desde o início dos anos 90, o Brasil aceitou o
receituário do estudo realizado pelo Banco Mundial Trade Policy in Brazil: The case for
reform. Como ressaltou Batista (1994), as postulações destes estudos prescreviam que a
“inserção internacional de nosso país fosse feita pela revalorização da agricultura de
74
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
exportação”62. Como sublinhado por Sodré (1998) tal estudo tratava-se de impor uma
volta ao passado “ao famigerado refrão do ‘essencialmente agrícola’, tabuleta que foi
pregada à América Latina e em particular ao Brasil durante os séculos ao longo de todo
o sentido de nossa formação63”.
Para Batista (1994, p. 124):
A presunção do Consenso de Washington parecia ser a de que os
países latino-americanos teriam condições de competir na exportação
de produtos primários para os quais possuíssem uma vocação natural
e/ou em produtos manufaturados sobre a base de mão-de-obra não
qualificada de baixos salários. Como se fosse possível ou desejável
perpetuar vantagens comparativas baseadas numa situação
socialmente injusta e economicamente retrógrada e, ao mesmo
tempo, enfrentar as visíveis nuvens negras do protecionismo que
começam a se esboçar no horizonte dos mercados desenvolvidos.
Houve repúdio de muitos setores intelectuais latino-americanos, que trataram de
relutar as postulações ali estabelecidas, e tentar desencadear a construção de um modelo
alternativo64.
Contudo, a força que as medidas neoliberais avançavam pela América Latina,
principalmente no Brasil, pelo discurso da modernização do consumo e da produção
abafava as discussões acerca desta questão.
Vale destacar que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP –
logo no início de 1990, divulgou uma publicação intitulada Livre para crescer:
proposta para um Brasil Moderno em que aceita as postulações do Banco Mundial.
Nela a FIESP apoiava o estudo com propostas e medidas de curto e longo prazo ao
predomínio agrícola.
Desta forma, a política comercial brasileira teria seu tradicional perfil
desenvolvimentista de substituição de importações, totalmente mudado de direção,
estávamos caminhando rumo à abertura comercial no Governo FHC.
Tal abertura foi iniciada por Sarney; desenvolvida por Collor; em um primeiro
momento, contidas por Itamar Franco, que se mostrou em um primeiro momento avesso
a tal plano político; e por fim, tal processo foi expandido, decididamente, por FHC,
62
Para mais detalhes, ver BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos
problemas latino-americanos. 2 ed. In: Caderno Dívida Externa. São Paulo; n.6, 1994.
63
Sobre isto ver SODRÉ, Nelson Werneck. A Farsa do Neoliberalismo. 5 ed. Rio de janeiro: Ed.
Graphia, 1998.
64
Como dito por Zornetta (2003), a idéia parecia consistir no questionamento de antigos dogmas e
“radicalismos” na propositura de uma concepção nova do mundo que se encaixe perfeitamente e explique
“coerentemente” os atuais dilemas da humanidade. Um exemplo típico desta “nova esquerda” na América
Latina é o Partido dos Trabalhadores no Brasil, o PT. Para mais detalhes ver, ZORNETTA, 2003, p. 47.
75
Barbara Regina Vieira Lopes
cujas medidas marcam definitivamente a mudança estrutural e produtiva da Economia
Brasileira.
Amado Cervo (1997) divide a questão da abertura comercial brasileira em três
fases distintas: a primeira fase, iniciada, timidamente, por Sarney, que ordenou a
redução de tarifas de proteção à indústria nacional, provocando um grande e desleal
choque de competitividade dos produtos.
A segunda fase, iniciada, claramente, por Collor, tanto na retórica quanto na
prática, que as medidas adotadas por Sarney seriam expandidas, tais como seu abandono
do projeto “desenvolvimentista” de substituição de importações, promovendo a abertura
da Economia Brasileira.
A terceira fase teve seu início em 1994, no final do breve governo Itamar, antes
da posse de FHC. A abertura do mercado interno e a liberalização comercial são,
nitidamente, adotadas.
A vitória de Collor, como sinalizou Francisco de Oliveira65 (199-, p.55-56)
representava a adequação nacional às atuais demandas das formas produtivas do capital
nos países centrais e às alternativas criadas para a superação das crises dos anos 90
(endividamento externo e hiperinflação, e falta de coesão social).
A eleição foi o momento inicial que anunciava medidas de inegável inclinação
neoconservadora66.
Nesta direção, Amado Cervo (1997, p. 15) concluiu:
Durante o Governo de Fernando Collor de Mello, entre 1990 e 1992,
procedeu-se à demolição instantâneas dos conceitos que haviam
alimentado há décadas os impulsos da Diplomacia: o NacionalDesenvolvimentismo e sua carga política e ideológica cederam à
vontade de abrir a economia e o mercado de forma irracional e
reativa à onda de globalização e neoliberalismo que penetravam de
fora. Ao substituí-lo na Presidência, Itamar Franco recuou
momentaneamente aos parâmetros anteriores do Estado
desenvolvimentista, sem contudo bloquear a consciência da
necessidade de se prosseguir com as adaptações aos novos tempos.
65
Para mais detalhes ver, OLIVEIRA, Francisco de. Collor: A falsificação da ira. Rio de Janeiro: Ed.
Imago, [199-].
66
Entre elas, podemos destacar o combate a inflação; a política inicial de flexibilização das relações de
trabalho, a reformulações dos mercados cambiais, incluindo a criação do “dólar livre”, para as operações
de exportação e importação e demais transações comerciais; o programa de privatização de empresas
estatais, a política de total abertura ao capital externo, a instituições dos certificados de privatização,
mecanismo através do qual o setor privado poderia comprar empresas estatais; o programa de reforma
administrativa, no bojo da reforma do Estado; etc
76
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Por mais que haja divergências na literatura referente ao período e às práticas
neoliberais e seus respectivos resultados, a grande maioria de estudiosos concorda sobre
as três fases protagonizadas pelos três presidentes citados, as quais foram,
sinteticamente, explicitadas por Cervo.
Com Sarney, as tarifas foram reduzidas, desta forma, já podia ser sentido nestas
reduções o teor neoliberalizante.
Tabela 8 – Taxa Nominal de importações brasileiras
Ano
Média
Moda
Desv. Padrão
1985
51,3
30,0
26,0
1986
51,3
30,0
26,0
1987
51,0
30,0
26,3
1988
41,0
40,0
17,6
1989
35,5
40,0
20,8
1990
32,2
40,0
19,6
Fonte: MTC e SECEX. Disponível em: AZEVEDO; PORTUGAL, 1997a, p.02.
No governo Collor houve a redução da legislação que impedia as importações de
produtos estrategicamente protegidos pela indústria nacional. Como destacou Azevedo e
Portugal (1997), as medidas de Collor, provocaram francas mudanças na política
comercial brasileira, o país estava caminhando rumo à abertura comercial.
Em eu governo houve a eliminação total das barreiras não-tarifárias, instrumento
de política comercial utilizado para a proteção do mercado interno. A estratégia do
presidente era provocar uma competitividade pela entrada das indústrias americanas e
européias, desta forma, haveria um aprimoramento e a modernização do parque
industrial, mesmo que este estivesse desprotegido.
Collor ainda promoveu reformas administrativas com o intuito de que estas
acelerassem os processos de transações comerciais internacionais, eliminando as
burocracias existentes das importações e exportações.
Em seu mandato houve as reduções graduais de alíquotas de importações.
Programadas baseadas no parque industrial interno. Com o Plano Real em vigor, a
continuidade pela abertura comercial era fundamental para o sucesso do Plano, desta
maneira, as reduções foram antecipadas no Governo FHC.
Tabela 9 – A evolução efetiva da Tarifa Legal de Importações x Cronograma
Tarifário (%).
Tarifa Nominal Efetiva
legal
Ano
Média
Moda
1991
25,3
20,0
1992
20,8
20,0
1993
16,5
20,0
1994
14,0
20,0
1995
12,6
2,0
77
Barbara Regina Vieira Lopes
Cronograma Previsto de
Redução de Tarifa
Desv. Padrão
Média
Moda
Desv. Padrão
17,4
25,3
20,0
17,4
14,2
21,2*
20,0
14,2
10,7
17,1*
20,0
10,7
8,3
14,2*
20,0
7,9
9,0
12,6
2,0
9,0
Fonte: MCT – Secex
Notas: (*) O Cronograma tarifário previsto em 1991, foi posteriormente antecipado em 01/10/93 e
01/10/94.
Disponível em: AZEVEDO; PORTUGAL, 1997a, p.4
Quando Itamar Franco assumiu o Governo, ele demonstrou claramente que não
estava de acordo com o plano econômico de caráter neoliberal definido por Collor, por
essa razão, o presidente, que era adepto às reformas produtivas e estruturais por meio da
substituição de importações, interrompeu o processo de abertura comercial, esta
suspensão teria fim no ano que o Plano Real fosse inserido na Economia, antes mesmo
de FHC assumir a presidência.
Nas palavras de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2002, p. 472):
Nas mãos das autoridades econômicas, o comércio exterior deixou de
ser instrumento estratégico de desenvolvimento e converteu-se em
variável dependente da estabilização monetária.
Como veremos nas seções seguintes, o Plano Real representou a decisiva
vinculação do país às determinações do “Consenso de Washington” e a sonegação de
qualquer alternativa dentro dos limites do capital, como explanado por Fiori (1998, p.
14, grifos do autor):
Poucos têm dúvida de que o Plano Real, a despeito de sua
originalidade operacional, integre a da família dos planos de
estabilização discutidos na reunião de Washington onde o Brasil
esteve representado pelo ex-ministro Bresser Pereira. E aí se inscreve
não por haver sido formulado por um grupo pragmático de
technopols, mas por sua concepção estratégica de longo prazo;
anunciadas por seus autores, desde a primeira hora, como condição
inseparável de seu sucesso no curto prazo: ajuste fiscal, reforma
monetária, reformas liberalizantes, desestatizações e etc., para que só
depois de restaurada uma economia aberta de mercado [pudesse] se
dar então a retomada do crescimento (...). Desde este ponto de vista,
aliás, o Plano Real não foi concebido para eleger FHC, FHC é que foi
concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar
ao FMI, e viabilidade política o que falta ser feito das reformas
preconizadas pelo Banco Mundial.
Nas eleições de 1994, podia sentir-se o tom de otimismo do fim da Guerra-Fria,
o tom ideológico de “pensamento único”, da “única alternativa”, da “celebração das
novidades e modernidades”, da “reestruturação produtiva”.
78
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
A alusão de um desenvolvimento sob as prescrições do Consenso de
Washington era presente em praticamente todos os setores do Governo, já que a
hiperinflação foi controlada, a busca por “novos caminhos”, “novas diretrizes” fizeram
com que o Brasil rompesse sua tradição desenvolvimentista.
Após a breve explanação sobre as mudanças de paradigmas político, econômico
e ideológico nos Governos Collor e Itamar, cuja transformação norteará as relações
político-econômicas brasileiras a partir do início dos anos 90. Na próxima seção iremos
aprofundarmos estas mudanças de paradigmas na questão tecnológica.Procuraremos
entender as continuidades e rupturas das medidas pensadas no setor tecnológicoindustrial do país até as eleições de 1994.
79
Barbara Regina Vieira Lopes
3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADES
DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO BRASIL
(1980-1995)
Das 500 maiores empresas privadas existentes no
Brasil, as multinacionais aumentaram: Em 1995, eram
143; em 1998, eram 209; e em 2000, eram 225.
Núcleo de Economia Industrial e Tecnologia da
Unicamp
Desde o início dos anos 60, a produção e o consumo de produtos ligados à
informática – principalmente na produção especializada de softwares – estiveram
concentrados em poucos países, sendo que os seis maiores67 eram responsáveis por
quase 70% do mercado global nos anos 80. Os Estados Unidos mantiveram a liderança
deste setor, e já no ano de 1987, somente este país era responsável por 70% do mercado
mundial.
Enquanto a América Latina passava por uma de suas piores crises econômicas
na chamada “década perdida”, em que dezenas de empresas pediram falência, os
empreendimentos americanos mantiveram um crescimento espetacular, principalmente
as que produziam tais componentes tecnológicos como ilustração temos as empresas
Ashton-Tate e a Microsoft Corporation que tiveram um crescimento de 496% e 983%,
respectivamente, de 1982 e 1985.
Este domínio é resultado de fatores ligados à grande dimensão do mercado
americano, do impulso gerado por fortes programas de P&D com fundos do Governo,
da disponibilidade de recursos humanos gerado pelo sistema universitário, e vem sendo
sustentado por pesados investimentos provados em P&D.
Porém, ainda que os Estados Unidos estivessem na liderança, empresas
européias e asiáticas (as japonesas)68, se fortaleciam em seus mercados locais, e
começavam a penetrar no mercado americano.
67
De acordo com Zukowski (1994), os seis países são Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Reino
Unido e Itália.
68
De acordo com Zukowski (1994, p. 63), Tigre (1985) e Schware (1989), na Europa, os principais
mercados domésticos de softwares era os da França, Alemanha, Reino Unido e Itália. O desenvolvimento
local era bastante significativos, mas maior parte da demanda era atendida, basicamente, por produtos
americanos.No Reino Unido, em 1985, o desenvolvimento local representava quase a metade do mercado
e as receitas oriundas do exterior equivaliam a cerca de 11% do mercado interno e cerca de0,5% do
mercado do resto do mundo.No entanto, o desenvolvimento local se concentrava em software sob medida
e, conforme estudo do Advsory Council for Applied Research and Development, o mercado era dominado
por fornecedores estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos.A França,em 1985 apresentava um
alto índice de utilização de software sob medida, cerca de 60%, o que possibilitava ás empresas locais
80
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
No Brasil, o cenário era outro. Não havia uma indústria que englobasse a
produção de inúmeros componentes de informática, somente as empresas de softwares
desenvolviam-se rapidamente. Apesar do contrabando e da pirataria, em 1987 havia
cerca de 1500 empresas deste ramo. Algumas delas obtinham um rápido crescimento
em vendas, tornando-se relativamente grandes e dominando parcelas expressivas de
segmentos importantes do mercado.
Muitas destas conseguiam montar uma estrutura organizacional e atingir um
certo grau de profissionalização, ao tempo que fixavam suas marcas, consolidando-se
como importantes produtoras de softwares.
Apesar da difusão do uso de computadores no país só se verificar ao fim da
década de 60, foi neste exato contexto que o mercado brasileiro ainda era atendido
basicamente por importações dos produtos norte-americanos, agravando a dependência
nacional, a qual seria prejudicada á longo prazo, principalmente, quando o Brasil
buscasse implementar em suas políticas públicas, estratégias à fim de competir com
estas empresas.
Desta forma, afirmou Piragibe (1985, p. 110):
[...] Reproduzia-se no mercado brasileiro de computadores o mesmo
perfil encontrado em escala internacional. Tal situação confirma a
generalização dos padrões de produção e consumo nesse setor,
decorrente da presença dominante das subsidiárias das empresas
multinacionais de origem Americana nos diversos mercados
nacionais.
No Brasil, ao final dos anos 80, havia cerca de oito mil programas cadastrados
na SEI, sendo mais da metade estrangeiros, abrangendo todas as áreas de software
básico, de suporte e aplicativos. Porém, ao que se refere ao setor de software como um
todo, Zukowski (1994) contempla as observações de Lucena (1988, p. 11-15 apud
ZUKOWSKI, 1994, p. 78-79, grifos nossos):
O país apenas não possuía experiência no desenvolvimento de
sistemas muito grandes e havia soluções capazes de concorrer com
pacotes importados em software aplicativo, básico e de suporte. As
atividades de pesquisa das universidades e centros de pesquisa
existentes cobriam todas as áreas e havia produtos que chegaram ao
deter uma larga participação no mercado interno. Conforme Schware (1989, p.34), a indústria francesa de
software era a mais competitiva depois da americana, já que cerca de metade dos 20 maiores fornecedores
para o mercado europeu eram franceses. A Alemanha tinha o maior mercado de pacotes de softwares,
com mais de 3000 empresas, e com um crescimento real da ordem de 18% ao ano em 1987 (Schware,
1989, p.33). A Siemens e a Nixdorf estavam entre os dez maiores fornecedores mundiais de softwares e a
Software AG estavam entre os dez maiores fornecedores independes. Por fim, na Itália, o
desenvolvimento de softwares não era tão expressivo e, de acordo com NOMOS SISTEM, quase todo
software usado no país era importado.
81
Barbara Regina Vieira Lopes
mercado após desenvolvimentos iniciais em universidades. Em
automação do desenvolvimento, havia 15 anos de experiência em
universidades, em software para grande porte, que favoreciam
empresas como IESA, Base e Staa Informática. Em computação
gráfica e inteligência artificial, são citados pacotes sofisticados para
modelamento geométrico, interpretador compilador PROLOG,
ambiente de desenvolvimento para programação em lógica (SAFO0
etc. Em sistemas operacionais havia capacitação consolidada com o
desenvolvimento de sistemas como Sisne, SOX, e PLURIX e seria
possível acompanhar a evolução tecnológica dos mesmos e contribuir
inovativamente para suas futuras gerações, o mesmo sendo válido
para compiladores e bancos de dados. Os principais problemas
eram a falta de experiência de gerenciar e desenvolver projetos
de softwares verdadeiramente grandes e de especificar e projetar
sistemas de softwares inovativos e um desnível técnico no Brasil,
mais acentuado que nos países centrais, entre os grupos de elite
das grandes indústrias e das universidades e a grande massa de
analistas e programadores sem formação para entender os
conceitos em que se baseiam as modernas ferramentas de
produtividades.
Para agravar a situação no final da década de 80, as principais empresas
estrangeiras de softwares começaram a estabelecer no Brasil, apesar de não poderem
comercializar seus produtos por conta da proteção da indústria nacional, entre elas
estavam Lotus, Microsoft, Oracle, Wordperfect, Nantucket, Novell, seguidas de várias
outras.
O objetivo inicial dessas empresas estrangeiras era implementar estratégicas
mercadológicas e dar suporte á comercialização de seus produtos, porém, a
concorrência estrangeira dificultava o progresso da indústria nacional, já que nos
mercados de pacotes muito padronizados, em que as empresas estrangeiras
concentravam-se fortemente no poder financeiro, sobretudo, no marketing, as empresas
locais tiveram grandes dificuldades de sobrevivência.
Estas empresas nacionais que atuavam neste específico mercado adotaram novas
estratégias, a reação comum foi partir para a comercialização de software estrangeiro,
algumas abandonaram seus próprios produtos, outras já atuavam simultaneamente como
produtoras e distribuidoras e apenas canalizaram esforços para a comercialização de
produtos de origem estrangeira. Esta estratégia levou os sistemas importados a
rapidamente dominarem nosso mercado de redes de grande porte.
Com o processo de abertura comercial a indústria da informática tentou
sobreviver a este processo de transição, já que em 1991, acabou a vigência da reserva de
mercado, estipulada em 1984.
82
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Era claro que a abertura iria exigir uma total reestruturação do setor de
informática nacional, com o intuito de propiciar uma enorme captação de investimentos
externos e parcerias estratégicas com as empresas locais a fim de redesenhar o modelo
produtivo nacional.
Nesse contexto, como analisado por Piragibe (1985), e citado por Simiqueli
(2008) após esta massiva dominação de produtos estadunidenses nos anos 80, houve
mais uma iniciativa militar de tentar produzir sistemas nacionais de informação, a qual,
infelizmente, pode ser analisada como uma reação tardia à dominação em curso
realizada pelas empresas norte-americanas.
Tal dominação estrangeira criaria certas barreiras de difícil acesso aos produtos e
efetividade das políticas nacionais, os resultados insuficientes, seriam sentidos, em
longo prazo, nas décadas futuras, pelos seguintes fatores:
a) Ausência de políticas de transferência de tecnologia: a
importação de equipamentos, além de pressionar a produção nacional,
constituía uma alternativa extremamente desvantajosa para a nossa
economia, atuando como agravante da série de fatores de dependência
(financeira, econômica, social e tecnológica) que marcariam as crises
experimentadas pela economia brasileira nas décadas seguintes;
b) formação dos recursos humanos nacionais: especializados em
atividades de caráter técnico (montagem, manutenção, supervisão)
relacionadas aos sistemas importados, os especialistas nacionais
sofreriam grave defasagem, quando comparados aos projetistas das
matrizes estrangeiras. Dominando apenas o conhecimento suficiente à
instalação/execução das rotinas fornecidas pelos fabricantes, não
possuiriam autonomia suficiente para desenvolver sistemas nacionais;
c) barreiras à entrada Além do comprometimento do pessoal
especializado em funções que subutilizavam a capacidade da mão de
obra nacional, o grande montande de recursos tecnológicos,
comerciais e financeiros empregados realizados nas firmas
estrangeiras constituía séria barreira à entrada de firmas nacionais no
setor. As nascentes empresas brasileiras não teriam condições de
competir livremente com gigantes como Burroughs, IBM e Fujitsu.
(SIMIQUELI, 2008, p. 08-09, grifos nossos)
É importante sublinhar que apesar da difusão do uso de computadores no país só
se verificar ao fim da década de 1960, o mercado brasileiro era atendido basicamente
por importações dos produtos norte-americanos.
As primeiras empresas estrangeiras entraram no país no começo do século XX,
agravando a dependência nacional, a qual seria prejudicada, em longo prazo,
principalmente, quando o Brasil buscasse implementar em suas políticas públicas, uma
busca por estratégias à fim de competir com estas empresas
83
Barbara Regina Vieira Lopes
As barreiras eram enormes, mesmo que já houvesse uma grande preocupação
com o setor, explicitado pelas intervenções militares no setor de informática:
1) 1930-1960: A entrada de transnacionais como IBM, Burroughs e
Sperry (ex-Univac) e as primeiras iniciativas governamentais
(lideradas pela Marinha e pelo BNDE);
2) 1968-1978: Criação e atuação do Grupo de Trabalho Especial e da
Comissão de Atividades de Processamento Eletrônico;
3) 1978-1984: Criação e progressos obtidos pela Secretaria Especial
de Informática;
4) 1984-1991: Trâmite da Lei de Informática no Congresso, sua
aprovação e início da queda da PNI;
5) 1991- : Há o desmonte da PNI e do arcabouço institucional de
suporte à informática, operada, principalmente, durante o governo
Collor. (SIMIQUELI, 2008, p. 4-5).
Como diretrizes que davam uma “sustentação ideológica” à Política Nacional de
Informática até os anos 1990, segundo Rosenthal (1995) temos:
I)
II)
III)
IV)
V)
O desenvolvimento da capacidade tecnológica do país, que
dependia da interação entre seu sistema produtivo e a
comunidade responsável por P&D;
A informática, que era uma nova área de conhecimento
tecnológico e em grande expansão, apresentando uma
abertura potencial para a criação de um setor industrial;
O Surgimento dos microcomputadores, que tinha aberto uma
janela de oportunidades para a criação, por ter reduzido as
barreiras tecnológicas e financeiras à entrada, a nível
mundial;
A necessidade de proteção de mercado contra a concorrência
de fabricantes já estabelecidos, que induzia empresários
locais a investir nessa nova indústria;
A Necessidade das empresas terem acesso as fontes de
tecnologia para poderem se engajar nas atividades de P&D,
já que a indústria não assegurava o desenvolvimento da
capacidade tecnológica nacional.
Em 1984, com a criação da chamada “lei de informática”, além de estabelecer
“princípios para a PNI, cria o conselho Nacional de Informática – CONIN, o Programa
de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Informática – PRODESIN, e autoriza a
instituição da Fundação Centro Tecnológico para a Informática” (TÁVORA, 1985).
Desta forma, a estratégia do governo era assegurar um fortalecimento mais ativo
da proteção as empresas nacionais, por meio de inúmeros incentivos fiscais, já que, foi
observado pelo Estado as reais condições do mercado e da sociedade brasileira.
A Lei de informática dos anos 80 representou a efetivação da reserva de
mercado que, inicialmente, era considerada como uma ferramenta eficaz, que garantiria
84
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
as empresas nacionais um espaço, proteção e incentivos para seu nascimento,
desenvolvimento e uma possível permanência de atividades no setor.
No entanto, com as restrições às empresas estrangeiras, as empresas nacionais
não aproveitaram a oportunidade de competição do mercado no mercado, o que
inviabilizou a criação de empresas brasileiras consolidadas, com um relativo domínio
tecnológico.
Os produtos aqui desenvolvidos tinham um alto custo, e um baixo padrão
tecnológico frente aos produtos estrangeiros, além disso, o mercado interno bem
definido, porém baixo. Tais fatores contribuíam para que o índice de informatização do
país caísse.
Como tentativa organizacional, a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia
em 1985, teve como objetivo a competência de formular e executar a política de
desenvolvimento para o setor de informática e automação.
A mudança de cenário político no fim dos anos 80 introduziu no país uma nova
realidade para o setor tecnológico, principalmente, na área de informática, já que, para a
que o desenvolvimento da PNI obtivesse êxitos na Nova Ordem, a competitividade e a
busca por uma inserção internacional mais ativa no sistema teriam que ser consolidados
pela Política.
Nos anos 90, a realidade sócio-econômica (desequilíbrios macroeconômicos,
hiperinflação e endividamento da máquina estatal) colocou em xeque a manutenção dos
projetos nacionais.
Segundo o MCT (2002) a proteção de mercado, baseada na política de
substituição de importações adotadas nas décadas anteriores, gerou um considerável
parque industrial, e uma significativa mão de obra qualificada. Apesar desses avanços, a
indústria nacional não estava preparada para enfrentar as novas condições do mercado
mundial.
Além do fim da vigência da reserva de mercado que se aproximava, houve
também uma ampliação dos movimentos de liberalização do comércio e redução das
barreiras protecionistas flexibilizando as políticas de proteção.
Tal elasticidade ameaçava a indústria de informática brasileira. Essa abertura
exigira uma total reestruturação: na importação de insumos, na qualificação da mão-deobra, no apoio estatal com incentivos fiscais e investimentos em P&D, para que os
produtos brasileiros chegassem aos mercados com um preço relativo ao estrangeiro, e
com o mesmo padrão de qualidade
85
Barbara Regina Vieira Lopes
Sobre a abertura ainda no Governo Collor, em junho de 1990, o presidente
anunciou para janeiro do ano seguinte a liberalização das importações de equipamentos
de informática ainda protegidos pela Reserva de Mercado. Era a primeira medida de
Collor visando adequar as empresas à completa liberalização das importações. Para o
diretor executivo da ABICOMP, Pereira Nunes (1990):
Há muitos pontos conflitantes na proposta. A proposta é forçar a
competitividade da indústria nacional, mas não estão sendo
explicitados os meios para isso. Abrindo somente, sem definição
de metas, a industria fica sem condições de planejar e definir a
evolução de produtos. (GAZETA MERCANTIL (RELATÓRIO),
apud VIGEVANI, 1995, p. 334-335, grifos nossos).
Em 1990 A crise econômica repercutiu com grande peso no setor de informática,
e pela primeira vez registrou prejuízo e, portanto, demissões, particularmente entre os
profissionais qualificados. Além disso, os incentivos fiscais e os investimentos em
pesquisas foram reduzidos. Como ressalta Vigevani (1995, p. 338 -339):
Em 1991, assistiu-se à consolidação de uma nova fase no rápido
processo de internacionalização do setor de informática. Em agosto
de 1991, num encontro organizado pelo Instituto de Economia
Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado por
Peter Evans, Claudio Frischtak e Paulo Bastos Tigre, colocaram-se
em evidência as perplexidades existentes entre inúmeros setores que
haviam participado, e ainda participavam, como intelectuais,
empresários ou políticos, dos destinos do setor de informática.
A política industrial neste setor foi objeto de grandes e polêmicas discussões no
segundo semestre de 1990, como escreveu Vigevani (1995), havia conflitos de
interesses entre as equipes econômicas, que eram favoráveis a eliminar rapidamente
quaisquer restrições às importações, embutindo nas discussões de projetos futuros
regulamentações e formulações de novas atividades às poucas agências nacionais de
tecnologia como secretárias e comissões que restavam.
Por outro lado, estava a Secretaria de Ciência e Tecnologia, sob gestão de José
Goldemberg, este defendia a manutenção de uma política de incentivos, que
favorecessem a capacitação tecnológica de um maior período, até 1995.
Em outro momento importante no Governo Collor, foi a retomada de métodos
que visassem o incentivo ao plano de CT&I, já que, uma nova lei de informática foi
aprovada pelo Congresso em 1991. Embora a definição de novas regras para o setor
86
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
tenha ocorrido com a aprovação da Lei 8.248/9169, sua vigência inicia-se apenas com a
remoção dos mecanismos de regulamentação em 1993.
Com o fim da lei da reserva de mercado em 1992, outras instituições das décadas
anteriores foram se dissolvendo, como a ABICOMP. Para os que participavam daquele
encontro, organizado pelo Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do
Rio de Janeiro em 1991, ficou evidente que a incisiva atuação das empresas estrangeiras
levaria nossos programas estatais á obter resultados insuficientes, principalmente se
considerarmos que o novo projeto de lei sobre o software que foi anunciado em janeiro
do mesmo ano, teve um enorme apoio de William Gates, presidente da multinacional
americana Microsoft.
Com a aprovação da Nova Lei de Informática em 1991, o Governo passou a
administrar de forma flexível um ajuste do setor, visando permitir à indústria nacional
as condições mínimas de sobrevivência, já que, os investimentos estatais foram
reduzidos drasticamente, assim como as regulações estatais pelas Secretarias Especiais
da área de informática.
Desta maneira, podemos caracterizar boa parte dos anos 90, como afirmou
Simiqueli (2008, p.26-27), “pelo hiato de quase ausência da intervenção estatal no setor.
O arcabouço montado com a PNI é desarmado em prol das políticas de abertura
encampadas no início da década, e o setor só retornaria a receber incentivos estatais
concretos no começo do século seguinte”.
Com o Governo FHC as privatizações foram levadas á cabo, principalmente, em
setores estratégicos como Telecomunicações, energia e mineração. Os índices de
investimento e incentivos fiscais na área de C&T.I para empresas nacionais eram
baixos, além disso, havia o desinteresse estatal em assumir os ganhos e as perdas destes
setores.
A preocupação governamental de modernizar a indústria nacional de telemática
e, sobretudo, informática, estava fora de cogitação, visto a estrada massiva de empresas
estrangeiras nestas áreas, as quais poderiam, de acordo com o Governo, aplicar
melhorias por meio de altos investimentos e modernizações dos insumos e
gerenciamento pessoal, qualificando sua mão de obra, cujo resultado seria a ampliação
destes empreendimentos.
69
Lei aprovada dia vinte e três de outubro de mil novecentos e noventa e um.
87
Barbara Regina Vieira Lopes
Como se sabe, as privatizações e a liberalização eram instrumentos de
sustentação do Plano Real e, desta forma, o Governo argumentaria que havia
dificuldades para a manutenção do gerenciamento estatal destas empresas: os altos
custos para a reestruturação destes empreendimentos, o endividamento dos órgãos
públicos eram altíssimos.
Além do orçamento curto por conta da dívida externa, o que podemos concluir é
que desinteresse na capacitação tecnológica nacional foi proposital, para que a venda
destas empresas, de acordo com o Governo, fossem caracterizadas como inevitáveis.
Nossas considerações sobre o desmonte da PNI durante o processo de abertura
apontam uma grande preocupação com a tecnologia nacional até o governo Sarney,
cujos Planos Nacional de Desenvolvimento foram as tentativas mais ousadas que o
Governo poderia tomar, referente ao período histórico que o país passava.
Contudo, como dito por especialistas, o momento e a forma como foram
conduzidas as medidas que propiciassem um crescimento e desenvolvimento do setor de
informática no Brasil, foram consideradas errôneas, já que as medidas centrais foram
traduzidas em incentivos fiscais.
No entanto, não se deve desmerecer a preocupação estatal pela busca da
capacitação nacional, as leis de informática e os incentivos fiscais foram medidas que
procuraram fazer com que o Brasil se adequasse á tendência mundial que indicava a
RCT como meio para o desenvolvimento econômico e Social.
Estas tentativas de autonomia, que na concepção dos governantes e formuladores
da PNI tirariam o país da condição de subdesenvolvimento, duraram até a abertura
econômica, iniciada quase que despercebidamente por Sarney, quando este eliminou
restrições de uma maneira clara às importações “proibidas”, eliminando o anexo C da
CACEX.
Collor, claramente abriu nossa Economia colocando em xeque as conquistas
feitas pela PNI durante a década anterior. Além de reduzir os investimentos na área, a
dissolução das comissões e secretarias demonstrou que o desmonte da indústria nacional
de Informática estava apenas começando, já que a liberalização exigiria mais de nossas
empresas.
Desta maneira, as privatizações foram expandindo-se, houve a venda de
pequenas e médias empresas, durante o Governo Collor e Itamar, no entanto, com o
sucesso do Plano Real, cujos resultados animadores que derrubaram uma hiperinflação
de quase 20 anos, levou à presidência seu formulador.
88
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
Fernando Henrique Cardoso privatizou setores estratégicos da economia,
antecipando o desmonte das políticas de informática, promovendo de uma forma direta
a descontinuidade da PNI, já que o objetivo central desta era promover a autonomia
nacional.
Como política de continuidade os incentivos fiscais mínimos em P&D deram
seqüência em seu Governo, porém, com pouca eficácia, visto a idéia originária do PND:
“transformar a estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos, conduzindo o
Brasil a uma posição de potência intermediária no cenário internacional, saindo da
posição de subdesenvolvimento, provocando uma inserção ativa no comércio mundial”
(CARNEIRO, 2002, p. 55).
Nas próximas seções veremos os resultados da Nova lei de informática de 1991,
que teve seu prazo de vigência encerrado em 1998, coincidindo com o final do primeiro
mandato de FHC. Desta maneira, à medida que apresentaremos os resultados de tal
legislação, traremos análises concretas, com um balanço parcial das políticas públicas
de incentivo ao setor de C&T.I no referente período.
89
Barbara Regina Vieira Lopes
Quarto Capítulo
Estratégias para o desenvolvimento
de C&T.I
(1995 - 1998)
Vamos aposentar os velhos dilemas ideológicos e as velhas formas de
confrontação, e enfrentar os temas que movem a cooperação e o
conflito entre os países nos dias de hoje (...). Outros temas centrais
são o acesso à tecnologia (...). Eu acredito que o Brasil tem um lugar
reservado entre os países bem-sucedidos do planeta no próximo
século, isto vai demandar uma ampla reorganização da máquina do
governo. Por isso mesmo, a realização de um projeto nacional
consistente
de
desenvolvimento
deve
nos
fortalecer
crescentemente no cenário internacional. O momento é favorável
para que o Brasil busque urna participação mais ativa nesse
contexto.70 (BRASIL, 1995).
70
Discurso de posse de Fernando Henrique Cardoso, para mais detalhes acerca deste, ver BRASIL
(CONGRESSO NACIONAL), 1995, p. 1-9.
90
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
4.1. PRIMEIRO MANDATO DE FHC (1995-1998)
“Não se pode associar tudo ao Real e à
estabilidade. O Real não pode, em si, ser a
estratégia71”.
FHC
Com o sucesso do Plano Real, FHC tornou-se presidente, nas eleições de 1994.
Disputaram com ele: Luiz Inácio Lula da Silva (PT); Enéas Ferreira Carneiro (Prona);
Orestes Quércia (PMDB); Leonel de Moura Brizola (PDT); Espiridião Amin (PPR);
Carlos Antônio Gomes (PRN); e o pouquíssimo votado Brigadeiro Hernani Fortuna
(PSC). Cardoso venceu no primeiro turno com 54,27% dos votos válidos. Lula mais
uma vez posicionou-se na 2ª colocação, como em 1989.
Como citado por Luis Carlos Mendonça de Barros (2002, p. 108):
O grande mérito de Fernando Henrique como homem político, ao
contrário do que se passou com o presidente Sarney em 1985, foi
entender que a sociedade brasileira estava farta da inflação crônica
que a acompanhava fazia mais de quinze anos. Quando aceitou o
convite para ser ministro da Fazenda do cambaleante governo Itamar
Franco, em 1993, ele já sabia o que iria fazer. Chamou imediatamente
a equipe de Economistas da PUC para trabalhar consigo e apresentou
à sociedade seu plano de estabilização. O sucesso imediato deu-lhe o
cargo de presidente da República nas eleições de 1994.
No dia 1º de janeiro, FHC fez o tradicional discurso de posse72, e no mesmo já
explicitava algumas diretrizes neoliberais pelas quais iria direcionar o país. Neste
discurso, Cardoso fez menção ao Plano Real, projeto que demonstrou ser eficaz na luta
por uma estabilização econômica de longo prazo e pelas embrionárias reformas
estruturais que seriam levadas a cabo em seu governo como as privatizações:
Ao escolher a mim para sucedê-lo [Itamar Franco], a maioria
absoluta dos brasileiros fez uma opção pela continuidade do Plano
Real, e pelas reformas estruturais necessárias para afastar de uma vez
por todas o fantasma da inflação. (BRASIL, 1995, p. 1-9).
O presidente explicitou a força da abertura comercial e do interesse externo em
nossos mercados, demonstrando que haveria apoio do Estado em tal interesse. Um dos
objetivos destas reformas era promover uma “nova” inserção do país na economia
71
FHC em entrevista á Revista Veja, 06/09/1995. Apud, FIORI 1998, p. 121-122.
Discurso de Posse do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso no Congresso Nacional.
Brasília, 1 de janeiro de 1995 Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/discurs.htm> Acessado em novembro de 2010.
72
91
Barbara Regina Vieira Lopes
global, tanto por meio da abertura de nossos mercados, quanto pelo o que esta ação
supostamente implicaria.
Acreditava-se que esta abertura proporcionaria um grande estímulo à produção
brasileira. Esta “estratégia” tornou-se política de governo de FHC, e como tal, era vista
com grande otimismo para a objetivação do interesse nacional:
Temos de volta a liberdade, portanto. E teremos
desenvolvimento.(...) Também vemos com satisfação que
aumenta o interesse de outros países pelo Brasil.(...)
Rapidamente, no ritmo veloz das comunicações e da abertura da
economia brasileira, estamos deixando para trás atitudes xenófobas,
que foram mais efeito do que causa do nosso relativo fechamento
no passado (...). Por isso mesmo, a realização de um projeto
nacional consistente de desenvolvimento deve nos fortalecer
crescentemente no cenário internacional. (BRASIL, 1995, p. 1-9,
grifos nossos).
A estratégia de FHC esperava um incremento da produtividade, decorrente do
desenvolvimento tecnológico, por meio de maior competitividade e do aumento do
investimento externo. A conseqüência seria o crescimento da economia e do
emprego. Esperava-se
também,
que
os
aumentos
da
produtividade
e
competitividade, levariam em médio prazo, ao aumento das exportações e, por
conseguinte, a redução da vulnerabilidade externa. Esses seriam os principais frutos
da política de abertura. No entanto, não era certo que o Plano Real levar-nos-ia a
estes resultados:
O momento é favorável para que o Brasil busque urna participação
mais ativa nesse contexto (...). Numa fase de transformações
radicais, marcada pela redefinição das regras de convivência
política e econômica entre os países, não podemos, por mero
saudosismo, dar as costas aos rumos da História. Temos, sim, que
estar atentos a eles para influenciar o desenho da nova ordem
(...). É tempo, portanto, de atualizar nosso discurso e nossa ação
externa, levando em conta as mudanças no sistema internacional
e o novo consenso interno em relação aos nossos objetivos (...).
Vamos aposentar os velhos dilemas ideológicos e as velhas
formas de confrontação, e enfrentar os temas que movem a
cooperação e o conflito entre os países nos dias de hoje: as tarefas
ampliadas do multilateralismo e os desafios da regionalização; a
dinamizarão do comércio internacional e a superação das formas
de protecionismo e unilateralismo. Outros temas centrais são o
acesso à tecnologia (...). Eu os convoco para mudar o Brasil. Muito
obrigado. (BRASIL, 1995, p. 1-9).
92
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
As primeiras medidas tomadas por FHC caminhavam na mesma direção que as
mudanças que se processavam no mundo, rumo as políticas neoliberais. A Nova Ordem
as estabelecia como único meio para um país sair de sua condição de
subdesenvolvimento.
No primeiro Governo de Fernando Henrique, 80 empresas foram privatizadas
(Anexo C), gerando uma receita de US$ 73,3 bilhões. Estas vendas ocorreram por conta
do contexto de reformas do início dos anos 90.
Como ressaltou Filgueiras (2006, p. 115):
No Governo Collor, foram vendidas 18 empresas, num total de US$ 4
bilhões, enquanto no Governo Itamar foram privatizadas 16
empresas, num montante de US$ 4, 6 bilhões (Paulani, 1998).Como
se pode observar, portanto, foi no Governo Cardoso que, de fato, as
privatizações deslancharam, tornando-se, na prática, elemento
essencial do novo projeto de desenvolvimento. Apenas com relação
ao PND (US$28,9 bilhões), as privatizações no Governo Cardoso
corresponderam a 70% do total; se incluirmos o setor de
telecomunicações (mais de US$ 29,1 bilhões), essa participação
chega a 85% do valor arrecadado pela União.
Nesta década, o país adotou uma abrangente pauta de reformas favoráveis ao
mercado, numa tentativa de recuperar o antigo dinamismo econômico. Como veremos
na seção seguinte, a ampliação do programa de privatização tornou-o um importante
pilar de sustentação do Plano Real, especialmente, no primeiro mandato de Cardoso.
Historicamente, de acordo com Pinheiro, Giambiagi e Moreira (2001, p. 29), as
reformas dos anos 90, podem ser divididas em três períodos como já citado no capítulo
2 (seção 2.6). A primeira fase periodiza de 1991-1994, já a segunda etapa associa-se ao
primeiro Governo de FHC, de acordo com estes três autores, este momento pode ser
assim descrito:
Na segundo fase (1995/98), a primeira administração de Cardoso
avançou mais um passo ao levar o programa de privatização ao setor
de infra-estrutura e ao conter a inflação, que caiu de 5.000% ao ano
para aproximadamente 2% em 1998. Entretanto, a demora em adotar
o regime de flutuação da taxa de câmbio e a falta de disciplina fiscal
levaram ao aumento do deficit fiscal e em conta corrente, o que
também comprometeu o crescimento.
Entre muitos fatores que permitiram o aumento das privatizações, podemos
destacar dois: A vontade do Estado em privatizar tais empresas e a revisão da
Constituição de 1988 que alterou o monopólio das empresas pelo Governo:
93
Barbara Regina Vieira Lopes
O auge do programa de privatização brasileiro ocorreu durante o
primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995/98). (...) Dois fatores permitiram essa significativa expansão do
volume e da abrangência das privatizações: o primeiro foi a
participação dos governos estaduais no esforço de privatização, o
que possibilitou a venda de diversas companhias de distribuição de
eletricidade; o segundo foi a decisão de alterar a Constituição para
acabar com o monopólio do governo sobre certas áreas e eliminar a
discriminação contra as subsidiárias de companhias estrangeiras,
criando-se com isso a oportunidade de expandir o programa de
privatização para setores como telecomunicações, eletricidade e
mineração, que eram as principais áreas produtivas sob controle
estatal no Brasil. Também nessa época, outras áreas que viviam sob a
tutela do Estado há décadas, como as ferrovias e os portos, foram
parcial ou totalmente transferidas ao setor privado. (PINHEIRO,
GIAMBIAGI E MOREIRA, 2001, p.29).
Deve-se sublinhar que privatizar foi, para o Governo, a resposta encontrada para
evitar a explosão da dívida pública (anexo D), agravada pelo contínuo aumento do
déficit fiscal a partir de 1995.
Entretanto, como destacou Filgueiras (2006), a venda de tais empresas não
conseguiu conter o crescimento desta dívida. Mesmo que entrasse capitais estrangeiros,
por meio do investimento direto, dando um tempo a mais ao governo para a substituição
da “âncora cambial”, o Governo não obteve os resultados almejados.
Com as crises cambiais internacionais entre 1995-1998 (México, Ásia e Rússia,
respectivamente), a situação agravou-se. Como veremos no próximo tópico, a forte
dependência do Plano Real para com o capital externo de curto prazo, associado ao
momento de crise, promoveu uma fuga massiva de capitais estrangeiros, obrigando o
governo a inserir na Economia uma série de ajustes.
Nunca antes na história do país, a política econômica do Brasil havia sido tão
reflexa, determinada de fora para dentro, e de forma “imediata”, conforme o modelo
econômico construído a partir do Plano Real73, cujo balanço de sua aplicabilidade e
resultados será analisado a seguir.
73
O acordo do Governo brasileiro com o FMI (dezembro/98) apenas substituiu a ditadura informal dos
“mercados” – mais propriamente a ditadura do capital financeiro -, personalizando a dependência externa,
conforme evidencias a seguinte notícia ( na qual também é mencionada a recomendação do FMI para se
elevar a taxas de juros no país): “Vai funcionar no prédio do Banco Central, em Brasília, a representação
do FMI no Brasil.A abertura dessa representação foi outra exigência feita pela cúpula da instituição. O
Governo resistia à idéia.(Folha de S. Paulo, 20/1/1999, 2º caderno, p.10) apud FILGUEIRAS, 2001, p.
117.
94
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
4.2 OS GANHOS E CONSEQÜÊNCIAS DO PLANO: UM BALANÇO
“É mentira dizer que o Real depende das
reformas (...) [macroeconômicas] 74”
FHC
Como mostrado pelos índices inflacionários, o Plano Real atingiu o seu objetivo
principal e emergencial: a derrubada da inflação75. Todavia, os custos (político,
econômicos e sociais) para esta almejada estabilização seriam altos, já que, ao longo da
vigência do Plano, houve tanto o aprofundamento dos desequilíbrios estruturais já
existentes, como também, a criação de novos problemas, desencadeando uma
imensurável instabilidade macroeconômica no país.
Essa instabilidade sistêmica, como assinalou Filgueiras (2006), é produto da
inconsistência interna do Plano e de sua condição, a qual ficou, claramente, exposta, a
partir das crises cambiais do México (dezembro de 1994), dos países asiáticos (junho de
1997) e da Russa (agosto de 1998).
“A abertura da Economia e a sobrevalorização do Real escancarou o país às
importações e tirou a competitividade das exportações, que cresceram num ritmo bem
inferior ao das importações” (FILGUEIRAS, 2006, p. 149).
Além da instabilidade macroeconômica, assistia-se no país a “um aumento
indiscutível, do descontentamento social brasileiro” (FIORI, 1998, p.103). Depois da
euforia do consumo, a sociedade obteve entre outros resultados: as perdas salariais, a
expansão do desemprego, a falta de crédito, uma piora progressiva dos serviços públicos
e decomposição explícita da infra-estrutura de energia, de transporte e de saúde.
Em uma análise detalhada sobre uma das fontes do problema, podemos ver que
a abertura econômica e a “âncora cambial”, necessitavam de elevados níveis de
reservas, as quais foram sustentadas por elevadas taxas de juros, o que acarretou,
diretamente, na deterioração de variáveis macroeconômicas, exceto a inflação.
Como um dos resultados, tivemos um crescimento medíocre do PIB (anexo E),
com períodos de estagnação e recessão aberta, elevando as taxas de desemprego76.
Tendo em vista o aumento de 2,7% ao ano da população economicamente ativa do país,
com a entrada de 1,5 milhão de novas pessoas, todo ano no mercado de trabalho, a sua
74
FHC em entrevista á Revista Veja. Apud, FIORI 1998, p. 100.
Em todos os índices (IGP-DI, IPA-DI, IPC-DI, IPC-FIPE, ICV), a inflação caiu de um patamar de
quatro dígitos em 1994 (mais de 2.000%) ao ano, para dois dígitos (menos de 100%), com exceção do
ICV-DIESE, que ficou apenas três pontos acima (102%), mostrando o indiscutível sucesso do Plano Real
no combate a inflação. Para mais detalhes acerca do assunto ver FILGUEIRAS, 2006, p. 155-156
76
Ver anexo 6.
75
95
Barbara Regina Vieira Lopes
absorção demandaria um crescimento do PIB a uma taxa meda entre 6% e 7% ao ano
(FILGUEIRAS, 2006, p. 150).
O momento de euforia que se seguiu após os primeiros meses do Plano Real,
com elevação da renda e do consumo, teve impacto direto sobre as atividades
econômicas e de geração de emprego, estes ganhos foram barrados pela crise Mexicana,
e, conseqüentemente, conforme o desencadeamento das outras crises cambiais, a
tendência da evolução da taxa de desemprego aberto (anexo F) foi ascendente.
Como citado por Fiori (1998, p. 102)
De um ponto de vista mais estrutural a atual política de estabilização
já produziu alguns efeitos irreversíveis. Segundo dados do governo, a
indústria nacional perdeu nos últimos três anos um mercado de 17,7
bilhões de dólares, jogou pela janela 450 mil postos de trabalho e
acumulou um déficit comercial de mais de sete bilhões de dólares, E,
o que e pior, segundo projeções do mesmo Ministério de Indústria,
Comércio e Turismo “a correção do déficit na balança comercial, á
médio prazo, dificilmente poderá depende exclusivamente das
exportações”.
Cardoso estava convencido de que dois benefícios resultariam da abertura tanto
do mercado de consumo como dos sistemas produtivo e de serviços: libertar o Estado de
encargos de dívidas contraídas pelas empresas públicas e melhorar a competitividade
daqueles dois sistemas.
É fato que houve a modernização do parque industrial, bem como seu
desenvolvimento (no aparato produtivo) – como apresentado no anexo C –, contudo,
como ressaltou Cervo (2002, p. 11, grifos nossos):
[...] a privatização com alienação impediu a inserção
internacional do país em condições de competitividade sistêmica,
que demandava a expansão para fora de empresas de matriz
nacional. Por efeito do Estado desenvolvimentista, o Brasil reunia
as quatro condições para tanto – grandes empresas, capital,
tecnologia e mercado – em nível muito superior às de pequenos
Estados como Portugal e Espanha, que lograram uma inserção
madura no mundo interdependente por haverem implementado
políticas de padrão logístico.
Para Cervo (2002, p. 11) “a adoção acrítica e ideológico do neoliberalismo que
erigiu o Estado normal latino-americano”, cujo modelo econômico foi associado ao
Plano Real, nos trouxe, em linhas gerais:
(...) embora em menor escala [reproduziu-se no país] efeitos
negativos que se generalizaram na região: aumento da transferência
de renda ao exterior, inadimplência, repetidas corridas ao FMI,
conversão do comércio exterior de instrumento estratégico de
desenvolvimento em variável da estabilidade monetária, regressão do
96
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
processo de desenvolvimento para dentro, aumento da desigualdade
social, desemprego, desnacionalização e desindustrialização.
Faz se necessário ressaltar que após a crise Asiática, em junho de 1997, o
Governo anunciou o “Pacote 51”, um conjunto de 51 medidas fiscais destinadas a gerar
uma economia adicional nas contas públicas de 2,5% do PIB.
Dentre estas medidas destacavam-se a demissão de 33 mil funcionários públicos
não estáveis, a suspensão do reajuste salarial do funcionalismo público e a elevação de
10% da alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Física. (PAULINO, 2010, p. 302).
Com a crise Russa no segundo semestre de 1998, aprofundou-se a fuga de
capitais que já vinha ocorrendo desde a crise Asiática. Houve uma queda de mais de
50% das reservas, que caíram de 70 bilhões de dólares para 30 bilhões dólares, em um
prazo de três meses. Nossas contas nacionais e externas estavam, profundamente,
desgastadas (ver anexo G).
O Governo respondeu com os mesmos ajustes fiscais que promoveu entre 19951997, ou seja, ele elevou novamente as taxas de juros (para 49%), criando facilidades
tributárias para o capital externo e editou um pacote fiscal de corte de gastos e elevação
de impostos.
Com tais medidas o Governo tentou estancar a fuga de capitais e impedir a
desvalorização da moeda, objetivo que se mostrou impossível de alcançar. Em
decorrência da fragilidade da situação o país fechou um novo acordo com o FMI, o
fundo garantiu empréstimos e créditos no valor de 41,5 bilhões de dólares, aliviando,
temporariamente, a situação.O momento de calmaria foi suficiente para garantir a
reeleição de FHC, para um segundo mandato (1999-2002).
Entretanto, o que podemos concluir do período de vigência do Real, durante seu
primeiro mandato, é de um cenário de desordem e instabilidade.
Seu objetivo principal, a queda da inflação, obteve, incontestavelmente, sucesso
absoluto. A estabilidade provida pela “âncora cambial” dos três primeiros anos do
Governo FHC foi totalmente abalada, pelas crises cambiais. Demonstrando a elevada
vulnerabilidade externa do país, a qual, de acordo com Batista Júnior (2002), a
vulnerabilidade da posição externa da economia brasileira decorre basicamente de
97
Barbara Regina Vieira Lopes
três fatores: o elevado déficit em conta corrente, a excessiva abertura da conta de
capitais e a insuficiência das reservas internacionais do país77.
A forma com o Governo conduziu seus problemas macroeconômicos, originados
pela vulnerabilidade externa resultante do Plano Real, foram aprofundados pelas crises
cambiais internacionais, colocando o Brasil em uma trajetória de crises econômicas e
tensões sociais.
77
Como descreveu Batista Jr (2002). A vulnerabilidade da posição externa da economia brasileira
decorre basicamente de três fatores: o elevado déficit em conta corrente, a excessiva abertura da
conta de capitais e a insuficiência das reservas internacionais do país. Vejamos cada um deles
separadamente. Embora tenha diminuído de forma considerável depois da depreciação do real, o déficit
no balanço de pagamentos em conta corrente continuou alto demais em 1999-2001, situando-se na faixa
de US$ 23 a 25 bilhões. A redução ocorrida desde meados de 2001 se deve, em boa medida, à acentuada
desaceleração da economia brasileira. Dada a pesada carga de pagamentos ao capital estrangeiro, uma
diminuição mais significativa do desequilíbrio em conta corrente passou a depender basicamente da
geração de superávits expressivos na balança comercial.Em conseqüência do crescimento da dívida
externa e do insuficiente controle sobre a distribuição temporal de seus vencimentos, as amortizações do
principal vêm representando substancial carga adicional, alcançando US$ 32 bilhões em 2000 e US$ 35,2
bilhões em 2001. A necessidade bruta de capital externo, definida como a soma do déficit em conta
corrente e das amortizações de médio e longo prazos, foi de US$ 56,2 bilhões em 2000 e US$ 58,4
bilhões em 2001. Note-se que esses números não consideram, de um lado, a necessidade de refinanciar a
dívida externa de curto prazo e, de outro, a existência de um apreciável estoque de investimentos de
portfólio, um tipo de capital eminentemente volátil. A dívida de curto prazo (prazo original inferior a um
ano) era de US$ 27,6 bilhões em dezembro de 2001. O estoque de investimentos estrangeiros de portfólio
(em ações, renda fixa, derivativos e outros) totalizava US$ 15,5 bilhões na mesma data.O segundo fator
de vulnerabilidade é o exagerado grau de abertura da conta de capitais autônomos do balanço de
pagamentos. Desde o governo Collor, o Brasil afrouxou os seus controles nessa área e ficou mais
vulnerável a movimentos especulativos e às acentuadas oscilações dos fluxos internacionais de capital. O
Banco Central descuidou de administrar de forma rigorosa o perfil da dívida externa. Aceitou a
generalização de práticas e cláusulas contratuais que permitem a antecipação de pagamentos e conduzem,
portanto, à perda de controle sobre a estrutura de vencimentos da dívida externa. A liberalização
financeira externa facilitou, também, a saída de recursos de capital pertencentes a residentes no Brasil.
Aumentou, assim, a fuga de capitais domésticos em momentos de turbulência e pânico, contribuindo para
surtos de instabilidade cambial.Finalmente, o Brasil não tem mantido um nível adequado de reservas, que
são a primeira linha de defesa em conjunturas de instabilidade. Depois da crise de 1999, as reservas
internacionais nunca alcançaram um montante que possa ser considerado seguro, em face do potencial de
instabilidade existente no Brasil e no resto do mundo. No conceito de caixa, as reservas brutas ficaram em
torno de US$ 30 a 35 bilhões em 1999-2001, sempre abaixo dos níveis registrados no início das crises dos
anos 90. Infelizmente, o Banco Central não aproveitou os períodos de relativa tranqüilidade que tivemos
em 2000 e no início de 2001 para reforçar o seu estoque de ativos de liquidez internacional.Nada disso
seria muito grave se pudéssemos contar com um ambiente benigno no plano internacional e um quadro
interno estável nos próximos anos. Mas parece evidente que não é esse o cenário mais provável.
Mais detalhes acerca deste assunto ver, BATISTA JR., Paulo Nogueira. Vulnerabilidade externa da
economia brasileira. Estud. av. [online]. 2002, vol.16, n.45.Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v16n45/v16n45a11.pdf> Acessado em: 06 de abril de 2011.
98
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
4.3 ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO DE FHC E A QUESTÃO
TECNOLÓGICA78
É no mínimo uma subestimação da minha capacidade
analítica e de minha imaginação pensar que diante da
“realidade contemporânea” eu optei por uma aliança
oligárquica (...) capaz de sustentar o Consenso de
Washington79.
FHC, 1994.
Desde os tempos de Ministro da Fazenda da Era Itamar, até os últimos dias de
seu primeiro mandato em 1998, antes de se reeleger, FHC esteve debruçado sobre as
delicadas e difíceis questões econômicas que o país atravessava.
Tanto a execução do plano Real como o impacto das crises cambiais
internacionais na economia brasileira, demandaram total atenção do Governo, fazendo
com que o planejamento de C.&T.I fosse deixado para segundo plano.
A Lei da Informática, vigente desde 1991, trouxe resultados satisfatórios (anexo
H80), porém, insuficientes para que o país projetasse alguma amostra da competitividade
nacional do setor, no ambiente internacional.
Mesmo o Brasil detendo a maior indústria de informática e telecomunicações da
América Latina nos anos 90, com taxa histórica de crescimento anual superior a 10%, a
comercialização de produtos brasileiros do meio eletrônico no espaço internacional era
muito baixo, quando comparado a outros países.
Uma prova disto é o estudo realizado pela OMC (1996), confrontando 29 países
em relação às importações e exportações de produtos eletrônicos, o Brasil ocupou a 22º
posição (Anexo I).
Nesta pesquisa, podemos observar que o primeiro lugar é ocupado, sem sombra
de dúvidas, pelos EUA, entretanto, as próximas colocações são ocupadas por países
78
Neste tópico apresentaremos como a questão tecnológica foi tratada no primeiro mandato FHC, qual
era sua estratégia para o setor e seus resultados, fazendo um balanço do período. O resultado desta
avaliação será abordado, de uma maneira mais detalhada, no tópico seguinte, fechando o trabalho.
79
FIORI, José Luis. Os moedeiros falsos. Ed.Petrópolis: Ed. Vozes, 1998
80
Em anexo serão apresentados os dados e análises feira pelo MCT (1998) referente aos
resultados da Lei de informática de 1991 sobre:
I.
Os impactos sobre as atividades de pesquisa e desenvolvimento - P&D
II.
Os impactos relacionados ao Processo Produtivo Básico - PPB
III.
Os impactos intra/extra-firma dos investimentos em P&D, qualidade e treinamento
IV.
Os impactos sobre a competitividade internacional
V.
Os impactos da suspensão ou extinção dos benefícios da Lei
O balanço sobre os impactos será apresentado no capítulo seguinte, contemplando as
considerações finais.
99
Barbara Regina Vieira Lopes
localizados na Ásia. Isto se deve ao fato de que antes mesmo do contexto de RCT dos
anos 80, estes Estados procuraram reestruturar seus respectivos sistemas produtivos.
Historicamente, a partir da década dos anos 70, parte da capacidade de produção
japonesa e americana, à procura de custos reduzidos, foi transferida para os países do
Sudeste Asiático e, mais recentemente, esta produção está migrando para a fronteira no
México e países da América Central (MCT, 1998, p. 38).
Com a transferência tecnológica, os Tigres Asiáticos (Hong Kong, Cingapura,
Coréia do Sul e Taiwan) tiveram como meta, a produção e, futuramente, a exportação
de produtos nacionais de alto nível (anexo J). Para a objetivação destas metas, houve
sérias mudanças em seus respectivos sistemas produtivos e educacionais a fim de
reestruturar seus relativos parques industriais.
A partir dos anos 90, o Brasil deu início a um “efetivo” apoio ao setor. A revisão
da lei de informática de 1984 pode ser considerada como uma tentativa disto. Contudo,
mesmo o governo sabendo que era preciso decididas mudanças estruturais, a fim de
buscar uma competitividade expressiva no Sistema Internacional, alguns fatores
existentes fizeram com que o governo focasse seus incentivos no financiamento, isenção
fiscal e reserva de mercado, como principais medidas de CT&I.
Podemos concluir que as medidas adotadas pelo Governo Brasileiro, diante do
contexto da década de 90, foram, claramente, insuficientes. Podemos associar duas
razões que sustentaram a falta de postura Governamental neste setor: A primeira, o
Brasil basear-se na ideologia neoliberal, principalmente, no Governo FHC; e a segunda:
os problemas macroeconômicos dos anos 90, principalmente, pós-Plano Real.
“Nossos países aderiram às novas ideias políticas, em grande parte,
constrangidos por suas dívidas externas, e a partir daí pelas decorrências lógicas de seus
novos planos de estabilização desenhados em torno do modelo experimentado no
México, e sustentados na sobrevalorização cambial, nas altas taxas de juros e na
abertura comercial (FIORI, 1998, p.221)”.
Desta forma, fica evidente que a maior consequência desta adoção ideológica
está na ausência de qualquer possibilidade de exercício de políticas macroeconômica,
monetária e fiscal mais ativa, por parte de nossos Governos.
Como destaca Fiori (1998):
Em síntese, esta opção estratégica de corte neoliberal já nos retirou
quase todo o espaço de exercício das políticas públicas. Se nós a
dividíssemos em três grandes campos, o macroeconômico, o das
políticas industriais e os da política sociais, poderíamos começar a
100
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
dizer que o campo macroeconômico já está fora do jogo, não é mais
um instrumento de nosso governo ele é Governado por outros fatores,
outros poderes. Logo em seguida, a própria opção pela abertura
comercial radical e pela sobrevalorização cambial eliminaram o outro
espaço, o das políticas industriais e/ou cambiais, as políticas públicas
voltadas para a produção. Na medida que estes governos não tem
controle das tecnologias de ponta e fizeram precipitadamente sua
abertura comercial, não lhes resta além disto, como forma de
estimular suas exportações senão o instrumento de desoneração
fiscal das exportações. Decisão que, tomada em nome do aumento
de nossa competitividade, acaba diminuindo a receita fiscal.
(FIORI, 1998, p. 221-222, grifos nossos).
De acordo com FHC, o Brasil não tem recursos. Estes poderiam ser repassados
para estes setores estratégicos, por conta das escolhas feitas no passado, como a
manutenção do modelo desenvolvimentista até o final da década de 80.
Devemos ressaltar que foi na vigência deste “velho” modelo econômico que
tivemos a única tentativa decidida e objetiva do Governo, em relação à busca de sua
capacitação, traduzida pelos PNDs e PNI.
A América Latina entrou na Era da Globalização, “porém, para nós, [esta] tem
sido só financeira” (FIORI, 1998, p. 120). Ficou evidente que o país, não tem uma
inserção ativa nos mercados internacionais por conta da falta de produção de elementos
de alto nível, por conta do Consenso, que limitou as políticas públicas neste setor.
Como dito pelo ex-presidente:
Estamos em um país que não possui moeda nem capacidade
tecnológica autônoma, e que, ainda por cima, teve um passado de
hiperinflação e que agora adotou uma política de estabilização
ancorada nessa bolha financeira que, como eles dizem, faz gancho no
processo de globalização, rigorosamente só pela porta financeira.
Somos um país que não tem capacidade própria de determinar os
rumos do acontecimento e, tampouco, portanto, de evitar as fontes
últimas de uma crise eventual que pode vir de qualquer lugar desse
mundo globalizado. (FIORI, 1998, p. 133, grifos nossos).
Considerando pela perspectiva de FHC, quem disse que “o neoliberalismo não
só triunfou como é hegemônico” (FIORI, 1998, p. 154). Nosso país está passivo aos
acontecimentos que seguiram na Globalização, nosso quadro é lamentável: sem
autonomia tecnológica, sem inserção ativa e com a questão da competitividade por meio
da RCT, visivelmente, descuidada.
Em seu relatório de 1998, o MCT deixou claro que as demandas globais, a
competitividade e o poder estariam submetidos á capacitação tecnológica, desta forma,
o Ministério reconheceu que quanto mais autonomia tecnológica, maior será sua
inserção:
101
Barbara Regina Vieira Lopes
A globalização exige exposição à concorrência internacional e, em
conseqüência, fomenta um processo permanente de alterações na
estrutura da rede de produção industrial, sempre objetivando ganhos
de competitividade. Os produtos são desenvolvidos para o mercado
mundial e as unidades fabris são dimensionadas para atender o
mercado global. Os grandes fabricantes se tornam global players
com estrutura mundial de poder para definer qualidade e preços.
Além disso, aspectos relacionados a planejamento, investimentos em
P&D, propriedade intelectual (inputs e outputs tecnológicos),
marketing, qualidade, apoio governamental e financiamento a
exportações passaram a ser mandatórios.
(BRASIL, 1998, p. 37,
grifos nossos).
Neste sentido, as políticas públicas para com o setor são vitais:
Neste contexto, ações governamentais que visam articular aspectos
relacionados com atividades científicas, tecnológicas e industrias em
seus próprios países, passam necessariamente pela eficácia em criar
fatores de atração e fixação de investimentos em alta tecnologia.
Entre tais fatores, são mais freqüentemente citados os seguintes:
disponibilidade de força de trabalho especializada; disponibilidade de
fontes de suprimentos de partes, peças e componentes; concentração
de indústrias similares na região; estabilidade política, econômica e
social (normas tributárias, trabalhistas e ambientais atrativas);
tamanho e grau de facilidade de acesso ao mercado local etc.
(BRASIL, 1998, p. 37, grifos nossos).
Além da limitação do modelo neoliberal, que, como dito por Fiori (19998)
ausenta qualquer possibilidade de exercício de políticas macroeconômica, monetária e
fiscal mais ativa, por parte de nossos Governos, houve também, um elevado aumento da
dependência e da vulnerabilidade externa do país, no período pós-Plano Real.
Na frente externa, os crescimentos do montante de juros pagos e da remessa de
lucros, juntamente, com as viagens internacionais, agravaram o desequilíbrio histórico e
estrutural da balança de serviços. Desta forma o Brasil ficou depende do capital,
principalmente, o de curto prazo.
Para evitar fugas massivas de capitais e a desvalorização da moeda, após as duas
primeiras crises internacionais, houve uma queima de reservas e elevação das taxas de
juros, além de empréstimos feitos junto ao FMI e G-7. Os quais não foram repassados
para o setor de C&T.I. em nenhum momento do primeiro mandato de FHC.
De acordo com Filgueiras (2006), o alto grau de abertura comercial e a simples
desvalorização cambial do Real, não conseguiram resolver os problemas da exportação
e da balança comercial. Para o autor, o nível de subdesenvolvimento só será revertido
com uma postura mais ativa do Governo:
A obtenção de um desenvolvimento que possa ser sustentado
dinamicamente, isto é, crescimento com estabilidade monetária e sem
102
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
risco de crise cambial, exige a implementação de políticas ativas de
comércio exterior, agrícola, industrial e tecnológica – implicando,
obviamente, uma outra postura por parte do Estado, o que
demandaria uma modificação importante na atual correlação de
forças políticas e, no limite, a construção de um novo “contrato
social”. (FILGUEIRAS, 2006, p. 212, grifos nossos).
Por fim, analisando as entrevistas de FHC, transcritas no livro de Fiori (1998),
pudemos perceber que, ao ser perguntado sobre temas como “inserção passiva”,
“submissão brasileiras às restrições neoliberais”, “competitividade internacional”, FHC
se esquivou em responder tais perguntas objetivamente. As respostas foram dadas
contendo argumentos relacionados à estabilização financeira e hegemonia neoliberal.
Nestas respostas FHC reconhecia a posição passiva e de subdesenvolvimento do
país. Ele soube em muitos momentos, dizer como o baixo crescimento de um país é
revertido, que de acordo com ele, entre outros fatores, com políticas públicas em setores
estratégicos, como a tecnologia. Entretanto, o ex-presidente evitou associar o Brasil às
tais temas, deixando a questão de C&T.I para segundo plano em seu Governo.
Na seção seguinte, iremos apresentar nossas conclusões parciais, buscando
relacionar este capítulo e os anteriores á questão central deste documento, “será que
FHC tinha alguma política ou estratégia para este setor?”.
Procuraremos refletir a questão, associando-a aos conceitos-chaves de Renato
Dagnino, que é especialista em C&T.I no Brasil. Acreditamos que, traçando este
paralelo, entenderemos como as políticas públicas em tecnologia contribuem para a
inserção ativa de um país na economia mundial, e se FHC estava certo em conduzir esta
questão do modo que a conduziu em seu primeiro mandato.
103
Barbara Regina Vieira Lopes
Conclusões Finais
Gostaria que os adeptos de FHC, da nova ordem internacional do
consenso de Washington, da qualidade total, que alguém, enfim,
explicasse onde está o admirável mundo novo que eles anunciam81
(OTÁVIO FRIAS FILHO, FSP, 1994, apud FIORI, 1998, p. 45).
81
FIORI, José Luis. Os moedeiros falsos. 4. Ed.Petrópolis: Ed. Vozes, 1998.
104
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
5.1 CONCLUSÕES FINAIS
Antes de FHC assumir o poder, vimos que desde o “Milagre econômico” até os
últimos dias do Governo Itamar, a única tentativa possível e eficaz de produção de
capacidade tecnológica nacional foi durante a década de 70, com os PNDs e a
formulação do PNI.
Durante o governo Collor, a continuidade do descompromisso tecnológico se
estendeu até o governo FHC. Em meio à instabilidade econômica dos anos 90, os
problemas macroeconômicos demandaram total atenção do Governo. Os investimentos
e reservas estatais foram usados para saldar os elevados empréstimos e seus juros.
As políticas públicas para este setor foram barradas pelo modelo econômico
neoliberal, que limitava medidas orientadas para a capacitação tecnológica e autonomia
nacional.
Acerca deste modelo econômico, o especialista em Políticas Públicas de C&T.I
no Brasil, Renato Dagnino (2007, p. 41), assim descreveu:
Embora o processo recente de enxugamento do Estado Latinoamericano tenha propositalmente reduzido sua capacidade de
formulação, implementação e avaliação das políticas públicas
(Oszlak, 1997), até o ponto de, em algumas áreas relacionadas è
infra-estrutura, este fato ser considerado como uma ameaça ao
crescimento econômico dos países da região (Evans, 2003), a
deterioração da capacidade burocrática é um fenômeno que, no caso
brasileiro, já se inicia no imediato pós-guerra. Para não falar na
dificuldade, inerente á nossa condição periférica, de constituir uma
burocracia com os atributos de competência técnica proporcionados
por um processo de recrutamento idôneo, uma remuneração adequada
e uma promoção baseada em capacitação contínua e num sistema de
prêmios e castigos claro e rigorosamente aplicado, que caracterizam
os países avançados (BRESSER PEREIRA, 1996 apud DAGNINO,
2007, p. 41).
Diferentemente do que ocorreu nos países avançados, no Brasil, o processo de
desenvolvimento da área conformada pelas relações sociais, econômicas e políticas que
dizem respeito mais diretamente á C&TI e o momento em que esse processo se encontra
tornam necessários a ampliação do conceito de comunidade de pesquisa82.
Dagnino nos diz que não está em curso no Brasil, ou na região latino-americana
um “processo de diferenciação” da produção de C&T. As burocracias, política e
acadêmica, existentes promovem a exclusão do Complexo Público de Ensino Superior e
82
Para Dagnino, tal conceito é entendido como um conjunto que abrange os profissionais que se dedicam
ao ensino e á pesquisa em universidades públicas e aqueles que, tendo sido ali iniciados na prática da
pesquisa, e socializados na sua cultura institucional, atuam em institutos públicos de pesquisa e, também,
em agências dedicadas ao fomento e planejamento de C&T. (DAGNINO, 2007, p. 37).
105
Barbara Regina Vieira Lopes
de Pesquisa (CPESP) tornando inviável a elaboração da Política Científica Tecnológica
(PCT) latino-americana.
Neste sentido, o autor (2007) apresenta um cenário, que tem como ator central o
“Estado Avaliador”. Ele aponta para a existência de uma coalizão que tem promovido
“uma crescente interferência do Estado, no sentido de atrelar as pesquisas aos interesses
do desenvolvimento tecnológico e da competitividade industrial de interesse das
empresas” (DAGNINO, 2007, p. 44).
Sobre este agente, Renato Dagnino ressalta as idéias de Neave e Vugh (1943).
Os dois autores dizem que a tendência existente na formulação da PCT pauta-se no
“Estado Avaliador”, que desde a década de 70, adotou uma postura genérica de
desregulação e autonomia institucional, combinada com medidas de regulação que
tendem a condicionar a ação das instituições de ensino superior:
Marcaria o atual cenário um alinhamento da universidade á guinada
determinada pela Reforma Gerencial que se iniciou nos anos de 1970
nos países avançados e um abandono da universidade generosamente
financiada pelo Estado do Bem-Estar. A universidade que a estaria
substituindo se caracterizaria pelo condicionamento do financiamento
à avaliação de desempenho (“Estado Avaliador”) e pela contratação
para a realização de serviços que vão desde a formação de pessoal
qualificado até o desenvolvimento de tecnologia para atender as
demandas da burocracia e das empresas (“Estado Cliente”).
(DAGNINO, 2007, p. 44-45).
Desta forma, conclui-se que as empresas nos países avançados, assumem o papel
mais ativo na elaboração destas políticas (No sentido amplo: de planejamento,
gerenciamento, organizacional e etc..). Tais empresas estão focadas no processo
decisório que origina a política universitária e a PCT, diferentemente, do que aconteceu
nos países periféricos, como o Brasil.
Sobre esta inserção nos países periféricos, Dagnino (2007, p. 46) concluiu:
Se bem é certo que a abertura econômica, e a inserção competitiva do
país no mercado internacional que ela pretendia, atribuiu ao Estado e
suas instituições (entre elas, as universidades públicas) a função de
promover um ambiente favorável ou espaços adequados – para que os
atores que supostamente participariam do processo de inovação que
ela demandava (pesquisadores universitários e empresários
inovadores ou de base tecnológica) interagissem –, isso não ocorreu.
O que não significou que as demandas por conhecimento científico e tecnológico
decorrentes da satisfação dos interesses de diversos grupos sociais e da consecução dos
objetivos nacionais, cuja satisfação caberia ao Estado promover tenham sido
abandonadas.
106
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
O que se observa é que a promessa feita por aquela racionalização, de que, após
o período de destruição criadora, as empresas sobreviventes induziriam um circuito
virtuoso de competitividade e desenvolvimento econômico e social, ainda se está por
cumprir (DAGNINO, 2007, p. 47).
Não há no país uma interação efetiva de universidade-empresa, dos parques e
pólos tecnológicos e apoio aos projetos cooperativos, de mecanismos para facilitar a
absorção de pessoal pós-graduado pelas empresas.
No Brasil, em geral em toda a América Latina, a comunidade de pesquisa tem
um papel fundamental (e até dominante) na elaboração de PCT.
Ou seja, que ela, e em particular, os professores-pesquisadores com desempenho
profissional no âmbito da CPESP são praticamente os únicos responsáveis, não apenas
pela definição da agenda de pesquisa, mas pelas atividades de avaliação que delas
decorrem (e, além disso, obviamente, pela implementação da política) (DAGNINO,
2007, p. 161).
Por conta dos países latino-americanos apresentarem pouca relevância das
atividades de P&D privadas, ela se reduz, em boa medida, à política de pesquisa
elaborada no CPESP. Não importa o quão difusa e elaborada, a CPESP tornou-se “um
vetor essencial na orientação da Política de C&T desses países”.(DAGNINO, 2007, p.
162).
Desta forma, podemos compreender o comportamento estatal dos anos 70, com
a formulação dos PNDs e, da PNI na década seguinte. Os professores-pesquisadores da
USP e PUC-RJ foram fundamentais para o desenvolvimento do projeto nacional de
microcomputadores.
Contudo, o apoio estatal existente no Estado desenvolvimentista foi, em larga
escala, minimizado no contexto dos anos 90. No primeiro mandato de FHC, a
comunidade de pesquisa, compreendidas por centros de pesquisas (Fundações e
Núcleos), universidades e demais instituições, não tiveram a mesma atenção e
investimentos.
A formulação da PCT neste período esteve apagada. Já que o Governo não
promoveu alguma parceria-estratégica entre as instituições aqui citadas, pois,
investimentos mínimos foram orientados em torno da Lei de informática de 1991, para
que seu programa continuasse vigente.
107
Barbara Regina Vieira Lopes
O Governo FHC deveria ter investido substancialmente em políticas
educacionais, principalmente, naquelas que contemplam os Centros de Estudos da
CPESP. Há inúmeras instituições que poderiam receber mais atenções, com o intuito do
Governo implementar uma PCT mais ativa, como o Núcleo de Economia Industrial e da
Tecnologia (NEIT), da UNICAMP, por exemplo.
Com a promoção da dialética de “Nova Ordem e Competitividade
internacional”, FHC deveria, no mínimo, ter investidos nos centros de pesquisa que
participaram do projeto nacional governamental dos anos 70, tal como USP e PUC-RJ,
já que estes centros demonstram uma histórica compreensão estrutural acerca da
montagem, planejamento e base organizacional de insumos tecnológicos.
Estes investimentos estatais em instituições de Ensino contemplam os
argumentos de Dagnino (2007, p. 192), de acordo com ele, nos países da América
Latina:
A influência do professor-pesquisador ocorre, então, desde o
momento da formulação, por meio de suas opiniões relativas às
grandes decisões (programas de fomento, aspectos organizacionais e
legais etc.), de sua participação nos comitês, ad hoc, definindo, as
prioridades (em geral, não explicitamente enunciadas) e alocação de
recursos.
Desta forma, se ressalta que a condução dos investimentos de FHC no setor
educacional demonstrou ser insuficiente para que a CPESP pudesse produzir e/ou
expandir estudos que impactassem diretamente na inserção ativa do país, mesmo que
este último estivesse com sua inserção limitada pelo modelo econômico neoliberal,
restando a nós o instrumento de desoneração fiscal em diversos setores.
Como mostrou o professor Luiz Antônio Cunha83, sobre a questão da Educação
no Governo FHC (1995-2003):
A característica mais marcante da educação como meta prioritária da
proposta84[de FHC] é o destaque para o papel econômico da
educação, como “base do novo estilo de desenvolvimento”, cujo
dinamismo e sustentação provêm de fora dela mesma – do progresso
científico e tecnológico. Essa indução atuaria no sistema educacional
pelo topo, isto é, pela universidade, entendendo-se que a competência
83
Professor titular de Educação Brasileira, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v24n82/a03v24n82.pdf> Acessado em 14 de
março de 2011.
84
A proposta de governo do candidato FHC para seu primeiro mandato (Cardoso, 1994) foi elaborada por
uma equipe coordenada pelo economista Paulo Renato Souza, ex-secretário da Educação do Estado de
São Paulo, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas, naquele momento, técnico do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Vitorioso o candidato e empossado FHC na Presidência da
República, Paulo Renato Souza foi nomeado ministro da Educação, cargo que ocupou de 1995 a 2002,
vale dizer, durante os dois mandatos do presidente. (CUNHA, 2003, p. 38).
108
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
científica e tecnológica é fundamental para garantir a qualidade do
ensino básico, secundário e técnico, assim como aumentar a
qualificação geral da população. Para se conseguir isso, a proposta
afirmava a necessidade de se estabelecer uma “verdadeira
parceria” entre setor privado e governo, entre universidade e
indústria, tanto na gestão quanto no financiamento do sistema
brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico85. (CUNHA,
2003, p. 38-39).
A proposta apresentada por FHC referia-se “negativamente” à rede federal de
ensino superior. Ela indicava que os investimentos em seu sistema precisariam ser
revistos, “silenciando-se quanto ao conjunto do ensino privado, que é majoritário e,
inegavelmente, de qualidade bem inferior”, de acordo com Cunha.
Desta forma, o parecer presidencial, dizia ser inaceitável que a rede federal
consumisse de 70% a 80% do orçamento do Ministério da Educação (uma estimativa,
aliás, bastante exagerada) para atender apenas a 22% dos estudantes de graduação. A
política para o ensino superior deveria promover uma “revolução administrativa”
(CUNHA, 2003, p. 39).
Em linhas gerais “Seu objetivo se concentraria em uma administração mais
racional dos recursos e a utilização da capacidade ociosa, visando a generalizar os
cursos noturnos e aumentar as matrículas, sem despesas adicionais” (CUNHA, 2003, p.
39).
De acordo com Cunha (2003), desde a década de 80 as propostas de reforma de
ensino superior no Brasil, seguem a mesma linearidade. Coincidentemente, é no mesmo
período, que temos no comando do país José Sarney, quem iniciou a aplicação de
medidas orientadas para o viés neoliberal como vimos em seções anteriores:
Na reconstrução da lógica intrínseca ao processo de reforma do
ensino superior em curso no Brasil, os elementos apresentados
revelam que há um modelo concebido em meados da década de 1980,
cuja versão paradigmática foi expressa pelo Grupo Executivo para a
Reformulação da Educação Superior (GERES). A continuidade das
propostas apresentadas recorrentemente, desde então, deve ser
entendida como produto, também, da permanência no governo de
dirigentes e quadros técnicos, o que permite traçar um elemento de
continuidade entre os governos José Sarney, Fernando Collor,
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, pelo menos no que
se refere ao Ministério da Educação. (CUNHA, 2003, p. 41, grifos
nossos).
85
De acordo com CUNHA (2003), esta era uma referência à política que o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pretendia desenvolver há anos, no sentido de
aumentar os gastos em C&T com aportes das empresas. Em contrapartida, as instituições de pesquisa
dedicar-seiam mais e mais à pesquisa aplicada.
109
Barbara Regina Vieira Lopes
Desta maneira, podemos concluir que os problemas relativos à falta de
investimentos no setor que envolve a CPESP remontam a uma linha histórica. Tal
ausência de recursos por parte do Estado pode ser entendida como pilar da estrutura do
modelo econômico inserido na Economia na década de 90.
Além disso, os problemas macroeconômicos, traduzidos pelas crises
internacionais Pós-Real desviaram a atenção e os esforços estatais para solucionar estas
questões.
A abertura da Economia promoveu uma quebra generalizada das empresas
nacionais que produziam insumos tecnológicos. Desta forma, tais empresas pararam
suas produções e começaram a comercializar os artigos internacionais, atraindo os
consumidores que estavam a fim de modernizar seus insumos.
A partir das pesquisas realizadas, vimos que FHC não deu a devida atenção ao
setor, muito menos à formulação de uma nova PCT.
A estratégia do governo baseou-se na livre concorrência de mercados, tendo em
vista, o aumento da competitividade entre as empresas. Contudo, a falta de
investimentos nos setores estratégicos, principalmente, em políticas educacionais,
industriais e de P&D, fizeram com que a falência da maioria destas produtoras nacionais
fosse inevitável.
Os incentivos mínimos, caracterizados pelo financiamento e reserva de mercado,
podem ser consideradas medidas insuficientes para que a competitividade brasileira
experimentasse algum ganho internacional.
Como dito pelo relatório do MCT (1998):
A pesquisa efetuada constatou que para 58% das empresas, a Lei nº
8248/91, como está, não se constitui num instrumento suficiente
para apoiar a inserção competitiva de empresas brasileiras no
mercado internacional. Para 47% das empresas os investimentos
incentivados favoreceram a exportação de produtos ou tecnologias.
Entretanto, em apenas 22% dos casos estes foram considerados como
significativos ou muito significativos. (...). A política para o setor
não conseguiu ainda promover o adensamento da cadeia
produtiva, nem se mostrar suficiente para atrair algum dos
grandes fabricantes de semicondutores a vir estabelecer uma
unidade no Brasil. (BRASIL, 1998, p. 31-33, grifos nossos).
Para que tivéssemos êxito em nossas políticas públicas no setor tecnológico, o
Governo FHC deveria ter investido em políticas educacionais, tecnológicas e de
110
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
pesquisa e desenvolvimento (P&D), desta forma, o Brasil poderia alcançar ganhos
maiores, em suas esferas econômicas e sociais.
111
Barbara Regina Vieira Lopes
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114
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
ANEXOS
•
Anexo A:
Tabela 1 – Países em desenvolvimento da América Latina: Participação nas
exportações mundiais por categoria de produto entre 1980 e 2002 (%)
Utilizando a mesma classificação de produtos desenvolvida pela UNCTADV
(2002), os dados de comércio internacional foram agrupados em cinco categorias, de
acordo com a intensidade de fatores e a intensidade tecnológica:
CP = Commodities Primárias;
PITRN = Manufaturas Intensivas em Trabalho e Recursos Naturais;
BIT = Manufaturas de baixa Intensidade Tecnológica;
MIT = Manufaturas de média intensidade tecnológica;
AIT = Manufaturas de alta intensidade tecnológica.
115
Barbara Regina Vieira Lopes
•
Anexo B:
Tabela 2 – Quadro de Incentivos fiscais para o Setor de Informática, previstos na
Lei de 1984
PROGRAMA
Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D)
Recursos humanos (RH)
Capitalização da empresa
nacional
Produção
Doação de bens
Exportação
Softwares
INCENTIVOS
Dedução de até 200% dos gastos
em P&D para efeitos de imposto
de renda;
Isenção do imposto de
importação, IPI, e IOF sobre
bens do ativo fixo importado ou
nacional;
Dedução de até 200% dos gastos
com formação de RH para
efeitos de imposto de renda;
Dedução de até 1% do imposto
de renda na aplicação direta em
empresas nacionais do setor;
Isenção do imposto de
importação, IPI, e IOF sobre
bens do ativo fixo;
Depreciação acelerada (em 3
anos);
Todos os benefícios
Isenção do Imposto de
Exportação
Todos os benefícios;
Redução do lucro tributável
equivalente ao percentual da
receita referente ao faturamento
do produto;
OBSERVAÇÕES
A CONIN estabelece o
percentual de dedução;
Ênfase aos programas
desenvolvidos em Centros de
Pesquisa
A todos os segmentos de
informática. Abatimento limitado
a 15% do imposto de renda;
Investimentos não podem ser
feito em empresas do mesmo
grupo; CONUN aprova Plano de
capitalização;
Registro na Comissão de Valores
Mobiliários;
Destinado à produção,
modernização e expansão
industrial;
CONIN autoriza a isenção;
Equiparado com P&D;
Destinado ás empresas nacionais
exportadoras
Destinado aos projetos de P&D e
formação de recursos humanos.
Destinado ao software básico, de
suporte e aplicativos de alto
conteúdo tecnológico para
equipamentos nacionais.
CONIN autoriza os incentivos
Todos os benefícios.
Redução do lucro tributável
equivalente ao percentual da
receita referente ao faturamento
do produto;
Microeletrônica
Isenção do imposto de
importação para componentes,
partes e peças.
CONIN autoriza os incentivos;
Destinado aos fabricantes de
hardware;
Dedução de até 200% dos gastos
com componentes comprados
nas indústrias nacionais de
micro-eletrônica.
Fonte: Fonte: Gomes (1996) in Revista Info, Jan. 1986;
116
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
•
Anexo C:
Análise publicada pelo MCT (1998) sobre os resultados da lei de informática
Como publicado pelo relatório do MCT, em 1998, o qual apresentava o balanço
referente á Lei de informática de 1991, vimos que seu resultado foi positivo. Neste
relatório, o Governo mostra um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral, a qual,
efetuou uma pesquisa, em 1997, intitulada “Estudo dos Impactos e Resultados dos
Incentivos Fiscais de que Tratam as Leis 8248/91 e 8661/93”.
No que diz respeito à Lei nº 8248/91, a pesquisa foi efetuada junto a 29
empresas de informática, com incentivos fiscais aprovados em 1996. Destas, 19
empresas foram analisadas e 9 entrevistadas. Todas as empresas analisadas usufruíram
tanto dos benefícios do IPI quanto do IR. Os principais resultados desta pesquisa estão
consolidados abaixo:
 Para 100% das empresas, a isenção de IPI e a redução
do imposto de renda devido previstos na Lei são
importantes ou muito importantes tanto para a
competitividade
empresarial
como
para
o
desenvolvimento tecnológico;
 Para 95% das empresas, a extinção da Lei provocaria
um impacto significativo ou muito significativo sobre
sua atividade tecnológica;
 84% das empresas declararam ter alterado sua trajetória
tecnológica pelo fato de ter sido beneficiada com
incentivos fiscais da Lei nº 8248/91, em termos de
ampliação da produção local e desenvolvimento de
novas linhas de produtos, ampliação e racionalização
dos investimentos em P&D, ampliação dos
investimentos em treinamentos técnicos e engenheiros,
ampliação dos investimentos em qualidade e
produtividade, estabelecimento de parcerias e acordos
de cooperação tecnológica com institutos de pesquisa e
implantação de certificação ISO 9000;
 58% das empresas pesquisadas informaram que caso os
benefícios fiscais instituídos pela Lei não sejam
prorrogados, elas considerariam a hipótese de deslocar
sua produção para a Zona Franca de Manaus ou países
da América Latina;
 74% das firmas declararam que o valor de seus gastos
com tais atividades foram altamente beneficiados pelos
incentivos fiscais;
 Para 95% das empresas que participaram da pesquisa, as
atividades de P&D são consideradas como um fator
117
Barbara Regina Vieira Lopes





determinante ou extremamente determinante da
competitividade da empresa;
O desenvolvimento tecnológico e os investimentos
adicionais em P&D, qualidade e treinamento de mãode-obra
beneficiados
com
incentivos
fiscais
possibilitaram a 95% das empresas obter ganhos
significativos de produtividade;
Para 94% das empresas, os incentivos contemplados na
Lei foram considerados importantes ou muito
importantes para a tomada de decisão no que diz
respeito à realização de investimentos para ampliação da
capacidade de produção ou instalação de unidade fabril
no País;
Os critérios do PPB - Processo Produtivo Básico foram considerados importantes para 68% das empresas
tanto para aumentar substancialmente a produção como
para promover a agregação de valor;
No que concerne à competitividade internacional, para
58% das firmas, a Lei não constitui um instrumento
suficiente para apoiar sua inserção no mercado
internacional em bases mais competitivas;
Para 47% das empresas houve favorecimento da
exportação de produtos ou de tecnologia.
Como publicado pela pesquisa, os resultados se mostram bastante significativos.
Em termos globais:
 Verifica-se um crescimento médio de 52,4% no
faturamento nominal anual das empresas pesquisadas,
no período entre 1994 a 1996;
 O número médio de empregados nas empresas
analisadas situou-se em torno de 756 empregos diretos,
neste período, com 36% destes, possuindo nível
superior;
 O nível de utilização da capacidade instalada aumentou
de 69% em 1995 para 78% em 1996 e o percentual de
novos investimentos realizados pelas empresas, em
máquinas e equipamentos vis-à-vis o faturamento,
atingiu uma média de 1,7% e, em instalações, uma
média de 1,8%, no período 1994/96;
 A compra de partes, peças e componentes no mercado
interno atingiu uma média de 18,4% do faturamento
neste período e a compra no exterior 13,1%.
 Por fim, a compra de serviços tecnológicos de terceiros,
internamente, situou-se em 2,8% do faturamento, no
mesmo período.
118
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
•
Anexo D:
Gráfico 1 – Trajetória explosiva da dívida pública após o Plano Real
60
50
40
Dívida líguida total
Dívida interna
30
Dívida mobiliária
20
Dívida externa
10
0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Fonte: CARNEIRO, 2002, p.395
•
Anexo E:
Tabela 3 - Variação Real Anual do PIB: Brasil x Mundo – (%)a.a. – 1995/1999
Ano
1995
1996
1997
1998
Brasil
4,2
2,7
3,3
0,1
Mundo
3,7
4,0
4,2
2,8
Fonte: IBGE
119
Barbara Regina Vieira Lopes
•
Anexo F:
Tabela 4 - Evolução da taxa de desemprego aberto (%) Médias anuais – 1990-1998
MESES
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
BRASIL
3,35
4,28
4,83
5,80
5,32
4,96
4,64
5,46
5,66
7,59
RMSP
3,44
4,55
5,52
6,60
5,74
5,42
5,17
6,29
6,60
8,58
RMS
4,37
5,39
5,91
7,00
6,61
7,05
6,72
6,84
7,73
9,27
Fonte: IBGE – PME.Apud FILGUEIRAS, 2003, p.169
*Regiões Metropolitanas: SSA, SP, RJ PA, BH, E RE.
•
Anexo G:
Tabela 5 – Déficit em Conta Corrente – 1994/2001 (Em US$ Milhões)
Fonte: Banco Central. Para 2001, previsão dos autores, com base nos resultados até a metade do ano.Apud
PINHEIRO, GIAMBIAGI, e MOREIRA, 2001a, p. 24;
120
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
•
I)
Anexo H:
Os impactos sobre as atividades de pesquisa e desenvolvimento - P&D.
De acordo com o relatório do MCT (1998), no período 1994 a 1996, 67% das
empresas ampliaram seus gastos com P&D em função dos incentivos fiscais
contemplados na Lei. A tabela abaixo mostra os valores de investimentos adicionais em
P&D e os percentuais destes investimentos adicionais sobre o total investido, pelas
empresas da amostra analisada.
Tabela 6 - Investimentos Adicionais entre 1994-1996 (em R$ Milhares)
Investimentos Adicionais
Adicionais (A)
Totais (B)
(A/B) %
Adicionais (C)
Totais (D)
(C/D) %
Adicionais (E)
Totais (F)
(E/F) %
1994
1995
Pesquisa e Desenvolvimento
72,3
97,1
112,2
169,1
64,4%
57,4%
Qualidade e Produtividade
512
1.175
5.575
8.364
9,2%
14,0%
Treinamento
154
1.174
2.622
8.366
5,9%
14,0%
1996
Total
103,3
196,3
52,6%
272,7
477,6
57,1%
1.560
11.071
14,1%
3.247
25.010
13,0%
2.001
7.143
28,0%
3.029
18.131
16,7%
Fonte: Fundação Dom Cabral, 1997, apud, MCT 1998, p.28
De acordo com tal relatório, as principais alterações sofridas nos processos de
P&D das empresas devido à implantação da Lei nº 8248/91 foram:
I) Melhoria no planejamento e acompanhamento das atividades
de P&D de médio e longo prazos;
II) Aumento do intercâmbio e da cooperação técnico-científica
com universidades e centros de pesquisa;
III) Modernização de linhas de produção;
IV) Criação de novas linhas de pesquisa e implantação de novos
produtos;
V) Incremento do esforço de nacionalização de partes, peças e
componentes;
VI) Ampliação e consolidação das equipes de engenharia de
produtos, processos e sistemas; (BRASIL, 1998, p. 28-29).
Os investimentos adicionais em P&D, qualidade e treinamento proporcionados
pela Lei permitiram a 95% das empresas obter ganhos de produtividade ou agregar
valor aos produtos e processos, através:
121
Barbara Regina Vieira Lopes
I. Da otimização de processos produtivos e incremento de
novas funcionalidades
II. Ofertadas aos clientes;
III. Da agilização e aumento dos fluxos de produção;
IV. Da diminuição do ciclo de desenvolvimento de novos
produtos;
V. Da implantação de sistemas de verificação de produtos para o
aprimoramento da qualidade;
VI. Do desenvolvimento de novas atividades e tecnologias de
fabricação;
VII. Da diminuição dos índices de falhas e de retrabalho,
resultando em redução dos custos agregados e dos preços dos
produtos aliado ao aumento da rentabilidade dos processos.
(BRASIL, 1998, p. 28-29)
II)
Impactos relacionados ao Processo Produtivo Básico - PPB
Como citado no relatório, os impactos foram visíveis quanto aos critérios do
PPB sobre a produção das empresas, tanto no plano intra como extra-firma.
Tendo sido estabelecido um grau de importância de 1 a 10 ao PPB quanto a
diversos impactos, tais como: Redução de custos, aumento da produtividade,
desenvolvimento
tecnológico,
melhoria
da
qualidade,
emergência
de
novos
fornecedores de peças e componentes e melhoria da qualidade e produtividade de
antigos fornecedores.
Verifica-se que 76% das empresas se situaram entre o grau 5 a 7 no impacto
redução de custos, 82% no impacto de aumento da produtividade e 88% no
desenvolvimento tecnológico. Outros impactos com seus respectivos graus de
importância podem ser visualizados na tabela abaixo.
Tabela 7 – Impactos e Grau de importância
Impactos
Redução dos Custos
Aumento da produtividade
Desenvolvimento tecnológico
Melhoria da Qualidade
Emergência de novos fornecedores de peças e componentes
Grau de importância
1a4
5a7
Média
24%
76%
5,8
18%
82%
5,5
12%
88%
5,5
29%
71%
5,1
47%
53%
4,6
Melhoria da qualidade e produtividade de antigos fornecedores
47%
43%
4,6
Fonte: Fundação Dom Cabral, 1997.Apud, MCT, 1998a, p.30;
III)
Impactos intra/extra-firma dos investimentos em P&D, qualidade e
treinamento
122
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
A Lei nº 8248/91 possibilitou, do ponto de vista de fornecedores e outros
parceiros, a geração em 73% dos casos de ganhos externos às empresas, uma melhoria
na relação técno comercial com fornecedores e parceiros, uma maior objetividade na
definição das características técnicas dos produtos, partes e componentes adquiridos.
Com reflexos positivos nas análises críticas de contratos entre as empresas e os
fornecedores, uma melhoria no planejamento e controle de processos e estoques,
permitindo aos fornecedores e parceiros um planejamento mais adequado, um repasse
de tecnologia e incremento das atividades de suporte técnico para fornecedores e
participação nos programas de P&D, qualidade e treinamento dos fornecedores, para
atender às necessidades das empresas com os níveis de excelência desejados.
Do ponto de vista de universidades, centros tecnológicos e institutos de pesquisa,
os investimentos em P&D, qualidade e treinamento efetuados com recursos da Lei,
fizeram com que aumentasse substancialmente a interação entre o setor produtivo e
universidades/centros de pesquisa, o que se constata pelo crescimento expressivo do
volume de recursos efetivamente direcionado pelas empresas para estas instituições nos
últimos anos.
Em 89% dos casos de ganhos externos pôde-se constatar uma intensificação do
processo de difusão no meio empresarial e científico de tecnologias fruto de
desenvolvimento conjunto, um melhor acesso de empresas às facilidades e capacitações
do setor acadêmico nacional e um aumento do suporte financeiro aos centros de
pesquisa de universidades, favorecendo a modernização de laboratórios e a formação de
pessoal.
Do ponto de vista dos clientes ou do governo, em 93% dos casos de ganhos
externos às empresas, pôde-se constatar uma melhoria na qualidade dos produtos e
redução dos preços, levando ao aumento da competitividade, auxílio no equilíbrio da
balança
comercial e crescimento substancial do faturamento e, conseqüentemente, aumento no
volume de impostos pagos.
IV)
Impactos sobre a competitividade internacional
A pesquisa efetuada constatou que para 58% das empresas, a Lei nº 8248/91,
como está, não se constitui num instrumento suficiente para apoiar a inserção
competitiva de empresas brasileiras no mercado internacional.
123
Barbara Regina Vieira Lopes
Para 47% das empresas os investimentos incentivados favoreceram a exportação
de produtos ou tecnologias. Entretanto, em apenas 22% dos casos estes foram
considerados como significativos ou muito significativos.
Um conjunto adicional de medidas se faz necessário, tais como, a ampliação dos
critérios do PPB com o objetivo de incluir as áreas de software e serviços, a agilização
do processo de análise de concessão de benefícios, principalmente junto ao Ministério
da Fazenda e a não consideração na base de cálculo das obrigações de investimentos em
P&D (5%) do faturamento com serviços e a revenda de produtos de terceiros.
Por outro lado, torna-se importante, com o objetivo de favorecer a inserção das
empresas no exterior, a redução do “Custo Brasil”, a criação de mecanismos de
estímulos às exportações, a desburocratização dos processos alfandegários, a ampliação
dos mecanismos de ex-tarifário para partes e peças sem similar nacional e,
principalmente, a intensificação do combate ao “mercado cinza”, considerado uma
prática desleal de comércio.
V)
Impactos da suspensão ou extinção dos benefícios da Lei
Os resultados verificados na pesquisa indicam que, para 95% das empresas, a
extinção da Lei nº 8248/91 provocaria um impacto significativo ou muito significativo
sobre sua atividade tecnológica.
E, para 80% das empresas, a extinção dos incentivos, nos prazos atualmente
previstos na Lei, gerará mudanças significativas na estrutura produtiva da empresa, na
sua localização ou no esforço de competitividade.
Para a grande maioria seria necessários prorrogar os mesmos por pelo menos
mais cinco anos. Do total de empresas que responderam a pesquisa, 58% informaram
que caso os benefícios fiscais instituídos pela Lei não sejam prorrogados, elas
considerariam a hipótese de deslocar sua produção para a Zona Franca de Manaus ou
realizar novos investimentos na América Latina (particularmente na Argentina).
Entretanto, destas empresas, 68% atribuíram uma probabilidade pequena ou
muito pequena disto vir a acontecer enquanto 32% assinalaram uma probabilidade alta
ou extremamente alta.
124
Políticas Públicas nos anos 90: um Panorama sobre o Incentivo no Setor Tecnológico...
•
Anexo 9:
Tabela 8 - Comércio Exterior de Produtos do Complexo Eletrônico – 1996
(Em milhões US$)
Fonte: Divisão de Estatística das Nações Unidas/OMC.Apud MCT(1998)
Consolidação do trabalho realizada pelo MCT/SEPIN
Notas importantes:
· Países não pertencentes ao ITA - Argentina, Brasil e México.
· Total de importações = US$ 484.554.000.000,00
· Total de exportações = US$ 460.751.000.000,00
125
Barbara Regina Vieira Lopes
•
Anexo J:
Tabela 9 – Estratégias de Desenvolvimento Industrial dos Tigres Asiáticos
Apud MCT, 1998, p.39
126
Monografias IGEPRI é um produto do Instituto de Gestão Pública
e Relações Internacionais da Univerisidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”. Nosso trabalho tem por objetivo promover e difundir ideias e práticas transparentes de Gestão Pública nos âmbitos
das Relações Internacionais. Os trabalhos aqui presentes são de autoria exclusiva de seus idealizadores e possuem o intuito de enriquecer
cada vez mais o conhecimento nessas áreas.
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