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Jornal da Subseção de Maringá I julho l 2015
opinião
Liberdade de expressão: Um direito de
todos os grupos sociais - todos!
Por Marcus Geandré N. Ramiro
Passamos por um momento
em todos exigem ser ouvidos em
suas opiniões, mas, ao exercer
este direito, percebe-se que,
muitas vezes, é dado mais valor
em querer fazer o outro se calar
do que derrubar, por meio de
bons argumentos, aquilo que
motivou a vontade inicial de se
manifestar. A superficialidade de
muitas das discussões nos apresenta um repertório – não raras as vezes – de opiniões sem
fundamento, quando não se
concorda com o que foi dito,
mas não se tem razões concretas para contra-atacar aquela
opinião; entretanto, mesmo sem
argumentos contrários, a ideia
é não deixar o outro se manifestar.
Nesta linha de pensamento,
chamamos a atenção para uma
forte tentativa de se fazer calar
a opinião de alguns grupos sociais, principalmente os religiosos, a partir da bandeira do Estado laico, como se a não adoção de uma religião oficial pelo
Estado fosse fundamento para
que tais grupos sociais não possam manifestar suas opiniões
como qualquer outro grupo.
Por isso, há que se compreender bem este conceito.
No artigo 5º da Constituição
de 1824 encontrava-se a disposição de que “a religião Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões
serão permitidas com seu culto
doméstico, ou particular, em
casas para isso destinadas, sem
forma alguma exterior de Templo”.
Entretanto, desde a Constituição de 1891 já há a determinação de que o Estado brasileiro é laico, ou seja, sem religião
oficial e sem princípios religiosos que devam ser obrigatoriamente seguidos pelo mesmo:
“Art. 72 §3º) Todos os indivídu-
os e confissões religiosas podem
exercer pública e livremente o seu
culto, associando-se para esse fim
e adquirindo bens, observadas as
disposições do direito comum.”
No mesmo sentido, o artigo 5º,
inciso VI da CF/88, trouxe que “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a
suas liturgias”.
Note-se bem que a intenção do
texto constitucional é justamente
dar ao cidadão brasileiro a liberdade de crença e culto, podendo
este nortear sua vida pessoal, profissional, a educação de seus filhos
por aquilo que, nessa liberdade, ele
acredita ser o correto na dimensão
espiritual. Neste sentido, como
bem salienta Celso Ribeiro Bastos,
a religião não pode, da mesma
maneira que acontece com as demais liberdades de pensamento,
somente ser vista a partir de sua
dimensão espiritual; a religião vai
procurar necessariamente uma forma de externação. Pensar que o
culto se limita somente às paredes
do templo é realmente desconhecer a natureza das religiões, que
em sua maioria exigem que aquilo
que é pregado e pactuado no ato
litúrgico seja convertido em ações
no “mundo externo” por parte do
fiel. Caso o texto constitucional
não seja interpretado desta maneira, acabamos por retornar à Constituição Imperial onde havia a liberdade de crença, mas não a liberdade de culto.
Neste sentido já trazia Pontes de
Miranda em seus “Comentários à
Constituição de 1946”, que “culto
é a forma exterior da religião”,
chegando J. Cretella Jr. a afirmar
que “Na realidade, não há religião
sem culto, porque as crenças não
constituem, por si mesmo uma religião. Se não existe culto ou ritual correspondente à crença, pode
haver posição contemplativa, filosófica, jamais religião”.
Desta maneira, fica claro que o
texto constitucional, ao assegurar
a liberdade de crença e culto traz
consigo a possibilidade de o fiel,
enquanto cidadão, poder sustentar
ou ver sustentadas suas opiniões
sobre qualquer assunto conforme
os princípios religiosos que ele mesmo escolheu e cultua. Consequentemente, em nenhum momento, o
texto constitucional limita essa manifestação ao caráter singular, podendo o cidadão se unir com outros que pensam da mesma maneira para fazer ouvir aquilo que ele
tenha como certo.
Portanto, retomando Celso Bastos, “as igrejas funcionam sob o
manto da personalidade jurídica
que lhes é conferida nos termos da
lei civil” e sua opinião deve ser respeitada justamente por força do
inciso VI do artigo 5º. da Constituição Federal, e não ao contrário,
como muitas vezes se expõe. Real
afronta à Constituição seria não
ouvir a opinião – seja manifestada
por um único fiel, seja manifestada
por um órgão ou associação que o
represente – alegando a natureza
laica do Estado, menosprezando
um grupo social, tendo por conta
sua natureza religiosa.
Alexandre de Moraes salienta que
“a abrangência do preceito constitucional é ampla, pois, sendo a religião o complexo de princípios que
dirigem os pensamentos, ações
e adoração do homem para com
Deus, acaba por compreender
a crença, o dogma, a moral a
liturgia e o culto. O constrangimento à pessoa humana, de
forma a constrangê-lo a renunciar sua fé, representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e à própria diversidade espiritual”.
Desta forma, a liberdade de
expressão com bons frutos a
serem colhidos de sua garantia, não deve caminhar para, ao
ouvir um grupo, tentar calar
o outro, mas sim para o exercício da saudável discussão na
tentativa de se alcançar aquilo
que leve a sociedade ao bem.
Sempre será importante destacar que não concordar com
algo, seja por uma parte ou por
outra, não deverá nunca, entretanto, culminar em ações
que afrontem o Direito ou levem a agressões, pois mesmo a
liberdade religiosa, assim como
as demais liberdades públicas,
não atinge grau absoluto, não
sendo, pois, permitido a qualquer religião ou culto atos
atentatórios à lei, sob pena de
responsabilização civil e criminal.
Infelizmente, a análise profunda dos argumentos ainda
não é o que mais motiva o nosso legislativo, que escolhe muito mais pela força política do
grupo ou pelo modo como a reclamação ou reivindicação é
apresentada na mídia, trocando a “ditadura da maioria”
pela “ditadura da minoria”.
Cabe, pois, a nós, como juristas, primar pelo alto padrão
dessas discussões, pois de outra forma, seja pelas infundadas opiniões da maioria ou da
minoria, quem acaba sofrendo
é o povo.
Marcus Geandré Nakano Ramiro.
OAB/PR 40.252
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