UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
MANOEL MATUSALÉM SOUSA
CORDEL GRITO DO OPRIMIDO
- uma escola de resistência à Ditadura Militar -
Orientador: Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
João Pessoa/PB
2007
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
CORDEL GRITO DO OPRIMIDO
- uma escola de resistência à Ditadura Militar -
Manoel Matusalém Sousa
Tese de Doutorado apresentada junto ao
Programa de Pós- Graduação em Educação como
parte dos requisitos para obtenção do título de
Doutor em Educação pela Universidade Federal
da Paraíba-UFPB.
Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
Orientador
João Pessoa
2007
2
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA EDITORA CENTRAL DA UFPB
S725g
UFPB/BC
Sousa. Manoel Matusalém
Grito do aprimido no cordel: uma escola
de resistência à ditadura militar / Manoel
Matusalém Sousa... João Pessoa, 2007. 282 p.
Orientador: José Francisco de Melo
Neto.
Tese (doutorado) - UFPB/CE
1. Educação. 2. Literatura popular.
3. Literatura de cordel. 4. Dialética –
Literatura de cordel.
CDU 37(043)
3
MANOEL MATUSALÉM SOUSA
CORDEL GRITO DO OPRIMIDO
- UMA ESCOLA DE RESISTÊNCIA À DITADURA MILITAR –
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto
Orientador/UFPB
_________________________________________________
Profª Drª Edna Gusmão de Góes Brennad
1º Membro/UFPB
_________________________________________________
Profª Drª Marinalva Freire da Silva
2º Membro/UEPB
_________________________________________________
Profª Drª Maria de Fátima B. Batista
3º Membro/UFPB
_________________________________________________
Prof Dr Luciano Barbosa Justino
4º Membro/UEPB
Tese aprovada em 26 / 09 / 2007.
João Pessoa/PB
2007
4
DEDICATÓRIA
Aos poetas populares de Cordel e aos
poetas violeiros que gravaram, com
sangue a poesia de resistência à Ditadura
Militar orquestrada pelo Golpe de 1964
no Brasil.
5
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, à minha esposa e a aos meus filhos, que sacrificaram muitas horas de carinho e
convivência em troca da tolerância e espera enquanto eu estudava: Dalva, Soraya, Mathusael, Sylmara
e Vitória.
Sou plenamente grato ao meu primeiro orientador Luíz Dias Rodrigues (Luizito) que, mesmo
enfermo, nunca negou orientação segura, exigente e competente porque plasmada a convicção
profunda de justiça e fraternidade peculiares aos homens de fé e sabedoria.
Reconhecimento ao segundo orientador, José Francisco de Melo Neto, que sabendo manter a
dialética entre o já iniciado e o que se haveria de fazer, comigo pisou o mesmo chão-da-vida de onde
brota a existência sustentada pela luta à procura da síntese: o saber.
Aos professores Afonso Scocuglia, Charliton Machado, Eymard Vasconcelos, Edna
Brennand, Eulina Carvalho e Jarry Richardson, pela efetiva eficácia docência do dever cumprido e
marca impressa em mim que, preservando minha liberdade e identidade, aceitaram-me na mesma
comunidade produtora do saber e da ciência que a une na diferença.
Ao casal Arnaldo e Teresina Cavalcanti Barreto, companheiros no fazer o saber teológico,
pela colaboração incondicional no meu trajeto doutoral.
Aos abnegados Osvaldo Valério e Samuel Freire da Silva, pelo trabalho de garimpar as
letras cordelinas e dar-lhes feitura técnica de ingresso à academia dos doutos em educação popular.
Ao Dr. Luiz Dias Rodrigues, pelo estímulo profissional e intelectual diante das dificuldades
existenciais que as superei.
Aos doutores Luciano Barbosa Justino, Maria de Fátima B. Batista e Marinalva Freire da
Silva, que constituíram, no que lhes competiam, o adro de minha articulação, agradeço a cada um
individualmente pelo que me foi favorecido, e a todos, indistintamente, pelo que contribuíram com a
ciência.
Às instituições de ensino superior FACET, FAEST e Instituto Imaculada Conceição, onde o
meu dia-a-dia se faz docência, pelo apoio e reconhecimento.
A todos os meus colegas do magistério superior de quem recebi apoio, estímulo e
intercâmbio científico-cultural.
Aos meus alunos que sempre me sustentam no árduo trabalho de pesquisa e me abriram
espaço para saber que com eles somos iguais: amantes do conhecimento.
Por último, mas em primeiro lugar a Deus, que nos fez inteligentes capazes de sabedoria!
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Ninguém pode negar toda beleza
Do poema bem feito improvisado
Junto ao povo banido, escravizado
Sofrimento opressão sem ter firmeza
Implorando a todas sua defesa
Liberdade, espaço e lisura
Que safaste do verso a censura
A tortura do vate que o irrita:
O POETA SOFRE, GEME E CRITA
CONTRA OS CRIMES DA NOVA DITADURA!
Este golpe com força determina
Expulsando, matando sem parar
Até a vida de Vladimir Pomar
Atingiu esta draga assassina.
Margarida sofreu a mesma sina,
Brizola e Arraes outra figura,
Paulo Freire a nobre criatura
Desta terra expulsou esta maldita:
O POETA SOFRE, GEME E GRITA
CONTRA OS CRIMES DA NOVA DITADURA!
(Oliveira de Panelas, 18/08/1979)
.
7
RESUMO
CORDEL GRITO DO OPRIMIDO: uma escola de resistência à Ditadura Militar responde a
uma questão fundamental dentro do contexto de repressão do período instalado pelo Golpe
Militar de 1964 no Brasil, quando as expressões culturais e políticas foram silenciadas e a
literatura popular sobreviveu: o discurso popular da Literatura de Cordel é uma resistência à
Ditadura Militar entre 1964 a 1984? A preocupação última, que se tornou Tese
desenvolveu-se em cinco capítulos mediados pelas categorias opressão, libertação,
contradição e resistência, fazendo uso da dialética como instrumento metodológico de
leitura das matizes de cordel. O primeiro capítulo contextualiza a Literatura de Cordel, ao
lado da poesia-canção da MPB na tensão dialética entre a injustiça (da ditadura) e a
libertação (da resistência) de onde emergem os objetos material e formal de pesquisa. O
segundo, mapeando o universo da Literatura de Cordel, torna a “palavra” na relação
dialética com a existencialidade do poeta para encontrar a resistência e a luta por libertação.
O terceiro delimita o objeto de estudo em 17 folhetos que, submetidos à tensão dialética,
denominou-se de “cordelteca” sob a Ditadura Militar. O quarto trata do movimento
histórico-dialético da poética à tensão histórico-dialética dos opostos em busca da síntese
como práxis histórica da resistência da poesia popular. O quinto e último, constitui-se de
uma reflexão filosófica da Literatura de Cordel como ato-de-fala, estabelecendo a
racionalidade comunicativa, culminando na unidade intersubjetiva entre poetas e leitores
que, como escola popular, ensinou a resistir, resistindo à Ditadura Militar sobre a base
pressuposta de pretensões de validade de seu discurso: compreensibilidade, verdade,
veracidade e justeza para confirmar o hipoteticamente dado.
Palavras-chave: Cordel, dialética, contradição, resistência.
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RESUMÉ
Litterature de colportage Crit de l’Oprimé: une école de résistence à la Dictature Militaire
répond a une question fondamentalle dans le contexte de la répression dans la période mise en
cène par le Coup d’État de 1964 au Brésil, au moment où les expressions culturelles e
politiques on été réduites au silence et la literature populaire a surveicu: le discours populaire
de la Litterature de Colportage est-il une resistense à la Dictature Militaire entre les années
1964 et 1984? Cet dernière inquietude, qui est dévenue thèse, s’est développé em cinque
chapitres par l’intermediaire des catégories : opréssion, libertation, contradiction et résistence,
en faisant l’utilisation de la dialétique comme instrument métodologique des lectures des
matricielles de la litterature de colportage. Le chapitre permier met en contexte la Littérature
de Colportage à côté de la poésie-chanson de la Musique Populaire Brésilienne (MPB), en
tension dialétique entre l’injustice (tênue par la dictature) et la liberté (tênue par la résistance),
par laquelle ressort les objets materiels et formel de la recherche. Le deuxième chapitre, en
regardant l’univers de la Littérature de Colportage transforme les “mots” em relations
dialétique avec l’existencialité du poète en trouvant la résistence et la lute pour la libertation.
Le troisième chapitre delimite l’objet d’étude em 17 brochures , que soumises à la tension
dialétique, se sont dénomées “Bibliothèque de Colportage” pendant la Dictature Militaire.
Dans le quatrième chapitre, a un passage du mouvement hitorique-dialétique da la poésie
jusqu’à la tension historique-dialétique des côtés opposés et la recherche de la synthèse
comme pratique historique de la résistence de la poésie populaire. Le dernier chapitre a été
construit par rapport à une réflexion filosofique de la Littérature de Colportage par moyen
d’un ATO DE FALA que établie la racionalisation communicative qui amène à l’unité
intersubjective entre les poètes et les lecteurs que, aussi bien que l’école populaire, ont
enseigné la résistence. Ils ont résisté à la Dictature Militaire ayant comme base une soit disant
prétention de validité de son discours: comprehension, vérité, véracité et hônneteté pour
pouvoir confirmer les données hypothétiques.
Mots – clefs: Littérature de colportage, dialétique, contradiction, résistence
9
RESUMEN
CORDEL GRITO DE LO OPRIMIDO: una escuela de resistencia a la Dictadura Militar
responde a una cuestión fundamental dentro del contexto de represión del período
instalado por el Golpe Militar de 1964 en el Brasil, cuando las expresiones culturales y
políticas fueron silenciadas y la literatura popular supervivió: ¿ el discurso popular de la
Literatura de Cordel es una resistencia a la Dictadura Militar entre el 1964 al 1984? La
preocupación última, que se transformó en Tesis desarrolló en cinco capítulos mediados
por las categorías opresión, libertación, contradicción y resistencia, haciendo uso de la
dialéctica como instrumento metodológico de lecitura de las matices de cordel. El capítulo
primero contextualiza a Literatura de Cordel, al lado de la poesía-canción de la MPB en la
tensión diaclética entre la injusticia de la dictadura) y la libertación (de la resistencia) de
donde emergen los objetos material
formal de investigación . El capítulo segundo,
ubicando el universo de la Literatura de Cordel, hace la “palabra” en la relación diaclética
con la existencialidad del poeta para encontrar la resistencia y la lucha por libertación. El
capítulo tercero delimita el objeto de estudio en 17 folletos que, sometidos a la tensión
dialéctica, se denominó cordelteca bajo la Dictadura Militar. En capítulo cuarto se pasa
del movimiento histórico diacético de la poética a la tensión histórica dialéctica de los
opuestos en búsqueda de la síntesis como práxis histórica de la resistencia de la poesía
popular. El capítulo quinto y último se constituye de una reflexión filosófica de la
Literatura de Cordel como acto de habla estableciendo la racionalidad comunicativa,
culminando en la unidad intersubjetiva entre poetas y lectores que, como escuela popular,
enseñó resistir, resistiendo a la Dictadura Militar sobre la base pressupuesta de pretensões
de validad de su discurso: comprensibilidad, verdad, veracidad y justeza para confirmar lo
hipotéticamente intuido.
Palabras claves: Cordel, dialéctica, contradicción, resistencia.
10
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................................................................
11
INTRODUÇÃO ...................................................................................................
13
1 - LITERATURA DE CORDEL – UM CONTEXTO....................................
23
2 - LITERATURA DE CORDEL – UM UNIVERSO.....................................
34
3 - CORDELTECA SOB O REGIME MILITAR ..........................................
3.1 Folhetos de 1964 a 1970 .........................................................................
3.2 Folhetos de 1971 a 1979 .........................................................................
3.3 Folhetos de 1980 a 1984 .........................................................................
79
91
102
113
4 - DIALÉTICA DE LEITURA.........................................................................
4.1 - Cosmovisão.............................................................................................
4.2 - Comportamento......................................................................................
4.3 - Estratégias...............................................................................................
4.4 - Meios......................................................................................................
4.5 - Síntese dialética de leitura.......................................................................
4.6 – Indicadores de leitura e expressão significantes ....................................
126
130
156
186
217
241
245
5 - CORDEL: ESCOLA DE RESISTÊNCIA .................................................. 247
CONSIDERAÇÕES............................................................................................. 258
REFERÊNCIAS...................................................................................................
261
CORDÉIS.............................................................................................................. 274
ANEXOS ..............................................................................................................
277
11
APRESENTAÇÃO
Ancorado na experiência, quase existencial, com a Literatura de Cordel e com os
versos improvisados ao som da viola dos menestréis nordestinos, o autor atingiu a maturidade
de suas preocupações produzindo e publicando folhetos rimados, sustentados pelas métricas;
tornando-se cantador-violeiro; escrevendo artigos, dos mais simples aos mais complexos;
publicando livros; proferindo palestras e ministrando aulas de Literatura de Cordel como
componente curricular do Curso de Graduação em Letras da Universidade Estadual da
Paraíba. A maturidade, que não prescindiu dos obstáculos transpostos, objetivou-se na sua
questão fundamental fundada na sua existência que se pode chamar bipolar: ser poeta popular
com o povo e sofrer com os poetas populares os rigores da ditadura militar inaugurada em
1964 no Brasil.
A preocupação última desta tese é mostrar se o discurso popular da Literatura de
Cordel foi de resistência à ditadura militar entre os anos 1964 e 1984. Para responder a esta
questão, o autor desenvolveu quatro capítulos, à espera de um quinto e das considerações
finais, mediado pelas categorias opressão, libertação, contradição e resistência, fazendo uso
da dialética como instrumento metodológico de leitura das matizes de cordel.
O primeiro capítulo contextualiza a Literatura de Cordel, ao lado da poesia-canção, na
tensão dialética entre a injustiça (da ditadura) e a libertação (da resistência) da qual emergem
os objetos material e formal de sua pesquisa.
O segundo, mapeando o universo da Literatura de Cordel, toma a palavra na relação
dialética com a existencialidade do poeta, não só o popular mas qualquer poeta, para
encontrar a resistência e a luta por libertação. Para tanto, faz uma viagem, com os poetas
populares pela poética grega, romana e portuguesa modelando um contexto mais epistêmico
12
que histórico da resistência, no qual situa a Literatura de Cordel como luta, resistência e
prática educativa.
O terceiro é a delimitação do objeto de pesquisa pela mediação do poema “Se Deus
fosse brasileiro”, que pela sua incidência direta no golpe militar de 1964 no Brasil, serviu de
paradigma para a relação de 17 folhetos que são apresentados, sob rápida contextualização
histórica e epistêmica, serão submetidos à tensão da dialética de leitura (capítulo quarto), o
que denominou de “cordelteca” sob a ditadura militar.
O ponto alto da tese está no capítulo quarto, dedicado ao movimento históricodialético da poética, como objetivação do espírito absoluto hegeliano, à tensão históricodialética dos opostos do pensamento marxista – componentes autoritários e componentes
democráticos – em busca da síntese como práxis histórica da resistência da poesia de Cordel.
Este capítulo, sem prescindir da tensão dialética, apresenta o ponto de chegada da
preocupação última do autor, qual seja, constatar que o discurso da Literatura de Cordel
expressa a resistência ao autoritarismo da ditadura militar no Brasil entre os anos 1964 a
1984.
O capítulo seguinte faz uma reflexão filosófica tomando a Literatura de Cordel que,
como ato-de-fala, estabelece a racionalidade comunicativa, culminando na unidade
intersubjetiva entre poetas populares e leitores e, como escola de resistência, a resistir à
ditadura militar, funda-se sobre a base necessária das pretensões de validade do discurso:
verdade, veracidade e justeza.
As considerações finais evidenciam principalmente, a posição de que a palavra
cordelina, como comum-pertencer aos poetas e leitores no mesmo chão-da-vida, emerge como
escola-de-resistência à Ditadura Militar instalada com o golpe de 1964.
13
INTRODUÇÃO
a) Palavras iniciais
Em 1960, já mergulhado na poesia popular, vivendo a experiência de ler folhetos de
Cordel, à luz de lamparina, para adultos analfebetos1, o autor deste estudo lia um romance
político, de Leandro Gomes de Barros (1909), intitulado “O imposto e a fome”2, que
possibilitava seu contato com a abordagem sócio-política na linguagem da gente. Essa era a
sua literatura porque os textos da literatura oficial não lhe chegavam às mãos.
Nesse ingresso nas letras populares, os folhetos multiplicavam-se pela diversidade de
títulos e repetiam-se nas declamações, de modo que, somente dois anos após o golpe militar
(1964), o texto era relido para que algo chamasse a atenção: o Cordel refletia e fazia circular
sérias questões da política, da economia e da sociedade de modo tão pertinente que decora a
primeira página do referido folheto:
O imposto disse à fome:
- Colega vamos andar
Vamos ver pobre gemer
E o rico se queixar?
A tarde está suculenta,
O governo nos sustenta
Nós podemos passear.
Disse a fome: - eu estou tão triste
Que nem sei o que lhe diga
Este novo presidente
Votes, credo, eu lhe dou figa,
Este Hermes da Fonseca
Jurou acabar a seca
Vae tudo encher a barriga
Disse o imposto: - colega,
O governo é uma brasa,
O imposto onde chega
Até o fogo se arraza,
Não fica eixo com cunha
Não fica gato com unha
Não fica um pinto com aza. (BARROS, 1962, p. 1).
1
2
Aos oitos anos de idade, em Caxias no Maranhão, o autor desta pesquisa lia folhetos de Cordel, chamados
na época de romances, para um auditório constituído por três famílias vizinhas, no terreiro de uma das
residências, para simples deleite, gracejo ou atualização sobre os últimos acontecimentos (folhetos de
época), estudo da história universal (Carlos Magno e os Doze pares de França) sobre as guerras mundiais,
estadistas (Hitler, Getúlio Vargas), sobre mitologia e o cangaço no Brasil. Os comentários ao final de cada
leitura eram empolgantes e formativos. No Cordel se aprendia tudo, nisto todos acreditavam.
A edição lida era a de 1962, da Editora de José Bernardo da Silva no Juazeiro do Norte (Ceará).
14
Outro poeta que marcou muito tempo foi Francisco das Chagas Batista, com o folheto
“O resultado da Revolução do Recife – O enterro da justiça”, pela abordagem política na
visão simples, porém profunda, do poeta popular. A primeira e última estrofes do folheto
mostram o que se aprendia:
A oligarquia julgava
Que com seu orgulho forte
Escravisaria o povo
Do grande “Leão do Norte”
Porém este despotismo
A muitos custou a morte.
Se algum dia em meu país
O voto livre existir
Talvez eu ainda vote
Naquele que me convir
Boa noite. Neste assunto
Não desejo me expandir.
(BATISTA, 1996, p. 1,32)
A compreensão que se plasmava era que a formação do pesquisador recebia mais
contribuição do Cordel do que a oferecida pelo componente curricular OSPB (Organização
Social e Política do Brasil), implantada no curso ginasial, pela ditadura militar. Nesse
processo de educação popular, a Literatura de Cordel aparecia como resistência à dominação
como se lia no folheto “A política de Antônio Silvino”, do poeta Chagas Batista (1969):
Aqueles que não quizerem
Ao governo servir
Poderão me procurar
Se a política os perseguir
Havemos de ver quem tem
Coragem de resistir.
E essa transformação
Traz grandes melhoramentos
Todos terão seus direitos
De crenças e pensamentos
Haverá plena igualdade
E eis ahi meus intentos. (p. 16,16)
Crescia o fascínio pelo Cordel com o passar do tempo e a sua leitura, como prática das
camadas populares, ficava mais instigante na formação duma consciência democrática de
resistência ao autoritarismo. Tal consciência podia ser observada por ocasião da vitória de
Jânio Quadros para presidência da República nos versos de José Francisco Soares:
Toda Nação Brasileira
Está coberta de glória
Por ver o Dr. Jânio Quadros
Com a faixa da vitória
Fato este que jamais
Se apagará da história
Pelo homem da vassoura
Jânio ficou conhecido
E o povo conheceu
Que ele era destemido
No dia 3 de outubro
Seu nome foi escolhido.
(SOUSA, s/d., p. 4)
15
O poeta potiguar, Antônio Francisco Dias, apresenta clara posição política de oposição
popular ao regime autoritário no folheto “Aloízio indica para Senador Roberto Furtado e o
vereador Antônio Dias”3 (1982):
Eleitores está na hora
De pensar com atenção
Escolha seus candidatos
Vote na oposição
Pois unidos venceremos
E só assim poderemos
Acabar com a inflação... (DIAS, 1982, p. 2)
A questão política e a resistência ao autoritarismo sempre estiveram presentes na
poesia cordelina, além da grande editoração dedicada a Getúlio Vargas, foi em 1985 que se
catalogou uma das maiores produções cordelinas sobre a questão política: produção em torno
do presidente Tancredo Neves e do movimento das Diretas já4. Nesta produção os poetas
discutem questões pertinentes sobre a sociedade e política brasileiras que, se estivessem
juntos, daria para se fazer um grande fórum político de cordelistas. Representam este grande
universo as seguintes estrofes dos poetas Celestino (1985) e Azulão (s/d.):
Eu registrei em cordel
Pra vê-lo imortalizado
o cordel imortaliza
porque é lido e cantado
quero ver Doutor Tancredo
no mundo inteiro lembrado (ALVES, 1985).
Para o Brasil libertar-se
Da fome, da inflação
Das multinacionais
Que sugam nossa Nação
E ficar tudo certinho
Existe só um caminho
Tancredo é a solução
3
4
Sua política vai ser
Reta, pesada e medida
Vai freiar a inflação
Baixar o custo de vida
Pra o brasileiro ter
O direito de vivar
Com casa, emprego e comida.
(SANTOS AZULÃO, s/d)
Antônio Dias é poeta popular, dentre outros que ingressaram na política, candidato a vereador indicado por
apologistas e poetas de Cordel com o apoio popular (COSTA, 2004, p. 37; PROENÇA, 1976, p. 14-15).
A relação de títulos publicados em todo o país, apresentada (MELO, p. 29-35) totalizava 101 títulos. Hoje em
todo o Brasil, segundo a catalogação da Cordelteca Siqueira de Amorim (Paraíba), tem-se 150 títulos
publicados, incluem-se aí textos publicados em periódicos especializados em publicações de poesia popular
(Teresina-PI e Brasília- DF).
16
“Tendo sido a titulação, que lhe é peculiar, precedida e fundada no universo de cultura
popular onde a Literatura de Cordel – oral e escrita – convocava os leitores a uma atitude de
resistência, é que o autor se tornou cantador-violeiro e cordelista editorando folhetos”5. Em
1980, com uma produção editorial em livros e artigos, na prática pedagógica do ensino
formal, o autor desta pesquisa fazia a apologia, preservação e divulgação da Literatura de
Cordel e, neste contexto foi que nos dias 14 a 16 de março de 1980, quando ele participou do I
Congresso Nacional de Literatura de Cordel, no Rio de Janeiro, redigiu e assinou uma grande
expressão de resistência e luta política da Literatura de Cordel contra o autoritarismo.
Lançava-se, assim, a Carta de Princípios e suas reivindicações por direitos:
Os poetas populares do Brasil, do cantador repentista ao escritor de livretos e/ou
folhetos não reivindicam privilégios nem concessões paternalistas. O poeta de
Cordel quer chão para pisar e espaço para se mexer, porque entende que um país,
onde o poeta não pode cantar nas praças, é um país doente. O poeta de Cordel quer
sua literatura (cultura nacional) incluída nos currículos escolares, finalmente os
poetas de cordel querem o direito de utilizar o seu instrumento de trabalho que é a
sua arte, para viver com o mínimo de alegria, liberdade e dignidade (Carta de
Princípios, 1980, §7).
A consciência da repressão da ditadura militar, que atingiu intelectuais brasileiros,
atingia, naquele momento, os poetas de bancada e os violeiros que tiveram folhetos
queimados e violas quebradas, em várias capitais brasileiras, quando protestavam contra a
situação e defendiam o povo na mesma linha do seguinte depoimento de Patativa do Assaré
(1981):
Naturalmente, eu acho que o poeta ele tem seu dom natural, uma coisa privilegiada
pela natureza. Ele não deve desvirtuar a sua lira do benefício do povo, em favor do
bem comum. Ele deve empregar sua poesia no momento político, mas na política
com “P” grande, viu? Esta política em favor do bem comum, esta política que
requer os direitos humanos de cada um (1981/1982, p. 4)6
Nascia aí o desafio de estudar o Cordel como grito do oprimido durante a repressão
militar. Este período, porque além de representar uma recessão, ou hiato, na produção literária
5
6
Lêm-se os folhetos “O Evangelho do trovador de Cordel”, “Meu Jesus é nordestino”, Patativa do Assaré – o
poeta passarinho dentre outros.
Entrevista ao Jornal Nação Cariri, Fortaleza, dezembro/janeiro de 1981/1982, reproduzida in CARRY et
BARROSO, 1982, p. 32-58.
17
no Brasil, possibilitaria compreender, a um tempo, a Literatura de Cordel como discurso não
alienado e incômodo ao poder dominante (político, econômico e militar), sendo autoconsciente de sua identidade:
Os escritores de Cordel estão sendo presos como se fossem camelôs, e sua criação
literária está sendo rasgada e atirada na lata de lixo, ou queimada como se a cultura
cordelista nacional, produzida honestamente por modestos poetas brasileiros,
ferissem o visual das posturas municipais, ou fossem uma forte ameaça à
Segurança Nacional (Carta de Princípios, 1980, §2).
b) Do fascínio à sua superação
A opção pelo período 1964 a 1984, como tempo de estudo e pesquisa para a tese de
doutoramento em educação, nascera dia cinco de novembro de 1970 quando, no Festival de
Violeiros em Campina Grande-PB, o poeta Pedrosa declama o poema “Se Deus fosse
brasileiro” que, pela força da ditadura, só fora publicado em 2002. Exatamente os seguintes
versos trouxeram a motivação primeira:
Até que em sessenta e quatro
Quando menos esperava
.....................................................
Aumentou a confusão
A sala ficou escura
.....................................................
E quando o painel ascendeu
Tava escrito DI-TA-DU-RA!
(PEDROSA, 1977/2006, p. 5,6).
Somente depois de um longo período de naturação7 , pelas práticas diversificadas entre
participação em festivais, palestras e publicações, passa-se do fascínio à cientificidade,
oportunidade em que o autor definiu o tema de pesquisa: Cordel grito do oprimido: uma
escola de resistência à ditadura militar. O fenômeno permanecerá o mesmo, o fascinante: a
Literatura de Cordel acontecendo. O tempo foi o delimitado pelo declamado poema de
Pedrosa (1977) e o hiato na literatura oficial, período de 1964 a 1984, quando a Literatura de
7
Compreende-se como naturação as produções para jornais, o lecionar a disciplina Literatura de Cordel no
curso de letras no Centro de Humanidades da Universidade Estadual da Paraíba, em Guarabira-PB.
18
Cordel resistiu como produção e grito do oprimido à ditadura militar que, segundo Proença
(1976), possibilitou objetivar a sua indestrutibilidade e fertilidade porque
o povo às vezes, adapta-se para poder sobreviver, recolhe as migalhas da mesa dos
poderosos e neste recolher assegura a condição de sua liberdade compreendida
como espaço de luta. Neste espaço o Cordel e sua indestrutibilidade torna-o, a um
tempo, objeto inesgotável de injustiça e terreno fértil de libertação (PROENÇA,
1976, p. 64)8.
A tensão entre a inesgotabilidade de injustiça e o terreno fértil de libertação
possibilitou compreender-se Cordel grito do oprimido como uma escola sócio-política que se
explicita, como sendo uma nova leitura das matizes de Cordel, contrapondo-se à afirmação de
que em tal literatura só se percebe a ausência da revolta da maioria dos poetas populares
diante os supostos socialmente mais infelizes do que eles (CAMPOS, 1977; MENEZES,
1971), caracterizando este dado popular como ensino alienado e alienante pela mistificação
falseada do sistema sócio-político (PROENÇA, 1976, p. 26-63).
Neste contexto histórico e epistêmico, o título da tese evoca uma leitura reflexiva das
matizes cordelinas reeducando politicamente seus leitores por duas razões: auto-consciência
do lugar social que ocupam os poetas (pobres e oprimidos) e a clara consciência de que os
consumidores da produção cultural prescindem da educação formal, do poder de decisão e da
escola, como espaço de questionamento e reflexão sócio-política. O folheto de Cordel tornouse, desde o golpe militar (1964), o espaço de educação sócio-política do oprimido, produzida
e consumida no meio popular:
Num tempo em que o sofrimento e a morte estão cada vez mais banalizadas,
sobretudo o sofrimento dos mais pobres, a leitura de poemas de Cordel tão
contundentes como este9 pode ajudar na reeducação da sensibilidade de muitos
leitores (PINHEIRO et LÚCIO, 2001, p. 66).
8
9
O paradoxo tempo inesgotável de injustiça e terreno fértil de libertação fez suscitar a metodologia dialética
como condição de trabalho por já ter sido condição do existir cordelino por ser do povo.
A referência é ao folheto “A morte de Nanã” de Patativa do Assaré, chamado pelos autores o poema mais
contundente na denúncia das injustiças sociais (ASSARÉ, 1978, p. 38-43).
19
O problema constitutivo para a tese emerge na seguinte forma expressiva: o discurso
da Literatura de Cordel é uma resistência à ditadura militar entre os anos 1964 a 1984? Este
problema se sustenta, como questão, nos depoimentos dos poetas vítimas da repressão
resistindo e falando como o fez o poeta Geraldo Maia (1968):
Sempre aparecia um policial que nos dizia para deixarmos de viver de sonhos, que
deveríamos apenas cantar poesias líricas, e nos dizia que terminaríamos nos
transformando em heróis mortos. A alegação de versos obsenos foi apenas o
pretexto que encontraram, mas o que queriam era acabar poemas sociais. Não o
fizeram antes porque não tinham um pretexto, afinal não estávamos ligados a
nenhum partido político, não estamos na clandestinidade, o nosso partido é a
poesia, é a vida (PEREGRINO, 1984, p. 131-134).
Os poetas de Cordel foram presos e tiveram apreendidos folhetos e equipamentos de
som sob a alegação de atentado ao pudor, isto é, comercializavam folhetos pornográficos.
Presos sob interrogatórios, a imprensa documentou a seguinte verdade:
Perante o delegado os poetas presos souberam que houvera denúncia contra eles por
parte do conhecido movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP), extrema
direita da Igreja, que sustentou a repressão militar e está na vanguarda do silêncio
imposto aos teólogos da libertação no Brasil (O GLOBO, 12/04/1982).
A superação do fascínio pelo Cordel, na direção da cientificidade deste dado da
cultura do povo, fez-se no assumir os seguintes desafios:
- explicitar que o discurso cordelino tem uma dialética nova, a analética10, similar ao
lugar social ocupado pelo produtor falante;
- esclarecer que a grande dificuldade de uma nova leitura da Literatura de Cordel está
10
.
Entende-se analética como método instrinsecamente ético e não meramente teórico, como é o discurso ôntico
das ciências ou da dialética. A analética também é entendida como espaço onde a prática é iluminada pela
teoria e a teoria se enriquece na prática: nesta tensão busca-se a libertação (DUSSEL, 1977c, p. 162-165;
MARIA, 1996, p. 105,112).
20
no modo científico de pensar forjado por uma visão de mundo tradicionalmente
filológica e pela história da cultura sob uma visão unilateral (CASSIRRER, 2001, p.
83-86); esse pensamento não foi nutrido por uma concepção etnolingüística da fala
viva nem por suas formas adquiridas por ela. A Literatura de Cordel é uma destas
formas;
- sintetizar a partir das matizes de Cordel (1964 a 1984) o “paideuma” sócio-político
como educação popular informal, mas eficiente, no agir político do público alvo
desta produção: os sem vez e sem letras.
Tais desafios constituem os mesmos (desafios) da poesia popular, conforme explica
o poeta Crispiniano Neto (1978):
O poeta popular
é a garganta do pobre
pois tanto um como o outro
vive com fome sem cobre.
Assim fico revoltado
vendo o pobre escravizado
prá dar mais riqueza ao nobre.
Como poeta do povo
meu coração sente a dor
de ver o rico mais rico
e o pobre mais sofredor...
Onde goza o milionário
sofre o sofrido operário
ao lado do agricultor
Precisa muita união
pra desatar este nó
Mas inda tem muitos falsos
chaleiras de fazer dó.
Só vale a pena enfrentar
quando a Serra se juntar
todinha num corpo só.
A união faz a força
dizem os aconselhadores
por isto dou um conselho
aos colonos sofredores:
Se unam, metam dos peitos
Lutem pelos seus direitos
Expulsem os bajuladores.
(CRISPINIANO NETO, 1981, p. 43,46).
Assumindo esses desafios, espera-se contribuir para um novo horizonte
epistemológico de leitura da Literatura de Cordel que entra resistente no terceiro milênio. A
novidade está na constatação de que a Literatura de Cordel é, essencialmente, uma noçãochave na pedagógica popular. Pedagógica aqui não se confunde com pedagogia. Esta última é
a ciência do ensinamento, mas aquela é parte da filosofia que pensa a relação face-a-face,
significando que a pedagógica popular, nesta abordagem, vai indicar a relação face-a-face do
educador e do educando, assumindo a conotação da eticidade no discurso pedagógico-
21
cordelista. Esta é a novidade que confere identidade pedagógica educativa à Literatura de
Cordel.
c) Cumplicidade teórico-metodológica
Nada constrangeu admitir a necessidade da filosofia da linguagem capaz de explicar a
fenomenologia da sabedoria advinda de pensadores como Scannone (1974), Searle (2000) que
fornecem o horizonte epistêmico pelo qual é possível compreender que um escritor, inclusive
o poeta popular, é ultrapassado quando não é mais capaz de fundar uma universidade nova
(universo histórico epistêmico) e comunicar no risco (MERIEAU-PONTY, 1974), como faz o
poeta de Cordel no período de repressão militar. Aqui, outro dado fundamenta a temática na
direção educacional: a concepção de pedagogia da libertação de Dussel (1977d),
especialmente em a pedagógica, abrindo perspectiva para ver-se a cultura popular e a
Literatura de Cordel como posturas educacionais.
Indubitavelmente, a metodologia teve fundamental importância por ter de ultrapassar
os aspectos formais da Literatura de Cordel, para, junto da dialética da linguagem e do
discurso popular, possibilitando uma hermenêutica que fosse dialética na perspectiva
hegeliana, busca de síntese na tensão dos opostos (HEGEL, 1981) e na perspectiva marxista
de ver a realidade do ponto de vista do oprimido (BAKHTIN, 1997; BOURDIEU, 1982), o
que se fez possível com a contribuição de Coreth (1973) e Paulo Freire (1983, 2000).
Tendo em vista ter sido dado prioridade aos folhetos produzidos, conforme se frisou,
no período de mais intensa repressão à cultura popular e ao Cordel (BRANDÃO et al. 1982),
o método dialético aparece em todo o texto, mais explicitamente na dialética de leitura11,
quando faz a leitura das matizes cordelinas sob a tensão dialética entre os componentes
autoritários e componentes democráticos, buscando a cosmovisão, o comportamento, as
estratégias e os meios, pela mediação dos indicadores de leitura subordinados às categorias
11
Dialética de leitura no qual há uma cumplicidade entre método de pesquisa e apresentação do próprio objeto
pesquisa: as matizes de Cordel, constitui o quarto capítulo da tese.
22
opressão, libertação, contradição e resistência. A dialeticidade destas categorias, presente no
universo vocabular filosófico e cordelino, profundamente articulados como fonte e método de
pesquisa, possibilitou confirmar-se o hipotético como tese de que o discurso da Literatura de
Cordel expressa resistência ao autoritarismo da ditadura militar no Brasil entre os anos 1964 a
1984 e, por isto mesmo, constitui-se em um grito do oprimido e uma escola de resistência, no
quotidiano e na tese doutoral de educação popular.
23
1 CORDEL COMO EXPRESSÃO DO POVO
A Literatura de Cordel, que se constitui objeto material desta pesquisa, entrou no
Brasil em 1836, segundo Manuel Diégues Júnior (1985), com o folheto “Da Pedra do Reino”,
circulando por todo o sertão nordestino (cf. DIÉGUES JÚNIOR, 1975, p. 8-10). Nesse
circular, as produções de títulos novos e o número de leitores se multiplicaram com sucesso.
A categoria objeto material é tomada aqui da Filosofia peripatética adotada pelos
filósofos escolásticos, especialmente Alberto Magno, Duns Scot e Santo Tomás de Aquino,
cujas reflexões dizem que o objeto cognitivo é aquilo sobre o qual recai alguma
potencialidade de tornar-se conhecimento. O vocábulo objeto pode ser tomado em dois
sentidos: material e formal. Antes de precisar cada um dos sentidos, é verossímil dizer que as
ciências nem sempre se distinguem umas das outras pelo objeto material, mas sim pelo formal
(cf. OCKHAN, 1979, p. 347-353). Santo Tomás compreende que o objeto formal e o objeto
material são geralmente considerados como objetos de conhecimento. O objeto formal é
alcançado direta e essencialmente pela potencialidade do ato de conhecimento. Por meio do
objeto formal se alcança o objeto material que é simplesmente o termo para o qual se dirige a
potencialidade do ato de conhecimento através do objeto formal. O objeto material é como um
objeto cuja determinação é feita pelo objeto formal. A diferença entre objeto formal e objeto
material baseia-se na diferença entre o conhecido como conhecido e o objeto do cognoscente.1
Para o homem simples e pobre do Nordeste do Brasil, carente por demais dos meios
de comunicação, o Cordel passa a significar quase tudo. Até mesmo na últimas décadas do
1
Devemos prevenir que, em certas ocasiões, o objeto material é chamado também sujeito, enquanto exprime
logicamente um termo do qual se predica algo. Para Husseri, o objeto é tudo em que pode estar sujeito um juízo.
Significa pois tudo que pode estar sujeito a uma inteligência e, por isto mesmo, sujeitado a um processo de
conhecimento. O objeto fica assim transformado de imediato, pelo apoio lógico expresso gramaticalmente, na
palavra sujeito como susceptível de receber uma determinação. O termo sujeito à forma elegante do particípio
passado (sujeitado) do verbo sujeitar, aqui substantivo, de modo a designar algo sob alguém. Daí, sujeito vai
designar um cognoscível, enquanto cognoscendo sob um congnoscente. Conclusão, tanto se pode falar de sujeito
como subjetividade (cognoscente), como de sujeito como um cognoscível sujeitado (cognoscendo) a um
cognoscente (cf. XIRAU, 1941. p. 5-60).
24
século passado, não houve só acontecimento importante que não tenha sido noticiado pelos
folhetos. Por esta razão, são também chamados folhetos de época, pois sempre explicitam o
saber e a ciência populares com registro de comentários marcando uma época. Como bem
registra o poeta H. Rufino, demonstrando esta consciência popular de formação da opinião
pública, no folheto “o Foguete na Lua e os Boatos do Povo (1968)”, quando diz:
Pronto aqui meus bons leitores
um livro feito na hora
demonstrando as novidades
que se dá (SIC) de mundo a fora
quem ainda não conhece
vai conhecer tudo agora!”..
Assim, os poucos alfabetizados lêem para os grandes grupos de ouvintes (cantando
nas praças ou declamando nos terreiros) que saboreiam cada verso narrado. O Cordel é
jornal, é divertimento, literatura; meio de difusão dos acontecimentos, de perpetuação
memorial da história e da cultura subalterna em relação à literatura oficial. Como meio de
expressão dos sentimentos, é espaço epistêmico do refletir e do pensar a realidade como faz o
poeta Crispiniano Neto no mote “No ano que falta inverno / O pobre sofre demais”:
“É de cortar coração
Os pobres na indigência
E o serviço de emergência
Em atraso é confusão.
Senhor ministro o sertão
Não tá suportando mais
Nestes dias nossa paz
Pode virar um inferno:
No ano que falta inverno
O pobre sofre demais.
Governo, tenha coragem
De melhorar o sertão
Com planos de irrigação
Reforma Agrária e barragem
Que seca não vai ter mais
Trabalhadores rurais
25
Vão viver em berço eterno:
No ano que falta inverno
O pobre sofre demais”. (CRISPINIANO NETO, 1983, p. 34)
Cordel é também um veículo que possibilita o participar do povo na vida do país.
Expressa suas necessidades e idéias; discute a realidade como seguimento social da sociedade
nacional global (SOUSA, 1984, p. 32-48). Deste dado emerge o objeto formal2 desta
pesquisa: Cordel como resistência a todo tipo de autoritarismo. Ancorado em fundamentos da
Filosofia da Educação, compreende-se que o autoritarismo advoga a práxis da ausência da
razão e de proclamação de si mesmo. A autoridade afirma-se como “a primeira e suprema
razão e a razão como a última e ínfima autoridade”. Neste compreender o homem não é livre
quando está sendo compelido a seguir numa direção indicada. Ele deve ir por vontade própria,
sabendo porque e para onde vai. Neste nível, não autoritário, a responsabilidade pessoal tem
uma importância primordial3. Para os gregos antigos, o fim de toda formação humana era a
existência política, onde muitos, morando num mesmo lugar polis, viviam na unidade, isto é,
no mesmo acolhimento. E, enquanto mais viviam a existência política, tanto mais
necessidades sentiam de praticar a educação. (ARISTOTELES, 1979, p. 1; MARIE, 2002, p.
81-83; JAEGER, 1984, p. 214-216).
O Cordel, como produção do povo para o povo, abre espaço para a Educação
Popular enquanto os poetas, como educadores populares são aqueles que servem ao grupo à
medida que, unindo os integrantes, na solidariedade e na ajuda mútua, jamais fomenta a
competição e a hostilidade3, mas faz com que todos desenvolvam um conhecimento na troca
2
3
3
Evoca-se novamente a Filosofia escolástica que tendo distinguido o objeto material como o ente concreto tal
qual se dirige o sujeito, o objeto formal é compreendido como a característica peculiar, o especto especial
(forma) sob o qual o todo é considerado (cf. BRUGER, verbo. objeto).
Pode-se dizer que um homem é livre à medida que suas opções contribuem para o seu máximo
desenvolvimento como criatura racional e responsável: e que ele não é livre, à medida que as suas opções
acarretam o efeito contrário, embrutecendo as suas faculdades e colocando-o no assentimento do autoritarismo
(JEFFREYS, 1975. p. 45).
A categoria hostilidade, para um observador artificial, entre os cordelistas, sobretudo quando se defrontam em
desafios, espécie de um torneio ou duelo (pugnas poéticas), passam a nítida impressão de se injuriarem e se
26
contínua de informações relevantes; robustecendo-lhe a autonomia, criando condições, os fins
e os meios por si mesmos (cf. RODRIGUES, 1999, p. 157-158). Neste compreender o Cordel,
como espaço epistêmico popular, não forma, nem suporta uma nação autoritária. É esta a
posição dos poetas cordelistas do Brasil na Carta de Princípios contra o autoritarismo:
“Os poetas populares cordelistas do Brasil (do cantador-repentista ao
escritor de livretos e/ou folhetos) não reivindicam”.' Privilégios e nem
concessões paternalistas. O poeta de Cordel quer o chão para pisar e espaço
para se mexer, porque entende que um país, onde o poeta não pode cantar
nas praças, é um país doente [...]. Os poetas de Cordel querem o direito de
utilizar o seu instrumento de trabalho, que é a sua arte, para viver com o
mínimo de alegria, liberdade e dignidade.” (Rio de Janeiro, 1980, p. 2).
Como se sabe, o Cordel, como dado cultural, consolidou-se entre as décadas de 30 e
40 do século XX, chegando ao seu apogeu nas décadas de 50 e 60, como produção do povo
para o povo, tem o seu próprio saber. Neste saber, é o seu trabalho político que cria, a um
tempo, a prática de sua luta cotidiana pela liberdade e é o imaginário que pensa esta luta e o
mundo em que vive e para o qual aponta. Neste fazer, o Cordel como saber popular assume as
lutas do povo (MELO NETO, 2004). O Cordel tem a seu lado a poesia da música popular
brasileira (MPB) produzida no meio popular mesclada pelo acadêmico. Isto é, a música
popular, refletindo o agir e o pensar do povo, é produzida pelo contingente escolarizado,
notadamente Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Martinho da Vila, Jorge Bem e
Gilberto Gil, dentre outros. Esta consciência de contemporaneidade entre as duas produções,
da diferença na unidade do fazer poesia, é muito bem explicitada pelo poeta Patativa do
Assaré (1978, p. 27), ao dizer:
Repare que a minha vida
É deferente da sua.
Sua rima é pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou deferente,
difamarem verbal e reciprocamente. No entanto, para um observador mais atento esta impressão é aparente
falaciosa, pois apenas faz parte do gênero literário cênico para maior vivacidade. Como exemplo ilustrante é o
desafio em “moura” ou em “martelo agalopado”. Ainda exemplificando as pelejas publicadas pelos poetas de
bancada: “Peleja de Cego Aderaldo e Zé Pretinho”, escrita por Firmino Teixeira do Amaral.
27
Meu verso é como simente (CIC)
Que nasce inriba do chão;
Não tem estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obras da criação.
Mas porém eu não invejo
O grande tesouro seu
Os livros do seu colejo (CIC)
A onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazer rima compreta (CIC)
Não precisa sê professô;
Basta vê no mês de maio
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulo.
A contemporaneidade de duas produções poéticas: Literatura de Cordel (popular) e
poesia-canção na MPB (popular mesclada de acadêmico) contextualiza o objeto formal de
pesquisa quando se pode constatar, ao lado do ufanismo bastante divulgado durante os
autoritarismos (Estado Novo e Golpe Militar de 64), a presença da resistência às formas
diversas de autoritarismo.
Uma das características que permitem classificar, dentro da categoria de literatura
popular a poesia da MPB é a sua divulgação feita pela ação do rádio e rodas de samba,
radiolas nos bares e biroscas espalhadas nas cidades brasileiras, atingindo e contagiando o
povo, conforme Da Cunha (2004). Tudo isto equivale dizer que a poesia da MPB é o que se
pode chamar quase-popular porque, quanto ao autor, passou pela escola; quanto à origem,
procede de gravadoras e de recursos gráficos sofisticados e, quanto à divulgação, contando
com o apoio notável da mídia4.
Como exemplo, tem-se, nos primórdios, Noel Rosa, nascido da classe média carioca,
no bairro da Vila Isabel, que compõe um samba para ser apresentado na revista “Rio Folies”,
4
Esta característica é um sintoma e não uma síndrome. O que se está vendo é puro, é o desembaraçado em
amarras e não o doentio autoritarismo da densa tassitura social da sociedade capitalista. Trata-se de posturasintomática que leva necessariamente a questionar a precariedade inoperante dos conceitos anacrônicos e
anêmicos sobre os quais se tem eregido parte das colocações teórico-práticas sobre cultura popular.
(SANTAELLA, 1995, p. 33-37; AGUIAR, 1993.
28
com o apoio da Rádio Roquete Pinto, que também o divulgou. A poesia-canção intitulou-se
“X” do problema”, tratando da identidade povo que deve ser afirmada:
Nasci no Estácio
e fui educada na roda de bamba
e fui diplomada na escola de samba
sou independente como se vê.
Nasci no Estácio
o samba é a corda e eu sou a caçamba
e não acredito que haja muamba
que possa fazer eu gostar de você.
A estrofe explicita o poeta se expressando pela voz de uma mulher, prática que os
clássicos a chamariam de “cantiga de amigo”. O samba foi encomendado por uma amiga, a
atriz Ema D'Ávila, que resistia em abandonar suas raízes populares, para acompanhar o moço
enamorado que queria tirá-la do seu Estácio:
Você tem vontade
que eu abandone o Largo do Estácio
para ser rainha de um grande palácio e ...
não posso mudar minha massa de sangue
você pode crer que palmeira do mangue
não vive na área de Copacabana. (AGUIAR, 1993, p. 22)
Percebe-se, aqui, o que se pode chamar unidade ôntica entre poesia, poeta e forma
.de vida. Daí, tanto na poesia cordelina, como na poesia-canção da MPB, percebe-se que
esquecendo a forma de vida, peculiar às duas vertentes produtoras, fica difícil compreender a
contextualidade fundamental e fundante da produção e consumo do Cordel.
Esta ligação do Cordel e da poesia-canção da MPB ao mundo da vida popular
garante por um lado os seus entendimentos, por outro, a relação intersubjetiva, mesmo quando
o elemento objetivo, portado em suas páginas, vai sendo substituído historicamente. Significa
que o agir comunicativo cordelino não prescinde nem do entendimento, nem do nexo
intersubjetivo. A este respeito, o depoimento do poeta popular Manoel D'Almeida Filho
29
(2001) chamando a linguagem do Cordel, que procede do mundo, da vida, de código aceito
como constitutivo de validade do popular é importante:
A forma é fundamental: não importa que o jornal e o folheto divulguem a
mesma notícia ela só será acessível se for rimada ou seja, se for veiculada
com o código aceito e compreendido pela comunidade. (GALVÃO, 2001,
p. 148)5
O poeta Juvenal Evangelista (1984), no folheto “Origem da Literatura de Cordel
publicado em Teresina no Piauí, confirma a presente contextualização:
Cordel é literatura
Que é dita popular
Com ela a gente aprende
Também se pode ensinar
Cordel é nossa linguagem
Deste nosso versejar.
O recurso ao verbo ensinar, presente no quarto verso da estrofe supracitada, explica
a intenção pedagógica dos cordelistas, que versejam não apenas para divertir, mas educam e
instruem enquanto divertem.6 Esta característica do Cordel, associada a outra de ser popular
representam dois aspectos importantes e não desprezíveis para estudiosos concentrados na
área de Educação Popular.
O objeto formal de pesquisa emerge contextualmente das duas produções - Cordel e
poesia-canção - como resistência ao autoritarismo na autonomia do compositor e do seu ser
sujeito histórico do seu meio: “o morro”. O eu-lírico que explicita a liberdade, de modo
metafísico, diante do autoritarismo no samba “Opinião” de Zé Keti e Mansueto:
5
Apud GALVÃO, A. M. de. “O Cordel leitores e ouvintes”. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 148. Sobre o
agir comunicativo cf. HEBERMAS, 2004. p. 117 ss.
6
Em todas as áreas de conhecimento o Cordel ensina. Para ilustração na área de educação temos “Paulo Freire e
B.C. Neto: um cordel comparativo” da Arievaldo Viana Lima (Fortaleza-CE); “Paulo Freire um Educador
Diferente” de Veneci Santos Nascimento (Guarabira-PB); “A discussão do Ensino Antigo com o Ensino
Moderno” de Afrânio G. de Brito (Campina Grande-PB); “Pergunta de um Analfabeto” de Patativa do Assaré
(Fortaleza-CE). Um recente trabalho sistemático nesta questão é o texto de PINHEIRO, M. e LÚCIO, A. C.
M; “Cordel na sala de aula”. São Paulo: Duas cidades, 2001.
30
Podem me prender
Podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Daqui do morro eu não saio. (1964)
A decisão de resistência e fidelidade às raízes e à sua gente funda-se na tensão
dialética da oposição dos contrários, fazendo a história viva que avança para a frente:
Se não tiver água
Eu furo um poço
Se não tiver carne
Eu compro um osso e ponho na sopa
E deixa andar, deixa andar
Aqui eu não pago aluguel. (1964)
O poeta popular de Cordel João Martins de Athayde (1946), no folheto “As Proezas
de Lampião”, dialogando com o cangaceiro, ambos em primeira pessoa, explicita a resistência
ao autoritarismo do governo na fala de Lampião:
Eu não conheço governo
que mande em minha vontade,
qui no sertão eu sou
a única autoridade
quem quiser acreditar
que venha cá me buscar
e saberá da verdade.
No Cordel e na poesia-canção, os elementos individuais adquirem significado social
à medida que as pessoas correspondam às necessidade coletivas; e estas, agindo, permitem,
por sua vez, que os indivíduos possam exprimir-se, encontrando repercussão no grupo. Esta é
a dinamicidade da cultura popular.
Constatando-se a similaridade entre poesia de cordel e a poesia-canção da MPB,
desta emergem as relações entre o artista e o grupo social como circunstância produtora do
bem cultural como poesia popular, que pode ser esquematizada assim:
31
- em primeiro lugar, há necessidade de um agente individual que tome para si a tarefa
de criar ou apresentar a obra;
- em segundo, ele é ou não reconhecido como criador ou intérprete pela sociedade, e o
destino da obra está ligado a esta circunstância;
- em terceiro, ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo das
aspirações do povo, identificando-as profundamente com as próprias aspirações
pessoais mais profundas. É neste ponto ainda que o cordelista oferece um novo e
consistente argumento em favor de seu caráter eminentemente popular. Neste
compreender, popular, em seu significado original, não pode existir em intérpretes e
porta-vozes do povo que não sintam, pensem e ajam como o povo nem em omissos
na tarefa de participação ativa, tendentes a concretizar as aspirações do povo, a
transformar em realidade social a utopia de uma sociedade justa, onde todos sejam
tratados condignamente como povo, sem dicotomia de classes sem nababos e páreos,
nem nobres e plebeus.7
Com esta relação de similaridade não se prescinde de que o povo é ambíguo, abriga
em seu ser tudo o que há de melhor, mas também pode descer. O povo, às vezes, adapta-se
para poder sobreviver, recolhe as migalhas da mesa dos poderosos. Esta atitude é, a longo
prazo, frutífera, porque faz do povo algo permanente, raiz e limo da história, perpetuando-se
no tempo: esse prolongamento indefinido é que é refletido na poesia de Cordel e na poesiacanção (PROENÇA, 1978, p. 62-64).
O prolongamento do povo se explicita no binômio
inesgotabilidade e fertilidade. Da inesgotabilidade percebe-se o povo como espaço da prática
7
Este terceiro ponto, nascido da relação artista literária e grupo social, tem como fundamento a idéia da relação
dialética entre nações colonizadoras sobre colonizados; o hegemônico sobre impotentes e que haja um
seguimento que sob a fé acredita em Deus e sob a natureza vive a justiça. (cf. NEUMMANN, Zahar, 1969. p.
275-277).
32
da injustiça pelos autoritarismos e, da fertilidade, percebe-se a gênese do processo de
libertação.
Historicamente, a Literatura de Cordel manteve a tensão dialética entre injustiça e
libertação caracterizando a resistência do oprimido como identidade. Dependendo do
momento histórico, esta literatura popular tem refletido maior ou menor resistência ao
autoritarismo: no ciclo cordelino, denominado Lampião, folhetos exaltam Virgulino como o
justiceiro das camadas populares; outros, porém, retratam-no como bandido, exaltando os
feitos das volantes e favorecendo ao governo. O mesmo acontece no indianismo da poesia de
cordel, mas a maioria dos autores compreendem o índio como injustiçado e o apresentam
como forte e resistente à opressão (SOUSA, 2002, p. 55-68). Assim disse o poeta Cordeiro
(1978):
O Tuxaua disse: Barão
O senhor não pensa bem
Seus homens não me intimidam
Daqui não me sai ninguém
De onde surge a desgraça
Sai fortuna também.
Ali baixou a cabeça
E falou bem positivo:
- Se aquele branco voltar
Juro não deixá-lo vivo
Embora se acabe a tribo
Mas ninguém fica cativo.
Guanacuí ainda disse
- Branco comigo não berra
Eu não sei por qual motivo
Ele me faz esta guerra,
Quer me deixar cativo
Se apossar de minha terra!
A historicidade da poesia de Cordel e da poesia-canção é perceptível porque,
procedendo do mundo-da-vida, não contradiz a popular estrofe de resistência de Geraldo
Vandré (1968):
33
Vem vamos embora
que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
não espera acontecer!
34
2 LITERATURA DE CORDEL - UM UNIVERSO
A Literatura de Cordel, assim designada pelo fato de serem os folhetos presos por
um pequeno cordel em exposição nas casas onde eram vendidos (DIEGUES JÚNIOR, 1977,
p. 3), hoje, porém, dentro de suportes plásticos de modo similar à exposição de jornais e
revistas - penetrou no Brasil através dos colonos portugueses, por volta dos séculos XVI e
XVII. Mais precisamente, entre 1624 e 1851, entravam os primeiros folhetos vindos de
Portugal. Mas, foi em 1873 que se produziram os primeiros folhetos de composição dos
poetas nacionais: Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista, Martins de Athayde, Silvino
Pirauá de Lima, João Melquíades e outros (ROMERO, 1977; LUYTEN, 1983). Este período é
caracterizado como fértil na produção de Cordel no Brasil. Contudo, após a origem lusitana, a
editoração de Cordel não se constituiu exclusividade do Brasil.
A produção e divulgação do Cordel são também encontradas na América Espanhola,
como em outras partes da Europa, recebendo designações específicas em cada região. Na
Espanha, é conhecida como “pliegos sueltos” - correspondente “a folhas volantes” ou “folhas
soltas” (designações portuguesas). Na França, é denominada como “litterature de colportage”,
constituindo a Biblioteca Bleue (DIEGUES JÚNIOR, 1990, p. 8-16). No México, o “corrido”
- tendo como variante o “contrapuento”, o qual equivale ao nosso “desafio”; na Argentina
“hajas” ou “pliegos sueltos”; Na Nigarágua e no Perú, o uso desta vai ser equivalente ao que
se vê no Brasil, apresentando histórias tradicionais européias, tragédias, o fantástico e fatos
acontecidos (TERRA, 1983, p. 13ss).
Nesse contexto de compreensão, situa-se a Literatura de Cordel como palavra
peculiar a uma forma de vida, ou seja, a linguagem mãe de uma comunidade histórica
particular estereotipada pela gramatologia isomórfica dos letrados (cf. PROENÇA, 1976, p.
57 e FAUSTO NETO, 1979, p. 57-80) que, antes de tê-la, a ela transporta a significação
35
metafísica - veritas adequatio intelectus rei1 cujo pressuposto é a identidade ôntica entre
linguagem e o mundo de validade universal. A validade significativa da palavra linguagem
não está na adequação do vocábulo ao mundo, mas no uso que se faz dele no espaço vital que
Wittgenstein (1979, § 359) chamou de ‘forma de vida’ .
As palavras só adquirem significado no fluxo da vida; o signo, considerado
separadamente de suas aplicações, parece morto, sendo no uso que ele
ganha seu sopro vi tal.
A ‘forma de vida’ é o lugar no interior do qual a linguagem se assenta. Significa que
‘a forma’ é o ancoradouro último da linguagem. Considerando-se que aqui, em se fazendo
pesquisa, sempre se busca a resposta última, a partir da citação de Wittgenstein a ‘forma’,
como algo que é dado é, por isto mesmo fundante da própria linguagem (WITTGENSTEIN,
1979, § 221). Neste explicitar de proximidade epistêmica da verdade última, a propósito da
Literatura de Cordel, depreende-se que a compreensão do dado da comunicação popular
depende da situação em que a palavra (ou frase) é usada e não do ato intencional de querer
significar. Noutros termos, ‘a forma’ faz com que a palavra, mesmo sendo um símbolo de
outra realidade, crie uma realidade nova. A palavra cria um universo autônomo onde, pelo
fato da relação símbolo e objeto vivida, a realidade passa a ser o seu próprio universo verbal;
deixa de ser símbolo metafísicamente abstraível e universalizável, para ser objeto. Daí,
compreender que se funda como elemento de uma forma de vida na qual se está inserido em
virtude do contexto histórico. Compreender, neste entendimento, denota adestrar-se à
determinada práxis, ou seja, é um inserir-se em uma determinada ‘forma’. Esta é a postura
hermenêutica reclamada pelo poeta popular, para a Literatura de Cordel cujo pressuposto não
é um superconceito fundado metafisicamente como paradigma do entendimento, mas a
‘forma’ como o donde emerge a palavra e o significante como explicitam as estrofes de
Patativa do Assaré dirigidas ao homem simples e ao letrado:
1
“Verdade é a adequação entre o intelecto e a coisa”.
36
Caboco Mane Lourenço
meu colega e meu amigo
que pensa aquilo queu penso
e diz aquilo queu digo,
nós somos da mesma laia
dos coitado que trabaia
ou na diária ou na meia
nos pertence a mesma crasse
da que apenasmente nasce
inriba da terra alheia.
“Você teve inducação
Aprendeu munta ciênça
Mas das coisas do sertão
Não tem boa experiênça,
Nunca fez uma paioça
Nunca trabaiou na roça
Não pode conhece bem
Pois nesta penosa vida
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem
(PATATIVA DO ASSARÉ, 1978, p. 25).
A perspectiva que se faz vislumbrar, na fenda aberta por Wittgenstein, possibilita
contextualizar a linguagem ordinária (no sentido de sua quotidianidade) da poesia de Cordel
como uma hermenêutica e não uma figuração e/ou reprodução ôntica do discurso dominante.
Buscar a hermeneuticidade da Literatura de Cordel de modo que ela possa emergir como
poesia vetor de educação popular, significa tematizar a gênese ontológica da linguagem do
Cordel como comunicação, como poesia e tudo isto como condição de possibilidade de
educação popular. Esta postura de estudo constitui aqui uma resposta ao que aspira a própria
Literatura de Cordel na expressão do poeta Elias de Carvalho (1981, p.1)
Se o cordel for estudado
por um cabra inteligente,
sábio, filósofo e prudente
ele vai ser respeitado,
ouvido e admirado
extinguindo o ponto falho.
Aqui termino o trabalho
a todos muito obrigado.
Sem mais delonga assinado.
37
A reivindicação do poeta, por um lado, aponta para a Filosofia como a ciência que
busca o fundamento para o suficiente esclarecer na perspectiva aristotélica: “Teremos falado
suficiente, se tivermos dado esclarecimento conforme a matéria que e o assunto
(ARISTOTELES, 1969, I (A), § 981). Por outro, o poeta reivindica uma contextualização
resultante de uma reflexão capaz de fundamentar a linguagem, o discurso do Cordel como
sendo o que realmente é. Ora, esta reflexão reivindicada é a filosófica enquanto a busca das
últimas causas e se explicitando como ciência suprema, portanto, pesquisando as causas
primeiras do que é enquanto é:
É pois manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras, pois
dizemos que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a
sua primeira causa [...]. Quem conhece as causas com mais exatidão, é mais
capaz de ensinar, é considerado em qualquer espécie de ciência como o mais
filosófico (ARISTOTELES, 1969, I (A) III, I; I(A) II, 2).
A Ciência das causas primeiras ganha mais eloqüência quando usualmente se diz
“ciência como toda espécie de conhecimento e nem sempre a filosofia é considerada na sua
cientificidade”. Mas, segundo Aristóteles, “a cientificidade filosófica se explicita quando
alguém se sabe conhecendo a causa pela qual uma coisa é e que esta como tal não seria sem
aquela”. A filosofia aristotélica, tendo como fundamento o princípio da causalidade, afirma a
existência de uma relação necessária entre causa
e efeito que, do ponto de vista do
movimento do conhecimento, nunca se tem a última causa, porém, dela o cognoscente se
aproxima e se distancia. Este movimento permanente em direção e busca das últimas causas
constitui a dialética da ciência filosófica. Não é sem mais que se pode escutar de Heráclito a
dizer: “a natureza, que é um constante aparecer, gosta de se esconder no próprio
aparecimento” (BORNHEIM, 1993, p. 43).
Cabe elucidar que filosofar é voltar às construções, ao vivido, ao mundo e a nós
mesmos, sem cair na tentação de se deixar levar para a atmosfera rarefeita da introspecção ou
38
para um mundo distinto ou diverso deste. Filosofar é, a propósito do Cordel, procurar
incansavelmente a evidência e o sentido da realidade, mesmo quando ambos sejam tecidos
pela ambigüidade. Sócrates, o protótipo do filósofo, não distinguia a atividade de filosofar do
próprio ato de viver – aqui é a poesia popular que não se distingue do ato de viver – o que o
possibilitou ensinar que a máxima da sabedoria, ou seja do ato de filosofar, é amar a sabedoria
e saber que nada sabe. É a atitude contrária àquela que tenta instalar-se num saber absoluto e
daí, no autoritarismo.
Neste compreender, filosofar não é erigir ideologias, nem fabricar ilusões e, menos
ainda, cair na mistificação porque o discurso filosófico nunca é independente do discurso
histórico. Para os primeiros pensadores gregos, a Filosofia origina-se na perplexidade que o
homem sente diante a realidade, o desejo de saber o último porquê, às primeiras causas de
tudo o que existe:
Com efeito, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar, tanto
no princípio como agora; perplexos inicialmente diante das dificuldades
mais óbvias, avançam pouco a pouco e enunciam problemas a respeito dos
maiores fenômenos como os da Lua, do Sol e das Estrelas, assim como
sobre a gênese do universo (ARISTOTELES, 1993, I(B) § 9288).
Buscar o último porquê da poesia de Cordel evoca a postura cartesiana determinada
como “caminho seguro para a ciência”. Este caminho se explicitou nas regras propostas em
“Discurso do Método” de Descartes ( 1983, p. 37-38), a saber:
- dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto
possível e necessário para resolvê-las;
- por em ordem meus pensamentos, começando pelos assuntos mais
simples e fáceis de serem conhecidos, para atingir paulatinamente o
conhecimento dos mais complexos e supondo ainda uma ordem entre os
que não se precedem normalmente uns aos outros.
39
Esta é a possibilidade da ciência e a postura de quem busca a verdade científica tal
objeto. Além disto, nada mais se requer porque,
desde que se possa evitar ter como real alguma coisa que não o seja, e
desde que se consiga conservar a ordem necessária para se deduzir uma
das outras, não existirão coisas tão distantes que não sejam alcançadas,
nem tão escondidas que não sejam descobertas. (DESCARTES, 1983,
p. 37-38).
Elucidar similaridades e diferenças entre a poesia de Cordel e a poesia trágica dos
gregos, dos romanos, também das grandes epopéias, não menos trágicas, de Portugal e do
Brasil sob o escopo da articulação palavra, poesia e arte, na explicitação do humano, faz-se
necessária uma reflexão epistemológica. Tal necessidade a propósito da Literatura de Cordel
fora apontada por Sílvio Romero, quando afirma:
[...] temos um povo em tudo capaz de ombriar-se com os mais distintos do
velho mundo, é que possuímos uma poesia popular das mais brilhantes que
se conhecem (ROMERO, 1977, p. 32).
As suas palavras se perderiam no lirismo do tempo sem a postura científica de
comparação da Literatura de Cordel com outras literaturas exatamente cem anos depois:
A Literatura de Cordel é igual a qualquer literatura isto é, tem autores. Esses
autores podem ter preferências por algum tema mas, neste caso, serão eles e
não a Literatura de Cordel que devem ser estudados [...]. Por tudo isto,
podemos dizer simplesmente que a Literatura de Cordel, como é popular,
trata de assuntos que interessam ao povo referindo-se a assuntos e pessoas
sob o ponto de vista popular (LUYTEN, 1983, p. 42-43).
Retomar a comparação da poesia de Cordel com outras poesias significa apontar
para estudos da possibilitantes de sua contextualização e, por isto mesmo, uma postura
filosófica de busca das últimas causas, como pressupunha Sílvio Romero, a propósito do
conteúdo sócio-político e educativo da poesia popular brasileira:
A poesia popular revela o caráter dos povos [...]. Num estudo aprofundado
de nossas poesias popular, seria mister fazer escavações sobre os nossos
40
movimentos políticos e sociais. Pelo que temos podido indagar, estamos
certos de que os movimentos revoltosos, que são conhecidos na história
com os nomes de Guerra da Independência, e posteriormente Guerra dos
Farrapos no Rio Grande do Sul, a dos Carbonos e Balaiada no Maranhão e
Piauí, e recentemente Guerra do Paraguaio, produziram uma corrente de
composição (ROMERO, 1977, p. 32-33).
O contexto original da poesia popular, até onde puderam alcançar as escavações de
Sílvio Romero (1888), Diégues Júnior (1973), Franklin Maxado (1980) e outros, remontam-se
aos povos inteiramente bárbaros e até selvagens cujas representações só se tornariam tocáveis
no IV milênio a.C. Contudo, junta às populações que se dedicavam à agricultura, à leitura de
imagens da terra tornou-se o centro das atenções dos povos neolíticos que baseavam nela a
própria sobrevivência e que deveriam passar por crises periódicas produzidas pela perda da
fertilidade dos terrenos, cujos reflexos aparecem nas tumbas descobertas em Tell es-Sawwam,
na planície mesopotâmica (cf. SCARDI, 2004, p. 11-15). De fato, quase 15 mil anos separam
os bisões desenhados nas grutas de Lascaux2, uma das mais antigas cavernas conhecidas hoje,
contendo uma representação figurativa clara de uma cena da vida e os primeiros vestígios da
escrita. Dos gestos à fala e da fala à organização e à sistematização da linguagem escrita, um
longo percurso se deu. Fazer este percurso é, além de um mergulho2 na história, uma atitude
filosófica de buscar as causas últimas (Aristóteles), atingindo paulatinamente o conhecimento
dos mais complexos, supondo, por isto mesmo, uma ordem entre os que não se precedem
normalmente uns aos outros (Descartes), mas constitui-se em passo metodológico de
cientificidade pertinente.
Os registros gráficos, desde a sua origem nas cavernas, tiveram tanto uma função
instrumental, quanto mística e religiosa, expressiva e comunicativa. Para os egípcios, a escrita
era um dom de Deus. Para os chineses, a escrita e o fogo, eram um produto de roubo, havia-
2
Os homens de Lascaux viveram há quase mil anos e os primeiros oitogramas datam de 5.160 anos (cf.
SCARPI, 2004, p. 25-50 ).
41
se roubado de Deus o segredo da escrita era estar dentro do segredo e participar dele3.
Penetrar neste latrocínio significa avançar na direção das últimas causas da poesia popular
brasileira. Este avanço será mais seguro numa viagem diacrônica pela filosofia grega e pela
literatura greco-latina de cuja evolução possibilitou perceber a Literatura com “De Natura
Rerum”, época de Cícero até o ano 29 a.C. É filosoficamente uma exposição da doutrina
epicurista. Como base nos dois primeiros cantos, o poeta expõe a natureza das coisas segundo
o princípio que seria resumido por Bertjeolot, no século XIX, nas palavras: “Nada se cria,
nada se perde: tudo se transforma”. Aparece, já neste momento, um poema didático com o
escopo educacional. Comenta Nelson Romero que a força poética de “De Natura Rerum”
recuperou em Roma o gosto pelo trabalho do campo, evitando o êxoto rural (cf. ROMERO,
1968, p. 45). A sua moral é a do prazer: gozar com moderação, para gozar por mais tempo,
evitando a ambição ou qualquer outro sentimento que possa perturbar a serenidade da alma4.
Do ponto de vista propriamente poético, a beleza do poema reside nas digressões
que de vez em quando cortam a monotonia da exposição didática, como a inovação a Vênus,
com que abre o poema, a pintura do sacrifício da Ifigênia, do reverdecer dos campos depois
das chuvas, da peste de Atenas etc. Nestas e em tantas outras passagens se revela a
imaginação do poeta na força de sua linguagem.
Foi o contato com a Grécia que possibilitou a Roma o enriquecimento filosófico
ocidental. Os romanos, na relação com os gregos, procuraram examinar seus costumes,
admirar seus pensamentos e história, uma e outra ricas de beleza e pujança ao lado da sátira, a
pretérita criação romana. É sobre ele que, na versatilidade literária dos romanos,
orgulhosamente disse Quintiliano: “Satira tota nostra est5. Esta consciência do saber literário,
misturada com a habilidade da reflexão racional, constituem o legado histórico ocidental do
3
4
5
Tanto a Filosofia grega, como a literatura greco-latina, apresenta a origem da escrita ligada ao roubo do poder
divino. No decorrer deste capítulo se fará uma revisão desde a propósito da poética popular brasileira.
Em Lucrécio não está presente a subsistência da alma após a morte. Apenas concebe a alma composta
de átomos que dissolve-se com a dissolução do corpo (cf. ROMERO, 1968, p. 45-46).
“A sátira é totalmente nossa”.
42
qual emerge a poesia popular veiculando a mesma consciência do saber sabendo-se. É notável
como este dado contextualizante seja conhecido pelos cordelistas. A exemplo, o poeta popular
de bancada (Linhares, 1979), cearense, a propósito disse:
Quem despreza o poeta é muito mau
Não conhece a história dos romanos
Nem dos gregos lutando com os troianos
Por Helena, a mulher de Menelau!
Finalmente o poeta é como a nau
E é nele que a perfeição se encerra:
Pois as musas que o amam são divinas
Como as árvores frondosas das campinas
O poeta nasceu da própria Terra!
Na estrofe o poeta Linhares aponta que se busque ter o segredo da escrita, próprio da
divindade, mas hoje propriedade humana e condição de possibilidade da percepção poética
por se constituir linguagem. A linguagem reflete o ser psíquico-corpóreo do homem e segue
as leis do mesmo, tendo como intuito principal a representação figurativa, imita o objeto
significado em sua forma sensível e, por conseguinte, é imediatamente compreendido por
qualquer interlocutor. Contudo, a linguagem faz presente não o objeto, mas o pensamento e
este se objetiva (na sua forma evoluída) não por meio de cópia, mas mediante um sinal que o
substitui sem esgotá-lo porque, se assim o fosse, destruir-se-ia a dialética do conhecer que se
sabe como busca e não como posse absoluta da verdade. Conhecer e o ato de fazer
representações mentais que, por si, não podem ser externadas, mas dentro de um processo de
comunicação ganham expressão, que é designada palavra cujo signo se faz no som e na
escrita como sinais que representam o conceito, efetivando uma analogia e não a mesmidade
ôntica do representado. Noutros termos, a linguagem representa a veracidade. do objeto
depois de sua presentificação menta1 (PUGLIESI, 1977, verb. linguagem).
43
Platão, que considerava a escrita uma auxiliar para a recordação e não para a
memória, apresenta o deus Thot criando as artes, dentre os quais a escrita, que tornara os
egípcios mais sábios que os demais homens, conforme se pode ler do diálogo a Fedra:
O deus chamava-se Thoth. Foi ele quem inventou os números [...] e também
a escrita. Naquele tempo governava o Egito Tamuz, que residia no sul do
país, na grande cidade que os egípcios chamavam Tebas do Egito, e a esse
deus dava-se o nome de Amon. Thoth foi ter com ele e mostrou-lhe as suas
artes, dizendo que elas deviam ser ensinadas aos egípcios [...]. Quando
chegaram à escrita, disse Thoth: Esta arte, caro rei, tornará os egípcios mais
sábios e lhes fornecerá a memória; portanto, com a escrita inventei um
grande auxiliar para a memória e a sabedoria. Responde Tamuz: ´Grande
artista Thoth! [...]. Tu, como pai da escrita, espera dela com teu entusiasmo
precisamente o contrário do que ela pode fazer [...]. Tu não inventaste um
auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação (PLATÃO, 1996, p.
261-262).
Como auxiliar para a memória ou para a recordação, a escrita foi se tornando cada
vez mais presente nas nossas vidas. Ainda no universo cultural grego Esquilo, em Prometeu
Acorrentado”, apresenta um dado que em nada contraria Platão. Prometeu (deus do fogo, filho
do titã Japeto e irmão de Atlas, aparece na mitologia grega como inimigo criador da primeira
civilização humana), que representa o amigo da humanidade, que se colocou em sua defesa
quando Zeus se irritou contra ela e ensinou aos homens a civilização e as artes. Ao proceder,
desobedeceu a vontade de Zeus e tornou-se alvo da ira do rei dos deuses e dos homens.
Prometeu, por ter dado a escrita a humanidade, não se rebaixou em fazê-lo, tornou-se, porém,
símbolo da abnegada resistência a um sofrimento imerecido e da força de vontade de resistir à
opressão. Provavelmente, a chave para o melhor entendimento da tragédia é o nome de sua
personagem principal. O progresso da humanidade deveu-se à capacidade dos homens de
pensar antes de fazer: “literalmente Prometheus significa aquele que pensa antes de fazer”
(BULFINCH, 1965, p. 20). Esta chave torna mais compreensível o longo discurso de
Prometeu sobre o bem que ele fez à humanidade em seus primórdios. Da acusação às
declarações de Prometeu lê-se:
- Poder
Ele roubou teu privilegio, o fogo rubro
44
de onde nasceram todas as artes humanas
para presenteá-lo aos mortais indefesos.
É hora de pagar aos deuses por seu crime
e de aprender a resignar-se humildemente
ao mando soberano de Zeus poderoso,
deixando de querer ser benfeitor dos homens.
Eis tua recompensa por haver querido
agir como se fosse benfeitor dos homens,
como recompensa permanecerás
numa vigília dolorosa sempre em pé
sem conseguir dormir nem dobrar os joelho.
- Prometeu
“Subjugam-me estes males todos- ai de nin! –
por ter feito um favor a todos os mortais.
Em certa ocasião apanhei e guardei
na cavidade de uma árvore a semente
do fogo roubado por mim para entregar
à estirpe humana, a fim de .servir-lhe de mestre
das artes numerosas, dos meios eficazes
de fazê-la chegar a elevados fins.
Fica sabendo ainda: nunca eu trocaria
minha desdita pela tua submissão.
Acho melhor ficar preso a este rochedo
que me ver transformado em fiel mensageiro
de Zeus, Senhor dos deuses! Assim mostrarei
aos orgulhosos quão vazio é o seu orgulho! (ÉSQUILO, 2004, p. 15-16.21).
Dessa iluminação nascente do mundo olímpico, aparece o contexto de resistência à
opressão nas palavras de Prometeu: “Acho melhor ficar preso a este rochedo, que me ver
transformado em fiel mensageiro de Zeus, Senhor dos deuses”! Esta postura radical de
liberdade é contra o autoritarismo passivo a que jamais se deve submeter-se. A dimensão
popular deste dado é mesmo de educação para a liberdade: [...] “assim mostrarei aos
orgulhosos que vazio é o seu orgulho”. Esta iluminação é que emerge quando poetas, quer
gregos, romanos ou da Literatura de Cordel, evocando divindades do Olimpo, suplicam a arte
de versejar. Neste contexto da arte, que se faz linguagem, adequa-se a súplica de Nietzsche a
propósito da sabedoria popular da Grécia:
Não te afastes antes de ouvir o que declara a
sabedoria popular grega dessa vida que, diante de
ti, se estende como uma alegria tão inexplicável!
45
[...] A fim de poder viver foram os gregos obrigados
a criar esses deuses da maior necessidade,
acontecimento que nós devemos respeitar, certamente
de tal maneira que a primitiva, com paulatinas
modificações, na olímpica ordem divina da alegria;
como rosas que brotam de espinhosa sebe (NIETSCHE, 2005, p. 35-36).
Uma questão se impõe: como poderia ter suportado a existência aquele povo tão
sensível, tão desejoso, tão inclinado ao sofrimento, se ela não fosse apontada como rodeada de
uma glória de superioridade, em seus deuses? Aquele mesmo impulso que chama a arte à
vida, como o complemento sedutor à continuação da vida e perfeição da existência, fez
também nascer o mundo olímpico em que se representou a vontade helênica como um espelho
transfigurante. Assim, os deuses justificam a vida humana vivendo-a eles mesmos.
Mesmo com a mistura divino-humana, a tragicidade da vida faz-se mais presente no
canto poético de modo a ter merecido de Nietzsche a seguinte afirmação:
Quando a lamentação se faz ouvir uma vez, então
ela ressoa sobre Aquiles. que tão breve existência
desfrutou, sobre os seres humanos que mudam
e passam como folhas. sobre o desaparecimento do
tempo heróico (NIETSCHE, 2005, p. 36).
Nesse contemplar da efemeridade da vida, Ésquilo encontra-se com Sófocles com a
sua mais trágica comédia, “Rei Édipo”. Nos pontos radicais - cumpre advertir o poeta
manteve-se fiel à tradição. Em que pese a fala final do coro, segundo os deuses, ninguém deve
ser considerado feliz enquanto não houver atingido o termo de sua vida. A tese dominante do
Rei Édipo consiste na contingência inexorável de fatalismo: “nenhuma criatura humana pode
fugir de seu destino”. Meio à tragicidade reencontra-se, na peça capital do gênio grego, a
relação profunda entre as divindades e os homens. Na abertura de textos (de Ésquilo e de
Sófocles), na constante similaridade de súplicas a PalIas, a Aqueloo ou a outras entidades,
46
percebe-se na fala do sacerdote, direcionada a Édipo, a consciência da ação da divindade e a
eficácia da palavra em favor da efêmera existência:
Édipo, tu que reina em minha pátria bem vês esta multidão prosternada![...]
Certamente, nós não te igualamos aos deuses imortais [...], mas vemos em ti
o primeiro dos homens, quando a desgraça nos abala a vida, ou quando se
faz preciso obter o apoio da divindade. Porque tu livraste a cidade de
Cadmo do tributo que nós pagávamos à cruel Esfinge [...]. Salva de novo a
cidade, restitui-nos a tranqüilidade, ó Édipo. Se o concurso dos deuses te
valeu, outrora, para nos redimir do perigo, mostra pela segunda vez, que és
o mesmo! (SOFOCLES, 1957, p. 50-51).
O que constitui fruto da imaginação de Sófocles é o modo atroz pelo qual o próprio
Édipo arranca os olhos das órbitas, utilizando as presilhas de metal de seu régio manto.
Enloquecido e cego, temido e abandonado por todos, exceto pelas filhas, depois de dolorosa
peregrinação, ele se libertou de sua desgraça, fruto do destino ou da punição dos deuses. Cabe
a observação de Nietzsche a propósito da poesia grega que, estabelecendo a unidade entre
Sófocles e Ésquilo, possibilita que se retome o dado frontal da solidariedade aos homens:
Em virtude de seu amor titânico para com os homens, foi Prometeu
despedaçado pelos abutres; por causa da sua sabedoria descomunal que
decifrava o enigma da esfinge, teve Édipo de cair num abismo desnorteante
de crimes: assim interpretava o deus délfico o passado grego (NIETZCHE,
2005, p. 38).
Tais informações, quando relacionadas à Literatura de Cordel, apontam para o
escopo educativo desta última. Com ou sem explícitas pretensões de educar, o Cordel vem
informando e formando, opiniões. Nesse sentido, não foram poucas as estrofes produzidas
pela oralidade e folhetos na poesia popular. Enquanto muitas estrofes desapareceram no
cessar da sonoridade dos vates cantadores e de cordelistas em glosas - momento de
declamação improvisada sob a orientação de um mote proposto -, tem-se algum registro de
educação cordelística a propósito da gênese da palavra como arte para a arte poética.
47
O poeta Rodolfo Coelho Cavalcante, respondia ao locutor Pedro Mendes Ribeiro,
sobre a origem da poesia, com a seguinte estrofe:
Thot a palavra inventou
no centro olímpico certo dia,
Prometeu foi lá e a robou
pra gente fazer a poesia,
garantindo pra sempre nosso verso
de viola, de cordel e cantoria6.
A fonte para os poetas populares brotava dos almanaques e do Lunário Perpétuo
livro vindo de Portugal em sua primeira edição, editado em Lisboa em 1903 - fornecendo
ciência popular e mitologia greco-latina (cf. CASCUDO, 1980, verb. Lunário Perfétuo).
Enquanto a pesquisa acontecia, a informação ia circulando em folhetos e cantorias de viola.
Nesse contexto, do X Festival de Cantadores, no Piauí (1980), ouvia-se a dupla Pedro
Bandeira e João Furiba, de repente ecoa uma estrofe cantada por Pedro Bandeira que dizia:
Que beleza sem fim prá humanidade
quando o mundo inteiro compreender
que nos somos poetas a fazer
perdurar neste mundo a divindade
porque temos a força da verdade
dentre as artes a arte que criou:
Nossa palavra Thotte a inventou,
mas Prometeu foi quem deu ao poeta
quando agiu parecendo um atleta
e dos céus a palavra ele roubou.
A palavra céu aparece em substituição ao vocábulo olimpo, aponta, a um tempo,
para a necessidade métrica e para o universo da cultura ocidental, marcada pelo encontro de
duas vertentes de saber, grega e romana, sinteticamente objetivadas no cristianismo. Contudo,
os poetas populares têm familiaridade com a sabedoria grega, aparentemente seara dos
6
Esta estrofe fora produzida numa entrevista de poeta no programa de violeiros Sertão pau dentro e por fora da
Rádio Pioneira deTeresina (PI), dia 16/08/1975, período do V Festival Norte Nordeste de Violeiros.
48
doutos, conforme se pode perceber nas seguintes as estrofes produzidas na peleja entre
Otacílo Batista e Oliveira de Panelas, no ano 1979, em Fortaleza:
OB- Vi a Grécia explorando a inteligência
Dos seus sábios, artistas, de seus gênios,
Procurando o segredo dos milênios
No caminho infinito da ciência...
Muitas vezes na busca da essência
Encontramos tremendos desabores
Junto a Zeus, dominei as minhas dores
Quando lá no Olimpo, fiz o morada
A pedido de Juno apaixonada
Fiz, de es pinhos agudos, lindas flores:
OP- Junto a Hercules, soltei o “Prometeu”;
Consegui, para a Grécia, a paz interna
Batalhei com o tal Hidra de Lerma,
No ritmo da música de Orfeu
Fui às casas de Júpiter e de Perseu
À procura de Apolo e de Atenéia
Sem temer ameaças de Medéia
Com a força de uma bela musa:
Derrotei os encantos de Medusa
E o leão “invencível de Neméia.
(LINHARES BATISTA, 1982, p.13 e 15)
A leitura mais acurada das matizes de Cordel possibilita o perceber-se a influência
helênica em sua produções por se tratar de poetas formados sob a égide do cristianismo, o que
remete a ver-se a gênese da poesia popular brasileira atrelada à vocação intelectual de Roma.
Como já fora referido anteriormente, a propósito desta identidade intelectual romana, dos
críticos sempre se empenharam em mostrar Virgílio copiando os modelos gregos de Teócrito,
Hesíodo e Homero, mas todos são acordes em confessar que ele sabe, com mais arte e
sentimento, tecer a sua poética e pintar os quadros da natureza. Contudo, se se passa a
considerar “Eneida” o grande poema da humanidade, no que diz respeito à sua popularidade,
como uma das cinco grandes epopéias da literatura universal, vale a declaração de Xavier
Pedroza:
49
Força, é confessar, porém, que nem mesmo a Ilíada e a Odisséia foram tão
populares e estimadas entre os povos ocidentais ou mesmo em toda a Europa
quanto Eneida de Virgílio (PEDROSA, 1947, P. 94).
Em Roma Virgílio fez da vida um canto cuja popularidade7 deveu-se ao fato de ter
sido ele criado no ambiente campestre. Filho de pequeno agricultor, foi capaz de conservar
fidelidade às suas raízes com muito amor ao compor Bucólicas ou Écoglas. A sua glória,
contudo, firmou-se com a segunda obra As Geórgicas8, poema didático sobre a agricultura,
dividido em quatro livros: o primeiro trata da cultura da terra; o segundo, das árvores,
especialmente da vinha; o terceiro, da criação e o quarto, da apicultura. A sensibilidade e a
imaginação do poeta vivificam freqüentemente a exposição didática em belas descrições de
fenômenos naturais e em reflexões de caráter moral.
A poesia didática de Virgílio – Geórgicos - nos cinco primeiros versos do livro I propõe a temática ecológica do ponto de vista da formação de uma nova consciência para a
vida ativa no campo:
O que torna fortes searas, sob que astros é
conveniente revolver a terra e amarrar as videiras
às estacas, sobre as preocupações em relação
aos bois, que cuidados são exigidos para a criação
do gado, qual a experiência com as delicadíssimas
abelhas. Eis, Macenas, o que me disponho a
cantar (VIRGILE, 1910, v. 5-10).
O poeta apresenta seus objetivos depois de ter invocado as divindades gregas e
itálicas (os poetas de Cordel também fazem a mesma invocação, acrescentando as divindades
judaico-cristãs), para iniciar sua exposição falando dos tipos de solo que é preciso conhecer
antes de iniciar o cultivo, da necessidade que tem a terra de descansar entre uma seara e outra,
da importância de se alternarem as culturas.
7
8
A popularidade referida ao poema Eneida, de modo a merecer-lhe a alcunha de grande poema
da humanidade, faz referência à Itália onde a popularidade do poema é indiscutível..
Poema didático produzido para atender a solicitação de Macenas.
50
Várias foram as fontes de que Virgílio se valeu para composição de seu poema. É
sensível a influência de Hesíodo (Os trabalhos e os dias), Aristóteles (História dos animais e
História das plantas), Aratos (Fenômenos), Catão (Sobre a apicultura), bem como em menor
escala, as obras de Teofrasto, Nicândro, Magão e Varrão (CARDOSO, 1988, p. 63-66; 194208).
A presença dos filósofos na poesia didática, Aristóteles em Virgílio e Epicuro em
Lucrécio, faz da poética romana um acervo filosófico de importância doutrinal existencial.
Por esta hibridade é que o epicurismo, já sendo conhecido em Roma desde o século II a.C.,
encontrara o seu grande porta-voz quando Lucrécio exalta Epicuro a ponto de considerá-lo um
deus (LUCRÉCIO, 1986, III, 1-30). No livro primeiro, que se inicia por uma invocação a
Vênus, seguido do elogio a Epicuro - que liberta a humanidade do temor dos deuses -,
Lucrécio discorre sobre a matéria e o vácuo. Retomando idéias exploradas por Demócrito
(460-370 a.C,.), defende o princípio de que “nada se cria e nada se destrói: tudo se reintegra
na massa material que forma o universo, constituindo este de partículas mínimas e individuais
- os átomo - que, agrupando-se em combinações múltiplas, compõem os corpos e os seres
(LEONI, 1960, p. 16).
Lucrécio revela grande preocupação com a verdade científica e, ao mesmo tempo,
com a clareza do pensamento. Pretendeu escrever não um tratado filosófico, apenas mas
também um poema, uma obra de arte como ele mesmo se faz entender:
[...] Por isso a nossa época não pode conhecer o que se passou anteriormente,
a não ser alguns traços que o racionalismo nos indica [...].
Assim o tempo leva, paulatinamente a novas descobertas e a razão as traz a
plena luz (LUCRÉCIO, 1986, liv. v. 1436-1445).
Colocando-se ao lado da poesia didática romana, voltada para a natureza, a poesia
didática da Literatura de Cordel brasileira, também voltada para a natureza, eis a única
versatilidade literária juntando a Virgílio e Lucirécio os poetas populares Alberto Porfírio,
51
Buble-Bule da Bahia e João Bandeira que, segundo o poeta popular Téo de Azevedo, no
poema “Faculdade Sertaneja”, são formados na escola natureza:
Sou formado numa escola
0 seu nome e natureza,
Meu diploma é a viola
Num ponteio de grandeza
Do jeito que canto a água
Quebrando a correnteza.
Eu sei comer com a mão
Beber água cristalina
Conversar com o meu gado
Num aboio que domina
Calçar minha Salga-Bunda
E correr pela campina
(TEO AZEVEDO, 1979, p. 107).
Não só Téo de Azevedo, mas a grande maioria dos poetas de Cordel, como Virgílio,
tem suas raízes na vida do campo, o que possibilita dizer-se que a Faculdade Sertaneja ensina
os poetas populares. Estudantes desta escola, estagiários da comparação e produtores das
metáforas, mostram estrofes expressão do mundo, da vida, que, na questão ecológica,
aproximam-se do mestre Virgílio e, quanto às imagens estróficas, aproximam-se da filosofia
de Lucrécio:
As florestas são chamadas
Os pulmões da Natureza
Sem elas, se acaba tudo
Na fome, na impureza
Os que a estragam só pensam
No dinheiro e na grandeza.
Sendo a floresta acabada
Ninguém vai fazer qlais fogueira,
Tendo falta de madeira
Ninguém vai fazer latada,
Vão dar fim na farinhada
Com industrialização
Fazendo álcool pra FUSCÃO
Mas farinha vai faltar...
Estão querendo acabar
As riquezas do sertão.
“Os homens dos nossos dias
Têm causado tanto invento
52
Que se não se prevenirem
Poderão, em um momento
Causar na humanidade
Um completo arrasamento.
Pois você não tem juízo
seja pessoa mais honesta
será grande o prejuízo
se acabar a floresta
apois queimando a fulora (SIC)
os passarin vai (SIC) embora
as ave não canta mais (SIC)
se é esse seu prazê (SIC)
deixe primeiro fazer
o açude dos Carás9.
Retomando a literatura romana, os períodos de Cícero e de Augusto (80-43 a.C. e 43
a.C -14 d.C.), pouco contribuem para a dramaturgia latina. Dos numerosos escritores que
compuseram tragédias (Cássio, Quinto Cícero, Balbo, Vário Rufo, Olvídio, Mamerco
Escauro, Pompônio Segundo) pouca coisa se conservou para a posteridade: alguns versos,
uma ou outra notícia, alguma referência curiosa. Mas, no século I d.C., surgiu em Roma uma
produção de tragédias que não apenas conseguem atravessar os séculos, perdurando até hoje,
como vão exercer profunda influência sobre a literatura dramática que se produzira depois.
São as tragédias de Sêneca10, o filósofo, uma figura das mais significativas das letras latinas
da época da dinastia claudiana (BANDON, 1952, p. 16-58).
Cenas de horror e de violência pontuam as tragédias de Sêneca, tornando, por vezes,
quase impossível à representação. É o caso do assassinato dos filhos do herói, em “A loucura
de Hércules”; do sacrifício de animais, em Édipo e, do lançamento do cadáver da criança do
9
Na autoria dos verbos citados, tem-se, na ordem estrofes, os seguintes poetas e títulos: PORFÍRO, Alberto,
1979, p. 4; BULE-BULE, 1980, p. 1; PORFIRO, 1979, p.4 E CALDAS, s.d., p. 4.
10
Lúcio Annaeu Sêneca (4 a.C.? – 65 d.C.) que compôs nove tragédias inspiradas em modelos gregos, sobretudo
nas peças de Eurípedes. Uma delas “As feníncias” (Phoenisae) que se encontra incompleta, as demais
conservaram-se na íntegra. Dentre elas estão “A loucura de Hércules (Hercules furens) e “Hercules no Eta”
(Hercules Detaeus), também “Agamenão” (Agamenon) e “As troianas” (Troades) e “Pretexta” considerada
apócrifa. (cf. BARDON, 1952. pp. 24-25).
53
alto do terraço em “Medéia”. Medéia, num dos solilóquios, revela a luta que se trava em seu
íntimo e a firme resolução ali gerada:
Minha mente tumultua com a idéia de desgraças selvagens, desconhecidas,
capazes de fazer tremer o céu e a terra [...]. Arma-te com o teu ódio e [...]
prepara-te para a destruição com todo o teu furor. [...]. Arranca de ti essa
indecisão covarde. A pátria que conquistaste com um crime, com um crime
[...] deverá abandoná-la (BANDON, 1952, p. 45.55).
A tragédia na Literatura de CordeL aparece nos folhetos do ciclo da metamorfose e
dos fatos circunstanciais ou acontecidos. A poética popular, em seu existir de criações
constantes, propõe-se ser legível, deixando as marcas possíveis de suas leituras. No processo
metamorfósico, tais marcas evidenciam as presenças do Bem e do Mal,
duas forças
antagônicas que recebem corpo na forma de algumas figuras. Entretanto, a criação literária
cordelina, em seu momento metamorfoseante, elege o mundo animal. Neste sentido, o
discurso conduz para a dialética da atração e repulsão que está no centro do nosso fascínio
pela vida animal, vida mais próxima do homem, faltando, somente, a interferência da razão,
porém em plenitude no que toca aos instintos (MATOS, 1986, p. 46-47).
A mudança de homem para animal tem o sentido de castigo, de maldição quando é
abordada sob a ótica adulta. É neste aspecto que Held (1985), fazendo referência a este
assunto detém-se, informado que isso ocorreu nos grandes mitos, nas estórias originalmente
escritas para adultos, a exemplo da Odisséia, quando os marinheiros são metamorfoseados em
porcos pela feiticeira Circe. A metamorfose, do ponto de vista adulto, é passageira e
deplorável (HELD, 1985, p. 13-33). A literatura popular em versos, que é feita basicamente
para o público adulto, insere-se no pensamento heldiano, em relação à metamorfose de
caráter, transitório, cujo exemplo é o folheto “Estória do pavão encantado” de Minelvino
Francisco da Silva (1975), em que há o relato de um príncipe que se transforma num pavão, o
54
que se dá por um determinado tempo até o desencantamento. A respeito da tragicidade e
metamorfose, Matos (1986, p. 50), comentam o seguinte:
A poética popular abrange um universo do imaginário enriquecido com as
mais diversas histórias. Também, aí se dá a desvalorização do que é
concreto. Como exemplo, diremos do caráter polissêmico dos textos onde
se opera a metamorfose por punição. Não é pelo simples fato de ter
desobedecido a mão e estar sem rumo certo que a cachorra, de ´A moça que
bateu na mãe e virou cachorra`, percorre v´rios locais do Nordeste. Nas
entrelinhas, está representada a alegoria da punição, num modelo exemplar
para ser visto e nunca imitado – um grito de alerta.
Onde estaria, pois, a tragicidade no metamorfoseamento? A tragicidade está na
própria condição da metamorfose que, como processo do imaginário, permite localizá-lo em
sua plenitude, no que toca o aspecto punitivo que, segundo Matos (1986, p. 50), aparece como
operação mediadora entre o mundo racional e o irracional:
A condição de metamorfose pode ser compreendida em sua plenitude, no
que toca ao aspecto punitivo, como um problema que, se por um lado
sugere a resistência a uma completa mudança, por outro lado, apresenta-se,
a rigor, como o mais alto testemunho de punição: a transformação pela
metade.
Nessa mistura de metade homem, metade animal estão explícitas as duas formas,
sem possibilidade de determinação de uma sobre outra. A parte superior onde está a cabeça,
símbolo da racionalidade que traz o olho, elemento de visualização, fica inteiramente
preservada. A parte dos membros realiza o movimento transformador. Na preservação da
racionalidade é onde se situa o ponto alto da punição, porque não existe a oportunidade de
participar do reino animal quando se está de posse justamente daquilo que age como
distintivo: a razão ao contrário, não se poderia inteirar-se do reino humano, pois causaria uma
estranheza pelo aspecto físico, ao tempo em que a denúncia dos atos indignos e a sua
conseqüente punição se evidenciariam.
55
A tragicidade consiste em que o ser metamorfoseado pela metade estaria condenado
ao isolamento e, daí, a uma maior dose de sofrimento, a exemplo do folheto “a moça que
bateu na mãe e virou cachorra”, e Helena, a moça que zombou da sexta feira da paixão, ficou
assim metamorfoseada:
Tinha a cabeça de gente
com a mesma feição dela
Mas o corpo até a cauda
era uma horrivel cadela...
Foi Helena castigada
uma filha amaldiçoada
o castigo pegou nela.
A penitência da moça
é vinte anos sofrendo
Por isso que ela padece,
uivando, se maldizendo
Pegando de noite gente,
é uma cachorra valente
que a anos vem aparecendo
(CAVALCANTE, 1976, p. 7).
A temporalidade da metamorfose é evidente na segunda septilha. Este aspecto da
metamorfose, sob a ótica da punição, tem, no âmbito da literatura popular em verso, rico
acervo. A sua penetração no público leitor/ouvinte é muito grande. A exemplo de ilustração, a
antologia cordelina apresenta, dentre muitos, os seguintes títulos: “A mulher que virou
serpente” (1946), de Rodolfo Coelho Cavalcanti; “A mulher que virou cobra porque açoitou a
mãe” (1970), de Pedro Bandeira.
No ciclo dos fatos circunstanciais ou acontecimentos, a Literatura de Cordel
expressa a tragicidade na postura dos poeta populares que, tomando conhecimento do
quotidiano local, regional, nacional e até mesmo internacional, algumas horas depois do
ocorrido produzem um folheto, fazendo o jornalismo paralelo. Não só noticiam os fatos, mas
envolvem os leitores na tragicidade do acontecido. Nestes folhetos os poetas têm o cuidado de
preparar os leitores progressivamente para as grandes emoções. Nesta didática o poeta José
56
Caetano, abre seu folheto “Desastre na serva de Pacatuba” (1982, p. 1), com a seguinte
estrofe:
Com emoção e tristeza
E o pensamento apagado,
Com minha fraca caneta
Vou escrever um tratado
Uma das cenas mais tristes
Que já houve em nosso Estado.
A tragédia no Cordel
possibilita elencar os seguintes títulos de folhetos
circunstanciais: “Os suicídios do Elevador Lacerda” (1947) de Rodolfo Coelho Cavalcante,
em Salvador; “A tragédia de Cubatão” (1984) de Raimundo Santa Helena, no Rio de Janeiro;
“Tragédia mar na última noite de ano” (1989) de Apolônio Alves dos Santos, Rio de Janeiro.
O início do novo milênio, segundo Jeová de Aquino, nunca será esquecido dada a tragicidade
de seu nascimento. Esta é a posição manifesta no folheto “A queda das torres douradas do
Império Americano” (2001) do poeta citado. As estrofes seguintes ilustram a tragicidade da
vida nas letras populares:
Valei-me meus Deus amado
Põe teu olhar sobre a terra ,
O mundo esta ameaçado
Pelo mal que não se encerra
O egoismo excitado
Ensaia uma nova guerra.
E explosões abundantes
As torres foram pro chão
Muitas vidas num instante
Viraram pó.e carvão
Desespero alucinante
Prejuízos sem razão
(AQUINO, 2001, p. 1 e 3).
Esta epocalidade da Literatura de Cordel, cujo escopo é informar e formar a opinião
pública popular sobre o que acontece, faz jus à declaração feita por Mário de Andrade (1932,
p. 73), quando disse:
57
O romance é a forma solista por excelência, poesia historiada, relatando fatos do
dia. Qualquer caso mais ou menos impressionante sucedido no Brasil, e às vezes
mesmo no estrangeiro, é colhido nos jornais por algum poeta popular praciano,
versificado e impresso em folheto.
Somente na década de 50 do século XX a Literatura de Cordel foi publicamente
reconhecida como jornalismo paralelo nas palavras de Orígenes Lessa (1955, p. 17).
Os desastres, as inundações, as secas, os cangaceiros, as reviravoltas da
política alimentam o caráter jornalístico dessa produção que sobre as
centenas de títulos por ano.
Sobre esse modo de poetar, é pertinente recordar o que Sílvio Romero (1977)
verbalizou: “A literatura ambulante e de cordel no Brasil no Brasil é a mesma de Portugal”.
Esta informação remete ao trovadorismo português e à práxis comunicativa medieval.
Dá-se o nome de trovadorismo ao movimento poético português de florescimento
das cantigas que eram poemas feitos para serem cantados ao som de instrumentos musicais
como flautas, a viola, o alaúde e outros. Trovador era o nome que se dava ao autor das
cantigas. Ao cantor costumava-se chamar de jogral. Esse período se estende do século XII ao
XV e é de inspiração provença1 (MAXADO, 1980, p. 13).
Na região de Provença, Sul da França atual, floresceu no século XI um rico
movimento poético que depois se espalhou pelo resto da Europa.. Esta produção, fruto do
ambiente requintado das cortes francesas do Sul, cantigas líricas provençais, expressam o
sentimento de amor do trovador pela dama. O trovador é alguém que implora seus favores e
sua atenção, não escondendo por trás das sutilezas da linguagem, todo o erotismo de desejo
amoroso.
Os trovadores provençais ficaram famosos pelo alto nível que atingiram na
elaboração das antigas. A maneira. de trovar; isto é, o poetar e muitas expressões da
linguagem usadas por eles atravessaram fronteiras e foram imitadas por toda parte
(CIDADSE, 1936, p. 60).
58
Em vista das próprias condições nas quais foram compostas e executadas as
cantigas, a maior parte ficou perdida, pois não havia a preocupação de registrá-las por escrito.
A obra mais antiga que se conhece é chamada Cantiga de A Ribeirinha ou Cantiga de
Guarvaia, escrita provavelmente em 1189 pelo trovador Paio Soares de Taveirós, segundo
Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1929), e que costuma ser assinalada como marco inicial
da literatura portuguesa. Os únicos documentos que nos restaram sobre tal produção literária
são os cancioneiros, coleção de .cantigas com características variadas, escritos por diversos
autores.
Desses cancioneiros, são importantes para o conhecimento do trovadorismo galegoportuguês os seguintes: Cancioneiro da Ajuda, com pilado provavelmente no século XIII;
Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, conhecido também pelo nome dos italianos
que o possuíam, Cancioneiro Coloci-Brancuti. Foi compilado provavelmente no século XV;
Cancioneiro da Vaticana, fora organizado provavelmente também no século XV. Cita~se
outra fonte preciosa, em galego-português, que é a compilação das Cantigas de Santa Maria,
ordenada por Afonso X, rei de Castela, em meados do século XIII, e que contém mais de
quatrocentas cantigas, todas de inspiração religiosa.
As cantigas recolhidas nos três primeiros cancioneiros estão distribuídas em dois
gêneros e subdivididas em quatro modalidades: gênero lírico, constituído pelas cantigas de
amor e cantigas de amigo; gênero satírico, constituído pelas cantigas de escárnio e cantigas de
maldizer. Sem prescindir da importância peculiar do gênero lírico, tomar-se-á aqui o gênero
satírico em conformidade, mais imediata, à perspectiva desta contextualização da Literatura
de Cordel.
As cantigas satíricas visavam criticar personagens ou comportamentos sociais por
meio de uma linguagem humorística, quase sempre tendia à ridicularização. Seu alvo ia da
decadência dos nobres à incompetência política dos governantes; das libertinagens do clero ao
59
comportamento das prostitutas, além da prática de homossexualismo, de adultério, do ócio, do
latrocínio e muitas outras questões sociopolíticas. Embora apresentem vários aspectos
comuns, há três elementos básicos que permitem diferençar as cantigas escárnio das cantigas
de maldizer.
As cantigas de escárnio procuram apenas sugerir a pessoa que é satirizada, sem
revelar o seu nome, ao passo que as cantigas de maldizer normalmente a identificam. As
cantigas de escárnio apresentam uma linguagem trabalhada, rica de sugestões e ambigüidades;
a linguagem das de maldizer normalmente é direta e agressiva e, freqüentemente, faz uso de
palavras de baixo calão. Nas cantigas de escárnio predomina a ironia, nas de maldizer, a
zombaria. Apesar da eficiência das cantigas satíricas, durante muito tempo foram relegadas a
segundo plano, em virtude do preconceito moral e do predomínio das cantigas líricas.
Contudo, a sátira trovadoresca tem uma grande importância, sobretudo, por três razões: o seu
valor histórico-sociológico, enquanto descrição da sociedade medieval portuguesa; o
distanciamento das convenções literárias vigentes e a busca de caminhos próprios; e o
aprimoramento da língua literária ao explorar as ambigüidades e ao fazer trocadilhos
sugestivos.
A cantiga, que será lida logo em seguida, do trovador Fernam Velho, é uma sátira à
soldadeira Maria Balteira e à sua regeneração. As soldadeiras eram mulheres que
acompanhavam, cantando, tocando ou dançando, os concertos musicais de trovadores e
jograis na Idade Média. Pela vida diferente que levavam, considerando o papel social da
mulher na época, tinham má reputação:
Maria Peres s'e manifestou
noutro dia pois pecadora
se sentiu, e log´a Nosso Senhor
prometeu, pelo mau em que andou,
que tivess 'um clérigo em seu poder
pelos pecados que lhe faz fazer
o demônio com quem sempre andou.
60
Manifestou-se porque diz que s'achou
muito pecadora, porem rogador
foi log´a Deus, pois teve por melhor
do que aquele que a guardou (demônio)
E enquanto viva diz quer ter
um clérigo, com quem se defender
possa do demo, que sempre guardou (Idem).
Ainda, sob o enfoque da epocalidade da poesia, novo recorte é feito no período
chamado “Segunda Época Medieval”, compreendido entre meados do século XV e início do
século XVI, período português de assimilação da cultura greco-latina de cujo
gênero épico
de maior prestígio brotara monumentos literários do passado helenístico: “Ilíada” e
“Odisséia” de Homero (mais ou menos no século VIII a.C.), mais tarde, “Eneida” de Virgílio
(século I d.C.). Os temas centrais da epopéia, como se pode observar, expressam valores da
aristocracia guerreira: o culto da coragem e da honra; o desejo de glória e fama; a
preocupação com o Fado (destino). A mitologia, indispensável na epopéia, representa a
presença e a intervenção divina no mundo, confrontando a condição de mortalidade dos
homens à de imortalidade dos deuses.
O Renascimento pôs novamente em prática as formas poéticas greco-romanas,
respondendo a um desafio: recriar a epopéia. Depois dos italianos Boiardo e Ariosto11,
Camões escreveu “Os Lusíadas”, a mais importante epopéia de todo o renascimento europeu,
e está entre as maiores de todos os tempos. Comenta Cidade (1963), “o poema de Camões,
como epopéia marítima, só é inferior à Odisséia de Homero”. Por ser a maior glória da língua
e da literatura portuguesas, o poema Os Lusíadas tornou-se referência obrigatória, influindo
nas poesias portuguesa, brasileira nos séculos posteriores e na poesia de Cordel do Brasil.
11
Bioardo compusera “Oriando enamorado” e Ariosto “Orlando furioso”, epopéias italianas renascentistas
que ainda despertam interesse hoje.
61
A similaridade do poema camoniano – “Os Lusíadas” - com a poesia popular do
Brasil passa pelo Martelo-de-oito-pés ou Oitava-de-martelo12. “O Lusíadas” foi escrito em
estrofes de oito versos, em decassílabos, com acentuação tônica na sexta e décima sílabas,
com o seguinte esquema de rimas: ABABABCC:
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca d'antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota adificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram
-A
-B
-A
-B
-A
-B
-C
-C
(CAMÕES, 1980, I, 1).
A mesma métrica, o mesmo esquema de rimas e a mesma acentuação podem ser
observados na estrofes da poesia popular que, a título de exemplo, demonstra a estrofe do
poeta popular piauense Pedro Mendes Ribeiro:
O progresso da era espacial
Conquistando no mundo da ciência
Explorando no espaço sideral
A beleza de nossa inteligência...
Como a nave no campo orbital
Confirmando o poder da Providência
O trabalho dos grandes cientistas
Fazendo prá história outras conquistas
(RIBEIRO, 1995, p. 68).
-A
-B
-A
-B
-A
-B
-C
-C
A epocalidade do poema mistura a narrativa da viagem de Vasco da Gama às Índias,
os feitos do povo português com a empresa a que se propusera: despertar o interesse dos
deuses que se reuniam para decidir a sorte dos portugueses:
12
Martelo-de-oito-pés é o gênero da poesia popular de improviso que desenvolveu-se para a forma atual de
Martelo Agalopado de dez-pés.na cantoria de viola.
62
Já no largo Oceano navegavam
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam
Das maus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas
Que do gado de Proteu são cortadas.
Quando os Deuses do Olimpio luminoso
Onde o governo está da humana gente,
Se ajunta em concílio glorioso
Sobre as coisas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu formoso
Vem pela Via Láctea juntamente
Convocados da parte de Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante
(CAMÕES, 1980, 1,19-20).
A tragicidade epocal camoniana registra momentos fortes como “o amor trágico de
Inês de Castro” (canto III), “o gigante Adamastor” (Canto V) profetizando naufrágios,
provocando a cólera de Júpiter punindo os navegadores que violaram o grande segredo dos
nautas. Nas últimas doze estrofes do poema, Camões lamenta a degeneração de seu povo e
profetiza a decadência do país em tom dilacerado, como que epilogando a tragicidade epocal
portuguesa que, apesar da advertência do vate português, passa despercebida:
Não mais, Musa, não mais, que Lira tenho
Destemperada e a voz enroquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende e engenho
Não no da pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na dureza
Duma austera, apagada e vil tristeza
(CAMÕES, 1980, X, 145).
Além da produção estrófica da poesia de Cordel, similar ao poema camoniano
quanto à forma, a temática e a epicidade aparecem constantemente. Os poetas populares, de
diferentes modos e profundidade, conhecem Camões e a literatura universal, notadamente as
produções épicas e as tragédias gregas e latinas. O poeta de Cordel e violeiro paraibano,
63
Belarmino de Franca13, apresenta uma das melhores páginas de revisão de literatura grecolatina. Depois de extensa exaltação da figura, diz:
Virgílio, vate latino
Que Eneida escreveu
E no ano dezenove
Depois que cristo morreu,
Ainda hoje em todo mundo
Se fala o nome seu.
Homero o poeta grego
Narrou a guerra de Tróia
Ele, compôs Ilíada
Uma sublimada jóia,
Já fez quase três mil anos
Seu nome ainda se apoia.
Homero além da Ilíada
Compôs mais a Odisséia,
Os episódios de Ulisses.
A mais sublime epopéia,
Que só o gênio poético
Concebe tamanha idéia.
Horácio, o barbo latino,
Foi um poeta modeo
Que a poesia do tempo
Nã conseguiu envolvê-lo
As densas brumas dos séculos
Jamais farão esquecê-lo.
Dante, vate italiano
Encheu seu nome de glória
Com a Divina Comédia
Obra de eterna memória
Que faz seu autor tornar-se
Imortal sobre a história.
Quem foi Luis de Camões
Essa importante figura?
Um gênio que só por si
Vale uma literatura
Seu nome através dos séculos
Eternamente perdura.
Sabemos que Camões foi
Um poeta genial
13
Belarmino de França, poeta popular-viloleiro, paraibano de Paulista, nasceu dia 26/12/1824, e morreu
dia 20/03/1982, com 88 anos.
64
Seu grande poema Os Lusíadas
Fê-lo tornar-se imortal
Ele embelezou a língua
68 E deu nome a Portugal
(ABRANTES et MEDEIROS, 2006, P. 39-41).
Belarmino de França, ao completar oitenta e quatro anos de idade, externou o seu
pensamento e, sob emoções, explicitou-se na confluência do efêmero com o terno, à maneira
dos clássicos, sem prescindir do tom jocoso da poética popular:
Andei a primeira vez
de quatro pés, e depois
prossegui andando em dois
hoje estou andando em três
mas Deus assim não me fez,
nem nasci desta maneira,
esta perna de madeira uso por necessidade,
Oitenta e quatro de idade
não é boa brincadeira.
Na vida que idolatro
fiz ano mais um vez,
sai dos oitenta e três,
entrei nos oitenta e quatro
já vou transpondo o teatro
desta vida passageiro.
descendo íngreme ladeira ,
em busca da eternidade.
Oitenta e quatro de idade
não é boa brincadeira (Idem, 15).
A tragicidade versada confunde-se com o trágico vivido por Belarmino de França
que, numa cantoria de viola, exalta a eternidade da poesia, parafraseando clássicos da poesia
universal com o poeta popular, Leandro Gomes de Barros, o clássico do Cordel, glosando o
mote “Desaparece o poeta/ mas a poesia não”, doado pelo cantador-cordelista Otacilio
Batista. Assim, em décimas modernas cantou:
O poeta é um dos tais
Que o tempo jamais consome,
Morre o corpo e deixa o nome
No livro dos imortais
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Entre a fama e os anais
Seus versos nobres estão
No seio frio do chão
Dorme a matéria incompleta:
Desaparece o poeta
Mas a poesia não.
Virgílio, vate latino
Que a Eneida escreveu
Antes de cristo morreu
Mas seu poema divino
Traçado pelo destino
Tem a mesma perfeição.
Dois mil anos já se vão
Mas a obra esta completa:
Desaparece o poeta
Mas a poesia não.
Ilíada e Odisséia
Dois poemas, dois primores
Cantados pelos cantores
De Salamina e Platéia
A mais sublime epopéia
Mostra tanta perfeição
Até nós com distinção
A mão do tempo acarreta:
Desaparece o poeta
Mas a poesia não.
Camões o poeta fecundo
Faleceu há tempos idos
Mas seus versos são conhecidos
Nas cinco partes do mundo,
No meu português profundo
Versava com perfeição
Deu mais à sua nação
As glórias de grande atleta:
Desaparece o poeta
Mas a poesia não.
Leandro Gomes de Barros
Há muitos anos morreu
Mas chegou ao apogeu
Com seus poemas bizarros.
Ele abarrotou os jarros
Da poética inspiração
Seu nome em toda nação
Alcançou a última meta:
Desaparece o poeta
Mas a poesia não
(ABRANTES & MEDEIROS, 2006, p. 88-89).
66
“O mote Desaparece o poeta/ mas a poesia não”, glosado por Belarmino de França e
lido há pouco, favorece a passagem da poesia camoniana para a Poética brasileira e desta para
a Literatura de Cordel, isto porque é incontestável que no Brasil houve ecos do Barroco
europeu durante as séculos XVII e XVIII (BOSI, 1995, p. 39-41). Toma-se aqui Bento
Teixeira, Gregório de Matos e depois Castro Alves, que emergiram e tornaram-se notórios na
Bahia, sob o modelo de oitavas-de-martelo e temáticas sociais afins.
Bento Teixeira14 tornou-se notável com a publicação do poema épico Prosopopéia
(1601), um ano depois de sua morte, de 1601 até nossos dias, tal obra tem suscitado os mais
diversos posicionamentos críticos, com predominância de pareceres desfavoráveis. A
desfavorabilidade gira em torno da sua imitação do poema camoniano que, na linguagem de
Bosi (1995, p. 41) não passa o poema Prosopopéia de um “primeiro e canhesco exemplo de
maneirismo nas letras da colônia”. Como descolorida imitação camoniana, o poema foi
chamado “um poemeto de segunda ordem e o seu autor um versejador nada inspirado”.
Contudo, vale ressaltar Amora (1959, p. 5), que chama a atenção para o fato de que, “se Bento
Teixeira imitou Camões, tal procedimento se deu dentro dos preceitos da imitação clássica”.
Sobre a imitação clássica, a colocação de Aristóteles (1997, p. 22), em “A poética”, é
pertinente para o momento:
Por serem naturais em nós a tendência para a imitação, a melodia e o ritmo que os metros são partes dos ritmos é fato evidente - primitivamente, os
mais bem dotados para eles, progredindo a pouco e pouco, fizeram nascer
de suas improvisações a poesia.
Aristóteles (1997, p. 22), fundamentando a diversidade da arte de produzir
poeticamente na unidade fontal da genialidade dos vates, prossegue:
A poesia diversificou-se conforme o gênio dos autores; uns mais graves,
representavam as ações nobres e as de pessoas nobres; outros mais vulgares,
14
Bento Teixeira nasceu em Lisboa, em 1561, veio para o Brasil ainda criança, vivendo em Salvador (Ba.) e
Recife (Pe.), morrendo em Lisboa em 1600.
67
as do vulgo, compondo inicialmente vitupérios, como ..os outros
compunham hinos e encônios .
A imitação de obras consideradas modelares era então um princípio posto em vigor
pelo Renascimento. No caso particular de “Os Lusíadas”, a imitação atendia às intenções do
poeta que daria à figura e aos feitos de seus heróis (Jorge de Albuquerque Coelho, seu irmão,
seus pais e tio) uma significação semelhante à que passaram a ter os heróis camonianos. Mas,
justificar, a bem da justiça, a imitação praticada por Bento Teixeira nada tem a ver como
concluir pelo valor de sua obra. A este propósito há dese convir que não faltou ao autor o
domínio dos processos épicos e dos recursos poemáticos oferecidos pelo modelo. Isto é, a
imitação de “Os Lusíadas” é assumida desde a estrutura até o uso dos chavões da mitologia e
dos torneios sintáticos.
Nessa linha de pensamento, Bosi (1995, p. 41) refere:
o que há de não português (mas não diria de brasileiro) no poemeto, como a
descrição do Recife de Pernambuco; Olinda'celebrada e o canto dos feitos de
Albuquerque Coelho, entra a título de louvação da terra enquanto colônia,
parecendo precoce atribuição de um sentimento nacionalista nos passos
citados.
O poeta demonstra originalidade e contraria a tradição, pois diferente da maneira dos
poetas clássicos, não evoca Délficas irmãs, musas inspiradoras do Parnaso, já que “tal
invocação é vão estudo”. Na descrição do semideus Tritão, muito se distância daquela
apresentada por Camões em “Os Lusíadas”. O vate faz questão de contrariar o seu modelo
como aparece neste paralelo:
Os cabelos da barba e os que descem
Da cabeça nos ombros, todos eram
Uns limos prenhes de água, e bem parecem
Que nunca brando pente conheceram.
Nas pontas pendurados não falecem.
Na cabeça. por garra, tinha posta
Uma mui grande casca de Lagosta
(CAMÕES, 1980, Canto V)
68
Quando ao longo da praia, cuja areia É de marinhas aves estampada,
E de crespadas Conchas mil se área
Assim de cor azul. como rosada,
Do mar cortando a prateada vea,
Vinha Tritão em coIa duplicada,
Não lhe via na cabeça casca posta
(Como Camões descreve) de Lagosta.
Mas Concha lisa e bem lavrada
De rica Marepérola trazia
De fino Coral crespo marchetada,
Cujo louvor o natural vencia.
Estava nela ao vivo debuchada
A cruel e espantosa bateria
Que deu a temerária e cega gente
Aos deuses do Ceo puro reluzente
(TEIXEIRA, 1977, XXI).
É no universo vocabular de Bento Teixeira que se identifica um contra-argumento à
acusação de plagiador de “Os Lusíadas”. O poeta, em pleno reinado cristão, não menciona,
uma vez sequer, nomes de santos do catolicismo. Camões, por diversas vezes, faz referências
a santos católicos; Bento Teixeira, seu suposto imitador, nenhuma. Estes dados podem
reforçar indícios de resistência às leis cristãs, preferindo o poeta a observância das leis
herdadas de Moisés: “Não terás outros deuses diante de mim!” Como judeu, fiel à tradição,
seu poema se distancia de Camões como resistência à censura do Santo ofício. Não é sem
razão que, a propósito da censura, Bosi (1990, p. 143), comenta sobre alternativas de
sobrevivência da poética judaica no Brasil, no sentido de que uma delas é confundir a censura.
Bento Teixeira introduz parcas menções de ritos católicos em seu poema, tentando talvez desfazer as
perigosas referências anteriores.
As referências anteriores, apontadas por Bosi, dizem respeito às passagens estróficas
de feição judaica: o personagem Proteu, deus que pode adquirir aparências falsas e difícil de
ser apanhado, segundo a mitologia. O monoteísmo hebraico é que impede o poeta de apelar
para divindades pagãs e o impede também de pronunciar o nome de Deus em vão. Mas o
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exemplo proposital de confundir a censura aparece na estrofe 68, que menciona uma
procissão realizada pelos Albuquerque em Lisboa:
As cidades de Ulisses destroçadas
Chegarão da Fortuna e Reino salso
Os templos visitando Consagrados
Em procissão e cada qual descalço
Desta maneira ficarão frustrados
Os pemsamentos vãos de Lémnio falso
Que o mal tirar não pode o beneficio
Que ao bem tem prometido o Ceo propício.
Além disso, observa-se que os dois versos que abrem a Prosopopéia, colaboram para
o discurso recheado de duplo sentido: tanto podem estar fazendo alusão aos poetas , a
exemplo de como Lucano na “Farsália”, que cantam as guerras de Roma, como podem estar
sugerindo sutilmente críticas contra as perseguições que a Igreja Católica infligia aos judeus e
aos seus descendentes: “Cantem poetas o Poder Romano/ Submetendo nações ao jugo duro!”
A posição crítica de Bento Teixeira não é descontextualizada. Lembre-se de que o
Brasil da Inquisição, com a visitação do Santo Ofício, inaugura para os hebreus uma época
insuportável, mistura de torturas e humilhações de toda espécie. Os cristãos-novos viviam
debatendo-se ante o dilema da “possibilidade de progresso material e a permanente ameaça de
extermínio físico. Apesar disto, mitos aferram-se terimosamente às suas crenças e costumes”
(SCLIAR, 1990).
Nesse contexto é que se compreende Bento Teixeira e a sua poética de resistência ao
autoritarismo, como questionamento onticamente fincando no seu ser judeu no Brasil,
conforme aparece nas reflexões seguintes de Scilar (1985, p. 9):
Questionar faz parte da condição judaica. É próprio do judaísmo não aceitar
as coisas simplesmente porque elas têm atrás de si o peso da autoridade, e
neste sentido os próprios profetas são exemplos eloqüentes. Raramente a
história viu questionadores tão atravidos e tão corajosos como os profetas
bíblicos, modelos de todos os reformadores.
70
Essa identidade judaica é, no poema “Prosopopéia”, a presença da resistência.
Dissimuladamente, ali está a mensagem do transgressor Bento Teixeira a se insinuar nos seus
versos aparentemente nacionalistas e cristãos:
Neste tempo sebasto lusitano
Rei que domina as águas do grão Douro
Ao rei passará de Mauritano,
E a lança tingirá em sangue Mouro;
O famoso Albuquerque mais ufano
Que Iason na conquista o véu d´ouro
E seu irmão, Duarte valeroso,
Irão ao Rei altivo, imperioso.
(TEIXEIRA, 1997, p. 99)
A narração com exaltação dos feitos dos Albuquerque, da luta para disciplinar os
indígenas até a expulsão dos holandeses das terras brasileiras, dá a Bento Teixeira a
possibilidade de entremear tais façanhas com exortação moral, que induzem alguns críticos,
como Amora (1999, p. 5), a considerar que este é o que de melhor Bento Teixeira produziu:
Ó sorte tão cruel, como mudável
Por que usurpas aos bons o seu direito?
Escolhe sempre o mais abominável,
Reprovas e abandonais o perfeito
E menos digno fazeres agradável,
O agradável mais, menos aceito.
Ò frágil, inconstante, quebradiça
Roubadora dos bens e da justiça!
(TEIXEIRA, 1977, 99)
A figura e talento de Bento Teixeira não passaram despercebidos pela poesia
popular. No VI Festival de Cantadores e Violeiros do Ceará, realizado no dia 9 de setembro
de 1979, em Fortaleza, cantavam Zé Maria Nascimento e Dr. Ferreira (advogado repentista),
quando o cantador Alberto Porfírio, professor primário, anunciava o seguinte mote: “Eu me
lembro que foi Prosopopéia/ Uma medalha de nossa poesia”. Da peleja destacam-se as
seguintes estrofes:
71
Z.N. – Como pôde a Igreja perseguir
Um poeta que fez o verso seu
E somente porque era judeu
Não podia senão que resistir.
Foi assim a vida e o porvir
De seu Bento Teixeira da Bahia
Que versou com grande galhardia
Um poema, seu livro de estréia:
Eu me lembro que foi prosopopéia
Uma medalha de nossa poesia.
Dr.F. -
Bento Teixeira, Gregório e Castro Alves
Baluartes na luta de opressão
Três colunas de grande projeção
Que na luta foram implacáve´s
Bento Teixeira foi entre os declináve´s
Que na força de sua cantoria
Lutou contra toda hipocrisia
E desmandos cristãos pela idéia:
Eu me lembro que foi prosopopéia
Uma medalha de nossa poesia.
A estrofe de Dr. Ferreira evoca, para esta tematização do universo da Literatura de
Cordel, o vate Gregório de Matos Guerra15, que segundo a dupla citada, tem uma poética de
contestação e resistência ao autoritarismo. A diversidade e antagonismo de sua produção
poética o enquadraram no espírito do barroco nacional, a tenacidade de suas investidas nas
questões sociais e populares dos seus versáteis improvisos lhe mereceram a seguinte
declaração dos poetas populares, Linhares e Batista (1982, p. 1):
Coube ao Brasil o privilégio do aparecimento do legítimo cantador de viola,
com Gregório de Matos Guerra nascido na Bahia, no século XVII e
primeiro doutor brasileiro. Seguido pelo Padre Domingos caldas Barbosa,
que, também, improvisava ao som da viola.
Câmara Cascudo (1984), fazendo referência à sátira como característica das orações
versificadas no sertão nordestino, resgata uma mistura de popular e erudito, no poema “Anjo
15
Gregório de Matos, baiano, muito conhecido dos cordelistas, nasceu em 1636 e faleceu em Recife em 1696
depois de ter vivido o degredo em Angola devido a sua sátira irreverente que, além de fechar as portas da
Bahia para o seu progresso, o habilitou a receber a alcunha “Boca do Inferno”
72
Bento” de Gregório de Matos. O resgate fora feito no sertão paraibano de cinco quintilhas
terminando com o mote em latim “libera nos Domine”:
De homens mal encarados
De partos atravessados
De passar em Afogados
Quando esta cheia a maré...
LIBERA NOS DOMINEZ!
(CASCUDO, 1984, p. 98).
Expressões latinas são muito freqüentes na obra de Gregório de Matos como bem na
sátira ao Sr. Antônio Luis da Câmara Coutinho, governador da Bahia (1690-1694): “in secula
seculorum”, “verbi gratia” dentre outras. Tais expressões aparecem ora para uma escondida e
contundente crítica que, em expressões latinas é, mais pertinente e menos visível; ora para
satirizar um religioso perdendo a sua identidade.
Vivendo numa sociedade cuja decadência econômica tornava-se visível e onde
visível também se tornava o “círculo do ferro” e da pressão colonial, Gregório de Matos se
vigaria através da poesia como diz Wisnik (1977, p. 15):
O filho do senhor-de-engenho em plena crise, e o seu mundo, usurpado por
aquilo que ele vê como o arrivismo oportunista dos pretensos e falsos
nobres, os negociantes portugueses. O bacharel vive a farsa das instituições
jurídicas [...].O poeta culto se vê no meio iletrado; a literatura sufocada nos
auditórios – de igreja, academia, comemorações – praticada por sacerdotes,
juristas, administradores, realiza a apologia suhjacente de um status quo que
soa, como se vê, incômodo para Gregório de Matos.
Na quotidianidade da vida de Gregório de Matos vislumbram-se as idéias barrocas
do “desengaño del mundo”, do desconcerto da existência. Protesta com a linguagem poética e
ninguém parece escapar à ironia do escritor: todos são sistematicamente ridicularizados como
aparece no juízo que faz o poeta da cidade da Bahia:
73
Que falta nesta cidade? .................................. Verdade.
Que mais por sua desonra? ............................. Honra.
Falta mais que se lhe ponha? .......................... Vergonha.
O demo a ver se exponha,
Por mais que a fama a falta
Numa cidade onde fala
Verdade, honra, vergonha .
E que justiça a resguarda? ................................. Bastarda.
É gratis distribuída? .......................................... Vendida.
Que tem, que a todos assusta? .......................... Injustiça.
Vaha-nos. Deus, -o que custa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injustiça.
A Câmara não acode? ...................................... Não pode.
Pois não tem todo o poder? ............................. Não quer.
É que o governo a convence? .......................... Não vence
Quem haverá que tal pense
Que uma Câmara toda nobre
Por ver-se mísera e pobre
Não pode, não quer, não vence (MATOS, 1997, p. 37-39)
Gregório de Matos, tendo consciência de que não era bem visto, não retrocede e
declara nunca se calar: “Se o que fui sempre hei der ser/Eu falo seja o que for”. Assim, as
prováveis torturas, o degredo e a volta condicional do exílio não aquebrantaram o espírito de
luta e de resistência do vate-cantador barroco, cantado e exaltado na poesia popular.
Documenta-se, desta exaltação os irmãos Bandeira16 que temerosos, pela presença de
militares graduados na cantoria, improvisaram as seguintes estrofes:
D.B. - Nosso Gregório de Matos
Foi poeta de primeira
Que seguiu Bento Teixeira
Na doutrina e nos tratos,
No dizer e ver os fatos
Nos problemas sociais.
Estes dois foram iguais
Com talento, com bravura:
CONTRA TODA DITADURA
DOS TEMPOS COLONIAIS.
16
As estrofes foram improvisadas dia 18 de agosto de 1998 pelos poetas Pedro e Daldete Bandeira, na
residência de Dr. Walber Angelim, em Teresina (PI), atendendo ao mote “Contra toda ditadura / dos tempos
coloniais”, doado por Dr. Seabra da AGESPISA, preso-político do Regime Militar.
74
P.B. -
Gregório pôde cantar
As mazelas da Bahia.
Gritava na poesia
E no verso popular,
Pois teria de projetar
Em letras nacionais
Desmandos oficiais
Da imponente figura:
CONTRA TODA DITADURA
DOS TEMPOS COLONIAIS.
D.B. - Hoje nós os cantadores
Dele somos herdeiros,
Seguidores verdadeiros
Como vates trovadores.
Pois nisto somos doutores
E não somos marginais,
Mas profetas sociais
Da nossa literatura:
CONTRA TODA DITADURA
DOS TEMPOS COLONIAIS17.
No pensar cordelino, Gregório de Matos, poeta andarilho, não é propriamente um
marginal, como não são os seus herdeiros, mas vate inserido, com competência e pertinência
na sociedade como cantador transmissor da poesia e da notícia, deixando aos outros
cantadores a herança da inconformação diante da injustiça e a resistência à opressão. Este
legado vem do poeta do improviso e não do bacharel em Direito.
Da luta implacável contra a opressão, recordem-se quatro versos da estrofe do
cantador-violeiro Dr. Ferreira que dizia:
Bento Teixeira, Gregório e Castro Alves
Baluartes na luta de opressão
Três colunas de grande projeção
Que na luta foram implacáveis18.
A estréia de Castro Alves coincide com o amadurecer de uma situação nova no país:
17
18
Cópia da gravação em fita de propriedade da Cordelteca Siqueira de Amorim. João Pessoa, 2005.
No dizer do poeta popular, Antônio de Castro Alves, nascido em Curralinho, na Bahia, em 1847 e falecido
em 1971, em Salvador, é o último dos poetas elencados pelo talento e declamatória, aparecendo similar ao
poeta de Cordel.
75
A crise do Brasil puramente rural; o lento mas firme crescimento da cultura
urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despertar de uma repulsa pela
moral do senhor-escravo, que poluía as fontes da vida familiar e social no
Braisl-Império.(BOSI, 1995, p. 132).
Nesse contexto, Castro Alves foi um dos primeiros líderes da campanha liberalabolicionista, junto a Tobias Barreto e, como Bento Teixeira e Gregório de Matos, passara
pelo Recife, onde iniciara a sua fulgurante e meteórica carreira de inspirado poeta acadêmico
e eloqüente declamador. Assim, o tom vigoroso dos poemas, a ressonância dos seus versos, a
indignação e a expressividade são elementos que consagraram o “poeta dos escravos”.
Condoeiro, a sua poesia serviu de instrumento de luta contra a escravidão, dado seu tom para
récitas em locais públicos: praças, salões de leitura entre outros. Os mesmos lugares, que se
constituíram palcos de Castro Alves, sempre constituíram o chão-firme dos poeta de Cordel,
declamando e cantando as suas produções.
A eloqüência dos versos castroalvinos está evidenciada nos poemas que
denunciavam a vida miserável dos escravos e também aqueles que defendiam interesses
políticos. O poeta aproximava-se da realidade social, embora conservasse ainda o idealismo e
subjetivismo românticos.
Tomando-se “O Navio Negreiro”, subtitulado “Tragédia do Mar”, do livro “Os
escravos” (1886), declamado com sucesso no dia 7 de setembro, do ano de publicação do
livro, é o mais representativo, tendo em vista que a força das palavras e expressões por Castro
Alves levam o leitor a sensibilizar-se com a dramática situação daqueles homens, mulheres e
crianças tratados de modo animalesco. 19
Nas duas primeiras estrofes, o poeta parece dispor de uma câmera que percorre
primeiramente o oceano, depois focaliza o navio e, de repente, surgem as pessoas:
19
O poema “O navio negreiro” é muito longo. Está dividido em seis partes pelo próprio poeta, tratando muito
dos escravos: Preparação do ambiente e tentativa de aproximação do navio (11 estrofes); Idealização dos
marinheiros (4 estrofes); Aproximação e descoberta do horror (1 estrofe); Horror e sofrimento (6 estrofes);
Passado X presente; liberdade X escravidão (9 estrofes) e Indignação (3 estrofes) num total de 240 versos
em 34 estrofes (cf. CASTRO ALVES, 2002).
76
Estamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois e o céu? Qual.o oceano?...
A câmera percorre todo o navio. A aguçada imaginação do poeta leva o leitor a
cenas terríveis:
Era um sonho dantesco... O trombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens Como a noite
Horrendos a dançar.
A visão que o poeta passa é a dos infernos: o navio negreiro era, na realidade, um
fantasma que navegava pelo oceano a espalhar gritos lacinantes de seres humanos
aprisionados e levados para terras estranhas. Longe de sua terra, esses homens eram
humilhados, a experiência de vida era cruel e triste. No final do poema, há um clamor que
ecoa pelo universo:
... Mas é infâmia de mais... De etéria plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!
Além da tragicidade, a evocação de responsável pela independência do Brasil é um
apelo para que as autoridades do pais acabassem com a infâmia de se receber escravos, numa
nação que há bem pouco tempo conquistara a liberdade política. Era muito contraditório lutar
para a conquista da liberdade e manter a escravidão.
Na Bahia muitos poetas populares tomaram Castro Alves como tema, mas foi
Rodolfo Coelho Cavalcante20 quem mais editorou folhetos sobre a vida e luta libertadora do
20
De Rodolfo Coelho Cavalcante registram-se em nosso acervo os seguintes títulos: Castro Alves – Anjo da
Liberdade (1981); Castro Alves – Poeta dos Escravos (1983); Castro Alves e Camões – Dois gênios da
poesia universal (1984) e Castro Alves não morreu/ vive na alma do povo (1985).
77
“poeta dos escravos”. Seus folhetos são muito usados pelas crianças como leitura introdutória
ao estudo da poesia social popular. Desta produção lê-se:
Ser poeta é compreender
Do povo seu nascimento,
No auge do sofrimento
Sentir o seu padecer;
Castro Alves desde novo
Sentia o sofrer do povo
Dentro de seu coração
E por isso foi um forte
Que nunca temeu a morte
Contra a vil escravidão.
Bradava bem alto o vate:
Abaixo a selvageria!
Morra toda tirania!
Era assim o seu combate.
No brilho dos seus poemas
Ia quebrando as algemas
No pelorinho das dores,
Seus versos na praça pública
De Castro Alves a rubrica
Nas almas dos opressores
(CAVALCANTE, 1985, p. 1).
O trovador popular, baiano por opção, não só historia Castro Alves, mas suplicando
liricamente a sua volta, atualiza a realidade da escravatura nos dezenove anos de Ditadura
Militar no Brasil:
Volta ó gênio do Condor
Com teus versos inflamáveis
Porque foste, Castro Alves,
Poeta libertador
O grande conquistador
Que ninguém te esquece mais,
Vives entre os imortais
Nas páginas de nossa História,
Hoje nós pasmos de glória
Descanças, poeta, em paz!
Vive o mundo mergulhado
Numa nova escravidão
Que se chama inflação
Deixando o pobre apertado
78
É roubo pra todo lado
E o povo sem moradia,
E a infeliz demagogia
Vem de um passado oriundo
Das quatro partes do mundo
Que virou Filosofia!
(Idem, 1983, p. 3-7)
O universo da Literatura de Cordel, depois de percorrido este longo caminho,
emerge como o universo da palavra que se faz, a um tempo, vida e poesia. Tal universo se
objetiva onde quer que exista o homem. Por isto mesmo, a Literatura de Cordel, como palavra
e como poesia, questiona as contradições geradas pelo autoritarismo, apontando para a
necessidade de um instrumento de investigação que possa evidenciá-la como resistência.
79
3 C O R D E L T E CA S O B O G O L P E M I L I T A R
Considerando-se que qualquer poeta popular tem clara consciência de sua condição
de artista, ele sabe que é, antes de mais nada, um fabulador. Além disso, é facilmente
identificável uma função pedagógica, sobretudo, nas áreas tradicionais e não-alfabetizadas,
onde as artes verbais, em geral, e a Literatura de Cordel, em particular, cumprem um
importante papel educacional pela transmissão de conhecimentos, valores e atitudes, assim
como da informação coletiva, sem esquecer que a Literatura de Cordel exerce uma função de
controle social, contribuindo para manter a aceitação dos valores culturais e dos padrões de
comportamento estabelecidos (cf. CURRAN, 1973, p. 44-45). Estas três dimensões da
Literatura de Cordel, que já são de domínio público, são consideradas por muitos como no seu
conjunto, um contributo para a estabilidade e continuidade de uma cultura, de uma situação
social e de uma política como hegemonia. Entretanto, em 1977, o sociólogo da cultura
cearense avança dizendo:
O Cordel pode atuar também,e de fato o faz, no sentido de favorecer a
mudança social, assim como pode constituir um meio de ação política,
programada e intencional, ou meramente implícita. Por um lado, os próprios
poetas costumam formular sobretudo nos folhetos de acontecidos ou nos de
crítica social, o protesto ou a simples lamentação dos oprimidos; por outro
lado, são conhecidas as inúmeras utilizações dos folhetos de propaganda
política: alguns chegando, aos extremos do grotesco e da louvação, outros
definindo uma posição ideológica clara e até um programa de ação
(MENEZES, 1977, p. 33).
Menezes (1977, p. 52), depois de compreender e fazer a superação do meramente
visto no Cordel, propõe uma perspectiva de análise sociológica da literatura popular, ainda
pertinente nos dias atuais:
Acredito, pois que uma leitura sociológica dos folhetos populares só será
realmente fecunda e reveladora se não estiver restrita ao manifestamente
80
dito e se, portanto, for capaz de incluir no trabalho de análise a interpretação
dos silêncios dessa literatura, a decodificação e o desvelar da significação
profunda daquilo sobre o qual ela se cala e por que o faz .
Essa postura epistemológica fora seguida por Fausto Neto na sua dissertação sobre a
Literatura de Cordel dois anos depois do artigo de Menezes:
Assim sendo, interessa-nos examinar, de maneira crítica, o discurso
enquanto prática social e ideológica, através da produção de significações
(TONETO, 1979, p. 43).
Isso se faz necessário porque, numa sociedade competitiva e rigidamente
estratificada por classes, as ideologias das classes hegemônicas tendem a predominar e a
subsumir as demais ou a recuperá-las sob diferentes formas. Neste contexto, sempre
permanece algum espaço, ainda que intesticial, por onde a contradição e o conflito se
manifestam. É, pois, no claro-escuro desse quadro que se elabora a consciência do poeta
popular. E isto se expressa por uma ideologia que em seu conjunto,
não podia ser outra senão a ambigüidade: ora submissa, ora rebelde, ora
meramente receptiva e reprodutora dos valores e crenças dominantes, ora
profundamente criativa e afirmadora de seus próprios símbolos e
significados, de seu vigor e importância (MENEZES, 1977, p. 53, apud
CUCHE, 2002, p. 144-146).
Essa criatividade é a porta aberta na Literatura de Cordel, objeto deste estudo, que
possibilitou a dialética de leitura e o por onde buscar as matizes de Cordel (títulos publicados)
para dar termo ao que se busca, tudo isto porque, enquanto as matizes de Cordel, a um tempo,
indicam uma realidade e são produtos de uma formação social, produzindo-a e reproduzindoa. Assim sendo, afasta a idéia de que as representações cordelinas da realidade não surgem
sob forma conceitual como comenta Fausto Neto, articulando Ballibar (1975) a proposida
poesia popular de bancada:
81
Como forma ideológica entre outras os textos correspondem a uma base de
relações de produção historicamente determinadas e ligadas a outras formas
ideológicas (FAUSTO NETO, 1979, p. 49).
Para chegar-se a um conjunto de folhetos, faz-se necessária a determinação do
Golpe Militar de 1964 como marco histórico referencial e o folheto Se Deus fosse Brasileiro
de Francisco Pedrosa1, um referencial indicador de títulos-temáticos para a seleção e
justificativa do corpus. O texto de Francisco Pedrosa foi declamado e nunca publicado, senão
bem recentemente, pela Cordelteca Siqueira de Amorim, em João Pessoa (2006), para ser lido
aqui como porta indicativa dos folhetos durante a Ditadura Militar no Brasil. A leitura do
referido folheto torna-se, neste contexto, importante:
SE DEUS FOSSE BRASILEIRO
Francisco Pedrosa
Não sei quem foi que escreveu
Nas páginas dum matutino
Sobre uma sala que existe
No céu do bom Deus divino
Onde trabalham os santos
Que protegem, com seus mantos
As nações aqui da terra,
São por São Pedro ecalados
Pra livrar seus afilhados
Das influências da guerra,
São quase duzentos santos
Que na atualidade passam
Quase dez horas por dia,
Cheios de boa vontade
Plantados de sentinela,
De olhos fixos na tela;
Mexendo em fios e chaves,
Botões e interruptores
De aparelhos transmissores
De sons agudos e graves.
À distância, até perece
1
Francisco Pedrosa, poeta paraibano de bancada, intelectual não antologado ou publicado, mas voz
eloqüente para os cantadores, violeiros e cordelistas na noite de 05/11/1977, em Campina Grande, na
Paraíba.
82
Que estão se divertindo.
Mas, na verdade, estão
Fazendo esforço infindo
Para proporcionar
Conforto e vida exemplar
Aos filhos das nações,
Pelas quais são responsáveis,
Pelos serviços prestáveis
Ás futuras gerações.
Como em repartição pública,
Um trabalho, outro ganha.
O santo da Dinamarca
Vive comendo na manha
Assina o ponto e cochila.
Já o senhor São Tequila,
Protetor na Nicarágua,
Não tem tempo pra cuspir,
Conversar, nem pra ir
No banheiro verter água.
São Pedro nomeia o santo
De acordo com o país.
Quando a nação é pequena,
Rochosa, pobre, infeliz
Escolhe um santo valente,
Trabalhador, competente,
Mão-de-ferro, talentoso.
E quando sente que a nação
Não precisa proteção,
Bota um santo preguiçoso.
Por exemplo o Canadá
Depois da emancipação,
São Pedro entregou a um santo
Pequeno e sem projeção.
Ainda hoje vive lá,
Porque para o Canadá
Qualquer santo é protetor,
Não precisa ser Titã
Como os santos do Irã,
Irac e El Salvador.
No dia que o Brasil
Se tornou independente
Um guarda acordou São Pedro
Pra ver nosso continente.
São Pedro olhou lá de cima:
Viu as matas, a fauna, o clima;
Os lagos, a costa, a extensão
Disse: “eita terra boa!…
Vou mandar um santo atoa
Proteger esta nação!”
Imediatamente nomeou
83
Seu afilhado São Braz,
Que há mais de cem anos
No céu estava encostado,
Não conseguia trabalho,
Vivia de quebra-galho
Respondendo pelos danos,
Que causou quando criança,
À população da França
Pela guerra dos Cem Anos.
E porque no século passado
Tomando conta da Espanha,
Um dia contra a vontade
Se viu em palpos de aranha.
Por falta de competência,
Assinou, numa audiência,
Os papéis desconhecidos.
E só nessa assinatura,
Vendeu a Flórida todinha
Para os Estados Unidos.
Só depois de muito tempo
Declarou ter aprendido.
Um dia disse a São Pedro
Que estava arrependido,
Precisava trabalhar
E, mesmo queria provar
Que não era incompetente.
Fez aquela choradeira
Do falso cego na feira
Quando quer roubar a gente.
São Pedro disse: “está certo,
Mas não mexa nessa mesa!
Porque a país BRASIL
Cresce só, tenho certeza!”
Era o que São Braz queria,
Passava as horas do dia
Conversando na bodega
Do pai de Santa Lucrecia,
Com os santos da Suécia
Dinamarca e Noruega.
Até que em sessenta e quatro
Quando menos esperava,
Chegou um funcionário
Correndo onde ele estava
Dizendo: “corra São Braz,
Que mais de uma hora faz
Que a sua mesa balança!
E pelo que pude apurar,
Tão querendo bagunçar
O chão da BOA ESPERANÇA”.
Mas na verdade não era
84
Nada de especial,
Foi só um curto circuito
Que deu na chave geral.
Porém, pelo compromisso
E para mostrar serviço,
Que ainda não tinha mostrado;
São Braz ligou um botão,
Apareceu no telão
Escrito: GOLPE DE ESTADO!
Nisto gritou São Pierre,
O velho protetor da França:
“São Braz, por Nossa Senhora,
Você parece criança?!
Preste a atenção no trabalho,
Corrija o serviço falho
Enquanto tem energia;
Se está com sono desperte,
Corra ligeiro e aperte
O botão da DEMOCRACIA!”
São Braz ao invés de apertar
O botão da DEMOCRACIA
Confuso enfiou o dedo
No botão da CARESTIA;
Ligou o da REPRESSÃO,
Aumentou a confusão,
A sala ficou escura,
Teve santo que correu.
E quando o painel acendeu
Tava escrito: DI-TA-DU-RA!
Por último ele abriu
As válvulas das MULTINACIONAIS
Ligou a chave que acende
Os arrochos SALARIAIS,
Quebrou o interruptor
Das LEIS DO TRABALHADOR
Que estava no seu nariz.
Todo controle tremia
E quanto mais São Braz mexia,
Mais bagunçava o país.
Até que chegou um ponto
Que nada mais dava certo.
Quando cobria um lado
Deixava outro descoberto.
Se cobria o EMPRESÁRIO,
Descobria o OPERÁRIO;
E se cobria o PRODUTOR
Descobria quem comprava;
E no fim a bomba estourava
Nas mãos do CONSUMIDOR!
Só existe uma saída!
85
Vou já conversar com Deus.
Deus como bom brasileiro
Dará jeito aos erros meus!
Aí pegou um cajado,
Vestiu um termo engomado,
Saiu falando sozinho.
Mas quando chegou no trono,
Encontrou Deus de KIMONO
Comendo arroz de pausinho.
Só aí ficou sabendo
Que Deus era japonês.
E se Deus fosse brasileiro,
O Japão teria vez?!
Logo um país pedregoso,
Altamente populoso
Nos confins orientais?
No tamanho um dos menores
Ser, hoje, um dos três maiores
Poderia mundiais?!
Se Deus fosse brasileiro
Será que consentiria
Uma inflação de três números
Roer nossa economia?!
Consentiria a NAÇÃO
Andar de pires na mão
Mendigando no ESTRANGEIRO?
Deixaria o desemprego
Roubar a PAZ e o sossego
Da casa do BRASILEIRO?
Paremos com essa história
De que Deus é brasileiro,
E tratemos de ficar
Com São Braz o timoneiro,
Manipulando os botões
Do painel de operações,
Já que o DESTINO assim quis,
Resta-nos apenas rezar,
Para São Braz acertar
No controle do PAÍS.2 (05/11/1977)
2
A última página desse folheto, publicado pela Cordelteca Siqueira de Amorim, em João Pessoa, traz o
seguinte texto: “Este folheto fora declamado no Festival de Cantadores-violeiros, no dia cinco de novembro de
mil novecentos e setenta e sete, em Campina Grande na Paraíba. A DI-TA-DU-RA proibiu a sua editoração,
mas hoje se pode lê-lo!”
86
A última estrofe do texto lido pode parecer uma acomodação: “Paremos com essa
história/ De que Deus é brasileiro/ […] Resta-nos apenas rezar,/ Para São Braz acertar/ No
controle do país”. Esta parada da história é a metáfora do fabulador que, no “acertar de São
Braz”, convoca à ação pela fábula religiosa, peculiar ao folheto de crítica social. Isto equivale
dizer que as culturas populares revelam-se, na análise, nem inteiramente independentes, nem
inteiramente autônomas, nem pura imitação, nem pura criação dado o paradoxo que lhes é
peculiar: cultura subalterna e criativa; elementos de invenções próprias e de empréstimos.
Neste sentido, o Cordel, como cultura popular, é literatura de resistência e de contestação no
universo da cultura dos grupos sociais subalternos. É a resistência das classes populares à
dominação cultural nas expressões da poesia-de-Corde1 e da poesia-canção3, que são
constituídas em uma situação de dominação.
Sendo a situação de dominação o espaço de produção da Literatura de Cordel, nele a
metáfora, a fábula e o silêncio não podem ser lidos apenas como acomodação ou cooptação,
nem podem ser equiparados à atitude de defesa militante, observa Cuche (2002, p. 149-150):
As culturas populares não estão mobilizadas permanentemente em uma
atitude militante. Elas funcionam também em repouso. Nem toda alteridade
popular se encontra na contestação. Elas assumem, sem querer, funções
integradoras, mesmo sendo passíveis de cooptação pelo grupo dominante, e
os modos de resistência.
O metafórico do poeta popular Francisco Pedrosa (“Já que o destino assim quis/
Resta-nos apenas rezar”.), sem pressindir da situação de dominação, é talvez mais correto
considerá-lo como expressão de um conjunto de “maneiras de viver com esta dominação, ou,
3
O paralelo entre poesia-de-Cordel e poesia-canção já foi a tematizado em Literatura de Cordel – um contexto
16-17.
87
mais ainda, como um modo de resistência sistemática4 à dominação que se manifesta e se
oculta dialeticamente:
A cultura popular como a cultura comum das pessoas comuns, isto é, uma
cultura que se fabrica no cotidiano, nas atividades ao mesmo tempo banais e
renovadas a cada dia é criatividade. Como criatividade popular não
desapareceu, mas não está necessariamente onde a buscamos, nas
produções perceptíveis e claramente identificáveis. Ela é multiforme e
disseminada: Ela foge por mil caminhos (CERTEAU, 1980, p. 16-17).
Para captá-la, é preciso captar a inteligência prática de pessoas comuns,
principalmente no uso que elas fazem da produção de massa. Certeau (1980) define cultura
popular como sendo cultura de consumo. O Cordel é esta cultura de consumo por ser
autêntica “arte do fazer” que tem parentesco com o “faça você mesmo” com práticas
multiformes e combinatórias: combinam os poetas-de-bancada e seus leitores. Neste sentido,
os folhetos de Cordel são produtos-mercadoria. Estes produtos-mercadoria são, de certa
maneira, o repertório com o qual os consumidores (leitores) fazem operações culturais e
políticas que lhes são próprias. Neste sentido, a resistência cabe na seguinte afirmação:
A análise tem mérito quando pode mostrar que se uma cultura dominada é
obrigada a funcionar,ao menos em p.arte, como cultura dominada, no
sentido em que os indivíduos dominados devem sempre viver com o que os
dominantes lhes impõem ou lhes recusam, isto não impede que ela seja uma
cultura inteira, baseada em valores e práticas originais que dão sentido à sua
existência (CUCHE, 2002, p. 152).
Não há, pois, como contestar a ambivalência das culturas populares que Grignon e
Passeron consideram como uma característica essencial. Para eles a cultura popular é ao
mesmo tempo uma cultura de aceitação e uma cultura de negação. Este dado leva uma
mesma prática a ser interpretada com participando de duas lógicas postas, o que aponta para
heterogeneidade que caracteriza as culturas populares. Estas são em certos aspectos mais
4
A resistência no Cordel aparece no uso vocabular que, intermediado de metáforas, os poetas se escondem
como que se protegendo, o silêncio foi muitas vezes cuidadoso.
88
marcadas pela dependência em relação à cultura dominante e, ao contrário, em outros
aspectos, mais independentes. E isto só se dá porque os grupos populares não estão sempre e
em toda parte confrontados ao grupo dominante.
Considerando-se os poetas populares, nos lugares e momentos em que eles se
encontram a sós, o esquecimento da dominação social e simbólica permite uma atividade de
simbolização original. Significa que o isolamento, mesmo quando ele representa
marginalização, pode ser fonte de autonomia e de criatividade cultural (CUCHE, 2002, p.
156-157). Neste compreender, o folheto “Se Deus fosse brasileiro” expressa este espaço de
autonomia e aponta a possibilidade de outros poetas e outros textos cordelinos ocupando o
mesmo espaço de resistência, contestação e luta. Foi desse espaço cronológico e
epistemologicamente considerado, que saíra a seguinte seleção de folhetos de Cordel:
89
FOLHETOS SELECIONADOS
N°
PERÍODO: 1960 - 1984
AUTOR
TÍTULO
ANO
PÁGINA
LOCAL
01
SANTOS, O. D.
O Juiz é você: Teremos um Brasil Forte com Jânio ma Direção.
1960
09
Sem indicação
02
TESTA DE FERRO (A.A.C.)
A Liga Camponesa e a Resposta a Julião.
1965
17
Sem indicação
03
PATATIVA DO ASSARÉ, A. G. da SILVA
O Padre Herique e o Dragão da maldade
1969
16
Olinda
04
SOUSA, José Francisco de
Porque o mundo é assim?
1969
08
Guarabira
05
SILVA, Tertuliano
Quem é? Quem é?
1970
07
Sem indicação
06
BRANDÃO, Humberto Gualberto
Quem foi o agricultor e o que está sendo hoje em dia.
1976
16
Assaré
07
IZIDRO, Zé
Os sem terra.
1977
10
Natal
08
BARROS, Homero do Rego
Direitos Humanos
1978
08
Recife
09
FARIAS, Manoel de
Desabafo ao Presidente
1979
14
Fortaleza
10
CARVALHO, Rafael de
A volta de Prestes
1979
08
São Paulo
11
CARVALHO, Rafael de
A Light deu a luz e o Brasil pagou o parto.
1979
20
São Paulo
12
SOUZA, Paulo Teixeira de
Cordel pela Anistia ampla, geral e irrestrita.
1979
12
Rio de Janeiro
81
90
FOLHETOS SELECIONADOS
N°
ERÍODO: 1960 - 1984
AUTOR
TÍTULO
ANO
PÁGINA
LOCAL
1980
08
Salvador
sertanejo.
1980
16
Maceió
13
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho
A Crueldade dos donos de Terra para com os pobres lavradores.
14
FEIRA, Zé da
É Hora de União: a conversa entre um camponês, um operário e um
15
MEDEIROS, Eugênio Dantas de
É bom votar consciente.
1981
12
Crato
16
FLÁVIO, José
Margarida, Flor de Briga da Campanha Trabalhista.
1983
08
Alagoa Grande
17
VÊ TUDO, Chico
Cz$ Cruzado UM foi trambique e Cz$ DOIS é tragédia
1984
19
Sem indicação
ANO
PÁGINA
LOCAL
FOLHETOS SUPORTES PARA A ANÁLISE
N°
AUTOR
TÍTULO
01
PEDROSA, Francisco
Se Deus fosse brasileiro
1977
08
J. Pessoa
02
LIMA, Manoel Basílio de
No Brasil vem assim (vol. 1)
s/ind.
08
Pesqueira
03
LIMA, Manoel Basílio de
No Brasil vem sendo assim (vol. 2)
s/ind.
08
Pesqueira
04
ANÔNIMO (publicação da C.D.H/ SECIPO/ A Vitória das professora de Pombos ou Deus sempre escuta o
s/ind.
18
Recife
CNBB Reg, NE, II)
clamor do povo unido.
82
91
3.1 Folhetos de 1960 a 1970
- O Juiz é você. Teremos um Brasil forte com Jânio na Direção, de D. G. Santos.
- A Liga Camponesa e a Resposta a Julião, de Testa de Ferro (A. A. C.).
- O Padre Henrique e o Dragão da Maldade, de Patativa do Assaré (A. A. Silva).
- Porque o mundo é assim?, de José Francisco de Sousa.
- Quem é? Quem é?, de Tertuliano Silva.
O JUIZ É VOCÊ. TEREMOS UM BRASIL FORTE COM
JANIO NA
DIREÇÃO
O folheto de D. G. Santos5 , com nove páginas, vinte e nove estrofes, ilustrado com
a foto de Jânio Quadros e o título bem distribuído à direita e abaixo da foto; formato
tradicional (10,5 X 15,5cm), impresso, em papel manilha para a capa e papel jorna1 para o
conteúdo, peIa tipografia São Luis, Av. 10, n° 1684. Não aparece registrado a indicação do
lugar, nem a data. Contudo, o autor situa sua produção no final do ano 60 do século passado e,
na última estrofe, se identifica como norte riograndense. A última estrofe dá a conhecer que o
folheto não fora encomendado, mas brotara da consciência política do vate potiguar:
Sou norte riograndense
Sou janista verdadeiro
E peço ao Brasil inteiro
Que antes de votar pense:
O Doutor Janio é quem vence
Eu tenho convição
Janista de coração
Proclamai de Sul a Norte:
Nosso Brasil será forte
Com Jânio na direção.6
O folheto é conduzido pelo mote Jânio na direção para fechar as estrofes de dez
versos em sete sílabas. Nas duas primeiras estrofes, o poeta apresenta os seus destinatários:
5
6
Há dificuldades de declinar-se os nomes relativos às D e G do nome do poeta por não ter sido, o até,
historiografado pelos estudiosos do Rio Grande do Norte.
Em nenhum momento o poeta acentua a palavra Jânio, o que denota a postura de um alfabetizado
político, sem o letramento diminante.
92
“Meus Senhores e Senhoras/ Solicito todos vós/ [...]/ Eu falo à pátria Genti1/ Meus Senhores
e Senhoras”. Na terceira estrofe aparece identificação dos destinatários, aparentemente
perdidos no lirismo, como “os polítizados” (SANTOS, 1960).
....................................................
Eu sei que estou falando
A um povo politizado
Povo de espírito elevado
De viva compreensão.
Da estrofe três até a décima, o poeta faz a apologia de Jânio. Esta é interrompida
com a estrofe onde o vate convoca seus leitores a uma luta em defesa da nação:
Aos meus irmãos Brasileiros
Eu conclamo nesta hora
Marcharmos para a vitória
Como valentes guerreiros.
Devemos ser dos primeiros
A defender a nação
Elegendo Janio, então
Já não há força que corte
A marcha de um Brasil forte
Com Jânio na direção
(SANTOS, 1960)
A conclusão da leitura de folheto de Santos possibilita compreender-se o contexto de
expectativa que pairava em relação à realidade nacional. O vate, na estrofe dezenove,
abandona o mote, para retomá-lo apenas na última. Esta digressão aponta para sua
espontaneidade e liberdade de não ter sido encomendado. Neste espaço epistemologicamente
livre, o que direciona a produção é o mote fático da popularização de Jânio e sua campanha:
“o homem da vassoura vem aí”. Com este mote Jânio concorria com o Marechal Teixeira
Lott, “o homem da espada”. No pensar do poeta, a vassoura, com a mesma eficácia de varrer
o terreiro, varreria a podridão nacional:
93
Com a vassoura em ação
Varre os trustes estrangeiros
Varre o lixo Brasileiro
Que contamina a nação.
O que causa infecção
Lança fora e passando
Pra todo setor olhando
Exterminando a desordeem
O Brasil só terá ordem
Jânio Quadros governador
(SANTOS, 1960)
A LÍGA CAMPONESA E A RESPOSTA A JULIÃO
Folheto assinado com o pseudônimo Testa de Ferro, tamanho tradicional (11 X 15,5
cm), impresso em papel jornal e a capa em papel manilha verde. A primeira capa apresenta
fotografia de Padre Cícero do Juazeiro, título, nome do autor e preço de cada exemplar, tudo
dentro de uma moldura em sofisticado recurso gráfico. A segunda capa apresenta as cinco
estrofes finais constituindo a página dezessete, sendo o conteúdo distribuído em 83 estrofes
em sextilhas de sete sílabas.
O folheto, nas primeiras estrofes (1 - 7) evoca, como de praxe, a inspiração divina e
já se define como um discurso autoritário de extrema direita. O poeta faz uma síntese da
história do Brasil, do ponto de vista autoritário, partindo da colonização até a gênese da Liga
Camponesa:
Agora as Ligas Camponesas
tomando as propriedades,
rasgando as escrituras
humilhando as autoridades
praticando injustiças
crimes e barbaridades
(TESTA DE FERRO, 1965).
As estrofes subseqüentes (8 a 15) são dedicadas ao deputado Julião, vindo do inferno
para criar a Liga Camponesa, enganado o “povo tolo” contra a ordem natural e santa querida
por Deus:
94
Deus quer os homens assim
um do outro diferente
um rico e outro pobre
um manso e bem decente
um branco e outro preto
um quieto e outro contente .
(TESTA DE FERRO, 1965)
A partir de então, estrofes 16 a 25, faz uma leitura dos evangelhos para justificar a
desigualdade e as diferenças sociais como expressão da vontade de Deus a quem o
comunismo se contrapõe:
Jesus que falou assim
mostrando a desigualdade
e como esse comunismo?
só quer mostrar a igualdade
quer ser mais do que Deus?
Desmentindo a sua verdade?.
(TESTA DE FERRO, 1965)
Em seguida, tem-se uma apologia do autoritarismo e um escárnio a Julião “agitador
dos camponeses” (estrofes 26 a 43). Os políticos democratas e libertadores são considerados
com inspirados no demônio (estrofes 44 a 63) porque Fidel Castro é bisneto de Lúcifer:
Julião foi escolhido
como Judas Iscariotes
Judas para vender Jesus
e Julião vende os magotes
de brasileiros que se levantam
contra a Igreja e sacerdotes.
A prova é que ele leva
Todo mundo que quizer
de graça ir p´ra Cuba
tanto homem como mulher
visitar o Fidel Castro
bisneto de Lúcifer
(TESTA DE FERRO, 1965)
95
As estrofes seguintes (64 a 68) contêm um apelo do poeta ao governo federal
brasileiro no sentido de tomar posição contra Julião, conter o avanço democrático porque a
Liga Camponesa é satânica:
E você o nosso Governo?
com seu braço potentado
não está vendo seu país
ficando desmoralizado?...
porque não acaba com isso
e deixa o povo descançado?
Essa Liga Camponesa
é da parte de Satanaz
quem estiver dentro dela
esse não se salva mais
está perdido para sempre
até os restos mortais (Idem).
Depois de satanizar a Liga Camponesa, nas últimas estrofes (69 a 83), o poeta traça
o perfil do socialismo de modo que nada de humano, nem de justo aparece porque o próprio
Julião é encarnação de Satanaz:
Primeiro mata os padres
e todo povo cristão
pra não ficar na terra
sinal de religião
é o poder de Satanaz
na pessoa de Julião (Idem).
O PADRE HENRIQUE E O DRAGÃO DA MALDADE
Folheto de autoria do cearense Patativa do Assaré7, publicado em 1969, com 16
páginas, formato 16 X 12 cm, ilustrado com clichê, moldurado em retícula, título em caixa
alta vazada; capa em papel manilha amarelo, o conteúdo impresso em papel jornal, totalidade
7
PATATIVA DO ASSARÉ é o pseudônimo de Antônio Gonçalves da Silva, conforme aparece em
assinatura, em manuscrito, na segunda capa do folheto, para que se justifique o apelativo recebido.
96
sessenta e três estrofes de sete sílabas. Conforme informação da página 16, o folheto foi
divulgado pela Arquidiocese de Olinda e Recife8.
Nas cinco primeiras estrofes, o poeta justifica a sua ligação ao tema quando se
apresentou como homem das letras populares, um cantor dos sentimentos alheios, dos casos
bonitos e feios; amigo da família humilde, ele canta a mágoa e a tristeza. Literalmente, diz:
“... e canto o pobre que chora/ pelo pão de cada dia [...] e canto as injustiçados/ que vagam
no mundo afora”.
Da estrofe seis a vigésima primeira, notifica-se a tragicidade do assassinato de Padre
Henrique (27/05/1969) com riqueza de detalhes. Justifica o título de sua obra
contextualizando o conflito entre a Igreja católica e o poder repressor, onde Dom Helder
Câmara aparece como o verdadeiro alvo a ser atingido pela força do dragão da maldade:
Por causa do seu trabalho
que só o que é bom almeja
o espírito da maldade
que tudo estraga e fareja
fez tristes acusações
contra Dom Helder e a Igreja.
Os dito telefonemas
faziam declarações
de matar 30 pessoas
sem ter dó nem compaixão
que tivesse com Dom Helder
amizade ou ligação.
Veja bem leitor amigo
quanto é triste esta verdade
o que defende os humildes
mostrando a luz da verdade
vai depressa perseguido
pelo dragão da maldade (PATATIVA DO ASSARÉ, 1969).
8
Em uma conversa mantida com Patativa do Assaré, em 1976 na Casa Juvenal Galeno, em Fortaleza, confessava
o autor a propósito do folheto: “Fiz o folheto na minha solidarização, no manuscrito de caderno presenteei ao
bispo Padre Helder, lá no dia da missa de requiem do Padre assassinado, a diocese imprimiu e me mandou
assinar na capa dois, não mexeram em nada do verso, mas deu ao povo a posição da gente.
97
Prossegue o poeta, nas estrofes vinte a trinta e um, fazendo uma reflexão, à luz da
teologia popular, sobre a posição da Igreja em favor dos pobres e contra os poderosos. Em
dezessete estrofes (da 32ª à 49ª), contextualiza o fato, citando e comentando a invasão do
DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Universidade Católica; o seqüestro do estudante
Cajá que, segundo o poeta, foi acusado de comunista com argumentos falaciosos. Após um
comentário ao conceito de comunismo, com muita autoridade, contextualiza a práxis
libertadora da Igreja dentro da conjuntura latino-americana:
Mostrando a mesma verdade
de Jesus na Palestina
o movimento se estende
contra a opressão domina
sobre os nossos irmãos pobres
de toda América Latina.
Por este motivo a Igreja
nova posição tomou,
dentro da América Latina
a coisa agora mudou
o bom cristão sempre faz
aquilo que Deus mandou.
Pois vemos o estudante
Pelo poder perseguido,
o operário agricultor,
o nosso índio querido
e o negro? Pobre coitado!
é o mais desprotegido (Idem).
Na questão da opressão ao negro, cita o Navio Negreiro de Castro Alves quando o
evoca, como argumento de autoridade, para a sua crítica sócio-política. As estrofes cinqüenta
a cinqüenta e dois concentram a desculpa do poeta, com um diálogo com o leitor, por ter
interrompido a narrativa com a conscientização sócio-política. Retoma, nas estrofes cinqüenta
e três até o final, a tragicidade do assassinato do padre, trata do velório, descreve o séqüito
processional até o sepultamento mediado pelo estribilho cantado pelo povo: “Prova de amor
maior não há/ que doar a vida pelo irmão!”
98
PORQUE O MUNDO É ASSIM!?
O folheto é de autoria de José Francisco de Souza, formato tradicional (10, 5 X 15, 5
cm), ilustrado com xilografia de J. Barros, denotando um escritório burocrático, capa
impressa em papel manilha amarelo, trazendo na segunda capa reclame de propaganda de
outras produções do autor. O folheto foi impresso pela Tipografia Pontes, rua Prof. Manuel
Simões, 20 em Guarabira (Pb), num total de oito páginas com trinta e duas estrofes em
sextilhas de sete sílabas.
O poema começa com o vate justificando o seu texto constituído de reflexões
pessoais sobre a desigualdade social que o possibilita, nas estrofes de um a cinco, ver o
mundo como realidade cósmica e como relações sociais, encerrando grandes contradições:
“aliás! o mundo é bom/ mas o povo é desumano”.
Nas estrofes seis a nova, questiona a burocracia das instituições, evidenciando o
joguete dos dignitários a quem são submetidos os pequenos e subalternos:
Se ouve a voz do gerente
com seu feroz linguajar
a secretária inda diz
faça favor de sentar
ou asentado ou de pé
que ele vai demorar.
Esse ele é o gerente
por mais muito importante
traçando planos injustos
de roteiros estravagantes
só afim de humilhar
o outro seu semelhante (SOUZA, 1969).
Como um notabilizado poeta barroco, no culto do contraste, faz declinar as antíteses
das relações sociais no teor das estrofes dez a dezoito. Com este recurso, desenha a sociedade
99
marcada pela competição e pela tentativa de fazer valer a injustiça como normalidade. Neste
contexto, faz uma crítica pertinente ao poder legislativo na conjuntura da contradição:
Os criadores das leis
têm as fúrias dos leões
fazem ardilosamente
com segundas intenções
somos vários Pintanhinhos
entre ágeis gaviões.
Se um luta pela paz
o outro prefere a guerra
Se um chora quando peca
o outro rir quando erra
é isso que a gente ver
aqui no planeta Terra (Idem).
Nas estrofes dezenove a vinte e quatro, critica e lamenta a falta de decisão política
para a solução das desigualdades sociais que se sustenta com a hegemonia militar. Conclui, a
partir da estrofe vinte e cinco até a final, com a convocação à mudança. Evoca o filósofo
Santo Agostinho, como modelo de reflexão filosófica, para a solução da questão da
desigualdade e, a um tempo, confessa sua co-responsabilidade pela situação, mas racionaliza a
sua culpa ao fazer um auto-julgamento. Fecha o folheto o mesmo questionamento motivador
do tema, o que corresponderia, numa abordagem científica e letrada, às considerações finais:
E o que falta no povo
primeiro falta união
segundo falta respeito
terceiro, compreensão
quarto boa vontade
quinto educação.
Quem me dera um dia ser
Igual a Santo Agostinho
nas suas filosofias
ensinando com carinho
porém meus erros são graves
só, que não erro sozinho.
100
Parece ir muito longe
tudo cheio de pasquim
precisa de corrigenda
pra tudo isso ter fim
ninguém se livra do esmo
eu pergunto a mim mesmo
porque o mundo é assim? (Idem).
QUEM É? QUEM É?
O poeta Tertuliano Silva de quem não se dispõe de informações biográficas,
produzira o folheto em 1970, sem indicação do local de publicação, em sete páginas, com
doze estrofes de quatorze versos em decassílabos. Cada estrofe se desenvolveu em torno do
mote “Minha gente, é o Partido/ Comunista do Brasil”. A impressão em papel A4, sendo a
capa amarela com ilustração em desenho a nanquim, retratando uma assembléia do Partido
Comunista do Brasil, sobressaindo o braço forte do operário, a presença feminina na luta e os
símbolos do partido impressos em flâmulas tremulantes.
As três primeiras estrofes mostram que a militância no Partido Comunista do Brasil
assombra a Ditadura e preserva a vida porque quem luta junto é classe operária não vê a força
adversária e amedronta os “donos do fuzil”.
Quem junto à classe operária
luta na frente do povo
que sendo velho é novo
não vê força adversária
e nunca foge da raia,
quem na floresta Araguaia
depositou a semente
da grande luta da gente
pela pátria libertada,
quem já não teme a mais nada
pois ao contrário é temido
pelos donos do fuzil?
Minha gente, é o Partido
Comunista do Brasil! (SILVA, 1970)
101
As estrofes seguintes (4 a 9) fazem uma leitura da presença real ou virtual do Partido
Comunista do Brasil nas lutas operárias universitárias e sindicais. A linguagem trabalhada cita
líderes da luta no Araguaia como mostram as estrofes abaixo:
Quem é o sábio partido
da nossa revolução
que tem sempre combatido
contra toda exploração,
qual o rumo que não muda
de João e de Arruda
de Maurício e de Pomar,
quem tem a força do mar
a destreza de um raio
a beleza de uma balaio
de verdura preenchido
quem é assim como um rio?
Minha gente, é o Partido
Comunista do Brasil!
Quem luta contra o governo
dos generais terroristas
e a ele por um termo
não perde nunca de vista,
quem tem estado presente
seja de noite ou de dia
na batalha permanente
contra a triste carestia
por um aumento de ordenado
por trabalho e moradia
junto do povo oprimido
enfrentando todo ardil?
Minha gente, é o Partido
Comunista do Brasil!
A sempre e mesma pergunta, que separa os doze versos do mote que responde a
cada pergunta em cada estrofe, destaca o caráter pedagógico do poeta fazendo educação
popular. Neste escopo, as estrofes finais (10 a 12) explicitam a doutrina e a eficácia do Partido
Comunista do Brasil nas lutas nacionais. A utopia do partido aparece muito próxima da vida
do leitor (na barriga e no coração = fome e amor) como lê-se na última estrofe:
Quem e a voz do futuro
desta era sem ter peia
onde a barriga é cheia
102
onde o ar é sempre puro
onde o lume que clareia
clareia tudo igualmente,
onde o bem comum a gente
por todos é repartido,
quem é a voz desse tempo
em que o amor sopra no vento
quando tudo é permitido
ao seu povo varonil?
Minha gente, é o Partido
Comunista do Brasil! (Idem)
3.2 Folhetos de 1971 a 1979
-
Quem foi o agricultor e o que está sendo hoje em dia, de Humberto Gualberto
Brandão.
-
Os sem terra, de zé Izidro.
- Direitos Humanos, de Homero do Rego Barros.
-
Desabafo ao Presidente, de Manoel Farias.
- A volta de Prestes, de Rafael de Carvalho.
-
A Light deu a luz e o Brasil pagou o parto, de Rafael de Carvalho.
-
Cordel pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, de Paulo Teixeira de Souza.
QUEM FOI O AGRICULTOR E O QUE ESTÁ SENDO HOJE EM DIA
Cordel escrito por Humberto Gualberto Brandão8. Humberto é pseudônimo de
Francisco, como explica o autor na página nove do texto, editado pela organização sindical
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Assaré. Folheto de 16 páginas, conteúdo impresso em
papel jornal, capa em papel manilha azul; tamanho padrão (11 x 16 cm). A primeira capa
ilustrada com xilogravura de Dinda, retratando um lavrador em traje típico ao lado do dono da
8
O poeta Humberto é cearense, sindicalista da comunidade Vila de Caiçara, em Assaré (Ce).
103
terra exibindo um cheque; ao fundo uma casa rústica e cavalos na cocheira, com moldura de
retícula; na parte superior indicação do autor e título em negrito; na parte inferior um
subtítulo: “A organização sindical e o trabalhador rural antigamente e hoje” e “Meu adeus ao
Sindicato”. Na segunda capa, aparece o clichê do autor, acróstico e propaganda para a
distribuição do folheto, via sindicatos e atendendo.pedidos pelos correios. A primeira parte,
da página um a oito, contendo 24 estrofes em sextilhas e septilhas de sete sílabas; as páginas
nove e dez contêm três parágrafos em prosa informando sobre a vida sindical do autor
(delegado sindical, suplente de secretário, secretário interino e eleito tesoureiro na chapa do
presidente Djalma Alves Pereira). A segunda parte, da página onze a dezesseis, contém doze
estrofes em dez moderno com versos de sete sílabas.
O poeta, nas estrofes de um a nove, apresenta a situação do homem do campo antes
da criação dos sindicatos, sem amparo, isolado, sem representação, sem organização e vítima
de despejos e execuções injustas:
Não faz nem muito tempo
que o trabalhador Rural
não tinha nenhum amparo
e nem era social
pois isto acontecia
sem movimento sindical.
Sem ter organização
era de tudo isolado
somente com a.família
trabalhando no roçado
muitas vezes acontecia
que injustamente sofria
quando era executado.
De nada era consciente
sem nenhuma evolução
vivendo muito isolado
sem nenhuma proteção
vivendo nos matagais
igualmente os animais
não tinha representação (BRANDÃO, 1976).
104
O texto cresce apresentando a gênese do sindicalismo, a função dos sindicatos
lamentando a situação de quem não é sindicalizado (estrofes 10 a 15), apresenta como se
tornar sindicalizado (16-17), a estrutura dos sindicatos (18-19) e os benefícios trazidos ao
trabalhador rural pelos sindicatos (19-25,28 e 30). As estrofes 26,27 e 32 apresentam a função
educativa dos sindicatos dentro dum processo contínuo de conscientização:
O Sindicato procura
se organizar e crescer
e isto é muito simples,
só basta o povo entender
se reunir e ter coragem
união e a melhor vantagem
para tudo se resolver.
Ajudando a esclarecer
cada um aprende mais
é um dever pagar em dia
as obrigações sociais
e a contribuição sindical
que é base fundamental
nas vivências sindicais (I (BRANDÃO, 1976)
A segunda parte, nas estrofes 1 a 6, o poeta se despede da direção sindical com
clara consciência democrática da renovação do corpo dirigente; prossegue manifestando
confiança na diretoria eleita, conclamando o apoio dos associados (estrofes 7 e 8) e conclui
com uma apologia do sindicalismo, colocando-se disponível com os seus serviços ( 9-12):
Quem trabalha em Sindicato
precisa ter bom talento
pra ser companheiro exato
e dividir o sofrimento
eu não sei do que mereço
mas com gosto ofereço
pra quem de mim precisar
de tudo que eu aprendi
estou pronto para servir
em assunto particular (Idem).
105
OS SEM TERRA
Folheto de autoria de Zé Izidro Sobrinho, poeta potiguar nascido em Lages,
cantador-repentista, apresenta tamanho 11,5 x 16 cm, capa azul em papel manilha e o seu
conteúdo impresso em papel jornal, num total de dez páginas. A produção final, do Projeto
Chico Traíra, n° 27, da Fundação José Augusto, é constituído de 18 sextilhas em sete sílabas e
mais seis estrofes em martelo agalopado9, contendo uma crítica de pertinência sócio-política
ao poder econômico dominante. A ilustração em xilogravura de Francico de Assis, Trajano,
potiguar de Ceará-Mirim (RN), retrata uma família sem terra como descreve a seguinte
estrofe:
Os sem terra não têm nada
telefone é um grito,
Seu transporte e uma carona
Guarda-roupa um cambito
Sofre cada violência
Que as vezes não acredito (IZIDRO, 1977).
Três grande momentos constituem a obra, nas estrofes um a doze, o poeta descreve
os sem terra na busca de espaço para trabalhar. Exaltando José Rainha como líder, faz uma
reportagem da vida nômade marcada pela violência, luta e resistência à opressão:
Quanto sangue derramado
Quantos corpos estendidos
E dos canos dos revólveres
Só se ouve os estampidos
Homens morrem, mulher chora
Só se vê os alaridos.
Eu não vou dizer o nome
De quem apanha na cara
Nem vou citar a fazenda
Aonde a arma dispara
A violência no campo
Há muito tempo não para (Idem).
9
Martelo agalopado é um gênro poético peculiar dos poetas-repentistas de complexa composição em
decassílabo.
106
O segundo momento (estrofes 13 a 18) é constituído de um paralelo entre os Sem
terra e os seu teto, aqui o poeta aproxima estes dois. seguimentos num mesmo movimento.
Finalmente, no terceiro momento, desenvolve o mote TERRA BOA NO MUNDO TEM
SOBRANDO, O QUE FALTA É QUEM FAÇA DIVISÃO (19-23), reclamando Reforma
Agrária, especialmente cita o Pará, Piauí e o Maranhão, meio a uma consistente crítica ao
poder econômico. Não escapa à crítica do vate os mais eloquentes projetos do país:
Vive o pobre sofrendo na enxada
Sobra terra pro rico plantar cana
O Pro-alcóol, Braz Fruta exige grana
Deixam o pobre sem ter direito a nada
Quando existe uma terra irrigada
Só tem vagas para uns e outros não
Porque nem no Projeto Boqueirão
Tem lugar para quem vive mendigando!
TERRA BOA NO MUNDO TEM SOBRADO
O QUE FALTA É QUEM FAÇA DIVISÃO (Idem).
DIREITOS HUMANOS
No tamanho tradicional (15,5 X 16 cm), folheto escrito em sextilhas de sete sílabas,
num total de 32 estrofes distribuídas em oito páginas, de autoria do poeta Homero do Rego
Barros, pernambucano, conhecido como trovador de Olinda e Recife. Publicação registrada
sob o número 21, na Ordem Brasileira do Poetas da Literatura de Cordel. A primeira capa
impressa em papel manilha azul, ilustrada com xilogravura de Marcelo, retratando um
cidadão ajoelhado diante um militar sob a legenda “Respeite os Direitos Humanos!”; na parte
superior o nome do autor e na inferior o preço de venda do folheto. A segunda capa traz o
anúncio de cinco folhetos a serem publicados pelo autor. O conteúdo, impresso em papel
jornal, conclui-se com o acróstico denotando a assinatura do poeta: Homero.
Nas estrofes um a oito, o poeta evidencia a atualidade do tema, discute a contradição
entre as expressões “direito da força” versus “força do direito”, fazendo sob este binômio uma
107
reflexão ético-antropológica. Em doze estrofes (de 9 a 20), reclama garantia para os Direitos
Humanos depois de tê-los relacionado à democracia que se constitui pela paz, que não é senão
a ausência da discriminação, da carestia e da desilusão:
Sim, os Direitos Humanos
Carecem de garantia
Injustamente se prende
Ou se mata, à revelia...
Sem vigilância total
Não tem o povo harmonia (BARROS, 1978).
Em seguida, situa a contradição entre a propaganda dos Direitos Humanos e a práxis
política do governo no trato com os cidadãos (21-28). Ao final do texto (29-32), o poeta se
desculpa, num diálogo com o leitor, por não ser político, mas se sabe crítico dando um parecer
sobre a situação nacional:
Honesto por natureza
O meu parecer dar quis
Mas os Direitos Humanos
Estão nas mãos do país
Rabisco estrofes, porém
O presidente é o juiz (Idem).
DESABAFO AO PRESIDENTE
Folheto de autoria do cearense Manoel de Farias (Chagas), tamanho padrão (11,5 X,
16 cm) com 14 páginas num total de 35 estrofes em sextilhas de sete sílabas. Editado pela
Nação Cariri, com o apoio da Livraria Gabriel, tem a capa ilustrada com o desenho de Neto,
visualizando a caricatura de um lavrador e do presidente João Figueredo. Os dois aparecem de
pé num chão rachado pela seca e ornado com caveira de animal de grande porte, cavalo ou
jumento. Sem prescindir da tradição, a capa é impressa em papel manilha róseo e o conteúdo
em papel jornal sob a garantia de Aguiar Junior como editor.
108
O folheto é aberto com o endereçamento do seu teor ao Presidente da República de
então, João Figueredo, que desde a primeira estrofe até a décima segunda, apresenta apelo ao
chefe da nação a perceber a situação do homem do campo. Justifica os saques a supermercados não pela maldade ou bandidagem humanas, mas pela determinação da situaçãolimite de fome e miséria. Sabendo que a responsabilidade não é de Deus, mas do governo,
suplica melhores salários, austeridade administrativa e direito ao voto direto:
Por favor sua Excelência
Num vá se aborrecer
De nós viver perturbando
A cabeça de vós micê,
Pois nós todos aqui sabe
Que o senhor tem o poder.
É só o senhor querer
Miora essa situação
Pois vós micê é a força
Dessa imensa nação
Faça essa caridade
Pra nós aqui do sertão!
Nós num quer muita coisa
Apenas o principá
Comida pro nosso povo
Aumento salariá
E que nós tenha direito
De pra presidente vota
.
Só o Senhor tem recurso
Pro nosso sertão amparar
Excelência e home forte
É governo pra mandar
É só apertar o Delfim
E a inflação vai acabar (Idem).
O poeta prossegue, nas estrofes l3 a 20, tipificando o dual cansaço do povo
nordestino: o físico pelo trabalho e a fome; o moral pela confiança depositada nos políticos e
a decepção diante promessas não cumpridas:
Mas com o passar do tempo
A coisa foi crariando
O João que era santo
109
Pecador foi se tornando
E a fome no interior
Depressa foi aumentando (Idem).
Da ironia religiosa da estrofe citada, o poeta, nas estrofes 21 a 35, desculpa-se por
seu falar simples, contundente, mas verdadeiro; revisa a posição eleitoral do povo nas
“eleições indiretas”, promete e compromete o voto não mais com o presidente, mas com a
justiça. O poeta termina ressaltando que seu folheto é a sua leitura da situação nacional:
Tudo isso é a visão
Que mostra o nosso país
O povo continua triste
Cada vez mais infeliz
E o Senhor Excelência
Nunca cumpre o que diz.
Por favor seu Presidente
Ampare o nosso sertão
Desculpe de não falar
Certas coisas com precisão
Apenas nós desabafa
As magoas do coração”.
A VOLTA DE PRESTES
Folheto impresso em papel ofício branco, tamanho tradicional (11,5 X 15 cm); capa
ilustrada com desenho em nanquim figurando, em primeiro plano, Luis Carlos Prestes de
perfil, militantes em vários pontos e, aos fundos, um cavalo em tamanho destacável. A
primeira página contém um texto, uma estrofe de Pablo Neruda exaltando Prestes, na página
três outro desenho de Prestes; na página cinco, uma espécie de folha de rosto, o conteúdo tem
início na página sete. Num total de 15 páginas, contendo 16 estrofes, cada uma concluindo-se
com o mote A VOLTA DE PRESTES E/ NOSSA ESPERANÇA VOLTANDO. A autoria do
folheto, mesmo tendo sido editado em São Paulo, é do paraibano Rafael de Carvalho,
110
radicalizado em São Paulo há anos e que durante algum tempo usou o pseudônimo Misael
Borborema, usando hoje o acróstico RAFAEL.
O poeta abre o folheto invocando não a musa do Paranaso, mas a musa
revolucionária para declamar o retorno de Prestes, trazendo esperanças para a mãe
trabalhadora, para os pobres pescadores nordestinos, para as crianças e para os operários em
luta (estrofes 1 a 10). A metáfora .que marca o texto (estrofes 11 a 16) é a de exaltação ao
comandante revolucionário como mito que atende à súplica do povo:
Prestes, assuma o seu posto
-nós o estamos delegando
Os oprimidos perguntam:
Oh! companheiro até quando?
Que seja a sua presença
Nossa esperança voltando! (CARVALHO, 1979)
A LIGHT DEU A LUZ E O BRASIL PAGOU O PARTO
Folheto também de autoria do poeta Rafael de Carvalho, tamanho tradicional (15,5
X 16 cm), capa dura amarela, ilustrada com desenho a nanquim de um polvo cuja cabeça é
uma lâmpada. Contendo dez páginas, portando cem estrofes em sextilhas de sete sílabas,
publicado em maio de 1979 em São Paulo.
Sob o influxo da mitologia ideológica do autor, nas estrofes um a cinco, evoca a
“musa operária”, compõe seu público alvo: operários, crianças, companheiros. Para este
auditório é que declama o seu poema que é um sonho com a democracia. A sua grande
aspiração é a inversão da lógica dominante (estrofes 6 a l3) pela tomada do poder até então
retido pela minoria privilegiada e dominante. Nas estrofes l4 a 16, o poeta se apresenta como
tal preparado e militante do movimento de libertação, denunciando a situação de autoritarismo
no país. Como ponto condutor, a corrupção da Light orquestrando políticas corruptas e novos
corruptos seguidores, permeia todo o texto. Destaca no seu trabalho, João Mangabeira como
111
corajoso e subversivo dentro da visão do sistema opressor (17 a 27). Protesta sobre as taxas
exorbitantes do Truste (28 a 31) para, em seguida, declinar momentos de manipulação da
economia e da política administrativa do país sob interferência da Light e em detrimento do
povo brasileiro (32-65).
As estrofes 66 a 76 possibilitam o poeta relacionar a Light à custódia nacional dos
governos militares cuja hegemonia fica insuportável. Para tal situação, o poeta reclama
democracia e liberdade de comunicação:
Por isso este povo irmão
Terá que se libertar
Da tutela de governos
Sempre a nos intimidar
Com suas metralhadoras
Pra ninguém poder falar.
Viveu a Light a roubar
Desde a sua implantação
Para ela não tinha povo
Leis ou Constituição
E dela São Paulo é vítima
De enchente e inudação
Arrebenta o coração
A gente ter que pagar
Pelo mal que ela nos fez
Francamente e de lascar!
Tem que haver democracia
Pra gente denunciar! (CARVALHO, 1979b)
O poeta, nas estrofes 79 a 90, faz, uma nova leitura da Light do ponto de vista do
oprimido, em seguida conclui criticando o autoritarismo (91 a 100):
Ministro. .. nós concordamos
Em sorrir com alegria,
Sabendo que alguém nos deu
Com tanta sobranceria
Um tesouro sem ferir
A nossa soberania!
Só que a gente desconfia
E acompanha interessado
112
O desfecho que o Congresso
Ordenará com cuidado
Mostrando a toda Nação
Que o povo não foi lesado.
Nosso povo organizado
Cobrará com valentia
Uma prestação de contas
Dos “home” esta alegria
Quando a gente passa fome,
E faz greve todo dia (Idem).
CORDEL PELA ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA
Paulo Teixeira de Souza, nordestino nascido em região serrana, como declara na
estrofe 29, residente no Rio de Janeiro, muito popular na Feira de São Cristóvão na década de
70 do século passado ao lado do poeta Santa Helena. O folheto na forma tradicional (1l X l6
cm), composto em 11 páginas com 31 estrofes em dez, moderno. Na segunda metade da
página 11 até a página 12, aparece uma propaganda em versos, divulgando um folheto a ser
publicado pelo autor. A capa impressa em papel manilha amarelo e o conteúdo em papel
jornal. A ilustração da primeira capa, em xilogravura de J. Borges é uma gaiola com uma
janelinha aberta por onde escapa um pássaro. A segunda capa traz reclames comerciais
patrocinando a impressão.
Como os clássicos do Cordel, o poeta evoca a inspiração por ter que versar um tema
de grande importância: a anistia. Desde a primeira até a nona estrofes questiona a lei e a ética
nacionais que tiram a liberdade dos questionadores e críticos do sistema dominante, para
assegurá-la aos corruptos: os subversivos são presos, mas o bajulador está sempre em
liberdade. Por esta postura o poeta teme perder a sua liberdade e se defende:
Senhores donos da Nação
não me coloque na grade
estou falando a verdade
nesta minha narração
sou um poeta cristão
113
abençoado por Deus
escrevendo os versos meus
dentro da democracia
emplorando a anistia
em favor dos irmãos meus (SOUZA, 1979).
Nas estrofes seguintes (10 a 19) a luta que o poeta assume pela anistia é sua e de sua
esposa; trata-se de uma luta animada por personalidades da história do país e da sua história
familiar: Carlos Prestes, Tiradentes; o seu pai um operário engajado e comprometido com a
categoria; o seu avô, um ambulante esclarecido e, finalmente, uma enfermeira de quem omite
qualquer informação. As estrofes finais (de 20 a 31) apresentam, a sua indignação com os
órgãos públicos, as instituições de.gestão e contra a fiscalização ineficiente do governo. É
muito forte o seu protesto contra a desigualdade social:
“Não sou um poeta letrado
só estudei o primário
como simples operário
vou vivendo atribulado
em vê tanto troço errado
em meu amado torrão
olho a grande ambição
uns em lindos aposentos
outros sobre os relentos
dormindo no frio chão (SOUZA, 1979).
3.3 Folhetos de 1980 a 1984
- A Crueldade dos donos de Terra para com os pobres lavradores, de Rodolfo
Coelho Cavalcante.
- É Hora de união: a conversa entre um camponês, um operário e um
sertanejo, de Zé da Feira.
- É bom votar consciente, de Eugênio Dantas de Medeiros
- Margarida, Flor de Briga da Campanha Trabalhista, de José Flávio.
114
- Cz$ Cruzado UM foi trambique e Cz$ Cruzado DOIS é tragédia, de Chico Vê
Tudo.
A CRUELDADE DOS DONOS DE TERRA PARA COM OS POBRES
LAVRADORES
Folheto de autoria do chamado Trovador Brasileiro, Rodolfo Coelho Cavalcante,
alagoano (1919-1986) de Rio Largo, tendo vivido a maior parte de sua vida em Salvador da
Bahia. O folheto segue o padrão normal (11 X 15,5 cm); conteúdo impresso em papel jornal,
em septilhas de sete sílabas, num total de 32 estrofes em oito páginas e a capa impressa em
papel manilha verde. A primeira capa ilustrada em xilogravura mostrando o encontro entre
um lavrador e um dono de terra, ladeados por três cães; a segunda capa traz uma foto do poeta
e uma mensagem de Natal e Ano Novo referente a 1980-1981 respectivamente.
As primeiras estrofes do folheto (1 a 8) partem da lamentação a Deus pelo conflito
de terra envolvendo fazendeiros, lavradores e grilheiros. O ponto convergente da narrativa é a
Fazenda Penedo da Lagoa Abaeté situada na gestão administrativa do prefeito Mário Kertesz
em Salvador. Salvador é o ponto de partida para uma abordagem mais ampla:
Se um caso desse acontece
Hoje em nossa Capital
Avalie no interior
Em toda zona rural.
O camponês se aterra
Com os tais donos de terra
Pela maneira brutal (CAVALCANTE, 1980).
As estrofes seguintes (6 a 16) apresentam a situação dos lavradores, sustentando a
narrativa no argumento de autoridade do jornal; destacando a posição política do bispo da
115
Diocese de Juazeiro, o defensor dos humildes camponeses. Como crítico da realidade, o poeta
tem clara convicção:
Só se ler pelos jornais
A triste realidade
Da ambição e do crime
De pior perversidade,
De ricaços Fazendeiros
Vão expulsando os roceiros
Sem a menor piedade.
Não é querer se tomar
A propriedade alheia
Porém merece respeito
Quem não tem barriga cheia,
Se há Lei pro trabalhador
E por que o Agricultor
Por recompensa: é cadeia?... (Idem)
Nas estrofes 17 a 25 o poeta faz uma leitura panorâmica da realidade conflitiva,
crítica a ineficiência da legislação nacional para comentar sobre o êxodo rural causando a
situação de marginalidade urbana:
Não pode continuar
Essa terrível opressão
Contra os pobres camponeses
Que perdem seu próprio chão...
Sem terras para lavrarem
E nem Lei para se apegarem
Têm que deixarem o sertão.
O que acontece leitores
É o êxodo infernal
Dos lavradores correndo
Diretos pra Capital
Não há Urbe que suporte
Tudo por hora da morte
E a onda de marginal (Idem).
116
A parte conclusiva (estrofes 26 a 32) trata da superlotação urbana causada pelo
êxodo rural forçado pelas expulsões. As duas últimas estrofes reafirmam a postura de
resistência à opressão e o manifesto de protesto em favor do povo:
Eu não quis neste folheto
Através de minha critica
Defender Autoridades
Nem também fazer política
Ao rimar um livro novo
Olho o problema do povo
Que tanto se sacrifica.
Respeito o dono de terras
O chamado Fazendeiro
Desde que ele seja humano
Olhando para o roceiro
Lavro aqui o meu protesto
Folheto que é um manifesto
O mais tudo é verdadeiro (Idem).
É HORA DE UNIÃO: A CONVERSA ENTRE UM CAMPONÊS, UM OPERÁRIO
E UM SERTANEJO
Folheto composto em sextilhas, com quarenta e três estrofes, num total de 16
páginas. Impresso em papel jornal, a primeira capa ilustrada com desenho a nanquim,
mostrando um camponês, um operário e um sertanejo, cada um com o seu instrumento de
trabalho, de braços entrelaçados, como que em desfile, numa estrada e sob um sol causticante.
Apesar de uma narrativa, o folheto é caracterizado, segundo a norma de classificação
do Cordel, como pertencente a categoria “peleja” por se tratar de um encontro entre três
profissionais para um debate sobre sindicalismo. Do ponto de vista da literatura erudita, é um
auto trabalhista onde o poeta, de pseudônimo Zé da Feira, é o narrador. Sob o enfoque da
epistemologia, faz-se um seminário sobre educação popular.
Nas primeiras estrofes (1 a 3) o narrador situa, históricamente, cada personagem a
entrar em cena, no contexto ideológico “hora de união”. As estrofes 4 a 6 constituem-se da
117
auto-apresentação dos atores ( operário, camponês e sertanejo) nas expressões “Sou pobre
operário/ Sofredor desta Nação”; “Já eu sou trabaiadô/ Da zona canavieira” e “Eu é que sou
sofredô/ Sertanejo do sertão”. Nas estrofes seguintes (7 a 15) o operário abre o diálogo e o
camponês introduz os temas sindicalismo e escolaridade de modo que na fala dos três o
operário se sobressai como detentor de escolaridade e de saber. A conclusão é que os três se
sabem unidos pelo sofrimento e pela resistência ao autoritarismo de modo que o sertanejo, na
condição de educando popular, na prática pedagógica, pergunta ao operário:
O cumpanhêro operário
Que aqui está presenti
E faiz parte duma crasse
De homens inteligenti
Me diga: por quá.motivo
Se toma terra da genti? (FEIRA, 1980)
A resposta é progressiva numa profunda discussão para a compreensão do que seja
latifundio. A conversa, que conduz dialeticamete à conclusão, se faz a nível e aprendizagem
popular como lê-se nas falas seguintes do operário e camponês respectivamente:
Latifundio é um mal
Que já ganhou proporções
Acabando brutalmente
Com inúmeras plantações
Deixando pro agricultor
Somente lamentações.
Se isso é latifundio
Não precisa inteligença
Pra sabê que essa coisa
Acaba curn quarquer crença
Pro rico e força e pudê
Pro pobre é fome e doença (Idem).
No bloco estrófico seguinte (de 27 a 40), o camponês quer saber qual a saída para a
libertação do autoritarismo dos latifundiários: “Me diga: pra acabar com isso/ Quá é o
caminho certo?” O diálogo prossegue em torno dos temas sindicato e pelegagem até a
118
conclusão de que a união garante a resistência, a luta e a vitória, possibilitando a formação da
consciência crítica e da disposição para a luta na fala do camponês e do sertanejo:
O operário amigo
inteligenti e letrado
Espricô pra nois certinho
Cuma é qui anda o babado
Só resta a gente se unir
Contra os pelogos safado.
E vamo todo se unir
Prá lutar cum valentia
Por uma Reforma Agrária
Certa cuma a luz do dia
E cuma a luz da lua
Que a noite a terra alumia (Idem).
Nas estrofes 41 a 43, o operário avalia o encontro e, declarando felicidade pelo
mesmo, convoca os dois à resistência e à luta para acabar a exploração. A conclusão do
folheto, na voz do poeta-narrador é um grito de ordem do poeta alagoano em Maceió:
E terminado o papo
Desses nossos três irmãos
Como nós trabalhadores
Sofredores da Nação
Só resta agora lutarmos
Em busca da Salvação (Idem).
É BOM VOTAR CONSCIENTE
O folheto é uma das últimas produções do extinto Movimento de Educação de Base
(MEB) do Ceará, de autoria do poeta popular e coordenador do MEB, Eugênio Dantas
Medeiros, composto e impresso pela equipe do MEB/Nacional em Brasília no ano de 1981.
Com um total de 12 páginas, constituído de 48 estrofes em sextilhas, foi impresso em papel
ofício de cor amarela. A ilustração é constituída apenas pelo título em caixa alta, ao centro,
119
em duas linhas. Na parte superior, o nome do autor e na inferior a indicação do ano e local de
publicação, envolve a ilustração uma moldura em dois traços paralelos.
A introdução (estrofes 1 a 7) apresenta uma súplica de inspiração a Jesus que, a um
tempo, é profeta e modelo de governante; apresenta o objetivo do texto: orientar os eleitores
durante o ano pré-eleitoral; noções básicas do homem como animal político, de governante e
governados; formas de governo; tipos de poder e sobre partidos políticos como ilustram as
seguintes estrofes:
Há os partidos que querem
pelo voto conquistar
os altos postos políticos
para poder governar
uns desejando servir
outros para se aproveitar.
A forma de um partido
uma Nação governar
deve ser na eleição
pelo voto conquistar
e o governo assumir
por vontade popular (MEDEIROS, 1981).
As estrofes 8 a 12 tratam da lei eleitoral: idade de habilitação para o voto, voto livre,
título eleitoral e seriedade da eleição como um exercício da democracia. As estrofes 13 a 39
constituem a parte mais intensa de abordagem por tratar dos crimes eleitorais. O elenco de
crimes vai desde a venda e compra de voto, passando pela pressão ao eleitor, ameaça de
demissão, abuso do poder econômico e político; uso da máquina administrativa, difamação de
candidatos e o sigilo do voto. Neste contexto lê-se as estrofes seguintes:
O abuso do poder
econômico que existe
e poder de autoridade
você sabe que consiste
em rico pensar que pobre
ao dinheiro não resiste.
Não pode a autoridade
120
perseguir oposição
usar de prerrogativas
para fazer opressão
demitir funcionários
sem um pingo de razão.
Também é corrupção
desvio de autoridade
prefeito soltar os presos
dentro de sua cidade
também dispensar impostos
como forma de bondade (Idem).
Prossegue o poeta, nas estrofes 40 a 45, caracterizando o eleitor esclarecido e
consciente, define e caracteriza os partidos políticos na democracia, para explicitar que
somente um povo consciente pode mudar o país:
Na democracia é regra
alternância de poder
por isso existe eleição
para o povo escolher;
só pode ser reeleito
quem de fato merecer.
Se o povo for consciente
ele será soberano
tem poder de decisão
pra livrar-se do tirano
votando em quem pr´o Brasil
de salvação tenha um plano (Idem).
Nas estrofes 46 a 48 está o recado final do poeta ao eleitor para superar a alienação,
acreditando ter feito educação popular em matéria de política:
Por isso, eleitor amigo
com estes versos que fiz
dar uma orientação
foi tudo aquilo que quis
pra ver se votando certo
a gente salva o país (Idem).
121
MARGARIDA: FLOR DE BRIGA DA CAMPANHA TRABALHISTA
Folheto impresso em papel A4 branco, em tamanho tradicional (11 X 16 cm), em
oito páginas. A ilustração da primeira capa é constituída pela foto da líder sindical Margarida
Maria Alves com moldura simples; na parte superior o título e, sobreposta à foto, a data do
assassinato da líder sindical. A segunda capa apresenta um reclame da Campanha Trabalhista
dos canavieiros da Paraíba e a indicação do apoio logístico ao folheto dado pelo Centro de
Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU).
O convênio e a forma de composição poética se relacionam dialeticamente numa
bipolaridade: em 17 septilhas de sete sílabas lê-se a Campanha Trabalhista e, em nove
décimas, em martelo agalopado, lê-se a história da morte da líder sindical Margarida Maria
Alves como introduz a seguinte estrofe:
E o que hoje eu lhe trago
é a história verdadeira
da CAMPANHA TRABALHISTA
na zona canavieira
e a HISTÓRIA DA MORTE/
de uma grande mulher forte
que é sua companheira (FLÁVIO, 1983).
Metodologicamente, decidiu o poeta intercalar décimas entre as septilhas sem
nenhuma indicação de mudança, dificultando a leitura linear do tema. Tal postura, no
contexto da censura, é uma estratégia do “eu” lírico para preservação do poeta e garantia da
editoração.
O bloco de septilha apresenta uma seqüência de temas trabalhistas que incidem na
práxis canavieira na Paraíba: carteira de trabalho, participação sindical, 13° salário, hora extra
e a condição de subsistência do trabalhador:
122
Quem já não ouviu falar
no ABONO DE NATAL?
ou no décimo terceiro?
É um salário mensal
que eu digo sem engano:
UM SALÁRIO A MAIS POR ANO
é seu direito legal.
RECEBE 2 HECTARES
das mãos do proprietário
todos os canavieiros
que trabalham por salário
Essa terra é pro sustento
PRA PLANTAR O ALMENTO
que lhe seja necessário (Idem).
O bloco de décimas apresenta a narração do assassinato da líder sindical com
detalhes da espreita do assassino; narra as ameaças, cita pessoas questionadas como
mandantes e a doutrina pregada por Margarida Alves. Conclui com um ensinamento que pode
ser lido sinteticamente nas seguintes estrofes:
Onde está o senhor BRANCO PEREIRA?
Onde está o senhor LINO MIRANDA?
O doutor AGNALDO onde é que anda?
ONDE ESTÁ A JUSTIÇA BRASILEIRA?
Quem mandou recados pra companheira?
e quem a ameaçou de frente a frente?
Onde diabo socou-se esta gente
que juraram de morte Margarida?
A JUSTIÇA TERÁ DE SER CUMPRIDA
desta vez contra a classe dirigente.
Margarida brigava por SALÁRIO
e pelas OITO HORAS de jornada
pra ver a CARTEIRA ASSINADA
pra que o pobre tivesse o necessário
Era contra esses latifundiários
e a favor do trabalhador rural
que não tem seu REPOUSO SEMANAL
HORA-EXTRA, nem FÉRIAS, nem ROÇADO
Porque pelo patrão ele é roubado
do salário ao ABANO DE NATAL!
DESSA BRIGA NINGUÉM DEVE FUGIR
todos devem é nela meter peitos
Se você não buscar os seus direitos
roubam tudo sem nem você sentir
123
MAIS QUE TUDO É PRECISO SE UNIR
Companheiro, jamais você desista!
Margarida morreu, mas nessa lista
quem entrar termina ganhando a vida
QUE EM VOCÊ NASÇA UMA MARGARIDA
PRA BRIGAR NA CAMPANHA TRABALISTA! (Idem)
Cz$ CRUZADO UM FOI TRAMBIQUE E CR$ CRUZADO DOIS É
TRAGÉDIA
A presença do pseudônimo CHICO VÊ TUDO e a não indicação de local e ano de
publicação do folheto indicam a atitude de resistência à Ditadura por parte do poeta10.
Contudo, tem-se um trabalho em 55 estrofes em septilhas nas 14 páginas. Mais cinco páginas
apresentam um anexo ao tema central. Em tamanho tradicional (11,5 X16 cm), impresso em
papel jornal, capa amarela. Na primeira capa, vêem-se caricaturas do Presidente José Sarney,
com um revolver engatilhado, ao lado do ministro Funaro criador do Cruzado II. Adornam as
figuras textos informativos sobre os caricaturados e sobre a pseudo democracia. A segunda
capa, nas duas faces, encontram-se estrofes sobre Tancredo Neves, o Presidencialismo, o
Parlamentarismo e sobre a Constituição Federal completando o anexo referido acima.
As estrofes de abertura (1 a 5) fazem uma evocação a Deus chamando-o “Protetor
dos humilhados/ Amparo dos desvalidos/ E opressor dos exaltados”, e a Jesus Cristo pede
talento para falar ao povo. Já falando é muito convincente:
Cr$, Cruzado Um foi trambique
e Cr$, Cruzado Dois é tragédia
Porque ele atacou
Às classes pobres e média;
A classe rica avatenta
Pra ganhar tudo ela inventa
10
A prática de anonimato e o uso de pseudônimo são freqüentes na Literatura de Cordel durante as
situações de perseguição. Na Ditadura de Vargas e após o Golpe Militar de 1964, muitos poetas
se preservaram nesta prática. O texto em estudo é uma impressão já de 1987 em Teresina no, Piauí.
124
No jogo da intermédia.
A classe rica é quem faz
O jogo da divisão
Pra tirar grande proveito
Causando a separação
Entre a média e a pequena
A classe rica envenena
Provocando a infração (Carestia) (VÊ TUDO, 1984).
As estrofes seguintes (6 a 34) contêm um humor político-econômico pornográfico
que o poeta, nas páginas 16 a 17, justifica o uso para uma sátira estética e lírica, tipicamente
nordestinas, aos que se contaminaram com a “sarna” do “Zé Sarnento”, contra a qual o poeta
já fora vacinado pela consciência crítica:
Graças a Deus estou livre
Da sarna de “Zé Sarney
Porque antes de votar
Me vacinar procurei;
Afirmo como poeta
Sua sarna não me afeta
Pois dela eu já me livrei (Idem).
Nas estrofes 35 a 43, o poeta critica a Assembléia Constituinte que fez a
Constituição de cima para baixo; não poupa o Plano Cruzado e o gatilho salarial com
argumento de autoridade dado por Leonel Brizola, para ele, um cientista político:
O patriota Brizzola (Dr.)
É quem estar com a razão
Antes ele já previa
Essa negra traição;
Além de ser brasileiro
É um profeta certeiro
Com sua larga visão.
Por isso é que Brizzola
Está sempre na vanguarda,
Ele não quer que a Nação
Trilhe só na retaguarda;
D´aquela gente estrangeira
Que quer ver nossa bandeira
Sempre desvalorizada (Idem).
125
Numa postura dialética, nas estrofes quase barrocas (44-54) de culto do contraste,
para o poeta que VÊ TUDO, a tese é divina e a antítese Sarneyana que a mediação do
vocábulo Natal lê-se, dentre outras, as seguintes estrofes:
O Natal de Deus menino
É de saúde e de paz
E esse de “Zé” Sarney
Com as multinacionais
Foi uma grande tragédia
Atingiu a classe média
Mulher, menino e rapaz.
O Natal que Jesus quer
É um Natal de verdade
Não com pompa e fantasia
Onde só reina maldade;
Deus quer um Natal fiel
E não um “Papai Noel”
Explorando a humanidade (Idem).
A grande síntese não é nem a tese divina, nem os dois Planos Cruzados de Sarney e
Funaro. A solução será, partindo da falsa democracia orquestrada pelo “monstro capitalismo”,
a chegada ao socialismo:
A falsa democracia
Do monstro capitalismo
A nós sonega a justiça
Contraria ao cristianismo;
Só há uma solução
É se fazer coligação
Com o bom socialismo (Cristão)11
11
Por ocasião do décimo aniversário da Casa do Cantador (1995), em Teresina, no Piauí, o poeta diziame ao entregar este folheto de Cordel: “Meu livro, prof. Matuzalém, é a minha crítica à Ditadura que
ainda não se acabou, ... o senhor acredita?” (18/06/1995).
126
4 DIALÉTICA DE LEITURA
A dialética de leitura, como instrumento de leitura, aproximará do objeto de
estudo tendo como pressuposto para um conhecimento. Neste compreender é que o
vocábulo autoritarismo se apresenta como conceito fundante suscitando as categorias da
dialética dita instrumento exógeno.12
Autoritarismo é compreendido pelos lexicógrafos como sendo uma qualidade
dos indivíduos, dos sistemas ou dos governos autoritários que se caracterizam pelo uso
do poder forte e absoluto, pelo abuso da autoridade, pelo despotismo e pela
arbitrariedade. No autoritarismo, a autoridade ao invés de servir aos súditos, passa a
servir-se deles, coagindo-os pela demagogia ou corrompendo-os com uma parcela dos
resultados da exploração.
Distinguem-se dois tipos de autoritarismo: ativo e passivo. O autoritarismo ativo
dos exploradores e dos agentes instrumentos da exploração corresponde o autoritarismo
passivo dos exploradores, doutrinados para acatar os argumentos autoritários como a
melhor razão e para rejeitar os argumentos da razão como a pior autoridade. Isto
significa que a exploração vigente num sistema (político, social e/ou religioso) gera uma
disposição para a exploração ativa ou passiva nos sujeitos que a compõem. A
exploração caracterizante do autoritarismo, gerando uma disposição de auto-reforço,
tem sido uma constante como mostrara Platão ao introduzir, em “A República” (2001),
sua exposição sobre as quatro formas corrompidas da autoridade, caracterizando os
12
A verdade é sempre, para a filosofia escolástica, um pressuposto do discurso científico que aponta para
o que é aceitável em ciência: a razão e a observação. (JOLIVET, 1968, p. 130-133; PADOVANI et
CASTAGNOLA, 1962, p. 169-197).
127
tipos de homem a saber: o homem timocrático, o homem oligárquico, o homem tirânico
e o homem democrático.13
Em busca de uma lectio veritatis apresenta-se a seguinte Dialética de Leitura
como via et ratione aliquid faciend. Esta dialética de leitura aparece na tensão dialética
entre componentes autoritários e democráticos, constituindo a perspectiva de leitura da
realidade (1964 a 1984) feita pelos cordéis, elucidando a cosmovisão, o comportamento,
as estratégias e os meios de resistência ou não ao autoritarismo. Sob a mediação dos
indicadores, vocábulos cordelinos, chega-se à tensão dialética de postura ora autoritária,
ora democrática que mediante os dados quantitativos dos vocábulos indicadores, sob a
elucidação das expressões significantes14, condutores da ideologia e da contra-ideologia,
chegar-se- á à predominância da postura da Literatura de Cordel.
O quadro seguinte, visualizando a dialética de leitura, abre o horizonte de
abrangência tendo a cosmovisão apontando para a totalidade de compreensão, o
comportamento compreendendo o conjunto de reação e estímulos enquanto acessíveis à
observação exterior; as estratégias denotando o conjunto coerente de ações destinadas a
produzir certo resultado e, finalmente, os meios persuasivos e dissuasivos para o alcance
dos objetivos compatíveis à cosmovisão autoritária e democrática para o detectar da
diferencia e predominância pertinentes.
13
Platão explicita que os subalternos têm a mesma consciência do autoritarismo gerada pela educação do
governo autoritário; os subalternos apludem e ampliam a força autoritária de modo que tanto o homem
timocrático, como o oligárquico e o tirano, como governantes, vêem a multidão já pronta ou em vias de
perfeição a obedecer sem questionamentos, ao contrário do democrático (PLATÃO, 2001, n° 549ª551,544)
14
Ver item 4.5. Os indicadores de leitura estão nos anexos.
128
129
130
4.1 Cosmovisão
Qualquer conceituação não pode prescindir do que é mais elementar como designando
visão de mundo. Significa que o vocábulo aponta para a soma geral de conhecimentos,
organizada, sistematicamente ou não, como uma espécie panorâmica geral de todo o
conhecimento, formando uma totalidade de visão, uma coordenação de opiniões entrelaçadas
entre si. Esta complexidade possibilita formular não só uma opinião geral de todo o acontecer,
mas também compreender e relacionar um fato individual com a visão geral formada do todo.
Esta visão geral do universo pode ser estabelecida por um indivíduo ou um grupo social,
maior ou menor, inclusive por um ciclo cultural, ou uma era.
4.1.1 Elitista
A compreensão da categoria elitista evoca a teoria das elites ou elitista (possibilidade
de elucidação do vocábulo elitismo) como a teoria segundo a qual, em toda a sociedade,
existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em
contraposição a uma maioria que dele está privada. A teoria das elites nasceu e se
desenvolveu por uma especial relação com o estudo das elites políticas, ela pode ser
redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político pertence sempre
a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os
membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força em última instância.
A formulação dessa teoria, hoje tomada classicamente, foi dada por Gaetano Mosca
em Elementi di scienza política, em 1836 (ABBAGANNO, 1982, verb. elite), já o termo elite
remonta a Pareto, que alguns anos após, por influência de Mosca, enunciou na Introduction
aux Systemes Socialiste (1902) a tese segundo a qual em toda sociedade há uma classe
131
superior que detém geralmente os poderes políticos e econômico à qual se deu o nome de
aristocracia ou elite.
Contribuiu muito para esta teoria Pareto (1902; 1916), chamando a atenção para o fato
de que “sendo os homens desiguais em todo o campo de suas atividades, dispõe-se, em vários
níveis, que vão do superior ao inferior”. Chamou de elites aqueles que fazem parte do grau
superior, deteve-se particularmente sobre os indivíduos que, ocupando os graus superiores da
riqueza e do poder, constituem a elite política ou a aristocracia.15
Aristocracia
Aristocracia16 é uma das três formas clássicas de governo e precisamente aquela que
tem o poder (krátos = domínio ou comando) está nas mãos dos melhores, que não equivalem
necessariamente à casta dos nobres, mesmo se, normalmente os segundos sejam identificados
com os primeiros.
As mais clássicas definições de aristocracia, entendida como forma de governo,
achamo-las em Platão e Aristóteles17. Aristóteles fala da oligarquia como um desvio da
aristocracia à medida que, na oligarquia, os poucos governam no interesse dos ricos e não da
comunidade, ao contrário do que acontece na aristocracia (ARISTÓTELES, 1971: III, 8). Na
república ideal, delineada por Platão (2001), o termo ´aristocracia` vem carregado de valores
do mundo grego onde a sabedoria e o conhecimento constituem o valor dos melhores para
governar:
15
Vilfredo Pareto, Mosca e Michele são considerados os precursores da teoria das elites (BOBIO, et al., 1995,
verb. elite).
16
Aristokracia, do grego aristo = excelente + kratos = poder: o governo dos melhores. É o regime político
idealizado por Platão (427-347 a C) em sua obra “A República” (2001).
17
Já no século V aC. podemos encontrar em Heródoto, no logos tripolitikós ou “agonia dos políticos” (as
histórias III, 80-83) s primeira classificação historicamente documentada da teoria de tripartição das formas
de governo (de um, de poucos e de muitos) que tanto sucesso teria no pensamento antigo e não só nele
(BARKER, 1978, p. 320-326).
132
Compete, na verdade, aos melhores, aos sapientes, aos sábios enquanto perfeitos,
conhecedores e possuidores da verdade, guiar o Estado ético, para alcançar o
verdadeiro bem. (PLATÃO, 2001: V).
Tanto para Platão como para Aristóteles, também uma constante para o pensamento
político grego, os aristocratas são moral e intelectualmente os melhores e estes não podem ser
senão aqueles que pertencem às classes mais elevadas da sociedade. Sobretudo em Aristóteles
há uma oposição entre ricos e pobres: classe aristocrática e classe popular, possibilitando
compreender-se que o calor ético-pedagógico vem se identificar com uma precisa situação
econômico-social. Hoje, contudo, o significado mais comum de aristocracia é de um grupo
privilegiado por direito de sangue.
Coronelista
Expressão derivada de coronel (do francês coronel), usada para definir a estrutura de
poder dos grandes proprietários e das oligarquias agrárias entre o fim do império e o começo
da República no Brasil imperial e na Primeira República, qualquer potentado rural comprava
com facilidade o título de coronel da Guarda Nacional. Esses coronéis exerciam um domínio
político despótico sobre os que deles dependiam economicamente e sobre a clientela dos
apaniguados. Eram eles quem ditavam os nomes dos candidatos nos quais cada um devia
votar. A esta demoninação da política local exercida pelos senhores rurais se deu o nome de
coronelismo. São os coronéis que garantem a eleição de candidatos dos governos federal e
estadual durante a República Velha. Eles fazem a propaganda dos candidatos oficiais,
controlam o voto não-secreto dos eleitores e a apuração, chegando quase ao resultado
esperado (cf. JANOTTI, 1981, p. 28-66).
133
Por extensão o termo coronelismo18
4.1.2 Popular
A compreensão da categoria popular, no contexto epistêmico da dialética de leitura,
aparece como antítese à cosmovisão autoritária, possibilitando ao termo ter o seu campo
específico de significação nas iniciativas e nos contextos teóricos concernentes às estruturas
de dominação. Neste horizonte epistêmico, comenta Melo Neto (2004, p. 157):
[... ] popular adquire uma plasticidade conceitual, exigindo, para os dias de hoje,
uma definição que, rigorosamente, passa por movimentos dialéticos intrínsecos ao
próprio conceito, inserido no marco teórico da tradição e atualizado para as atuais
exigências .
Os campos teóricos que evidenciam os elementos constitutivos do conceito de popular
são os seguintes: origem, metodologia e posicionamento político-filosófico acrescidos dos
aspectos éticos e utópicos. Todos estes elementos, dialeticamente relacionados, visualizam
algo sendo popular por ter sua gênese nos esforços e no trabalho do povo, das maiorias
(classes), que ganha significado com o conhecimento do para onde que é apontado por algo
que se postula popular. Numa palavra, “lago é popular se tem origem nas postulações dos
setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com suas lutas,
exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiam estas maiorias” (MELO NETO,
2004, p. 157).
Na segunda dimensão conceitual, a política, ser popular é ter clareza da existência de
um papel político dessa definição: dimensão voltada à defesa dos interesses de setores das
classes majoritárias. “As ações constitutivas desta volta à defesa das maiorias são,
necessariamente, reativas às formulações ou políticas que são ou deverão ser impostas a tais
18
Os coronéis têm diferentes denominações a saber: coronel candílio nas coxilhas do Sul; coronel de barranco
nos rios amazônicos do Norte; coronel donatário dos sertões do Nordeste e coronel empresário na cafeicultura do
Sudeste. Os nomes variam mas a estrutura de poder é a mesma (cf. PANG, 1960).
134
maiorias”. Ser popular, sem prescindir da reatividade, significa estar relacionando as lutas
políticas com a construção da classe trabalhadora (maiorias), mantendo o seu constituinte
permanentemente, que é a contestação. Ser popular é externar-se através da resistência às
políticas de opressão, adicionadas às políticas de afirmação social. Em conseqüência, deverão
emergir da resistência ações objetando contribuir para a construção da direção política dos
setores sociais que estão à margem do fazer político.
A metodologia, que confere autenticidade popular a algo, tem o sentido de promover o
diálogo entre os partícipes das ações, contribuindo com isto para o exercício da cidadania.
19
A metodologia dita popular rege-se por princípios éticos emanados das exigências do
trabalho. Sob esta metodologia ser popular é estar dirigido por princípios voltados às
maiorias, possibilitando reafirmar-se como fundamental o princípio do diálogo, oferecendo
possibilidades de promoção de outros princípios como solidariedade e a tolerância,
preservando-se do relativismo ético sob o escopo do bem coletivo.
O conceito de popular arrasta para si definições envolvendo as utopias, tão emergentes
para os dias atuais, de modo que, ser popular é tentar alternativas, é estar realizando o
possível, mas que ao se realizar, abre, contraditoriamente, novas possibilidades de utopias,
cuja negação terá os elementos já efetivados e tentativas de novas realizações, garantindo
dinamicidade à segunda dimensão constituinte do popular. Neste universo das dimensões
fundamentais do vocábulo popular, a utopia da democracia tem um valor permanente e deve
ser vivida sem qualquer entrave na tensão dialética entre autoritarismo e ação democrática.
A utopia é a qualidade do ser humano ainda não embrutecido pela sua fraqueza ou
pela realidade tremenda. É a liberdade que o homem se reserva de opor, às situações
decepcionantes e injustas, uma força contraditória: a esperança (GUARESCHI, 2004, p. 162).
Esperança de que não é, não existindo agora, pode vir-a-ser, tornando realidade precisa
19
Cidadania comenta Melo Neto (2004, p.159), “não se esgota na análise. É preciso também que o indivíduo
se prepare para a ação, para desenvolver metodologias que exercitem o cidadão para a crítica e para a cão”.
135
acontecer. A “utopia é a imaginação criadora, exigente, que faz presente o futuro real, a partir
do presente possível de ser transformado e melhorado”. A imaginação utópica sempre esteve
presente na história dos homens a ponto de se objetivar nas formas de pensamento.
20
No
bojo das produções utópicas, tanto na literatura erudita como na popular de Cordel, registramse as afirmações seguintes:
- a abolição da propriedade privada, vista como a fonte de muitos males para a
maioria delas;
- a igualdade entre os sexos, com idênticas possibilidades para ambos na
comunidade;
- educação para todos: educação não aparece como a tentativa de enfiar na cabeça
do educando algumas coisas para que ele as vomite depois, apodrecidas, mas
como criação de condições para que a pessoa descubra, por si só, seu caminho;
- a justiça não seria a fria, mecânica e quantitativa dos códigos burocráticos,
mas algo derivado do sentimento moral interior.
De povo
Etimologicamente, o vocábulo vem do Latim (populus), denotando conjunto de
indivíduos que formam uma nação, uma tribo ou conjunto similar de humanos. Do ponto de
vista sociológico, denota conjunto composto de grupos associados de maneira estrita, que tem
tradições e um passado comum e ocupam um país ou um território determinado; significa,
também, parte modesta de uma nação. Politicamente considerado, o vocábulo aparece em dois
sentidos: no sentido ativo designa substância mesma do corpo político; pessoas que
constituem uma sociedade política ou vivem unidos sob leis; no sentido passivo, multidão
regida e governada.
20
Podem ser chamados de utópicos livros como “A República”, de Platão; os “Atos dos Apóstolos”, da Bíblia; a
“Utopia”, de Thomas More; “A Cidade do sol”, de Campanella; “Icaria”, de Cabet dentre outros que criaram
projetos utópicos para suas épocas (cf. GUARESCHI, 2004, p. 165). Na Literatura de Cordel os “marcos”
delineiam o utopismo popular como em “O castelo da cidade flor mimosa”, de Manuel Vieira Paraíso; “Marco
do meio do mundo”, de João Martins de Athayde; “O forte de Guarabira ou castelo universal”, de José Camelo
de Melo Rezende; “Viagem a São Saruê”, de Manoel Camilo dos Santos dentre muitos (ALMEIDA et ALVES
SOBRINHO, 1981).
136
Do ponto de vista filosófico, Kant argumenta: “pelo termo povo (populus), entende-se
a massa dos homens reunidos numa determinada região, desde que constitua um todo. Esta
massa a quem se atribui uma origem comum, permite reconhecer-se como unida numa
totalidade” (KANT, 1964, 154). Contudo, para ater-se à significação política da palavra povo
diz Maritain (1965, p.24):
Basta dizer que o povo é a multidão de pessoas humanas que, unidas sob leis justas,
por uma amizade recíproca e para o bem comum de sua existência humana,
constitui uma sociedade política ou um corpo político.
Na perspectiva da filosofia política do século XX, a noção de povo é uma categoria
ativa de cada nação: categoria quantitativa, pois – na ausência do Estado-, não só seus
aparelhos, por definição ausentes ou estrangeiros, denotam que as amplas massas subjugadas
é que libertam e consolidam a nação; categoria quantitativa porque na falta da nação – o
Estado se legitima mediante o apoio popular, que o erige em entidade para si em face do outro
denominado autoritarismo. A noção de povo permite, com efeito, integrar nacionalmente duas
classes sociais subestimadas ou elimináveis pelo marxismo: burguesia e proletariado. Não foi
sem mais que o sovietismo cubano tenha exaltado o papel do povo na revolução: “um dia o
povo se ergueu contra a tirania; um dia o povo se uniu e um dia o povo venceu; mas
essencialmente, o povo operário, o povo camponês, o povo estudante”. Vale destacar que,
“depois de vinte e cinco anos de luta corajosa e ininterrupta, o PDG (Partido Democrático de
Guiné) na África, conseguiu unificar todas as federações da Guiné para transformá-las num
único povo consciente e desperto [...]; sem povo não há nação”, declarava Seku Touré para
revisar a teoria marxista do Estado (CHÁTELET et KOUCHNER, 1983, p. 391-408).
137
De associação
O vocábulo aponta para a ação coletiva, evocando outro vocábulo – cooperação – que
em seu sentido etimológico, estrito, denota ação conjunta. A partir de então, compreende-se
tanto associação quanto cooperação como um processo cujos indivíduos nem sempre têm
consciência clara, mas onde houver algum consenso a respeito de metas culturalmente
legítimas, valores e crenças coletivas, há cooperação. Da relação correlata dos vocábulos
possibilita dizer-se que o movimento cooperativo denota associação de pessoas trabalhando
juntas para a produção e distribuição de bens; as cooperativas têm assumido uma variedade de
formas em diferentes contextos.
No cerne desta variabilidade de formas, percebe-se que a cooperação, sobretudo em
nível macrossocial, nem sempre reflete o consenso a respeito de metas e valores, crenças e
normas, além do que a cooperação pode resultar da existência de interesses e objetivos
diferentes, mas complementares como tende a ocorrer entre as classes sociais. A burguesia
empresarial tem como principal objetivo de sua ação a obtenção de mão-de-obra, ou seja, do
operariado. Os trabalhadores agem em função da sobrevivência, da resistência e da elevação
de seus padrões de consumo, porém, para alcançar tais objetivos, precisam vender a sua força
de trabalho à burguesia empresarial. Os interesses e objetivos dessas amplas categorias sociais
são inegavelmente diversos e os movimentos reivindicatórios, de superação da dominação ou
da acomodação, impetrados pelos trabalhadores resultam, portanto, antes, do altíssimo grau de
insatisfação das suas necessidades e dos seus interesses que eficazmente ser realizam na
práxis associativa (cf. BECKER, 1977, p. 10-12; GIDDENS, 1998, p. 115-117, 127-130).
Denota-se, pois, que a principal função das associações profissionais é proporcionar a
coordenação moral apropriada, nos pontos modais da relação da sociedade dividida em
classes, a promover a solidariedade orgânica de resistência e luta.
138
As associações profissionais desempenham um papel vital de poder intervir no
processo político do Estado se este representa diretamente a “vontade do povo”. Neste sentido
é que se entende a proposta de Durkheim para uma retomada das associações profissionais,
dentro do quadro geral de qualquer autoritarismo, que têm afinidades precisas com o
solidarismo e a capacidade de influência nos indivíduos, pela relação próxima e direta com os
interesses políticos dos movimentos populares.
Uma característica comum das associações sempre foi o impulso ético e idealista.
Desde o início, a cooperação foi encarada como um meio de construir uma alternativa ao
capitalismo, de baixo para cima, substituindo o individualismo burguês por uma sociedade
baseada na reciprocidade e na solidariedade sociais.
Na tensão dialética, veiculando a cosmovisão cordelina no quadro seguinte, pelos itens
estilista e popular, mostra que se tomando o indicador presidente, para o item elitista
constatar-se 55% de freqüência e o indicador povo para o item popular apresenta 61%,
denotando a predominância da cosmovisão popular sobre a elitista. Considerando-se todos os
indicadores tem-se 29,8% para a cosmovisão autoritária e 70,2%, para a cosmovisão
democrática (cf. 4.5).
139
Elitista
Sub Ítem
ARISTOCRACIA
Avião
Carestia
Dominadores
Governador
Governadores
Presidente
Senadores
Deputado
Deputados
Total
2,5
17,5
5
10
0
55
2,5
7,5
0
Sub Ítem
CORONELISTA
Autoridade
Dono
Donos
Latifúndio
Dominar
Força
Usineiro
Total
16,7
27,3
3
0
7,6
40,9
4,5
0
Deputados
Avião
Carestia
Senadores
Dom inadores
Governador
Presidente
Governadores
Usineiros
Usineiro
Autoridade
Força
Dono
Dom inar
Donos
Latifúndio
139
Usineiros
Deputado
140
Popular
Sub Ítem
DE POVO
Povo
Gente
Camponês
Operário
Operários
Total
39,4
41,9
6,3
11,8
0,6
Sub Ítem
DE
ASSOCIAÇÃO
Povos
Governados
Total
80
20
140
141
4.1.3 Discriminatória
O adjetivo discriminatória que tipifica a ação humana ou o modo de ver a realidade,
deriva do vocábulo latino discriminare, significando distinguir, diferençar, separar e extremar.
O substantivo discriminação (discrimen, minis) denota separação, apartação, segregação.
Todavia, num olhar mais profundo tem-se, em sentido mais geral, o vocábulo denotando o ato
de perceber, notar ou fazer distinção entre objetos ou pessoas que, como categoria deste
instrumento exógeno de análise, liga-se à categoria patriarcalismo no discernir
ontologicamente mulher e homem, branco e não-branco, jovem e idoso, na práxis das relações
humanas.
Quanto à relação de gênero, o vocábulo representa o aspecto social das relações entre
os sexos e, a um tempo, é um conceito que se distingue do conceito biológico de sexo, mas
que se constrói e se expressa em muitas áreas da vida social. Inclui a cultura, a ideologia e as
práticas discursivas, mas não se restringe a elas. A divisão do trabalho por gênero no lar e no
labor assalariado, a organização do Estado e muitos outros aspectos da organização social
contribuem para a construção das relações de gênero.
As relações de gênero assumiram formas diversas em diferentes sociedades, períodos
históricos, grupos étnicos, classes sociais e gerações. Um aspecto comum é que a diferença de
gênero se associa à desigualdade de gênero com os homens exercendo o poder sobre as
mulheres.21
A palavra relacionada a este poder é patriarcalismo ou patriarcado, que conceitualiza a
desigualdade de gênero como socialmente estruturada. Completa o entendimento desta
questão a colocação de Luis Dias Rodrigues (1999) a propósito da tipologização da
autoridade: nas sociedades patriarcais, caracterizadas por acentuados preconceitos machistas,
21
Para alguns a superioridade dos homens sobre as mulheres é universal, para outros quase
que Universalmente (OUTHWAITE et BOTTOMORE, 1996, verb. gênero).
142
as posições de chefia são raramente ocupadas por pessoas do sexo feminino. Ao contrário,
quando se trata de instituições ligadas por sistemas predominantemente matriarcais, são as
chefias masculinas que encasseiam.22
Quando Rodrigues (1999, p. 88), anuncia que “resta aos pesquisadores esclarecer se o
sexo define ou impõe papéis sociais diversos para homens e mulheres”, evoca-se o filósofo
latino-americano Dussel (1997) que, relacionando o erotismo com a pedagogia, assevera : “se
o homem se afirma falicamente no mundo, a mulher não se afirma menos ao se adiantar como
instituidora ativa de sua carne mamário-clitoriano-varginal”. A mulher, então, não se define a
partir de seu ser fálico como um não-ser-castrado. Isso só acontece nos povos machistas, onde
se exige que a mulher dependa inteiramente do homem, e que para reprimi-la, define-se sua
sexualidade unicamente na atividade masculina, assinalando à mulher a posição passiva de
objeto sexual. A ontologia machista aliena colsisticamente a mulher, e por isto, sem dar
importância alguma ao orgasmo clitoriano, exalta até o antinatural o orgasmo vaginal
(contrapartida passiva de atividade do pênis). Então é necessário começar a descrever a
abertura feminina ao mundo (da mulher para o homem), descrição praticamente inexistente
pela opressão que pesa sobre a mulher, não é a nível erótico mas também (e por isto) no
pedagógico e no político. A injustiça erótica (a mulher objeto sexual) estende-se à injustiça
pedagógica – a menina castrada - e à injustiça política – a mulher com o salário menor que o
homem (DUSSEL, 1977, p. 85-93).
A cosmovisão discriminatória, portanto, é explicitada como tratamento diferencial,
favorável ou desfavorável, que se dá às pessoas, segundo as respectivas categorias: tratamento
22
Não só escasseiam as chefias masculinas, mas necessitam de uma intervenção cultural ou política para
aparecerem. Como exemplo a figura “pai-de-santo” no Brasil é uma extensão denominativa e substitutiva no
culto Dãnh-gbi (Vodu, Orixá ou santo; e não mãe) por força cultural machista patriarcal. O culto original na
África só conhece a figura “mãe-de-santo” ou “mãe-de-terreiro” indicando a secerdotisa, do culto Jejê-nagô,
dirigindo a educação sagrada das filhas-de-santo ou cavalo-de-santo (o que incorpora a entidade divina),
presindindo as cerimônias festivas com indiscutida autoridade que, por isto mesmo, são chamados mulheres ou
esposas-de-santo (RODRIGUES, 1945, p. 350). A descrição de um conflito desta inculturação sagrada pode
ser lida com profunidade ALVES VELHO, 1977, p. 46-92.
143
este que tem pouca ou nenhuma relação com o comportamento real das pessoas assim
tratadas.
Outro aspecto aponta para o sentido contemporâneo mais comum, tanto na linguagem
corrente, como nas ciências sociais, denotando o tratamento desfavorável dado,
arbitrariamente, a certas categorias de pessoas. Neste caso, refere-se a um processo ou forma
de controle social que serve para manter a distância social entre duas ou mais categorias ou
grupos sociais, através de um conjunto de práticas acarretam a atribuição arbitrária de traços
de inferioridade, baseados em razões que pouco têm a ver com o comportamento real das
pessoas que são objetos de discriminação. Freqüentemente, tais razões entram em conflito
com as idéias aceitas de decência e justiça.
Nesse sentido, Berry (1958, p. 72) comenta que “os povos dominadores, em tida
parte”, têm recorrido a uma espécie de artifício para restringir econômico, político e
socialmente os grupos étnicos e raciais dominados”. O vocábulos comumente aplicado a tais
práticas é discriminação, cuja função consiste em isolar os grupos dominantes e subordinados,
assim limitar o contato e a comunicação entre eles.
É oportuno observar, que no universo da cosmovisão discriminatória, a Sociologia
introduz o termo estereótipo (stercos do grego), para significar preconceitos coletivos que se
generalizam na consciência do grupo social e em função dos quais os membros do grupo
julgam as pessoas, as situações e as coisas.
Os estereótipos originam-se sempre de associações acríticas entre idéias, entre sujeitos
e predicados, possibilitando generalizações apressadas, pelas quais, a partir de uma ou poucas
experiências, o grupo forma um preconceito tenaz a respeito de determinando objeto. Desta
forma, os estereótipos se difundem rapidamente num meio homogêneo e transmitem-se de
uma geração a outra. Isto é, o que acontece, numa sociedade heterogênea, forma-se a idéia de
que o não-branco é indolente, associável e incapaz. No universo da cronologia existencial, o
144
idoso é relegado dos benefícios e das possibilidades da ação, mesmo competente e capaz,
perde a identidade e o espaço para a denominação jovem.
A racionalização da questão é evidente quando se percebe a discriminação puramente
social, ou outro tipo, recentemente a todos os mesmos direitos e o uso conjunto, mas não são
oferecidas a todos as possibilidades reais de exercício dos direitos; à educação, ao lazer, à
saúde e ao trabalho.
No universo do conhecimento, “os portadores do saber e da ciência escolarizados
sentem-se olimpicamente superiores a que não passaram pelos equivalentes graus iniciáticos
de situação litúrgica introdutória ao templo escolar do saber e da ciência”, a cosmovisão
discriminatória, formada pelos portadores do saber oficial, considera de ordem superior o
saber e a ciência que detêm. Os dominados julgam-se verdadeiros sábios e cientistas por
antonomásia, por competência e por efeito de diploma e história escolares (RODRIGUES,
2003, p. 164-167).
A dicotomia epistemológica constitui marca separatista do saber pela postura
dominante de contemplação com desdém, polida e comedida, na melhor das hipóteses, da
ciência e do saber populares, atribuindo-lhe os qualitativos vulgas, folclóricos, míticos,
supersticiosos e não-científicos. Numa palavra, o saber popular, não-científico, é tratado a
distância porque seus detentores são leigos e profanos porque jamais subiram ao altar da
ciência e do saber sacralizadas pela escolização.
4.1.4 Interacionista
Pressuposta ao vocábulo interacionista está a compreensão de que seja interação
social, denotando a influência recíproca dos atos de pessoas e grupos, o que geralmente se dá
por meio da comunicação. A expressão interação social pode ser tomada em duas dimensões
145
prontamente distinguíveis. A noção mais simples, quando aplicada ao homem, é a da
influência recíproca entre pessoas ou forças sociais exemplificada na seguinte definição: “a
influência recíproca dos fatores sociais que atuam na natureza humana”. A segunda, usada
pela maioria dos sociólogos e antropólogos, especifica que a interação humana é uma variante
da influência recíproca, característica de pessoas socializadas. Daí, a interação do modo como
se dá nos seres humanos, dever-se-ia chamar interação simbólica23,
pressupondo a
comunicação cujo efeito é o amplo e inclusivo processo de interação social. Neste
compreender, a interação social pode ser definida funcionalmente como a que acontece
quando duas ou mais pessoas entram em contato (não forçosamente o físico) e ocorre uma
modificação de comportamento. Esta mudança como reforma, no sentido do desenvolvimento
da coesão social frente a interesses antagônicos (grupos monopolistas e movimento
trabalhistas), fez emergir a corrente sociológica, cujo escopo era estudar o interacionismo (cf.
BOTTOMORE et NISBET, 1980; BECKER 1977, p. 10). O interacionismo caracteriza-se
pela preocupação de estudar como os indivíduos são coagidos pelas instituições sociais e
como transcendem a esta coação. Assim, o comportamento ou a compreensão que busca a
superação da coação é, por isto mesmo, interacionista.
A cosmovisão interacionista, neste contexto epistêmico, é a maneira de perceber a
realidade das relações humanas “como um processo que forma a conduta humana ao invés de
ser apenas uma forma de expressar ou realizá-la como tal. Esta noção implica uma visão
processual reflexiva, por isto mesmo, dialética (teoria e práxis). Nesta cosmovisão três
premissas são basilares: a) que os seres humanos agem tendo por referências coisas com base
no significado que as coisas têm para eles; b) que o significado destas coisas é derivado e
surge da interação social de atores sociais; c) que esses significados são manipulados e
modificados através de um processo interpretativo desenvolvido pelas pessoas em interação
23
A expressão interação simbólica evoca o interacionismo simbólico como uma variante da corrente
nteracionista em Ciências Sociais. Esta é uma tradição desenvolvida no início do século XX, a partir dos
trabalhos de R. E. e X. B. Thomas, tendo como suporte a filosofia de J. Dewey.
146
(cf. GOHN, 1979, p. 23ss; MACHADO, 1995, p. 87-96, 114-129). Estas premissas
configuram uma visão de sociedade como formada por indivíduos ou grupos que se engajam
em ações, isto é, em atividades que desempenham ao interagirem uns com os outros.
A sociedade é vista como existindo em ação, e os indivíduos ou grupos engajados em
ações são percebidos como realidade mais fundamental da vida social. A organização social e
a estrutura social, menos que determinantes das ações, derivam delas.
A cooperação interacionista não discrimina nem pessoas, nem o saber, isto é, a busca
de superação do dualismo dá-se pelo consenso como uma concordância geral de pensamento e
sentimento que tenda a produzir ordenamento das ações. Tudo isto sem prescindir da
diferença, mas construindo a unidade. Para tanto, consideram-se todos os traços culturais
societais como provas do consenso. Sendo o consenso a solução cooperativa do conflito, é a
culminância de um processo no qual se preservam as características individuais (idéias, raça,
cor, escolaridade) e, sob o ponto de vista cultural, o saber: ninguém é desprovido de saber e
cada saber incide sobre a realidade vivencial ou instrumentalizada como objeto de estudo
(HABERMAS, 2002, p. 134-137). Significa ainda que as orientações básicas do agir aderem a
certas condições fundamentais de reprodução e da autoconstituição possível da espécie
humana: trabalho, saber e interação. É por isso que cada uma destas orientações fundamentais
não visa à satisfação de necessidades empíricas e imediatas, mas a solução de problemas
sistêmicos propriamente ditos (HABERMAS, 1987, p. 217-218).
Olhando-se o gráfico seguinte, tomando-se como exemplo de leitura o indicador
universidade do item discriminatório e do subitem saber, tem-se a freqüência de 28,6%, e o
indicador sertão do item interacionista, do mesmo subitem saber, apresenta superioridade de
freqüência com 61,9%. Considerando-se todos os indicadores, tem-se 37,5% para a
cosmovisão autoritária contra 62,5% para cosmovisão democrática (cf. 4.5).
147
Discriminação
Sub Ítem
RACIAL
Classes
Total
100
Sub Ítem
DO SABER
Gerente
Universidade
Coronel
Total
28,6
28,6
42,8
147
148
Interacionista
Sub Ítem
DE PESSOAS
Acampamento
Barraco
Barraca
Total
20
60
20
Sub Ítem
DO SABER
Fraternidade
Sertão
Total
38,1
61,9
148
149
4.1.5 Maniqueísta
O autoritarismo, além de dogmático costuma ser maniqueísta.
24
O maniqueísmo
dicotomiza, polariza e antagoniza a realidade. Pela dicotomia, separa a realidade em dois
campos. Em matéria de sexo, na sociedade são homens, de um lado, mulheres do outro, ou
heterossexuais numa fila, homossexuais na outra; em matéria de cor, são brancos e nãobrancos (negros, amarelos, vermelhos e mestiços); em matéria de religião ou política, a
“minha” religião, o “meu” partido, e as religiões, os partidos “dos outros”. Com a polarização
o maniqueísmo atribui o bem supremo, todas as virtudes a uma parte da realidade, e o mal
absoluto, com o século quito de todos os vícios, a outra. O que não é puramente divino é
puramente diabólico. Na há pecado entre os santos, nem mérito entre os pecadores. Nada
existe de covardia em heróis, nem de coragem ou fortaleza entre bandidos. As qualidades são
mais masculinos ou heterossexuais, dos brancos, dos “meus” correligionários de seita ou de
partido político, enquanto aos outros se atribuem as negativas.
Finalmente, pelo antagonismo, opõe uma a outra, as partes dicotomizadas e
polarizadas da realidade. Os bons, os verdadeiros, os justos, os santos, os heróis, os
superiores, os puros devem lutar e prevalecer sobre os maus, os mentirosos, os injustos, os
pecadores, os bandidos, os inferiores, os impuros (RODRIGUES, 1999, 88). O maniqueísmo,
conforme o aspecto da realidade materializa-se em machismo, racismo, fanatismo etc, tendo
em vista que toda concepção do bem e do mal, conhecida como princípios opostos,
complementares e eternos, serve ao autoritarismo.
24
Maniqueísmo é a, doutrina de Manes (276 a C.), combinação do velho dualismo persa de Zoroastro com
elementos gnósticos e cristãos. O mundo é explicado por dois princípios: um bom, o da luz; quatro mau, o das
trevas (da matéria). Deles brotam emanações boas e más e, por fim, a mistura de ambas. No homem habitam
uma alma luminosa e uma alma corpórea (BRUGGER, 1999, verb., maniqueísmo).
150
4.1.6 Dialética
Como antítese à cosmovisão autoritária manipuladora, a dialética, em sentido mais
geral, pretende significar qualquer processo, mais ou menos intricado de conflito,
intercomunicação e transformação conceitua ou social, no qual a geração, interpenetração e
conflito de oposições passam à sua transcendência em um modo mais pleno, ou mais
adequado, de pensamento ou forma de vida. Assim, à luz de Hegel, a cosmovisão dialética
apreende as formas em suas interligações sistemáticas, e não apenas em suas diferenças
determinadas, concebendo cada evolução como produto de uma fase anterior menos
desenvolvida, cuja verdade ou realização necessária ela representa, de modo que há sempre
uma tensão, uma ironia latente ou uma surpresa incipiente entre qualquer forma e é, o que ela
é, no processo do vir-a-ser (cf. HEGEL, 1981, p. 44-61 ). Tanto isto porque existem duas
inflexões da dialética em Hegel: como processo lógico e, como sentido mais restrito, como
dínamo do referido processo.
Sem prescindir da dialética como processo lógico25, a segunda inflexão – dialética
como dínamo do processo lógico – a dialética é concebida de maneira mais restrita, que Hegel
chama de “a compreensão dos contrários em sua unidade ou do positivo no negativo”. É o
método que permite a cosmovisão dialética observa o processo pelo qual as categorias, noções
ou formas de consciências, surjam umas das outras para formar totalidades cada vez mais
inclusivas, até que se complete o sistema de categorias, noções ou formas como um todo.
Esta cosmovisão dialética, do componente democrático da grade de análise, apreende
as formas conceituais em suas interligações sistêmicas, e não apenas em suas diferenças
determinadas, isto é, a preservação das diferenças e a busca da síntese, pois tanto as
diferenças como a síntese são, ontologicamente tomadas, modos-de-ser-da-realidade. A
25
Dialética, como princípio lógico, liga-se ao princípio do idealismo: de entendimento da realidade como
espírito absoluto, unindo a razão (eleata) com o processo (jônica0 e se outorga processo da razão (HEGEL,
1981, P. 52-54).
151
cosmovisão dialética hegeliana é só auto-desenvolvimento do conceito, ela é também a forma
mesma como a realidade se desenvolve26. Nesta medida é que a concepção de dialética em
Hegel se funda em uma e bem estruturada ontologia. É neste compreendendo que o vocábulo
dialético, neste instrumento de trabalho, é usado na sua bipolaridade de preservação das
diferenças e busca da síntese.
No seguinte quadro, tomando-se como exemplo de leitura o indicador excelência, do
item manipuladora e do subitem dicotomizante, tem-se a freqüência de 26,3% e o indicador
tristeza, do item dialética e do subitem preservação das diferenças, apresenta superioridade
com 28,5% de freqüência. Considerando-se todos os indicadores, têm-se 25,4% para a
cosmovisão manipuladora contra 74,6% para a cosmovisão dialética (cf. 4.5).
26
Com a expressão cosmovisão dialética hegeliana se quer significar aqui o elemento constituído (instrumento)
e constituinte da dialética de leitura com o qual se lerá as matezes de Cordel, porque tais matizes se fizeram
na dialeticidade do modo-de-ser-da-realidade contraditória, vivida pelos poetas populares ocupando
diferentes lugares sociais.
152
Manipuladora
Sub Ítem
DICOTOMIZANTE
Senhores
Excelência
Agitado
Burguês
Desigualdade
Total
42,2
26,3
5,2
5,2
21,1
Sub Ítem
POLARIZANTE
Agitador
Agita
Classes
Light
Total
0
3,5
20,7
75,8
152
153
Dialética
Sub Ítem
PRESERVAÇÃO
DAS
DIFERENÇAS
Desigualdade
Tristesa
Burguês
Injustiça
Total
14,3
28,5
7,2
50
Sub Ítem
BUSCA DE
SÍNTESE
União
Luta
Sangue
Terra
Total
7,2
31,7
6,4
54,7
153
154
A freqüência dos indicadores da cosmovisão nos folhetos de Cordel submetidos a esta
dialética de leitura, evidencia a tensão dialética entre componentes autoritários e
democráticos, denotando um equilíbrio de forças dos contrários. Os indicadores aparecem na
seguinte proporção: 26 elitistas versus 20 populares; 9 discriminatórios versus 10
interacionistas e 14 manipuladores versus 19 dialéticos. A totalização dos dados da
informação apresenta resultados de paridade com 49 indicadores para os componentes
autoritários e 49 para os democráticos. Tal resultado evidencia a tensão no equilíbrio de força
entre a ideologia dominante e a contra-ideologia popular como resistência.
155
156
4.2 Comportamento
Esta segunda categoria, comportamento27, compreende-se como o conjunto de reações
aos estímulos, enquanto são acessíveis à observação exterior, significando, portanto, conjunto
de reações de um ser, o conjunto das reações globais de seu organismo tanto das comuns à
espécie como as do indivíduo. Toma-se aqui o vocábulo comportamento na acepção de
conduta (conducere=levar junto), significando a maneira de atuar de uma pessoa sob o ângulo
ético. Assim, compreende-se porque filosoficamente o behaviorismo é uma espécie de
materialismo metafísico (SKINNER, 1970).
4.2.1 Dogmático
Além de maniqueísta, o autoritarismo costuma ser dogmático. Dogmático, como
dogmatismo (doutrina fixada), é um vocábulo etimologicamente derivado de dogma (do grego
dógma), significando ponto fundamental e indispensável duma doutrina religiosa e, por
extensão, de qualquer doutrina ou sistema. Quando a idéia de dogma é transportada para o
campo não-religioso, ela passa a designar as verdades não-questionadas e inquestionáveis: o
mundo muda, os acontecimentos se sucedem e o dogmático permanece petrificado nos
conhecimentos dados de uma vez por todas. Por temer o novo, o dogmático, não raro, se torna
intransigente e prepotente.
Quando o dogmatismo atinge a política, assume um caráter ideológico que nega o
pluralismo e abre caminho para a imposição da doutrina oficial do Estado ou do partido único,
com todas as perversas decorrências, como censura e repressão. Neste contexto epistêmico,
27
O termo comportamento é utilizado para traduzir a palavra inglesa behaviour, significando conduta,
comportamento. Decorre daí uma linha de pensamento chamada comportamentismo, conhecida
mundialmente pelo nome de behaviorismo, constituindo o pensar predominante na Psicologia acadêmica
desde as publicações de Waston (1924), que se tornaram notáveis (cf, SKINNER, 1982).
157
dogmas são proposições – pouco importante que sejam falsas ou verdadeiras – gratuitamente
impostas sem demonstração na forma ativa do dogmatismo, ou docilmente aceitas sem
compreensão, na forma passiva do dogmatismo (HESSEN, 1978, p. 37-40; REALE, 1994, p.
119-121).
O comportamento dogmático, polarizando os personagens da realidade social entre
elite e massa, evidencia uma práxis na qual a
elite autoritária é que decide e impera comportando-se de modo dogmático,
exigindo, da massa de manobra submissa, o retroalimentar dogmático passivo, por
considerá-la mentalmente incapaz de compreensão, por suposta economia de tempo
e esforço, por julgar-se inatingível, por outro tipo qualquer de racionalização ou o
que parece mais deplorárvel, por cinismo e inconfessáveis motivos”
(RODRIGUES, 1999, p. 88).
4.2.2 Dialógico
O comportamento dialógico remete ao vocábulo diálogo (do grego dia + legein =
alternância no fazer) que sugere o sentido de uma conversa na qual, pela alternância de
observações dos interlocutores, se percorre uma temática que conduza ao conhecimento, ou
que viabilize a práxis existencial do dia-a-dia. Neste compreender o comportamento dialógico
emerge como condição essencial para a sobrevivência pacífica que, sem prescindir dos
conflitos, fundamenta-se na capacidade dos interlocutores de questionar os próprios pontos de
vital e de admiti-los passíveis de questionamentos pelo outro, constitui-se experiência
dialógica autêntica de superação das situações de morte e de objetivação da resistência pela
alteridade (LÉVINAS, 1980).
A palavra é que serve de mediação para a experiência dialógica. Trata-se sempre de
uma palavra que chama, de uma voz que interpela além da ordem da visão, trans-ontológica, mas que só é efetiva se houver um ouvido que saiba ouvir. Tudo isto como
158
afirmação ôntica de quem não é, em si mesmo, um sistema hermético, mas disponibilidade de
silenciar, ouvir e falar:
Presta-se ouvido, responde-se e se obedece à palavra que previamente foi recebida
na disponibilidade. Tal disponibilidade só se pode produzir no seio de um ser que
não forma consigo mesmo um sistema fechado, hermético, no qual nada de novo
pode penetrar [...]. Ouvir a voz-do-outro, como outro, significa abertura ética, um
expor-se pelo outro que ultrapassa a mera abertura ontológica: é a própria abertura
da totalidade (Eu) ao outro (Tu), abertura metafísica. Esta abertura é silêncio, mas
não é silêncio interior à fala e sim silêncio da própria fala, silêncio do mundo,
aniquilamento e disponibilidade ao outro como outro (DUSSEL, 1977 p. 62-63).
Nesta dialeticidade – voz-ouvido/ouvido-voz – acontece a experiência da construção
da consciência democrática permitindo aos indivíduos, como advoga Paulo Freire, o direito de
participação e de desafio ao dogmatismo pelo exercício da democracia:
O direito tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas
conservam sua identidade, mas a defendem [...] por isso não nivela, não reduz um
ao outro. Nem é tática manhosa, envolvente, que um usa para confundir o outro.
Implica, ao contrário, um respeito fundamental dos sujeitos nele engajados, que o
autoritarismo rompe ou não permite que se constitua (FREIRE, 1982, p. 118).
A dialeticidade da experiência dialógica está na cumplicidade ética dos sujeitos
formando uma consciência ética que emerge do encontro co-implicante, uma analética28
unidade de dois momentos: a voz-do-outro e o ouvido da totalidade. A abertura do ouvido que
nos permite ouvir o outro, é possibilitado pelo sim-ao-outro ou amor-de-justiça que irrompe
no outro como outro-benevolente. A consciência ética é, então, ouvir-a –voz-do-outro; a voz
ou palavra que exige justiça, que exige seu direito já que o outro é, no espaço dialógico
28
Analético, no pensamento dusseliano, quer indicar o fato real humano pelo qual o homem, todo grupo ou
povo, se situa para além do horizonte da totalidade. O momento analético é o ponto de apoio de novos
desdobramentos (além do negativo da dialética) referindo-se semanticamente ao outro, sua categoria prórpia
é de exterioridade; por isso, o ponto de partida de seu discurso metódico (mais científico que dialeticopositivo) é a exterioridade do outro; seu princípio não é o de identidade, mas o da separação, distinção. O
momento analético do método dialético metafísico segue uma seqüência própria: em primeiro lugar, a
totalidade é posta em questão pela interpretação do outro; em segundo lugar, saber escutar sua palavra é ter
consciência ética (incomum ao autoritarismo). Em terceiro lugar, saber dar até a vida afim de realizar as
exigências de tal protesto, é lançar-se à práxis do oprimido (ação libertadora), é parte constitutiva do
processo do momento analético (DUSSEL, 1977, p. 163-164).
159
existencial, a condição da justiça e o caminho para encontrá-la (LÉVINAS, 1997, p. 269)
porque
a consciência ética tem diante de si a palavra-do-outo; a consciência não-ética,
totalitária, dominadora, que tem a-versão ao outro, tem diante de si uma coisa
silenciosa, não porque o seja, mas porque na lógica da dominação, o dominador
tem diante de si o silenciado, algo coisificado pela palavra monológica de
reafirmação da totalidade fechada (DUSSEL, 1977ª, p. 69).
O comportamento dialógico possibilita, no espaço da educação popular, a
compreensão de que o silêncio do outro-oprimido como “o outro” é exatamente o contrário do
silêncio do “outro-autoritário-dogmático”, que é preciso saber guardar silêncio para ouvir a
voz-do-outro; o primeiro é um silêncio significante analético e o segundo é solipsista que não
espera ter diante de si nenhum-outro. Dussel (1977a, p. 69), atribui à palavra uma conotação
significante neste movimento analético do silêncio:
A palavra que tenta não é a dialógica, é a monológica; afirma e reafirma a
totalidade-fechada; não é na verdade palavra reveladora mas encobridora, falsa,
errante, mentirosa. A palavra do conquistador, colonizador, opressor não pode ser a
voz da consciência; é a voz solitária do homem instalado na unívoca totalidade; voz
que não espera ter diante de si mesmo ouvido-outro; solipsismo de Caim que há
tempo matou Abel.
A cumplicidade dialógica possibilita compreender que só pode ouvir aquele que presta
ouvidos ao outro, isto é, a audienticidade já pressupõe a alteridade. Somente pode ouvir e
falar criativamente aquele que empreendeu a senda da libertação, de modo que saber escutar a
voz-do-outro29 é saber dispor-se para que sua interpretação surpreenda a gente, a instalação e
o mundo que nos rodeia como um clamor perigoso e inquietante de justiça, equivalendo à
consciência ética porque
29
A notação de libertação implica a sua compreensão como processo, possibilitando um ir-saindo-da-totalidade
enquanto fechada, um abri-se ao outro e um constituir-se, por isso mesmo, em outro da própria totalidade
fechada, correspondendo ao homem como consciência ética (DUSSEL, 1977b, p. 174-185).
160
o homem com consciência ética, ao ouvir a voz-do-outro, se transforma, mesmo
que seja contra a sua vontade, em testemunho, testemunho do outro-oprimido
diante da totalidade-fechada totalitariamente (DUSSEL, 1977a, p. 70).
O comportamento dialógico, plasmado pela consciência ética, torna-se espaço
favorável à experiência sócio-política de libertação:
o homem que tiver consciência ética ouvirá a voz da mulher oprimida numa cultura
patriarcal; o pai e o mestre ouvirão a voz do filho e do discípulo, ao se ter libertado
da pedagogia dominadora; o irmão libertando-se ouvirá a voz do irmão oprimido,
do pobre e do povo alienado que exige justiça (DUSSEL, 1997ª, p. 71).
A consciência ética é então o encontro da voz-do-outro que interpela e exige justiça a
partir de sua exterioridade distinta, encontro dialógico de tal voz com aquele que sabe ouviro-outro, possibilitando a objetivação da lógica da alteridade (LÉVINAS, 1997, p. 273).
Na tensão dialética veiculando o comportamento, como categoria de leitura cordelina
da realidade, tomando-se do quadro seguinte o indicador cidade do item dogmático e do
subitem elite, tem-se 48,3% de freqüência e o indicador companheiro, do item dialógico e do
subitem entre líderes e liderados, apresnta-se superante com 94,5% de freqüência. Entretanto,
considerando-se todos os indicadores, tem-se 72,6% para o comportamento dogmático contra
27,4% do comportamento dialógico (cf. 4.5).
161
Dogmático
Sub Ítem
ELITE DECIDE
Arrocho
Ordem
FMI
Governante
Cidade
Brutalidade
Sarney
Sarnento
Sub Ítem
MASSA OBEDECE
E CUMPRE
Respeitar /Respeito
Resignação
Obrigar /Obrigação
Total
1,6
9,8
1,6
9,8
48,3
4,8
19,3
4,8
Total
71,5
0
28,5
161
162
Diálogo
Sub Ítem
NAS DECISÕES
Democracia
Comando
Vote
Total
56,6
36,3
9,1
Sub Ítem
ENTRE
LÍDERES E
LIDERADOS
Companheiro
Cooperativa
Total
94,5
5,5
162
163
4.2.3 Manipulador
O vocábulo manipulador, como adjetivo qualificante do comportamento autoritário,
traduz o Francês (manipulateur) derivando do verbo manipuler, e não do Latim (manipulare),
denotando imprimir forma, engendrar, forjar. Na perspectiva da patologia social, o
comportamento manipulador é um tipo de manifestação e o exercício do poder pelo qual a
autoridade, que o detém, influencia o comportamento das pessoas, sem tornar explícito o tipo
de comportamento que tem em mira ser por elas executado. A manipulação pode ser exercida
através de símbolos ou pelo desempenho de determinados atos. A propaganda é a principal
forma de manipulação por símbolos. O desconhecimento do ato de poder pelos indivíduos tira
à manipulação qualquer caráter de legitimidade, o que não exclui a possibilidade de uma
autoridade legítima utilizar-se dela para fins não explícitos.
Em sociologia política, o manipulador é o agente da forma de violência psicossocial e
institucional posta em prática por meios físicos ou institucionais e inaugurada pelos regimes
totalitários contemporâneos de esquerda e de direita, para melhor enquadrar as massas dentro
dos interesses e aspirações de suas ideologias e de seus tipos de Estado (BENEDICTO et al.
1996, verb. manipulação).
A manipulação pressupõe uma situação de condicionamento e com ela se indentifica.
Suas raíezes ideológicas são encontradas no condutismo psicológico e na sociologia
mecânica, coercitiva e antipersonalista que reduz o encontro a um contato mecânico, todo
homem a um feixe de estímulo e respostas e a sociedade a uma máquina social: os indivíduos
são colocados em situação de minoria social no estado de subsistência30 e maioria social na
condição de subserviência.
Para compreender-se a categoria subserviência da maioria, no
contexto epistemológico de tipologização do comportamento
30
Os mais vulneráveis à manipulação incluem os iletrados, detentos, as crianças, os indígenas, os mais
pobres, os adolescentes dentre outros.
164
autoritário, evoca-se a seguinte afirmação de Rodrigues (1999): “o
autoritarismo dos chefes se esvaziria, no plano social, se não encontrasse
ressonância nos súditos que o suportam. Aqueles que se sentem impelidos pela
necessidade neurótica dos superiores. O paraíso dos sádicos situa-se no édem dos
masoquistas” (RODRIGUES, 1999, p. 120).
A maioria (súditos) sustenta a minoria dominante na hegemonia, significando a
objetividade do que se pode afirma: “para que alguns dominem, oprimam e matem, faz-se
necessário que outros temam, obedeçam e se deixem matar”.
A superioridade é imposta na forma de tratamento que os dirigentes costumam exigir
dos subalternos. Esta prática arraigou-se profundamente nos costumes dos povos por força de
tradição milenar. Vênias, prosternações, salamaleques, beija-mãos, beija-pés, beija-anéis,
posição de sentido, continência e outros tantos gestos de humilhação devem ser ritualmente
manifestados pelas pessoas, ao se aproximarem das autoridades. Por sua vez, o tratamento
verbal compreende vocabulário sumamente e enaltecedor da preeminência dos chefes: Alteza,
Majestade, Santidade, Excelência, Eminência, Magnificência invariavelmente precedidos dos
possessivos Vossa e Sua, exemplificam a longa relação dos substantivos elogiosos procedidos
dos lábios das pessoas que falam ou se referem às autoridades31.
Considerando-se os países em que a ditadura golpeou e substituiu a democracia32,
ocorreu um fato comum significativo. Antes do golpe, numerosos líderes, aclamados pela
maioria da massa eleitoreira, proferiam solenes e públicas profissões de fé nos valores
democráticos e nos direitos humanos. Durante o golpe e sobretudo depois deste, não
tergiversaram em compactuar com golpistas dominantes, e em bajulação, em justificar,
legitimar e instrumentalizar abertamente o direito da força, em detrimento da força do
direito33.
31
32
33
Os adjetivos correspondentes devem empregar-se invariavelmente em grau superlativo absoluto:
Eminentíssimo, Excelentíssimo, Meretíssimo, Sereníssimo etc.
Bolívia em 1964; Argentina em 1966 e em 1973 Uruguai e Chile.
O Brasil quando viveu o golpe militar de 1964 e o período posterior ao de repressão, apresentara
um memorial de sobrevivência da maioria incapaz e indecisa (ver BERG, 2002, p. 121-150; SADER,
1999, p. 74-91).
165
Na ótica do autoritarismo, a espécie humana é ambivalemte e contraditória, o que
justifica fazer sobreviver a massa de incapazes e indecisos. A humanidade em sua maior
parcela de representantes, não passa de abieto esterco, indispensável porém, para servir de
adubo e fertilizante a ser sugado pelas sublimes árvores. O esterco é formado pela vatíssima
legião dos fracos (incapazes) e tolos (indecisos), as sublimes árvores pelos fortes (detentores
do poder) e pelos espertos (prosélitos), dando tonalidade ao centralismo do poder autoritário e
a força ao estado subordinante do dominador.
4.2.4 Facilitador
O comportamento facilitador é o que incide diretamente no fazer pedagógico por
constituir-se ato, ou efeito, de por alguma coisa à disposição, ou ao alcance, de alguém,
possibilitando se compreender facilitador como comportamento que torna fácil, removendo
obstáculos de modo que aquele indivíduo, ou comunidade, prontifica-se a si mesmo, presta-se
com facilitação ao que lhe é o outro ser-sendo34 nas condições democráticas dadas:
Entendo pois que o processo educativo é a passagem da desigualdade à igualdade.
Portanto, só é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como
democrático sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no
ponto de partida e democracia como realidade no ponto de chegada (SAVIANI,
1983, p. 81).
O facilitador não prescinde de que os homens sejam essencialmente diferentes e que
tais diferenças têm de ser respeitadas:
... há aqueles que têm mais capacidade e aqueles que têm menos capacidade; há
aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo (SALVIANI,
1983, p. 45).
34
Noutros termos, realiza-se a lógica da alteridade objetivada no fazer-se condições de possibilidade ao fazerdo-outro na comunidade, na escola, no partido, no movimento popular, em suma, na experiência
democrática.
166
Em meio a essa diversidade, considerando-se o processo de transformação da
realidade, todos têm um papel a desempenhar. Contudo, diante de tantas coisas a serem feitas,
não há um ponto de gênese absoluta no processo de mudança, de tal forma que se pudesse
dizer com toda certeza “primeiro tem de mudar tal aspecto”, são lutas simultâneas. E neste
espaço de luta, o comportamento facilitador advoga:
Quem acordou, quem está desejando mudar, quem resolveu se comprometer, tendo
a visão de conjunto, pautado numa ética, num projeto emancipador, pode atuar
onde for possível (VASCONCELOS, 2003, p. 131).
Presume-se, pois, que em cada momento histórico, em cada contexto, pode-se
priorizar uma luta, mas articulando-se com as demais de modo que as instâncias básicas sejam
estimuladas a assumir e reassumir seus papéis na experiência democrática como explicita
Delors (2003, p. 222):
Assim, a solidariedade e o novo espírito comunitário podem ressurgir naturalmente
como princípio orgânico e organizador de vida, como alternativa à exclusão e à
desvitalização suicida do tecido social. Neste quadro, as instâncias básicas e
estáveis de socialização como as famílias e a escola são reconvocadas a reassumir o
seu papel nuclear na implantação dos alicérceres duradouro da sociedade do futuro.
O comportamento facilitador vislumbra, entre outras, as seguintes linhas de ação de
superação do comportamento manipulador:
Buscar clareza das responsabilidades dos diferentes agentes; assumir a parte que lhe
cabe; articular-se; facilitar a tomada de consciência dos diversos setores sociais;
ampliar os focos de pressão e lutar pela mudança das estruturas (VASCONCELOS,
2003, p. 131-133).
Em suma, vislumbra-se que os diferentes atores35 mobilizem criticamente as suas
energias em vez de se refugiarem em teorias defensivas e de justificação, que negam a
resistência e desqualificam os atores da posição de sujeitos históricos.
35
Diferentes atores tipifica aqueles que constituem as minorias de cuja história tem sido, com freqüência
silenciada, pobres e mulheres, deficientes e negros, indígenas e os que cedo abandonaram a escola.
167
Para leitura do seguinte quadro demonstrativo, tomando-se, como exemplo o indicador
patrão do item manipulador e do subitem, centralismo, tem-se 60% de freqüência e o
indicador líder, do item facilitador e do subitem reconhecimento das capacidades, apresentase superante com 61% de freqüência. Entretanto, considerando-se todos os indicadores, temse 64% para o comportamento manipulador contra 36% facilitador, evidenciando
predominância do autoritarismo (cf. 4.5).
168
Manipulador
Sub Ítem
CENTRALISMO
Ditadura
Protetor
Patrão (ões)
Proprietário (s)
Usineiro (s)
General (ais)
Total
5,7
5,7
60
11,4
86
8,6
Sub Ítem
SUBORDINANTE
Escravo (s)
Crime (s)
Pistoleiro (s)
Polícia
Total
9,1
68,2
9,1
13,6
168
169
Facilitador
Sub Ítem
RECONHECIMENTO
DAS CAPACIDADES
Líder
Responsável
Desemprego
Injustiçado (s)
Sub Ítem
OPROTUNIODADE
PARA TODOS
Justiça
Reunião (ões)
Total
61,6
0
30,8
7,6
Total
84,2
15,8
169
170
4.2.5 Bajulador
O vocábulo bajulador denota um comportamento autoritário, aquele que faz bajulação.
Tal vocábulo tem o mesmo radical de bajulação que vem do Latim (bajulatio, do verbo
bajulo-bajulares = carregar nas costas), possibilitando compreender-se bajulador denotando
comportamento pelo qual se lisonjeiam os poderosos na intenção, mesquinha e interesseira, de
captar os seus favores. O bajulador está sempre disposto” a lamber os pés dos que lhe estão
acima”, chegando a espezinhar seus inferiores ou iguais, utilizando-os como degraus de sua
própria ascensão desde que, com isto julge poder atingir seus objetivos (ÁVILA, 1982: verb.
bajulação e adulação). Correlato ao vocábulo está o termo adulação (do Latim adulor = fazer
carícia, adular e fazer a alguém) denotando a exploração sistemática e interesseira da vaidade
alheia, supervalorizando as qualidades de outrem e minimizando suas deficiências, tendo
como objetivo obter favores indevidos.
Quem usa da bajulação, acaba descobrindo que os resultados obtidos representam uma
diminuição de sua própria dignidade. O adulador, ou bajulador, é quase sempre mal visto no
grupo social porque seus esforços por agradar, acabam provocando repulsa. Em uma palavra,
a expressão bem objetiva do comportamento bajulador é a homenagem à elite.
O vocábulo homenagem vem do léxico provençal (omenatge) denotando promessa de
fidelidade do vassalo ao senhor feudal, protesto de veneração e respeito, também preito. Por
esta promessa de fidelidade, o vocábulo em discussão evoca o vocábulo triunfalismo como “ a
atitude de um grupo, ou de uma pessoa, certo de razão, ou atitude daqueles que dão provas de
uma confiança exagerada neles mesmos, nas próprias teorias. Ainda, ostentação, mais ou
menos espalhafatosa, da posse verdadeira ou falsa da autoridade, de poder ou da supremacia”.
A homenagem, portanto, não se compreende senão em conexão com a finalidade do
autoritarismo: busca da autoridade e do poder, a todo custo, sobre os outros. Por isto mesmo,
171
a homenagem tem conexão com o triunfalismo que é, a tendência para a exibição de qualquer
superioridade real ou pretensa. Esta acepção do termo liga-se à palavra triunfo, da qual deriva.
Com efeito, o triunfo nada mais é que uma manifestação pública de força, de glória e de
superioridade, a exaltação exuberante e apoteótica de um indivíduo sobre a multidão e,
indiretamente, de uma nação, de uma sociedade, de um grupo sobre os demais
(RODRIGUES, 1999, p. 170).
A crença na infabilidade das próprias opiniões e na excelência dos próprios valores
caracteriza o pensamento triunfal, distinguindo-o das demais formas de pensamento. Ela se
manifesta variando do fanatismo cego, da ufania simplória até à dúvida de auto-crítica36.
A homenagem à elite, sempre feita pelos subalternos, pode ser verbal, justificando ou
colocando o detentor do podem em posição de destaque. Isto porque a necessidade de se
mostrar, de se fazer olhar, aprovar e admirar pelos outros é, talvez, a característica mais
fundamental da personalidade triunfalista. Os apelativos de aplausos nas manifestações
públicas, slogans de campanhas políticas; exibição de fotografias (nas repartições públicas,
municipais, estaduais e federais) e ou estátuas e práticas análogas, funcionam como o suprir
da dita necessidade.
A verbalização da homenagem à elite dá-se, além de aplausos, na difusão ufanista
triunfante, pelos súditos-prosélitos, com atraentes cartazes, páginas em periódicos, programas
radiofônicos e chamadas publicitárias na televisão. Os artigos, reportagens e entrevistas com
autoridades e partidários do regime se sucedem nos meios de comunicação coletiva, exaltando
a coragem, a abnegação patriótica dos heróis que neutralizam o perigo democrático e
propiciam maior apropriação do poder.
36
Estas características receberam comentários substanciais feitos por Luis Dias Rodrigues de modo a
explicitar o autoritarismo, a competição e o triunfalismo que podem aparecer juntos com traços do desejo
genérico de poder (RODRIGUES, 1999, p. 170-171).
172
A ostentação das cerimônias triunfalistas, o culto aos símbolos triunfais e o próprio
pensamento triunfal articulados são expressões de proclamação e exaltação do
comportamento dogmático autoritário, como descreve Le Bom (1981, p. 4), com conotação
místicas e similarmente religiosas: “O herói que a multidão aplaude é verdadeiramente um
Deus para ele... os fundadores das crenças ou políticas fundaram-nas apenas porque souberam
impor às turbas estes sentimentos de fanatismo que fazem o homem encontrar a própria
felicidade na adoração, impelindo-as a sacrificar a própria vida por seu ídolo.
A exaltação pela posição de destaque dada à elite, pelos súditos ou prosélitos, pode ser
associando a sabedoria à autoridade (arquétipo de Salomão): os dirigentes autoritários se
proclamam competentes. Deste modo, a proclamação da competência dos chefes autoritários,
ecoando na aceitação da ignorância e incapacidade dos súditos, acarreta uma centralização
tentacular e um asfixiante estado de permanente tutela.
Outro momento de destaque ou homenagem feita à elite dominante emerge nas
cerimônias religiosas, civis e militares. Nestas ocasiões, os súditos escolhem sempre as
autoridades para o papel de padrinhos, testemunhas, patronos ou paraninfos em batizados,
casamentos, festas de formatura, solenidades de colação de grau, recepções de medalhas e
títulos honoríficos conferidos a si mesmos, aos filhos ou a outros membros da família.
É notória ainda a presença de fotografias de dirigentes autoritários, afixados em salas
especiais, em lugar de destaque, com o escopo de fazer ou preservar a imagem hegemônica
dos donos do poder, de maneira camuflada no que aparece explicativamente: uma justa
homenagem. No mesmo contexto estão as flâmulas distribuídas, placas afixadas solenemente
e estátuas erigidas como objetivantes da destacada posição dada à elite.
173
4.2.6 De liderança
O vocábulo liderança pode ser definido de forma bastante simples como a qualidade
que permite uma pessoa comandar outras. Isto implica que a liderança é uma relação mútua
entre líder e liderados, indivíduos e grupo. A palavra também indica ação. O líder e o grupo
fazem alguma coisa juntos. Por fim, liderança é evidentemente uma relação baseada na
aquiescência, não em coerção.
O comportamento de liderança existe quando o reconhecimento dos membros se dá
espontaneamente de modo que o líder, embora tenha a situação de destaque no grupo, seja
também um servidor das normas do grupo37, isto vale para a liderança democrática
implicando
[...] comportamento característico de um líder que procura despertar a maior
participação de todos os membros na determinação dos métodos, procura distribuir
as responsabilidades, estimula os contatos interpessoais e procura evitar uma
estrutura de grupo na qual predomina privilégios especiais e distinções entre os
membros (AVILA, 1982, verb. liderança).
A liderança cujo comportamento seja democrático leva a um moral do grupo mais
elevado e, como conseqüência a um maior rendimento porque a qualidade de liderança é
inerente não a um indivíduo, mas a um papel desempenhado dentro de um sistema social
específico:
O líder frequentemente inicia a ação pelo grupo, sem esperar sugestões dos
liderados, por outro lado, um liderado pode originar ação pelo líder num
acontecimento dual; mas não origina ação pelo líder e outros liderados ao mesmo
tempo, isto é, não origina ação num acontecimento plural que inclua o líder38
(SILVA, 1986, verb. líder).
37
38
Colocar-se a serviço do comportamento de liderança significa que um grupo, de qualquer índole, sempre atua
dentro de determinada situação. O termo situação significa aqui o conjunto de valores e atitudes com que o
indivíduo ou o grupo tem como suporte basilar no processo de sua atividade ( SILVA, 1996, vrb. liderança).
Acontecimento dual quer conotar o que ocorre entre duas pessoas e acontecimento plural indica o que
ocorre entre mais de duas pessoas.
174
A eficácia do comportamento de liderança tem influência central por estar sempre
relacionado à ação coletiva, o que explicita a liderança envolvendo a interação social.
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador igeneral item
bajulador, e subitem destaque, tem-se 60% de freqüência e o indicador sindicato do item de
liderança, do subitem debate e discussão, apresenta-se superante com 60,7% de freqüência.
Considerando-se todos os indicadores, tem-se 7,5% para o comportamento bajulador contra
92,5% do comportamento de liderança (cf. 4.5).
175
Bajulador
Sub Ítem
EXALTANTE
Vós-Mincê
Elogiar
Total
0
100
Sub Ítem
DETAQUE
Magnatas
Elogio
General
Total
40
0
60
176
De Liderança
Sub Ítem
VITALIZADA A
DÚVIDA
Democrata
Confusão
Total
20
80
Sub Ítem
DEBATE E
DISCURSÃO
Voto
Sindicato (s)
Total
39,3
60,7
176
177
4.2.7 Proselitista
O autoritarismo, além de comportamento dogmático, manipulador, bajulador, revestese, de atributos proselitistas. O proselitismo consiste numa espécie de necessidade neurótica
de multiplicar incessantemente o número de adeptos, iniciados, fiéis, clientes, eleitores,
conforme se trate de uma doutrina, de uma crença, de uma empresa, de um partido. O
proselitismo contém, assim, o germe do expansionismo, sustentado pela propaganda, e do
imperialismo, na perseguição obstinada de converter e de reduzir todos à condição de súditos
obedientes ao sistema monoliticamente autoritário.
Não é apenas a expansividade que garante a hegemonia do autoritarismo, mas cada
recém-convertido ou neófito deve transformar-se em novo prosélito39, numa espécie de reação
reducionista em cadeia, alastrando-se em progressão geométrica, e em crescimento
exponencial até toda massa. A propaganda ocupa, neste processo, papel bastante eficiente.
A propaganda é o suporte de sustentação do fazer e do sustentar prosélitos sustentantes
do autoritarismo. Como postura comportamental, a propaganda pode ser definida como a
tentativa deliberada de uns poucos de influenciar as atitudes e o comportamento de muitos,
pela manipulação da comunicação simbólica. Ainda hoje a propaganda é amplamente
considerada um expediente para abalar credibilidade de adversários políticos e/ou ideológicos.
Em outras palavras, a propaganda exerce eficiente controle ideológico40. No caso específico
do Brasil, durante a ditadura militar aberta em 1964, o professor e publicitário Armando
Sant´Ana (apud GARCIA, 1980, p. 48) faz a seguinte consideração: “A obrigatoriedade das
estações de televisão em passar dez minutos por dia de anúncios do governo é exaustiva”.
39
40
Prosélito é aquele que, além de abraçar uma religião, uma doutrina, uma idéia ou um sistema, faz-se
adepto com a diligente atividade de fazer ampliar os adeptos e crescer a doutrina, ou incindicional
militante quando se trata de partido político (AVILA, 1982, verb. autoridade).
Durante a ditadura militar no Brasil documentou-se o seguinte: “Sob controle quase absoluto, todos os
meios e recursos de comunicação foram utilizados na propaganda realizada oficialmente” (GARCIA,
1980, p. 77).
178
Seja qual for a inclinação ideológica ou a causa defendida, três elementos-chave são
comuns a toda propaganda:
- a propaganda é algo consciente ou deliberadamente feita para atingir determinadas
metas;
- a propaganda tenta afetar o comportamento através da modificação de atitudes, em
vez de recorrer ao emprego direto da força, da intimidação ou do suborno;
- a propaganda é de interesse político e sociológico por ser, essencialmente, um
fenômeno elitista. (OUTHWAITE et BOTTOMORE, 1996: verb. propaganda)
No contexto epistêmico do comportamento autoritário, a propaganda é a tentativa de
uns poucos, que têm acesso à mídia, como diseminadores, de influenciar os muitos que só têm
acesso a ela como público ouvinte, telespectador e leitor. Neste compreender a memória
nacional não esquece que o regime implantado em 1964, gradativamente, ia adquirindo
condições de atingir, pela propaganda, todo o país porque, para tanto, era necessário que a
expansão do sistema autoritário se realizasse sob o controle permanente de Estado autoritário
(GARCIA, 1980, p. 76).
4.2.8 Educação política
A expressão educação política, comportamento democrático, pode parecer,
inicialmente, paradoxal, em que a relação entre os dois vocábulos parece ceder a uma
dicotomia irreconciliável. Contudo, a expressão como antítese ao comportamento proselitista
do autoritarismo aponta para a inseparabilidade e a busca permanente de compreensão das
especificidades, que de cada um decorre, e da não redutibilidade semântica de um ato em
relação ao outro, mas sim da proximidade, da cumplicidade e influência recíprocas. Significa
que a politicidade do ato educativo é concomitante à educabilidade do ato político.
179
No
compreender
de
Freire
(1985),
a
politicidade
do
ato
educativo
é
concomitantemente a educabilidade do ato político, o que significa que a educação é sempre
política e atividade política educa. A prática educativa não contém apenas aspectos políticos,
mas se mostra política integralmente em todos os instantes e detalhes (VANNUCH, 1983, p.
17, 111-112). Saviani (1983), ao discutir a inseparabilidade dos atos educativos e atos
políticos, faz compreender que a politicidade do ato educativo é concomitante à educabilidade
do ato político, significando a não neutralidade, mas reciprocidade: a educação é sempre
política e a atividade política educa:
Entendendo que a educação e política embora inseparáveis não são idênticas. Trata-se
de práticas distintas, dotadas cada uma de especificidade própria. [...]. Entretanto, se
se trata de práticas distintas, isso não significa que sejam independentes, dotadas de
autonomia absoluta. Ao contrário, elas são inseparáveis e mantém íntima relação
(SAVIANI, 1983, p. 85).
A cumplicidade epistêmica dos vocábulos, da expressão inseparáveis – educação
política-, desvela-se na especificidade de um deles que, como tal, não inibe a presença do
outro. A especificidade do político estaria no vencer (os antagônicos), enquanto a
especificidade da pedagogia estaria no convencer (os não-antagônicos). Nesta visão, o vencer
(político) passa, inevitavelmente, pelo convencer (pedagógico). Esta passagem possibilita à
política permear-se do pedagógico e, a um tempo, o convencimento (pedagógico) se revestir
do político no quotidiano:
O ato político, para mim, para nós, é vencer as classes dominantes, sem dúvidas
nenhuma [...] e participar, com as massas populares, de sua mobilização
aprendendo e ensinando. É esse o momento eminentemente pedagógico do político,
um momento do convencimento no ato político para buscar a vitória [...]. A vitória,
enquanto ato político, é mediada pelo convencimento enquanto ato pedagógico
(FREIRE, 1985, p. 33).
Na cotidianidade do ato unitário (político-pedagógico/pedagógico-político) é que se
pode perceber uma relação dialética que o constitui como tal:
180
Primeiramente é preciso considerar a existência de uma relação interna, isto é, toda
prática educativa, enquanto tal, possui uma dimensão política assim como toda
prática política possui, em si mesma, uma dimensão educativa (SAVIANI, 1983, p.
88).
O entendimento conduz para a existência de manifestações de duas modalidades
específicas de uma mesma prática: prática social:
Ora, em sua existência histórica nas condições atuais, educação e política devem ser
entendidas como manifestações da prática social própria da sociedade de classe
(Idem, p. 89).
Ao tomar-se a expressão educação política, como uma objetivção do comportamento
democrático, a greve surge como indicador de sua hegemonia:
A greve é uma escola para a classe trabalhadora. Sob o ângulo político têm
igualmente as greves sempre um saldo positivo: revelam a capacidade de uns e a
incapacidade de outros na condução política. Novos líderes se formam na luta
(GADOTTI, 1998, p. 194).
O atendimento ou não às reivindicações salariais não pode ser considerado como o
único indicador de sucesso da greve. A educação popular mediada pela greve possibilita a
formação da consciência crítica. Neste sentido, Gadotti (1998, p. 195):
Quanto ao trabalhador, este se educa tomando consciência de sua situação, de seus
direitos. Luta por eles. Ao saber da humilhação à qual é submetido diariamente,
conscientiza-se, ´pela e na greve`, da necessidade e da responsabilidade de
ultrapassar os seus limites.
A educação política possibilita ações comunitárias e uma intelecção crítica das
mesmas como ato-político-educativo. Tomando como referencial a greve, compreende-se que
nela
[...] se estabelece uma relação capaz de quebrar o individualismo que o modelo de
produção capitarlista criou e impõe [...]. A recusa em contribuir é também um ato
educativo para ambos. Implica a decisão, essência do ato pedagógico, da parte
daquele que se recusa, sejam quais forem os motivos. Educar-se é tomar posição,
ser partidário. A educação é obra do partido. Por isso, uma greve educa mais do que
os próprios grevistas poderiam supor (GADOTTI, 1998, p. 195).
181
A greve como um ato político é, por isto mesmo, um ato pedagógico no qual os
grevistas fornecem ocasião para muitos se educarem. A greve é, neste contexto epistêmico, a
prova de que um passo de educação política está sendo dado e cada um se sabe com sua
história na mão. Em suma, dizer que a educação é sempre um ato político não significa outra
coisa senão sublinhar que a educação possui sempre uma dimensão política, independente de
se ter ou não consciência disso porque:
- a explicitação da dimensão política da prática educativa está condicionada à
explicitação da especificidade da prática educativa;
- a explicitação da dimensão educativa da prática política está, por sua
vez, condicionada à explicitação da
especificidade da prática
política(SAVIANE, 1983, p. 92).
A partir do exposto, depreende-se que a importância da educação política reside na sua
função de socialização do conhecimento e, realizando-se nisto que lhe é próprio, cumpre a sua
função política no que se explicita paradoxal e dialeticamente:
Toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política. Toda
prática política também contém, por sua vez, inevitavelmente, uma dimensão
educativa (SAVIANE, 1983, p. 92).
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador pelegage(m), do
item proselitista e subitem expansionista, tem-se 33,4% de freqüência e o indicador luta, do
item educação política e subitem ações comunitárias apresenta-se superante com 51,8% de
freqüência. Considerando-se todas os indicadores, tem-se 13,1% para o comportamento
proselitista contra 86,9% para o comportamento de educação política, evidenciando
preponderância democrática sobre o comportamento autoritário (cf. 4.5).
182
Proselitista
Sub Ítem
DE
PROPAGANDA
Telefonema (s)
Sub Ítem
EXPANCIONISTA
Propriedade
Multinacionais
Grileiro (s)
Pelegage
Total
100
Total
47
11,7
5,9
35,4
182
183
Educação Política
Sub Ítem
FORMAÇÃO DA
CONSCIÊNCIA
CRÍTICA
Liberdade
Governados
Salário
Sangue
Sujeição
Total
20,9
2,3
53,5
18,6
4,7
Sub Ítem
AÇÕES
COMUNITÁRIAS
Greve
Luta
Tragédia
Canto
Lavoura
Tiradentes
Brizola
Total
3,8
51,8
4,9
25,9
4,9
4,9
38
183
184
O tema comportamento visto pela freqüência dos indicadores, em cada um dos 17
folhetos de Cordel lidos, na tensão dos pares da dialética de leitura, percebe-se o que se pode
chamar de empate técnico na seguinte proporcionalidade: 22 dogmáticos versus 13 dialógicos;
21 manipuladores versus 17 facilitadores; 4 bajuladores versus 10 de liderança e 6
proselitistas versus 27 de educação política. Contudo, somando-se a freqüência de
comportamento autoritário tem-se 53 indicadores contra 67 indicadores democráticos,
denotando predominância da resistência popular à ditadura militar.
185
186
4.3 Estratégias
Etimologicamente o termo estratégia vem do grego (strategia) conotando a arte de
quem dirige. O vocábulo sendo constitutivo do universo militar, aponta para a condução da
guerra e de suas operações. Num segundo aspecto, significa conjunto coerente de ações
destinadas a produzir certo resultado, a eliminar o adversário ou superar obstáculos. Empregase a palavra estratégia, inicialmente, para designar a escolha dos meios empregados para
chegar a um fim. Trata-se da racionalidade posta em prática para atingir um objetivo. No
contexto político, fala-se de estratégia-do-poder como o conjunto de meios postos em prática
para fazer funcionar ou manter em funcionamento um dispositivo de poder.
Compreende-se melhor o conceito de estratégia em se olhando a moralidade pública e
ostensiva dos chefes autoritários e dominadores. Em público, demonstram devoção para
freqüentarem as festas populares e religiosas das massas; proclamam-se intérpretes dos
valores populares para manter os dominados como tais, fazendo valer o princípio: “tudo
sacrificar para manter aqueles que nos sustentam como tais”. Este princípio é que alimenta a
produção de meios de sustentação do poder. O estrategista do autoritarismo segue a risca o
princípio de sabedoria política formulado por Gracian (1647, p. 46 apud RODRIGUES, 1999,
p. 98-99):
Sábio é Prometeu, que é santo com os santos, doutor com os doutores, sério com os
sérios e jovial com as pessoas alegres. Este é o meio certo de ganhar todos os
corações, pois a semelhança é o laço que prende a benevolência. Discernir bem os
espíritos e mediante uma transfusão política, penetrar no humor e no caráter de um,
eis um segredo absolutamente necessário para aqueles que dependem dos outros.
O dominador precisa do dominado e para mantê-lo, mantendo-o como tal, usa esta
estratégia graciana, que dita em linguagem popular é assim: “em terra de sapos de cócoras
com eles”.
187
4.3.1 Neopotismo
Nepotismo é a prática pela qual uma autoridade pública nomeia um ou mais parentes
próximos para o serviço público, ou lhes confere outros favores, a fim de promover o
prestígio da família, aumentar a renda familiar ou ajudar a montar uma máquina política, em
lugar de cuidar da promoção do bem-estar social. O aspecto familiar distingue nepotismo de
termos mais amplos porém intimamente relacionados, pistolão e empreguismo.
Pistolão (de pistola + ão), aumentativo de pistola, originado do tcheco (pistal),
passando pelo alemão (pistole) e pelo francês (pestole) significando espécie de fogo de
artifício. Além do primeiro sentido – arma de fogo -, significa “canudo de fogo de artifício”,
que serve para anunciar a manifestação intensa de júbilo. Aí se trata de engenho pirotécnico
que estoura no ar (rojão) em festas de ocasiões de regozijo, e consta de um tubo de papelão
cheio de pólvora e dotado punho de apoio. O punho serve de apoio de proteção para quem
aciona a pistola (hoje conhecido como foguete), que atua em virtude da explosão dos gazes da
combustão da pólvora, quando se ateia fogo ao pavio. O resultado é o clarão sinalógico de
glóbulos luminosos, expressando alegria pelo sucesso, pela vitória ou outro sentimento
comprovadamente contagiante.
No horizonte estritamente social, pistolão significa influência, poder, prestígio para
tutelar benesses, favores, empregos, contratos. Neste contexto, é o próprio agente, detentor do
poder político, econômico, profissional, e até religioso, de cujos “pedidos são ordens”, como
se costuma dizer para valorizar o prestígio do pistolão. No Brasil o exercício de cargos
públicos, sob o poder de influência, chamou-se regime de pistolão. Daí, o exercício funcional,
no regime de pistolão pressupõe o intermédio na concessão de favores objetivada no
preenchimento de cargo de confiança, funções de assessoramento e outras que independem de
concurso (SILVA, 1996, verb. Nepotismo, pistolão).
188
O nepotismo não é um fenômeno de governo restrito a um período específico da
história porque nas democracias modernas essa prática está freqüentemente associada ao
empreguismo. O nepotismo, em suma, é aplicado à autoridade pública que coloca parentes e
aderentes na folha de pagamento, a fim de promover o prestígio da família e aumentar a renda
familiar.
4.3.2 Promoção por mérito
Promoção41 por mérito é a expressão que se vincula à práxis política que, como
estratégia contraposta ao nepotismo autoritário, emerge da interação de sujeitos agindo
democraticamente porque
o ético emerge na interação de sujeitos, mas aponta para a superação de qualquer
particularism: só se pode falar propriamente de norma moral se se leva em conta a
pretensão de validade universal (OLIVEIRA, 1993, p. 19: cf. HABERMAS, 2004ª,
p. 227-265).
O ético diz respeito a um espaço de possível reconhecimento recíproco entre sujeitos
de igual dignidade o que possibilita a experiência comunitária e nela
o reconhecer cada homem em seu direito fundamental de tornar-se parceiro numa
práxis comunicativa, o que significa reconhecer sua autonomia, seu auto-possuir-se,
numa palavra, reconhecê-lo como agente livre (OLIVEIRA, 1993, p. 148).
Do ser-reconhecido como agente livre e, por isto mesmo, engajado no processo
comunitário, fica bloqueada a prática do nepotismo porque o mérito de cada um emerge da
autoridade da pessoa, cuja presença se fundamenta no crescimento pessoal e do grupo e serve
de fundamento, como explicita o personalismo, ao referido crescimento:
41
O vocábulo promoção tem duas origens: do inglês (promotion) e do latim (promocione), a primeira denota
impulso publicitário, a segunda denota ato ou efeito de promover alguém, dar acesso a cargo ou a uma
categoria superior. Toma-se aqui a conotação latina.
189
Em sua experiência interior, a pessoa é uma presença orientada para o mundo e
para as outras pessoas, misturando-se com elas no espaço universal. As outras
pessoas não a limitam; ao contrário, elas possibilitam ser e crescer. Portanto, a
pessoa só existe em relação aos outros, só se encontra no reconhecimento dos
outros (MOUNIER, 1976, p. 63-64).
O ato promocional emerge do “tu” que implica o “nós” porque o “tu” precede o “eu’,
ou pelo menos, o acompanha. Significa que a pessoa, através do movimento, que corresponde
ao seu ser-comunitário, se expõe a si própria como disponibilidade para. É, portanto,
comunicável por natureza e tem necessidade de se comunicar. Deve, pois, partir deste fato
todo e qualquer merecimento (HABERMAS, 2004c, p. 22-32).
Promover é entrar em relação com o outro para construir um sentido comum, é situarse na alteridade que se constitui o espaço de múltiplas significações:
O sentido da alteridade, tal como descreve a fenomenologia, está além do caráter
humano particular, caráter constituído da consciência num mesmo gesto que dá
consciência de si e do outro. Esta existência torna-se o lugar de uma nova
autonomia, num mundo aberto e irresoluto que se trata de repensar através da
complexidade (MORANDI, 2002, p. 125).
O outro aparece como dimensão da existência, elo formador e lugar constitutivo de
valores, valores de si mesmo, de “si mesmo como o outro”. Neste sentido, a educação popular
é um percurso ao centro no qual a relação com o outro se constitui e, neste constituir-se,
fundamenta a promoção pessoal e/ou comunitária por mérito e não por apadrinhamento,
porque é numa ação orientada que os partícipes da práxis democrática buscam princípios
fundamentais de eticidade promorcional:
É num trabalho incessante de interpretação da ação e de si mesmo que se prossegue
a busca da adequação entre o que nos parece o melhor para o conjunto de nossa
vida e as escolhas preferenciais que governam nossas práticas [,,,]. Entre nossa
visada da vida boa e nossas escolhas particulares, delineia-se uma espécie de
círculo hermenêutico [...] como de um texto no qual o tudo e a parte se
compreendem um pelo outro (RICOEUR, 1996, p. 202-227).
190
Nesse espaço hermenêutico democrático não há ruptura da relação dialética, mas
partilha, distribuição que tende a realizar, pela idéia de igualdade, uma visada da justiça. Estes
elementos traçam um campo de experiência ética, sua dinâmica e seu objeto para a educação
popular, que Habermas (2004, p. 298-299), chama de princípio de soberania popular:
O princípio da soberania popular expressa-se nos direitos à comunicação e
participação que asseguram a autonomia dos cidadãos [...]. A autonomia política
dos cidadãos deve tomar corpo na auto-organização de uma comunidade que atribui
a si mesma suas leis, por meio da vontade soberana do povo [...], porque à
legitimidade dos direitos humanos se deveria os resultados de um autoentendimento ético e de uma autodeterminação soberana de uma coletividade
política.
Prosseguindo, é da auto-organização que, em última palavra, emerge princípios
norteadores da promoção por mérito em conformidade com a igualdade de chances:
Esses direitos, aos quais cabe garantir a cada um esforço por alcançar os objetivos
de sua vida privada em igualdade de chances, têm um valor intrínseco, ou eles ao
menos não se diluem no valor instrumental de si mesmos em prol da formação
democrática da vontade (HABERMAS, 2004b, p. 300).
Na tensão dialética veiculando as estratégias, no quadro seguinte, pelas itens
nepotismo e promoção por mérito, mostra que em se tomando o indicador parente(s) do item
nepotismo e do subitem parentes, constata-se 28,5% de freqüência e o indicador forte(s) do
item promoção por mérito e do subitem pessoal, apresenta 36,1%, denotando a predominância
das estratégias democráticas sobre as autoritárias. Considerando-se todos os indicadores, temse 27,6% para as estratégias nepotistas contra 72,4% para as de promoção por mérito,
sobrepondo-se as estratégicas democráticas (cf. 4.5).
191
Nepotismo
Sub Ítem
PARENTES
Herdeiro (s)
Compadre
Perente (s)
Sub Ítem
ADERENTES
Classe (s)
Ricasso
Amigo
Total
57,2
14,3
28,5
Total
38,8
0
61,2
191
192
Promoção por Mérito
Sub Ítem
PESSOAL
Direito (s)
Valente
Forte (s)
Total
58,1
5,8
36,1
Sub Ítem
COMUNITÁRIA
Indulto
Iguais
Igualitários
Total
17,2
75,9
6,9
192
193
4.3.3 Uniformização
A universalização ou uniformização, estritamente ligada ao comportamento
proselitista42, é outra atitude que acompanha o autoritarismo. O objetivo velado daqueles que
preparam prosélitos, e deles se servem, é a estruturação e efetivação do processo de
universalização para a uniformização. Os prosélitos, por sua vez, ignorando os objetivos
inconfessáveis e interesseiros daqueles que os manipulam, agem ingenuamente na condição
de inocentes úteis, de forma ostensiva e ufanista, como se fossem “salvadores da pátria”, ao
defenderem a seita, a ideologia ou doutrina de que são meros porta-vozes inconscientes. Isto
lembra o Evangelho de Mateus, quando Jesus recrimina fariseus e escribas moldadores de
prosélitos manipulados: “Ai de vós escribas e fariseus hipócritas que percorreis mares e
continentes para granjear um só prosélito, e, quando o conquistastes, o tornais duas vezes
mais digno da geena que vós!” (Mt. 23,15).
Os universalizadores padronizam idéias, linguagem, sentimentos, movimentos e até
mesmo indumentária. Não apenas as vestes devem ser iguais e “uniformes”, mas também a
maneira de pensar, de sentir e de agir. O ideal da uniformização universalizante é que todos se
transformem em fotocópias do modelo vigente, perdendo, cada um, a individualidade, a
originalidade e a própria identidade no processo de massificação das pessoas.
Nos regimes autoritários, freqüentemente, uma censura inviabiliza a circulação
espontânea das idéias e das opiniões na imprensa falada, escrita e televisada, uniformizando e
universalizando, assim, o comportamento cognitivo, afetivo e psicomotor: certa monitoração
do modo de vida e de ser-sendo. O controle dos correios e dos outros meios de comunicação
impossibilitando o diálogo franco dos indivíduos através de cartas, ligações telefônicas etc.
Nas ruas, escolas, empresas, clubes, igrejas e em todas as organizações pululam agentes
42
O vocábulo universalização é tomado aqui como ato ou efeito de universalizar com o objetivo que se liga
ao proselitismo (vide proselitismo no item 4,2).
194
disfarçados do autoritarismo, sempre atentos e de prontidão para denunciar e punir todos
aqueles que eles imaginam haver blasfemado contra a suposta perfeição do regime.
4.3.4 Diversidade
A realidade contemporânea é interpretada como uma sociedade em que desapareceu a
unidade de sentido da vida humana (BOBBIO, 1995b, p. 35, 102-106) e, consequentemente,
como perpassada por uma concorrência ilimitada de sentidos regionais e limitada portanto,
como uma sociedade estruturalmente pluralista. O pluralismo sinonimiza o vocábulo
diversidade que, aqui se contrapõe, como estratégia democrática, à universalização autoritária
camuflando a diversidade pela uniformização dos modos de pensar e de agir.
Tomando a diversidade para a sua própria compreensão como alternativa à
uniformização ou uniformidade, a nova perspectiva é a de totalidade constituída pela própria
diversidade. Tal compreensão passa pela ontologia heideggeriana para desembocar no
universo da cultura popular como produção de saber e de eticidade democrática.
Heidegger (1979), em “Identidade e diferença”, quando tematiza a identidade entre ser
e pensar, ser e homem, introduz a expressão comum-pertencer cujo o sentido é determinado a
partir da unidade entre ser e pensar, ser e homem. Fundado na diversidade tangível entre ser e
pensar, ser e homem, não se pode prescindir da comum--unidade que se lhe significa.
Nesta complexidade significante do diverso-unidade e unidade-diverso, emerge o significado
de pertença:
Neste caso ´pertencer` significa: integrado, inserido na ordem de uma comunidade,
instalado na unidade de algo múltiplo, reunido para a unidade do sistema, mediado
pelo centro unificador de uma adequada síntese (HEIDEGGER, 1979, p. 181) .
195
Em Heidegger o comum-pertencer pode também ser pensado como comum-unidade,
isto é, a comunidade é determinada a partir do pertencer43. O determinante da comunidade
toca também o homem como a sua condição de possibilidade, apontando para o que
Heidegger chama acontecimento-apropriação. O acontecimento-apropriação, segundo um
apelo historial do ser e do homem, é também da comunidade que, a um tempo preserva a
diversidade e estabelece a unidade:
A palavra acontecimento-apropriação dirige seu mediato apelo para o nós, o mais
próximo daquele próximo em que já estamos repousando [...]. O acontecimentoapropriação é o âmbito dinâmico em que o homem e ser atingem unidos sua
essência, conquistam, no “nós”, seu caráter hitorial (HEIDEGGER, 1979, p. 185).
Significa que o acontecimento-apropriação apropria o homem e ser em sua essencial
comunidade, de modo que a essência da identidade é a propriedade do acontecimentoapropriação historial pelo(s) sujeito(s) e pela comunidade. Heidegger é bastante claro ao
determinar que é a palavra o material de construção do acontecimento-apropriação superante
da uniformidade e promulgante da unidade na diversidade:
Pensar o acontecimento-apropriação significa trabalhar na edificação deste âmbito
dinâmico, O material de construção vem da linguagem [...]. À medida que nossa
essência está entregue à linguagem como propriedade, residimos no acontecimentoapropriação (HEIDEGGER, 1979, p. 185-186; cf. 2003, p. 121-136).
A linguagem é, pois, um processo de interação social, e poder usar a linguagem
significa, então, ser capaz de inserir-se num processo de interação social simbólica de acordo
com suas regras específicas, que são estabelecidas através das interações históricas.
Precisamente, este conjunto de regras estabelece o quadro das ações possíveis dos indivíduos
e abre o horizonte para a criatividade, já que a linguagem não é algo simplesmente pronto,
mas é fruto da criação das comunidades humanas históricas. Por esta razão, as conexões
43
Permanece aberta a questão do significado de “pertencer” que só será classificada relacionando-se homem e
comunidade, onde tanto o homem quanto a comunidade formam a unidade e a diversidade no comumpertencer (cf. HEIDEGGER, 1985).
196
simbólicas só são inteligíveis a partir dos diferentes contextos de interação, que são
fundamentalmente diferentes entre si, constituindo uma diversidade insuperável que, segundo
Habermas (2001), compreensível na unidade do mundo-da-vida:
O mundo-da-vida é, por assim dizer, o lugar transcendental em que o falante e
ouvinte vão ao encontro um do outro; em que podem colocar reciprocamente a
pretensão de que as suas emissões concordem com o mundo (objetivo, subjetivo e
social); e em que podem criticar e exibir os fundamentos dessas pretensões de
validez, resolver seus desentendimentos e chegar a um acordo (HABERMAS,
2001, p. 179).
O mundo-da-vida, como a forma-de-vida em Wittgenstein (1979), é o ancoradouro da
diversidade como algo que é dado e, por isto mesmo, fundante da nossa historialidade,
envolvendo não só a dimensão biológica, mas principalmente a cultural e política44. Neste
contexto, Oliveira (2001) deixa compreender que dentro do processo comunicativo levanta-se
a exigência do reconhecimento de cada agente comunicativo e da sociedade solidária,
perfazendo a unidade na diversidade:
Entrar em processo comunicativo significa, então, reconhecer a inviolabilidade de
cada sujeito humano, portanto, como alguém portador de um direito originário, a
autonomia, de onde emerge a exigência de construir uma sociedade solidária que
torne efetivamente possível o reconhecimento mútuo dos sujeitos entre si
(OLIVEIRA, 2001, p. 268).
Com isso, a práxis humana revela-se não apenas como fazer, mas fundamentalmente
como “agir”, isto é, como construção ética do ser humano. Na eticidade humana construída é
que se ouve o poeta cordelino Patativa do Assaré, na documentação de Feitosa (2003),
falando de adjunto para o agir diverso na unidade do mundo-da-vida:
Chama-se de adjunto a reunião de várias pessoas que se ajudam mutuamente. No
sertão cearense, os adjuntos são comuns no preparo da terra quando agricultores e
donos de terra se juntam para preparar as terras uns dos outros, economizando
despesas com a concentração de trabalhadores remunerados. A mesma união
44
Sobre forma-de-vida como o lugar da unidade na diversidade, cuja compreensão aparece mediada pelo
ato-de-fala, ver Sousa (2005, p. 47-75) e Wittgenstein (1979, p. 221).
197
acontece quando das colhetas. Na Serra de Santana, os adjuntos acontecem para o
plantio e colheta de lavoura de arroz (FEITOSA, 2003, p. 43).
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador denúnica, do
item uniformização e do subitem linguagem, tem-se 66,7% de freqüência e o indicador
liderança, do item diversidade e subitem preservação das diferenças, apresenta-se com
freqüência de 5,2%, denotando superioridade hegemônica do autoritarismo. Considerando-se
todos os indicadores, detecta-se 57,5% para as estratégias de uniformização contra 25,5% para
a diversidade, explicitando a hegemonia das estratégias autoritárias. (cf. 4.5).
198
Uniformização
Sub Ítem
DE IDÉIAS
Lei (s)
Proibição
Total
100
0
Sub Ítem
DE
LINGUAGEM
Mentira
Censura
Denúncia
Total
33,3
0
66,7
198
199
Diversidade
Sub Ítem
CONHECIMENTO
DA
PLURALIDADE
Partido (s)
Representação
Situação
Oposição
Sub Ítem
PRESERVAÇÃO
DAS
DIFERENÇAS
Liderança
Sertanejo
Operário (s)
Agricultor (es)
Total
65
15
17,5
2,5
Total
5,2
17,3
50
27,5
199
200
4.3.5 Fisiologismo
O termo fisiologismo aponta para a palavra ou expressões conexas como relação de
vizinhança: corporal, fisiológica, material, orgânica; relação de dependência: natureza e
realidade material (cf. RUSS, 1994, verb. Fisiocracia, prova físioteológica e, comentário à luz
de Emanuel Kant). O vocábulo remete para o seu correlato, fisiocracia, que caracteriza o
modo de pensar e explicar a vida econômica, constituindo a primeira escola econômica
chamada escola fisiocrática ou, como forma de pensamento ou ideologia, fisiocracia.
Começando pelo seu fundador, Francisco Quesnay45, a escola fisiocrática sustenta a
existência de uma ordem natural, governada por leis férreas e objetivas, tanto físicas como
morais, incumbido ao bom legislador não criar leis positivas a seu talento, mas apenas
reconhecer as leis naturais e, conseqüentemente, promulgar leis positivas que se conformem,
o mais possível, com a natureza.
Os fisiocratas julgam ser a ordem natural também uma ordem providencial, isto é,
desejada por Deus para a felicidade dos homens. “As leis são irrevogáveis”, escreve Mercier
de la Rivière, “emanam da essência dos homens e das coisas, são a expressão da vontade de
Deus”. O que merece ser sublinhado nesta concepção, é a noção de harmonia daí deduzida
pelos fisiocratas: harmonia entre interesse individual e geral, que servirá de base ao
liberalismo. Deste modo, a noção providencial da ordem natural está intimamente ligada à de
liberdade. Esta liberdade é para os fisiologistas a base do progresso econômico social: “obter
o máximo aumento possível de satisfação com a máxima redução possível de dispêndio, eis a
conduta econômica perfeita” (HUGON, 1969, p. 94-95).
45
Dr. François Quesnay (1694-1764), descendente de família rural, autodidata, médico do rei Luis XV, depois
de articulista da Grande Enciclopéida Francesa, escreveu sua principal obra “Tableau Économique” (1760),
seguido pelo Marquês de Mirabeau (1715-1789), Macier de la Riviere (1721-1793), o abade Baudeau (17301829) e Dupont de Nemours (1739-1817), verdadeiro secretário-geral d´École Physiocratique, quando
publicou “Oeuvres économiques et philosophiques” de Quesnay, que serviu posteriormente (1768) para
denominação da escola: “La Physioratique” (cf. HUGON, 1969, p. 89-90).
201
Para os adeptos, a fisiocracia era “a ciência”; para os adversários, “uma ceita”. O
neologismo refletia a aspiração a uma visão científica, universal, da história acontecida e por
acontecer, a confiança num modelo natural que era preciso descobrir, um modelo que fosse
possível adaptar-se: o melhor possível, por ser o único capaz de propiciar a máxima e
harmoniosa satisfação dos interesses da autoridade soberana e das classes que compõem o
país.
A noção de ordem natural é afirmada como verdade evidente e sempre exata, tanto no
tempo, como no espaço. Dentre as diversas considerações a respeito da ordem natural, eis
duas fundamentais:
- convém observar que constitui a ordem natural e providencial, para os fisiocratas,
uma concepção que ultrapassa o campo de aplicação da economia: nela vêem a base da
organização de toda a sociedade;
- há pois, uma ordem natural, essencial e geral, que contém em si as leis constitutivas e
fundamentais de todas as sociedades, ordem da qual não podem as sociedades afastar-se sem
perder um pouco do que são, sem adquirir o estado político de menos consistência, sem se
encontrarem seus membros, mais ou menos, desunidos e em situação de violência; uma
ordem, enfim, impossível de ser inteiramente abandonada sem provocar a dissolução da
sociedade e, dentro em pouco, a destruição absoluta da espécie humana (DUPONT DE
NEMOUR, apud. HOGN, 1969, p. 96-97).
No bojo dessas considerações, “os monarcas hereditários são os únicos soberanos em
cujos interesses podem estar ligados os das nações através da co-propriedade de todos os
produtos líquidos e territoriais sujeitos à sua soberania. Trata-se, segundo a fisiocracia, de um
despotismo legal, decorrente da evidência da ordem natural e, por isto mesmo, objetiva-se
como práxis justificada pela afinidade política e econômica. Neste contexto, o fisiologismo
aparece, como estratégia do autoritarismo, buscando explicação racional e lógica do
202
mecanismo da vida econômica para a forma despótica e absoluta de governo, camuflada na
formulação exposta: “as leis são irrevogáveis, emanam da essência dos homens e das coisas e
são expressões da vontade de Deus”.
4.3.6 Capacitação
Em contraposição ao fisiologismo, alijamento das possibilidades de acesso aos bens de
produção, a capacitação é a antítese emergente dos componentes democráticos estratégicos de
educação e mudança. Entretanto, uma capacitação que se confine na habilitação técnica seria
instrumental do ponto de vista sócio-político de mudança. Neste sentido, adverte Touraine
(2004, p. 173-174).
[...] a escola, por sua vez, deve questionar-se acerca da transmissão do
conhecimento, em vez de se questionar a cerca da utilização desse conhecimento e,
portanto, estar centrada sobre aquele a quem chamamos aluno. Em vez de incutirlhe normas e prepará-lo para ocupar uma certa posição na organização social,
conviria tratá-lo como um agente de comunicação, de compreensão dos outros e de
mudança (TOURAINE, 2004, p. 173-174).
A capacitação deverá revelar ao ser humano a unidade dos opostos que constitui o seu
ser: em primeiro lugar, sua finitude originária. Seu ser é fundamentalmente marcado pelo que
ele mesmo não criou e, antes constitui o quadro básico do seu agir no mundo: marcado por
determinada configuração corporal-biológica, pelo contexto sócio-hitórico, pela língua, pela
cultura gestada pelas gerações que o precederam, pelas formas de garantir sua reprodução
material e pelo mundo simbólico que interpreta seu existir. Capacitar significa possibilitar ao
homem
tomar posição em relação a sua situação originária, o que se manifesta pelo ato de
perguntar, de questionar. A pergunta é um ato inicial de transcendência sobre o
203
contexto de nossa inserção46 e traz, em seu bojo, a chance de um alargamento de
perspectivas e de possibilidades (OLIVEIRA, 2001, p. 279).
A capacitação é, por conseguinte, a primeira condição para que um ser possa assumir
um ato comprometido, sendo capaz de agir e de refletir. Em outras palavras, a primeira
condição para que um ser possa exercer um ato comprometido é a sua capacidade de atuar e
refletir: capacidade de atuar, de operar, de transformar a realidade de acordo com as
finalidades propostas pelo homem, fundada na sua práxis como realidade que o condiciona
como sujeito histórico. Neste perfil, Freire (1981, p. 17) explicita o capacitado:
Somente um ser que é capaz de servir de seu contexto, de “distanciar-se” dele para
ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e,
transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e
está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo
isto, de comprometer-se.
Capacitação é, no horizonte epistêmico democrático, o que implica abrir espaço para
que as ações das pessoas possam realizar-se em coerência com a totalidade da realidade, ou
seja, em sintonia com o particular maior do que o indivíduo (família, sociedade civil, Estado)
e com o universo como um todo. Capacitação se propõe à configuração de um mundo humano
enquanto possibilitador do espaço de liberdade, que é o chão-da-vida. Neste sentido, a
capacitação é um ato-de-resistência à dominação como educação integral:
Uma educação integral terá de partir do próprio chão da vida humana: o ser humano
é um ser vivo e, portanto, com a necessidade de reproduzir-se, o que significa dizer
que o processo de autoconstrução começa com a luta pela conquista das condições
materiais de vida, o que faz com que o fim básico da atividade econômica seja a
busca da qualidade de vida (OLIVEIRA, 2001, p. 288-289).
A qualidade de vida é que respalda a qualificação, impedindo que a sociedade
programada (TOURAINE, 2004, p. 95-117), determine o critério da capacitatividade:
46
A capacidade de se espantar e de se admirar é a capacidade de perceber o espaço da construção em aberto e
de saber-se inacabado (FREIRE, 2002, p. 78-79).
204
o critério para o estabelecimento de habilitações e a escolha da profissão não será
mais ditado pelo mercado de trabalho e as empresas produtoras, mas pelo bem-estar
da população e a qualidade de vida de todos os cidadãos (REZENDE, 1982, p. 64).
Em suma, a capacitação deve conduzir cada um à conquista de sua subjetividade, de
tal modo que cada um possa fazer-se sujeito de seu desenvolvimento, de sua própria
formação, pela construção da solidariedade universal, cósmica e social.
Para a leitura do seguinte quadro demonstrativo, tomando-se, como exemplo, o
indicador afilhado, do item fisiologismo e do subitem político, tem-se 2,5% de freqüência e o
indicador trabalhador, do item capacitação e subitem dos iguais, apresenta-se superante com
freqüência de 44,2%. Considerando-se todos os indicadores, tem-se 43,3% para o
fisiologismo contra 56,7% de freqüência da capacitação, denotando a preponderância das
estratégias democráticas (cf. 4.5).
205
Fisiologismo
Sub Ítem
POLÍTICO
Proteger
Afilhado
Poder (es)
Poderosos
Total
2,5
2,5
95
0
Sub Ítem
ECONÔMICO
Cruzado
Explorador(es)
Exploração
Gatilho
Inflação
Truste
Total
27,7
11,1
16,7
5,6
22,2
16,7
205
206
Capacitação
Sub Ítem
DOS IGUAIS
Trabalhador (s)
Trabalhar
Estudante(s)
Roceiro (s)
Agricultor(es)
Total
44,2
18,2
10,2
10,2
17,2
Sub Ítem
DOS
DIFERENTES
Classe (s)
Sertanejo (s)
Governados
Eleitor (es)
Total
50
35,7
3,6
10,7
206
207
4.3.7 Censura
Abordar a censura, no horizonte do autoritarismo, passa pela tipologia da palavra47 e
sua importância. Palavra é a possibilidade de comunicação constituindo uma das experiências
mais admiráveis da condição dos seres humanos que, através desta, comunicam as idéias mais
abstratas e os sentimentos mais sutis, daí por que, é um aviltamento da dignidade humana
impedir o uso da palavra a qualquer homem. A censura (do Latim censura, ae) designando o
cargo de censor, passando depois a significar juízo crítico, é, no sentido vulgar, sinônimo de
repressão. Em psicanálise o termo denota “a função que interdita o acesso à consciência dos
desejos inconscientes e reprimidos” (AUSS, 1994, verb. censura), razão pela qual não se pode
fugir da compreensão da censura como tolhimento da comunicação que eufemisticamente é
chamada, pelo autoritarismo, “controle de informação”.
Esse controle da informação deriva da capacidade de comunicação dos líderes. Com
ele o autoritarismo monopoliza a comunicação, atrelando-se à propaganda da ideologia
dominante e aos interesses de dirigentes tirânicos. Centrado no complexo de interesses, o
autoritarismo controla a informação em quatro níveis: no setor da coleta de dados, no estágio
da seleção dos dados e comentários publicáveis, nas maneira de interpretar os acontecimentos
e dados públicos e, finalmente, o controlar a informação na tarefa de abafar as vozes
divergentes (RODRIGUES, 1999, p. 98-99).
A censura não é, portanto, parte do complexo aparelho montado por aqueles que
detêm o poder, para controle da sociedade. Aparelho que, de posse do conhecimento, muitas
vezes profundo, dos valores presentes na consciência coletiva, recria a verdade a seus moldes,
como se faz referência e, segundo seus interesses e necessidades, segundo posicionamento de
Arendt (1989, p. 86):
47
Para uma compreensão mais substancial da hegemonia da palavra sob o ponto de vista da Filosofia da
linguagem, dois caminhos são pertinentes: WITTGENSTEIN em Investigações filosóficas e Da certeza;
HEIDEGGER em A caminho da linguagem.
208
De fato, o totalitarismo, ao monopolizar a expressão da verdade, procura, através da
propaganda e do controle dos meios de comunicação, assegurar a versão oficial dos
fatos, desfigurando-os para adequá-los à sua ideologia48.
O que a censura faz, além de atingir a ação e a fala, é exercer um papel fundamental
no sistema de controle ideológico e, conseqüentemente, da propaganda. Todos os assuntos,
temas e fatos que possam contradizer ou mesmo gerar dúvidas em relação às afirmações
dadas pela propaganda oficial, veiculada pelos órgãos oficiais e os outros controlados, ora
pela interdição, ora pela concessão de reclames patrocinadores de programação em emissoras,
têm sua divulgação proibida49.
No Brasil, durante o período da Ditadura Militar, experimentou-se um desdobramento
da censura em dois níveis: a censura prévia (Decreto-lei 1.077 de 26/02/1970) e a autocensura. Esta última, comenta Garcia (1900, p. 88), é a conseqüência mais grave das sanções
e, certamente, constava nos objetivos do governo: “cansados e atemorizados pelas punições,
empresários, jornalistas, artistas, atores, escritores, todos que estavam ligados às
comunicações e às artes passaram, tentando interpretar os critérios da censura oficial, a aplicálos sobre si mesmos” nesta linha de pensamento, o compositor Chico Buarque de Holanda faz
um desabafo importante sobre a autocensura:
Muitas vezes paro no meio de uma música, porque eu sei que não vai ser possível
gravar. Isto é uma auto-censura, é claro, um entrave sério. É inevitável que a gente
crie uma auto-censura. Eu já tenho a minha” (apud BERG, 2002, p. 1400)50.
48
49
50
A propósito da censura Foucaut (1970) caracteriza bem a censura no contexto ocidental ao dizer: “Em uma
sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar
também, é a interpretação. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo
em qualquer circunstância [...]. Por mais que o discurso seja aparente bem pouca coisa, as interdições que o
atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 1999, p. 9-10).
Para uma compreensão profunda da hegemonia da censura no Brasil durante 20 anos de autoritarismo, dois
textos são elucidativos: GARCIA, Nelson, 1980 e BERG, Creuza, 2002.
A auto-censura é estudada como resistência ao autoritarismo (CALVEZ, 1977, p. 69-71).
209
A autocensura autoritária, politicamente, corresponderia ao conceito psicanalítico
freudiano do super-ego, enquanto introjeção irracional de costumes, tradições e valores
culturais. Nesse caso, o indivíduo que exerce a auto-censura considera-se politicamente
incorreto por pensar de modo diferente daquele utilizado no processo de doutrinação política
da qual foi vítima. Evidentemente, esta modalidade de autocensura, que anda longe daquela
que se atribui ao compositor Chico Buarque, nada tem de resistência, mas de uma mera
concordância com o autoritarismo. Já na outra modalidade de auto-censura, o pensador, artista
ou político discorda frontalmente da doutrinação que lhe fora imposta por dirigentes
autoritários. É aí que o artista, jornalista e comunicador usam a “persuasão figurativa”, como
observam Ataulfo Alves e Felisberto Martins (apud CUNHA, 2004, p. 2006-2007), durante a
ditadura de Vargas:
o destinador tenta fazer com que o destinatário reconheça na canção uma situação
de locução possível na vida cotidiana. Em outras palavras, a persuasão entre o
destinador e destinatário se verifica através da impressão de que não só a situação
relatada é possível (parece realidade), como está sendo vivida no exato momento
em que a canção se desenrola [...]. O destinatário autoritário fica cônscio da
acomodação do compositor, enquanto o destinatário oprimido percebe a mensagem
de luta e persistência no processo de libertação no qual sempre é possível falar e ser
entendido.
4.3.8 Liberdade
A liberdade, como estratégia democrática, contrapondo-se a censura, estratégia
autoritária, funda-se na dignidade da pessoa humana que emergiu como ponto de partida de
referência última de toda a vida econômica, reclamando a conquistabilidade como postura
para a sua experiência.
A conquista da verdadeira liberdade implica a eliminação de qualquer forma de
negação da alteridade enquanto alteridade, o que efetiva nas diversas formas de
violência e de discriminação que degradam a existência humana; numa palavra, a
identidade própria do ser humano se produz pela mediação de uma sociabilidade
que torna real o reconhecimento de todos os seres autônomos, portanto como
sujeitos livres e conscientes (OLIVEIRA, 2001, p. 310-311).
210
A consciência de sujeitos livres é peculiar a um ser que tem um sentido absoluto,
dignidade, e é isto o que nossa tradição ocidental denominou pessoa, isto é, aquele portador
de dignidade e, portanto, não pode simplesmente ser apenas usado como instrumento para
algo, embora em tudo, nos interpela a ser considerado em si mesmo, em função de si mesmo,
com o fim em si mesmo. Neste sentido, o personalismo estabelece com precisão a relação
pessoa-liberdade:
Uma vez que a liberdade é a afirmação absoluta, nada a poderá limitar, é total sem
limites, simplesmente porque é [...]. A liberdade do homem é a liberdade de uma
pessoa, desta pessoa, assim constituída e situada em si própria, no mundo e perante
os valores (MOUNIER, 1976, p. 112-113).
A liberdade assim compreendida não se perde num solipsismo51, ela só é efetiva na
medida em que se produz em suas obras: a liberdade é no mundo pela mediação das obras,
pois a liberdade se efetiva na medida em que se produz em suas obras: a liberdade é no
mundo pela mediação das obras, pois a liberdade se efetiva na medida em que ela dá origem a
uma obra, alcança uma configuração e precisamente nela chega a si. Dada a configuração, o
homem é a tensão permanente entre o horizonte da infinitude e a efetividade de suas
mediações históricas. Assim, sua história, lugar das escolhas e das decisões, é a permanente
luta pela passagem da infinitude de horizontes para a fiinitude das realizações contingentes
(HEGEL, 1997, tome II, p. 45-49). Nesta passagem vislumbra-se a verdade da liberdade
como fonte viva do ser pessoa e do ser comunidade:
A liberdade da pessoa cria à sua volta liberdade, por uma como que leveza
contagiosa donde só serei verdadeiramente livre quando todos os seres humanos
que me rodeiam, homens e mulheres, forem livres (MONIER, 1976, p. 114-115).
51
Uma liberdade puramente interior, liberdade pura de pensamento, é ilusão: o poder exprimir-se, manifestarse é essencial para a liberdade. Hegel, superando a redução da ação ética à esfera da ação interior (Kant,
Fichte), supera a contraposição entre mundo da experiência e o mundo da razão (HEGEL, 1977, Tomo II,
p. 27-30).
211
O tornar-se livre tem implicabilidade com a liberdade dos outros. Neste sentido,
liberdade é também fundamentalmente escolha porque as novas configurações, no contexto de
uma história comunitária, constitui-se essencialmente relação, lugar da efetivação da
liberdade:
A liberdade é efetiva através da escolha destas meditações e sua efetivação na
história: todo homem, implicitamente, situa diferentes escolhas da vida de cada dia
no horizonte de uma escolha fundamental: a escolha de uma forma de ser, o que
implica igualmente a escolha de seu mundo, uma vez que toda forma é forma num
mundo de formas: da arte, da religião, do político, do educacional etc. (OLIVEIRA,
1995b, p. 72).
No espaço das configurações, a posição que o homem toma em relação a si mesmo
implica uma tomada de posição frente ao mundo onde se situa. Esta tomada de posição, como
liberdade de escolha ou liberdade de decisão, edifica a pessoa porque
[...] a escolha, a opção, aparece primeiro como poder daquele que opta. Por ter
ousado, por me ter exposto, por ter arriscado na obscuridade e na incerteza,
encontrei-me um pouco mais, sem ainda me ter propriamente procurado. A decisão
é criadora, rompendo fatalidades, jogos de forças para criar. Só pela decisão
criadora o mundo avança e se forma (MOUNIER, 1976, p. 121-122).
O homem, nesse sentido, é livre e suas configurações são configurações da liberdade e
liberdade não é simplesmente a posse autárquica e solitária de si mesma, mas significa
fundamentalmente a construção de um mundo comum onde os sujeitos criam relações
recíprocas de reconhecimento com o outro mundo, o qual nunca é apenas expressão singular
de nós mesmos, mas do comum. Neste sentido, liberdade é imaginação criativa: o que está em
jogo é abrir o espaço histórico para o jogo da liberdade criativa em que a pessoa se situa e aí
imaginativamente, procurar descobrir as configurações da liberdade que a façam nesta
situação.
A efetivação da liberdade criativa é uma luta, é uma luta pela sobrevivência, uma luta
natural e, num segundo momento se dá, propriamente, a luta pela configuração de si mesmo e
212
do mundo. A ausência desta efetivação, para Freire (1980, p. 42) é destemporalização,
desenvolvimento que desumaniza porque
toda vez que se suprime a liberdade, fica ele (o homem) um ser meramente ajustado
ou acomodado. E é por isso minimizado e cerceado, acomodado a ajustamentos que
lhe sejam impostos, sem o direito de discuti-los, o homem sacrifica imediatamente
a sua capacidade criadora.
Em suma, a razão de ser de nossas ações na história passa pela produção de nós
mesmos sujeitos livres cuja tarefa fundamental é a construção, correta, e sempre em contextos
históricos diferenciados, das relações que nos constituem como seres humanos.
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo, o indicador ameaças do
item censura e subitem da ação, tem-se 9,5% de freqüência e o indicador reuniões do item
liberdade e subitem da ação, apresenta-se com freqüência superior de 75%, denotando
predominância da estratégia democrática. Considerando-se todos os indicadores, detecta-se
45,5% para as estratégias de censura contra 54,6% das estratégias de liberdade para
predominância democrática.
213
Censura
Sub Ítem
DA AÇÃO
Ameaças
Injustiça
Arma (s)
Total
9,5
33,4
57,1
Sub Ítem
DO DISCURSO
Juiz
Controle
Maldade
Total
26,3
0
73,7
213
214
Liberdade
Sub Ítem
DA AÇÃO
Reuniões
Revolução
Agricultura/Agricurtura
Sub Ítem
DA PALAVRA
Liberdade
Discussão
Discurso / Fala
Total
75
25
0
Total
25
0
75
214
215
As estratégias autoritárias e democráticas aparecem, nos folhetos de Cordel
submetidos à dialética de leitura, explicitando a predominância dos componentes
democráticos populares num nível crescente de superação da alienação. Neste contexto, têmse os seguintes dados dos indicadores: 17 nepotistas versus 25 de promoção por mérito; 17
uniformizadores versus 19 de diversidade; 21 fisiologistas versus 20 de capacitação e 19
indicadores de censura versus 15 de liberdade. Somando-se os dados. têm-se 74 informações
do autoritarismo contra 79 informações de estratégias democráticas, possibilitando detectar-se
a resistência do Cordel à ditadura militar.
216
217
4.4 Meios
Retomando-se o comportamento dogmático do autoritarismo, recorda-se que nele não
se admitem dúvidas, questionamentos e contestações, inação, desobediência ou reação no que
tange ao estrito cumprimento das atividades proselitistas e uniformizadoras que costuma
ditar52. Para evitar tais comportamentos solapadores da hegemonia que lhes é peculiar,
recorre-se a todos os meios persuasivos e dissiasivos a seu alcance, entre eles a corrupção, a
tortura, o exílio e a morte. Não se prescinde, contudo, de que o comportamento democrático
também conte com seus meios dialeticamente antitéticos.
4.4.1 Corrupção
Corrupção53 designa o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de
modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em
troca de recompensa. Distinguem-se três tipos de corrupção: a prática da peita ou uso da
recompensa escondida para mudar a seu favor o sentir de um funcionário público; o
nepotismo, ou concessão de empregos ou contratos públicos baseados não no mérito, mas nas
relações de parentela; o peculato por desvio ou apropriação e destinação de fundos públicos
ao uso privado.
Corrupção significa transação ou troca entre quem corrompe e quem se deixa
corromper. Trata-se normalmente de uma promessa de recompensa em troca de um
comportamento que favoreça os interesses do corrupto; raramente se ameaça com punição a
52
53
Aqui se põe sucintamente o já elucidado no item 4.2 quando se tematizou o comportamento
autoritário.
Corrupção, que vem do latim (cum+rumpere), romper com, designa ação de romper pelo meio, rasgar em
partes iguais, determinando a desintegração de um ser. Corrupção significa a progressiva desintegração de
um ser mediante a ação de fatores internos e externos tendentes à sua destruição total. É um processo lento,
nocivo, penetrante, proliferador e de ação destruidora.
218
quem lese os interesses dos corruptores. Contudo, a corrupção é uma alternativa de coerção
posta em prática quando as duas partes são bastante poderosas para tornar a coerção muito
custosa, ou são incapazes de usá-la.
Outro aspecto relevante da questão é que a corrupção não está ligada apenas ao grau
de institucionalização, à amplitude do setor público e ao ritmo das mudanças sociais, está
também relacionada com a cultura das elites e das massas. Depende da percepção que tende a
variar no tempo e no espaço.
A corrupção pode ser usada, quando se faz valer a lei contra transgressores no sentido
de visar à fuga das sanções legalmente previstas. Neste contexto, são sujeitos da corrupção os
parlamentares, o governo, a burocracia e a magistratura (BOBBIO et PASQUINO, 1995,
verb. corrupção), No universo do autoritarismo, quanto mais ameaçados se sentirem seus
protagonistas, tanto mais a elite recorrerá a meios ilegais e à corrupção para se manter no
poder. Ainda neste universo, tanto as pessoas com as instituições tornam-se agentes da
corrupção.
Em uma palavra, a corrupção quer surja em um sistema em expansão e não
institucionalizado, quer em um sistema estável e institucionalizado, é um modo de influir nas
decisões que fere no íntimo o próprio sistema. De fato, este tipo privilegiado de influência,
reservado àqueles que possuem meios de exercê-los, muitas vezes somente financeiros,
conduz ao desgaste do mais importante dos recursos do sistema, sua legalidade.
O corrupto não tem escrúpulos morais nem respeito aos direitos alheios. Tudo vale
para realizar seus desejos insaciáveis até o momento em que se rompe o equilíbrio interior e
começa inexoravelmente a destruição. A corrupção administrativa é, dada a presença do
corrupto, o aproveitamento sistemático do cargo público para a satisfação de interesses
pessoais, comumente de natureza pecuniária, ou a tentativa de suborrar a autoridade, com o
mesmo objetivo.
219
4.4.2 Honestidade
A honestidade54, componente antitético à corrupção, denota probidade, decoro e
decência. Na sua origem latina tinha um sentido amplo, a ponto de compreender todas as
virtudes de uma vida pautada segundo a razão natural. Hoje o termo tem um sentido mais
restrito e refere-se, principalmente, à veracidade da palavra e à lisura nas relações de justiça.
A complexidade da veracidade e lisura como eticidade é que cria um mundo surge das ações a
legitimidade do outro (o outro da relação comunitária) na convivência sem discriminação,
sem abuso sistemático. Maturana (2002, p. 75) ao falar da democracia como espaço político,
não prescinde da honestidade:
Se quisermos uma convivência em que não surjam pobreza e o abuso como
instituições legítimas55 do viver nacional, nossa tarefa é fazer da democracia uma
oportunidade para colaborar na criação quotidiana de uma convivência fundada no
respeito que reconheça a legitimidade do outro num projeto comum, na realização
da qual a pobreza e o abuso são erros que podem e devem ser corrigidos.
A democracia, comenta Maturana, é uma obra de arte político-cotidiana que exige
atuar no saber que ninguém é dono da verdade, e que o outro é tão legítimo quanto qualquer
um. Significa que, no cerne da experiência democrática e da educação popular, o honesto
é aquele que não mente, que respeita a palavra dada, incapaz de apropriação
indébita em seus negócios e no exercício de suas responsabilidades públicas ou
privadas (ÁVILA, 1982, verb. honestidade).
Nessa linha de pensamento, a honestidade é uma virtude moral e cívica sem a qual é
impossível a superação do subdesenvolvimento, da dependência e da alienação. Faz-se
54
O vocábulo honestidade vem do latim honestitas, da raiz “honor” ou “honos = honra”, por isto o termo
é sinônimo de honradez.
55
Ao dizer-se “instituições legítimas” da pobreza e do abuso de poder, diz-se do processo de legitimação do
empobrecimento das categorias discriminadas e do reforçamento da opressão como modos legítimos de vida
(cf. HABERMAS, 2004b. 300ss).
220
necessário colocar-se que o conceito de virtude, como hábito de superação de si mesmo, de
bem fazer-se permanecer é basicamente o mesmo desde a antiguidade grega quando foi
teorizado. Ao tomar-se a honestidade como virtude, sob o enfoque ético, evoca-se Aristóteles
(1979), possibilitando entender-se que as “virtudes não são capacidades inatas”, mas
adquiridas através do exercício no qual” o homem virtuoso será aquele capaz de ultrapassar o
horizonte subjetivo da mera satisfação pessoal momentânea e entregar-se às exigências de sua
realidade integral (cf. ARISTOTELES, 1979, p. 33).
A honestidade como virtude adquirida na experiência democrática funda-se no
veredicto da educação popular como resistência aos regimes totalitários, de direita ou de
esquerda, que acabam sempre por gerar administradores corruptos, porque, independendo do
que já foi exposto, veredicto popular têm então as maiores garantias de impunidade. A
resistência mediada pela honestidade realiza a passagem da eticidade
meta-física à
moralidade ôntico--ontológica pela relação inalienável da totalidade-alteridade como processo
de resistência e libertação. (cf. HEBERMAS, 2004a, p. 227-265; BATALHA, 1995, p. 320321).
Na tensão dialética, veiculando os meios democráticas e autoritários, de sustentação de
uma cosmovisão, pela mediação das categorias corrupção e honestidade. Tomando-se o
indicador prefeitura, do item corrupção e subitem instituições, tem-se 82,5% de freqüência e
o indicador partido, item honestidade e subitem das instituições, apresenta 37,3% de
freqüência, denotando corrupção pertinente na instituição governamental. Considerando-se
todos os indicadores, tem-se 43,3% de incidência da corrupção contra 56,7% da honestidade,
evidenciando preponderância dos meios democráticos sobre os autoritários (cf. 4.5).
221
Corrupção
Sub Ítem
DAS PESSOAS
Suborno
Fazendeiro (s)
Corrupção
Total
16,6
50
33,4
Sub Ítem
DAS
INSTITUIÇÕES
República
Prefeitura
Governo
Trambique
Total
5
5
82,5
7,5
221
222
Honestidade
Sub Ítem
DAS PESSOAS
Margarida
Responsável(eis)
Honestidade
Total
87,5
0
12,5
Sub Ítem
DAS
INSTITUIÇÕES
Comunidade
Constituição
Partido
Igreja
Eleição
Total
5,1
5,1
37,3
25,4
27,1
222
223
4.4.3 Tortura
O vocábulo tortura vem do Latim (totura, ae), denotando o ato ou efeito de torturar,
dobrar, curvatura, cujos termos são torturar como submeter (alguém) à tortura; torturador
significando que ou quem tortura e torturante adjetivo denotando o causador da tortura. São
correlatos os substantivos angústia, dor, sofrimento, suplício e tormento. Deste último advém
a compreensão de tormento que se infligia a um acusado para dele conseguir certas respostas
ou denúncia.
Em Direito Penal, tortura denota imposição deliberada e sistemática de sofrimento
físico ou mental, promovido por uma ou mais pessoas, as quais, agindo por conta própria ou a
mando de quem quer que seja, procura forçar alguém a dar informações, confessar, denunciar
outrem ou proceder de modo a satisfazer os institutos do agente (Academia BRASILEIRA DE
LETRAS JURÍDICAS, 2001).
Em virtude do regime militar no Brasil pós 1964, a prática da tortura, segundo
pesquisas, revelou quase uma centena de modos diferentes de tortura, violando o artigo 5º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos que reza: “Ninguém será submetido à tortura,
nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (LEPARGNEUR et al. 1978, p.
61). Um relato prefeciado por Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns (1985), apresenta, mediante
depoimentos de vítimas, os principais modos e instrumentos de torturas adotados pela
repressão no Brasil: o pau-de-arara, o choque elétrico, a pimentinha e dobradores de tensão; o
afogamento, a cadeira-do-dragão e a geladeira dentre outros56.
O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos
amarrados e a dobra do joelho, sendo o “conjunto” colocado entre duas mesas, ficando o
corpo o torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 centímetros do solo. Este método quase
56
Para uma leitura descritiva, com gosto de sangue, ler CARDEAL ARNS, D. Paulo Evaristo. Brasília:
Nunca Mais: um relato para a história (1985).
224
nunca é utilizado isoladamente, seus “complementos” normais são eletrochoques, a
palmatória e o afogamento.
A cadeira-do-dragão constitui-se de uma cadeira extremamente pesada, cujo assento é
de zinco, e na parte posterior tem uma proeminência para ser introduzida em um dos
terminais da máquina de choque chamado magneto e, além disto, a cadeira apresenta uma
travessa de madeira que empurra as pernas para trás, de modo que a cada espasmo de
descarga as pernas batem na travessa citada, provocando ferimentos profundos, dores e
câimbras.
A geladeira é descrita como um cubículo com as seguintes características: sua porta de
tipo frigorífico, medindo cerca de dois metros por um e meio; suas paredes pintadas de preto,
possuindo uma abertura gradeada, ligada a um sistema de ar frio e, no teto da sala existia uma
lâmpada fortíssima; a porta ao ser fechada ligava produtos de ruídos, cujo som variava de
barulho de uma turbina de avião a uma estridente sirene de fábrica57
Na verdade, embora a tortura seja instituição antiga no país e no mundo, ela ocupou no
Brasil, a condição de instrumento rotineiro nos interrogatórios sobre atividades de oposição ao
regime, especialmente a partir de 1964 até a consolidação do Estado autoritário e a sua
debilitação (1979), com a posse do general Figueiredo na presidência da República, juntandose ao crescimento das pressões democráticas.
4.4.4 Preservação
Preservação, termo tomado como ato ou efeito de preservar (-se), é a antítese
democrática à tortura como meio autoritário de persuadir à acomodação e ao silêncio as
classes subalternas. O vocábulo é derivado do verbo preservar (do latim preservare)
57
Os três exemplos referidos são respaldados pelos depoimentos de José Milton Ferreira de Almeida
(engenheiro), Manuel Cirilo de Oliveira (estudante). Marlene de Souza Soccas (dentista) e José Mendes
Ribeiro (estudante) no Rio de Janeiro e São Paulo (cf. CARDEAL ARNS, 1985, p. 34-37).
225
denotando livrar de algum mal, manter livre de corrupção, perigo ou dano; conservar, livrar,
defender e resguardar.
Preservar evoca, para esta reflexão, o pensar heideggeriano em Ser e Tempo (1993)
sobre o ser-aí, explicitando o ser-do-homem como “ser-aí-com os outros”, “ser com o
cotidiano” e “ser-em-si-mesmo” livre com o “a gente”58. O “ser-com a gente” é espaço da
experiência democrática contraposta à destruição do indivíduo e dos grupos constituídos pela
unidade na diversidade59. O ser-com “a gente” preserva o homem da tortura do isolamento por
constituir-se a maneira que, ontologicamente, lhe é apropriada:
Um “eu” isolado, sem os outros, também está de imediato, especialmente distante
de ser presentado [...]. Nossa tarefa é a de tornar fenomenologicamente visíveis os
modos de ser-aí-com que pertencem ao ser-aí encerrado em sua cotidianidade,
explicitando-os de uma maneira ontologicamente apropriada (HEIDEGGER, 1993,
§ 25).
Preservar é, pois, uma tarefa democrática de presentação de cada homem e de todos da
experiência do que ontologicamente se lhes apropria: a co-presença. Portanto, aí a presença
(do eu) encontra, de saída, “a si mesma” naquilo que ela empreende, usa, espera, resguarda no
que está imediatamente à mão no mundo circundante, em sua ocupação. Este modo de ser é
mesmo o da preservação onde, considerando-se a alteridade, o outro vem ao encontro em sua
co-pre-sença no mundo, conforme explicita Heidegger:
Não se deve, contudo, desconsiderar que usamos o termo co-pre-sença para
designar o ser em função do que os outros são liberados dentro do mundo. Dentro
do mundo, essa co-pre-sença dos outros só se abre para uma pré-sença e assim
também para os co-presentes, visto que a pre-sença é em si mesam, essencialmente
ser-com (HEIDEGGER, 1993, § 26).
58
59
Heidegger, na sua ontologia, situa o “ser-do-homem” no existencial como aquele que se desvela, no revelar-se
do ser, como totalidade na quotidianidade. O que o especifica são os “entes-envolventes”, o envolvimento
mesmo com eles como presença simples e objetivada, sem toturas, com o “a gente” (cf. HEIDEGGER, 1993,
§ 25 a 27)
Vide nota 34.
226
Em Heidegger ser-com é sempre uma determinação da própria pre-sença; ser copresente caracteriza a presença de outros à medida que, pelo mundo da pré-sença, libera-se a
possibilidade para um ser-com, isto é, a experiência sem qualquer tipo de tortura60. O mundo
da presença, já interpretado por Heidegger como mundanidade (1993, § 18), é compreendido
como totalidade referencial da significância. Em outras palavras, o contexto referencial da
significância ancora-se no ser da pre-sença para o seu ser mais próprio, a ponto de,
essencialmente, não poder ter alguma conjuntura (posse de conjuntura), sendo o ser-dohomem garantido pela própria pré-sença na co-pre-sença como a é como tal. Neste contexto
epistêmico, a preservação é uma antítese à tortura como um fazer educativo:
Na estrutura da mundanidade do mundo reside o fato de os outros não serem, de
saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar, ao lado de outras coisas. Eles
(homens) se mostram em seu ser-no-mundo, empenhados ns ocupações do mundo
circundante, a partir do ser que, no mudo, está na mão (HEIDEGGER, 1993, § 26).
Ter às mãos a mundanidade, a pre-sença e a co-pre-sença é preservação compatível à
práxis comunitária e, por isto mesmo mediação da experiência democrática como educação
popular porque na concepção de Gadotti (1981, p. 157):
[...] a educação não consiste em “esperar” que o mundo seja dividido com justiça
entre os homens. Ela deve desde já, operar para que a instauração desse mundo se
torne possível, mesmo pela luta, quando isso for necessário.
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador terror, do item
tortura e do subitem psicológica, tem-se 22,2% de freqüência e o indicador valente, do item
preservação e subitem psicológico, apresenta 45,5%, denotando predominância democrática.
Considerando-se todos os indicadores, tem-se 49,2% para os meios de tortura contra 50,8%
dos indicadores de preservação, objetivando preponderância democrática (cf. 4.5).
60
Vide o item tortura e nota 37. Também é ilustrativo BRANCA ELOYSA (1987, p. 21-37).
227
Tortura
Sub Ítem
FÍSICA
Chibata
Opressor (es)
Violência
Prisão
Total
21,5
21,5
28,5
28,5
Sub Ítem
PSICOLÓGICA
Terror
Terrorismo
Fúria (s)
Infeliz
Tortura (s)
Total
22,2
11,1
16,7
50
0
Preservação
227
228
Sub Ítem
FÍSICA
Camponês
Esforço
Floresta
Total
68,1
9,2
22,7
Sub Ítem
PSICOLÓGICA
Valente
Perseguido (a)
Favela (s)
Total
45,5
36,3
18,2
228
229
4.4.5 Exílio
Exílio vocábulo advindo do latim (exsilium, de ex = fora, de + solim = o solo, chão
pátrio) significando expatriamento forçado ou voluntário por razões de saúde, de emigração
ou conseqüência de crimes políticos. Desde as civilizações mais antigas, o exílio já era
constitutivo do ostracismo como pena imposta aos atenientes na antiguidade grega. Contudo,
observa Ávila (1982), que o exílio é diferente do degredo, é sempre motivado por crime
infamante, e do desterro, que também resulta de penalidade imposta.
O exilado, diversamente do imigrante, conserva o desejo de voltar à própria pátria,
apenas cessem os motivos que dela o afastaram. O Direito Internacional protege contra a
extradição o exilado político; este, porém, assume determinadas responsabilidade para com o
país que o acolhe, no sentido de não prejudicar as relações deste com o seu próprio país de
origem. Daí, compreender-se o vocábulo exílio denotando o lugar onde reside o exilado.
O autoritarismo tem o exílio como outro meio de manter-se distante de quem o
incomoda. Aquele, que o incomoda e representa perigo ao administrador autoritário, é expulso
de sua pátria, banido da convivência nacional para assegurar a hegemonia do sistema
autoritário.
4.4.6 Inclusão social
Em contraposição ao exílio, componente autoritário de opressão, a reflexão
democrática compreende que na ”totalidade fechada” há a-versão ao “outro” porque o homem
perfeito é o que tem mais em detrimento de uma maioria excluída. Na alteridade, antítese da
“totalidade fechada”, a dialética é outra:
230
Na alteridade dá-se a conversão ao outro; o homem perfeito é o que é mais. A
alteridade põe a realização do homem no serviço e a justiça é o seu modo de ser
(DUSSEL, 1977a, p. 48).
O modo de ser democrático possibilita mais e mais a inclusão social, permitindo aos
partícipes percorrerem um caminho com vistas a que tudo se realize com sucesso:
estabelecem metas, realizam o trabalho, avaliam o que fizeram, fazem de outro jeito, se
reconhecerem necessário sentam-se de novo para avaliar o já feito, refletindo sobre que
aspectos necessitam ser aperfeiçoados. É notória a seriedade com que exercitam a avaliação e
a auto-avaliação, possibilitando perceber-se o próprio ciclo da práxis dialética: ação-reflexãoação compatível à educação popular de resistência ao autoritarismo porque
[...] a práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no
mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformandose a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais conseqüente,
precisa da reflexão, do auto-questionamento, da teoria; e é a teoria que remete à
ação, que enfrenta o desafio seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática
(KONDER, 1992, p. 115).
O desafio que se coloca preponderante é garantir a incorporação de todos ao sistema
estabelecido na práxis comunitária como experiência e aprendizagem. É neste fazer que do
ponto de vista coerentemente progressista, portanto democrático, as coisas são diferentes do
autoritarismo pela melhora da qualidade de vida mediada pela formação contínua porque
[...] a formação permanente se funda na prática de analisar a prática, naturalmente
com a presença de pessoal altamente qualificado (pela inclusão) , que é possível
perceber embutida na prática uma teoria não percebida ainda, pouco
percebida ou já percebida mas pouco assumida (FREIRE, 2003, p.
72).
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador cadeia, do item
exílio e do subitem ostracismo, tem-se 30% de freqüência e o indicador sindicato, do item
inclusão social e subitem entre indivíduos, apresenta 48,9%, denotando predominância
democrática. Considerando-se todos os indicadores, tem-se 18,4% para os meios da categoria
231
exílio contra 81,6% dos indicadores de inclusão social, objetivando a predominância
democrática (cf. 4.5).
232
Exílio
Sub Ítem
OSTRACISMO
Processado
Grade
Cadeia
Total
10
60
30
Sub Ítem
EXPULSÃO
Bomba
Latifundiário (s)
Expulsão
Total
37,5
37,5
25
232
233
Inclusão Social
Sub Ítem
ENTRE
INDIVÍDUOS
Comunista (s)
Camarada (s)
Sócio (s)
Sindicato (s)
Enxada
Ferramenta
Total
25,6
4,3
12,1
48,9
8,1
1,3
Sub Ítem
ENTRE
GRUPOS
Comunidade
Companheiros
Camponeses
Enxadas
Ferramentas
Total
18,7
43,8
12,5
12,5
12,5
233
234
4.4.7 Morte
Etimologicamente, o vocábulo morte tem no Latim a sua origem (mors, mortis =
morte), denotando, no sentido usual, fim da vida, cessação física da vida; no sentido clínico,
fim das funções do cérebro61 definido por um eletroencefalograma. O vocábulo tem termos e
expressões conexas: na relação de dependência: alma, corpo, e evolução, indivíduo, religião e
tempo; na relação de oposição: imortalidade, vida; na relação de vizinhança: falecimento, fim
trespasse.
Em qualquer uma das relações de conexidade ditas anteriormente, o medo aparece
como o vocábulo de mediação reflexiva para o fenômeno morte. Isto é, se por um lado a
morte fática, como fim do existir ou a síndrome da morte, passaram despercebidas,
conseqüenciando uma negligência para com a vida. No contexto de autoritarismo, as situações
de morte62 , a que são submetidos os dominados, revelam o medo dos dominadores de
perderem a posição autoritária. Neste medo, é que a morte aparece como meio pelo qual os
dirigentes autoritários a usam no processo de aniquilamento dos governados e no processo de
sustentação da peculiar hegemonia autoritária.
Neste aspecto é que Hegel (1941) possibilita compreender a morte como temível e,
como tal, é usável para superação do próprio medo domina e mata para sustentar a hegemonia
autoritária: “... a morte, se quisermos chamar assim esta irrealidade, é a coisa mais temível
[...]. Não é esta vida que recua de horror diante da mesma, que é a vida do espírito”63, que se
61
62
63
No contexto epistemológico do autoritarismo, a morte do cérebro é que constitui o escopo dos detentores do
poder. Isto é, os dominados não podem pensar nem questionar. Em outros termos, o cérebro vivo é que
desobedece, incomoda, tem hesitações e não se permite moldar à uniformização.
Situações explicitadas nos itens tortura e exílio.
No prefácio de Fenomenologia Hegel (1941, II. 29) o vocábulo irrealidade, comenta Garaudy (1971), não é
senão “que Hegel conceba assim a relação do fenômeno com o conceito como relação do finito com o
infinito, não sendo mais que o movimento pelo qual o finito se ultrapassa a si. O infinito não existe senão no
finito, como o finito não existe e não tem sentido senão no infinito que o anima e o contém” (GARAUDY,
1971, p. 53). Significa que a vida na sua totalidade está, portanto, para além do indivíduo e este não exprime
a presença dela senão ultrapassando-se, negando-se a si próprio. Neste aspecto a irrealidade nega o que a
negatividade da morte dá ao conceito morte e sua vitalidade diante a qual o homem medra (GARAUDY,
235
objetiva, como espírito absoluto, na consciência falsa do dirigente tirano, déspota que mata
por medo de perder sua hegemonia64.
A morte, portanto, como meio de defesa e manutenção do autoritarismo, esteve
presente nos anos duros da ditadura militar, iniciada em 1964, no Brasil de modo que o
Projeto Brasil: Nunca Mais registrou e imortalizou uma série de documentos: certidões e
óbito, declarações de sobreviventes, laudos de exames necroscópicos do Instituto Médico
Legal e mortes sobre torturas consignadas em processos penais, como foi o caso de Odija
Carvalho de Souza (1971), torturado e assassinado em Recife (CARDEAL ARNS, 1985, p.
253-254).
A morte como instrumento de sustentação da hegemonia autoritária, que no Brasil
durou mais de vinte anos, implantou o terror de uma ditadura que condenou cidadãos sem
direito de defesa, executou, sumariamente, nas ruas; torturou nos porões dos quartéis,
sustentando na aparência o “milagres brasileiro” e a copa do mundo, enquanto a Nação
mergulhava na mais grave crise econômica e política de sua história. A morte, como meio de
sustentação da hegemonia autoritária, inclui tanto a execução como o suicídio de presos
políticos. Este e aquele são faces da mesma moeda!
64
1983, P. 59). Nesse sentido, comenta Melo Neto (2001)” [....] a verdade e o saber estão na consciência e são
os parâmetros de chegada de Hegel ao absoluto, o saber verdadeiro (na questão, a morte fática). Trata-se de
um processo que não é a soma dos distintos momentos, pois não existe oposição entre esses momentos
(irrealidade X realidade). Assim é que a partir de qualquer momento, pode-se iniciar esse movimento da
dialética. Hegel denomina esses três momentos, respectivamente, como: intelectual, dialético especulativo
ou positivo, racional. Assim, a dialética não é apenas a lei do pensamento, mas (é a lei da realidade). Os seus
resultados não são meros conceitos puros ou conceitos abstratos, mas pensamento concreto” (MELO NETO,
2001, p. 19-20). O vocábulo em questão (irrealidade) deve ser entendido no escopo mesmo da filosofia
hegeliana, que vê, em todos os lugares, tríades do tipo tese, antítese e síntese (morte-fática, morte-irreal e
conceito de morte). Ao analisar-se esse movimento, tríade da dialética, coloca-se que em cada síntese, os
momentos anteriores estão suprimidos (negados), mas ao mesmo tempo integrados numa forma superior: a
terceira visão hegeliana.
Pode-se conferir, toda a abordagem Hegel (1990, § 21,104, pp. 260-261) que mereceu o comentário de
Hipolite (1995, p. 102-104). Vale a pena observar que Hegel, na sua filosofia da religião, presente na
Enciclopédia das Ciências, trata do espírito absoluto, à luz da revelação bíblica, a propósito de sua
objetivação, que tematiza a pessoa de Jesus Cristo como alteridade, como libertador, objetivação constituída
diferentemente da manifesta no déspota que oprime e que mata (HEGEL, 1936, § 564-571; EMÍLIO
BRITO, 1983, p. 196-248).
236
4.4.8 Vitalização
O vocábulo vitalização denota o ato de vitalizar e o verbo vitalizar (vital + izar) denota
restituir a vida; dar nova vida, dar força e vigor como antítese à morte. Assim, vitalização
evoca o verdadeiro e radical enunciado do princípio supremo da ética, conforme tematiza
Dussel (1977, p. 46-47):
Não mates o Outro, ame-o com amor-justiça. Não o mates porque então
permanecerás “só”; a solidão do único é panteísmo, idolatria, totalitarismo, guerra,
morte. Não só deves deixá-lo viver, mas superar as situações de morte.
Situações de morte também ditas síndrome da morte65 compreende uma série de
fatores que conduzem à morte e até a antecipam, por situações criadas nas quais o homem,
sob desespero, mergulha no mar de angústias causado pela inversão de valores, capaz de
caracterizar grupos humanos de mortos abulantes ou rostos da morte. Assim, se por um lado,
a morte fática como fim da existência histórica assusta e angustia, por outro, situações
mortíferas, ou a síndrome da morte, passam despercebidas conseqüenciando uma negligência
para com a vida. A síndrome da morte se nos aparece assim:
- feições de jovens desorientados que não encontram seu lugar na sociedade e
frustrados, sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de
oportunidades de capacitação e ocupação;
- feições de operários, com freqüência mal remunerados que têm dificuldades
de se organizar e defender seus próprios direitos (SOUSA, 2001, p. 47-48).
Somam-se a isto as angústias produzidas pelo abuso do poder típicas do regime de
força, pela repressão sistemática ou seletiva. Neste quadro é que a vitalização se nos aparece
como condição de possibilidade de superação formativa das situações de morte para a
situação de vida como querer humano:
65
Ver uma substancial tematização sobre a síndrome da morte em Sousa (2001, p. 47-50).
237
Quero um mundo em que meus filhos cresçam como pessoas que se aceitam e se
respeitam, aceitando e respeitando outros num espaço de convivência em que os
outros os aceitem e os respeitem a partir do aceitar-se e respeitar-se a si mesmo [...].
É fácil recobrar-se a vida vivendo-se esse espaço de convivência (MATURANA,
2002, p. 30).
Neste contexto epistêmico-experiencial é que se dá a tarefa democrática de
vitalização. A tarefa democrática é sair das situações de morte, que se opõem à vida, ao criar
um domínio de convivência no qual a pretensão é ter um acesso a uma cultura de vida pela
cooparticipação e possibilitação de vida onde se possa perceber que
o central na convivência humana é o amor-justiça, as ações que constituem o outro
como o legítimo outro na realização do ser social que tanto vive na aceitação e
respeito por si mesmo, quanto na aceitação e respeito pelo outro (MATURANA,
2002, p. 32).
Vitalização, no bojo da educação popular de resistência às situações de morte, é
ensinar aprendendo e aprender ensinando a apropriação significativa da vida como
testemunha Freire (2003, p. 88):
Não posso me acomodar às estruturas injustas da sociedade. Não posso, tirando a
vida, dendizê-la. Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos pouco na prática
social de que tomamos parte..
Na leitura do quadro seguinte, tomando-se como exemplo o indicador fome, do item
morte e do subitem suicídio, têm-se 4,5% de freqüência e o indicador leis do item vitalização
e do subitem dos grupos e comunidades, apresenta 63,8%, denotando preponderância
democrática. Considerando-se todos os indicadores, têm-se 32,3% para os meios de morte
contra 67,7% dos indicadores de vitalização, objetivando preponderância democrática.
238
Morte
Sub Ítem
ASSASINATO
Crime(s)
Guerra
Tiro(s)
Revólver(s)
Canhão(ões)
Bala(s)
Fuzil(is)
Espada
Metralhas
Total
33,3
19,2
7,4
3,5
1,7
22,8
5,2
1,7
5,2
Sub Ítem
SUICÍDIO
Morte(s)
Favela(s)
Fome
Fraco(s)
Desespero
Total
38,5
5,2
43,5
7,6
5,2
238
239
Vitalização
Sub Ítem
DA PESSOA
Morador
Consumidor
Lavrador
Lutador
Redenção
Respeito
Sofredor
Anistia
Total
12,1
6,1
12,1
3,1
9,1
21,2
15,1
21,2
Sub Ítem
DOS GRUPOS E
COMUNIDADES
Movimento(s)
Moradores
Lavradores
Partidos
Roça
Lei(s)
Esperança
Total
3
0,8
3
5,4
9,6
63,8
14,4
239
240
Os instrumentos da mediação, tanto para a hegemonia autoritária, como para a práxis
democrática são apresentados quando os indicadores apontam o nível de maturidade da
Literatura de Cordel no processo de educação popular. Da dialética de leitura tem-se os
seguintes dados indicadores: 15 de corrupção versus 11 de honestidade; 16 de tortura versus
17 de preservação; 15 de exílio versus 20 de inclusão social e 30 de morte versus 29 de
vitalização. Totalizando as informações, têm-se 76 indicadores autoritários contra 77
democráticos de resistência à ditadura militar.
241
4.5 Síntese dialética de leitura
COSMOVISÃO
IND
%
ARISTOCRACIA
40
38
TOT%
105
CORONELISTA
65
62
TOTAL
/
100
DE POVO
242
97,9
29,8
247
DE ASSOCIAÇÃO
05
2,1
TOTAL
/
100
RACIAL
08
53,3
70,2
15
46,7
TOTAL
/
100
04
16
INTERACIONISTA
07
DE PESSOAS
MANIPULADORA
DO SABER
DICOTOMIZANTE
POLARIZANTE
29
60,5
TOTAL
/
100
DIALÉTICA
DISCRIMINAÇÃO
POLULAR
ELITISTA
ÍTENS
PRESERVAÇÃO DA DIFERENÇAS
14
9,9
37,5
25
DO SABER
21
84
TOTAL
/
100
19
39,5
62,5
48
25,4
141
BUSA DE SÍNTESE
127
90,1
TOTAL
/
100
74,6
COMPORTAMENTO
IND
%
ELITE DECIDE
62
80,5
MASSA OBEDECE E CUMPRE
15
19,5
TOTAL
/
100
NAS DECISÕES
11
37,9
ENTRE LÍDERES E LIDERADOS
18
62,1
TOTAL
/
100
CENTRALISMO
35
61,4
TOT%
77
72,6
29
27,4
57
SUBORDINANTE
22
38,6
TOTAL
/
100
RECONHECIMENTO DAS
CAPACIDADES
13
40,6
OPORTUNIDADE PARA TODOS
19
59,4
TOTAL
/
100
01
20
64
BAJULADOR
32
EXALTANTE
DESTAQUE
04
80
TOTAL
/
100
DE
LIDERANÇA
FACILITADOR
MANIPULADOR
DIALÓGICO
ÍTENS
DOGMÁTICO
242
VITALIZA A DÚVIDA
05
8,1
36
7,5
72,6
DEBATE A DISCURSSÃO
56
91,9
TOTAL
/
100
PROSELITISTA
DE PROPAGANDA
02
10,5
ESPANCIONISTA
17
89,5
TOTAL
/
100
EDUCAÇÃO
POLÍTICA
61
FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
CRÍTICA
45
36
AÇÕES COMUNITÁRIAS
80
64
TOTAL
/
100
92,5
19
13,1
125
86,9
ESTRATÉGIAS
IND
%
PARENTES
08
18,2
LIBERDADE
CENSURA
CAPACITAÇÃO
FISIOLOGISMO
DIVERSIDADE
UNIFORMIZAÇÃO
PROMOÇÃO
POR
MÉRITO
ÍTENS
NEPOTISMO
243
TOT%
44
ADERENTES
36
81,8
TOTAL
/
100
PESSOAL
86
74,7
COMUNITÁRIO
29
25,3
TOTAL
/
100
DE ÍDEIAS
121
90,9
27,6
115
72,4
133
DE LINGUAGEM
12
9,1
TOTAL
/
100
RECONHECIMENTO DA
PLURALIDADE
40
40,8
PRESERVAÇÃO DAS DIFERENÇAS
58
59,2
TOTAL
/
100
POLÍTICO
39
52
ECONÔMICO
36
48
TOTAL
/
100
DOS IGUAIS
70
71,4
57,5
98
42,5
75
43,3
98
DOS DIFERENTES
28
28,6
TOTAL
/
100
DA AÇÃO
21
52,5
DO DISCURSO
19
47,5
TOTAL
/
100
DA AÇÃO
04
8,3
DA PALAVRA
44
91,7
TOTAL
/
100
56,7
40
45,4
48
54,6
MEIOS
IND
%
DAS PESSOAS
12
23
DAS INSTITUIÇÕES
40
77
TOTAL
/
100
DAS PESSSOAS
08
11,7
DAS INSTITUIÇÕES
60
82,3
TOTAL
/
100
FÍSICA
14
43,7
VITALIZAÇÃO
MORTE
INCLUSÃO
SOCIAL
EXÍLIO
PRESERVAÇÃO
TORTURA
HONESTIDADE
ÍTENS
CORRUPÇÃO
244
TOT%
52
43,3
68
56,7
32
PSICOLÓGICA
18
56,3
TOTAL
/
100
FÍSICA
22
66,6
PSICOLÓGICA
11
33,4
TOTAL
/
100
OSTRACISMO
10
41,6
EXPULSÃO
14
58,4
TOTAL
/
100
ENTRE INDIVÍDUOS
74
69,8
ENTRE GRUPOS
32
30,2
TOTAL
/
100
ASSASSINATO
57
59,3
SUICIDIO
39
40,7
TOTAL
/
100
DA PESSOA
34
16,9
DOS GRUPOS E COMUNIDADES
167
83,1
TOTAL
/
100
49,2
33
50,8
24
18,4
106
81,6
96
32,3
201
67,7
245
A tabela apresentada, sob o título síntese dialética de leitura, faz a comparação dos
indicadores dos itens nas suas subdivisões com as referidas percentualidades. A um tempo,
faz a comparação dos itens para detectar a percentagem de pertinência dos indicadores nas
matrizes de Cordel. Como exemplo tome-se, da cosmovisão, os itens elitista (105 indicadores,
perfazendo 29,8% dos indicadores dados) e popular (247 indicadores perfazendo 70,2% dos
indicadores dados), num total de 100% de pertinência. O mesmo cálculo repete-se nos demais
itens da cosmovisão, passando pelo comportamento, pelas estratégias até os meios utilizados
pela força da ditadura militar durante os primeiros 20 anos, e pela resistência da Literatura de
Cordel no mesmo período. Em síntese, os dados apresentados sustentam o que se pretende
objetivamente: leitura do discurso da Literatura de Cordel do Brasil como expressão de
resistência à ditadura militar. Sob este escopo é que as expressões significantes garantirão a
esta dialética de leitura a não interferência de uma analítica sustentada pelo estatístico.
4.6 Indicadores de leitura e expressão significantes66
Compreende-se, aqui, indicadores como vocábulos usados na literatura filosófica, nas
ciências humanas e nas matizes de Cordel com designação comum, possibilitando a
descodificação para além da forma utilizada, por exemplo “companheiro” e “cumpanhêro”;
“pelegagem” e “pelegage”; “salário” e “salaro”. Os vocábulos, considerando-se seus pares,
são advindos dialeticamente do universo culto e do universo popular respectivamente,
designando sempre a realidade sentida, apreendida, vivida e comunicada. A indicabilidade
dos vocábulos possibilitará a leitura porque
o essencial na tarefa de leitura (descodificação) não consiste em reconhecer a forma
utilizada, mas compreendê-la num contexto cocreto e preciso, compreender sua
significação numa enunciação particular (BAKHTIN, 1997, p. 93).
66
Os indicadores e expressões significantes estão anexos.
246
O enunciado particular para os indicadores de leitura é a resistência ao autoritarismo
que, em meio à tensão dialética de produção lingüística entre a dominação e a possibilidade
de libertação, possibilita o assentimento de que “não é o espaço que define a língua, mas a
língua que define o seu espaço” (BOURDIEU, 1998, p. 21). O espaço definido pelos
indicadores, dialeticamente emanados do universo erudito e do popular, é o autoritarismo para
uma possibilidade do discurso fundado na experiência democrática. Os indicadores apontam
para o uso ideológico da língua no contexto explicitado:
A língua, no seu uso prático, é inseparável, de seu conteúdo ideológico ou relativo à
vida. Para se separar abstratamente a língua de seu conteúdo ideológico, do
vivencial é preciso elaborar procedimentos particulares não condicionados pelas
motivações do locutor (BAKHTIN, 1997, p. 96).
Não se pretendendo a ruptura dos indicadores do contexto peculiar, é que as
“expressões significantes” ganham pertinência, pela dialética que as constituem, nesta
dialética de leitura. As expressões significantes “generais terroritas” e “vivência sindical”;
“governo dos generais” e “governo popular” entre outras, com a mesma origem dos
indicadores de leitura, farão a mediação hermenêutica da leitura por assegurar o contextoepistêmico-deológico da resistência e/ou da dominação em conformidade aos indicadores
porque
o elemento que torna a forma lingüística um indicador não é a sua identidade como
sinal, mas sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a
descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a
compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação
que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisas, mas orientação
no sentido da evolução e não do inobilismo (BAKHTIN, 1997, p. 94).
As palavras, indicadores de leitura, estão carregadas de um conteúdo e de um sentido
ideológico ou vivencial. A busca desta compreensão, mediada pelas expressões significantes,
chegar-se-á ao que virá a nós: ressonâncias ideológicas ou cencernentes à vida. (Vide anexo)
247
5 CORDEL: ESCOLA DE RESISTÊNCIA
No início dos anos 60 do século passado, alguns setores mais intelectualizados do
Brasil envolviam-se num movimento de arte engajada, de caráter essencialmente político1.
Havia uma postura de vanguardismo, predominando a visão de que o operariado, deixado por
si só, não era capaz de avançar na luta política, tornando-se necessária a intervenção, como
liderança conscientizadora, de membros de outras classes sociais2. Os Centros Populares de
Cultura (CPCs) foram desmantelados com o golpe militar de 1964.
A música popular brasileira (MPB), seguindo os mesmos passos, teve um
envolvimento político bastante intenso e significativo. Festivais foram organizados pelas
emissoras de televisão, atraíam imensa massa de jovens estudantes, que gritavam e aplaudiam
delirantemente as críticas políticas mais contundentes. Os nomes que mais se destacavam
eram João do Vale, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda,
Badem Powel, Vera Brasil, Caetano Veloso. Aqui o objetivo era também conscientizar o
público a respeito dos problemas sociais. As letras denunciando a presença da ditadura
militar, ironizavam os que acreditavam “nas flores vencendo canhões”, para pregar um
avanço além dos limites da simples consciência e esperança, afirmando: “Quem sabe faz a
hora não espera acontecer”3.
A mesma postura, de denúncia e contestação, esteve presente no cinema, literatura,
artes plásticas e nas ciências sociais. Na literatura, destacaram-se “A travessia” de Carlos
Heitor Cony, “Quarup” de Antônio Calado, “A luta corporal”, “Opinião 65” e “Opinião 66”,
1
2
3
Suas propostas cristalizaram-se com a criação dos Centros Populares de Cultura (CPCs, ligados à União
Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES)).
Essa visão correspondia ao pensamento leninista, segundo a qual os trabalhadores não podiam possuir, ainda, a
consciência social-democrata. Ela só podia originar-se do exterior. Quanto a doutrina socialista, ela nasceu das
teorias filosóficas, históricas e econômicas elaboradas pelos representantes mais cultos das classes, possuída
pelos intelectuais (LENINE, v. I. 1966).
Vide capítulo 1, Literatura de Cordel – um contexto.
248
realizadas com sucesso e apoio popular4.
Nas livrarias, a grande maioria de obras de
sociologia, economia, política, estética, história e filosofia eram elaboradas a partir da
metodologia e das teses do marxismo. Toda produção cultural brasileira parecia enveredar por
um caminho revolucionário5.
Algumas apresentações, altamente críticas, tiveram grande receptividade por parte do
público, dentre elas “Morte e vida Severina”, encenada no Teatro da Universidade Católica de
São Paulo (1966) e “O coronel de Macambira”, no Teatro da Universidade Católica do Rio de
Janeiro (1968). Assim, a década de 60, talvez a mais rica da dramaturgia nacional, ainda
testemunha a chegada de um autor revolucionário: Plínio Marcos (1935-1999). Suas peças
“Dois perdidos numa noite suja” e “Navalha na carne” trazem os marginalizados para o centro
da cena teatral. O autor, que se intitulava maldito, abraça a revolta explosiva despida de
colorido político-partidário. Seus textos manifestam uma grande indignação contra a
hipocrisia da sociedade brasileira e têm por objetivo desestabilizar a pacata existência
burguesa. Pretendiam sensibilizar a população não apenas para as escolas, submetidas a
severas intervenções e fiscalização, mas também para os problemas da sociedade como um
todo.
A Literatura de Cordel que resistia cooptar-se ao poder constituído6, fora reprimida
quando veiculando, como diz o poeta popular, “coisas de caráter social”. Os poetas sofriam
perseguições quando se apresentavam cantando ou declamando folhetos de resistência em
praças públicas. Neste clima de caça à poesia de Cordel-engajada, não foram poucas as
produções atiradas no lixo e outras queimadas em vias públicas. Dentre as vítimas desta
4
5
6
Exposições realizadas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Ressalta-se que, paralela à produção revolucionária, sempre esteve circulando a arte a serviço do autoritarismo
com refrões ufanistas como “Prá frente Brasil”, “Ninguém mais segura esta país”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”
para silenciar as vozes inconformadas e os gritos de pavor e medo.
Não é toda Literatura de Cordel que toma posição de cooptar-se ao poder constituído. Neste sentido é
sintomática a revelação do poeta José Costa Leite (1982): “o poeta popular só arranja pão em seus versos
quando sabe agradar ao povo, as queixas e os problemas do povo, hoje em dia, é assunto proibido, Por assim
ser é que muitos colegas poetas passam para o lado de lá. Mas isto não é o cordel ou deixa de ser, é a pressão
da força, da fome e das coias da ditadura na literatura da gente” (GLOBO, 12/4/1982).
249
repressão política estão “Cartilha do povo” de Raimundo Santa Helena (1975) e “Um arranca
rabo em São Paulo” de Jotabarros (1983) que, acentuando o caráter de denúncia de injustiça
sociais, mostravam que os poetas, como porta-vozes dos fracos, partiram à frente dos que não
anunciava as letras, mas que podiam chegar aos grandes centros, como rudes leitores e
ouvintes, mediados pela palavra-escrita-lida e proclamada. A palavra cordelina reunia a
muitos ao redor do folheto declamado tanto nas residências como nas praças públicas para
resistir à ditadura. As estrofes seguintes apresentam o perfil popular da resistência:
Que a lei de Segurança
Prenda ladrões-de-cartola
Sem coagir cidadãos
No trabalho ou na escola
Leis de Censura a Imprensa
Nesses termos ninguém pensa
Livremente sem argola.
Nenhum Governo respeita
Povão que é desunido
O Lobo vira Senhor
Do cordeiro encolhido.
Quem não se junta perece
Mas quem se une merece
Um viver evolutivo.
Façamos da votação
Uma cívica peneira
Nosso povão no governo
Vai sacudir a poeira
Da tempestade de ventos
Que nebulou os fundamentos
Da família brasileira.
(SANTA HELENA, 1975)
Enquanto Santa Helena fala com ódio incontido, próprio de quem lutou e luta pela
democracia e liberdade, Jotabarros sente e relata a situação do povo com mais cuidado. Tal
postura porque, segundo depoimento dado ao jornal Liberal (Teresina-PI, 16/08/1983), porque
precisava manter-se vivo para escrever mais folhetos e preparar o povo para a luta:
250
A pena é que esse ódio
Prejudica o próprio povo
Por isso é que penso muito
Pra tais coisa nem me movo
Porque o povo é quem paga
O preço velho e novo.
Vamos ter calma e pedir
Usando a diplomacia
Meios comunicativos
Que nos prometem euforias
Procuremos outras melhorias
Para o pão de cada dia.
(JOTABARROS, 1985).
As críticas se chocam de frente com a imagem que o governo criava para legitimar-se
como revolução e não como golpe. Neste bater de frente, o Cordel aparece como resistência
por ser constituinte do que Habermas chama sociedade comunicativa, objetivando a
comunicação intersubjetiva como condição de possibilidade para o interlocutor individual do
Cordel, o poeta. Nessa perspectiva, o interlocutor-poeta de Cordel não é um agente livre, mas
uma unidade funcional da comunidade de interlocutores que se constitui pelo ato-de-fala7. O
ato-de-fala, considerado aqui como palavra-poética, caracteriza, a um tempo tanto a produção
da poesia-canção como da poesia de Cordel, reivindicando uma validade que não prescinda da
própria estrutura da fala inerente ao ato-de-fala-poética. Sendo esta reivindicação a premissa
frontal para se concluir sobre a racionalidade proporcionante da estrutura da fala e do objeto
da comunicação, a argumentação de Habermas é pertinente quando diz que
[...] toda vez que nos comunicamos com o outro, automaticamente nos
comprometemos com a possibilidade de um acordo dialógico livremente alcançado,
em que o melhor argumento irá vencer (HABERMAS, 1979, p. 58).
7
O ato-de-fala peculiar às várias modalidades de comunicação (Cordel e poesia-canção) depende de regras
emanadas da pluralidade de usuários. Tais regras, para Wittgenstein e Habermas, garantem sentido se o sujeito
de linguagem é capaz de seguir pelo menos, com um outro sujeito, uma regra que seja de validade para ambos
(HABERMAS, 2004, p. 130-132, 167-175).
251
Na leitura feita do Cordel como contexto8, os agentes tiveram a capacidade de usar
suas formas de expressão de um modo tal, que gerou a espécie de compreensão que se fazia
necessária para sustentar a interação contínua de fala do conteúdo da realidade, da denúncia e
da sobrevivência como melhor argumento de resistência diante da situação de morte. A isto se
chama competência comunicativa dependente do desenvolvimento de competência
particulares, mas inter-relacionadas nas dimensões da cognição e ação, pela competência de
papel cujo escopo é fundar o discurso poético na atitude performativa, isto é, uma consciência
do que existe aí, no chão-da-vida, uma linguagem ordinária vital que precisa ser assumida:
orientar sua comunicação ao propósito único de chegar a um consenso racional: conhecimento
intersubjetivamente compartilhado. Significa que tanto a poesia-canção como a poesia de
Cordel falam do centro mesmo do mundo vivido e manifestado: ditadura militar. Quem fala
do mundo-da-vida, detém a linguagem ordinária, isto é, peculiar a tal mundo. Do ponto de
vista do lugar social do proferente do discurso cordelino, como o da poesia-canção, não há
diferença ou dicotomia em relação ao leitor-consumidor pois é o mesmo o mundo-de-vida:
Essa poesia, a literatura de cordel, ao longo dos anos sofreu mudanças [...].
Antigamente, ela era portadora de anseios de paz, de tradição e veículo único de
lazer e informação. Hoje ela é portadora, entre outras coisas, de reivindicação de
cunho social e político. Não somente para os nordestinos e descendentes, mas para
todos os habitantes do Brasil (LUYTEN, 1983, p. 64).
É esta ligação forte da Literatura de Cordel com o mundo-da-vida que garante, por um
lado o entendimento e, por outro, a relação intersubjetiva, mesmo quando o elemento
objetivo, portado em suas páginas, vai sendo substituído historicamente. No Cordel o ato-defala é aceito e gera relação interpessoal e, como cultura popular, está lido à vida social: os
8
Todo capítulo primeiro fora uma abordagem paralela da poesia-canção com a poesia de Cordel, que
possibilitou o encontro com o contexto histórico da ditadura militar e o contexto intersubjetivo-epistêmico de
resistência do discurso e do compromisso do ato-de-fala.
252
conflitos entre as classes sociais; os movimentos sociais9; as instituições da sociedade civil,
especialmente a escola e a igreja, onde em larga medida, se forma a consciência e visão de
mundo. Tudo isto constitui o duplo nível de competência comunicativa: o objetivamente
tematizado (consenso racional) e o objetivamente não-tematizado, mas subjetivamente
atingido (relação intersubjetiva) como se pode detectar na leitura paralela da poesia-canção e
do texto cordelino seguintes:
Só estar perto de Prestes
já põe as forças à mostra
só pode ver certos gestos
quem gosta do ser humano
liberto de condições incontestes
das posições manifestas
de quem viu a paz pelas frestas
de quem recusa os poderes
que não se promovem honestos
de quem repudia os restos
que não concilia ou preste
está sujeito a estar perto
de quem está junto a Prestes.
(TAIGUARA, 1979)
No Brasil, por toda parte
Anda tudo se animando
A gente sente no espaço
Um invisível comando:
A volta de Prestes, é
Nossa esperança voltando.
Os moradores nas praças
Inspirados, discursando
Encontraram forças no verbo
Quando vão pronunciando:
A volta de Prestes, é
Nossa esperança voltando.
Prestes, assuma o seu posto
-Nós o estamos delegando.
Os oprimidos perguntam:
Oh! Companheiro até quando?
Que seja a sua presença
Nossa esperança voltando.
(CARVALHO, 1979).
9
As questões e movimentos sociais possibilitaram centenas de folhetos de Cordel, a tal ponto que muitas
compilações foram elaboradas como sobre Canudos (CALASAS, 1984), sobre preconceito de cor (MOURA,
1976) além de capítulos de livros e de dissertações.
253
Da leitura dos textos acima10 denota-s o critério habermasiano para o estabelecer a
validade universal de uma convicção de modo que, em princípio, seja tão válido quanto
qualquer outra. Considerando-se que os dois atos-de-fala-poéticos procedem do mundo-davida, se uma das posições, a da poesia-canção de Taiguara, é válida, ela não a é apenas para
ele, mas para qualquer um honestamente envolvido na discussão. Como a poesia de Cordel
também está envolvida na discussão da ditadura militar, tal posição é também válida para a
poesia cordelina de Rafael de Carvalho11 . Numa palavra, é a resistência que emerge da
solidariedade epistêmica (visão de mundo) e do vínculo social (submersão do ato-de-fala no
oprimido mundo-da-vida) que se fortalece na tomada de consciência da validade das
reivindicações de validade encerradas nas expressões poéticas: resistir à ditadura. A isto
Habermas chama de consenso duradouro por não se definir como subordinação à
manipulação, nem como resultado de alianças ou acordos utilitários12.
Significa tudo isto que a arena em que os participantes – poetas e leitores – debatem
suas posições já formuladas, a esfera pública, torna-se a moldura dialógica dentro da qual o
indivíduo, seus princípios e crenças morais emergem em respostas a uma comunidade de
companheiros interlocutores. A arena, como espaço possibilitante das respostas ao mundo-davida, é a própria abstração do que Habermas chama situação-de-fala ideal que a torna
princípio regulador e um guia fundante para a conduta humana: resistência questionante.
A poesia é a linguagem historial de um povo que, segundo Heidegger (2003), como
doação do ser, arranca da existência originária, que o ser mesmo funda, a obra em que a
verdade operada é projeção de um destino aberto para os que têm a sua guarda, poetas e
leitores. Tal destino é a liberdade. Esta instauração da abertura daria a medida,
10
Não só, mas de toda leitura feita dos cordéis catalogados na cordelteca sob o regime militar, denota-se que
todos os poetas estabelecem envolvimento honesto, com o movimento de resistência à ditadura e qualquer
autoritarismo. É isto que aparece na dialética de leitura (4,5) o comportamento de educação política como
formação da consciência crítica e ações comunitárias resiste com 86,9% de freqüência, a 13,1% de pressão do
proselitismo ditatorial.
11
A defesa que Habermas faz do universalismo na teoria ética e política derivada da possibilidade de justificar
racionalmente a convicção individual, bem como o consenso público.
12
Este caso de subordinação da-se nos folhetos de encomenda,
254
preliminarmente poética, da história em virtude da precedência da linguagem como poesia
originária. Assim Heidegger fala sempre da poesia como grandeza inaugural, como começo
irruptivo por sua liberdade no dizer; abertura ao imprevisto e à escuta do existente13. A escuta
do existente é a postura da Literatura de Cordel, compilada e explicitada aqui como
objetivação da racionalidade comunicativa popular onde poeta e leitor se entendem sobre algo
do mundo objetivo, social e subjetivo. Eles se movimentam dentro do horizonte de um
mundo-vivido comum e não podem sair dele porque este permanece às suas costas, como um
pano de fundo histórico, intuitivamente sabido e não problematizado. Aqui somente uma
reviravolta transcendental da linguagem14 , passando-se do foco semântico para a praticidade
do dia-a-dia, é que se vai encontrar o não problematizado – resistência – no problematizado
pelos cordelistas – a ditadura.
A partir da dialética de leitura15, a poesia popular de Cordel explicitou-se como o meio
de expressão mais perfeito, a linguagem, que, por sua vez como exteriorização, impulsionouse do belo (arte) em direção ao pensamento conceitual. Deste modo, na poesia, antologada na
cordelteca sob o regime militar, expressando tanto o interior subjetivo como a particularidade
da existência, veio suscitar uma intuição concreta. Contudo, ela não se dirige, pura e
simplesmente, à intuição do sensível de uma exterioridade disponível, mas à intuição
espiritual16. É neste sentido que, na poesia de Cordel, apresentam-se como material formador,
em lugar do que é sensível (mármore, cor, som etc.), as próprias formas espirituais de modo
13
“A obra de um poeta é poética, mas seu dizer é livre, mais aberto ao imprevisto, mais pronto a aceitá-lo. E,
mais puramente, também libera o que diz à atenção sempre mais assídua em aceitá-lo (o pensamento), maior é
a distância entre o que é dito e a simples enunciação (HEIDEGGER, 1962, p. 65).
14
Neste sentido é que o método dialético constitui-se condutor de toda construção, objetivada no capítulo
Dialética de leitura, permitindo quantificar o tematizado, mediado pelos indicadores fazendo o jogo dialético
das palavras iluminadas pelas expressões significantes, possibilitando emergir o não-tematizado: resistência. A
dialética é que possibilitou superar o positivismo dos dados para o fenômeno com o que é lido naquilo que é
dado.
15
A dialética de leitura possibilitou tomar-se a cosmovisão, o comportamento, as estratégias e os meios
autoritários e democráticos na tensão dialética dos opostos, para a síntese: a resistência (ver 4.5).
16
É claro, segundo Hegel, que as representações abstratas não podem ser expressas por relações abstratas, mas
diferentes da música, devem receber “uma figura cunhada de aparência externa, o verso, para a intuição
interior (HEGEL, 1944, p. 870-872).
255
que as representações e intuições devem, certamente, valer como seu conteúdo e, ao mesmo
tempo, como seu material. É neste material, formador e formante de uma totalidade, onde as
representações dos conceitos (vide nota 15) são participadas e tornadas compreensíveis,
mediante os indicadores, para os outros que não são poetas. Não se trata de uma exterioridade
arbitrária, mas plenificando-se de significado pela mediação das expressões significantes
como
Bem aventurados os pobres;
Igreja, governo e nação;
Negro comunismo;
Direito da força (vide anexos)
Constituindo os componentes autoritários de apoio à leitura dos percentuais, por exemplo, da
cosmovisão elitista e manipuladora ou dos meios de corrupção e de morte17, superando o que
pode parecer esgotar-se no positivismo. Quanto aos componentes democráticos, sob a
mediação das expressões significantes como
Movimento sindical;
Unidade do oprimido
Partido comunista
Dom Helder Câmara (vide anexos),
Constituindo os componentes democráticos de apoio à leitura dos percentuais, por exemplo,
da cosmovisão popular e dialética ou dos meios de honestidade e de vitalização18, vão
superando o estritamente quantitativo na direção do qualitativo, pelo dialético crescimento da
poética popular, veiculando o progresso do pensamento democrático meio à repressão
autoritária.
17
Citou-se apenas a cosmovisão autoritária e quatro itens como exemplo do que foi feito em todo o processo
dialético de leitura (vide 4,1 e 4.4).
18
Citou-se apenas a cosmovisão democrática e quatro itens como exemplo do que foi feito em todo o processo
de leitura (ver 4.1 e 4.4).
256
O imediatamente tematizado, ditadura militar, possibilitou na dialética dos opostos,
componentes autoritários e componentes democráticos, a crescente consciência de postura e
de resistência nos textos de Cordel no qual a linguagem rimada é o sistema de fala. A
significação, dialeticamente conseguida, é aquela em que as sensações, intuições e
representações19, alcançaram uma outra existência maior do que aquela que é imediatamente
dada, porque trazida à aparência no elemento externo em oposição dialética20, possibilitando a
experiência dialógica entre os poetas, porque os vocábulos são comuns e circulam em todos
os folhetos, e entre poetas e leitores porque estes últimos, lendo, sabem-se, a si mesmos,
mergulhados no mundo-da-vida, mediados pela linguagem originária21 do seu peculiar modo
de existir: oprimidos resistindo.
Resistir não é mais a postura solipsista do Cordel, mas expressão fática da
racionalidade comunicativa habermasiana, culminando-se na unidade intersubjetiva de
compreensão recíproca do saber participado, da confiança mútua e do acordo entre poetas e
leitores resistindo à ditadura e, como escola popular, ensinando a resistir no processo de
produção crescente do consenso sobre a base pressuposta de pretensões reconhecidas de
validade22: compreensibilidade, verdade, veracidade e justeza.
O comum pertencer a poetas de bancada e leitores, e a poetas violeiros e ouvintes, é
que se nos aparece como escola de resistência à ditadura militar como lê-se nas estrofes
seguintes de Feitosa Nunes (1978):
19
Sensações de medo, sangue, injustiça, arrocho, ordem, crimes, generais veiculadas por todos os indicadores
autoritários de leitura (ver anexos).
20
Intuição de união, povo, justiça, luta, democracia, vida, greve veiculadas por todos os indicadores
democráticos de leitura (ver anexos).
21
Linguagem ordinária, para Wittgenstein, é a língua-mãe explicitada e partilhada na conversa quotidiana de
uma comunidade. Buscar compreender a língua-mãe (Cordel) na linguagem ordinária é buscar o sentido
originário de tais palavras que não está na regulamentação lingüística, mas no jogo de linguagem feito no
interior da forma-de-vida (WITTGENSTEIN, 1979, § 68).
22
Se esse fundamento normativo é posto em questão, a ação comunicativa não pode continuar. Os dados
advindos da dialética de leitura sustentam a continuidade da Literatura de Cordel e sua resistência à ditadura
militar entre 1964 a 1984 do século passado.
257
Na escola do Cordel
Aprendi a aprender
O que é a resistência
Para se sobreviver.
Aprendi compreender
Com muita disposição
A força da oposição
Com saber e com ciência
O que seja resistência
Diante toda opressão
Hoje nesta ditadura
O povo sabe também
Que na força da censura
O Cordel não fala bem.
Mas nossa cultura ten
Poder de persuasão
De fazer educação
Com toda proficiência
Do que seja resistência
Diante toda opressão.
É na história traçada
Do Nordeste brasileiro
Do poeta violeiro
E da poesia rimada
Que a luta é travada
Com a poesia na não
Contra toda escravidão
Deste poder sem clemência
No que seja resistência
Diante toda opressão
Aqui resiste operário
Resiste o agricultor
Estudante e professor
A este poder temerário.
Poesia é o temário
Fazendo a educação
Abrindo a libertação
Nos versos da consciência
Do que seja resistência
Diante toda opressão23.
Adequa-se aqui o plural majestário de afirmação: o Cordel também é uma resistência a
Ditadura Militar!
23
Estrofes produzidas de improviso na cantoria na resistência de Dr. Pedro Mendes Ribeiro, dia 19 de agosto de
1978, período da realização do V Festival de Violeiros do Norte Nordeste, em Teresina. Nesta manhã de
sábado, durante uma baionada para recepcionar os violeiros de fora, foi que gravamos esta cantoria e dela
trouxemos estas estrofes de Feitosa Nunes quando cantava o mote com Severino Ferreira (já falecido).
258
CONSIDERAÇÕES
O ideal de uma abordagem baseada no discurso para a compreensão de uma postura
ética é uma comunidade moral cujas normas e práticas sejam plenamente aceitas por aqueles
que a elas estão sujeitos. Esta comunidade forma uma sociedade baseada no acordo de todos
os parceiros livres e iguais, da qual tenham sido expurgadas toda imposição e toda
manipulação. A comunidade que se constituiu espaço para o “Cordel grito do oprimido”, foi
aquela donde a imposição, a manipulação e a repressão ainda não haviam sido expurgadas,
portanto, espaço não-tão-ideal para a abordagem tipificada acima. Contudo, espaço da
incontestável presença da Literatura de Cordel como fenômeno contemporâneo à Ditadura
Militar no Brasil entre 1964 a 1984, solidificando um contexto de repressão e autoritarismo.
Assim sendo, é um mundo outro, que não o democrático, que se impõe. Daí poder dizer-se
que, enquanto lidamos com problemas dos quais não podemos escapar, temos de pressupor,
não só na fala como também na ação, um mundo objetivo que não foi construído por nós e
que é, em grande parte, o mesmo para todos nós. Nele o que existem são as linguagens que
inventamos a partir de diversos pontos de vista. E, dependendo das linguagens teóricas que
escolhemos, pode haver descrições diferentes, capazes de se referir, porém, às mesmas coisas.
Aí estão os folhetos de cordéis. Deste modo, o mundo não deve ser concebido como a
totalidade dos fatos dependentes da linguagem, mas como a totalidade dos objetos.
A esse conceito semântico de mundo como um sistema de referências possíveis
corresponde o conceito epistemológico do mundo como a totalidade dos constrangimentos
que se impõem implicitamente sobre as diversas maneira pelas quais podemos vir a saber o
que está acontecendo no próprio mundo. A Literatura de Cordel é uma maneira pela qual
saber-se-ia o que estava acontecendo no mundo delimitado acima.
Em outros termos, o problema que se nos manifestou, e que alimentou todo o
encaminhamento da pesquisa, foi questionar a Literatura de Cordel como cultura que, como
259
tal, é um fenômeno ambivalente: pode favorecer o ser humano ou prejudicá-lo, pode tecer a
humanidade ou esfiapá-la, pode ser antropogenética ou antropofágica. Neste compreender, é
equivocado pensar que todo produto cultural, no caso todos os cordéis, seja avanço
humanizante. Daí a pergunta frontal: o discurso popular da Literatura de Cordel é uma
resistência à ditadura militar entre 1964 a 1984 no Brasil?
Para responder tal questionamento, trabalhamos mediados pelas categorias opressão,
libertação, contradição e resistência sob o método dialético ora na contraposição dos opostos,
ora detectando a evolução do nível de consciência, de luta e de resistência da Literatura de
Cordel coletada e mostrada no capítulo cordelteca sob a Ditadura Militar.
Desse contexto histórico e epistêmico, coerente com os dados computados, não é toda
a Literatura de Cordel resistente à Ditadura Militar e, dentre os folhetos antologados, há uma
oscilação de postura entre resistência e cooptação à opressão de modo que, em meio à tensão
dialética da leitura, não podemos prescindir das seguintes constatações:
- da Literatura de Cordel, posta ao lado da poesia-canção, constatamos uma fidelidade
à forma-de-vida peculiar ao povo como espaço de produção e consumo do bem-poético,
veiculando as dores e as aspirações profundas de libertação;
- do universo da palavra-rimada, desde os gregos, passando pela poesia latina,
portuguesa até a brasileira, verificamos uma leitura cordelina estabelecendo um vínculo de
resistência ao autoritarismo ora exaltando, ora comentando as posturas revolucionárias do
universo detectado e mediado pelas estrofes citadas;
- dos dezessete folhetos antologados, todos do centro mesmo da ditadura,
posicionando-se como grito do oprimido e como resistência mediante a simbologia do
enfrentamento, enaltecendo a coragem dos líderes do povo e a força do próprio instrumento
de luta: a poesia de Cordel.
260
Ancorados nos dados, não podemos negar que as reflexos sobre o golpe militar de
1964, e os vinte anos de ditadura, sejam tema central para entender nosso país, nossa
realidade atual a partir da ótica do povo pela literatura popular.
Aposto que a Literatura de Cordel até então não fora reestudada como expressão de
resistência, acreditamos que, a partir do cruzamento de múltiplas expressões poéticas
populares, seria possível compreender a postura ideológica dos produtores deste dado
particular da cultura do povo enquanto expressão popular.
O sentido descoberto, delineado e rimado pelos poetas populares não é apenas para si,
mas para poder ser compartilhado, compreendido e aproveitado por outras pessoas e por quem
valoriza a experiência política. Penetrando neste sentido, confirmamos o hipoteticamente
dado: o discurso da Literatura de Cordel expressa resistência ao autoritarismo da Ditadura
Militar no Brasil entre os anos 1964 a 1984.
261
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277
ANEXOS
278
Indicadores de Leitura
SUB
TEMAS
ITENS
ITENS
VOCÁBULOS
INDICADORES
Avião – carestia – dominadores - governador - governadores
ARISTOCRACIA
Presidente - senadores - deputado - deputados.
CORONELISTA
Autoridade - dono - donos - latifúndio - dominar - força - Usineiro - usineiros.
DE POVO
Povo - gente - camponês - operário - operários
DE ASSOCIAÇÃO
Povos - governados
RACIAL
Classes
DO SABER
Gerente -
DE PESSOAS
Acampamento
DO SABER
Fraternidade - sertão
DICOTOMIZANTE
Senhores - excelência - agitado - burguês - desigualdade
POLARIZANTES
Agitador - agita
C O S M
O V I S
à O
ELITISTA
POPULAR
DISCRIMINATÓRIA
INTERACIONISTA
MANIPULADORA
universidade - coronel
- barraco - barraca
-
classes
-
Light
PRESERVAÇÃO
DIALÉTICA
DAS DIFERENÇAS
Desigualdade
-
tristeza
-
burguês
BUSCA DE
SÍNTESE
União
- luta
- sangue - terra
-
injustiça
279
C
O
M
P O R T A M E N T O
TEMAS
ITENS
SUB
ITENS
ELEITE
DECIDE E MANDA
DOGMÁTICO
MASSA OBEDECE
E CUMPRE
NAS DECISÕES
ENTRE
LÍDERES
DIÁLOGO
E LIDERADOS
CENTRALISMO
MANIPULADOR SUBORDINANTE
RECONHECIMENTO
DAS CAPACIDADES
FACILITADOR OPORTUNIDADE
A TODOS
EXALTANTE
BAJULADOR
DESTAQUE
VITALIZA
A DÚVIDA
DE LIDERANÇA DEBATE E
DISCUSSÃO
DE PROPAGANDA
PROSELITISTA
EXPANSIONISTA
FORMAÇÃO DA
EDUCAÇÃO
CONSCIÊNCIA CRÍTICA
POLÍTICA
AÇÕES
COMUNITÁRIAS
VOCÁBULOS
INDICADORES
- /arrocho – ordem – F M I – governante – cidade – brutalidade – Sarney - Sarnento
- Respeitar - resignação - obrigação
- Democracia - comando - vote
- Companheiro - cumpanhêro - cooperativa
- Ditadura - protetor - patrão - patrões - proprietário - usineiros - general - generais.
- Escravo - escravos - crimes - pistoleiro - pistoleiros - política.
- Líder - responsável - desemprego - injustiçado - injustiçados
- Justiça - reunião - reuniões.
- Vós-mincê - elogiar.
- Magnatas - elogio - general
- Democrata - confusão
- Voto - sindicato(s)
- Telefonema - telefonemas
- Propriedade - multinacionais - grileiros - peelgagem - pelegage
- Liberdade - governados - salário - salaro
Sangue - sujeição
- Greve - luta - tragédia - canto - servir - lavoura Tiradentes - Brizola - Brizzola.
280
TEMAS
I TENS
VOCÁBULOS
INDICADORES
PARENTES
ADERENTES
- Herdeiro - herdeiros - parente - compadre - cumpade
- Classe - ricasso - amigo
PESSOAL
COMUNITÁRIA
DE IDÉIAS
DE LINGUAGEM
RECONHECIMENTO
DE PLURALIDADE
PRESERVAÇÃO
DAS IDENTIDADES
POLÍTICO
- Direito - direitos-valente - forte(s)
- Indulto - iguais - igualitários
- Lei - leis - proibição
- Mentira - censura - denúncia
PROMOÇÃO POR
MÉRITO
I
A
S
NEPOTISMO
SUB
ITENS
E S T R A T É
G
UNIFORMIZAÇÃO
DIVERSIDADE
FISIOLOGISMO
CAPACITAÇÃO
CENSURA
LIBERDADE
ECONÔMICO
DOS IGUAUS
DOS DIFERENTES
DA AÇÃO
DO DISCURSO
DA AÇÃO
DA PALAVRA
- Partidos - representação - oposição - situação
- Liderança - sertanejo - operário - agricultor - agricutô
- Proteger - afilhado - poder - poderes - poderosos
- Cruzado - explorador - esprorador - exploração - exploradores Gatilho - inflação - infração - truste
- Trabalhador - trabalhadores - trabalhar - estudante Roceiros - agricultores
- Classe - classes - crasse - sertanejo - setenejos governados - eleitor.
- Ameaças - injustiça - arma - armas
- Juiz - controle - maldade
- Reuniões - revolução - agricultura - agricutura
- Liberdade - discurso - discussão - fala
281
TEMAS
ITENS
CORUPÇÃO
SUB
ITENS
VOCÁBULOS
DAS PESSOAS
DAS INSTITUIÇÕES
- Suborno - fazendeiro - fazendeiros - corrupção
- República - prefeitura - governo - trambique
DAS PESSOAS
- Margarida - responsável - honestidade
- Comunidade - constituição - partido - responsáveis
Igreja - eleição
- Chibata - opressor - opressores - violência - prisão
- Terror - terrorismo - fúria - infeliz - tortura
- Camponês - esforço - floresta
- Valente - perseguido - favela
- Processado - grade - cadeia
- Bomba - latifundiário - latifundiários
- Comunista - camarada - sócio - sócios - sindicato
Sindicá - enxada - ferramenta
- Comunidade - companheiros - camponeses - sindicatos
Enxadas - ferramentas.
- Crime - guerra - tiro - revólveres - canhões - bala
Fuzil - espada - metralhas - metralhadoras
HONESTIDADE
TORTURA
M E I O S
PRESERVAÇÃO
EXÍLIO
DAS INSTITUIÇÕES
FÍSICA
PSICOLÓGICA
FÍSICA
PSICOLÓGICA
OSTRACISMO
EXPULSÃO
INCLUSÃO
SOCIAL
ENTRE INDIVÍDUOS
MORTE
ASSASSINATO
ENTRE GRUPOS
INDICADORES
SUICÍDIO
DA PESSOA
VITALIZAÇÃO
DOS GRUPOS E
COMUNIDADE
- Morador - consumidor - lavrador - lutador - redenção - respeito salvação - sofredor - sofredô - anistia
- Movimento - movimentos - moradores - lavradores - partidos - lei
Roça - roçado - leis - esperança
282
E X P R E S S Õ E S
COMPONENTES
DEMOCRÁTICOS
COMPONENTES
AUTORITÁRIOS
TEMAS
S I G N I F I C A N T E S
- Bem aventurado os pobres.
– Classe rica
- Direito da força
- José Sarnento.
– Dragão da maldade.
- Deus quer os homens assim
- Repartição pública.
– Governo dos generais
- Ditadura fascista
- Generais terroristas
- Poder militarista
- Governo incivil
- Chibata da noite
- Brasil pra frente
- Negro comunismo
- Dominar o povo
- Igreja, governo e nação
- Direitos humanos
- Golpe de Estado
- Leis-do-trabalhador
- Mão-de-ferro
- Movimento sindical
- História de morte
- Reforma Agrária
- Trabalhador rural
- Sem terra
- Campanha trabalhista
- Vida libertária
- Bem comum
- Forma de governo
- Dom Helder
- Padre Henrique
- Vivência sindical
- Vontade popular
- Poeta do mato
- Igreja dos pobres
- Partido Comunista
- Partido Operário
- Povo unido
- Governo popular
- Classe operária
- Pátria libertada
- Povo pobre e sofrido
- Povo oprimido
- Unidade do oprimido
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