Entre o boom e o pós-boom:
dilemas de uma historiografia literária latino-americana
Maurício de Bragança*
Resumo
O artigo apresenta uma discussão historiográfica da literatura latino-americana acerca dos
movimentos do boom e do pós-boom. Localizando as complexas e espinhosas questões
que pautaram tais rubricas, o artigo aponta para as contradições presentes no interior dos
argumentos que nortearam o discurso daqueles escritores que formaram estas gerações,
além de mapear os caminhos tomados pela crítica literária ao tentar definir tais fenômenos
literários.
Palavras-chave: Boom. Pós-boom. Crítica literária latino-americana.
A literatura latino-americana teve, a partir dos anos sessenta, uma dimensão de visibilidade e abrangência jamais conseguida até então. A riquíssima profusão de obras que se editavam
e se reeditavam a partir daquela década marcou definitivamente a historiografia literária do
continente, dando realce internacional a uma geração de escritores que, até aquele momento,
tinham uma enorme dificuldade de circulação inclusive no interior da própria América Latina.
Esta “fertilidade literária” esteve intimamente implicada, dentre outros aspectos, com a expansão do mercado editorial no continente, que exigia, também, uma nova inscrição do intelectual
nas demandas literárias da sociedade. Este momento ficou conhecido como o boom da literatura latino-americana, e foi seguido por outras discussões, já no fim daquela década, que ficariam
caracterizadas como o pós-boom.
A categorização destes períodos como movimentos literariamente marcados é um esforço fadado ao fracasso e à imprecisão. Sabemos que os termos boom e pós-boom suscitam
polêmica e devem ser utilizados sob inúmeras restrições e cuidados teóricos a fim de relativizálos como parâmetros definidores de um movimento literário. Neste sentido, é imprescindível
que abordemos a localização dos fenômenos do boom e do pós-boom introduzindo indagações
fundamentais: seriam tais “movimentos”1 apenas um fenômeno editorial acusatório de um
processo de alargamento do mercado consumidor? Estariam mais ligados à recepção destas literaturas que à formulação de preceitos e procedimentos estéticos em comum? Seriam rubricas
formuladas pela expectativa de um parâmetro estabelecido pelo olhar europeu/norte-americano como forma de cunhar um “selo de autenticidade” à literatura hispano-americana? De fato
o boom e o pós-boom marcam um projeto estético e político na literatura hispano-americana
capaz de definir uma geração ou um grupo de escritores que possam ser compreendidos a partir destas categorias literárias? Existe rigorosamente um corpus literário que se acomode sem
perturbações nestas classificações? Estas indagações problematizam de forma aguda o grau de
complexidade que tais abordagens apresentam e embora conscientes das implicações e limita*
Professor da Universidade Federal Fluminense
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ções de sua utilização, já não é possível ignorar tais demarcações teórico-conceituais, uma vez
que estão disseminadas como eixos de leitura possíveis à narrativa latino-americana.
Não nos interessa pensar as rubricas de boom ou pós-boom como categorias fechadas em
si mesmas. Em ensaios importantes a respeito de tais movimentos2, este repertório foi articulado
segundo o que Antonio Cândido, em seu célebre Formação da literatura brasileira (momentos
decisivos), publicado em 1959, classificou de sistema literário, composto por uma triangulação que
constitui “um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as
notas dominantes duma fase” (CANDIDO, 1976, p. 23). Assim, o boom, em sua filiação à nueva
narrativa hispanoamericana e à literatura de vanguarda, que será retomada mais adiante, denuncia
a existência de um conjunto de autores, um conjunto de receptores e um conjunto de obras articuladores de um sistema.
Pensar a transição/permanência destes problemáticos sistemas literários latino-americanos é problematizar os locais de interstício cultural nos quais se estabelecem os campos de
força e negociação entre história e teoria; produção, circulação e consumo cultural; sujeito e
representação; gênero e performance; hegemonia, diferença e contra-hegemonia, conformando
novas subjetividades e novos lugares de enunciação.
Neste sentido, filiamo-nos à idéia de Pierre Bourdieu (1998) quando define o campo
literário a partir de embates caracterizados por localizações de forças atuantes naquilo que ele
define como campo intelectual. Isso redimensiona o próprio conceito de corpus literário sob a
perspectiva de atuação no conflito interior ao campo intelectual.
Antes, é preciso situar o corpus assim constituído no interior do campo ideológico de que faz
parte, bem como estabelecer as relações entre a posição deste corpus neste campo e a posição
no campo intelectual do grupo de agentes que o produziu. Em outros termos, é necessário
determinar previamente as funções de que se reveste este corpus no sistema das relações de
concorrência e de conflito entre grupos situados em posições diferentes no interior de um
campo intelectual que, por sua vez, também ocupa uma dada posição no campo do poder
(BOURDIEU, 1998, p. 186).
No modelo de análise proposto pela sociologia dos campos de Bourdieu, o campo literário se apresenta como um espaço social no qual se inserem diferentes grupos de escritores e
literatos implicados com determinadas relações entre si e com o campo do poder. Contra uma
certa idéia de autonomia do sujeito, Bourdieu pensa o campo literário como este espaço formado por forças – sejam sociais, políticas, culturais, ideológicas, econômicas – que concentram a
capacidade de atuação de um determinado sujeito social que dele participa. Isso não quer dizer
que a obra literária não apresente uma dimensão propriamente singular do fenômeno estético,
discussão essa que, talvez, tenha tomado uma importância desigual dentro das preocupações do
sociólogo francês. O campo literário,
[...] este universo aparentemente anárquico e de bom grado libertário [...] é o lugar de uma
espécie de balé bem ordenado no qual os indivíduos e os grupos desenham suas figuras, sempre
se opondo uns aos outros. Ora se defrontando, ora caminhando no mesmo passo, depois
dando-se as costas, em separações muitas vezes retumbantes, e assim por diante, até hoje...
(BOURDIEU, 1996, p. 133).
A literatura, para Bourdieu, apresenta-se como um campo de produção e negociação
de bens simbólicos no qual os intelectuais ingressam a partir da tomada de posição política e
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ideológica que define seu local de fala e que explicita as condições sociais que possibilitam o
surgimento desses grupos.
Já em 1972, ano em que foi sentenciada a morte do boom, José Donoso, escritor incluído
em diversas listas que tentaram mapear o corpus do movimento, proclamava em seu estudo/
depoimento intitulado Historia personal del “boom”3:
¿Qué es entonces, el boom? ¿Qué hay de verdad y qué de superchería en él? Sin duda es
difícil definir con siquiera un rigor módico este fenómeno literario que recién termina – si es
verdad que ha terminado -, y cuya existencia como unidad se debe no al arbitrio de aquellos
escritores que lo integrarían, a su unidad de miras estéticas y políticas, y a sus inalterables
lealtades de tipo amistoso, sino que es más bien invención de aquéllos que la ponen en duda
(DONOSO, 1998, p. 12).
A periodização de qualquer movimento ou tendência literária é sempre algo arbitrário
e impreciso. Muitas são as tentativas de tentar firmar a demarcação temporal do boom, todas
difusas. Rama, ainda que estabeleça como data significativa para o surgimento do fenômeno
o ano de 1963, com a publicação de Rayuela, de Cortázar, informa que o mercado editorial
acabou trazendo para o fenômeno uma série de romances que foram publicados com novas
edições e tiragens muito maiores que as iniciais quando foram lançados nas décadas de 1940
e 1950, o que acabava por estender o boom a um cenário literário de duas décadas anteriores.
O ano de 1967, lançamento de Cien años de soledad, parece ser um consenso como o ápice
do movimento (o livro teve uma tiragem inicial de 25.000 exemplares e já no ano seguinte, e
seguidamente a partir deste ano, seriam publicados 100.000 exemplares por edição). O ano de
1973 também é considerado quase consensualmente como um marco definidor do término do
movimento (em 1972 tanto Emir Rodríguez Monegal quanto José Donoso já apontavam o término do boom). Sosnowski (1995), também questionando a falibilidade dos esquemas de periodização, sugere como possibilidade um período que vai de 1959, com o triunfo da Revolução
Cubana, até 1973, com a queda da democracia no Chile, anunciando o tenebroso período que
se formava na América do Sul. Na periodização proposta por Sosnowski, a ênfase nos limites
políticos associados ao movimento.
Estes movimentos apresentam características ligadas ao campo da sociologia - já que estão
intimamente imbricados com a questão da recepção - e da história literária, uma vez que acabaram por referenciar um momento importante e definidor do cenário literário na América
Latina. Antes de mais nada, devemos pensar a categoria do boom a partir de uma dinâmica da
ampliação do mercado editorial atrelada ao aumento do número de leitores que também se verificou a partir do desenvolvimento da publicação de revistas de atualidades cujo modelo fora
importado da Europa e Estados Unidos (como a L’Express, Time ou Newsweek) adaptadas aos
públicos latino-americanos.
Las revistas fueron instrumento capital de la modernización y de la jerarquización de la
actividad literaria: substituyendo las publicaciones especializadas destinadas sólo al restricto
público culto, fundamentalmente formado por los mismos escritores, establecieron una
comunicación con un público mayor (RAMA, 1982, p. 240).
A participação editorial é aspecto que fundamenta, inclusive, a própria denominação do fenômeno - termo originário do universo de marketing utilizado para determinar uma súbita alta de vendas de um determinado produto nas sociedades de consumo. Esta onomatopéia acaba por revelar,
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segundo Monegal), “los sórdidos orígenes de esta palabra”, escandalizando aos críticos mais puristas
por deixar “demasiado a la vista los mecanismos de poder que ellos tienen tanto cuidado en ocultar”
(MONEGAL, 2006).
A análise de Rama se distancia da análise de Donoso. O autor de El lugar sin límites (1966)
e El obsceno pájaro de la noche (1970) apresenta um ponto de vista absolutamente vinculado a sua
perspectiva de escritor e, portanto, implicado com questões de procedimentos estéticos e retóricos. Ainda que perceba a importância do leitor na conformação do boom, Donoso não leva
em conta o consumo massivo das narrativas latino-americanas. Para ele, estão incluídos nesta
categoria tanto fenômenos editoriais como Cien años de soledad, de García Márquez e La ciudad
y los perros, de Vargas Llosa, como livros caracteristicamente “de escritor” como Paradiso, de
Lezama Lima ou El astillero, de Onetti. A este ângulo da criação individual também se aproxima
a leitura de Mario Vargas Llosa, para quem as questões de caráter social e econômico próprias de
todo e qualquer processo de difusão massiva são definidas como “acidente histórico”.
Lo que se llama boom y nadie sabe exactamente qué es – yo particularmente no lo sé – es un
conjunto de escritores, tampoco se sabe exactamente quiénes, pues cada uno tiene su propia
lista, que adquirieron de manera más o menos simultánea en el tiempo, cierta difusión,
cierto reconocimiento por parte del público y de la crítica. Esto puede llamarse, tal vez, un
accidente histórico (VARGAS LLOSA4 apud RAMA, 1982, p. 242).
Tem muita razão Vargas Llosa a respeito da indefinição de um corpus em comum de
escritores que situem o boom: o consenso parecia mesmo impossível. Por outro lado, parece
inquestionável que alguns nomes sejam imediatamente lembrados quando a referência é o
boom da literatura latino-americana dos anos sessenta, como Julio Cortázar, Gabriel García
Márquez, Carlos Fuentes e Mario Vargas Llosa.
Tentando pensar um corpus do boom, Rama (1982) estabelece três critérios fundamentais
que devem ser articulados para se definir este recorte: 1) o gênero literário ligado à narrativa,
o que deixava de fora aqueles cuja produção literária não estivesse centrada no romance, ainda
que obtivessem altos índices de venda, caso da obra poética de Pablo Neruda ou dos ensaios de
Octavio Paz, por exemplo; 2) um critério meramente quantitativo, referenciado pela lista dos
“mais vendidos”, o que indicaria a repercussão pública da obra e do escritor, fator determinante, segundo Rama; 3) um critério qualitativo e que está ligado a determinados valores intrínsecos à obra com relação a sua qualidade estética e cultural. Reconhecendo a difícil e imprecisa
articulação destes critérios, o crítico uruguaio define sarcasticamente o boom como
[...] el club más exclusivista que haya conocido la historia cultural de América latina, un club que
tiende a aferrarse al principio inatingible de sólo cinco sillones y ni uno más, para salvaguardar su
vocación elitista. De ellos, cuatro son, como en las academias, ‘en propiedad’: los correspondientes
a Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa y Gabriel García Márquez. El quinto queda
libre para su otorgamiento: lo han recibido desde Carpentier a Donoso, desde Lezama Lima a
Guimarães Rosa (RAMA, 1982, p. 264).
Esses nomes são confirmados por José Donoso, eventual ocupante da quinta poltrona do
panteão do boom. “Si se acepta lo de las categorías, cuatro nombres componen, para el público,
el gratin del famoso boom, el cogollito, y, como supuestos capos de mafia, eran y siguen siendo
los más exageradamente alabados y los más exageradamente criticados: Julio Cortázar, Carlos
Fuentes, Gabriel García Márquez y Mario Vargas Llosa” (DONOSO, 1998, p. 128).
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Donald Shaw (1999) já propõe subdivisões destes nomes identificando três grupos que
seriam completados da seguinte forma: Boom (I), com Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Gabriel
García Márquez e Mario Vargas Llosa; Boom (II), com Juan Rulfo, Augusto Roa Bastos, José
Donoso, José Lezama Lima e Guillermo Cabrera Infante; e um terceiro grupo que viria com
Fernando del Paso, Reinaldo Arenas, Alfredo Bryce Echenique e Manuel Puig.
Pensando em irônicas subdivisões, Donoso identifica um segundo grupo formado por
Borges (que não se incluiria no boom por não escrever romances e por suas posições políticas
que não se encaixariam na esquerda), Juan Rulfo e Alejo Carpentier (“que parecían estar esperando maduros desde la creación del mundo, listos para que alguien los cosechara”), Onetti
e José Lezama Lima num “protoboom”. Roa Bastos, Manuel Puig, Salvador Garmendia, David Viñas, Carlos Martínez Moreno, Benedetti, Vicente Leñero, Rosario Castellanos, Jorge
Edwards, Enrique Lafourcade, Augusto Monterroso, Jorge Ibargüengoitia e Adriano González León formariam “el grueso del boom”. Mais abaixo viria o “boom-junior”, uma geração
mais jovem formada por Severo Sarduy, José Emilio Pacheco, Gustavo Sáinz, Nestor Sánchez,
Alfredo Bryce Echenique, Sergio Pitol e Antonio Skármeta. Paralelamente ao “grueso del
boom” estaria o fechado “petit-boom” do romance argentino com Manuel Mujica Láinez,
Bioy Casares, Pepe Bianco, Murena, Beatriz Guido, Sara Gallardo, Elvira Orphée, Juan José
Hernández e Dalmiro Sáenz, dentre outros. (DONOSO, 1998, p. 131-2).
Sobre a relação entre o boom e a vendagem de exemplares, Rama toma como exemplo o caso
de Julio Cortázar para analisar este dado como significativo na relação entre os escritores daquela
década e o fenômeno do mercado editorial. “Tres libros suyos habían sido publicados por la Editorial Sudamericana de Buenos Aires, con anterioridad a Rayuela, y ninguno de ellos había merecido
una reedición: en 1951 Bestiario, con una tirada de 2.500 ejemplares; en 1959 Las armas secretas,
con 3.000 ejemplares y en 1960 Los premios, con 3.000 ejemplares también, siendo este libro el que
produce una remoción incipiente, más notoria en la cultura que en la demanda del lector. Rayuela
aparece en 1963, también con la tirada de rigor, 3.000 ejemplares, pero puede atribuirsele la calidad
de factor desencadenante de las ventas y sobre todo de las reediciones que ahora se incorporan al
régimen de tiradas anuales. [...] A partir de 1970, las reediciones se aposentan en una normal media
anual de diez mil ejemplares por cada título” (RAMA, 1982, p. 267-8).
Julio Cortázar, autor de obras cujas tiragens iniciais foram substancialmente aumentadas
depois do advento do boom, percebe como fator fundamental o fenômeno de expansão do
público leitor latino-americano e atesta que a integração deste novo leitor ao circuito literário
é um dado inquestionável do processo de conscientização política presente naquele momento
na América Latina. Para o escritor argentino o boom é um “formidable apoyo a la causa presente y futura del socialismo” confirmando um recorrente engajamento dos escritores latinoamericanos a um projeto de esquerda para o continente, e prossegue: “¿qué es el boom sino
la más extraordinaria toma de conciencia por parte del pueblo latinoamericano de una parte
de su propia identidad? ¿Qué es esa toma de conciencia sino una importantísima parte de la
desalienación?”5(CORTÁZAR apud RAMA, 1982, p. 244). O foco da análise de Cortázar é
fundamentalmente a participação do leitor que, sob a ótica do escritor, passa por um profundo
processo de amadurecimento político. O jogo editorial e as manobras de mercado são referências de análise absolutamente desconsideradas em seu ponto de vista, como pode ser aferido no
seguinte trecho do mesmo comentário:
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En el fondo, todos los que por resentimiento literario (que son muchos) o por una visión con
anteojeras de la política de izquierda, califican el boom de maniobra editorial, olvidan que el boom
(ya me estoy empezando a cansar de repetirlo) no lo hicieron los editores sino los lectores, ¿y quiénes
son los lectores, sino el pueblo de América Latina? (CORTÁZAR apud RAMA, 1982, p. 244).
Uma observação importante deve ser ressaltada nestes argumentos de Julio Cortázar
e levanta discussões interessantes sobre aquele momento tão emblemático para a história da
literatura latino-americana e do próprio continente. É muito sintomático o comentário acerca
das críticas feitas ao boom, que o escritor reconhece que são muitas e às quais classifica como
“ressentimento literário” ou fruto de uma visão limitada sobre a política da esquerda. Esse
comentário deixa claro que, se por um lado a chegada destas narrativas do boom ao mercado
literário foi festejada por uma parte da crítica que confirmou o valor literário e o vigor da
renovação da nova narrativa latino-americana que se apresentava nas obras desta geração (ou
gerações) de escritores, por outro lado mostra que esta não era uma visão uníssona ou unânime por parte da crítica e parecia indicar que o caráter mercadológico de desenvolvimento das
empresas editoriais na ampliação do público consumidor era de fato o calcanhar de Aquiles do
fenômeno do boom. Esse argumento abastecia a severidade da crítica que
[...] registraba la ola de confusionismo y ligereza que rodeaba al mencionado boom, viéndolo
como un ambiente propicio para encaramar cualquier subproducto literario y, lo que resultó más
perjudicial, para instituir el bestsellerismo como la meta que codiciaría cualquier nuevo narrador
(RAMA, 1982, p. 258).
Não há muitas controvérsias de que o desenvolvimento de uma indústria editorial e dos meios
de produção, reprodução e distribuição da literatura, assim como os motivos sociais, econômicos e
culturais que potencializaram essas transformações foram, se não detonadores do surgimento deste
fenômeno literário na América Latina, ao menos contribuíram de forma imprescindível para a continuidade da chegada ao mercado do enorme volume de romances latino-americanos que se publicava
e se republicava durante toda a década de sessenta.
Isso ocorreu, em parte, devido a uma transferência dos centros de produção e irradiação editorial de Madri para suas maiores bases hispano-americanas, localizadas na Cidade do México e em
Buenos Aires. Estas duas cidades da América já eram, desde o período colonial, antigas sedes dos
vice reinos espanhóis e, portanto, ativas difusoras da cultura metropolitana no Império Espanhol. A
Guerra Civil Espanhola, que resultou na derrocada da República em 1939, proporcionou a chegada
à América (principalmente ao México e à Argentina) de inúmeros escritores (como Bergamín e Alberti), editores (como Gonzalo Losada e Llausás) e professores (como Américo Castro e José Gaos)
refugiados da política franquista e que acabaram por promover um reaquecimento cultural no continente que, segundo Monegal se assemelhava a un “verdadero renacimiento cultural equivalente al
creado en la Italia del Cuatrocientos por los humanistas que escaparon del cerco de Constantinopla”
(MONEGAL, 2006).
Esse “milagre editorial” ampliou-se na América Latina para outros mercados nacionais,
incluindo Caracas, Santiago, Montevidéu, Bogotá, Panamá, parecendo indicar que, enfim, estávamos conseguindo construir uma verdadeira integração cultural latino-americana através
da circulação da literatura feita nos quatro cantos do continente. Tais editoras, às quais Angel
Rama denomina “empresas culturais”, bancavam a estrutura necessária para a continuidade do
boom. Assim foi em Buenos Aires, com Losada, Emecé, Sudamericana e Compañía General Fabril Editora; no México, com Fondo de Cultura Económica, Era e Joaquín Mortiz; no Chile, com
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Nascimento e Zig Zag; no Uruguai, Alfa e Arca; na Venezuela, Monte Avila; em Barcelona, Seix
Barral, Lumen e Anagrama, dentre outras que, além de ocuparem a maior parte de seu catálogo
com títulos nacionais e latino-americanos, algumas delas financiavam concursos internacionais
que acabavam por descobrir novos nomes e confirmar a qualidade literária latino-americana.
Protegido por diversos decretos nacionales, amparado incluso por disposiciones internacionales
(emanadas de la UNESCO), el libro encarnó naturalmente su papel de mercancía no tradicional
ni sujeta, a diferencia de otras, a complejos controles burocráticos, pesadas regulaciones o
cargas impositivas, y en consecuencia encontró cierta fluidez de intercambio para responder
a la demanda internacional que se comenzaba a generar (RUFFINELLI, 1995, p. 376).
Sobre a relação entre o boom e a vendagem de exemplares, Rama toma como exemplo o caso
de Julio Cortázar para analisar este dado como significativo na relação entre os escritores daquela
década e o fenômeno do mercado editorial. “Tres libros suyos habían sido publicados por la Editorial Sudamericana de Buenos Aires, con anterioridad a Rayuela, y ninguno de ellos había merecido
una reedición: en 1951 Bestiario, con una tirada de 2.500 ejemplares; en 1959 Las armas secretas,
con 3.000 ejemplares y en 1960 Los premios, con 3.000 ejemplares también, siendo este libro el que
produce una remoción incipiente, más notoria en la cultura que en la demanda del lector. Rayuela
aparece en 1963, también con la tirada de rigor, 3.000 ejemplares, pero puede atribuirsele la calidad
de factor desencadenante de las ventas y sobre todo de las reediciones que ahora se incorporan al
régimen de tiradas anuales. [...] A partir de 1970, las reediciones se aposentan en una normal media
anual de diez mil ejemplares por cada título” (RAMA, 1982, p. 267-8).
Não podemos deixar de citar a importância fundamental da Casa de las Américas, instituição fundada no bojo da Revolução Cubana e que acabou por converter-se num centro
revolucionário da cultura latino-americana, cujo exemplo foi imprescindível para dar impulso
a outras experiências de difusão e reflexão de nossa literatura, como a uruguaia Marcha, e os
suplementos literários Siempre e Primera Plana, de México e Argentina, respectivamente, para
mencionar algumas. Casa de las Américas, através de sua revista, seus concursos, festivais e
prêmios literários, contribuiu de forma inquestionável para romper com o bloqueio imposto
pelos Estados Unidos, articulando uma verdadeira ponte cultural entre os países latino-americanos naquele momento histórico tão difícil para o continente. Além disso, o reconhecimento
internacional também foi confirmado pelos três prêmios Nobel conferidos a escritores latinoamericanos: Miguel Ángel Asturias em 1967, Pablo Neruda em 1973 e Gabriel García Márquez
em 1983. O Nobel de 1983 parece fechar este ciclo que termina confirmado pela crise do mercado editorial latino-americano.
Vale a pena destacar, com relação ao engajamento dos intelectuais de esquerda à Revolução Cubana, que esta adesão quase unânime nos anos sessenta começa a ser rompida a partir do célebre “Caso Padilla”. Em 1968, o Sindicato de Escritores Cubanos outorga um prêmio ao escritor Heberto Padilla pelo
livro Fuera de juego. Uma posterior leitura desta obra apontava uma posição demasiado crítica à Revolução,
o que acabou levando o poeta à prisão em 1971 e uma indicação do governo de Fidel que se retratasse
publicamente de suas críticas. Contra sua detenção se manifesta de imediato a intelligentzia internacional:
Sartre, Simone de Beauvoir, Octavio Paz, Julio Cortázar, Marguerite Duras, Italo Calvino, Susan Sontag,
Jean Genet, García Márquez, Severo Sarduy, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, José Donoso e uma série de
outras personalidades intelectuais. Esse foi o primeiro estremecimento com a Revolução e, apesar de
uma grande parte destes nomes continuar apoiando o projeto castrista, o Caso Padilla acabou por se
configurar também como um primeiro racha neste grupo de intelectuais com relação ao apoio à ilha.
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Retomando a citação de Cortázar recortada mais acima, outra questão importante presente no cenário do boom foi a transformação do papel deste escritor. É inegável, e isto está
em todas as análises já feitas sobre este momento, o efeito de adesão que a Revolução Cubana
acarretou na intelectualidade latino-americana. Literatura e política pareciam indissociáveis e a
Revolução Cubana construiu o eixo ideológico que impregnou os relatos, discursos e narrativas
comprometidas com o povo e a luta antiimperialista contra os Estados Unidos. Assim, o “compromisso político” marcou o escritor latino-americano, que se desprendia cada vez mais daquilo
que Rama definia como “narrador-artista” rumo a uma concepção de “narrador-intelectual”.
Este novo escritor está ligado a uma profissionalização do seu ofício que a partir de agora, com a ampliação dos mercados nacionais para uma perspectiva continental e internacional,
pode ser exercido diretamente com o leitor, afastando-o dos ruídos do Estado e dotando-o de
uma certa “autonomia intelectual” – “rasgo de su profesionalización pero también de la función que imaginaron para sí mismos y comenzaron a cumplir” (RUFFINELLI, 1995, p. 383).
A conquista desta “profissionalização”, em detrimento da imagem do “narrador aficionado”, vem acompanhada de uma maior aproximação e intimidade com os mass media, pelos
quais este escritor deve transitar a fim de dialogar com o público massivo que substituiu o
público elitizado de outrora. O papel do escritor também se amplia rumo a um formador de
opiniões dentro deste cenário dos meios de comunicação de massa. Não basta oferecer ao público a criação de suas obras literárias. Este escritor-intelectual é solicitado a opinar sobre os
acontecimentos de seu tempo e deve ser capaz de sustentar um discurso intelectual articulado e
progressista. O compromisso político assumido por este escritor acabou por outorgar-lhe uma
legitimidade no papel de interlocutor, ou mediador, da realidade social que teria efeitos consideráveis na escritura literária latino-americana. Paralelamente ao engajamento ideológico, a
escritura refletia a descoberta de uma pluralidade da fala que vinha acompanhada da descoberta
da pluralidade dos sujeitos falantes, e que viria a desembocar no desenvolvimento da literatura
testemunho dos anos setenta.
El ejemplo de Cortázar puede generalizarse y decirse que la novela hispanoamericana fue realmente
“polifónica” desde los años sesenta. Por una parte, la literatura perdió el carácter “escrito”, que
mantenía como una de sus características, a lo largo de las diversas épocas y movimientos; se hizo más
flexible y coloquial, como si el lenguaje del autor y el habla de sus personajes se hubiesen fusionado
al fin, con el rasero del habla popular. Este es un rasgo central de la ficción en los años sesenta,
setenta y ochenta. En estas tres décadas el lenguaje de la ficción se liberó del concepto académico
de escritura literaria, se inspiró en cambio en las hablas populares del continente y ganó así en
imagen de espontaneidad y frescura. Que no se trataba de una simple mimesis representacional, de
un nuevo realismo lingüístico o fonético, se confirma en el hecho de que esta “inspiración” popular
no se quedó a nivel de lenguaje, fue total (RUFFINELLI, 1995, p. 384).
Além de manejar os elementos estéticos e as técnicas narrativas capazes de construir um
universo simbólico que refundasse o próprio discurso sobre a história, imagem em que Macondo assume um papel quase paradigmático, o escritor (já definido então como autor/fundador/
criador) deve também articular os elementos da cultura popular capazes de confirmá-lo como
um guardião da memória coletiva. Assim, o escritor da nova narrativa latino-americana assume
o papel também do contador de história, do narrador, que recolhe com destreza os signos de
uma cultura oral. O contador de história/narrador tem sua função derivada da autoridade do
saber das tradições amarradas pelos signos da oralidade, cuja cultura é agora tomada como índice do autêntico. O contador evoca a memória através do poder da palavra narrada. Diante do
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perfil do escritor autor e do narrador, Jean Franco (2002) ainda enfatiza uma terceira forma que
deve se antepor à projeção das duas primeiras a partir do fenômeno do boom: a super-estrela.
Este escritor super-estrela se forma no domínio da produção de uma cultura de massa, que a
partir dos anos sessenta apresenta um tipo bastante distinto de tecnologia narrativa, conformada sob
princípios da industrialização e do consumo. O texto fabricado por esta cultura de massa, seja um filme ou uma fotonovela, por exemplo, se caracteriza pela repetição, já que não há um original. Estas três
figuras – narrador, autor, super-estrela – superpostos na literatura do boom, assumem-se, para Franco,
como alegorias de formas de construção social, e devem articular destrezas inventivas coordenadas
nos campos da memória, da história e da repetição.
Tais discussões são pertinentes para refletirmos sobre o boom enquanto um fenômeno
que dominou o cenário latino-americano e conjugou regras mercadológicas, sobre a ampliação
do universo de leitores (que a partir dos anos sessenta tiveram acesso à produção literária latino-americana de mais de duas décadas, com as sucessivas reimpressões dos livros destes autores
que haviam tido uma pequena tiragem inicial) e sobre as discussões políticas que desenhavam
um novo modelo de escritor surgido naqueles tempos.
Sobre a relação entre o boom e a vendagem de exemplares, Rama toma como exemplo o caso de
Julio Cortázar para analisar este dado como significativo na relação entre os escritores daquela década e o
fenômeno do mercado editorial. “Tres libros suyos habían sido publicados por la Editorial Sudamericana
de Buenos Aires, con anterioridad a Rayuela, y ninguno de ellos había merecido una reedición: en 1951
Bestiario, con una tirada de 2.500 ejemplares; en 1959 Las armas secretas, con 3.000 ejemplares y en 1960
Los premios, con 3.000 ejemplares también, siendo este libro el que produce una remoción incipiente,
más notoria en la cultura que en la demanda del lector. Rayuela aparece en 1963, también con la tirada de
rigor, 3.000 ejemplares, pero puede atribuirsele la calidad de factor desencadenante de las ventas y sobre
todo de las reediciones que ahora se incorporan al régimen de tiradas anuales. [...] A partir de 1970, las
reediciones se aposentan en una normal media anual de diez mil ejemplares por cada título” (RAMA,
1982, p. 267-8). Mas algumas questões fundamentais que transcendem esta abordagem ainda merecem
atenção. Esta literatura que atravessou a década de sessenta precisa ser localizada dentro da história literária do continente. Qual é a origem da nova literatura dos anos sessenta?
Além disso, embora saibamos que o boom não se enquadre exatamente em um movimento estético-literário, com postulados teóricos e conceituais definidores de uma geração ou de uma escola,
tampouco devemos desconsiderar que, se há uma rubrica literária e, se percebemos que esta narrativa
postulava um discurso de ruptura, a nova narrativa latino-americana, e sua incorporação pelo boom,
deve ser analisada também sob um viés estilístico, com desdobramentos em discussões que problematizem também o aspecto identitário daquele momento.
Apesar da violenta reação que sempre provocou, este termo – que então apenas designava um
fenômeno de comercialização e recepção –, por seu uso extremamente recorrente e indiscriminado,
ganhou uma nova dimensão, através de um processo metonímico de extensão de significado,
passando a indicar um período, uma proposta poética e uma fase histórica do processo narrativo:
o período que até então era designado pelo composto “Nova Narrativa Hispano-Americana”. É
ao longo desta trajetória, pois, que o significado deste termo vai-se constituindo conceitualmente.
Neste sentido, faz-se importante voltarmos, agora, aos questionamentos que interpusemos, e
propor, conclusivamente, a absoluta validade de uma retomada crítico/conceitual desta questão,
hoje, bem como propor a consideração do termo boom como um conceito – construído ao longo
da trajetória de sua utilização pelo discurso crítico, nos últimos 30/40 anos – que aponta para
importantes questões identitárias que sustentam o campo intelectual e o projeto criador latinoamericano (TROUCHE, 2005, p. 96).
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Aqui temos uma vinculação que explicita a gênese desta literatura do boom à nova narrativa
hispano-americana. Trouche (2005) apresenta esta filiação que foi enfatizada pelo crítico uruguaio
Emir Rodríguez Monegal em seu ensaio El boom de la novela latinoamericana, publicado em 1972.
Retornando ao projeto criador da narrativa latino-americana desde a década de 1940, Monegal salienta as rupturas no interior desta literatura, identificando no cenário estabelecido pela nueva narrativa
latinoamericana a base da qual surgirá o fenômeno do boom.
Desta forma, percebendo as relações entre as narrativas da década de sessenta e as rupturas processadas pela nova narrativa ao conjugar a experiência das gerações anteriores – do
realismo telúrico de Rivera, Gallegos e Güiraldes às crônicas realistas de Azuela, Guzmán e
Ciro Alegría – com a apropriação de elementos das vanguardas européias e das experimentações dos novos romances norte-americanos, Monegal afirma que o boom não se resume a uma
mera construção mercadológica e a um fenômeno de recepção, indicando que ali também está
um conceito teórico importante para o estudo da literatura latino-americana. E assim as influências literárias se processam num movimento em que dialogam diversos gêneros, não apenas a
narrativa própria do romance, mas também a poesia e o ensaio, tão importantes na conformação de um discurso identitário projetado pelas vanguardas latino-americanas. É por esse plano
de leitura que Monegal (2006) consegue estabelecer a presença dos relatos de ¿Águila o Sol?, de
Octavio Paz, na obra de José Arreola ou Salvador Elizondo, por exemplo. Ou a presença de
Oliverio Girondo na famosa narrativa espiralada de Rayuela, de Cortázar. Ou ainda a experiência barroca de José Lezama Lima fornecendo o repertório necessário para a representação
do crucigrama cubano de De donde son los cantantes e Cobra de Severo Sarduy. Sem contar a
essencial reflexão sobre o imaginário mexicano efetuado por Octavio Paz em 1950 em El laberinto de la soledad que tanto contribuiu para a narrativa de Carlos Fuentes desde La región más
transparente até La muerte de Artemio Cruz6.
É no âmbito das sucessivas publicações dos textos narrativos, isto é, no universo do literário
propriamente dito, que Rodríguez Monegal vai buscar e encontrar as linhas mestras do
fenômeno de renovação e emergência do projeto criador latino-americano. Na verdade, desde
a publicação de Historia universal de la infamia, de Jorge Luis Borges, em 1935, começa a
surgir uma série de textos apresentando em comum um decisivo processo de “(des)realização”
e rompendo, definitivamente com a ingenuidade da estética realista/naturalista até então
vigente na prosa narrativa, que parecia se manter irredutível às propostas vanguardistas desde
os anos 20 (TROUCHE, 2005, p. 88).
Esta nueva narrativa latinoamericana vai buscar uma ambivalência da perspectiva histórica,
rejeitando as narrativas cêntricas e multiplicando os eixos de construção de vozes no relato, o que vai
acarretar em conseqüências ideológicas perceptíveis sobre a ação política. As convenções literárias
são rechaçadas, como forma de interrogar o lugar que o ser ocupa no mundo e interpelando toda a
realidade em todo plano discursivo. A nova narrativa latino-americana efetuará uma constante e profunda crítica da representação, valorizando técnicas que lançarão mão de monólogos interiores, multiplicação de narradores, proliferação de pontos de vista, reconstruindo um eixo polifônico de discurso e denunciando o mundo empírico das aparências (que era tido como o estatuto de verdade no
realismo anterior). Desintegrava-se a lógica linear de formulação do relato, através da multiplicação e
simultaneidade dos espaços de ação, do abandono aos cenários realistas do romance tradicional, ressituando-os em espaços imaginários e de uma caracterização polissêmica dos personagens. As novas
narrativas assimilam o mito, as lendas, a cultura oral, conciliadas numa cosmovisão do mundo na qual
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todos esses signos compartilham o mesmo solo comum da linguagem num emprego de elementos
simbólicos e, em última instância, interrogam os próprios limites da expressão literária em um afã
de sublevação contra qualquer apresentação e representação unívoca da realidade (CHIAMPI, 1980;
RUFFINELLI, 1995; SHAW, 1999; SOSNOWSKI, 1995; TROUCHE, 2005).
La adopción de nuevos recursos narrativos también toleraba la incorporación de versiones más
flexibles del tiempo y del espacio como alternativas a una cotidianeidad aplastante. La historia
se elastizaba con la intervención del mito; el paso del tiempo se hacía menos penoso y aún más
tolerable con la circularidad y con las claves que daban acceso a otras dimensiones (SOSNOWSKI,
1995, p. 399).
A proposta consistia numa transformação abrupta das formas hegemônicas ou convencionais,
apontando uma ruptura entre a escritura que se fazia antes e a daquele momento, a ponto de Vargas
Llosa distinguí-las entre “novela primitiva” e “novela de creación”7 (vargas llosa apud RUFFINELLI, 1995, p. 369). Este parecia reverberar um outro projeto de ruptura que se mantivera aberto
algumas décadas atrás, o movimento das vanguardas latino-americanas, que também reivindicavam a
modernização da literatura feita no continente. Um ponto de encontro insistia em se fazer presente na
dimensão da representação insuflada por Alejo Carpentier no prólogo de El reino de este mundo, em
1949: uma definitiva passagem da estética realista-naturalista para a abordagem mágica da realidade.
Pero es que muchos se olvidan, con disfrazarse de magos a poco costo, que lo maravilloso
comienza a serlo de manera inequívoca cuando surge de una inesperada alteración de la
realidad (el milagro), de una revelación privilegiada de la realidad, de una iluminación
inhabitual o singularmente favorecedora de las inadvertidas riquezas de la realidad, de una
ampliación de las escalas y categorías de la realidad, percibidas con particular intensidad
en virtud de una exaltación del espíritu que lo conduce a un modo de “estado límite”. Para
empezar, la sensación de lo maravilloso presupone una fe (CARPENTIER, 2004, p. 9-10).
Aqui vale a pena trazer a primorosa observação de Chiampi (1980) acerca das marcas do
maravilhoso proposto por Carpentier no seu super visitado prólogo. Atenta aos verbos utilizados pelo autor cubano para definir seu modo de olhar e descrever a realidade, Chiampi salienta
que os modos de manifestação do maravilhoso podem ser divididos em dois grupos: um, definido pelos verbos “alterar” e “ampliar”, indicaria uma operação modificadora do objeto real;
outro, marcado por “revelar”, “iluminar” e “perceber” apontaria para uma operação mimética
da realidade. Assim, oscilando entre a percepção deformadora do sujeito e o componente da
realidade, o maravilhoso capentieriano se resolve, segundo Chiampi, na contradição (aparente)
entre deformar e mostrar. Isso revelaria os traços depositados pelo surrealismo, através de seu
entendimento do supra-real como imanente ao real confirmado numa reconhecida dívida já declarada por alguns escritores da nova narrativa, como Asturias, Carpentier, Cortázar e Sábato
para com o movimento encabeçado por Andre Breton (SHAW, 1999, p. 239).
Nessa nova narrativa hispano-americana que se processava de forma fértil e abundante
nos anos 1940 e 1950, o “real maravilhoso americano” de Carpentier ou o “realismo mágico” proposto por Arturo Uslar Pietri, em Letras y hombres de Venezuela, em 1948, acabariam
desaguando num vocabulário recorrente ao designar a ruptura com a realidade proposta por
este tipo de narrativa e que teve em Gabriel García Márquez seu mais reconhecido herdeiro.
Essas filiações e permanências pareciam atestar “las posibles vinculaciones genéticas entre las
vanguardias y la nueva novelística como dos instancias de un mismo proceso de ruptura” (RUFFINELLI, 1995, p. 370).
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O boom veio dar visibilidade a esta produção, que teve cunhada pelo mercado editorial a
marca de legitimidade e autenticidade identificadora desse emblema chamado América Latina,
com claras intenções de aceitação pelo mercado internacional, promovendo, segundo Carlos
Fuentes (1969, p. 97) “la ruptura de la insularidad tradicional de nuestra novela”. Para o escritor mexicano, “le corresponde históricamente a la novela nada menos que la tarea titánica de
construir un nuevo lenguaje, una nueva mitología y hasta una nueva América Latina, en medio
de un mundo dominado por la tecnología norteamericana” (RUFFINELLI, 1995, p. 373).
A veinte años de su publicación, un aviso publicitario ofrecía Cien años de soledad como “La gran
novela que identificó a Latinoamérica”. La frase, con un claro propósito de exportación, sugiere
la identificación hacia afuera. Lo más importante, sin embargo, y es lo que pareciera quedar para
otros mensajes, es el hecho que para muchos lectores la novela de García Márquez sigue siendo
la novela “en la que se identificó Latinoamérica”. En esta doble acepción, creo, está centrada la
dinámica de la narrativa reciente, tanto la posibilidad del auto(re)conocimiento continental de los
latinoamericanos como su reconocimiento internacional (SOSNOWSKI, 1995, p. 400).
Nestes anos, quando já plenamente instaurada e institucionalizada a modernização da
narrativa, também se estará gestando uma outra forma de narrar, diferente desta abordagem da
realidade, uma escritura que buscará nos materiais que a “alta literatura” descarta como impróprios seus referentes de trabalho. Uma paraliteratura que fará uso do universo do folhetim, do
cinema, das radionovelas, da televisão, da paródia aos gêneros literários e que definirá a geração
dos “novíssimos” ou, para outros, a geração do pós-boom.
Se a definição de uma geração ou de um projeto estético-literário ligado ao boom é tarefa
inglória e seguramente frustrada, com relação a esta alcunha de pós-boom, parece-nos que o esforço de definição torna-se ainda mais problemático. Na verdade, esta geração dos “novísimos
narradores latinoamericanos”, como a designou Angel Rama, apresenta-se ainda mais difusa.
Em comum, talvez, inspire a necessidade de questionamento do modelo de representação assumido pela nova narrativa latino-americana, propondo novas convenções de leitura a partir da
desconstrução das fronteiras entre “verdade” e ficção.
Uma das tendências de análise desta narrativa centra-se na leitura de uma aproximação ao
pós-modernismo, como é claramente colocada por Raymond Williams em The postmodern novel in
Latin America. Segundo o crítico britânico, esta nova narrativa identificada com a produção de Eltit,
Pacheco e Sarduy, dentre outros, ainda que descenda diretamente da escritura modernista latinoamericana configurada na obra de Borges, Asturias, Carpentier e demais, também representa práticas
culturais que operam rupturas fundamentais com esta “grande narrativa” das décadas de 1940, 1950
e 1960 (WILLIAMS, 1996). Na verdade, mais que ruptura, esta corrente do posboom, teria prolongado as inovações do boom na direção do pós-estruturalismo e do pós-modernismo até o que Santí
chamou de “nihilismo de la ficcionalidad total”8 (santí apud SHAW, 1999, p. 276). Esta leitura
reduz a análise destas experiências literárias latino-americanas a um eixo de interpretação em que o
modernismo estaria para o boom, assim como o pós-modernismo estaria para o pós-boom.
O pesquisador argumenta que um outro grupo dentro do pós-boom indicava a urgência
em resgatar um contato menos mediatizado com a realidade social, num feito de estabelecer
uma tentativa de relação mais direta com o “aqui e agora”, onde a principal questão seria a
retomada de uma pretensa narratividade, que esteve em risco sob o experimentalismo dos
escritores do boom. Este é grosso modo um dos argumentos elencados por Donald Shaw para
opor o pós-boom ao boom.
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Esta geração criticava duramente o hermetismo e a excessiva estilização que acabou aprisionando os romances da geração dos anos sessenta naquilo que Fernando Alegría chamou de
“el circo de la supertécnica”, na qual “la obra queda espejándose en su propia estética” (ALEGRÍA apud SHAW, 1999, p. 264), numa referência ao que parecia ser um exagero de emprego
de técnicas experimentais processadas na literatura do boom.
A proposta, segundo a leitura de Shaw, sugeria um certo retorno à “narratividade” inserida em um relato linear, atenuando a fragmentação e o metadiscurso, inclusive buscando como
resposta um maior acesso ao público leitor que, para os críticos do boom, acabou por ficar
preso nas armadilhas estilísticas de narrativas cada vez mais herméticas e incompreensíveis.
[...] el momento era propicio para llevar a cabo una vuelta a la “narratividad”, un retorno al relato
lineal, sin la fragmentación, los saltos cronológicos inesperados, el metadiscurso y el cuestionamento
de la relación causa-efecto que tantas veces caracterizaba la narrativa del Boom desde Pedro Páramo
hasta Terra Nostra (SHAW, 1999, p. 266).
Neste sentido, a partir de uma idéia de ruptura sugerida por essa novíssima narrativa com
relação a linearidade do relato, uma questão se colocava de forma impositiva: como voltar a alguma
forma de realismo depois de os escritores do boom terem questionado de modo tão radical nossa capacidade de apreender a realidade ou a capacidade da própria linguagem de expressá-la? Essa é uma
questão-chave com a qual as novíssimas narrativas tiveram de lidar. E para tentar dar conta de tal problemática, uma das respostas veio indicada através da direta referencialidade da linguagem, ou seja,
uma proposta de “desliteraturização” do romance, como apontou Mouat9 (Mouat apud SHAW,
1999, p. 266). Tentando responder a esta questão, Shaw, vinculando-se a um critério historicista, intui
que a própria relação com o momento histórico aponta um caminho possível.
Una posible respuesta postula que las dudas acerca de la verdad, acerca de la inteligibilidad de la
realidad y acerca de la congruencia entre el signo y el significado, típicas de los escritores del Boom,
no representan más que una convención ideológica impuesta por la situación histórico-social en
la que se hallaron estos escritores. La vuelta hacia un mayor realismo y hacia la accesibilidad,
la incorporación de elementos pop, el descubrimiento del mundo de los jóvenes y las otras
características del posboom [...] reflejarían una nueva situación (SHAW, 1999, p. 267).
Esta nova situação a que se refere Donald Shaw é marcada pela apropriação de outras referências, inclusive não literárias, na construção de uma outra oralidade, uma fala popular que
provêm das radionovelas, do cinema hollywoodiano, das vozes dos cantores de tangos e boleros. Esta inspiração não se configurava apenas como uma mera mímesis da representação ou
de um novo realismo lingüístico ou fonético, não se limitou ao plano da linguagem, foi ainda
mais fundo: centrou, muitas vezes, sua inspiração nos signos da cultura de massa, nos motivos
oriundos dos subprodutos da indústria cultural, antes vistos com desconfiança por autores que,
inclusive, trabalhavam com uma outra acepção do “popular”. Essa era uma atitude que, sob
muitos aspectos, confrontava uma certa abordagem do popular plenamente sedimentada nas
obras do escritores do boom.
Assim, conforme o ideal da Revolução foi desbotando, pouco a pouco, no imaginário social, chegando aos anos 1980 sem os efeitos de mobilização, vemos a paródia se destacar como
uma arma popular para a subversão social. O discurso autoritário instituído, sobretudo pela
experiência das ditaduras militares latino-americanas, foi então subvertido parodicamente pela
literatura, desde a história oficial até a própria literatura, num esforço no qual a intertextualiIpotesi, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 119 - 133, jan./jul. 2008
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dade e o metadiscurso desenvolvidos na literatura dos anos sessenta, funcionavam como arma
política de resistência direta. A década de 1980 oferece uma abertura radical na consideração
da literatura como práxis e como fenômeno, colocando em xeque, inclusive, o próprio objeto
de estudo da teoria e da crítica literárias.
Abstract
This article discusses, historiographically, Latin American positioning on the boom and
post-boom movements. Considering some of the difficult and complex issues involved,
contradictions in the arguments possed by writers of these generations are pointed out as
well as the difficulties of literary criticism in tryind to define these literary phenomena.
Keywords: Boom. Post-boom. Latin American criticism.
Notas explicativas
1
A noção de movimento aqui não está associada a um corpo programático de idéias e de projetos estéticos em comum, visto que
os nomes que costumam integrar as diversas listas de escritores identificados com o boom apresentam também variados estilos
narrativos e poéticos. Consciente da problemática dessas discussões acerca do boom, Emir Rodríguez Monegal, em seus “Notas
sobre (hacia) el boom”, artigos originalmente publicados em Plural, México, nos números 4, 6, 7 e 8, entre janeiro e maio de 1972,
não se constrange, entretanto, em referir-se ao boom como um movimento literário: “Como todo movimiento literario que se
respete (el modernismo es un buen precedente), éste también está expuesto a la caricatura, a la parodia, a la irrisión, el carnaval.
Lo que está bien. Pero no es suficiente.” Estes artigos de Monegal estão disponíveis na internet no site citado nas referências
bilbiográficas, onde foram por mim consultados para escrever o presente artigo.
2
Pensamos, aqui, em três importantes e influentes ensaios sobre o boom: “Notas sobre (hacia) el boom” escrito por Emir Rodriguez
Monegal em 1972, quando o crítico de uma certa forma já sentenciava o fim do movimento, o livro-memória de José Donoso,
Historia personal del “boom”, também de 1972, e o de Ángel Rama, intitulado “El boom en perspectiva” apresentado inicialmente
em 1979 no colóquio The Rise of Latin American Novel em Wilson Center, em Washington, e posteriormente publicado em
Escritura, no. 7, Caracas, em 1980.
3
Este comentário foi publicado em Zona Franca, Caracas, 2 época, ano iii, no.14, agosto/ 1972
4
Estas declarações foram inicialmente expressadas no Coloque de Royaumont, em Paris, em dezembro de 1972, na seção “Sociologie
de la Literature” do Institut des Hautes Etudes e posteriormente publicadas em Marcha, año xxxiv, no. 1634, Montevidéu, em
2/março/1973.
5
Logo essa indústria editorial mostraria sua fragilidade diante da súbita retração do mercado iniciada na segunda metade dos anos
70, com a constatação dos fracassos dos milagres econômicos da América Latina, e que vai provocar uma agudíssima crise desse
mercado que vai perdurar por toda a década de oitenta.
6
Logo essa indústria editorial mostraria sua fragilidade diante da súbita retração do mercado iniciada na segunda metade dos anos
70, com a constatação dos fracassos dos milagres econômicos da América Latina, e que vai provocar uma agudíssima crise desse
mercado que vai perdurar por toda a década de oitenta.
7
VARGAS LLOSA, Mario. Novela primitiva y novela de creación en América Latina. Marcha, 1432 e 1433, 10 e 17 jan.1969.
8
Enrico Mario Santí, “textual politics: Severo Sarduy”, Latin American Literary Review, 8, núm.16, 1980: 158.
9
Ricardo Gutiérrez Mouat, “La narrativa latinoamericana del Post-Boom”, Revista Interamericana de Bibliografia, 38, 1988: 8-9.
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132
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Ipotesi, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 119 - 133, jan./jul. 2008
133
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Entre o boom e o pós-boom: dilemas de uma historiografia literária