SENTIDOS
FREGEANOS COMO
REGRAS COGNITIVAS
***
Para Frege o SENTIDO (Sinn) determina a
REFERÊNCIA (Bedeutung).
Para uma frase predicativa singular Fa temos:
1º nível
2º nível
Nome a:
sentido
>>>
referência (obj.)
Predicado F:
sentido?
>>>
conceito > obj.
Frase Fa:
pensamento >>>
valor-verdade
O sentido do nome é o “modo como a sua
referência nos é dada” (Dummett) e da frase é o
pensamento expresso. A referência do nome é o
objeto referido (“A lua com as suas crateras”), do
predicado é o conceito e da frase é o seu valorverdade.
Frege sempre tratou o conceito de sentido como
primitivo, que é apenas elucidado, nunca analisado.
Quero sugerir uma maneira de ANALISAR os
sentidos. Para tal recorro a Ernst Tugendhat.
Segundo Tugendhat (seguindo outros) numa frase
predicativa singular Fa temos:
Para a uma REGRA DE IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO
(Identifizierungsregel)
Para F uma REGRA DE APLICAÇÃO DO PREDICADO
(Verwendungsregel)
Para Fa uma REGRA DE VERIFICAÇÃO DA FRASE
(Verifikationsregel)
Tugendhat nota que para que a regra de
aplicação do termo geral se aplique é necessário
que antes a regra de identificação do termo
singular se aplique.
Uma se aplica PELA aplicação da outra.
Ex: Gagarin diz: “A terra é azul”
Primeiro ele precisa identificar o objeto para
depois classificá-lo como sendo azul.
Mesmo com indexicais deve ser assim:
“Isso é vermelho” (‘Isso’: uma regra de
identificação de alguma coisa próxima ao falante)
Tugendhat chega a definir a verdade como
correspondência sugerindo que uma proposição Fa é
verdadeira quando, pela aplicação da regra de
identificação de a a regra de aplicação de F é aplicada.
Minha sugestão é analisar os
sentidos fregeanos em termos de
regras semântico-cognitivas tais
como as sugeridas por Tugendhat e
outros.
Não para chegar a resultados conclusivos, mas para
ver as implicações dessa hipótese
TERMOS SINGULARES
Comecemos com o sentido dos termos singulares.
Compare as frases:
1) A estrela da manhã tem uma densa atmosfera de
CO2.
2) A estrela da tarde tem uma densa atmosfera de
CO2.
A referência de ambas as descrições é o planeta
Vênus, mas uma pessoa pode saber que 1) é
verdadeira sem saber que 2) é verdadeira.
A explicação dada por Frege é a de que as duas
descrições exprimem SENTIDOS DIFERENTES,
que são MODOS DE APRESENTAÇÃO diferentes
do mesmo planeta.
A noção de sentido em Frege é abrangente,
constituindo o que ele chama de valor epistêmico
(Erkenntniswert).
O sentido fregeano possui interesse epistemológico
por envolver o conteúdo informativo da expressão
lingüística; ele é, no dizer de Michael Dummett,
aquilo que entendemos quando entendemos a
expressão.
A importância filosófica da semântica fregeana
resulta dessa importância epistemológica do seu
conceito de sentido.
É natural interpretar os sentidos como regras
semântico-cognitivas. Essas regras permitem a
identificação através da satisfação de
CONFIGURAÇÕES CRITERIAIS diferentes:
Para ‘estrela da manhã’:
Configuração criterial: O corpo celeste mais
brilhante que aparece pela manhã geralmente
próximo ao horizonte... (diferente de ‘a estrela da
tarde’)
Para ‘O perdedor de Waterloo’:
Configuração criterial: O general francês que perdeu
a batalha de Waterloo... (diferente de ‘o vencedor
de Jena’)
Isso fica ainda mais claro quando consideramos
exemplos numéricos:
1) 1 + 1..........................................>
2) 6 / 3...........................................>
3) 2 x (7 + 3 – 9)...........................>
( 2
)
Todas essas expressões tem a mesma referência, o
número 2, mas os sentidos fregeanos são
diferentes...
Ora, mas elas são MÉTODOS, PROCEDIMENTOS,
REGRAS SEMÂNTICO-COGNITIVAS diversas,
Através das quais identificamos um mesmo número!
Outra razão para interpretarmos os sentidos fregeanos como
regras cognitivas é o seu contraste com as COLORAÇÕES
(Färbungen), que são sentidos expressivos, emocionais, que
regularmente associamos a certas expressões. Exemplos:
“O amor é o amém do universo” (Novalis)
“O amor é um cão do inferno” (Bukowski)
Colorações, diversamente dos sentidos, não são
convencionais, por isso não precisam ser
universalmente compartilhadas pelos falantes, mas
sentidos precisam ser universalmente
compartilhados, por isso eles são para frege
CONVENCIONAIS, logo, são REGRAS, e como são
regras com valor epistêmico, eles são REGRAS
COGNITIVAS, REGRAS SEMÂNTICO-COGNITIVAS,
SEMÂNTICO-COGNITIVO-CRITERIAIS.
EXPRESSÕES PREDICATIVAS
Passemos agora às EXPRESSÕES PREDICATIVAS
(termos gerais na posição de predicados): Para
Frege a característica delas é que elas são nos
níveis do sentido e da referência:
INSATURADAS (ungesätig),
INCOMPLETAS (unvolstandig),
DEPENDENTES (abhängig)
Diversamente dos nomes, elas precisam ser
completadas por nomes, dando frases, que
por sua vez são completas ou saturadas.
Ex: ‘...é barbudo’ (Sócrates, Marx, Darwin,
Lula)
Problema: isso não adianta nada para explicar a
assimetria sujeito-predicado, pois o mesmo
podemos dizer dos termos singulares:
Sócrates é... (barbudo, sábio, falador, baixinho...)
.....................................
Minha sugestão é inspirada em Aristóteles, que
definia a substância como aquilo que existe na
independência das outras coisas.
Assim: a referência do nome, o objeto, é
INDEPENDENTE relativamente a referência de seu
predicado.
A referência do predicado é DEPENDENTE
relativamente ao objeto referido pelo sujeito.
Para Frege isso é complicado, pois a referência do
predicado é o CONCEITO – Mas em que sentido o
conceito pode ser dependente ou completado por
um objeto?!
Única maneira de dar sentido a isso seria abandonar
a estranha identificação fregeana da referência do
predicado com o CONCEITO. Tradicionalmente o
conceito é a regra semântica que nos dá o sentido
do predicado (Kant). Assim, o natural é identificar o
CONCEITO com o próprio SENTIDO DO
PREDICADO, como seu modo de apresentação.
Minha proposta é então identificar a referência do
predicado com uma PROPRIEDADE SINGULARIZADA ou PROPRIEDADE-S ou PROPRIEDADE
(espacio-temporalmente localizada, o tropo).
Considere alguns exemplos:
“Bucéfalo é branco”...... Nesse caso a propriedade-s
(tropo) de ser rápido é dependente do objeto
Bucéfalo, pois não existiria sem ele.
“Bucéfalo pertence a Alexandre”..... Nesse caso a
propriedade-s (tropo) de ‘pertencer a’ é dependente
de dois objetos: Bucéfalo e Alexandre.
Mas que dizer de: “Bucéfalo é um cavalo”? Ora, a
propriedade-s de ser um cavalo parece essencial a
Bucéfalo. Nesse caso a frase é talvez analítica.
Nesse caso ser um cavalo é parte de ser Bucéfalo, e
como a parte depende do todo ela é, nesse sentido,
também dependente.
Talvez incorreta, mas melhor que a de Frege...
Para Frege também o SENTIDO do predicado é
insaturado, incompleto, dependente, sendo
completado pelo sentido do nome.
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Minha sugestão é a de que a DEPENDÊNCIA
ontológica ao nível da PROPRIEDADE seja herdada
ao nível epistêmico DO SENTIDO do predicado.
Se a propriedade-s depende do objeto, fica
fácil compreender porque a regra conceptual
do predicado depende da aplicação da regra
de identificação do sujeito para ser aplicada,
(Eis porque o sentido incompleto do predicado é
completado pelo sentido do sujeito na linguagem
metafórica de Frege)
Ou, voltando a Tugendhat, a regra de aplicação do
predicado é DEPENDENTE da aplicação prévia da
regra de identificação do nome.
“Bucéfalo é branco”, “A terra é azul”, “2 é par”...
A propriedade-s de ser branco é
ontologicamente DEPENDENTE da existência
do objeto.
Mas por isso mesmo, a aplicação da regra
pela qual classificamos algo como branco
(sentido do predicado) é DEPENDENTE da
aplicação da regra de identificação do objeto
(sentido do nome).
FRASES
Chegamos agora a análise do sentido da frase (Satz) – o
pensamento - e a referência da frase - o valor-verdade.
A identificação da referência da frase com o seu valorverdade é uma das coisas mais exóticas da semântica
fregeana.
Nesse caso “A terra é azul” e “2 é um número par” tem a
mesma referência (Bedeutung).
Além disso o status ontológico da referência do nome
‘terra’ é muito diferente do status ontológico abstrato do
da referência de “A terra é azul”, que é O Verdadeiro
(Das Wahre).
O intérprete Anthony Kenny nota que Frege sequer
menciona a possibilidade de que a referência da frase
seja O FATO!
FATO é o candidato natural! O fato da terra ser azul
é constituído do objeto terra + a propriedade-s de
ser azul... Que são as referências naturais do nome
e do predicado...
O próprio Kenny nota que há certamente muitos
problemas também com essa solução...
Considere só um deles:
Pela lógica Fregeana se a referência da frase é o
fato ela deve ser aquilo que não se modifica quando
mudamos os sentidos dos componentes, mas
mantemos as suas mesmas referências...
Mas nesse caso frases bastante diferentes passam a
referir-se a um mesmo fato.
Exemplos:
1)A estrela da manhã é (=) a estrela da manhã.
2)A estrela da manhã é (=) a estrela da tarde.
3)A estrela da manhã é (=) vênus.
Os termos singulares e o predicado relacional de
identidade dessas frases tem as mesmas
referências! Assim (1),(2) e (3)... referem-se ao
mesmo fato. Mas que fato é esse?
Uma sugestão plausível: o fato é descrito pela frase:
“Vênus é (=) Vênus”
Pois pode ser substituido em suas duas ocorrências
por qualquer uma das descrições acima...
Sentido da frase = O PENSAMENTO! (Porque, diz
Frege, o pensamento é o que muda quando
mudamos os sentidos dos componentes da frase)
Interpretando em termos de regras diremos, como
Tugendhat:
O sentido da frase precisa ser uma regra resultante
da REGRA DE IDENTIFICAÇÃO do nome aplicada
em COMBINAÇÃO com a REGRA DE CLASSIFICAÇÃO do predicado, o que ele chama de REGRA DE
VERIFICAÇÃO da frase. Então:
SENTIDO (conteúdo cognitivo) =
PENSAMENTO = REGRA DE VERIFICAÇÃO
(problema óbvio é que teremos de ressucitar a ovelha negra do
verificacionismo...)
EXISTÊNCIA E VERDADE
Quero agora considerar os conceitos fregeanos de
EXISTÊNCIA e VERDADE sob a perspectiva
considerada.
Para Frege a existência é a propriedade do conceito
de sob ele cair ao menos um objeto, de ser
satisfeito, preenchido.
É, pois, uma propriedade de ordem superior.
Considere a frase: “Cavalos existem”,
Ela quer dizer:
“Existe ao menos um x tal que x é um cavalo e x
existe” ou, formalmente Ex(Cx).
Essa frase tem dois componentes:
Um deles é expresso pelo predicado de primeira
ordem
‘...é um cavalo’ ou Cx
O outro é expresso pelo predicado de segunda
ordem
‘Existe ao menos um x tal que x’ ou Ex(...)
Isso significa que a predicação de existência
Ex(...) é um conceito de conceito, um
conceito-regra de ordem superior, um
METACONCEITO que atribui satisfação ou
preenchimento ou aplicabilidade ao conceito
de primeira ordem Cx
Se o conceito é o sentido do predicado e o conceito é
uma regra cognitiva de aplicação, então:
A existência é a propriedade dessa regra de ser
SATISFEITA, de ser PREENCHIDA.
Ou ainda: A existência é a propriedade da regra
cognitivo-criterial de ter seus critérios de aplicação
satisfeitos
Ou ainda mais: A existência é a propriedade da regra
cognitivo-criterial de ser APLICÁVEL,
Ou mais ainda: A existência é a propriedade dessa
regra de ser EFETIVA E CONTINUAMENTE
APLICÁVEL i.e. aplicável enquanto o referente for
dito existente (“existência é ser no tempo” - Kant).
Temos aqui uma explicação para o fato
de que de certo modo tudo existe.
1)Objetos ficcionais como o leão
medroso na estória “O mágico de Oz”
podem ser ditos existentes.
2) Mesmo a própria existência pode ser
dita que existe.
Ora, é assim porque a existência é
constatação da aplicabilidade
(satisfação) de uma regra conceitual.
Vejamos...
1)“O leão medroso existe”
Aqui constatamos que a regra de identificação
para o conceito do “leão medroso” em certo
mundo ficcional é aplicável, assim ele existe
(nesse mundo), pois essa regra conceitual é
aplicável pelos critérios estabelecidos no mundo
ficcional.
2) “A existência existe”
Sim, pois o conceito de existência nada mais é do
que a metaregra pela qual identificamos a
aplicabilidade das regras conceituais. Mas
podemos aplicar uma metametaregra a essa
metaregra, constatando que a metaregra é
aplicável, e como ela é aplicável, concluímos que
a existência existe.
Também o conceito de existência se aplica não só a
conceitos i.e. sentidos de predicados,
Mas se aplica também a sentidos de termos
singulares, como o nome próprio ‘Sócrates’ na frase
“Sócrates existe”.
Mas como?
Soluções consideradas problemáticas são:
“Ex (x = Sócrates)”
ou
“Ex (x socratiza)”.....
Mas como interpretar isso?
Uma resposta seria que o predicado ‘socratiza’ está
no lugar de uma série de descrições definidas
como, digamos:
Ex (x é o inventor da maiêutica, x é o mestre de
Platão... x é marido de Xantipa)
As quais podem ser russellianamente interpretadas
como:
Ex (x foi o inventor da maiêutica e exatamente um x
foi o inventor da maiêutica e x é o mesmtre de
Platão e exatamente um x é o mestre de Platão etc.)
Minha sugestão é que o que as DESCRIÇÕES
DEFINIDAS QUE SE ENCONTRAM ENTRE
PARÊNTESES não são mais que REGRAS
CONCEITUAIS que de algum modo (bem mais
complexo do que foi aqui resumido) constituem a
REGRA DE IDENTIFICAÇÃO DO TERMO SINGULAR.
A regra de identificação do termo singular pode ser
aplicável ou não.
E a EXISTÊNCIA do objeto nada mais é do
que
A (efetiva e contínua) APLICABILIDADE DA
REGRA DE IDENTIFICAÇÃO DO TERMO
SINGULAR
A questão é:
se o conceito de existência se aplica ao sentido do
predicado (conceito) e ao sentido do nome próprio,
ou seja, se ele é a aplicabilidade da regra de
aplicação e a aplicabilidade da regra de
identificação, então...
ele não se aplicaria também aos sentidos das
frases, aos PENSAMENTOS?
Certamente! O pensamento deve ser, pela nossa
leitura, a REGRA DE VERIFICAÇÃO da frase.
Ora, nesse caso a existência do objeto do
pensamento, do fato, deve ser a propriedade de
satisfação do pensamento pelo fato, ou seja:
Como o pensamento é a REGRA DE VERIFICAÇÃO
da frase, a existência do fato deve ser também a
propriedade de APLICABILIDADE (satisfação) dessa
regra ao seu objeto, pelo fato,
ou seja
A existência do FATO é
A propriedade da REGRA DE VERIFICAÇÃO
de ser por ele satisfeita ou preenchida, i.e. de
ser:
da regra ser EFETIVAMENTE e
CONTINUAMENTE APLICÁVEL ao FATO.
No entanto, parece que temos uma outra palavra
aqui que não ‘existência’...
Trata-se da palavra VERDADE, pois a propriedade
da regra verificacional (pensamento, sentido da
frase) de ser (efetivamente e continuamente)
APLICÁVEL ao fato nada mais é do que a
propriedade da regra/pensamento/conteúdo
cognitivo da frase de ser VERDADEIRO.
Frege aqui vem de encontro a nossa conclusão,
pois ele acha que o PORTADOR da Verdade é o
próprio PENSAMENTO, ele é que é propriamente
verdadeiro ou falso.
Parece que encontramos aqui um secreto
parentesco entre os conceitos de existência e
verdade.
Ambos são propriedades de conceitos.
A diferença é que a existência se aplica ao
conceito do termo geral e do termo singular e
a verdade se aplica ao conteúdo conceitual
veiculado pela frase.
Parece então que devemos concluir, para usar um
modo de expressar hegeliano, que
“a existência é a verdade do conceito enquanto a
verdade é a existência do pensamento!”
Mas também aqui há dificuldades:
Parece que atribuímos existência a objetos ou a
propriedades-s de objetos, enquanto atribuímos
verdade ao pensamento, ao conteúdo de
enunciados.
Dizemos que um objeto existe e dizemos que um
fato existe, mas não que ele é verdadeiro!
Não há, pois, paridade entre os conceitos de
existência e o de verdade, tal como sugerimos...
Mas nem por isso precisamos dar-nos por achados!
Podemos responder que a linguagem natural é
suficientemente flexível e vaga para acomodar
essa idéia. Pois somos intitulados a dizer
“Esse fato é verdadeiro”
no mesmo sentido de
“Esse fato existe”!
E com isso temos em mente um pensamento
com a propriedade de ser verdadeiro, ou seja, de
ser satisfeito, de ser aplicável.
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Sentidos fregeanos como regras cognitivas