ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
PARECER Nº 14.000
CONTRATO ADMINISTRATIVO. OCORRÊNCIA DE AUMENTOS
IMPREVISÍVEIS EM SERVIÇOS OBJETO DO CONTRATO.
PARALISAÇÃO DA OBRA EM RAZÃO DE FALTA DE
PAGAMENTO. POSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE À
REVISÃO CONTRATUAL PARA RESTABELECIMENTO DO
EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO OU À RESCISÃO DO
CONTRATO.
1. O presente expediente é remetido para esta
Procuradoria-Geral pela Secretaria de Estado da Habitação e Desenvolvimento Urbano,
para análise da possibilidade de rescisão amigável do contrato SEHAB/DERER nº
05/02, firmado com a empresa DOBIL ENGENHARIA LTDA.
A questão está exposta na Informação nº 026/04, exarada
pela Assessoria Jurídica da Secretaria consulente (fl. 302/307):
“A empresa contratada solicitou às fls. 311 rescisão do
supracitado contrato, fundamentando o seu pedido com a
afirmação de que a obra encontrava-se paralisada por mais de 12
meses, a existência de parcelas pendentes por serviços
executados que não foram pagos por esta Secretaria, e, por
último, o desequilíbrio econômico e financeiro de alguns itens do
contrato, dentre os quais a imprimação asfáltica 1,0 lm2 e
concreto asfáltico faixa II.
O contrato tinha como objeto a execução de obras de urbanização
com infra-estrutura nas vilas Bororó, Clareu e Salvador França,
localizadas no Município de Porto Alegre, integrantes do
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Programa de Regularização Fundiária da Secretaria da Habitação,
consoante contrato Sehab/Derer de fls. 140/146.
(...)
O Departamento de Regularização Fundiária confirmou a
defasagem de dois itens que pesavam consideravelmente na
execução das obras, quais sejam: imprimação asfáltica e concreto
asfáltico, ressaltando que os mesmos tiveram uma variação de
preços em torno de 250%. (...)
Ante o exposto pelo Departamento supracitado, esta Assessoria
Jurídica, às fls. 285/287, entendeu, salvo melhor juízo, que a
rescisão contratual acarretaria mais prejuízos à Administração
Pública, haja vista que a empresa contratada foi a única a
apresentar proposta no certame licitatório, sem menosprezar o
fato de que houve a paralisação da obra, a qual ocorreu por culpa
do Estado, devido aos atrasos nos pagamentos;
Entretanto, a Seccional da CAGE, consoante informação
CAGE/SCSOPS Nº
12/2004, de fls. 297, manifestou-se no
sentido de que não houve atraso de pagamento, consoante
previsto no inciso XV do art. 78, da Lei Federal 8666/93, uma vez
que o contrato estava expirado; de que deve ser avaliado o
reflexo nos preços contratados relativamente aos itens
imprimação asfáltica e concreto asfáltico, os quais podem ser
aceitos como situação econômica extraordinária e extracontratual;
e, por último, que é vedada a alteração do objeto contratado.
Relativamente à Informação da CAGE supracitada, concordamos
com a mesma, com exceção da afirmativa de que não houve
atraso de pagamento previsto no inciso XV do artigo 78, da Lei
Federal 8666/93, haja vista que o contrato estava expirado.
(...)
Portanto, tendo em vista que o presente contrato tinha como
objeto a execução de obras, conforme o já explanado, podemos
concluir que, segundo o raciocínio jurídico desenvolvido por Hely
Lopes Meirelles, o prazo estipulado em sua Cláusula Oitava vem
a ser um prazo meramente moratório, determinando não a
eficácia do presente ajuste, mas tão somente o prazo de
conclusão do objeto, e neste caso, mesmo tendo expirado o prazo
determinado, mas não tendo sido concluída a obra, não há,
conseqüentemente, a extinção do mesmo, o qual continua em
execução. A observância do prazo de execução visa apenas para
configurar ou não a mora da contratada no cumprimento de suas
obrigações.
(...)
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Ante o exposto, esta Assessoria Jurídica entende que a não
celebração do Termo Aditivo de prorrogação do prazo de
conclusão do objeto do contrato deixou de ser celebrado por
omissão dessa Secretaria, o que ocasionou a impossibilidade de
empenho do saldo do valor do contrato e por conseqüente a
continuidade da obra, configurando-se o já explicitado ‘fato da
administração’, razão pela qual entendemos, salvo melhor juízo,
que o contrato deva ser rescindindo amigavelmente, sem a
aplicação das penalidades previstas no mesmo.
No entanto, para que não se proceda equivocadamente no
presente caso sugerimos o encaminhamento do presente
expediente à Procuradoria-Geral do Estado para parecer sobre a
matéria em questão”.
É o relatório.
2. A Secretaria de Estado da Habitação e Desenvolvimento
Urbano celebrou com a empresa DOBIL ENGENHARIA LTDA. contrato de obras e
serviços de engenharia, cujo objeto é a “execução de serviços de infra-estrutura nas
Vilas Bororó, Clareu e Salvador França, integrantes do Programa de Regularização
Fundiária da SEHAB, no Município de Porto Alegre/RS, conforme projetos, anexos ao
Edital” (cláusula 1ª).
Referido contrato foi celebrado em 26 de dezembro de
2001 e sofreu cinco termos aditivos, tendo-se prorrogado sua vigência em razão de
vários percalços havidos durante a execução contratual, tais como alteração do
cronograma físico-financeiro; atraso na liberação dos projetos geométricos, infraestrutura e pavimentação do Beco São Pedro e rua Gélson da Rosa, o que deveria ser
providenciado pela empresa-contratada junto à Secretaria Municipal de Obras e Viação;
alteração dos projetos de pavimentação. Por fim, o atraso no término da execução
deveu-se à falta de empenho do valor contratual, o que gerou a falta de pagamento.
Neste contexto - inacabado o objeto do contrato -, a
empresa solicitou à Secretaria a rescisão amigável da avença, alegando que “os preços
deste contrato tornaram-se inviáveis pela sua defasagem com os preços atuais,
anexamos a cópia de nosso contrato e cópia da atual tabela de preços da SMOV Porto
Alegre, que claramente comprovam o já citado” (fl. 271), requerendo que não lhe fosse
aplicada multa contratual.
O Sr. Engenheiro da Secretaria informa, à fl. 281, que
efetivamente os itens apontados pela contratada - imprimação asfáltica 1,0 l/m2 e
concreto asfáltico faixa II - tiveram elevação significativa de preços desde a elaboração
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dos custos unitários da obra até março de 2003, com a entrada em vigor da nova tabela
de preços da SMOV, o primeiro na ordem de 281% e o segundo na ordem de 259%.
3. Posta assim a questão, impende verificar as soluções
para o caso aqui analisado.
Vislumbro duas alternativas para o deslinde da questão: (a)
proceder-se ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, dando-se-lhe
prosseguimento, até ultimação de seu objeto, ou (b) proceder-se à rescisão contratual,
hipótese em que restará pendente de execução parte do objeto contratado.
4. A primeira alternativa está amparada na norma inserta no
artigo 65, inciso II, letra “d”, da Lei nº 8666/93, que tem a seguinte redação:
“Art. 65 – Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados,
com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
...
II- por acordo das partes:
...
d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram
inicialmente, entre os encargos do contratado e a retribuição da
Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou
fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos
imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do
ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato
do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e
extracontratual”.
Na espécie, a empresa contratada traz a alegação de que
houve elevadíssimo aumento nos preços de dois itens das obras (imprimação asfáltica
1,0 l/m2 e concreto asfáltico faixa II), os quais impactaram sobremaneira o preço do
contrato. A alegação é confirmada pelo Sr. Engenheiro da secretaria consulente (fl.
281).
Portanto, se os aumentos específicos dos serviços
mencionados realmente trouxeram o desequilíbrio econômico-financeiro da avença (o
que deve ser detalhadamente analisado pela Secretaria da Habitação), podem as partes
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proceder à revisão contratual, considerando-se que tais aumentos eram imprevisíveis,
configurando-se como álea econômica extraordinária. Aplica-se ao caso a teoria da
imprevisão, conforme magistério de HELY LOPES MEIRELLES:
“APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO
A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que a
ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas
partes, autoriza a revisão do contrato, para seu ajustamento às
circunstâncias supervenientes. É a moderna aplicação da velha
cláusula ‘rebus sic stantibus’ aos contratos administrativos, à
semelhança do que ocorre nas avenças de Direito Privado,
quando surgem fatos não cogitados pelos contratantes, criando
ônus excessivo para uma das partes, com vantagem desmedida
para a outra. Esse desequilíbrio retira a comutatividade do ajuste
e impõe a revisão do contrato, para que se possibilite sua
execução sem a ruína econômica do particular contratado.
Essa teoria, entre nós, está consagrada desde o Decreto-lei
2.300/86 (Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos
Administrativos) e vem repetida na lei atual (art. 65, II “d”), que
autoriza a alteração consensual do ajuste para restabelecer a
relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos
do contratado e a retribuição da Administração, para a justa
remuneração do seu objeto, com o escopo de manter a equação
econômico-financeira inicial. Até então, sua aplicação, assentada
na eqüidade, era aceita pela jurisprudência pátria, que, seguindo
os rumos do Conselho de Estado da França e estimulada pela
doutrina, vinha admitindo a revisão de ajustes públicos em razão
de fatos supervenientes a altamente onerosos para o particular
contratado. (Direito Administrativo Brasileiro, 16ª ed., RT, 1991,
pp. 215/216)
Situação semelhante à presente, relativa à imprevisível
elevação de insumo da construção civil - material betuminoso - que veio a desequilibrar
contratos públicos de obras, foi analisada em Parecer de lavra de IVAN BARBOSA
RIGOLIN, publicado no Boletim de Licitações e Contratos de maio 1998, pp. 231/241,
em que o autor reconhece na espécie o direito do contratado ao reequilíbrio econômico
da avença. Destaca-se o seguinte excerto:
“E o mercado de construção aponta no presente, demonstrado
documentalmente pelo simples conjunto de dados que foram
registrados, um descompasso absoluto entre a política
remuneratória adotada e um item específico do custo, relativo
aos insumos betuminosos das pavimentações asfálticas.
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Em obras de pavimentação e de conservação de rodovias aquele
insumo adquire importância financeira a mais acentuada, já que o
item se constitui no principal elemento físico constitutivo do objeto
dos contratos, de modo que por seu peso específico pode, só em
si, alterar significativamente a equação econômico-financeira que
se pactuou de início, em caso de oscilações desmesuradas e
imprevisíveis de preço.
(...)
No caso presente, existindo já firmados e em execução
inumeráveis contratos de obras entre a Administração e empresas
construtoras, e sendo o fator de desequilíbrio sempre o mesmo variação despropositada do custo dos insumos betuminosos -,
natural que todos os órgãos da Administração precisassem adotar
sempre a mesma postura, em todos os contratos, revisando-os
coerentemente com a variação de preço daqueles insumos, de
modo uniforme. (...)”
Nesse passo, in casu, desde que documentalmente
comprovada a circunstância desequilibradora do contrato e aceito justificadamente tal
desequilíbrio pela Administração, e desde que as partes acordem nesse sentido, é
cabível a revisão do preço contratual. Esta solução permite dar-se continuidade ao
ajuste até término de seu objeto, atendendo ao interesse público.
5. A outra alternativa possível no caso concreto é a
rescisão do contrato, como pleiteado pela empresa contratada. Nesta hipótese, todavia,
o objeto do contrato restaria inacabado, configurando-se a execução parcial da avença.
Portanto, restariam ainda obras a serem feitas pela secretaria consulente, que
necessitaria lançar mão de nova licitação para realizá-las.
Nesta hipótese, ainda, mereceriam ser bem aquilatadas
pela secretaria consulente as causas que determinaram a paralisação das obras. Ao
que se depreende do expediente, não são executados serviços pela contratada desde
janeiro de 2003, pois a verba necessária ao pagamento do contrato não foi empenhada.
Em sendo assim, incidiria na espécie a norma do inciso XV do art. 78, combinada com a
regra do parágrafo 2º do art. 79, ambas da Lei 8666/93, fazendo jus a contratada ao
ressarcimento dos prejuízos regularmente comprovados, bem como à devolução da
garantia; pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;
pagamento do custo da desmobilização.
Ressalte-se que não caberia cobrar da empresa multa
contratual prevista nas hipóteses de inexecução parcial, se cabalmente comprovado que
tal inexecução deu-se por culpa exclusiva da Administração Pública.
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6. Assim, concluindo, vislumbra-se para o caso telado duas
alternativas: a revisão contratual, procedendo-se ao reequilíbrio econômico-financeiro do
contrato, ou a rescisão da avença. Necessário, para fundamentar a decisão
administrativa, que tais soluções sejam devidamente analisadas e quantificadas no
expediente, possibilitando ao administrador adotar a solução que melhor atenda ao
interesse público, considerando-se, especialmente, o princípio da economicidade.
Destaca-se que solução semelhante foi adotada por esta Casa no Parecer nº 11172, de
autoria da Procuradora do Estado LISETE MARIA SKREBSKI.
É o Parecer.
Porto Alegre, 09 de junho de 2004.
Helena Beatriz Cesarino Mendes Coelho
Procuradora do Estado
Ref. Expediente nº 001693-32.00/01-0
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Processo nº 001693-32.00/01-0
Acolho as conclusões do PARECER nº 14.000, da
Procuradoria do Domínio Público Estadual, de autoria da
Procuradora do Estado Doutora HELENA BEATRIZ
CESARINO MENDES COELHO.
Restitua-se o expediente ao Excelentíssimo Senhor
Secretário de Estado da Habitação e Desenvolvimento Urbano.
Em 16 de julho de 2004.
Helena Maria Silva Coelho,
Procuradora-Geral do Estado.
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