AS FRONTEIRAS ENTRE O ESPAÇO PÚBICO E O PRIVADO NA OBRA
OS ÍNTIMOS, DE INÊS PEDROSA
Tainara Quintana da Cunha (FURG)
Ao debruçarmo-nos sobre a análise das narrativas de Inês Pedrosa, entre as
tantas peculiaridades que envolvem o leitor, uma delas se faz sentir de maneira mais
expressiva. Trata-se dos processos de conflito que acometem suas personagens e
culminam em uma profunda solidão das mesmas. Configuram exemplos disto a voz
feminina e a voz masculina em Fazes-me falta (2003), a personagem Natália em Nas
tuas mãos (2005), os sujeitos na maior parte dos contos apresentados em Fica comigo
esta noite (2007) e, mais recentemente, no romance Os Íntimos (2010), o qual
analisaremos mais detalhadamente na realização deste estudo.
Problematizando os conflitos destes sujeitos, é relevante lembrar, por exemplo,
que o casal apresentado em Fazes-me falta (2003) discorre acerca da intrincada relação
conjugal que manteve até o momento em que a dona da voz feminina fenece. A partir
disto, o que se tem é uma espécie de acerto de contas através do discurso de um e de
outro: ele um homem contemporâneo e ainda vivo e ela num outro plano que não o
terreno.
Por sua vez, em Nas tuas mãos (2005) a personagem Natália, neta de Jennyfer e
filha de Camila, com quem matem uma delicada relação, se vê afastada de suas origens
em meio ao mundo globalizado e, diante disto, pretende resgatá-las partindo para a
África em busca das raízes de Xavier, seu pai já morto.
Entretanto, no quadro temático das narrativas citadas, que se desenha tão
semelhante quanto aos problemas de relacionamento interpessoais, é possível lançar
uma indagação: Por que a fragmentação do sujeito se faz tão recorrente nas narrativas
de Inês Pedrosa? A resposta para tal questão não se mostra evidente, mas antes,
sutilmente emaranhada no interior das narrativas, permeadas, na maioria das vezes, pelo
contexto histórico-social no qual estão inseridas as personagens.
Todavia, tentaremos delinear uma resposta, não definitiva, mas antes, que venha
a auxiliar na compreensão do processo que nos conduz à elaboração de tal questão, de
maneira que, a partir dela, possamos nos lançar novamente, a outras investigações, tanto
mais profundas, quanto reflexivas, acerca do movimento de fragmentação do sujeito,
inserido no contexto da sociedade pós-moderna.
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Uma hipótese é a de que a perda de identidade do sujeito social se dá,
ocasionado pelo esfacelamento do individualismo, a perda de referência do Eu na
atualidade, o cotidiano sufocante que suprime e assola as esperanças do homem
moderno quando este busca os mais variados recursos para se desvencilhar das amarras
que o prendem e o fazem refém dessa sociedade. Nesse contexto, a noção de indivíduo,
enquanto “a pessoa humana considerada, em suas características particulares”,
“indiviso”, (FERREIRA, 2010:422), se desfaz posto que as particularidades que
distinguem os seres sociais são cada vez mais indistintas e divisíveis, tendendo à
generalização massificada das características antes próprias de cada um. De maneira
que, suprimidas as particularidades, emerge um conceito de sujeito “escravizado, cativo,
obrigado, constrangido, que se sujeita à vontade alheia, passível.” (FERREIRA, 2010:
717). Assim, o sujeito que, condicionado pela vida cotidiana e incumbido de não
subverter a ordem social, está preso nas estruturas da vida burguesa e nesse ínterim,
esfacela sua individualidade em prol de um jogo de aparências ditado pelo
comportamento, pela moda, e pelo próprio contexto social, por exemplo, ao que Richard
Sennet (1989) denomina como “todo um catálogo da rotina doméstica que logo produz
uma imagem da tirania da intimidade; é clautrofobia.” (SENNETT, 1989:411).
Nesse sentido, para seguir em nossa hipótese de investigação, das obras acima
mencionadas, elegemos a narrativa de Os íntimos (2010), de Inês Pedrosa, por
entendermos que, em se tratando da história de cinco amigos que conversam a mesa de
um restaurante português acerca de variados assuntos, na medida em que falam, revelam
muito de si enquanto personagens comprimidos pelas obrigações cotidianas que se
impõem de maneira cada vez mais avassaladora no cenário pós-moderno. Além disso,
especificamente na análise do discurso do protagonista, este desvela-se um homem tão
solitário quanto inseguro em suas ações e que, por conseguinte, necessita da aprovação
do Outro. De modo que, Celinha já trouxe os petiscos e o jogo Porto versus Benfica já
começou.
Portanto, puxemos a cadeira e acomodemo-nos ao lado de Afonso, nosso
protagonista, responsável por apresentar seus amigos: Augusto, Guilherme, Pedro e
Filipe, que se conhecem há décadas e que, uma vez por mês, se reúnem para conversar,
comer, beber e, sobretudo, porque precisam da companhia um do outro.
No principio da narrativa, Afonso, médico oncologista, se propõe a ser o guia do
leitor para apresentar sua vida e seus amigos:
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Sou feito de papel e tinta, pelo menos neste momento em que os
vossos olhos deslizam sobre esta página. Nem sequer me
vislumbraram os contornos e já sabem que me dedico a aventuras
sexuais pouco ortodoxas e que sou vaidoso. (PEDROSA, 2010:13)1.
No entanto, mais adiante ele considera em seu próprio discurso:
As palavras são sempre pedras, pedaços de fronteiras. Servem para
separar, para rasgar. Podem ser plagiadas, decalcadas como
passaportes falsos. Nunca enganam por completo. Nunca revelam a
verdade toda. Mudam com o sotaque, a voz, a ordem na frase, o
esforço. (...) Dou-me bem com as palavras, porque lhes conheço o
antídoto: a música. Componho. Sei pôr a música na letra. É isso que
me invejam: a melodia. (PEDROSA, 2010:16) (grifo nosso).
Analisando o discurso do protagonista que se vale da primeira pessoa para
dirigir-se a nós, enquanto leitores de seu texto, percebe–se nele uma tentativa de
ludibriar-nos, uma vez que Afonso considera as palavras como entidades enganosas, na
medida em que ele próprio afirma dominá-las. Assim, temos nesta personagem, um
narrador que não se mostra totalmente confiável, mas antes, que se utiliza de uma forma
de escrever impregnada de emoções, juízos de valor, sensações, enfim, sentimentos
sufocados pela rotina da vida agitada do homem contemporâneo, culminando num
processo de solidão que vêm à tona no momento da escrita. Prova do que estamos
dizendo se mostra na própria necessidade que ele sente de nos informar acerca de suas
ações mais banais e íntimas, como no princípio da narrativa, por exemplo:
O século XXI nasceu um puritano disfarçado de tolerante. Há dias
prenderam um rapaz e uma rapariga por estarem a fazer sexo oral
dentro de um carro, num ermo, à luz do dia. Atentado ao pudor,
escreveu-se nos autos.
Hoje exerci o meu ato de cidadania solidária com esse par, praticado
sexo oral dentro de um carro, à hora dita do almoço, junto desse
monumento arquitetônico que é a ponte Vasco da Gama. (PEDROSA,
2010:10).
Ou ainda, no momento em que confessa: “Matei três pessoas por negligência.
Uma delas a minha própria mulher. Das três vezes, a minha negligência foi batizada
como excesso de empenhamento. (...) Nesses três casos, os doente foram-se.”
1
Nas passagens textuais extraídas da obra Os Íntimos (2010), utilizaremos a mesma ortografia
vigente na edição portuguesa e na brasileira desta obra.
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(PEDROSA, 2010:20). As passagens podem ser interpretadas como um reflexo da
instabilidade das fronteiras que separam o espaço público do espaço privado. Numa era
em que a exposição extrema se manifesta não só pelas ações dos sujeitos sociais, como
também através da escrita, como é o caso de Afonso e, sobretudo, alavancado pela
disseminação das redes sociais via internet.
.
Todavia, após esse momento inicial em que se expõe ao máximo para o leitor,
nosso narrador parece sentir-se verdadeiramente amparado na companhia dos amigos:
Augusto, Guilherme, Pedro e Filipe:
O barulho das vozes dos amigos sossega-me. Não o que eles dizem.
Ás vezes nem os ouço. Não para nos ouvirmos que nos encontramos –
apenas para estarmos juntos. Cada um de nós é uma trave mestra da
casa que somos todos juntos. Augusto, Guilherme, Filipe, Pedro e eu.
Bichos iguais a mim, familiares e contraditórios. Conhecemo-nos há
décadas. Nunca entendemos o futuro como uma viagem marcada a um
lugar conhecido. É nisso que somos iguais. Repudiamos a filosofia
turística que se foi tornando esmagadora neste início de milênio.
Gostamos muito de mulheres, o que faz de nós uns bárbaros, agora
que as mulheres não podem ser admiradas como enigma e maravilha
conjunta. Cada um por si e um minuto de televisão para todos.
(PEDROSA, 2010:18).
Observando os cinco amigos confraternizando é possível afirmar que, sobretudo,
essas reuniões fazem parte de uma ordem inerente a cada ser humano, que reflete sua
vontade de não sentir-se só no mundo, mas sim, parte da coletividade e, por
conseguinte, próximo daqueles indivíduos cujas semelhanças sobrepõem-se às
diferenças, fazendo com que estes, por algum motivo, assemelhem-se entre si, como é o
caso desses homens que precisam estar na companhia um do outro, ainda que cercados
pelas diferenças quanto às suas convicções e estilos de vida.
No relato de Afonso, para descrever as habilidades tanto suas quanto as de seus
amigos, o protagonista elenca uma série de qualidades dicotômicas:
Somos libertários e conservadores, cavalheiros e carroceiros,
apreciamos um sentido de tribo que já não se usa nem se defende, a
não ser forrado de penas e cercado de cubatas. Sabemos destriçar o
bem do mal, separar as espinhas de uma cabeça de peixe, dizer se um
vinho presta só pela cor e pelo cheiro, chegar ao osso de um leitão.
Guiamo-nos por saberes arcaicos sem nos rendermos ao engodo do
arcaísmo que encandeia a era em que nos coube nascer. Gozamos o
privilégio de existir num país amestrado pela liberdade, embora
cerimonioso e parco com ela.(...) É também por isso que preciso
destes amigos. Como uma espécie de conspiração contra o
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individualismo imperial, que brada aos valores com o único fito de
valorizar os interesses econômicos de seus pregoeiros. (PEDROSA,
2010:18).
Essas características corroboram o turbilhão de informações e obrigações, das
quais o sujeito precisa dar conta em seu meio social. A respeito da amizade, a dicotomia
que aparece refletida no fragmento citado é a mesma presente nas ações cotidianas que
amordaçam os sujeitos na narrativa da qual estamos tratando. Entretanto, não podemos
ignorar que há, nesta passagem, uma crítica no que concerne ao comportamento
político-econômico de Portugal frente aos novos contornos delineados com base no
processo de globalização.
Nessa perspectiva, é relevante a acepção de pós-modernidade proposta por JeanFrançois Lyotard (1998), bem como o que isso implica para o discurso das personagens:
O saber muda de estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades
entram na idade dita pós-indistrial e as culturas na idade dita pósmoderna. Esta passagem começou, desde pelo menos o final dos anos
50, marcando pela Europa o fim de sua reconstrução. (LYOTATD,
1998:3).
Mais adiante, o escritor francês afirma que o saber científico é uma espécie de
discurso e ainda, que na sociedade pós-moderna ele “é e será afetado em suas duas
principais funções: a pesquisa e a transmissão de conhecimentos.” (LYOTRD, 1998:4).
De modo que, voltando o olhar para Afonso ele nos dá a informação de que é um
médico e, nesse sentido, o trecho que segue faz-se relevante quando alinhado às
considerações de Lyotard, de modo que o fragmento relaciona-se com a solidão que
esses movimentos suscitam no espírito de cada ser:
-Suas mãos estão a tremer, doutor. Passa-se alguma coisa?
- Passa-me o bisturi e cala-te.
Passa-se que em vez de uma enfermeira experiente, serena, calada,
que me ajude, tenho de dar aulas prática a estagiários como tu,
pesporrentes e parladores, ao mesmo tempo que tento livrar do mal a
mama de uma mulher. (PEDROSA, 2010:11).
Nesta passagem, Afonso se coloca como o detentor do saber, homem estudado,
responsável por transmitir o conhecimento que o levou a despertar a inveja dos demais
colegas. É ele que instrui os estagiários despreparados, aos quais julga inferiores a si.
Todavia, a personagem se despe da carapaça que o envolve no momento em que
desabafa:
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Desconfia dos médicos cujas mãos não tremam. São os que não
sentem medo que matam. Tenho medo de deixar de ter medo. De
deixar de me importar. De começar a pensar que o que eu faço não é
importante, porque todos temos de morrer, um dia ou outro.
Substituímos o tempo pelo espaço para não pensarmos na morte.
Decretámos o fim da História para podermos trocar o rosto trágico que
nos distingue por um rosto belo, sem marcas nem território. O rosto da
minha filha, como seria hoje? Desenho-o incontáveis vezes. Acabo
sempre por o apagar, porque não o reconheço. Não existe.
(PEDROSA, 2010:13).
Portanto, a responsabilidade de salvar vidas, atrelada aos problemas do cotidiano
e à quantidade de informações as quais essa personagem se encontra exposta, reflete-se
em seu discurso e, além disso, contribui para disseminar a solidão que a exposição a
esse turbilhão de informações, bem como a perda das características individuais e a
sujeição que esse contexto suscita. O que leva-nos a crer que a maneira como Afonso se
expõe em seu discurso, atrelada à forma como descreve os amigos, todos inferiores a si,
é uma artimanha da personagem na tentativa de autoafirmar sua individualidade no
contexto de uma Portugal que, em certos aspectos, se distingue do restante a Europa,
justamente porque não partilha do processo de reconstrução pós-guerras aludido por
Lyotard. Portanto, a Lisboa contemporânea, na qual a narrativa se passa, acompanha o
ritmo do restante do país português que, por motivos políticos e econômicos, se
manteve a margem do processo de reconstrução europeia.
Todavia, este complexo de informações interligadas entre si exige uma análise
mais minuciosa, na qual não nos deteremos, devido à brevidade deste estudo, uma vez
que, nossa intenção não consiste em fornecer respostas, mas sim investigar como esses
processos se apresentam como tema nas narrativas de Inês Pedrosa, através de suas
personagens.
No entanto, lembremo-nos de que Afonso nos fornece a sua versão dos fatos e,
ao fazê-lo, mesmo que mencione as histórias de vida dos amigos, ainda assim o faz
buscando demarcar a sua individualidade frente aos outros sujeitos, ao mesmo tempo
em que necessita da companhia destes. Assim ele nos diz:
Os seres humanos são dependentes uns dos outros. Cada vez mais
dependentes. Incluindo os melancólicos ensimesmados, como o meu
amigo Pedro, que exibe uma armadura de desdém por qualquer
multidão constituída por duas pessoas. Estende a idade pueril sobre as
escarpas de sua biografia e pedala na sua bicicleta de rodinhas, imune
às desventuras que cobrem as bermas do seu percurso absorto.
(PEDROSA, 2010:15).
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Tomando como base a citação, vemos que Pedro incorre no mesmo dilema que
acomete Afonso, a saber: a exposição ao turbilhão de informações na vida cotidiana.
Além disso, trata-se de um técnico de informática, o que não o faz superior ou inferior
com relação ao amigo, conforme Afonso considera, mas sim, igual a ele, na medida em
que na pós-modernidade, a moeda de troca é o saber científico e tecnológico, conforme
Lyotard (1998) em sua obra A condição Pós-Moderna.
Por sua vez, ao referir Guilherme, nas palavras do protagonista “preferiu não ser
nada”, apenas um empregado de farmácia, separado da esposa e igualmente submetido à
rotina claustrofóbica das tiranias da intimidade, representadas na obra pelo fato de ter de
buscar diariamente o filho na escola.
Com relação a Filipe, artista e um “talento injustiçado”, conforme ironiza
Afonso, ele mesmo incapaz de perceber seus próprios defeitos, é taxativo:
“Filipe é um interesseiro incapaz de identificar seus próprios
interesses. Um falhado que persiste na falha. Um miúdo imune à
introspecção. (...) O louco da aldeia que confirma a sanidade mental
dos outros.” (PEDROSA, 2010:160).
Nesse sentido, cabe lançarmos uma indagação: qual o lugar reservado à arte no contexto
pós-moderno?
Todavia, parece ser com Augusto que a personagem principal possui maior
afinidade. Esses dois amigos partilham de gostos e costumes semelhantes. Afonso goza
da fama de sedutor, Augusto também. O primeiro teve um caso com Margarida,
personagem que mais tarde o segundo haveria de namorar. Ambos, cada um a sua
maneira, sempre encontram espaço para gabar-se de suas conquistas amorosas, um dos
aspectos que faz deles o centro das atenções na mesa do restaurante.
Seguindo nossa hipótese de investigação, mesmo a afinidade entre os dois
amigos gera uma dissonância entre eles, na medida em que ambos buscam ser
superiores um ao outro, num jogo de egos onde o vencedor é aquele que melhor se
adapta à exposição extremada, às condições de vida da contemporaneidade e às
implicações que esses movimentos acarretam. Porém, a necessidade destes sujeitos de
estar em companhia um do outro se assemelha a um dos processos mais complexos que
se desenham no limiar da pós-modernidade, ou seja, aquilo que Richard Sennett (1989)
caracteriza como “espaço público morto”:
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O espaço público morto é uma das razões e a mais concreta delas,
pelas quais as pessoas procurarão um terreno íntimo que em terreno
alheio lhes é negado. O isolamento em meio à visibilidade pública e a
exagerada ênfase nas transações psicológicas se complementam. Na
medida em que alguém, por exemplo, sente que deve se proteger da
vigilância dos outros no âmbito público, por meio de um isolamento
silencioso, compensa isso expondo-se para aqueles com que quer fazer
contato. A relação complementar existe então, pois são duas
expressões de uma única e geral transmutação das relações sociais.
(SENNETT, 1989:29 – 30).
A essa altura, consideremos o restaurante, o ponto de encontro desses homens.
Este espaço é carregado de significação, na medida em que se trata de um ambiente tão
instável quanto os cinco amigos. Ele pode ser entendido como o local da
problematização dos conflitos de cada um deles, um ambiente híbrido onde todos estão
de passagem e no qual se mesclam aspectos da vida pública e da vida privada, ou seja, o
restaurante como metáfora da sociedade em que vivemos.
Por ser um sujeito tão híbrido quanto o espaço que o cerca e, mais ainda, por ter
oportunidade de se sobressair nesses locais, Afonso confessa:
Eu, pelo contrário, só me sinto bem em tascas. Gosto particularmente
dessas toalhas onde se pode tomar nota e fazer desenhos. Os
restaurantes elegantes deprimemem-me: (...) Gosto do espaço
acanhado da casa de pasto A Claque. Gosto desta sala atulhada de
quinquilharia e de vozes. (...) O calor humano embacia os vidros. Lá
fora chove cada vez com mais força. (PEDROSA, 2010:21).
Assim, ao explorar as peculiaridades de cada um desses sujeitos, se desenha a
história de indivíduos cuja vida está atrelada à crise existencial que os acomete. Á
maneira de outras narrativas de Inês Pedrosa, na obra Os íntimos, cada aspecto está
carregado de significação e traz intrínseco em suas linhas, a crítica ao sistema social
vigente e o que isto implica para a formação do sujeito, através das palavras e dos atos,
aparentemente simples, de um grupo de amigos reunidos à mesa de um restaurante.
Mergulhando na narrativa, vislumbramos uma sociedade à beira de um colapso
que, em última instância, põem em cheque nossa própria existência enquanto sujeitos
sociais, tão sufocados e fragmentados quanto às personagens que se desenham.
REFERÊNCIAS
291
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua
portuguesa. 8ª ed. Curitiba: Positivo, 2010.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. 5ª
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
PEDROSA, Inês. Os íntimos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Trad.
Lygia Araujo Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
OBRAS CITADAS
PEDROSA, Inês. Fazes-me falta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003.
_____________Nas tuas mãos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2005.
_____________ Fica comigo esta noite. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.
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30 #..... as fronteiras entre o espaço púbico e o privado na obra os