Qualidade de vida em oncologia
Qualidade de vida em doentes oncológicos
da cabeça e pescoço tratados
no Instituto Português de Oncologia do Porto:
comparação de instrumentos de medida
AUGUSTA SILVEIRA
CLÁUDIA RIBEIRO
JOAQUIM GONÇALVES
ALEXANDRA OLIVEIRA
ISABEL SILVA
CARLOS LOPES
EURICO MONTEIRO
FRANCISCO PIMENTEL
A avaliação da Qualidade de Vida (QdV) dos doentes
oncológicos da cabeça e pescoço não é prática comum em
Portugal. No presente estudo comparam-se dois dos questionários mais usados de Qualidade de Vida específicos para
Oncologia já validados para Portugal: o questionário QLQC30 e o seu módulo específico para doentes oncológicos da
cabeça e pescoço-QLQ-H&N35, da European Organization
for Research and Treatment of Cancer (EORTC) e o questionário Functional Assessment of Cancer Therapy-Head &
Neck (FACT-H&N), que inclui o Functional Assessment of
Augusta Silveira é médica dentista, docente da Universidade Fernando Pessoa — Faculdade das Ciências da Saúde.
Cláudia Ribeiro é médica dentista, docente da Universidade Católica Portuguesa.
Joaquim Gonçalves é docente do Instituto Politécnico do Cávado
e do Ave.
Alexandra Oliveira é psicóloga clínica.
Isabel Silva é psicóloga, docente da Universidade Fernando Pessoa — Faculdade das Ciências Humanas.
Carlos Lopes é professor catedrático de Anatomia Patológica do
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Eurico Monteiro é médico, director do Serviço de ORL do Instituto Português de Oncologia do Porto de Francisco Gentil, docente
da Universidade Fernando Pessoa — Faculdade das Ciências da
Saúde.
Francisco Pimentel é médico oncologista e presidente do conselho
de administração do Hospital de Aveiro.
Entregue em Novembro de 2008
VOLUME TEMÁTICO: 8, 2009
Cancer Therapy — General (FACT-G). Consequentemente,
este estudo tem como objectivo avaliar o nível de concordância entre os questionários FACT-H&N e o EORTC QLQ-C30
e o seu módulo específico para doentes oncológicos da cabeça
e pescoço — EORTC QLQ-H&N35. Cento e dois doentes
oncológicos da cabeça e pescoço, com uma idade média de
59,4 anos (DP = 12,1, Mínimo: 22; Máximo: 90) do Instituto
Português de Oncologia do Porto (IPOPFG, EPE) responderam aos questionários QLQ-C30, QLQ-H&N35 e
FACT-H&N. Da amostra, 83,3% são homens e 16,7%
mulheres. Todos os doentes inquiridos aceitaram participar
no estudo. Avaliou-se o nível de concordância entre os
questionários FACT-H&N e o EORTC QLQ-C30 e o seu
módulo específico para doentes oncológicos da cabeça e
pescoço — EORTC QLQ-H&N35. A correlação de Pearson
e a de Spearman foram usadas para esta análise. A consistência interna foi avaliada através do coeficiente aCpne de
Cronbach. A concordância entre o FACT-G total score e
QLQ-C30 total score foi de r = 0,80 e ICC = 0.82 e a concordância entre o FACT-H&N total score e o QLQ-H&N 35
total score foi de r = 0,73 e ICC = 0,70. O alpha de
Cronbach foi para o FACT-G total score de 0,76, para o
QLQ-C30 total score de 0,87, para o FACT-H&N total
score de 0,79 e para o QLQ-H&N35 total score de 0,90. Os
resultados do presente estudo corroboram as características psicométricas descritas na literatura. Ambos são bons
instrumentos de avaliação da QdV e a sua selecção deverá
ter em conta a simplicidade da administração e da interpretação dos resultados.
Palavras-chave: qualidade de vida; doentes oncológicos da
cabeça e pescoço; EORTC QLQ-C30; FACT H&N.
59
Qualidade de vida em oncologia
1. Introdução
O conceito de «Qualidade de Vida — QdV» usa-se em
diferentes contextos e situações, estendendo-se a quase
todos os sectores da sociedade. A percepção que um
indivíduo tem sobre o seu lugar na vida, dependente
da sua cultura e valores define a Qualidade de Vida
(QdV) individual. Quando aplicada num contexto de
Saúde define-se como: Qualidade de Vida Relacionada Com a Saúde (QdVRS) (Pimentel, 2006).
Actualmente os indicadores de QdVRS são usados em
estratégias de gestão da saúde, por gestores, economistas e analistas políticos e empresas farmacêuticas utilizando a Organização Mundial de Saúde (OMS)
medidas da QdV em alguns dos seus departamentos
(Schottenfeld e Fraumeni, 1996). A QdVRS é hoje um
objectivo em Medicina, usada em estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, na prática médica, em estudos
económicos de saúde, planeamento de medidas e
estratégias de gestão de saúde e comparação das mesmas (Stewart e Kleihues, 2003). A avaliação da
QdVRS é dinâmica e requer reavaliações periódicas
(Gouveia-Sobrinho, Carvalho e Franzi, 2001), deverá
fazer-se por rotina, de forma objectiva e quantitativa.
Inclui todas as áreas de vida e da experiência individual, tendo em conta o impacto da doença e o seu
tratamento (Weymuller et al., 2000). Para tal é importante a selecção de um instrumento de medida com
boas características psicométricas, prático de administrar e de quantificar, que não aumente o tempo de
consulta e que possua carácter multidimensional. Os
métodos de investigação utilizados em oncologia permitem analisar o processo oncológico nas suas vertentes fisiopatológica e clínica, entrando também em
domínios tão vastos como os psicológicos, sociais,
económicos e organizacionais (Meneses, 2005;
Pimentel, 2006). O presente estudo tem por objectivo
a comparação de dois dos maiores questionários de
Qualidade de Vida específicos para Oncologia já validados para Portugal.
subjectivos, dificuldade em converter o conhecimento tácito em conhecimento explícito (Rodrigues,
Moss e Tuomainen, 1998); inexistência de aplicações
informáticas amigáveis; inexistência de infra-estruturas nos serviços das instituições de saúde que permitam avaliação da QdVRS por rotina.
Assim, esta avaliação por rotina implica a proposta de
um modelo e estabelecimento de um protocolo de
intervenção que passa pela Gestão do Conhecimento.
A análise da problemática e a especificação de processos permitirá identificar e especificar requisitos com
base na análise logística, com vista ao planeamento de
actividades e tendo por fim o desenho de software e
desenvolvimento de um sistema capaz de gerir o
conhecimento obtido a partir da avaliação de QdVRS.
Os questionários devem ser respondidos e cotados
antes da consulta. Os resultados, que devem permanecer confidenciais e anónimos, se puderem ser traduzidos graficamente, permitem uma leitura fácil da auto-percepção do doente. Desta forma, a avaliação da
QdVRS converte-se num instrumento de diagnóstico,
que identifica os problemas do doente, alerta para
sinais e sintomas que possam não ser percebidos, facilita a comunicação entre o clínico e o doente e apoia
a decisão terapêutica, em suma, facilita a consulta. Em
analogia, o clínico poderá avaliar a evolução do estado
do seu doente comparando duas ou mais avaliações
em tempos diferentes (Bottomleya et al., 2002).
Estudos preliminares em doentes oncológicos concluem que a utilização de software adequado à avaliação da QdVRS, à recolha e processamento dos
dados permite a obtenção de auto-resposta aos questionários, independente do entrevistador, a cotação
automática dos questionários, a criação da base de
dados e a análise estatística dos resultados, favorecendo a avaliação clínica por rotina da QdVRS
(Pimentel, 2006; Silveira, 2007).
Adicionalmente, a tradução gráfica de resultados
favorece uma análise rápida da QdVRS do doente
pelo clínico, transformando-se esta avaliação num
instrumento de diagnóstico a utilizar por rotina na
prática clínica (Pimentel, 2006; Silveira, 2007).
2. Qualidade de vida: teorias e práticas
Estudos preliminares indicam que a implementação
da avaliação da QdVRS dos doentes em Portugal é
contestada e colocada em dúvida por diferentes factores que envolvem instituições de saúde, profissionais de saúde e doentes (Rodrigues, Moss e
Tuomainen, 1998). As razões incluem: falta de familiaridade com os estudos relevantes na área; ausência
de sensibilidade; falta de tempo; relutância em aceitar que a percepção do doente sobre os seus resultados é tão importante como a do médico (Caçador et
al., 2001), dificuldade em quantificar parâmetros
60
3. Objectivos
O presente estudo tem por objectivo a comparação de
dois dos maiores questionários de Qualidade de Vida
específicos para Oncologia já validados para Portugal: o questionário EORTC QLQ-C30 e o seu
módulo específico para doentes oncológicos da
cabeça e pescoço-EORTC QLQ-H&N35, da
European Organization for Research and Treatment
of Cancer (EORTC) e o questionário FACT-H&N,
que inclui o FACT-G.
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Qualidade de vida em oncologia
4. Método
4.1. Participantes
Participaram neste estudo, 102 doentes oncológicos
da cabeça e pescoço do Serviço de ORL do Instituto
Português de Oncologia Francisco Gentil do Porto
(IPOPFG, EPE) com consulta de follow-up ou com
primeira consulta agendada. Todos os doentes inquiridos aceitaram participar no estudo. Consultaram-se
processos clínicos para registo de variáveis sócio-demográficas e clínicas e registou-se o índice de
Karnofsky.
4.2. Material
Utilizou-se a versão portuguesa publicada e validada
de instrumentos específicos para avaliação da QdV
em doentes oncológicos da cabeça e pescoço. O
QLQ-C30 (versão 3) da EORTC e o seu módulo
específico para cabeça e pescoço: QLQ-H&N35 e o
FACT-H&N (versão 4).
As escalas FACIT, que incluem o questionário
FACT-H&N, são desenvolvidas para auto-administração aos doentes podendo igualmente ser aplicadas
por entrevista, por entrevistadores devidamente preparados que não interfiram na resposta do doente.
A equivalência técnica das duas formas de aplicação
dos questionários tem sido demonstrada na literatura.
Esta equivalência permite ter acesso ao impacto das
doenças crónicas e seus tratamentos em doentes com
diferente background.
4.2.1. FACT-G
O questionário FACT-H&N (versão 4), multidimensional, inclui 5 subescalas, com um número de itens,
que avaliam: bem-estar físico (7 itens), bem-estar
social/familiar (7 itens), bem-estar emocional
(6 itens), bem-estar funcional (7 itens), preocupações
adicionais-subescala cabeça e pescoço (12 itens). Os
dados obtidos correspondem ao estado do doente
durante a última semana.
financeiras, obstipação e diarreia) (Fayers e
Bottomley, 2002; Holzner et al., 2001; Gouveia-Sobrinho, Carvalho e Franzi, 2001). À excepção das
escalas funcionais e status global de saúde/escala
QOL, em todas as outras escalas e itens simples, um
score elevado indica pior QdV (Fayers e Bottomley,
2002; Holzner et al., 2001; Xavier, Filho e
Lancelloti, 2005). O módulo específico para cabeça e
pescoço da EORTC, o QLQ-H&N35 compreende
35 perguntas sobre sintomas e efeitos laterais do tratamento, função social, imagem corporal e sexualidade. Incorpora 7 escalas de sintomas (dor, deglutição, paladar e olfacto, fala, alimentação em público,
contacto social e sexualidade) e 11 itens simples.
Para todas as escalas e itens simples, um score elevado indica pior QdV (Kopp et al., 2000). Os dados
obtidos correspondem ao estado do doente durante a
última semana.
4.3. Procedimento
Os participantes foram informados da natureza, pertinência e objectivos do estudo previamente ao
preenchimento dos questionários, consentindo por
escrito a sua participação.
Os questionários usados para avaliação da QdVRS:
EORTC QLQ-C30 e o seu módulo específico para
doentes oncológicos da cabeça e pescoço-EORTC
QLQ-H&N35, da European Organization for
Research and Treatment of Cancer (EORTC) e o
questionário FACT-H&N, que inclui o FACT-G
foram preenchidos e cotados de acordo com os passos descritos no manual de cada instrumento: FACTH&N Scoring Guidelines e EORTC QLQ-C30
Scoring Manual.
4.4. Procedimentos estatísticos
Avaliou-se o nível de concordância entre os questionários FACT-H&N e o EORTC QLQ-C30 e o seu
módulo específico para doentes oncológicos da
cabeça e pescoço — EORTC QLQ-H&N35. A correlação de Pearson e a de Spearman foram usadas para
esta análise. A consistência interna foi avaliada através do coeficiente alpha de Cronbach.
4.2.2. Quality of Life Questionnaire (QLQ-C30)
O QLQ-C30 (versão3) incorpora 5 escalas funcionais
(física, desempenho, cognitiva, emocional e social),
3 escalas de sintomas (fadiga, dor, náusea e vómito),
o status global de saúde/escala QOL e 6 itens simples
para avaliação de sintomas ou problemas adicionais
(dispneia, perda de apetite, insónia, dificuldades
VOLUME TEMÁTICO: 8, 2009
5. Resultados
5.1. Caracterização sócio-demográfica da amostra
Da amostra, 83,3% são homens e 16,7% mulheres.
A idade varia entre um mínimo de 22 e um máximo
61
Qualidade de vida em oncologia
de 90 anos, com uma média de idades é de 59,4 anos
com um desvio padrão de 12,1. Quanto aos anos de
escolaridade variam entre um mínimo de 0 (iletracia),
e um máximo de 16 anos, sendo a média dos anos de
escolaridade de 5,0 anos (DP = 3,0).
A amostra distribui-se por vários concelhos localizados maioritariamente no Norte do País. Os concelhos
de residência mais frequentes são o Porto (13,7%),
Braga (5,9%) e Bragança (4,9%). Dos 102 doentes
oncológicos avaliados, 7 (6,9%) não têm diagnóstico
do tumor primitivo, nem do tipo histológico à data do
preenchimento do questionário, 77 (75,4%) doentes
têm diagnóstico histológico de carcinoma espinocelular, 3 (3,0%) têm lesões displásicas pré-malignas, e
15 doentes (14,7%) apresentam outros tipos histológicos. Quanto à localização do tumor, 18 (17,6%)
têm neoformação da corda vocal, 17 (16,7%) têm
neoformação da laringe, 13 (12,7%) na faringe,
6 (5,9 %) têm neoplasia faringo-laríngea e 5 (4,9%)
apresentam neoplasia da língua. Os restantes diagnósticos têm localizações diversas. A maioria da
amostra tem um performance status elevado: 42
doentes (41,2%) têm um índice de Karnofsky de 90%
e 14 (13,7%), de 100%. Um doente (1%) com índice
Tabela I
Caracterização da amostra quanto
à idade, sexo e escolaridade
Doentes n = 102
Idade (anos ± DP)
Sexo (%)
Feminino
Masculino
Educação (anos ± DP)
59,4 ± 12,1
16,7
83,3
5,0 ± 3,0
Figura 1
Descrição da amostra pelo performance status
50
40
30
20
10
Count
0
62
Missing
30
50
60
70
80
90
100
PERFASAT
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Qualidade de vida em oncologia
de 30% representa o valor mais baixo da performance status da amostra. O índice de Karnofsky não
está registado em 4 doentes (3,9%).
A amostra é constituída maioritariamente por fumadores. Dos 83 inquiridos (81,4%) que responderam a esta
questão, 32 (31,4%) fumam até 1 maço de tabaco por
dia, 20 (19,6%) fumam entre 21 e 40 cigarros diariamente, 15 (14,7%) nunca fumaram e 6 pessoas (5,9%)
fumam mais de 60 cigarros diariamente, com o
máximo situando-se nos 110 cigarros diários.
5.2. Fidelidade
Para verificação da fidelidade dos questionários:
EORTC QLQ-C30 (versão 3)/QLQ–H&N35 e
FACT-H&N (versão 4), utilizou-se o coeficiente
alpha de Cronbach.
O alpha de Cronbach foi para o FACT-G total score
de 0,76, para o QLQ-C30 total score de 0,87,para o
FACT-H&N total score de 0,79 e para o QLQ-H&N
35 total score de 0,90.
Tabela II
Alpha de Cronbach por escalas dos questionários EORTC — QLQC30 e
FACT H&N
Coeficiente alpha de Cronbach
Escalas
QLQ C30
FACT H&N
Física/bem-estar físico
Desempenho/bem-estar funcional
Cognitiva
Emocional/bem-estar emocional
Social/bem-estar social
Saúde global/escala de QdV
Fadiga
Náusea e vómito
Dor
FACT H&N
0,87
0,96
0,27
0,46
0,89
0,92
0,85
0,79
0,85
–
0,89
0,84
—
0,69
0,71
–
–
–
–
0,57
QLQ C30 0,87
TOI 0,90
FACT-G 0,76
FACT-H&N 0,79
Scores totais
Tabela III
Alpha de Cronbach por escalas dos questionários
EORTC-QLQ H&N 35
Coeficiente Alpha de Cronbach
Escalas
Dor
Deglutição
Paladar e olfacto
Fala
Comer em público
Contacto social
Sexualidade
Scores totais
VOLUME TEMÁTICO: 8, 2009
EORTC-QLQ H&N 35
0,72
0,90
0,70
0,46
0,92
0,86
0,99
QLQ-H&N 35 0,90
63
Qualidade de vida em oncologia
A Tabela II apresenta os resultados obtidos para o
coeficiente alpha de Cronbach em diferentes escalas
dos dois questionários.
A Tabela III apresenta o alpha de Cronbach para as
escalas do questionário QLQ H&N 35.
5.3. Acordo entre os dois instrumentos de medida
A concordância entre os scores totais dos questionários, foi analisada através da correlação de Pearson e
a de Spearman e obtiveram-se valores de concordância entre o FACT-G total score e QLQ-C30 total
score de r = 0,80 e ICC = 0,82 e a concordância
entre o FACT-H&N total score e o QLQ-H&N 35
total score foi de r = 0,73 e ICC = 0,70.
6. Discussão e conclusão
A média de idades dos participantes está de acordo
com a distribuição por idades dos tumores malignos
da cabeça e pescoço do Registo Oncológico do Norte
(Portugal. Instituto Português de Oncologia do Porto,
1999; Portugal. Instituto Português de Oncologia do
Porto, 1998; Portugal. Instituto Português de Oncologia do Porto, 1997; Portugal. Instituto Português de
Oncologia do Porto, 1996; Portugal. Instituto Português de Oncologia do Porto, 1995). Estes resultados
são concordantes com o facto dos hábitos tabágicos
e etílicos subtrairem entre 20-25 anos de vida aos
consumidores de longa data (USDHHS, 2004), em
que cerca de 1/3 das mortes nos portugueses de meia-idade são provocadas pelo tabaco. Também nos
tumores malignos da cabeça e pescoço, muito asso-
ciado a estes factores de risco, as taxas de incidência
e de mortalidade apontam neste sentido.
Verifica-se um nível de escolaridade baixo em
grande parte da amostra, o que justifica as dificuldades destes indivíduos no preenchimento dos dois
questionários que resultou numa administração dos
instrumentos por entrevista na grande maioria dos
participantes.
A análise do performance status dos indivíduos
incluídos neste estudo revela que na sua maioria o
indíce de Karnosfsky é elevado. Estes resultados
permitem discutir o papel deste indicador na avaliação da QdV, sabendo que avalia uma única dimensão
e que a QdV é um conceito multidimensional. Sendo
uma avaliação abreviada e insuficiente pode ser
usada como um complemento e não em substituição
da avaliação de QdV em várias dimensões
(Radhakrishna et al., 1999). A análise da amostra
quanto ao consumo diário de tabaco enquanto fumador revela que esta é constituída maioritariamente
por fumadores ou ex-fumadores de grandes quantidades de tabaco, durantes longos períodos de tempo.
Esta é a variável sócio-demográfica analisada que
mais evidencia o papel do tabaco como o maior factor de risco dos tumores malignos da cabeça e pescoço em termos de risco atribuível (83% e 86% para
tumor maligno da língua e tumor maligno da cavidade oral, respectivamente), em concordância com
estudos epidemiológicos que concluíram que os
fumadores têm um risco 15 vezes superior aos não-fumadores para desenvolver tumor maligno da
cabeça e pescoço (Portugal. Instituto Português de
Oncologia do Porto, 1996; Stewart e Kleihues, 2003;
Varzim et al., 2003; Mitchell et al., 2006). A administração dos questionários revelou-se exequível,
Tabela IV
Concordância entre os scores totais dos questionários avaliados
64
Scores totais
Correlação de Pearson
(r)
Correlação de Spearman
(ICC)
FACT-G total score/QLQ-C30 total score
FACT-H&N total score/QLQ-H&N 35 total score
0,80
0,73
0,82
0,70
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Qualidade de vida em oncologia
com tempos de resposta aceitáveis, com formato
compreensível e facilmente aceite pelos doentes.
A nomenclatura de alguns dos domínios mais importantes do QLQ-C30 e do FACT-H&N é muito similar, nomeadamente nos domínios: físico, social, emocional e funcional/desempenho. Esta concordância na
nomenclatura sugere uma concordância dos aspectos
avaliados, contudo encontraram-se neste estudo diferenças consideráveis entre os instrumentos, particularmente nas subescalas correspondentes. Existe,
contudo, um bom grau de acordo entre os totais dos
dois questionários avaliados.
Assim, os resultados deste estudo sugerem que estes
dois instrumentos avaliam diferentes aspectos da
QdV. O questionário QLQ-C30 da EORTC dá uma
visão focada em aspectos físicos e sintomáticos dos
indíviduos, enquanto que o FACT-H&N dá uma
visão multidimensional do conceito, numa perspectiva mais lata e abrangente dos diferentes domínios.
Adicionalmente, os dados da presente investigação
demonstram que uma resposta tumoral objectiva aos
tratamentos nem sempre se correlaciona com uma
boa QdV. As funções comprometidas são a fonação,
mastigação, deglutição, respiração e alterações estéticas. Este compromisso funcional poderá afectar todas
as dimensões da vida do doente.
tes com câncer da cabeça e pescoço. Revista da Sociedade Brasileira de Cancerologia. 4: 15 (2001) 1-7.
HECKER, D. et al. — Can we assess quality of life in patients
with head and neck cancer? : a preliminary report from the
American Academy of Maxillofacial Prosthetics. The Journal of
Prosthetic Dentistry. 88 : 3 (2002) 344-351.
HOLZNER, B. et al. — Quality of life measurement in oncology :
a matter of the assessment instrument? European Journal of
Cancer. 37 : 18 (2001) 2349-2356.
KOPP, M. et al. — EORTC QLQ-C30 and FACT-BMT for the
measurement of quality of life in bone marrow transplant
recipients : a comparison. European Journal of Haematology.
65 : 2 (2000) 97-103.
MAUSNER, J.; BAHN, A. — Introdução à epidemiologia. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. ISBN: 9723105187.
MENESES, R. F. — Promoção da qualidade de vida de doentes
crónicos : contributos no contexto das epilepsias focais. Porto :
Edições Universidade Fernando Pessoa, 2005.
MITCHELL, R. et al. — Fundamentos de patologia : bases patológicas das doenças. Rio de Janeiro : Elsevier Editora, 2006. ISBN
853521836-X.
MORTON, R. P. — Studies in the quality of life of head and neck
cancer patients : results of a two-year longitudinal study and a
comparative cross-sectional cross-cultural survey. The
Laryngoscope. 113 : 7 (2003) 1091-1103.
PIMENTEL, F. L. — Qualidade de vida e oncologia. Lisboa :
Editora Almedina, 2006. ISBN- 9789724027913.
PORTUGAL. Instituto Português de Oncologia do Porto —
RORENO — Registo Oncológico Regional do Norte. Instituto
Português de Oncologia: Centro do Porto, 1995.
PORTUGAL. Instituto Português de Oncologia do Porto —
RORENO — Registo Oncológico Regional do Norte. Instituto
Português de Oncologia : Centro do Porto, 1996.
PORTUGAL. Instituto Português de Oncologia do Porto —
RORENO — Registo Oncológico Regional do Norte. Instituto
Português de Oncologia : Centro do Porto, 1997.
Referências bibliográficas
BEAGLEHOLE, R.; BONITA, R.; KJELLSTROM, T. — Basic
epidemiology. Geneva : WHO, 1993. ISBN 9789241547079.
BORGGREVEN, P. et al. — Quality of life and functional status
in patients with cancer of the oral cavity and oropharynx :
pretreatment values of a prospective study. European Archives of
Oto-Rhino-Laryngology. 264 : 6 (2007) 651-657.
PORTUGAL. Instituto Português de Oncologia do Porto —
RORENO — Registo Oncológico Regional do Norte. Instituto
Português de Oncologia : Centro do Porto, 1998.
PORTUGAL. Instituto Português de Oncologia do Porto —
RORENO — Registo Oncológico Regional do Norte. Instituto
Português de Oncologia : Centro do Porto, 1999.
RADHAKRISHNA, P. M. et al. — Cellular manifestations of
human papillomavirus infection in the oral mucosa. Journal of
Surgical Oncology. 71 : 1 (1999) 10-15.
BOTTOMLEY, A. et al. — The development and utilization of
the European Organisation for research and treatment of cancer
quality of life group item bank. European Journal of Cancer.
38 : 12 (2002) 1611–1614.
RODRIGUES, C.; MOSS, M.; TUOMAINEN, H. — Oral cancer
in the UK : to screen or not to screen. Oral Oncology. 34 : 6
(1998) 454-465.
CAÇADOR, M. et al. — Quality of life on the laryngeal
preservation protocol-methods of evaluation, Revista Portuguesa
de Otorrinolaringologia. 42 : 4 (2001) 305-313.
SILVEIRA, A. — Qualidade de vida do doente oncológico da
cabeça e pescoço do Instituto Português e Oncologia do Porto
Francisco Gentil. Porto : ICBAS — Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, 2007. Tese de Mestrado.
FAYERS, P.; BOTTOMLEY, A. — Quality of life research
within the EORTC : the EORTC QLQC-30. European Journal of
Cancer. 38 : 4 (2002) 125-133.
STEWART, B.; KLEIHUES, P. — World cancer report. Lyon :
IARC Press, 2003. ISBN: 92 832 0411 5.
HARVARD MEDICAL SCHOOL — Dossiers de Saúde da
Universidade de Harvard. Visão: 476. New York : Oxford
University Press, 2003.
GOUVEIA-SOBRINHO, E.; CARVALHO, M.; FRANZI, S. —
Aspectos e tendências da avaliação da qualidade de vida de doen-
VOLUME TEMÁTICO: 8, 2009
SCHOTTENFELD, D.; FRAUMENI, J. — Cancer epidemiology
and prevention. New York : Oxford University Press, 1996. ISBN
0-19-505354-0.
U.S.D.H.H.S. (U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND
HUMAN SERVICES) — The health consequences of smoking :
a report of the surgeon general. Atlanta: Office on Smoking and
65
Qualidade de vida em oncologia
Health. National Center for Chronic Disease Prevention and
Health Promotion. Centers for Disease Control and Prevention.
U.S. Department of Health and Human Services, 2004.
HEAD AND NECK CANCER PATIENTS’ QUALITY OF
LIFE FROM INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA
OF PORTO: COMPARISION OF MEASUREMENT
INSTRUMENTS
was to compare two frequently used oncology specific Quality
of Life questionnaires already validated to Portugal: the QLQC30 and its head and neck cancer specific module — the QLQH&N35 from European Organization for Research and
Treatment of Cancer — EORTC and FACT-H&N, which
includes the FACT-G. Therefore, the study aims to assess the
psychometric characteristics of both instruments and to compare their applicability and adequacy in daily clinical practice.
One hundred and two head and neck cancer patients with a
mean age of 59.4 (SD = 12.1; Minimum: 22; Maximum: 90)
from the Portuguese Institute of Oncology — Porto (IPOPFG,
EPE) completed the QLQ-C30, QLQ-H&N35 e FACT- H&N.
The sample is composed by 83,3% males and 16,7% females.
All the patients accepted to participate in the research. The
agreement level between FACT-H&N and EORTC QLQ-C30
and its head and neck cancer specific module — the EORTC
QLQ-H&N35 was evaluated. Pearson correlation and
Spearman´s correlation were used for the analysis. Internal
consistency was evaluated using Cronbach’s alpha coefficient.
The results of the present study support the psychometric
characteristics described in the literature. Both instruments are
good evaluation tools and its selection should take
administration simplicity and data interpretation into account.
Quality of life assessment in head and neck cancer patients is
not common practice in Portugal. The aim of the present study
Keywords: quality of life; head and neck cancer patients;
EORT QLQ-C30; FACT H&N.
VARZIM, G. et al. — CYP1A1 and XRCC1 gene polymorphism
in SCC of the larynx. European Journal of Cancer Prevention. 12
: 6 (2003) 495-499.
WEYMULLER, E. A. et al. — Quality of life in patients with
head and neck cancer. Archives of Otolaryngoly — Head and Neck
Surgery. 126 : 3 (2000) 329-336.
XAVIER, S. D.; FILHO, I. B.; LANCELLOTI, C. P. — Prevalência de achados sugestivos de papilomavírus humano (HPV) em
biópsias de carcinoma espinocelular de cavidade oral e orofaringe : estudo preliminar. [Em linha]. Revista Brasileira de
Otorrinolaringologia. 71 : 4 (2005) [Consult. 2008-11-04]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid = S003472992005000400019&script = sci_arttext.
Abstract
66
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Download

Qualidade de vida em doentes oncológicos da cabeça e pescoço