SPEECH/06/501
Peter Mandelson
Comissário Europeu do Comércio
Globalização, alargamento e o debate
sobre o lugar da Turquia na UE
Conferência no Centro de Reforma Europeia do Bósforo
Istambul, Turquia, 15 de Setembro de 2006, 19.30 (20.30 em
Bruxelas)
Neste discurso proferido numa conferência organizada pelo Centro de Reforma
Europeia em Istambul, em 15 de Setembro de 2006, Peter Mandelson, Comissário
Europeu do Comércio, adverte que as repercussões políticas da resposta da
Europa aos desafios económicos da globalização terão impacto no debate em
curso sobre a adesão da Turquia à UE. Mandelson sustenta que a Turquia corre o
risco de se tornar «a imagem projectada de tudo o que a Europa teme num mundo
em mudança». Argumenta ainda que a defesa económica e política da globalização
na Europa será crucial para garantir um debate «racional» sobre o lugar da Turquia
na UE.
Afirma Mandelson: «A Europa será a primeira a sentir os custos económicos do
insucesso na defesa do alargamento e da globalização, através de um declínio
económico relativo e da erosão da base fiscal para os nossos Estados-Providência.
Mas as repercussões políticas serão sentidas igualmente aqui, na Turquia: na
discussão, que sobe de tom, contra o lugar da Turquia na UE. A responsabilidade
da Europa é garantir que isso não aconteça.»
Afirma ainda: «Na UE, muitas das vozes discordantes do alargamento à Turquia
são as mesmas que se ouvem contra a globalização. São o reflexo de questões
mais vastas na sociedade europeia, como o desemprego, a migração e as tensões
sociais. São angústias genuínas que devem ser levadas em consideração. É difícil
sustentar um debate racional sobre a Turquia e a UE enquanto a Turquia for a
imagem projectada de tudo o que tememos num mundo em mudança. Portanto, a
Europa tem de cumprir a sua parte.»
Mandelson insiste que a Turquia também tem «capacidade para moldar as
percepções e desafiar os preconceitos». Assim, exorta a Turquia a avançar com
reformas da economia e da justiça, bem como a ratificar e aplicar o protocolo de
Ancara, argumentando que a actual recusa de o fazer «serve os interesses
daqueles que têm reservas sobre a adesão da Turquia e dão uma justificação para
pôr de lado o processo de adesão.»
Mandelson diz que a Turquia precisa «de convencer as empresas europeias de que
é um lugar seguro e rentável para fazer negócios, um eixo para o Mediterrâneo e
um acesso lógico ao mercado único para produtos fundamentais como os têxteis.»
Advogando que o lugar da Turquia «deve, a seu tempo, ser na União Europeia»,
Mandelson conclui: «O argumento mais forte que a Turquia pode opor a todos
quantos procuram retardar e até travar o seu processo de adesão é um
compromisso inabalável para com as responsabilidades de adesão: não como uma
obrigação, mas como uma escolha e uma vocação europeia.»
Permitam-me que comece por agradecer aos nossos anfitriões — o British Council,
o Centro de Reforma Europeia e a Fundação Turca de Estudos Económicos e
Sociais.
Esta é a minha primeira viagem à Turquia na qualidade de Comissário Europeu do
Comércio e, por várias razões, já deveria ter acontecido. Não vos quero demorar
antes do jantar, mas gostaria de tecer algumas considerações sobre a Turquia e o
alargamento, sobre os desafios comuns à Turquia e à Europa perante a
globalização e de que forma o alargamento é uma resposta a esse desafio.
Esta é uma audiência de especialistas. Provavelmente, a experiência colectiva
nesta sala abarca todos os aspectos e matizes geoestratégicos, económicos e
jurídicos da relação da Turquia com a UE. Eu sou um negociador comercial, mas
também um político. Portanto, o que se segue é a perspectiva de um político.
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Globalização
As negociações comerciais colocam-me na linha da frente da globalização. No meu
trabalho, apercebo-me de como o comércio está a remodelar os nossos mercados,
a mudar o que compramos e onde o compramos; a mudar o que produzimos e
onde o vendemos; a tirar pessoas da pobreza; a alterar velhas profissões e velhas
certezas económicas; a confrontar muita gente com mudanças drásticas.
A ansiedade perante a mudança é provavelmente a característica que define a
política europeia moderna. Em cada debate sobre o nacionalismo económico, as
importações provenientes da China, a identidade nacional ou a soberania ou a
segurança, o pano de fundo é o medo de ver as velhas certezas substituídas por
uma rápida mudança. Os medos são compreensíveis, mas não devemos permitir
que nos levem a interpretar mal a realidade e a reagir da forma errada.
Embora algumas empresas europeias se encontrem na vanguarda do mercado
mundial de exportação, a Europa pouco está a fazer para concorrer na economia
global. O crescimento europeu é bom e a nossa indústria transformadora manteve a
sua quota do PIB mundial perante a concorrência mundial. A Europa continua a ser
o maior exportador do mundo e a sua vantagem comparativa na inovação, na
concepção e nas indústrias do conhecimento mantém-se forte. Apesar de todas as
ansiedades, o incentivo competitivo de integração na economia global criou mais
empregos na Europa do que destruiu.
Portanto, em termos gerais, a globalização mantém a Europa a flutuar, não a
afunda. Sim, temos de continuar a diversificar, continuar a especializar, continuar a
inovar. Precisamos de estender a mão a todos os que são afectados pela rápida
mudança económica e ajudá-los através de ajustamentos, antes de eles lançarem
mão de soluções de proteccionismo, simplistas e xenófobas.
Alargamento
E — após reflexão, ponderação, com base em provas — a conclusão é que
precisamos de prosseguir os alargamentos. O alargamento é fulcral para a resposta
da Europa à globalização e é descrito frequentemente como a nossa política mais
bem-sucedida. É uma afirmação ousada, mas julgo que justificada.
Ao crescer de seis para 25 Estados-Membros, criámos a maior economia do
mundo. O maior mercado do mundo para os produtores da UE. O maior pólo de
atracção para o investimento interno. Desde a realização do mercado único, em
1992, o investimento directo estrangeiro na União Europeia multiplicou-se por 15,
as trocas comerciais intra-europeias de mercadorias aumentaram um terço,
acrescendo 1,8% ao PIB da UE e criando 2,5 milhões de postos de trabalho. O
alargamento e a união tornaram-nos mais fortes.
O alargamento trouxe, naturalmente, desafios. Mas os receios anteriores a 1 de
Maio de 2004 revelaram-se muito exagerados. Não se concretizou nenhuma das
catástrofes previstas. As instituições da União Europeia continuaram a funcionar,
conquanto sintamos agora a necessidade de uma reforma institucional de
envergadura. As economias dos «antigos» Estados-Membros não foram destruídas
ou enfraquecidas pelas economias em crescimento acelerado dos recémchegados. As economias dos novos Estados-Membros permanecem estáveis e
fortes, a par das dos seus vizinhos mais consolidados. Beneficiámos das
competências que os trabalhadores dos novos Estados-Membros trouxeram,
embora tivéssemos de gerir consequências sociais e económicas.
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O fracasso do alargamento — se de algum se pode falar — não é económico ou
institucional, mas político. Não conseguimos vender a ideia. Não conseguimos
equilibrar a discussão mediante a insistência na importância da mobilidade dos
trabalhadores e da migração da mão-de-obra. Não conseguimos mostrar quão
importante é para a nossa economia o mercado único e o fim dos mercados
nacionais fechados na energia, nas telecomunicações ou no transporte aéreo. Não
conseguimos convencer da importância de que, um dia, um europeu possa guiar de
Bruxelas quase até ao Bósforo sem levar o seu passaporte. Não celebrámos
suficientemente o nosso próprio êxito. Não valorizamos o bastante o feito histórico
que é um continente estável, pacífico, democrático, unido após duas guerras: a
Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.
Como a globalização, o alargamento mostra que as identidades nacionais podem
sobreviver ao fim das fronteiras nacionais; que as culturas são porosas e
duradouras; e que o intercâmbio de ideias, pessoas e tecnologia nos enriquece, em
vez de nos empobrecer com a uniformidade.
A minha profissão é o comércio. E simplesmente não acredito que se possam trocar
bens e serviços sem trocar ideias e valores. Ambas as trocas nos enriquecem. Mas
talvez essa ideia seja tão perturbante quanto inspiradora.
É fácil esquecer que as nossas fronteiras actuais são fronteiras modernas e que até
ao século XVIII o conceito de «nação» não descrevia contornos num mapa.
Ninguém sustentaria que a Cortina de Ferro representava uma fractura fundamental
entre as pessoas que separava. Aliás, desmoronou-se precisamente por isso. As
línguas, culturas e religiões da Europa foram sempre uma realidade em movimento.
O alargamento acompanhou esta realidade. Mas não conseguimos ainda
convencer muitos europeus de que o alargamento é uma coisa positiva.
Turquia
Daqui resulta claramente um problema para a Turquia. Ora, eu acredito que, a seu
tempo, o lugar da Turquia deve ser na União Europeia. Estamos empenhados no
processo de adesão em curso. Creio que os benefícios económicos e sociais da
adesão da Turquia à UE seriam nos dois sentidos. A Turquia tem um mercado
interno enorme, uma população activa jovem e um ambiente empresarial dinâmico.
A Turquia é fundamental para a estabilidade global do Médio Oriente e o diálogo
com o mundo muçulmano. A Europa precisa tanto da Turquia como a Turquia
precisa da UE.
Mas há questões muito importantes que precisamos de abordar: a dimensão e a
população numerosa da Turquia; a assimetria de prosperidade económica; as
questões de identidade cultural e religiosa.
Assim, não concordo com os que se opõem à adesão da Turquia, mas reconheço
as suas preocupações. Estas pessoas não se encontram unicamente na UE, mas
também na Turquia. O problema, como em relação à globalização e à reacção da
Europa ao alargamento, consiste na distinção entre receios infundados e
preocupações legítimas — e em retirar as conclusões políticas certas.
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Aqui, na Turquia, as pessoas receiam que a Europa esteja a exigir demasiado, que
queiramos forçar a Turquia a conformar-se a normas europeias, não só económicas
e legislativas, mas também culturais e religiosas. Pede-se à Turquia que opte pelas
normas europeias em matéria de direitos humanos e de liberdade política e cultural,
porque esse pluralismo é a essência de uma vocação europeia. A Turquia fez
progressos nestas questões, mas ainda há mais a fazer. E, sem esse impulso
interno — porque tem de ser um impulso interno —, o resto não importa.
Na UE, muitas das vozes discordantes do alargamento à Turquia são as mesmas
que se ouvem contra a globalização e os alargamentos anteriores. São o reflexo de
tensões mais vastas na sociedade europeia: desemprego, migração, tensões
sociais. São angústias genuínas que devem ser levadas em consideração. É difícil
sustentar um debate racional sobre a Turquia e a UE enquanto a Turquia for a
imagem projectada de tudo o que tememos num mundo em mudança. Portanto, a
Europa tem de cumprir a sua parte.
Mas a Turquia tem capacidade para moldar as percepções e desafiar os
preconceitos.
O fracasso da Turquia na ratificação e aplicação do protocolo de Ancara representa
um risco grave para as nossas negociações. A vossa recusa de abrir os portos
turcos a embarcações com pavilhão da UE serve os interesses daqueles que têm
reservas sobre a adesão da Turquia como justificação para pôr de lado todo o
processo de adesão.
Do ponto de vista económico, espero que a Turquia avance resolutamente com o
seu esforço de reforma. Os recentes progressos económicos da Turquia resultam
da reforma económica constante e do estímulo da união aduaneira UE-Turquia.
O avanço rumo à integração na UE tornará irreversíveis as reformas e trará outras
oportunidades. A Turquia precisa de convencer as empresas europeias de que é
um lugar seguro e rentável para fazer negócios, um eixo para o Mediterrâneo e um
acesso lógico ao mercado único para produtos fundamentais como os têxteis. Não
tenho quaisquer dúvidas de que isto é possível.
Conclusão
Tentei, em poucos minutos, esboçar algumas ideias políticas gerais e complexas,
de forma a sugerir que têm um tema em comum. A Europa será a primeira a sentir
os custos económicos do insucesso na defesa do alargamento e da globalização,
através de um declínio económico relativo e da erosão da base fiscal para os
nossos Estados-Providência. Mas, neste serão, procurei sugerir que as
repercussões políticas serão sentidas aqui: na discussão, que sobe de tom, contra
o lugar da Turquia na UE.
A responsabilidade da Europa é garantir que isso não aconteça. O argumento mais
forte que a Turquia pode opor a todos quantos procuram retardar e até travar o seu
processo de adesão é um compromisso inabalável para com as responsabilidades
da integração: não como uma obrigação, mas como uma escolha e uma vocação
europeia.
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