UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
Jânio Roberto Diniz dos Santos
A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O
CAPITAL VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS.
São Paulo
FFLCH-2009
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O
CAPITAL VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS.
Jânio Roberto Diniz dos Santos
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Geografia Humana do
Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Doutor em Geografia.
Orientadora: Profª. Drª. Léa Francesconi
São Paulo
2009
2
A TERRITORIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E DAS CONTRADIÇÕES: O CAPITAL
VERSUS TRABALHO NOS LARANJAIS BAIANOS E SERGIPANOS.
COMISSÃO EXAMINADORA
Orientadora e presidenta da Banca............................................................................
Profª. Drª. Léa Francesconi
2° Examinador.............................................................................................................
Profª. Drª. Alexandrina Luz Conceição
3° Examinador.............................................................................................................
Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior
4° Examinador.............................................................................................................
Profª. Drª. Marta Inez Medeiros Marques
5° Examinador.............................................................................................................
Profª. Drª. Valéria de Marcos
.............................................................................
JÂNIO ROBERTO DINIZ DOS SANTOS
São Paulo, Outubro de 2009
3
Dedico esse trabalho aos meus avós:
Zulmira e Máximo dos Santos; Creuza
e Alcindo Diniz; por me ensinarem o
verdadeiro sentido de ser camponês, na
labuta pela permanência da terra de
família;
Aos meus pais Dautro Benedito e Adir
Diniz (in memorian), por tudo que me
ensinaram, e por me fazer acreditar
que um outro mundo é possível. Em
especial agradeço a minha mãe,
mulher de luta, trabalhadora.
Aos companheiros de luta que perdi
ao longo dessa jornada: Albertina
Lima Vasconcelos, Alvacir Brito
Barbosa e D. Elza Evangelista.
À todos os trabalhadores que produzem,
com o suor do seu trabalho, toda riqueza
que não se apropriam, para que possam
continuar na luta pela superação da
ordem
social
vigente,
sejam
eles
camponeses, trabalhadores assalariados
ou desempregados.
A minha companheira de vida e de
luta Suzane Tosta, que esteve presente
a cada momento. Pela afinidade
política, pela parceira no trabalho, e
pela história que construímos a cada
dia...
4
AGRADECIMENTOS
Ao fim de um trabalho como esse, e apesar de todo o cansaço, momentos de
solidão e muitas vezes angústias, é hora de socializar esse mérito com várias
pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para que o mesmo fosse
concluído. Passados mais de 4 (quatro) anos, e mediante tantos problemas e
dificuldades, pessoas passaram pela minha vida, outras ficaram, amizades foram
feitas e, em outros momentos, o isolamento se fez necessário. Família, amigos,
companheiros de luta, colegas, todos enfim e até mesmo os que estavam ausentes
se fizeram presentes, em minha lembrança.
Não poderia deixar de iniciar os meus agradecimentos aqueles que estarão sempre
comigo, apesar de ausentes materialmente, por seus ensinamentos, cuidado,
atenção, por toda dedicação para que eu me tornasse de fato humano. Aos meus
pais: Dautro Benedito, com quem tive uma convivência tão breve e Adir Diniz, que
me criou com tanto sacrifício, espero recompensá-la sendo, ao menos, um bom pai
para os meus filhos.
aos meus filhos: Soraia Diniz, Dautro Roberto, José Matheus e João Paulo, por
que são a minha própria essência, a continuidade da vida e a esperança em um
futuro melhor. Ao mesmo tempo, peço desculpas pelas ausências durante esses
anos do doutorado, em que tive que abrir mão de participar, mais ativamente, do
crescimento de vocês.
a minha orientadora e incentivadora, Profª. Léa Francesconi, por ter me dado a
oportunidade de ser seu orientando, por ter aberto das portas da USP e de seu
grupo de estudos. Por toda preocupação e dedicação demonstrada ao longo desses
anos e, sobretudo, pela simplicidade tão rara no meio acadêmico. Espero
corresponder as suas expectativas.
5
a companheira e amiga, Profª. Alexandrina Luz Conceição, por toda ajuda
dispensada sempre que preciso, pelas contribuições teóricas na direção de uma
Geografia revolucionária que atenda aos interesses dos trabalhadores, pela
coragem, militância e exemplo para todos aqueles que almejam a transformação
social;
ao meu amor, Suzane Tosta Souza, companheira de vida e de concepção de
mundo, por tudo que construímos juntos e pelo que ainda pretendemos construir;
a todos os meus familiares: irmãos: Fátima, Silvânia e Humberto Diniz, sobrinhos,
tios, primos, que estão sempre presentes no meu coração;
aos meus colegas do doutorado, com quem eu tive a felicidade de conviver e trocar
experiências; em especial ao grupo de estudo coordenado pela profa. Lea
Francesconi: Creuza, Evaldo, Sergio, Leandra, Juscelino, Amir, Manoel
e
outros, pela troca de experiências e ricas discussões teóricas na compreensão da
ciência geográfica e da categoria trabalho. Ainda na USP agradeço a convivência
com o professor Ariovaldo Umbelino na disciplina agricultura e capitalismo no
Brasil, bem como aos colegas de turma: Heitor, Aldiva, Rusvênia, Marlon,
Andréia, Israel e outros;
Agradeço a amizade de Israel que nos ensinou um pouco da riqueza do seu povo –
os Tucunas do Alto Rio Negro do Amazonas;
Não poderia deixar de destacar o companherismo de Creuza, agradeço pela
amizade sólida que construímos e pela proposta de sociedade que acreditamos;
aos colegas do Departamento e Colegiado de Geografia da UESB, que me
deram todas as condições para que eu pudesse concluir esse trabalho,
principalmente a Área de Geografia Regional que não poupou esforço em me
substituir no período que estive afastado. À Mário Rubem, Renato e Antonio Neto;
6
em especial agradeço aos amigos Janio Santos, Sócrates Menezes, Marco
Mitidiero, Vanessa Dias, Suzane Tosta e Veranilza Ribeiro, que sempre
estiveram na torcida. Além de colegas, companheiros de jornada...
Aos discentes e amigos Dayse Maria, Gedeval Paiva, Lucineide, Michelle,
Patrícia, Junior, Pedro e Alex.
A minha grande companheira Suzane Tosta que esteve presente no inicio, meio e
final dessa jornada e ao amigo Janio Santos que quando estava para jogar a
toalha foram fundamentais e não permitiram.
Estendo esses agradecimentos aos amigos de outras áreas que sempre me
permitiram diálogos tão enriquecedores: Maria Aparecida e Argemiro, João
Diógenes, Francisco e Rosangela Cardoso, Jose Rubens Mascarenhas, Tina e
Gildásio, Isabel Cristina, Vanderci e Marineide;
Durante o período que vivemos em São Paulo agradeço a amizade de Rita e
Loreto, Ana e Jomar, e Creuza bem como todo pessoal da Oposição Operária
pelos debates calorosos que contribuíram em muito para a elaboração desse
trabalho de tese;
Faço um agradecimento especial a Cida e Miro, por todo apoio em São Paulo
durante todos os anos do doutorado, fazendo da casa deles também a minha casa
e ao seu filho Caio; Também a Binho que contribuiu desde o processo de seleção,
pelas aulas de espanhol e pela afinidade política demonstrada por todos esses
anos.
a discente Aline Farias Fialho, que dedicou parte do seu tempo nas transcrições
das entrevistas que constituem parte deste trabalho;
7
aos amigos Delza Rodrigues de Carvalho e Marcos Alberto Texeira que foram
fundamentais em diversos momentos, sempre que precisei. Agradeço todo carinho
e cuidado;
a amiga Maria Auxiliadora Santana por toda atenção dispensada durante todos
esses anos de amizade e por ter disponibilizado sua casa para que eu pudesse me
dedicar melhor a tese;
Aos amigos Geógrafos Altemar Amaral, Eleni Alves e Jana Maruska que deram
todo suporte na confecção de mapas, revisão do texto e pelas longas conversas...
Ao companheiro Edimilson Carvalho pela construção de uma sociedade
comunista...
Em Vitoria da Conquista não poderia deixar de agradecer as amigas: Aureaglaucia
Barrocas e Simone Souto – que sempre torceram pela minha vitória;
A Cláudia Sucro, responsável pela tradução do resumo e revisão do mesmo.
A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, instituição que trabalho há 23
anos por ter proporcionando as condições para que eu cursasse o Doutorado, em
destaque a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação;
Aos trabalhadores: camponeses, desempregados, assalariados, assentados ou
acampados, que gentilmente me receberam em suas casas e barracos na beira da
estrada, por me ensinarem na prática que a luta é a marcha para a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária; Agradeço pelas ricas conversas e
entrevistas que me concederam, por compartilharem comigo suas vidas, sonhos e
angustias. É para vocês que fiz esse trabalho de tese!
A todos os militantes dos movimentos sociais que atuam no Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia que me fizeram sentir parte do movimento em prol
8
da mudança social, onde todos os homens possam tornar-se emancipados pelo
trabalho;
A todos aqueles que me concederam entrevistas ou informações importantes para
este trabalho: dirigentes sindicais, associações rurais, técnicos agropecuários,
dentre outros;
a todos vocês o meu MUITO OBRIGADO!
9
A história de todas as sociedades até
agora tem sido a história das lutas de
classes. Homem livre e escravo, patrício
e plebeu, barão e servo, membro das
corporações e aprendiz, em suma,
opressores e oprimidos, estiveram em
contraposição uns aos outros e
envolvidos em uma luta ininterrupta,
ora disfarçada, ora aberta, que
terminou sempre com a transformação
revolucionária da sociedade inteira ou
com o declínio conjunto das classes em
conflito. (MARK, Karl; ENGELS,
Friedrich. O Manifesto Comunista,
1998, p. 8).
“Nosso dia vai chegar,
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,
Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que lhe peçoEu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão.
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Quem não tem chance”
(Renato Russo – Fábrica)
10
RESUMO
O presente trabalho buscou analisar as contradições existentes entre a expansão
e apropriação do capital no território do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da
Bahia, por meio da difusão de cultivos voltados ao agronegócio, com destaque
para cultivo da laranja pêra para a produção de suco concentrado e congelado de
modo a atender o mercado externo, sobretudo europeu, e suas repercussões nas
relações de trabalho praticadas até então, bem como de que maneira esse
processo vai promover a subjugação da renda camponesa ao capital, na medida
em que os camponeses tornam-se grande parte da força de trabalho explorada.
Considera-se que o capital tanto se territorializa na região mediante à
implantação desse tipo de indústria, não raro estabelecendo alianças com os
latifundiários locais, como busca monopolizar o cultivo da laranja realizado nas
unidades de produção familiar, promovendo a submissão dessa renda
camponesa aos seus interesses imediatos. Assim, a expansão capitalista vem
favorecendo o processo de valorização das terras e a concentração das mesmas
nas mãos de poucos grupos econômicos, como também a degradação das
condições de trabalho dos camponeses, mediante o processo de expropriação de
suas terras, bem como a existência de um significativo contingente de força de
trabalho na região. Por um lado, também se verifica a exploração do trabalho
familiar camponês pelo capital, que se apropria, a baixo custo, de grande parte
dessa produção sem ter que remunerar o trabalhador. Alem disso, o trabalho
feminino e infantil acaba por complementar as possibilidades da reprodução
ampliada do capital na região. Dessa forma, o capital vai promovendo, de várias
maneiras, suas investidas sobre o trabalho. Por outro, esses trabalhadores
expropriados dos meios de produção e mesmo aqueles, que se mantêm com
dificuldades em suas terras, buscam formas de resistirem ou permanecerem
nelas, já que a experiência da luta pela terra via movimentos sociais tem
ganhado visibilidade. Assim sendo, o território do Centro-sul de Sergipe e do
Litoral Norte da Bahia, enquanto singularidade na totalidade, pode ser
compreendido como a materialidade concreta das investidas do capital sobre o
trabalho e das diversas experiências desenvolvidas no âmbito da classe
proletária para continuar sobrevivendo do trabalho, portanto expressão da luta
travada, historicamente, entre classes sociais com interesses antagônicos.
Palavras Chaves: Capital, Trabalho, Citricultura, Classes Sociais e Território.
11
ABSTRACT
This work aimed at analyzing the existing contradictions between the expansion and
appropriation of capital in the territory of central southern Sergipe and northern
coastal area of Bahia, by means of the diffusion of cultivations devoted to
agribusiness, especially ‘Pêra’ orange farming for the production of concentrated
and frozen juice in order to attend the foreign markets, above all European market,
and its repercussions in the work relationships practiced until then, as well as how
this process is going to promote the subjugation of farmer income to capital, as the
peasants become great part of explored labor-force. It is considered that as the
capital territorializes in the region through the implantation of this kind of industry,
often establishing alliances with the local landowners, as it searches to monopolize
the orange farming accomplished in the unit of familiar production, promoting the
submission of this farmer income to its immediate interests. Thus, the capitalist
expansion has furthered the process of valorization of lands and the concentration of
the same ones in the hands of few economic groups, as well as the degradation of
the work conditions of the peasants, through the process of expropriation of their
lands, just as the existence of a significant contingent of labor force in the region. On
the one hand, it is also verified the exploration of familiar peasant labor through the
capital, which largely appropriates, at a low cost, of this production without having to
remunerate the worker. Moreover, the feminine and child labor ends by
complementing the possibilities of increased reproduction of the capital in the region.
Thus, the capital comes promoting, in several ways, its onrushes on the labor. On
the other hand, these laborers expropriated of the means of production, and even
those that stay at their lands with difficulties seek means to resist or stay at them,
since the experience of the fight for the land through social movements has acquired
visibility. In this case, the territory of central southern Sergipe and northern coastal
area of Bahia, while singularity in the totality, may be understood as the concrete
materiality of onrushes of capital on the labor and of several experiences developed
in the scope of the working class to continue surviving of the labor, therefore
expression of struggle occurred, historically, between social classes with
antagonistic interests.
Keywords: Capital; Labor; Citriculture; Social Classes; Territory
12
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 01 – Estabelecimentos com dimensão igual ou superior a 1.000ha.
Brasil, 1920-1995.............................................................................................
46
Tabela 02 – Estrutura Fundiária Brasileira, 2003............................................
47
Tabela 03 – Síntese da Estrutura Fundiária, Brasil, 2003...............................
48
Tabela 04 – Índice de Gini. Bahia. 1920 a 1995/96.........................................
49
Quadro 01 – Grau de distribuição da terra, através do índice de Gini por
município. Bahia, 1940, 1960, 1970 e 1995/96...............................................
50
Tabela 05 – Índice de Gini referente a desigualdade da distribuição da
posse da terra no estado da Bahia e nas suas microrregiões homogêneas,
em 1970, 1975, 1980 e 1985...........................................................................
51
Tabela 06 – Produção de laranja e participação relativa, 2006.......................
61
Tabela 07 – Portos utilizados para o escoamento do Suco de laranja,
2008........................................................................................................... .....
67
Tabela 08 – Evolução do índice de Gini e da Estrutura Fundiária em
municípios do Litoral Norte e do município de Itapicuru/BA, 1920-1995/6......
135
Tabela 09 – Concentração Fundiária em municípios do Litoral Norte da
Bahia e no município de Itapicuru/BA, 1995/6.................................................
136
Tabela 10 – Estado de Sergipe – Região Citrícola. Área Colhida com
laranja por município, 1987-2007....................................................................
183
Tabela 11 – Estado da Bahia – Região do Litoral Norte. Área colhida com
laranja por município, 1990-2007....................................................................
189
Quadro 02 - Assentamentos e acampamentos do MST no Centro-Sul de
Sergipe, 2009.................................................................................................
262
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Estudo da Citricultura Bahia e Sergipe-2009.......................................
23
Figura 02 – Estado da Bahia e Sergipe. Área colhida por município em 2007.....
180
Figura 03 – Estado da Bahia. Área colhida em hectares de laranja 2007............
181
Figura 04 – Estado de Sergipe. Municípios: Área colhida em hectares de laranja
de Sergipe, 2007............................................................................................ 182
Figura 05 – Produção de Laranja – Área Colhida por municípios Centro-Sul
Sergipano e Litoral Norte Baiano.................................................................... 186
Figura 06 – Distribuição da produção de laranja por municípios Centro-Sul
Sergipano e Litoral Norte Baiano............................................................................ 187
Figura 07 – Zona de aptidão agrícola: citricultura Bahia e Sergipe, 2009.............. 188
Figura 08 – Áreas produtoras de Laranja nos estados da Bahia e de Sergipe,
2009......................................................................................................................... 192
Figura 09 – Distribuição espacial dos assentamentos e acampamentos CentroSul de Sergipe, 2009....................................................................................... 261
14
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003........................
56
Foto 02 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003........................
56
Foto 03 – Indústria Tropfruit do Nordeste/Estância/SE........................................
64
Foto 04 – Indústria Maratá Sucos/Estância/SE.......................................................
64
Foto 05 – Sumo Industrial/Boquim/SE................................................................
64
Foto 06 – Incentivos fiscais do Governo Federal................................................
64
Foto 07 – Grande propriedade/Rio Real-BA......................................................
66
Foto 08 – Plantio de laranja em pequena propriedade.......................................
66
Foto 09 – Incorporação de novas áreas ao plantio/SE.......................................
66
Foto 10 – Novos plantios/BA........................................................................................
66
Foto 11 – Beneficiadora em Sergipe....................................................................
67
Foto 12 – Benecificiadora Inhambupe/BA............................................................
67
Foto 13 – Meeiros plantando entre os pés de laranja..........................................
71
Foto 14 – Trabalhadores em beneficiadora.........................................................
71
Foto 15 – Trabalhadores na capina.....................................................................
73
Foto 16 – Família camponesa/plantio..................................................................
73
Foto 17 – Assembléia do SINDISA......................................................................
106
Foto 18 – Sede do SINDISA/Estância/SE...........................................................
106
Foto 19 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE................
121
Foto 20 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE................
121
Foto 21 – Barracas nas margens da BR 101......................................................
123
Foto 22 – Barracas nas margens da BR 101......................................................
123
Foto 23 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101.........
123
Foto 24 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101.........
123
Foto 25– Carregadores em /Rio Real-BA............................................................
125
Foto 26 – Trabalhadores após descarregar caminhão........................................
125
Foto 27 – Família Sem Terra (Meeiros)...............................................................
143
Foto 28 – Trabalhadores meeiros........................................................................
143
Foto 29 – Sede da EMDAGRO/ Boquim - SE, 2003............................................
205
Foto 30 – Extratoras da Tropfruit do Nordeste, 2003..........................................
218
Foto 31 – Torres da indústria Tropfruit, 2003......................................................
218
Foto 32 – Análise química do suco de laranja....................................................
219
15
Foto 33 – Suco concentrado em tambores para exportação..............................
219
Foto 34 – Indústria paulista transportando suco de laranja de Sergipe,
2003................................................................................................................
223
Foto 35 – Viveiro Telado, Boquim-SE, 2003.......................................................
226
Foto 36 – Atual Sede da Coopertreze, Lagarto, 2003.........................................
255
Foto 37 – Acampamento nas margens da BR 101..............................................
274
Foto 38 – Acampamento Santa Rita de Cássia...................................................
274
Foto 39 – Entrevista com famílias acampadas....................................................
274
Foto 40 – Acampamento Brejo Grande/Rio Real-BA..........................................
274
Foto 41 – Cultivos de subsistência em acampamento........................................
278
Foto 42 – Roça de mandioca...............................................................................
278
Foto 43 – Encontro Regional do MST/Itapicuru-BA.............................................
282
Foto 44 – Realização da Mística..........................................................................
282
Foto 45 – Assentados renegociando dívidas.......................................................
285
Foto 46 – Reunião assentados com BNB............................................................
285
Foto 47 – Acampamento do MOTU/Estância-SE ................................................
287
Foto 48 – Atividades realizadas em Acampamento..............................................
287
16
LISTA DE SIGLAS
ABECITRUS – Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos
ADAB – Agência de Defesa Agropecuária da Bahia
ASCIBA – Associação dos Citricultores da Bahia
ASCISE – Associação dos Citricultores de Sergipe
BANESE – Banco do Estado de Sergipe
BENELUX – Bélgica, Holanda e Luxemburgo
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CAI – Complexo Agroindustrial
CEALNOR – Central de Associações do Litoral Norte da Bahia
CEASAS – Centrais de Abastecimento
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
COOPEALNOR – Cooperativa Agropecuária do Litoral Norte da Bahia
COOPERTREZE – Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze
CPATSA – Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-árido
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CVC – Clorose Variegada dos Citros
DFAs – Delegacias Federais da Agricultura
EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário
EMDAGRO – Empresa de Desenvolvimento Agropecuário do Estado de Sergipe
ESALQ – Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz – São Paulo
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
FETASE – Federação dos Trabalhadores Rurais de Sergipe
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FRUTENE – Indústria de Frutos do Nordeste S/A
FRUTISA – Indústria de Frutos Tropicais
FRUTESP – Frutos Tropicais de São Paulo
FUNDECITRUS – Fundo Paulista de Defesa da Citricultura
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
17
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MOTU – Movimento Organizado de Trabalhadores Urbanos
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NPK – Nitrogênio, Fósforo e Potássio.
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PIC – Programa Integrado de Citros
PROCITRUS – Projeto de Revitalização e Expansão da Citricultura na Bahia
PRONAF – Programa Nacional da Agricultura Familiar
PRÓ-SERTÃO – Projeto Sertanejo
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMA – Secretaria do Meio Ambiente
SEMAR – Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SINDICITROS – Sindicato dos trabalhadores das indústrias de beneficiamentos
e carregadores de frutos cítricos do estado de Sergipe
SINDISA – Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Sucos, Amidos,
Cervejas e afins do Estado de Sergipe.
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUDEPE – Superintendência da Pesca
SUDHEVEA – Superintendência da Borracha
UFBA – Universidade Federal da Bahia
USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
VTC – Vírus tristeza dos citros
18
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA..............................................................................................................
04
AGRADECIMENTOS....................................................................................................
05
EPÍGRAFE....................................................................................................................
10
RESUMO.......................................................................................................................
11
ABSTRACT...................................................................................................................
12
LISTA DE TABELAS.....................................................................................................
13
LISTA DE FIGURAS.....................................................................................................
14
LISTA DE FOTOGRAFIAS..........................................................................................
15
LISTA DE SIGLAS……………………………………………………………………………
17
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................
22
1.1 Apresentação.......................................................................................................
22
1.2 A relação capital versus trabalho na citricultura baiana e sergipana............
28
1.3 Reflexões Teóricas e metodológicas sobre território na Geografia.............
35
1.4 Questões iniciais para pensar as Contradições Capital Versus Trabalho na
Produção do Espaço da Citricultura no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de
Sergipe.........................................................................................................................
43
2 O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA CENTRAL NOS ESTUDOS EM
GEOGRAFIA ................................................................................................................
77
2.1 O Trabalho enquanto categoria central para os estudos em Ciências
Sociais............................................................................................................
88
2.1.1 Leituras sobre a categoria trabalho na Geografia.....................................
93
19
2.2 A contextualização dos Conflitos e das Contradições entre Capital
99
versus Trabalho nos Laranjais Baianos e Sergipanos............................................
2.3 O processo de reprodução camponesa nas contradições do capital.......
3
129
O AVANÇO DO CAPITAL NO CAMPO E AS INVESTIDAS SOBRE O
TRABALHO............................................................................................................
149
3.1. Crise do capital, reestruturação produtiva e precarização do trabalho
no campo.....................................................................................................................
153
3.2. A mobilidade como possibilidade de garantia do trabalho........................ 162
3.3. O Estado e a montagem da infraestrutura para a garantia da
reprodução do capital e da renda da terra.........................................................
168
3.3.1 Órgãos atuantes: as políticas públicas para o “desenvolvimento
regional”.................................................................................................................
198
3.4 Territorialização do capital por meio das Indústrias de suco.....................
209
3.5 Outros sujeitos e entidades que fazem parte da rede da laranja...............
221
3.5.1 Os Compradores de laranja........................................................................
221
3.5.2 Os Viveiristas.................................................................................................
225
3.5.3 Os proprietários rentistas...........................................................................
232
3.5.4 As Beneficiadoras de laranja......................................................................
235
3.6 As cooperativas e associações: expressões da luta dos agricultores ou
inserção subordinada ao capital?.......................................................................
239
3.6.1 A Central de Associações do Litoral Norte (CEALNOR) e a
Cooperativa Agrícola do Litoral Norte da Bahia – COOPEALNOR..............
240
3.6. 2 Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA)..................................
248
3.6.3 Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze (COOPERTREZE)...........
252
20
4 DA APROPRIAÇÃO DO CAPITAL À BUSCA DE NOVAS FORMAS DE
TRABALHO: A MATERIALIDADE DA LUTA DE CLASSES NO TERRITÓRIO........
259
4.1 A luta pela terra e as diversas formas de organização dos assalariados e
camponeses.................................................................................................................
273
4.2 Luta pela moradia nas cidades e o acesso ao trabalho....................................
287
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................
293
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................
300
ANEXOS
21
1. INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
Esta Tese tem por finalidade realizar uma análise da relação capital
versus trabalho dado o processo de monopolização da produção e territorialização
do capital na citricultura baiana e sergipana, mais especificamente nas regiões
denominadas Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia. A expansão em
direção ao Litoral Norte da Bahia e outras regiões próximas, que passam a
constituir novos espaços do capital. (ver figura 01 a seguir). Em contrapartida, as
diversas estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores assalariados e camponeses
através da ação em Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Sindicato dos
Trabalhadores da indústria de suco concentrado, além das diversas associações e
cooperativas criadas no intuito de melhorar as condições de inserção dos pequenos
agricultores no processo produtivo, na busca dos trabalhadores pelo trabalho e nas
alternativas criadas pelos camponeses e pela classe proletária em geral para
continuar em seus espaços de reprodução social.
Muitos trabalhadores da região participam da configuração territorial,
através do desenvolvimento de relações de produção não capitalistas e a partir da
disposição em movimentos sociais de luta pela terra, por moradia e pelo trabalho.
Dessa forma, não se pode desprezar que se tem a partir da
territorialização do capital, uma ampliação do exército de reserva com profundas
repercussões na vida dos trabalhadores que se tornam cada vez mais explorados,
terceirizados,
subcontratados
e
hifenizados,
principalmente,
através
de
desempenho de diversas funções e modalidades de trabalho que podem ser
executadas simultaneamente.
22
Figura 01
Fonte: IBGE/SEI. Organização: Altemar Amaral Rocha, 2009.
Essa situação pode ser compreendida a partir das próprias necessidades
do sistema produtivo na garantia de sua reprodução ampliada. Essa reprodução se
consolida na maior exploração da força de trabalho, no mais-trabalho, além do
rebaixamento do salário, mediante a existência de um considerável percentual de
trabalhadores “excedentes” na região.
É a partir dessa realidade que se pode analisar a apropriação desse
espaço pelo capital e a emergência dos conflitos entre classes antagônicas no
território, mediante as tentativas de permanência dos camponeses em suas terras
23
de trabalho, como pela organização de trabalhadores rurais expropriados dos meios
de produzir a existência em movimentos sociais de luta pela terra versus os
interesses imediatos das empresas capitalistas em busca do lucro ou da maior
extração da renda da terra por parte dos grandes proprietários fundiários, que
historicamente se apropriaram de significativas porções de terras nas regiões em
estudo.
A estratégia da classe proletária na região é migrar em determinados
períodos do ano para outros municípios e estados a fim de se inserirem, de forma
precarizada e esporádica, no processo do trabalho aviltante. Tal inserção, muitas
vezes, acaba por representar a única opção para grande parte dos trabalhadores,
sejam esses camponeses desterritorializados com pouca terra, ou trabalhadores
assalariados e desempregados.
Os conflitos e contradições existentes entre o capital versus trabalho se
exprimem no território citrícola baiano e sergipano, sendo, portanto, objeto/sujeitos
importantes para a análise geográfica.
Para tanto a categoria território torna-se fundamental na medida em que
nos permite compreender os diversos projetos territoriais, de classes sociais
antagônicas, em constante disputa produzindo e reproduzindo esse território.
Assim, considera-se que as marcas da expansão capitalista, bem como as
tentativas de resistência implementada pela classe trabalhadora deixam marcas
significativas no território. Neste estudo território é entendido como materialidade
concreta da luta de classes, mediante os próprios interesses do modo capitalista de
produção e das reações provocadas no âmbito dos trabalhadores em continuarem
na terra ou mesmo se organizarem em prol da luta pela terra.
24
Para tanto, é preciso compreender a Região do Centro-Sul de Sergipe e
Litoral Norte da Bahia enquanto uma singularidade na totalidade, quando a mesma
passa a despertar mais diretamente os interesses do capital, que valendo-se de
uma infraestrutura disponibilizada pelo Estado, e através de seu desenvolvimento
desigual e combinado, passa a promover transformações espaciais e na relações
de trabalho existentes na região, na busca de sua reprodução ampliada.
Assim sendo, a tese apresenta-se dividida em cinco partes, composta por quatro
capítulos e as considerações finais, estruturada da seguinte forma:
No primeiro capítulo é apresentada a introdução e a problemática que norteou a
construção da tese, bem como o quadro geral no qual se configurou a apropriação
dos espaços denominados de Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe pelo
capital a partir da introdução de indústrias citrícolas e da criação de toda
infraestrutura pelo Estado, através da criação de órgãos públicos de pesquisa e
extensão rural e das investidas no processo de sujeição dos camponeses por meio
da difusão desse cultivar, assim como seus rebatimentos nas relações de trabalho
praticadas até então. Aponta-se que ocorre um processo de precarização e
desemprego evidente na região, como também a utilização do trabalho feminino e
infantil como formas de garantir maior lucro e renda aos detentores dos meios de
produção. O processo de valorização das terras acaba por impulsionar a mobilidade
do trabalho, bem como o processo de proletarização nessas regiões. A partir dessa
realidade torna-se visível a atuação dos movimentos sociais e mesmo do sindicato,
os primeiros principalmente na luta pela terra e pelo trabalho e os segundos como
forma
de,
mediando
à
relação
patrão-empregado,
garantir,
ainda
que
precariamente, os empregos daqueles que conseguem se manter no processo
produtivo.
25
No segundo capítulo são apresentadas algumas discussões sobre a categoria
trabalho e sua importância na condução dos estudos geográficos. Para tanto é
retomada a relação sociedade x trabalho x natureza que fundamenta as bases do
pensamento
geográfico.
Através
desse
exercício
epistemológico
busca-se
compreender o trabalho enquanto condição ontológica do homem e sua conversão
em trabalho alienado a partir da implementação das relações capitalistas de
produção, a luta daqueles expropriados dos meios de produção pelo trabalho e as
investidas do capital na extração do mais-trabalho que lhe garanta maior lucro.
Também são analisadas as estratégias dos trabalhadores em, mediante a
impossibilidade de terem acesso ao trabalho, ainda que de forma precarizada no
local, precisando se deslocar para outras localidades em busca do trabalho.
No capítulo três faz-se uma discussão sobre o avanço do capital e suas investidas
sobre o trabalho e como esse processo ocorre no Centro-Sul de Sergipe e Litoral
Norte da Bahia com a incorporação dessas áreas na lógica produtiva da citricultura
para exportação. Para tanto, há que se reportar a compreensão do processo de
reestruturação produtiva do capital a partir das evidências mais concretas da crise
estrutural que começa a apresentar seus primeiros sinais em finais da década de
1960 e de que forma o processo de reestruturação vai incidir em novas formas de
precarização do trabalho, no campo e nas cidades, por meio da introdução do
trabalho flexível, precarizado e, em muitos casos, desprovido de qualquer direito
trabalhista.
Por
meio
dessa
realidade,
busca-se
analisar
as
estratégias
desenvolvidas pelos grupos capitalistas – na extração da mais-valia e dos
proprietários fundiários – cujo objetivo é alcançar maior extração da renda da terra e
de que forma essas repercutem na precarização das condições de trabalho, tanto
26
através do processo de subsunção do trabalho ao capital quanto por meio da
sujeição da renda da terra.
A precarização das condições do trabalho nas regiões em estudo evidencia tanto a
realidade dos trabalhadores rurais e camponeses quanto daqueles que se mantém
no trabalho industrial, por outro lado, verificam-se também formas de organização
criadas no âmbito da classe trabalhadora, cuja ação dos sindicatos torna-se
fundamental.
Essas questões são tratadas no capítulo quatro que aponta ainda a
emergência da luta pela terra na região, como resultado concreto da valorização
das terras e da expropriação dos camponeses ocorridas em momentos anteriores,
bem como a luta pelo trabalho e pela moradia, em que a ocupação de terras em
áreas próximas da cidade passa a representar a possibilidade de, alternando o
trabalho na terra com determinados empregos esporádicos na cidade, manutenção
da reprodução social para muitas famílias proletárias da região. Nesse processo,
evidencia-se a busca de uma consciência de classe necessária a organização do
proletariado, não apenas no sentido de lutar por determinados empregos
precarizados, sejam esses no campo ou nas cidades mais próximas, mas para
participar, ao menos parcialmente, dos resultados do processo produtivo.
O trabalho enquanto condição ontológica do homem e a busca pelo
trabalho emancipador são apresentados nas considerações finais desse trabalho
de tese, em que se pesem as necessidades concretas daqueles que historicamente
produzem a riqueza e contraditoriamente dessas não se apropriam. Assim, o
território é compreendido como dimensão concreta dessa luta da classe proletária
que na subordinação busca criar formas de emancipação.
27
1.2 A relação capital versus trabalho na citricultura baiana e sergipana
Como base para nortear este trabalho será utilizada a perspectiva de análise
da expansão capitalista, com o intuito de verificar as contradições nas relações entre
capital versus trabalho e suas manifestações no território da citricultura sergipana e
baiana. A análise será feita a partir das contradições sociais, os processos de
transformação do pequeno agricultor e das relações que estabelecem com o capital em
suas várias formas ou com o mercado.
No que se refere à questão da subordinação dos camponeses ao capital
pode-se considerar que esta é feita, principalmente, a partir dos mecanismos de
desarticulação, transformação e eliminação gradativa da unidade de produção familiar
ou da sua completa sujeição ao capital.
Nessa perspectiva estarão presentes concepções relativas à contradição
inerente as forças produtivas e relações de produção. Conforme explicita no
Dicionário do Pensamento Marxista, Botomore (1988: p .157 )
O binômio forças produtivas e as relações de produção
subjaz, em qualquer modo de produção, ao conjunto dos
processos da sociedade e não apenas ao processo
econômico, sabendo-se que os dois elementos
fundamentais do processo econômico são os meios de
produção e a força de trabalho.
Também a especificidade dos meios de produção nos remete aos
problemas regionais, através dos diferentes elementos técnicos da produção e da
utilização dos recursos naturais e produtivos pelos movimentos de capitais. Por
isso, observa-se na força de trabalho uma ligação forte com os espaços urbanos e
28
aos processos diretamente relacionados à produção que, por sua vez, estão
combinados espacialmente.
Como marco de análise para o estudo do processo de desenvolvimento
do capital na agricultura, busca-se utilizar um método, através do qual a sua ação
recíproca reflita a contradição inerente e a mudança que ocorre na natureza, no
trabalho e na sociedade.
Para tanto partiu-se de alguns objetivos, como: analisar a dimensão Sócio
Territorial das Contradições entre capital versus trabalho na citricultura baiana e
sergipana; Verificar de que forma estas contradições entre capital e trabalho vêem
repercutindo no processo de reprodução camponesa na região; Analisar as
estratégias utilizadas pelo capital na subordinação, precarização, terceirização e
hifenização dos trabalhadores, bem como o processo de sujeição da renda da terra
pelo capital e suas manifestações no território citrícola; Compreender as estratégias
desenvolvidas
pelos
trabalhadores,
através
dos
sindicatos,
cooperativas,
associações e diversificação das relações de produção frente às alterações no
mundo do trabalho.
Assim, buscou-se analisar o movimento contraditório do desenvolvimento
do capitalismo no Brasil, a partir da hipótese de que as contradições entre capital
versus trabalho na região citrícola baiana e sergipana vêem promovendo profundas
modificações territoriais frente às novas formas de gestão e controle do trabalho e,
ao mesmo tempo, o desenvolvimento de estratégias por parte dos camponeses e
proletários para continuar participando do processo produtivo; com repercussões
nas condições de vida destes últimos que buscam participar, ainda que
parcialmente, da construção deste território citrícola.
29
Para tanto, torna-se importante elencar alguns conceitos de base na
análise marxiana como de contradições e conflitos; noções teóricas de capital,
trabalho concreto, trabalho abstrato, mercadoria, valor, mais-valia, circulação,
dentre outros.
Na compreensão desse processo contraditório é que se dá a instalação e
desenvolvimento comercial da atividade citrícola no Centro-Sul de Sergipe, na
década de 1960, que se estende, já na década de 1980, em direção ao Litoral Norte
da
Bahia,
capitaneado
por
investimentos
do
Estado,
representando
um
delineamento no processo de monopolização da produção, bem como, em alguns
momentos,
até de territorialização do capital, conforme apontado por A. U. de
Oliveira (1998). Com base nas contradições capital versus trabalho, considera-se
que o avanço das relações capitalistas de produção, ainda que essas reproduzam,
nas suas contradições, as relações não-capitalistas, promovem profundas
transformações na vida dos proletários rurais e dos camponeses que há décadas
tinham nestes espaços seu lócus de reprodução social. Como exemplo tem-se o
que foi bem retratado no romance de os Corumbas1, em que mostra-se o drama de
camponeses e proletários que sempre foram utilizados seja nos canaviais que
existiam no Sul de Sergipe, nas atividades fumageiras e, mais recentemente, nos
laranjais de Sergipe e da Bahia.
Pode-se considerar de grande relevância os trabalhos desenvolvidos por
Martins (1994 e 1998) e Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1986 e 2001) que, com
1
O livro Os Corumbas é um romance do proletário infeliz e desesperançado, vivendo entre ilusões e
desenganos. Uma família pobre, a dos Corumbas, emigra de uma cidade do interior do Sergipe para
a capital Aracaju, onde encontrará trabalho e onde os pais retirantes esperam colocar os filhos numa
das duas fábricas de fiação nas primeiras décadas do século 20. Antes utilizavam da estratégia de
trabalhar nas grandes lavouras e retornar para as terras que ocupavam.
30
base na análise desenvolvida por Rosa Luxemburgo (1985)2, retratam a expansão
do Capitalismo no Campo, sobretudo nas décadas de oitenta e noventa, do século
20,
caracterizado
por
profundas
mudanças
decorrentes
do
processo
de
mundialização da economia brasileira.
Por outro lado, os autores citados destacam o lado contraditório da
expansão capitalista no campo que, por sua vez, reproduzem tanto as relações
capitalistas de produção quanto às relações não capitalistas. Os conceitos utilizados
foram aqueles empregados por A. U. de Oliveira (1986) ao destacar as relações de
produção e, dentre essas, as relações de produção Capitalistas e não capitalistas.
Conceituação essa advinda de uma análise marxiana, nas quais as relações de
produção podem ser entendidas como: “(...) o conjunto das relações que se
estabelecem entre os homens em uma sociedade determinada, no processo de
produção das condições materiais de sua existência” (p.59). Já as relações
capitalistas de produção são caracterizadas como: “(...) relações baseadas no
processo de separação dos trabalhadores dos meios de produção, ou seja, os
trabalhadores devem aparecer no mercado como trabalhadores livres de toda a
propriedade, exceto de sua própria força de trabalho” (p.59). Essas relações se dão
a partir da expropriação dos meios de produção dos trabalhadores, em que esses
são proprietários apenas da sua força de trabalho, para vender ao capitalista. Nesse
sentido, o proletário, ao vender sua força de trabalho, estabelece trocas com o
proprietário do meio de produção (o capitalista), tornando-se propriedade
econômica deste último. As relações de produção não capitalistas, segundo a
análise marxiana de A. U. de Oliveira, se dão “pela sujeição da renda da terra ao
2
In: LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação do Capital. Contribuição ao Estudo Econômico do
Imperialismo. Apresentação de Paul Singer; traduções de Marijane Vieira Lisboa e Otto Erich Walter
Maas. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os Economistas).
31
capital”. O capital redefiniu a renda da terra pré-capitalista existente na agricultura; e
ao se apropriar a transforma em renda capitalista. “(...) a renda camponesa é
apropriada pelo capital monopolista, convertendo-se em capital” (p.67).
Segundo Marx (1894), o capitalista ao incorporar as duas formadoras
originais da riqueza: a força de trabalho e a terra, adquire uma força expansiva de
sua existência. O processo de produção tem início com a compra da força de
trabalho, e o trabalhador é pago depois de ter realizado e efetivado seu próprio
valor como a mais-valia em mercadorias. Ainda esse autor analisa o processo de
produção capitalista na sua escala ampliada, procurando explicar a conversão das
leis de propriedade da produção de mercadorias em leis de apropriação capitalista,
assinalando que, com o processo de produção capitalista em escala ampliada
ocorre a (re)transformação de Mais-Valia em capital, também chamada –
acumulação de capital. O circuito da reprodução simples se altera e se transforma
em uma espiral. É importante salientar que nesta análise a força de trabalho é
tratada como mercadoria.
Essa realidade se reproduz na área em estudo, a partir da tentativa de
conversão do produtor direto em força de trabalho que cria, cada vez mais,
mercadoria, que se transforma em capital, apropriado pelos detentores dos meios
de produção. Esse processo de reprodução ampliada do capital se sustenta na
precarização das condições de trabalho, mediante a existência de um considerável
exercito de reserva que desprovidos da terra e dos demais meios de produção
constituem-se indivíduos sujeitos a qualquer condição de trabalho.
A esse contingente soma-se a significativa presença da força de trabalho
feminina e infantil que realizam trabalhos esporádicos com menor remuneração. Na
região apesar da fiscalização exercida pelo Ministério Público Federal e Ministério
32
Público do Trabalho e das denúncias que já adquiriram proporção nacional, verificase in lócus que as empresas capitalistas e os proprietários fundiários continuam se
valendo desses expedientes para garantir maior lucro para os capitalistas e
extração da renda da terra para os latifundiários. As questões serão tratadas com
mais propriedade nos capítulos que se seguem.
Verificou-se, através de trabalho de campo realizado na região em estudo
que além das investidas do capital sobre o trabalho assalariado (precarizado)
empregado no cultivo da laranja, esse se reproduz também por meio do processo
de sujeição da renda camponesa ao capital. Essa sujeição corresponde a
apropriação da produção na esfera da circulação quando os grupos industriais se
apropriam a baixo custo da produção desenvolvida nas unidades de produção
camponesa, que representam aqueles sujeitos que conseguem se manter em
pequenos pedaços de terra, mais que devido às dificuldades concretas em que
vivem e mediante as “possibilidades” de terem mercado certo nas indústrias
processadoras de suco concentrado para exportação, acabam por se sujeitar aos
preços oferecidos por essas, perdendo a oportunidade de se reproduzirem com o
mínimo de autonomia, não raras vezes se convertendo em mera força de trabalho
para o capital. Para esse o processo de sujeição camponesa acaba por representar
uma excelente oportunidade de se apropriar da produção sem ter que imobilizar
parte de seu capital no pagamento da força de trabalho.
Essa realidade nos leva a considerar que a teoria necessita,
constantemente, ser confrontada com a empiria, na busca de captar a “essência
movente da sociedade”3, Reafirma-se que a atuação capitalista no Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia, através do monocultivo da laranja pêra, se faz
3
Conforme apontado por PAULO NETO, José. Introdução. In: LÊNIN, V. I. O Desenvolvimento
do Capitalismo na Rússia. (p. XX e XXI).
33
tanto por meio da expropriação camponesa e do processo de subsunção ao capital
quanto por meio da sujeição da renda daqueles que permanecem na terra.
Considerando que o processo de avanço capitalista traz em si as suas
contradições, verifica-se também a emergência de diversas formas de luta no
âmbito da classe proletária para resistir aos desígnios da exploração impulsionada
pelas relações capitalistas de produção.
O processo de “modernização” nessas regiões citrícolas, acabou por
caracterizar, também, uma seleção dos produtores (entende-se seleção como
a
desigual distribuição de benefícios para os capitalistas, os grandes e médios
proprietários fundiários versus camponeses e proletários, esses últimos os principais
atingidos que, na concepção de Marx são os verdadeiros produtores de toda riqueza
produzida), ou seja, separam-se os que podem pagar o preço desta inserção
produtiva dos que não podem e, por isso, perdem suas terras, ou são abandonados à
própria sorte.
Toda essa realidade brasileira e da América Latina, está refletida nos
espaços urbanos e rurais devido a introdução de padrões insustentáveis para a
promoção do homem e do lugar: desterritorização, mudança e intensa mobilidade em
busca do elo perdido, tempo da técnica, tempo do trabalho árduo, espaço do trabalho
e espaço para não se permitir o trabalho. Eis um processo de urbanização com
anomalias e rugosidades, em que se perde o respeito pelo próximo, pela natureza e
pela vida. As relações sociais se modificam e o mundo rural e urbano se torna
confuso, complexo, na aparência e na essência.
Para a realização da pesquisa buscou-se responder as seguintes
indagações: Como as contradições entre capital versus trabalho na região citrícola
baiana e sergipana veem promovendo as modificações territoriais frente às novas
34
formas de gestão e controle do trabalho no processo agroindustrial e, ao mesmo
tempo, como se desenvolve as estratégias por parte da classe proletária e camponesa
para continuar participando do processo produtivo?; como as modificações estão
repercutindo nas condições de vida dos Camponeses e proletários rurais. Como esses
se inserem, ainda que parcialmente, na construção deste território citrícola? A fim de
responder a esses questionamentos, buscou-se compreender de que forma esse
território do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem sendo, historicamente,
se produzindo, e quais os rebatimentos da expansão capitalista ocorrida nas últimas
décadas e suas implicações para o trabalho. Assim, torna-se necessário a
compreensão de alguns estudos sobre o território na Geografia e a concepção adotada
por esse trabalho de tese, partindo de uma leitura fundamentada na teoria crítica
marxista.
1.3 Reflexões Teóricas e metodológicas sobre território na Geografia
Na Geografia aceita-se a idéia de que foi Frederic Ratzel (Alemão e
Prussiano) quem primeiro utilizou o conceito de território. Para esse, o território
representaria uma “determinada porção da superfície terrestre apropriada por um
grupo humano” (MORAES, 1990, p. 23). Cabe considerar, entretanto, que trata-se
de um conceito advindo das ciências naturais, principalmente por conta da
influência das teorias de Darwin e Lamarck nas obras deste autor. Assim, esta idéia
de território vincula-se à apropriação do espaço como forma de luta pela
sobrevivência, demonstrando a necessidade do homem em utilizar os recursos da
natureza. Neste sentido, a sociedade precisava se organizar para manter seu
território, ou seja, garantir os seus recursos; logo, esta mesma sociedade cria o
Estado, ou nas palavras de Ratzel: “quando a sociedade se organiza para defender
35
o território, transforma-se em Estado” (MORAES, 1993, p. 56). Com isso, o território
representaria as condições de existência de uma sociedade, que deveria ser
mantido ou até mesmo ampliado, podendo representar a decadência ou o
progresso de um povo. Os estudos Ratzelianos foram, posteriormente, retomados
por outros teóricos, para formulação da Geopolítica, ou seja, o estudo da
dominação dos territórios referentes à ação do Estado sobre o Espaço. (MORAES,
1987, p. 59),
Segundo Moraes (2000 p. 142), o Estado é dotado de uma materialidade
física que abriga uma estrutura operacional que permite a execução de funções
diretivas e executivas necessárias a reprodução da sociedade. Já o governo é um
elemento transitório e variável, que realiza um direcionamento conjuntural da
atuação estatal, imprimindo uma lógica particular às operações de seu aparato,
como a estratégia, programas e políticas.
A contribuição de Ratzel em sua obra “o Solo, a Sociedade e o Estado”
fundamenta-se na esfera do território, como condição de vida para a sociedade.
Apresenta a instituição estatal como um pressuposto de um espaço delimitado e
uma vizinhança, com o qual se estabelecem fronteiras.
A partir do que se convencionou chamar de Movimento de Renovação da
Geografia, o conceito de território volta a ser bastante utilizado, não apenas pelos
geógrafos, mas também por diversas outras áreas das Ciências Sociais, buscando
adequá-lo a realidade da época. Nesse sentido, destacam-se os estudos
desenvolvidos por Raffestin, retomando os estudos de Ratzel no que se refere à
relação entre o território e o Estado. Este autor destaca ainda a grande confusão
feita pelos geógrafos na utilização dos conceitos de espaço e território como termos
equivalentes. Para Raffestin o espaço é uma noção e o território um conceito.
36
Assim:
O território (...) é um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações
marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a
prisão que os homens constroem para si. (RAFFESTIN, 1993, p.
143-144).
Se o espaço é anterior ao território, formando-se a partir deste, o autor
sustenta-se no caráter político da noção de território. Raffestin destaca que a
imagem territorial projetada por um ser (sujeito) social não corresponde ao território
real, já que essa é a conjugação de distintos projetos territoriais em disputa. Essa
dimensão da disputa implica sujeitos com interesses diferenciados em luta pelo
mesmo território. Considerando essa realidade para o campo brasileiro, por
exemplo, pode-se aceitar que os interesses do capital o mesmo dos proprietários
fundiários não correspondem aos mesmos interesses dos camponeses e os
conflitos oriundos dessa luta entre classes antagônicas no território são crescentes.
Quanto mais o capital avança, bem como os proprietários fundiários rentistas novos
conflitos emergem pelo território, mediante a ação organizada daqueles que
historicamente vão sendo expropriados do direito a terra.
Retomando as diversas leituras sobre o território na Geografia cabe
destacar que sobre a análise desenvolvida por Claude Raffestin esse foi
posteriormente bastante criticado por outros geógrafos, a exemplo M. de Souza
(1995) e Moreira (1996). O primeiro critica Raffestin por considerar que ele atribui
ao território um papel de substrato das relações sociais. Para M. de Souza (1995) o
território pode ser definido como campo de forças, teia ou rede de relações sociais
que define um limite e uma alteridade, contrapondo os inseridos e os estranhos
aquele espaço. Desse modo, “o território (...) é fundamentalmente definido e
37
delimitado por e a partir das relações de poder”. Assim, considera que o território
tem usualmente sido associado ao Estado Nacional, mas atenta para a necessidade
de analisá-lo em suas várias escalas, considerando a possibilidade de vários
poderes atuando sobre um mesmo território.
Moreira (1996) faz sua critica a Raffestin, por esse considerar o espaço
como um dado, sobre o qual os homens organizam o território. Essa concepção
defendida por Raffestin tem como pressuposto básico a visão kantiana, que
considera incapaz de dar conta dos processos espaciais na atualidade. Para esse o
território é a expressão espacial da organização das sociedades, no que diz
respeito ao domínio, constituindo uma fração de espaço, um domínio dentro do
espaço, um projeto de construção territorial. Já a territorialização é definida como
um processo de fixação, de enraizamento territorial, ambiental e cultural;
considerando ainda as novas territorialidades, resultantes do espaço organizado em
redes, não havendo mais vinculação entre território e ambiente.
Nesse entendimento do espaço como um ponto de partida para a reflexão
sobre o território, pode considerar os estudos de Lefebvre, (1991. p. 102) para
quem o espaço é a materialização da existência humana.
Ainda na Geografia, um dos teóricos que dedicou parte de seus estudos à
análise do território foi Milton Santos. Ao enfatizar a emergência dessa categoria de
análise da Geografia esse autor afirmou que “é o uso do território, e não o território
em si mesmo, que faz dele objeto da análise social” (1996, p.15). Partindo desse
raciocínio destaca que “o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida”.
Na busca da compreensão desse conceito destaca o papel desempenhado pelo
Estado-Nação e as novas funções assumidas no processo de globalização. A
38
interdependência dos lugares, é resgatada e o território passa a ser a base do
Estado-Nação. Logo:
Hoje, quando vivemos uma dialética do mundo concreto, evoluímos
da noção (...) de Estado Territorial para a noção pós-moderna de
transnacionalização do território. (...) Mas, assim como antes tudo
não era, digamos assim, território “estatizado”, hoje tudo não é
estritamente “transnacionalizado”. Mesmo nos lugares onde os
vetores da mundialização são mais operantes e eficazes, o território
habitado cria novas sinergias e acaba por impor, ao mundo uma
revanche. (SANTOS, 1996, p. 15).
Nessa afirmativa Milton Santos embora considere a influência do Estado
na consolidação dos diversos territórios deixa claro o papel que o próprio modo
capitalista de produção, em seu processo de mundialização, torna-se fundamental
na compreensão das diversas configurações territoriais e como esse, inclusive,
influencia na postura assumida pelo Estado, não raro atendendo os interesses do
capital, bem como a possibilidade de outros setores da sociedade participarem ou
mesmo questionarem tais configurações.
De acordo com Milton Santos (1996) para além do espaço das redes, há
o espaço banal, que o autor qualifica como espaço de todos, todo o espaço “porque
as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns” (SANTOS,
1996, p. 16); demonstrando que, para além da transnacionalização, o espaço
possui ainda uma organização interna (daqueles que habitam o espaço). Entretanto,
um não exclui o outro, já que o espaço das redes e o espaço banal ocorrem nos
mesmos lugares, “contendo funcionalidades diferentes, divergentes ou opostas” (p.
16). Na compreensão desse processo, o autor assinala para a possibilidade de um
acontecer solidário, a partir da criação de novas solidariedades entre pessoas e
lugares.
39
Há um conflito entre o espaço local, espaço vivido por todos os
vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo
racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que
chegam a cada lugar com objetos e normas estabelecidas para servilos. Daí o interesse de retomar a noção de espaço banal, isto é, o
território de todos, freqüentemente contido nos limites do trabalho de
todos; e de contrapor essa noção de redes, isto é, o território
daquelas formas e normas a serviço de alguns (p. 18).
Nesse momento pode-se verificar a ação do processo produtivo, em nível
global e o agravamento das tensões existentes na relação capital versus trabalho.
Por conta disso, Milton Santos chama atenção para a força do mercado, que
atravessa inclusive os interesses das pessoas, a partir do lado político dessa
globalização perversa, ou seja, a democracia de mercado e o neoliberalismo que
impõe sua lógica aos diversos territórios.
Seguindo essa mesma lógica de raciocínio Maria Adélia de Souza (1996)
acrescenta que os processos de globalização e fragmentação implicam em
territórios diversos que se constituem, especialmente neste fim de século, em
Geografias da Desigualdade. As demandas do modelo produtivo dessa forma se
impõe aos lugares fragmentando sua organização interna e os interesses daqueles
que habitam o território, fato que, frequentemente, conduz a conflitos de interesses
diversos entre aqueles que veem nos territórios possibilidades de ganhos
econômicos versus aqueles que os veem enquanto local de reprodução da vida.
Dessa forma retomando a análise desenvolvida por Oliver Dolfus (1991) A. de
Souza (1996, p. 23) destaca que: “o sistema mundial não pode ser equilibrado –
produz Geografias da desigualdade”. Assim, acredita-se que os interesses do
Sistema-Mundo, e mesmo os interesses do Estado, não correspondem aos
interesses da sociedade, pelo menos da maior parte dessa. Por isso, conclui-se que
40
o território, enquanto dimensão política encontra-se representado enquanto campo
de forças de interesses divergentes. Neste contexto, destaca-se a importância da
luta de parcelas menos favorecidas da sociedade, na busca de participar, ainda que
parcialmente, da produção do território, imprimindo, também, a sua territorialidade.
Acrescenta-se a essa análise que o território pode ser visto, portanto, como
possibilidade concreta dos conflitos e das contradições existentes na relação capital
versus trabalho.
Por tudo isso, o território passa a ser por nós entendido enquanto síntese
das ações do próprio modo de produção capitalista, do Estado e da sociedade
como um todo, a partir das quais são explicitadas as contradições entre capital
versus trabalho, enquanto projetos territoriais distintos, em disputa, no mesmo
território, onde podem ser ainda, empregados os conceitos propostos por Milton
Santos: espaço das redes e espaço banal, ocorrendo, dialeticamente, ao mesmo
tempo, mais tendo objetivos bastante diferenciados que se expressam, conforme A.
de Souza (1996) em geografias das desigualdades nos diversos territórios, em que
a região citrícola em estudo pode ser também compreendida.
Buscando uma análise dialética para o entendimento das contradições
existentes entre o capital versus trabalho na região citrícola do Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia, entendidas como produto e condição da
sociedade, ao longo do tempo, considera-se conveniente adotar a denominação de
território expressa por A. U. de Oliveira (1998), quando ao analisar o
desenvolvimento do capitalismo do campo brasileiro define território:
(...) como síntese contraditória, como totalidade concreta do
processo/modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suas
articulações e mediações supraestruturais (políticas, ideológicas,
simbólicas, etc) onde o Estado desempenha a função de regulação.
41
O território é assim, produto concreto da luta de classes travada pela
sociedade no processo de produção de sua existência.
Assim, é dessa contradição que nasce a possibilidade histórica do
entendimento das diferentes e desiguais formações territoriais e das regiões como
territorialidades concretas (grifo nosso), totalidades históricas, portanto da
espacialização contraditória do capital (produção/reprodução ampliada) e suas
articulações com a propriedade fundiária, ou seja, a terra (OLIVEIRA, 1998, p. 09).
Desse modo, compreender o território significa analisar as contradições
nas quais a sociedade encontra-se envolta nas relações capitalistas de produção,
portanto das contradições existentes no processo produtivo e na apropriação dos
resultados desse. No que se refere ao campo brasileiro destaca-se a ação
historicamente desenvolvida pelas classes sociais no território, desde a reprodução
histórica dos camponeses – em que a terra constitui-se o princípio fundamental da
vida e do trabalho, aos processos de apropriação das terras pelos latifundiários
rentistas – que veem na terra possibilidades concretas de extrair maior renda da
terra, em que a legitimação da propriedade privada por meio da ação do Estado
torna-se fundamental, assim com a expansão das relações capitalistas de
produção, tanto no que concerne a compra de terras, em que o capitalista também
se torna proprietário fundiário (passando a auferir renda e lucro) quanto quando cria
formas de se apropriar da produção gerada no campo, sobretudo a produção
camponesa, sujeitando os mesmos.
Dessa forma, os interesses embutidos nas ações desenvolvidas pelas
classes sociais com interesses antagônicos tornam-se uma realidade no campo
brasileiro e se consolida na concentração fundiária que mantém, historicamente, o
controle da grande maioria das terras agricultáveis nas mãos de poucos
42
proprietários fundiários e empresas capitalistas do meio rural versus a existência de
milhares de famílias sem-terra e camponeses que se mantém em pequenos lotes
de terras, minifúndios na maioria das vezes, insuficientes para garantir o sustento
de toda a família. Assim, a luta pela terra por parte dessa classe trabalhadora
expropriada dos meios de produção e das terras, portanto, é uma realidade
concreta que se expressa no território, em que a realidade verificada no Litoral
Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe, que passa a sofrer de forma mais direta a
expansão de relações capitalistas de produção a partir da década de 1970 em
diante, mediante introdução do monocultivo da laranja, pode ser compreendida
como mais uma expressão desse processo. Os dados referentes a estrutura
fundiária e luta pela terra serão retomados ao longo desta tese.
Desse modo, para compreender a expansão capitalista no território do
Centro-Sul de Sergipe e as experiências de permanências e resistências
implementadas pela classe proletária, assim como esses conflitos se materializam
no espaço geográfico, tornou-se indispensável compreender, a partir da teoria
crítica marxista, as contradições existentes no processo produtivo e seus
rebatimentos nesse território específico, enquanto uma lógica que não se encontra
restrita a esse local, mas que se reproduzem em vários espaços, assuntos que
trataremos nos próximos subitens que compõem esta tese.
1.4 Questões iniciais para pensar as Contradições Capital Versus Trabalho na
Produção do Espaço da Citricultura no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de
Sergipe.
Tomando por base a teoria crítica marxista, verifica-se, nas regiões em
estudo, mediante a expansão das relações capitalistas de produção, principalmente
43
pela via do processo de proletarização, com destaque a expulsão de famílias
camponesas das suas terras, uma ampliação do exército de reserva, dando origem
a novas relações de trabalho, por causa da intensa exploração da classe proletária
rural.
Além disso, torna-se perceptível outra estratégia desenvolvida pelo capital
nesses locais de estudo que se consolida na apropriação do produto do trabalho
camponês que impulsionados pela chegada das indústrias processadoras de suco
de laranja passam a receber incentivos ou mesmo sendo influenciados a plantarem
esse tipo de cultivo, ficando condicionados aos preços estabelecidos por essas
indústrias, que acabam se apropriando da renda que deveria ser destinada ao
sustento dessas famílias.
Na expansão das relações capitalistas de produção, implementada,
inicialmente, nos municípios do Centro-Sul de Sergipe verifica-se a valorização das
terras que se consolida com a compra de terras por famílias latifundiárias e grupos
empresariais que promovem a desterritorialização de grande parte dos pequenos
agricultores que, sem alternativa passam, em grande parte, a migrar para o Litoral
Norte da Bahia, em destaque o município de Rio Real que, inicialmente, dispunha
de terras a preços mais acessíveis. Essa realidade se modifica a partir da década
de 1980 quanto o Governo do estado da Bahia aproveitando-se da expansão
capitalista ocorrida no Centro-Sul de Sergipe passa a dotar a região de uma
infraestrutura que passa a atrair os proprietários rentistas e grupos empresariais
capitalistas para atuarem na região, em que o município de Rio Real assume
posição fundamental. A presença de uma série de órgãos públicos de pesquisa e
extensão rural nesse local representa, concretamente, os interesses do Governo do
Estado em promover o “desenvolvimento regional” pautado na expansão capitalista
44
em detrimento das condições concretas de vida dos produtores diretos. Assim
sendo, esses pequenos agricultores passam a sofrer novas formas de ameaças e
para não saírem de suas terras, muitas vezes, têm que se sujeitar sua produção
aos desígnios da indústria.
O processo de proletarização, por outro lado, se intensifica, dando novas
dimensões a exploração do trabalho, mediante ampliação da força de trabalho
disponível e sujeita a qualquer tipo de atividade.
Considerando a realidade brasileira, é possível afirmar que a expansão
capitalista no campo associada ao controle das terras nas mãos de grandes
proprietários fundiários é uma realidade que se reproduz desde a colonização, sem
sinais de reversão. Os dados referentes a estabelecimentos rurais com 1.000
hectares ou mais no Brasil podem ser observados na tabela 01. Esses dados
servem com importante indicativo para se pensar na concentração de terras nas
mãos de poucos proprietários fundiários.
Os dados apresentados na Tabela 01 permitem afirmar que a estrutura
fundiária brasileira se encontra inalterada ao longo desses 75 anos apresentados
pela tabela, em que torna-se possível visualizar a quantidade de terras
concentradas nas mãos de poucos proprietários fundiários. Acrescenta-se ainda o
fato de muitos desses proprietários possuírem mais de uma propriedade, agravando
o quadro de concentração fundiária no país. Ao comparar-se, por exemplo, os
dados do ano de 1960 quando apenas 1,0% dos estabelecimentos detinham
125.537.925 hectares ou o equivalente a 47,3% da área total, com dados
encontrados no ano de 1995, quando esses mesmos 1% dos proprietários detinham
159.493.949ha, o que correspondia a 45,1% da área total verifica-se que os
maiores proprietários fundiários do país continuam incorporando terras.
45
Tabela 01 – Estabelecimentos com dimensão igual ou superior a 1.000ha. Brasil, 19201995.
ANO
ESTABELECIMENTO
ÁREA TOTAL
NÚMERO
ÁREA (HÁ)
%
ÁREA MÉDIA
%
1920
26.315
4,0
110.980.624
63,4
4.217
1940
27.812
1,5
95.529.649
48,3
3.435
1950
32.628
1,6
118.102.270
50,9
3.620
1960
32.885
1,0
125.537.925
47,3
3.817
1970
36.874
0,7
116.250.000
39,5
3.152
1975
41.468
0,8
138.819.000
42,8
3.348
1980
47.841
0,9
164.557.000
45,1
3.440
1985
50.411
0,9
163.940.461
43,7
3.252
1995
49.358
1,0
159.493.949
45,1
3.231
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário – 1920 a 1995. In: GERMANI, G.4
Por outro lado, as pequenas propriedades que constituem a maior parte
do número de imóveis rurais somam uma pequena quantidade das terras
agricultáveis do país, fato que repercute em dificuldades concretas para a
reprodução dessas famílias por meio do trabalho na terra. A insuficiente quantidade
de terras para garantir o sustento da família acaba por impulsionar uma intensa
mobilidade de jovens camponeses em busca de empregos urbanos, ou mesmo para
realizar trabalhos esporádicos no campo, em que a situação verificada no CentroSul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia não é exceção.
4
Dados apresentados em palestra na VIII ENAPEGE, publicada em MENDONÇA, Francisco (et. al).
(Org.). Espaço e Tempo. Complexidade e desafios do pensar e do fazer geográfico. Curitiba:
Associação de Defesa do Meio Ambiente e Desenvolvimento de Antonina (ADENADAM), 2009.
740p.: Il. ; 18cm.
46
A Tabela 02 demonstra os dados relativos a estrutura fundiária brasileira,
em que se verifica uma apropriação desigual do espaço agrário.
Tabela 02 – Estrutura Fundiária Brasileira, 2003
Grupos de área total (h Imóveis
% dos imóveis
Área total (ha) % de área Área média (ha)
Menos de 10
1.338.711
31,6%
7.616.11
1,8%
5,7
De 10 a -25
1.102.999
26,0%
18.985.86
4,5%
17,2
De 25 a -50
684.237
16,1%
24.141.63
5,7%
35,3
De 50 a – 100
485.482
11,5%
33.630.24
8,0%
69,3
De 100 a -200
284.536
6,7%
38.574.39
9,1%
135,6
De 200 a -500
198.141
4,7%
61.754.80
14,7%
311,6
De 500 A -1000
75.158
1,8%
52.191.00
12,4%
694,4
De 1000 a -2000
36.859
0,9%
50.932.79
12,1%
1.381,8
De 2000 a – 5000
25.417
0,6%
76.466.66
18,2%
3.008,5
6.847
0,1%
56.164.84
13,5%
8.202,8
4.238.421
100,0%
420.345.38
100,0%
5000 e mais
TOTAL
Fonte: INCRA. Agosto de 2003. In: II PNRA, Brasília, 2003.
Ao analisar os dados apresentados na tabela 02 verifica-se a inversão na
estrutura
fundiária
brasileira,
no
que
se
refere
à
relação
entre
proprietários/propriedades e tamanho da área. Assim, 1.338.711 imóveis, o que
corresponde a 31,6% de todos os imóveis rurais possui uma área de 7.616.113
hectares, ou seja, apenas 1,8% do total de terras agricultáveis. No outro extremo,
os proprietários que detém mais de 5 mil hectares, o que corresponde a apenas
0,1% do total de proprietários controlam 13,5% da área agricultável. A classificação
das propriedades por tamanho é apresentada na tabela 03 a seguir.
Conforme os dados apresentados na tabela 03, os proprietários com menos
de 10 hectares até os que possuem menos de 20 hectares, considerados pequenos
proprietários, compõem 91,9% do total de propriedades, porém controlam apenas
29,2% das terras, sendo a área média destes em torno de 31,6 hectares.
47
Tabela 03 – Síntese da Estrutura Fundiária, Brasil, 2003.
Grupos de área total
N° de
%
Área (ha)
%
Área média
Imóveis
Pequena Menos de 200 ha
Média
200 a menos de - 2.000 ha
Grande
2.000 ha e mais
Total
(há)
3.895.968
91,9 122.948.252
29,2
31,6
310.158
7,3 164.765.509
39,2
531,2
32.264
0,8 132.631.509
31,6
4.110,8
4.238.421
100,0 20.345.382
100,0
99,2
Fonte: INCRA. OLIVEIRA, A. U. (Org).
Os considerados médios proprietários, que possuem uma propriedade com
20 hectares a mais até aqueles com uma área inferior a 2 mil hectares somam 7,3%
das propriedades e controlam 39,2% das terras, com uma área média de 531,2
hectares. Já aqueles com 2000 a mais hectares, são apenas 0,8% do total de
propriedades, mas esses proprietários controlam 31,6% da todas as terras
agricultáveis do país, sendo a área média destes de 4.110, 8 hectares. Tal estrutura
é mantida e reforçada pelo agronegócio, em sua relação concreta com o latifúndio.
Sobre isso, S. T. Souza (2008, p. 288) acrescenta que:
Predomina a opção do Estado brasileiro pelo agronegócio, e o
“discurso” do desenvolvimento, que permite mascarar a
concentração das propriedades agricultáveis, nas mãos de poucos
donos, onde a grande propriedade, agora reconhecida enquanto
“empresa rural” ao mesmo tempo em que preserva o direito
“inviolável” à propriedade privada, dá aos grandes proprietários
todos os privilégios e incentivos por parte do Estado.
Acompanhando essa realidade, o estado da Bahia apresenta uma forte
concentração da propriedade fundiária, fato que é demonstrado pelo índice de GINI
que corresponde a um indicador utilizado para verificar a distribuição da terra. Essa
medida varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de zero tem-se um menor
grau de concentração, ao passo que quanto mais próximo de um verifica-se uma
maior concentração. ( Tabela 04).
48
Tabela 04 – Índice de Gini. Bahia. 1920 a 1995/96
ANO
ÍNDICE DE GINI
1920
0,734
1940
0,784
1950
0,794
1960
0,779
1970
0,775
1975
0,805
1980
0,821
1985
0,835
1995/96
0,829
Fonte: IBGE: Censo Agropecuário 1920 a 1995/96.
Elaboração: Projeto GeografAR, UFBA, 2005.
Ao observar os dados apresentados na tabela 04 verifica-se ao longo das
décadas uma incorporação gradativa das terras nas mãos de poucos proprietários
fundiários, representando uma concentração fundiária significativa no estado da
Bahia. Ao passo que na década de 1920 o índice de Gini verificado no estado era
de 0,734 esse ampliou para 0,829 nos anos de 1995/96, caracterizando o estado
com uma concentração fundiária forte a muito forte5. Tal situação se agrava ao
considerar as especificidades encontradas em cada município do estado, já que, em
muitos deles pode-se verificar um índice de concentração classificado como muito
forte a absoluta.
Na busca de aprofundar melhor as questões referentes a concentração
fundiária no estado da Bahia, o Projeto GeografAR, vinculado a Universidade
5
De acordo com a definição do índice de Gini considera-se os seguintes critérios de concentração:
0,000 concentração nula; de 0,100 a 0,250 concentração nula a fraca; de 0,201 a 0,500
concentração fraca a média; entre 0,501 a 0,700 concentração de média a forte; de 0,701 a 0,900
concentração forte a muito forte e, de 0,901 a 1,000 concentração de muito forte a absoluta.
49
Federal da Bahia, utilizando como base os dados disponibilizados pelo IBGE
desenvolve o quadro 01 apresentado a seguir.
Quadro 01 – Grau de distribuição da terra, através do índice de Gini por município. Bahia,
1940, 1960, 1970 e 1995/96.
Total
ANO
Grau de distribuição da terra por número de municípios
de municípios Fraca a média Média a forte
Forte a muito forte Muito
forte
absoluta
1940
151
30
19,87
88
58,28
31
20,53
2
1,32
1960
193
13
6,74
100 51,81
78
40,41
2
1,04
1970
334
15
4,49
156 46,71
157
47,00
6
1,80
6
1,45
133 32,05
261
62,89
15
3,61
1995/96 415
Fonte: IBGE
Elaboração: Projeto GeografAR, UFBA, 2005.
Verifica-se, observando os dados apresentados no quadro 01, o
agravamento da concentração fundiária no estado da Bahia, onde no ano de 1940
apenas 31 municípios ou 20,53% do total de municípios do estado apresentavam
uma concentração fundiária classificada como forte a muito forte e outros 2
municípios (1,32% do total) com uma concentração fundiária muito forte a absoluta.
Já nos anos de 1995/96 verifica-se que 261 municípios, o correspondente a 62,89%
do total do estado apresentaram um índice de Gini considerado forte a muito forte e
15 municípios (3,61%) com uma concentração fundiária de muito forte a absoluta.
Ao considerar as especificidades das diversas regiões do estado da
Bahia, verifica-se no Litoral Norte da Bahia uma das maiores concentrações
fundiárias do estado, ao longo das décadas de 1970 e 1980, conforme pode-se
observar na tabela 05.
50
Tabela 05 – Índice de Gini referente a desigualdade da distribuição da posse da terra no
estado da Bahia e nas suas microrregiões homogêneas, em 1970, 1975, 1980 e 1985.
Microrregiões Geográficas
Índice de Gini
1970
1975
1980
1985
Chapadões do Alto Rio Grande
0,856
0,881
0,913
0,918
Chapadões do Rio Corrente
0,718
0,757
0,819
0,862
Baixo Médio São Francisco
0,914
0,900
0,899
0,904
Médio São Francisco
0,811
0,873
0,820
0,847
Chapada Diamantina Setentrional
0,721
0,750
0,789
0,810
Chapada Diamantina Meridional
0,824
0,810
0,793
0,834
Serra Geral da Bahia
0,651
0,657
0,679
0,701
Senhor do Bonfim
0,798
0,807
0,806
0,819
Corredeiras do São Francisco
0,744
0,810
0,788
0,829
Piemonte da Chapada
0,766
0,765
0,794
0,808
Sertão de Canudos
0,802
0,805
0,804
0,803
Serrinha
0,736
0,736
0,758
0,763
Feira de Santana
0,812
0,813
0,818
0,830
Jequié
0,787
0,774
0,791
0,807
Planalto de Conquista
0,659
0,653
0,690
0,733
Pastoril de Itapetinga
0,697
0,696
0,706
0,736
Sertão de Paulo Afonso
0,804
0,790
0,813
0,828
Agreste de Alagoinhas
0,754
0,763
0,789
0,810
Litoral Norte Baiano
0,858
0,847
0,875
0,887
Recôncavo Baiano
0,821
0,806
0,829
0,831
Salvador
0,861
0,892
0,891
0,894
Tabuleiros de Valença
0,696
0,696
0,703
0,723
Encosta do Planalto de Conquista
0,724
0,750
0,821
0,834
51
Cacaueira
0,672
0,655
0,701
0,705
Interiorana do Extremo Sul da Bahia
0,623
0,634
0,728
0,716
Litorânea do Extremo Sul da Bahia
0,640
0,684
0,764
0,786
Estado
0,802
0,812
0,826
0,841
Fonte: IBGE. In: SILVA, D, N. (1998).
Conforme registrado na Tabela 05 a Região do Litoral Norte da Bahia
apresentava entre os anos de 1970 a 1985 um dos maiores índices de
concentração fundiária do estado, superando, inclusive a média verificada no
mesmo, fato que se agrava nos anos posteriores em função da ação mais efetiva
do Governo do estado em dotar a região de toda
infraestrutura necessária ao
processo de expansão das relações capitalistas de produção, quando uma série de
órgãos de pesquisa e fomento são implantados, bem como projetos voltados a
adesão dos produtores para o plantio de cultivos comerciais. A valorização das
terras que passa a ocorrer a partir de então vai, automaticamente, promover novos
processos de apropriação dessas por parte de grandes proprietários fundiários e de
grupos econômicos que passam a se territorializar na região.
Um dos exemplos mais evidentes da valorização e concentração das terras
do Litoral Norte da Bahia, mediante a introdução da monocultura da laranja, ocorre
no município de Rio Real. Este passa a contar com uma porção significativa da
produção de laranja no estado da Bahia,
tornando-se o maior produtor desse
cultivar no Nordeste brasileiro. Além da presença de grandes propriedades com
pecuária extensiva e forte presença do cultivo do eucalipto, fato que fez a Câmara
de vereadores de Rio Real estabelecer a proibição do plantio de eucalipto em
novas áreas no município, devido ao grande impacto social ocorrido.
52
Por outro lado, aqueles pequenos agricultores que a partir da década de
1970 se deslocaram para essas áreas passaram a sofrer novas pressões para
deixarem a terra ou nessas se sustentarem com uma série de dificuldades.
Os dados do IBGE referentes à estrutura fundiária do município de Rio Real
apontam que no ano de 1940 o índice de gini era de 0,621, passando para 0,778 no
ano de 1960, atingindo 0,808 em 1970, caindo um pouco para 0,774 em 1980 e
voltando a se concentrar no ano de 1996 quando foi apontado um índice de gini de
0,804 considerado, portanto, com uma concentração fundiária de forte a muito forte.
A investida do governo do estado da Bahia nesse município, a partir da
década de 1980 em diante, acredita-se proporcionou um significativo processo de
valorização das terras, que ao adquirir valor passam a ser alvo de disputas entre
famílias camponesas que viviam em pequenos lotes de terras e proprietários
fundiários e grupos empresariais que adquirem terras para expandir a produção de
laranja.
A desigual distribuição das terras nesse município também fica muito clara
ao observar-se os dados do Censo Agropecuário realizado pelo IBGE no ano de
1996 quando os estabelecimentos com até 20 hectares, considerados de pequenas
propriedades, totalizavam 2.214 estabelecimentos (o equivalente a 70,40% do total
do município) detinham uma área de apenas 9.713hectares (ou 15,61% das terras).
No outro extremo, as propriedades com mais de 2.000 até 5.000 hectares, em um
total de apenas 5 estabelecimentos detinham 14.206 hectares. Esses latifundiários
que correspondiam a apenas 0,19% do total de estabelecimentos controlavam
22,85% da área agricultável do município. Essa realidade acaba por se estender
para os outros municípios incorporados à lógica produtiva da laranja tanto no estado
53
da Bahia quanto no Centro-Sul de Sergipe, questões que serão analisadas ao longo
desta tese.
Desse modo, o processo de expansão agrícola no campo se apresenta
mostrando as contradições e o caráter violento de padrões inadequados à realidade
dos pequenos proprietários e trabalhadores do campo e das cidades. Nesse
processo, destaca-se o papel do Estado que, por sua vez, espelha várias
contradições, como as destacadas por Germani.
Lo que se observa es que la política agraria y agrícola desarrollada
por el Estado contribuyó y continua contribuyendo para configurar la
forma de ocupación del território brasileño. Al mismo tiempo, su
puesta en marcha trae implícita el aumento de las contradicciones
em el campo brasileño haciendo con que el Estado sea, também,
un gran protagonista de la situación de violencia existente en esa
área. (GERMANI, 1993: 253 –254).
Essa realidade se reproduz nas Regiões do Litoral Norte da Bahia e
Centro-Sul de Sergipe, enquanto uma singularidade na totalidade. Por isso, apontase para a necessidade de se fazer uma revisão na política agrícola do Estado
brasileiro, com uma reforma de base na sua estrutura fundiária, buscando organizar
a base produtiva camponesa6 dos pequenos proprietários e proletários rurais,
adequando-os às necessidades estabelecidas do módulo fiscal de cada área
definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)7, a
fixação em lei, a proibição de fracionamento e venda de terras para este fim. É
preciso estimular a organização dos pequenos proprietários e proletários rurais com
o fortalecimento das cooperativas, associações e sindicatos. Mesmo porque isso
6
Entende-se por base produtiva camponesa de pequenos proprietários e proletários rurais numa
perspectiva de contraposição de classe distinta dos grandes proprietários fundiários e dos
capitalistas, para tanto ver a Tese de SOUZA, Suzane Tosta, defendida em 2008, intitulada Da
Negação ao Discurso “Hegemônico” do Capital à Atualidade da Luta de Classes no Campo
Brasileiro. Camponeses em Luta pelo/no Território no Sudoeste da Bahia.
7
Ver anexos A e B.
54
não tende a acontecer espontaneamente no desenvolvimento do modo de produção
capitalista na agricultura.
Compete ao Estado aparar as desigualdades entre o capital e o trabalho,
estabelecendo regras que coloquem os envolvidos no processo produtivo em
condições moralmente aceitáveis, para que não haja o aviltamento do pequeno
proprietário e do proletário rural8 dentro do processo produtivo, em face da
supremacia do poder econômico. Além disso, é necessário criar mecanismos de
proteção para aqueles que lutam para melhorar as condições de trabalho, de vida
em geral e sofrem violência por causa disso.
Un tipo de violencia obscurecida pero que cuando viene a la
superfície denuncia el carácter violento de una sociedad dicha pósesclavista. Una violencia manifestada en cerca de la mitad de los
assalariados del campo que reciben menos de un salario mínimo.
De los aproximadamente 6 miliones de assalariados agrícolas
solamente un 5 % aproximadamente poseen contrato de trabajo, lo
que significa que solamente 300 mil trabajadores rurales
assalariados en todo el Brasil poseen algún tipo de garantia social.
(GERMANI, 1993: 320).
Apesar da luta pela garantia dos direitos trabalhistas como a realizada pelo
Sindicato dos trabalhadores das indústrias de beneficiamentos e carregadores de
frutos cítricos do estado de Sergipe (SINDICITROS) verifica-se ainda com
frequência o emprego de trabalho infantil (foto 01) e de adolescentes (foto 02), a
8
Segundo Lessa quando Marx se refere à contradição mais geral entre capital e trabalho, utiliza os
termos referindo aos “trabalhadores”. Ao diferenciar trabalhadores que desdobram relações
antagônicas com o capital dos outros trabalhadores que não o fazem, emprega o termo proletariado.
Quando quer distinguir os “trabalhadores” que convertem a natureza nos meios de produção e de
subsistência e que são o fundamento material de toda a riqueza social dos outros “trabalhadores”
que, sendo ou não produtivos, não produzem este fundamento material, emprega proletários ou
operários para nomear os primeiros e, “trabalhadores” (em O Capital) ou “Classes de transição” (O
18 Brumário de Luis Bonaparte), para os últimos. p. 194.
55
desmobilização do sindicato e com o assassinato do dirigente sindical,9 a
desarticulação da mobilização pelos direitos da classe operária.
Fotos 01 e 02 – Crianças e adolescentes colhedores de laranja, 2003.
A situação do país em suas relações de produção evidencia um
fenômeno de superpopulação. Existe um potencial enorme dos recursos naturais e
humanos que são subaproveitados. Isso faz com que a classe proletária e os
camponeses (pequenos proprietários ou unidade de produção familiar) sejam
preteridos diante das estruturas que põem em funcionamento e que também
dominam o mercado. Essas estruturas são
representadas pelo Estado e pelo
capital, respectivamente.
É necessário que se visualize o quadro de uma modernização
conservadora e nos faz lembrar às companhias estabelecidas para viabilizar a
expansão de um sistema de produção no capitalismo desde sua origem, com um
9
Até a presente data o crime de que o sindicalista Carlos Gato foi vítima não foi resolvido,
demonstrando a falta de vontade política em solucionar casos como esse, pois o que prevalece
sempre nestes casos é a falta de um maior empenho no inquérito policial e a morosidade da justiça,
fato que conta a favor da impunidade e que deixa a sociedade brasileira estarrecida diante de tanto
descaso e abandono. Uma parte significativa da população, que vive exclusivamente do seu
trabalho, é negligenciada, enquanto avançam aqueles que apostam no atraso e na violência para
manter o status quo ou estado a que se encontra submetida à sociedade brasileira.
5 Categorias tratadas por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1998) por meio do qual a monopolização
da produção ocorre quando o capital se apropria da produção, ou seja, passa a atuar na esfera da
circulação. No caso da territorialização do capital, este passa a atuar desde a esfera da produção, ou
seja, torna-se também proprietário fundiário.
56
padrão extrovertido de “desenvolvimento”, promovendo o crescimento econômico, a
marginalização, a segregação dos homens e dos lugares.
De uma maneira geral, os governantes e dirigentes do Estado burguês,
sobretudo nas últimas décadas do século 20 e na primeira década do século 21,
deram suporte a um padrão concentrador de riqueza e deixaram ao abandono a
base produtiva da agricultura. No caso específico desse estudo, à maior parte dos
citricultores e proletários rurais, gerando, por conseguinte, muita fome e miséria.
Por outro lado, o capitalista, ao se apropriar da inovação técnica, ao invés
de proporcionar a inclusão do trabalho e criar mecanismos para melhorar as
condições de vida e as relações de produção, pelo contrário, acabam dificultandoas ainda mais, precarizando o trabalho,
destruindo a vida e desarticulando
comunidades estabelecidas historicamente.
E com este quadro chegamos ao período atual. Período em que a
economia se mundializou plenamente, onde os lugares estão cada
vez mais inseridos em redes de relações globalizadas, onde os
circuitos são planetários. Período em que a economia avança pela
inovação técnica (...). Onde a fronteira tecnológica substitui em
muito a fronteira territorial como mecanismo de expansão da
margem de lucro. A inovação constante é a mola da reprodução
ampliada hoje. (MORAES, 1994 p. 39).
Uns dos problemas do proletariado na citricultura é que na relação
trabalhista a intermediação da força de trabalho para a colheita de laranja, seja dos
denominados gatos, “donos de turmas”, seja dos empreiteiros, em função de ocultar o
real empregador, subtrai-se dos trabalhadores direitos mínimos que lhe são
assegurados na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho, em
normas coletivas e demais leis federais de proteção ao trabalhador, além de
concorrer para a criação dos chamados subempregos, que nada mais são que postos
57
de trabalho nos quais se verifica a desvalorização da pessoa e do trabalho humano.
Essa situação leva à submissão do proletário à condições existenciais indignas o que
se afasta dos comandos preconizados no artigo 170 da Constituição Federal e ainda
Segundo o Ministério Público Federal deve-se aplicar, nesses casos, o artigo 9º da
CLT e o enunciado 331-I do T. S. T, Lei nº 6.019 de 03/01/74. Tais ocorrências
revelam os fundamentos do modo de produção capitalista na agricultura
implementado no Brasil, com profundas repercussões para a maioria da população
brasileira, que se torna, cada vez mais precarizada no trabalho e perante o processo
produtivo.
Dessa forma, merece destaque ainda a estrutura agrária extremamente
concentrada, e por outro lado muitos minifúndios que não são suficientes para a
manutenção das famílias, o que faz com que milhares desses pequenos proprietários
fundiários
percam
suas
terras,
meio
de
produção
fundamental
para
sua
sobrevivência. Assim sendo, uma estratégia fundamental utilizada pelos pequenos
agricultores é o fracionamento das unidades de produção com a família, até que essa
não seja mais suficiente para atender as necessidades concretas da família. Por
conta disso, ao passo em que se verifica o aumento na quantidade de terras
controladas por grandes proprietários fundiários, igual e contraditoriamente tem
aumentado no Brasil a quantidade de pequenas propriedades, embora essas ainda
controlem a menor parte das terras. Além do fracionamento dessas pequenas
unidades de produção camponesa A. U. de Oliveira (1998) aponta a luta pela terra
como fator fundamental no aumento do número de pequenas propriedades rurais no
campo brasileiro, ao argumentar que:
58
Quanto ao número de estabelecimentos ocorreu no período (1950 a
1985) um crescimento expressivo daqueles que possuem área
inferior a 100 ha, pois, passaram de 1.629.995 para 5.225.162
estabelecimentos. Particularmente aqueles com menos de 10 ha
apresentaram neste conjunto o crescimento maior, pois passaram
de 654.557 para 3.064.822 estabelecimentos. Este processo de
crescimento mostra de forma clara o crescimento do campesinato
no Brasil e não o seu ‘desaparecimento’. Uma das características do
campesinato brasileiro, salienta José de Souza MARTINS é que ele
quer é lutar para entrar na terra. Não é, portanto, um campesinato
que não quer sair da terra, como na transição européia do
feudalismo para o capitalismo. Trata-se, pois de um campesinato
que não esgotou a sua possibilidade de formação/recriação.
Apesar disso, Martins (1994, p. 79-80) afirma que “no modelo brasileiro o
empecilho à reprodução capitalista do capital na agricultura não foi removido por uma
reforma agrária, mas pelos incentivos fiscais”. Assim, acrescenta que “O modelo
brasileiro inverteu o modelo clássico”, ou seja, reforçou politicamente a irracionalidade
da
propriedade
fundiária
no
desenvolvimento
capitalista,
reforçando
conseqüentemente, “o sistema oligárquico nela apoiado” (MARTINS, 1994, p. 80).
Assevera que, ao mesmo tempo, esse padrão comprometeu os grandes capitalistas
com a propriedade fundiária, em suas relações e alianças políticas.
Conceição (2004) analisa o sistema do Capital que se articula em rede de
contradições no sistema de produção e utiliza de estratégia para garantir a demanda
e a acumulação. Segundo a autora para o capital não importa quantos irão consumir
e sim quanto será consumido. Em suas explicativas afirma que o consumo e a
destruição são equivalentes que denota o caráter contraditório do discurso do
desenvolvimento sustentável, o caráter da sua insustentabilidade. (CONCEIÇÃO,
2004, p. 83, 84 e 88)
O consumo voltado para padrões urbanos muitas vezes distantes da
realidade rural, não se leva em conta a promoção e valorização de comunidades
rurais estabelecidas em suas crenças, valores e identidades. Como se tudo que é
59
rural representasse o atraso e tudo que é urbano-industrial representasse o paraíso.
Grande equívoco dessa modernidade imposta pelos padrões burgueses para os
trabalhadores iludidos e encantados pelas luzes das cidades – doces ilusões, cantos
da carochinha dentre muitas outras espertezas dos ideólogos e burgueses convictos
do sistema do capital e do modo de produção capitalista .
Oliveira, Vanessa D.
(2007) constata em seus estudos e pesquisa de
campo que, com a inserção de tecnologia no Centro-Sul de Sergipe, mais
especificamente no município de Lagarto, o capital não elimina o trabalho, mas reduz
quantitativamente os proletários rurais através do aumento da produtividade e da
exploração. V. D. Oliveira analisou as contradições que envolvem a apropriação de
tecnologia na produção de laranja como falácia de ‘desenvolvimento’, ‘ progresso’ do
campo, nos programas difundidos no estado de Sergipe. (OLIVEIRA, 2007, p. 24).
Uma atitude equivocada, de muitos governantes e dirigentes, é de querer
transformar toda produção numa atividade empresarial, desconsiderando que mais de
80% dos pequenos produtores de laranja dependem do trabalho da família para sua
subsistência. Acontece que o tamanho das propriedades da maioria dos produtores é
insuficiente para a sua manutenção e sustento, o mercado lhes é desfavorável, a
estrutura educacional e de saúde são precárias e o Estado é quase sempre omisso.
Isso implica em condições de trabalho que geram alto grau de ineficiência, causando
miséria e privações para grande número de proletários rurais e pequenos produtores.
Verifica-se, assim, o interesse do Estado em criar instrumentos, estudos e
programas que viabilizem a expansão citrícola da região, tornando-a, assim, atrativa
para o capital industrial e financeiro. O agronegócio10 da laranja no Centro-Sul de
10
S. T. Souza (2008) afirma que o agronegócio significa a tradução do conceito de “agribusiness”
(agricultura de negócio) e foi desenvolvido por Ray Goldberg, em 1957, nos EUA. Posteriormente este
termo foi traduzido para o Brasil, e proposto como “complexo agroindustrial” ou “agronegócio” por Ney
Bittencourt, Ivan Wedekin e Luiz A. Pinazza, nos anos 1980, com enorme repercussão nos meios
60
Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem acompanhando a expansão desse cultivo já
ocorrido no estado de São Paulo que concentra grande parte da produção brasileira e
mundial, considerando-se que o Brasil atualmente é o maior produtor desse cultivo.
Os dados relativos a produção de laranja, no ano de 2006, são apresentados na
tabela 06.
Na Tabela 06 observa-se que 80% da produção nacional está concentrada
no estado de São Paulo, enquanto apenas 9 % representa a participação dos estados
de Sergipe e Bahia juntos.
Tabela 06 – Produção de laranja e participação relativa, 2006.
Laranja
Estado/Brasil
Brasil
18.032.313
100%
São Paulo
14.367.011
80%
Bahia
916.521
5%
Sergipe
753.191
4%
Minas Gerais
572.638
3%
Paraná
408.116
2%
Rio Grande do Sul
339.765
2%
Pará
213.513
1%
Santa Catarina
127.137
1%
Goiás
111.270
1%
Outros
223.151
1,2%
Fonte: IBGE, 2008.
empresarial e acadêmico. De acordo com Marcos Sawaya Jank, o agronegócio nada mais é do que
um marco conceitual que delimita os sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e biomassa,
operando desde o melhoramento genético até o produto final, no qual todos os agentes que se
propõem a produzir matérias-primas agropecuárias devem fatalmente se inserir, sejam eles pequenos
ou grandes produtores, agricultores familiares ou patronais, fazendeiros ou assentados (Estado de São
Paulo, 1º Caderno, 05/07/2005, p. A2).
.
61
Embora esse percentual esteja a quem da produção de São Paulo, todavia
é representativo o destaque desses dois estados no percentual dos 20% restante da
produção. Nas entrevistas realizadas durante trabalho de campo com técnicos
agrícolas e agrônomos dos órgãos de pesquisa e extensão rural, foi possível verificar
diversos discursos que apontam para a capacidade produtiva dessas regiões,
sobretudo no Litoral Norte da Bahia, que segundo esses entrevistados apresentam
ainda grande quantidade de terras a serem “incorporadas” a esse plantio.
Assim sendo, a racionalidade que permeia a atuação dos órgãos do estado
é a econômica. voltada aos interesses da expansão do agronegócio, seja por meio da
compra de terras para expansão do cultivar ou através da sujeição camponesa, não
rara vezes influenciados pelos pacotes tecnológicos difundidos por esse órgãos
aliados ao sistema de créditos que lhes dão apoio. A ótica que comanda o
planejamento dos órgãos de pesquisa e extensão é aquela que desconsidera a
riqueza da produção camponesa, voltada para cultivos diversificados que garanta,
predominantemente o sustento da família. A essa racionalidade se impõe a
subordinação às indústrias, mediante a introdução de um cultivo predominante.
Assim, considerando as informações obtidas nos órgãos de pesquisa e
extensão instalados na região, constata-se um interesse explícito no sentido de
demonstrar o potencial que a região apresenta para a expansão de novos espaços
para a citricultura. Os pesquisadores afirmam que “Sergipe tem capacidade de
produzir mais de 800 mil toneladas, em 55 mil hectares plantados na Região CentroSul e um mil no Platô de Neópolis (Municípios de Santana do São Francisco,
Pacatuba e Neópolis)” (EMDAGRO, 2003).
62
Quanto à estrutura agrária, as informações disponibilizadas pela ASCISE
(2003), mostraram que entre os produtores de laranja, 1% a 2% são considerados
grandes proprietários. Entretanto, estes, geralmente, possuem vários pomares em
diversos municípios, tanto no Centro-Sul de Sergipe, quanto em municípios do Litoral
Norte da Bahia, especialmente em Rio Real. Ainda conforme informações da
ASCISE, no geral, um produtor com 300 hectares na região já pode ser considerado
grande proprietário. Estima-se que o maior produtor regional de laranja tenha entre
5.000 e 7.000 hectares. Os médios estão geralmente entre 50 a 100 hectares e os
pequenos proprietários de 2 até 20 hectares do quadro de Associado.
Os que
possuem menos de 2 hectares podem ser considerados mini-produtores e estão
comumente filiados ao Sindicato de trabalhadores rurais. Os médios e grandes
produtores também desenvolvem a pecuária – criação de gado bovino - enquanto
atividade econômica.
A localização das principais áreas dos pomares na Bahia está entre os
municípios do Agreste de Alagoinhas, Litoral Norte e Recôncavo, superior a 1.500
Km² ou o equivalente a 150.000 hectares disponíveis para a citricultura.De acordo
com este estudo, o estado da Bahia tem capacidade para produzir em torno de 950
mil toneladas em 54.213 hectares plantados.
O papel das indústrias processadoras de suco, seguindo a tradição dos
industriais paulistas, é adquirir grandes porções de terra para desenvolver a atividade
citrícola, aumentando e incorporando novas propriedades para a produção da laranja
e utilizando formas diversas para subordinar o produtor via cartelização dos preços e
controle da produção. Um dos exemplos dessa prática sabe-se que o grupo Maratá
que possui 3.000 hectares plantados com laranja em Rio Real e Jandaíra. No caso da
TropFruit, destaca-se o fato dos grandes produtores serem seus sócios (inclusive o
63
maior produtor da região atualmente), destinando a produção de laranja para o
processamento
pela
indústria.
Estas
indústrias
são
também
as
principais
responsáveis pela expansão da citricultura em direção ao Platô de Neópolis, onde
estão adquirindo áreas para o plantio irrigado. As fotos 03, 04, 05 e 06 mostram as
indústrias de suco localizadas no Centro-Sul de Sergipe, mais especificamente no
município de Estância (Marata Sucos e Tropfruit do Nordeste) e Boquim (Sumo
Industrial).
Foto 03 – Indústria Tropfruit do Nordeste/Estância/SE. Foto 04 – Indústria Maratá Sucos/Estância/SE.
Fonte: Trabalho de Campo, set. 2008
Fonte: Trabalho de Campo, novembro de 2008.
Foto 05 – Sumo Industrial/Boquim/SE.
Foto 06 – Incentivos fiscais do Governo Federal.
Fonte: Trabalho de Campo, jul. 2008
Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008.
64
Apesar do programa de revitalização da citricultura ter iniciado em 2004
no estado de Sergipe com um aumento da área colhida de laranja de 55.272
hectares, sua produção de 764.110 toneladas, não reflete ainda a renovação de seus
pomares. Esses resultados, na realidade, expressam as dificuldades concretas dos
pequenos produtores diretos em substituir os laranjais, bem como em adquirir os
pacotes tecnológicos impostos via órgãos de extensão rural. Por outro lado, como a
produção conseguida nessas pequenas propriedades é, geralmente, de “baixa”
qualidade, esse fato acaba por assegurar o rebaixamento dos preços conseguidos na
negociação com as indústrias, fazendo com que toda renda dos produtores diretos
sejam abocanhadas pelas indústrias, ficando os agricultores, na maioria das vezes,
endividados e com dificuldades para continuarem produzindo.
O estado da Bahia continua a ampliar sua área colhida 54.213 hectares e
produção de 930.035 toneladas (IBGE, 2007). O eixo da laranja está mudado, saiu de
Boquim, que perdeu sua hegemonia, e espalhou-se para Itabaianinha, Lagarto,
Umbaúba e Cristinápolis em Sergipe, esses dois últimos favorecidos pela localização
geográfica, pois por esses municípios estende-se a BR – 101, que os tem favorecido,
mais recentemente, no processo de comercialização e circulação da laranja. Esse
favorecimento também ocorre em Rio Real, na Bahia. Além de grande produtor, se
tornou o principal centro para beneficiamento e comércio da laranja dos municípios
produtores do Litoral Norte da Bahia, passando a ser o principal ponto de
convergência para o beneficiamento e intermediação da laranja na Região. As fotos
07, 08, 09 e 10 destacam alguns pomares de laranja localizados nas regiões em
estudo.
65
Foto 07 – Grande propriedade/Rio Real-BA.
Foto 08 – Plantio de laranja em pequena propriedade,
Fonte: Trabalho de Campo, 2003.
Fonte: Trabalho de Campo, 2003.
Foto 09 – Incorporação de novas áreas ao plantio/SE
Foto 10 – Novos plantios/BA.
Fonte: Trabalho de Campo, fev. 2009
Fonte: Trabalho de Campo, fev. de 2009.
A rede de comercialização da produção do suco concentrado e congelado
da laranja encontra no Porto de Salvador sua principal via de escoamento, conforme
aponta os dados apresentados na Tabela 07 a seguir.
Além disso, toda uma rede de serviços e beneficiamentos é montada para atender as
demandas da cadeia produtiva da laranja, em que se destacam as presenças das
beneficiadoras que assumem o papel de limpeza e polimento dos frutos antes da
comercialização.
66
Tabela 07 – Portos utilizados para o escoamento do Suco de laranja, 2008.
Suco de Laranja
SERGIPE
BAHIA
35,21 mil toneladas
410 toneladas
SALVADOR
94%
57%
RIO DE JANEIRO
1%
32%
SANTOS
6%
43%
SERGIPE
BAHIA
116,7 t
67,38 t
100%
100%
Laranja in natura
SALVADOR
Fonte: Secex, Out/2008.
O principal objetivo é agregar valor ao produto. Algumas das beneficiadoras
existentes na região em estudo podem ser observadas nas fotos 11 e 12. As
questões referentes à montagem de toda infraestrutura adequada ao agronegócio da
laranja nas regiões em estudo serão retomadas no capítulo 3 desta tese.
Foto 11 – Beneficiadora em Sergipe
Foto 12 – Benecificiadora Inhambupe/BA
Fonte: Trabalho de Campo março de 2009
Fonte: Trabalho de Campo out. de 2008
67
A investida do Estado na perspectiva de garantir o controle da produção se
evidencia com o Programa de Revitalização da Citricultura, em que a inserção
tecnológica e o controle no processo de produção e comercialização das mudas
acabam por fomentar a seleção dos produtores com melhores condições de se
inserirem nessa lógica produtiva capitalista. A produção de mudas passa a ser
realizada nos viveiros telados, que por ser uma atividade bastante onerosa só é
possível de ser realizada por aqueles que possuem melhores condições financeiras.
Para os produtores diretos que dispõem de pouca terra e dificuldade financeira para
permanecerem na produção agrícola, a manutenção da produção de mudas em
viveiros telados passa a representar uma dificuldade concreta, o endividamento e
mesmo a perda da terra.
Ainda que se considere como fundamental o processo de apropriação das
áreas do Centro-Sul de Sergipe e, posteriormente, do Litoral Norte da Bahia de modo
a inseri-las em uma lógica produtiva voltada, predominantemente, ao monocultivo da
laranja, voltado aos interesses do agronegócio mundial, não se pode desprezar, por
outro lado, algumas especificidades no estudo dessas regiões. Guardadas as devidas
proporções nos contextos históricos e na organização social, pode-se dizer que no
Centro-Sul de Sergipe existe uma maior especialização da produção, sendo a laranja
a principal atividade econômica em quase todos os municípios, com exceção de
Simão Dias, além de Poço Verde (grande produtor de feijão) e Tobias Barreto
(especializado na produção de confecções) Nestes municípios do sertão sergipano a
atividade predominantemente é a pecuária.
É interessante ressaltar que a atividade pecuária é uma atividade
econômica rentável para os médios e grandes proprietários dos municípios do
68
Centro-Sul de Sergipe e mesmo no Litoral Norte da Bahia, como os de Boquim, Rio
Real, Estância, dentre outros. Em recente pesquisa Oliveira, Vanessa D.
(2007)
aponta a implantação do cultivo do fumo, em escala comercial, com destaque para a
produção no município de Lagarto em Sergipe. Nessa produção a autora ressalta o
intenso processo de exploração do trabalho camponês como forma de garantir os
interesses de grupos nacionais que controlam o mercado tabagista, isso demonstra,
mais uma vez, que o capital nas suas contradições ao se expandir nas atividades do
campo tanto se vale das relações capitalistas de produção quanto reproduz e se
apropria do trabalho camponês, sujeitando sua renda.
No caso dos municípios que fazem parte do Litoral Norte da Bahia, a
laranja é mais representativa em Rio Real e Inhambupe, tendo se expandido mais
recentemente para Jandaíra, Alagoinhas e Entre Rios. Entretanto, outros municípios
como Pojuca, Catu, Mata de São João e São Sebastião do Passé estão mais
voltados para a produção de petróleo e seus derivados, que passaram a ser dotados
de infraestrutura para esse tipo de produção desde a década de 1970, estando
vinculandos a produção industrial que se concentra no estado da Bahia na Região
Metropolitana de Salvador. O município de Conde, que se destacava pela intensa
presença de comunidades de pescadores vem cedendo lugar a projetos voltados
para atividades turísticas impulsionadas pelo Governo do estado da Bahia. No caso
de Alagoinhas, apesar da área colhida de laranja ser considerável, ela não é a
principal atividade econômica do município, que desempenha o papel de Centrourbano regional, com destaque para o setor de comércio e serviços. Também nesse
município localiza-se a sede de órgãos de pesquisa e extensão rural, que servem de
suporte para a rede de produção e comercialização da laranja.
69
Por outro lado, a produção da laranja em escala comercial, e a apropriação
de novos espaços para essa produção, se amplia em direção a outros municípios
tanto no estado de Sergipe a exemplo do Platô de Neópolis, quanto no estado da
Bahia a exemplo do município de Itapicuru que vem se destacando nesse tipo de
produção. Também nesse município o processo de valorização e concentração das
terras vem ocorrendo, questões que exploraremos com mais propriedade ao longo
deste trabalho. A Bahia possui duas regiões de destaque na citricultura; a área de
Cruz das Almas já consolidada e a do Litoral Norte, mais recente e em expansão. Já
o estado de Sergipe expande também sua área plantada no norte do estado, como o
município de Areia Branca, Pacatuba e Neópolis Essas considerações tornam-se
importantes tendo em vista que não se pretende, nessa análise, a região não é
concebida como algo dado, restrita aos limites administrativos. Para tanto,
consideramos que o processo de expansão do capital não respeita os limites
administrativos, tão pouco a esses se restringem os processos sociais. O capital em
sua aliança com o Estado direciona suas ações para onde lhe é conveniente garantir
a extração da mais-valia, que se converte em maiores possibilidades de lucro. Por
isso, reafirma-se a opção pela categoria território, por considerar que essa não se
vincula a um local determinado, mas representa o confronto entre sujeitos sociais,
entre classes antagônicas no processo de apropriação de determinados espaços.
Essa realidade pode ser verificada nos locais estudados quando o processo de
valorização das terras, expropriação ou sujeição camponesa, desemprego e
precarização do trabalho no campo e nas cidades remete a classe trabalhadora rural
a lutar tanto pela permanência na terra, ainda que subordinadas, em grande parte, a
produção comercial, quanto a luta pela terra por via da ocupação organizada pelos
70
movimentos sociais que passam a atuar a partir de então. O território, portanto, pode
ser compreendido como a expressão material desses processos.
Os problemas enfrentados pelos citricultores advêm da crise que sempre
ocorre na citricultura, por causa da queda dos preços no mercado, que repercute em
falência e perda da terra para muitos proprietários. Como alternativa, muitos
trabalhadores acabam utilizando a terra dos citricultores, durante o início do plantio da
laranja (nos três primeiros anos), quando passam a cultivar produtos para sua
subsistência. Assim, esses proletários rurais tomam conta do laranjal de determinado
proprietário, plantando os cultivos de subsistência nas fileiras que ficam entre os
laranjais. Quando esses pés de laranja crescem e começam a produzir, os
trabalhadores são obrigados a devolver a terra para os proprietários. Uma dessas
experiências pode ser visualizada na Foto 13. Em outros momentos ou mesmo por
não conseguirem um pedaço de terra para garantir um plantio de subsistência a
venda da força de trabalho nas beneficiadoras da região, em alguns dias da semana,
e durante determinados períodos do ano, acaba por constituir outra estratégia de
sobrevivência para os trabalhadores, conforme é demonstrado na Foto 14.
Foto 13 – Meeiros plantando entre os pés de laranja. Foto 14 – Trabalhadores em beneficiadora
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2002.
Fonte: Trabalho de Campo, Out. de 2008
71
Por não possuírem a terra, grande parte dos proletários da região acabam
se sujeitando a trabalhar nas terras dos fazendeiros desenvolvendo relações nãocapitalistas (assalariadas) de produção. Grande parte do trabalho empregado na terra
pelo proletário acaba sendo apropriado pelo proprietário fundiário, sem que esse
tenha que despender recursos para o pagamento dessa força de trabalho. Ao final do
acordo o capitalista ganha a terra pronta e os pés de laranja começando a produzir.
Esses foram plantados e cuidados pelo trabalhador, que a partir de então se vê
obrigado a sair dessa terra em busca de uma outra área ou de empregos
precarizados nas cidades mais próximas.
Com relação ao processo de comercialização da laranja, deve-se
considerar que os preços costumam apresentar variações durante o ano, por ocasião
de períodos das três safras anuais (conhecidas como safra, safrinha ou temporã e
saroio).
Dentro da lógica empresarial capitalista em que um dos objetivos volta-se
para o incentivo por parte do estado para que os agricultores estabeleçam relações
de dependência com as indústrias produtora de insumos agrícolas e fertilizantes,
obedecendo o princípio da produção e da produtividade, difundida a partir da
revolução verde, verifica-se ainda nos locais de estudo a tentativa de condenar o uso
de capinas e tratores, que se busca “justificar” por meio do discurso da “preocupação
ambiental” em que a via “empresarial” fundamentada no uso crescente de produtos
químicos na lavoura passa a ser vista como “solução” imediata. Assim, os órgãos de
pesquisa e extensão, em parceria com a iniciativa privada, em destaque a indústria
Monsanto, passa a difundir pacotes tecnológicos para as propriedades produtoras de
laranja na região.
72
Isso demonstra a falta de uma política do Estado voltada para os
pequenos citricultores e trabalhadores assalariados do campo, carentes de
alternativas mais próximas da sua realidade como estímulo e garantia de produção
em escala comercial, além de suporte para a produção de subsistência. Embora a
Empresa de Desenvolvimento Sustentável de Sergipe (Pronese) tenha distribuído
mudas, adubos, e dado suporte para o plantio de alguns pequenos citricultores
cadastrados nos municípios citrícola de Sergipe, essas ações, na prática, não foram
suficientes para promover uma melhoria nas condições de vida desses, haja vista que
o objetivo maior foi o da sujeição frente às tais “inovações”. Constata-se que esse
processo de tecnificação é seletivo e não corresponde a realidade de grande parte
daqueles pequenos agricultores que com muitas dificuldades e ainda que
impulsionados a plantarem laranja, permanece na terra como condição de
sobrevivência (foto 16).
Dessa forma, a realização da capina se reproduz em diversas
propriedades rurais, conforme pode-se observar na foto 15.
Foto 15 – Trabalhadores na capina.
Foto 16 – Família camponesa/plantio.
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2003.
Fonte: Trabalho de Campo, Set. de 2008.
De acordo com informações adquiridas por meio de trabalho de campo,
realizado no ano de 2008, a não utilização de adubos está relacionada ao período de
73
preços baixos da laranja, o que afeta sobremaneira a produtividade dos laranjais da
Bahia e de Sergipe. Como os produtores não têm garantia dos preços, acabam se
controlando e investindo pouco na melhoria das condições de produção.
Muitos
ficam dependendo do tempo e dos preços de mercado.
Os plantios nessas duas regiões são em sua maioria de sequeiro, ou seja,
sem uso de irrigação, o que diminui sensivelmente os custos de produção. A
atividade realizada desta forma é direcionada principalmente para atender às
necessidades de consumo doméstico e das indústrias. Entretanto, no que se refere
aos grandes e médios produtores, é possível encontrar algumas experiências com
irrigação, o que permite programar a safra para os períodos de maior escassez da
laranja no mercado, aumentando as margens de renda no processo de
comercialização.
Os viveiros telados para produção de mudas passam a ser uma nova
exigência imposta pelo mercado, conforme aconteceu em Sergipe, através do
programa de revitalização da citricultura implementada pelo Estado brasileiro.
Acompanhando esse mesmo processo, considera-se que os viveiros sem proteção, a
céu aberto, na Bahia, deverão ser gradativamente substituídos por viveiros telados. O
discurso utilizado para “justificar” tal substituição é o da segurança e melhoria das
mudas, mediante o controle de insetos transmissores de pragas e doenças. Desse
modo, os viveiros que não atenderem às novas especificações da Secretaria da
Agricultura serão erradicados, porque estarão irregulares. Contudo, na prática, o que
se verifica é uma nova forma de intervenção capitalista no território, em que essas
“tecnologias” não estão disponíveis para todos os produtores, funcionando como
forma de triagem e impulsionando mecanismos de controle pelo capital, rebatendose, negativamente, sobre aqueles que possuem condições financeiras mais
74
delicadas, sendo, muitas vezes, expulsos do processo produtivo, ou permanecendo
nesse de forma cada vez mais subordinada.
Dessa maneira, os viveiristas que apresentam melhores condições
financeiras é que vão transferir a sua produção de mudas em campo aberto para os
viveiros protegidos, acarretando uma séria crise social na região. O governo federal
estabeleceu, em Lei, a exigência de produção de mudas em ambientes fechados,
fomentando o processo de seleção entre os produtores. Essa é uma política que vai
atender
mais
aos
interesses
das
indústrias
processadoras
de
sucos.
A
homogeneidade e sanidade dos laranjais, dessa forma, vão gerar mais desemprego,
porque muitos dos viveiristas não vão querer arriscar recursos nesse novo
empreendimento, pois ficam desconfiados da garantia de retorno e preocupados com
o endividamento o que, muitas vezes, pode representar a perda da terra, ou mesmo
não possuírem as condições objetivas exigidas.
Como a maioria dos pequenos produtores de laranja encontra-se nessa
situação, fica difícil imaginar “uma lógica empreendedora”, sem uma alteração da
estrutura fundiária, sem o fortalecimento que deve ser implementado através das
cooperativas, associações, sindicatos, enfim, formas de organizar a produção,
fortalecer a comercialização, controlar o beneficiamento e participar do processo de
industrialização.
Além disso, há que se considerar a luta pela garantia do trabalho, seja
mediante a permanência na terra ou para obter a terra, por meio da qual a ação dos
movimentos sociais se torna visível. Para aqueles proletarizados outra forma é a de
lutar pela garantia do trabalho (nas indústrias, no campo ou nas cidades), ainda que
precarizado, já que na condição de expropriados dos meios de produção não têm
como garantir o sustento da família. Por outro lado, esbarram nas condições
75
precárias de trabalho, na baixa remuneração, no desrespeito aos direitos trabalhistas,
como também, a existência de um contingente enorme daqueles que precisam
trabalhar. Nessas condições, a luta pelo trabalho passa a representar a própria
sobrevivência para as milhares de famílias expropriadas do Centro-Sul de Sergipe e
Litoral Norte da Bahia.
Dessa forma, considera-se a categoria trabalho como fundamental para
aqueles que estudam o campo brasileiro, em que a realidade encontrada na área de
estudo não se distancia. Para tanto, se fez necessário a compreensão das
discussões mais atuais referentes ao trabalho e a luta da classe proletária tanto para
conseguir vender sua força de trabalho por meio do assalariamento bem com por
meio de outras formas de sobrevivência a exemplo das relações não-capitalistas
(não-assalariadas ou assalariamento disfarçados) ou mesmo através da luta pela
terra onde almejam, ainda que parcialmente, uma determinada autonomia frente a
lógica alienante capitalista. Essas discussões serão apresentadas no capítulo 2 deste
trabalho de tese que se segue.
76
2 O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA CENTRAL NOS ESTUDOS EM
GEOGRAFIA
Tomando por base a Teoria Crítica Marxista, fundamentada no método
dialético, esta pesquisa, ao contrário das abordagens voltadas para a negação do
trabalho ou mesmo o fim da sociedade do trabalho, vem reafirmar o trabalho como
condição ontológica do homem. Em se tratando de um estudo realizado em Geografia
considera-se o trabalho como categoria analítica central na compreensão do
processo de produção do espaço geográfico, que se estabelece, historicamente,
através da relação sociedade x trabalho x natureza. Assim, o homem, que
historicamente desenvolve relações sociais, por meio do trabalho entra em contato
com a natureza, transformando-a em natureza humanizada, ou segunda natureza, ou
seja, natureza produto do trabalho. Ai reside à essência de toda natureza humana e
da Geografia enquanto ciência. visto que segundo Silva, Lenira (2001, p. 50):
O espaço geográfico constituído de totalidades capitalistas e nãocapitalistas tem na produção-reprodução realizada por meio do
trabalho dos homens dialeticamente coisificados para o sistema e
humanizados para si mesmos, onde a luta da natureza humana
pela plenitude de vida se dá dentro e fora da atividade produtiva,
dentro e fora de si mesmos, do seu corpo, da sua natureza. O
resultado do trabalho humano, isto é, fração da natureza humana,
objetivada na coisa feita ou produzida, percorre o mundo inteiro. A
realização de um determinado trabalho poderá se dar muito
distante do local onde o trabalhador produziu ou prestou um serviço
qualquer, numa totalidade submetida a outra sociedade, a outro
modo de produção.
A compreensão do espaço geográfico enquanto produto do trabalho
humano em uma sociedade dividida em classes sociais torna-se mais evidente na
ciência geográfica a partir da década de 1950, mediante o movimento de renovação
da Geografia que trazia, em uma de suas matrizes o pensamento crítico marxista na
77
compreensão das contradições do modo de produção capitalista e seus rebatimentos
materiais. Além disso, buscava-se, naquele momento histórico, realizar uma revisão
radical na Geografia praticada até então ancorada no positivismo lógico e mesmo na
linguagem matemática sustentada no neopositivismo. Esse pensamento passa a
influenciar, sobremaneira, os pensadores brasileiros, que passam a adotar como
fundamental a compreensão do espaço geográfico por meio das contradições
existentes no processo produtivo, em uma sociedade composta por classes sociais
antagônicas. Assim, merece destaque os estudos realizados por David Harvey, Ives
Lacoste, dentre outros e no Brasil os estudos realizados por Rui Moreira11, Ana Fani
Carlos12, Ariovaldo Umbelino de Oliveira13, Lenyra Rique da Silva14, podem ser
tomados como referência. O trabalho emerge como categoria central em estudos
mais recentes como os realizados por Thomaz Junior15, Alexandrina Luz16, Léa
11
No livro O que é Geografia, publicado no ano de 1981 o autor aponta que: “O processo do trabalho
tem sua materialidade em formas que ao mesmo tempo que dele derivam e ele se revertem, e são
geradas com esse fim. Em se tratando da geografia, esta materialidade dialeticamente articulada ao
processo do trabalho é o especo geográfico. (...) O espaço geográfico é a materialidade do processo
do trabalho. É a relação homem-meio na sua expressão historicamente concreta. O espaço
geográfico não é puramente produto do processo do trabalho, porque o processo do trabalho é
também produto do espaço geográfico. É produto do trabalho e condição material dele” . (p. 85/86)
12
Na busca de aprofundar debates mais profícuos na Geografia, bem como destacando o papel da
teoria no desvendamento da espacialidade e das relações sociais no mundo moderno Carlos (2001)
arremata que: “O fio condutor da análise reside na tese segundo a qual, ao produzir sua vida (sua
história, a realidade), a sociedade produz, concomitantemente, o espaço geográfico. Tais condições
são produzidas pelo trabalho como atividade humana, logo, o desvendamento da atividade do
trabalho considerado como processo produtor do espaço geográfico é o ponto de partida e permite
discutir, de um lado, a articulação entre atividades produtivas e não-produtivas no conjunto da
sociedade, e de outro, a materialização espacial deste processo, cujo movimento fundamenta-se na
contradição entre produção espacial coletiva e apropriação privada”. (p. 63).
13
Defendendo a importância da leitura crítica marxista para os estudos em Geografia e na Geografia
Agrária mais particularmente Oliveira (2007) acrescenta que: “A lógica do desenvolvimento do modo
capitalista de produção é gerada pelo processo de produção propriamente dito (reprodução
ampliada/extração da mais-valia/produção do capital/extração da renda da terra), circulação,
valorização do capital e reprodução da força de trabalho. É essa lógica contraditória que
constrói/destrói formações territoriais em diferentes partes do mundo ou faz com que frações de uma
mesma formação territorial conheçam processos desiguais de valorização, produção e reprodução
do capital, conformando as regiões” (p.75).
14
No livro A Natureza Contraditória do Espaço Geográfico (2001) a autora analisa que: “O resultado
do trabalho também contém a natureza da luta de classes. Seja qual for a sociedade ela está
dividida em classes, é alimentada pelo trabalho alienado” (p. 54).
15
Que através do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGET) vem reunindo e
desenvolvendo uma série de pesquisas voltadas a centralidade do trabalho enquanto categoria
fundamental na compreensão dos estudos em Geografia seja no campo ou nas cidades. A rede de
78
Francesconi17, Sócrates Menezes18, Vanessa Oliveira19, María Franco García20,
Marcelo Mendonça21 e outros que serão retomados ao longo desse trabalho. Assim,
toma-se importante ressaltar que o trabalho não se constitui em uma categoria
específica da Geografia, mas é de fundamental importância na compreensão dos
processos espaciais, em qualquer instância.
Retomando a teoria crítica marxista, pode-se considerar que o trabalho
sempre foi tratado como tema central na compreensão da realidade e das iniqüidades
provocadas pelo modo capitalista de produção em seu processo de realização
histórica. Para tanto, há que se compreender as contradições existentes no processo
produtivo que em uma sociedade composta por classes sociais antagônicas permite-
pesquisadores formados por esse centro inicia-se na UNESP de Presidente Prudente e se espalha
para outros Estados do país a exemplo de Catalão/GO e João Pessoa na Paraíba. Além da Revista
Pegada ([email protected]) e do projeto Editorial Centelha, em que os resultados de
pesquisas são divulgados o CEGET realiza o Fórum do Trabalho, que se consolida como lócus de
apresentação e debates profícuos sobre a questão do trabalho no âmbito geográfico. As informações
referentes a esse grupo, bem como os principais trabalhos desenvolvidos, podem ser encontradas
no endereço: www.prudente.unesp.br/ceget
16
Que por meio da Coordenação do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de
reordenamentos territoriais/UFS-CAPES-CNPq, vem desenvolvendo e orientando diversos estudos
voltados para a temática do trabalho na Geografia. Alguns dos resultados desses trabalhos podem
ser encontrados nos anais dos principais eventos de Geografia – a exemplo do XV Encontro
Nacional de Geógrafos, do SINGA, nas Jornadas do Trabalho – realizadas pelo CEGET, bem como
em artigos de revistas como a Revista OKARA/PB, Pegada/UNESP-PP, dentre outras.
17
Que na Universidade de São Paulo coordena a linha de pesquisa Território, Economia e
Desenvolvimento Regional.
18
Pesquisador do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos TerritoriaisUFS/CNPq/CAPES e do Laboratório de Estudos Agrários e Urbanos/UESB, desenvolveu a pesquisa
“De supérfluos à sujeitos históricos na contramão do capital” analisando a luta do Movimento dos
Trabalhadores Desempregados (MTD) na região de Vitória da Conquista/BA. Recentemente, vem
ampliando essa temática analisando a luta pelo trabalho na periferia urbana de Vitória da
Conquista/BA.
19
Pesquisadora do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos TerritoriaisUFS/CNPq/CAPES, desenvolve pesquisas voltadas para o entendimento do avanço do capital no
campo via inserção tecnológica e seus rebatimentos nas relações de trabalho, com destaque para o
agronegócio da laranja e do fumo no município de Lagarto/SE.
20
Coordenadora do Grupo de Estudos de Geografia do Trabalho – Paraíba (CEGET/PB) desenvolve
e orienta pesquisas voltadas à temática do trabalho nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em
Geografia. Em seu estudo reporta a dimensão de classe e de gênero na compreensão do trabalho e
da produção do espaço. Coordena a revista OKARA, em que diversos resultados de pesquisas sobre
essa temática é divulgado.
21
Coordena junto com a professora Helena Angélica Mesquita o Grupo de Pesquisa GETeM –
Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais, CAC/UFG, desenvolvendo e orientando pesquisas sobre
essas temáticas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação. Pesquisador do CEGET/UNESP-PP,
tem diversos artigos publicados na Revista Pegada e nos anais dos principais eventos realizados na
Geografia.
79
nos compreender, conforme apontado por Marx (1984), que a contradição
fundamental reside no caráter social da produção e a apropriação individual de seus
resultados, contraditoriamente apropriado por aqueles que detém o controle dos
meios de produção. Sobre isso, também na Geografia, Souza, S. T. (2008, p. 53/54)
arremata que:
Na atuação das classes sociais destacam-se os seus interesses
antagônicos, no modo de produção capitalista, cuja principal
contradição reside, exatamente, na separação entre o trabalhador e
os instrumentos de trabalho; tão logo, não resta ao trabalhador “livre”,
ou melhor, desprovidos dos instrumentos de produção, que pertence
ao capitalista (proprietário dos meios de produção) e aos proprietários
fundiários (proprietários da terra) alternativa a são ser a venda de sua
força de trabalho. A “aparente relação de igualdade” 22 entre
proprietários e não-proprietários dos meios de produção, será,
portanto, objeto de discussão (...). A partir de tais considerações
espera-se reunir argumentos que elucidem as desigualdades nas
relações sociais e nas relações de produção capitalistas, na
“contradição inconciliável”23 entre as classes sociais, já que a
satisfação das necessidades de umas, neste caso, o objetivo do lucro
– por parte do capitalista, e da renda – extraída por parte dos
proprietários fundiários, se faz a partir da exploração do trabalhador,
da força de trabalho – a única “mercadoria”, no capitalismo, capaz de
criar riqueza. Assim, o trabalhador cria a mercadoria, que se converte
em capital, mas este lhe é estranho, pois é apropriado pelos seus
algozes.
Essa “aparente relação de igualdade” consolida-se no fato dos capitalistas
e trabalhadores serem livres, ambos são proprietários: o primeiro dos meios de
produção e os segundo de sua força de trabalho. Assim sendo, o capitalista compra a
força de trabalho vendida pelo trabalhador e esse em troca recebe o salário. A
22
Expressão utilizada por MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a Política no Brasil. São
Paulo: Vozes, 1981.
23
Expressão utilizada por ENGELS, Friedrich. A origem da família, da Propriedade Privada e do
Estado. São Paulo: Centauro, 2002. É retomada também por Lênin, Vladimir Ilitch. O Estado e a
Revolução. A revolução proletária e o renegado Kautsky. Trad por Henrique Canary. São Paulo:
Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2005. (...) A sociedade civilizada esta dividida em
classes hostis e irreconciliáveis cujo armamento “espontâneo” provocaria a luta armada. Forma-se o
Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e cada revolução, destruindo o
aparelho governamental, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a
seu serviço, corpos de homens armados, como a classe oprimida se empenha em criar uma
organização do mesmo gênero, para pô-la ao serviço, não mais dos exploradores, mas dos
explorados. (LÊNIN apud ENGELS, 2005, p. 31).
80
contradição reside no fato de que os resultados do processo produtivo são maiores
do que o dinheiro empregado pelo capitalista no início desse. A riqueza é produzida
pelo proletário, mas apropriada pelo capitalista (donos dos meios de produção).
Essas contradições no processo produtivo são apontadas por Marx nos
Manuscritos Econômicos Filosóficos, escritos em 1844, quando destaca que:
O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza
produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e
extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata
quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das
coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização
do mundo dos homens (Menschenwelt) (...). Esse fato nada mais
exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o
seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder
independente do produtor (...). (..) Sim, o trabalho mesmo se torna
um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os
maiores esforços e com mais extraordinárias interrupções. A
apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento
(Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto
menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu
produto, do capital. (MARX, 2004, p. 80/81).
Nessa relação desigual e contraditória, o proletário se relaciona com o
produto do seu trabalho como um objeto estranho, desse modo: “quanto mais o
trabalhador se desgasta trabalhando (ausarbeitet)” mais poderoso se torna o mundo
alheio que ele cria diante de si e mais pobre ele se torna, no seu mundo interior.
Dessa forma, o seu trabalho se torna um objeto, “uma existência externa (aussern)”,
que existe fora dele, independente e estranha a ele. Assim,
(...) quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; que
quanto mais cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais
bem formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto
mais civilizado seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; que quanto
mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna;
quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo
da natureza se torna o trabalhador. (MARX, 2004, p. 82).
81
Assim sendo, o que o trabalhador recebe sob a forma de salário é
infinitamente menor do que ele de fato produziu. Esse mais-trabalho, que representa
a quantidade de horas de trabalho não pagas ao proletário é apropriada pelo
capitalista. O proletário por não deter os meios de produzir a existência não tem
alternativa a não ser se sujeitar ao capitalista. Ao trabalhar por um salário esse acaba
por aumentar a riqueza do capitalista, ao passo em que dispende parte de sua
energia e sua vida no processo produtivo. Assim sendo, a relação de igualdade entre
capitalistas e trabalhadores é apenas aparente na medida em que os segundos não
têm opção a não ser a subsunção24.
Tomando por base a análise desenvolvida por István Mészáros, em Para
além do Capital (1995) Ricardo Antunes (2002) acrescenta que o sistema de
metabolismo societal do capital resultado da divisão social vai promover a
subordinação estrutural do trabalho ao capital. Para compreender esse processo há
de se considerar que um sistema de mediações de segunda ordem sobredeterminou
suas mediações básicas primarias, ou seja, suas mediações de primeira ordem.
Genericamente, esse sistema de mediações de primeira ordem tem por finalidade “a
preservação das funções vitais de reprodução da reprodução individual e societal”
(ANTUNES, 2002, p. 19), que significa que os seres humanos sejam considerados
parte da natureza, se utilizando dessa para realizar suas necessidades elementares.
Assim, considerando o homem enquanto parte da natureza, cuja relação
com essa se estabelece por meio do trabalho, para satisfação das funções vitais,
esse é compreendido enquanto condição ontológica do homem e pressupõe: a
regulação da atividade biológica reprodutiva em conjunção com os recursos
existentes; a regulação do processo do trabalho mediante o intercâmbio comunitário
24
“O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por
isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer as necessidades fora
dele”. (MARX, 2004, p. 83).
82
com a natureza para produzir bens requeridos para a satisfação das necessidades
humanas; um sistema de trocas compatível com as necessidades requeridas;
organização da multiplicidade de atividades (materiais e culturais) visando o
atendimento da reprodução social; alocação dos recursos materiais e humanos
disponíveis, lutando contra as formas de escassez, e sua utilização econômica em
sintonia com os níveis de produtividade e os limites socioeconômicos existentes;
constituição e organização de regulamentos societais designados para a totalidade
dos seres sociais. (ANTUNES, 2002. )
A esse sistema de primeira ordem de mediações se impõe outro sistema de
mediações de segunda ordem que pressupõe o estabelecimento de hierarquias
estruturais de dominação e subordinação, que caracteriza a ordem societal de
controle sob a égide do capital e que segundo Mészáros apud Antunes (2002)
representa a introdução de “elementos fetichizadores e alienantes de controle social
metabólico” (p. 20).
Dessa forma, considerando o capital um modo e meio totalizante e
dominante de mediação reprodutiva esse subordina todas as funções reprodutivas
sociais, cuja finalidade é expandir o valor de troca, para todas as necessidades desde
as mais básicas até as mais variadas atividades de produção, ou seja, representa a
“completa subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor de troca”
(MÉSZÀROS apud ANTUNES, 2002, p. 21). Assim, o valor de uso torna-se
subordinado ao valor de troca, ou seja, por meio do trabalho os homens não mais
produzem para a satisfação de suas necessidades vitais, mas para a satisfação dos
detentores dos meios de produção – a classe dos capitalistas que objetivam o lucro e
a acumulação.
83
À divisão do trabalho que caracterizava o sistema de mediações de
primeira ordem baseada na função reguladora básica, o capital impõe uma estrutura
de mando vertical, cuja divisão hierárquica do trabalho está voltada para a
necessidade continua e crescente de valores de troca. Nesse processo, o trabalho é
subsumido ao capital (ANTUNES, 2002). Para que essa ordem sociometabólica do
capital possa erigir-se pressupõe a existência de alguns elementos, segundo
Mészáros apud Antunes (2002), tais como:: a) a separação e alienação entre
trabalhador e os meios de produção; b) a imposição dessas condições objetivadas e
alienadas sobre os trabalhadores (mando sobre eles); c) a personificação do capital
como valor egoísta voltado ao atendimento expansionista do capital; d) a
personificação do trabalho, ou seja, dos operários como trabalho, dependente do
capital historicamente dominante, fato que reduz a identidade do sujeito desse
trabalho as funções produtivas.
Desse modo, “as funções produtivas e de controle do processo do trabalho
social são radicalmente separadas entre aqueles que produzem e aqueles que
controlam” (p. 22). Para lhe dar sustentação esse sistema de mediações de segunda
ordem ancora-se no tripé capital, trabalho e Estado. Dessa forma, Mészáros (2002) é
elucidativo ao afirmar que é impossível se pensar na emancipação do trabalho sem
superar o capital e o Estado.
As mediações de segunda ordem do capital constituem um círculo
vicioso do qual aparentemente não há fuga. Pois eles se interpõem,
como “mediações”, em última análise destrutiva da “mediação
primária”, entre seres humanos e as condições vitais para a sua
reprodução, a natureza. (MÉSZÁROS, 2002, p. 179).
Desse modo, Antunes (2002) aponta que no sistema do capital o discurso
da regulação é apenas “aparente”, o que remete a compreensão da incontrolabilidade
84
do mesmo, presente desde o início desse sistema. Assim, com base em Mészáros
(2002) destaca--se os defeitos estruturais do sistema de metabolismo social do
capital,.Esse se manifesta, dentre outras coisas, na separação entre produção e
controle, quando esses adquirem uma independência “problemática” que se efetiva
no exacerbado “consumismo” em determinados partes do mundo. Por outro lado, se
reproduz na mais desumana negação da satisfação das necessidades básicas para
milhares de seres biológicos e humanos (natureza e sociedade). Isso demonstra que
a “força de trabalho total da humanidade encontra-se submetida (aos imperativos
alienantes de um sistema global do capital” (MÉSZÁROS apud ANTUNES, 2002, p.
24).
Esse controle sociometabólico do capital “incontrolável” e “totalizante” sob o
qual tudo, inclusive os seres humanos deve-se ajustar, “degrada o sujeito real da
produção, o trabalho, a condição de (...) fator material da produção”, que para o
capital não perde a condição de sujeito real da produção.
Considera-se que esse sistema sociometabólico do capital que tem o
caráter expansionista e totalizante, portanto, incontrolável, através de sua forma de
realização, vai ser apropriado dos mais variados espaços, de forma desigual e
combinada, sujeitando o trabalho a sua lógica produtiva, conforme pode-se identificar
as transformações ocorridas no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, fato
que se acresce com a difusão do monocultivo da laranja representando processos
concretos de subsunção do trabalho aos interesses do capital (industrial, agrário e
financeiro), assim como por meio do processo de sujeição camponesa.
Assim sendo, o trabalho que deveria voltar-se a satisfação daqueles que o
realiza acaba sendo apropriado por aqueles que detêm os meios de produção, que se
apropriam do produto do trabalho e o transforma em mercadoria, valores de troca.
85
Tais questões serão retomadas no capítulo 4 dessa tese. Assim, Oliveira, V. D. (2007,
p. 39) tomando por base o estudo realizado por Smith (1988) arremata que:
(...) sob o sistema capitalista, a apropriação e produção da natureza
têm a materialidade social do processo de produção de
mercadorias, reificado, alienado, oriundo da história dos homens:
toda natureza é assim um produto social. Segundo Smith (1988), a
produção da natureza é também produção do espaço geográfico
expressa no desenvolvimento desigual do capitalismo. Esse
desenvolvimento desigual é a expressão geográfica das
contradições do capital, a fixação geográfica do valor de uso e do
valor de troca. À medida que o processo de acumulação se
intensifica, igualmente se intensificam as tendências à igualização e
à diferenciação da produção capitalista do espaço.
As discussões sobre a categoria trabalho, enquanto central na análise do
processo
de
produção
do
espaço
geográfico,
tornam-se
fundamentais
na
compreensão dos conflitos e das contradições existente no processo de apropriação
do espaço no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia pelo capital, via
produção do suco de laranja concentrado e congelado, que têm nos mercados
europeus seu principal lócus de consumo. A “apropriação” desses espaços começa a
se efetivar a partir da década de 1960, no caso do Centro-Sul de Sergipe e se
expande em direção ao Litoral Norte da Bahia, a partir de uma série de vantagens
oferecidas aos “produtores” via atuação do Estado. Portanto, o entendimento que se
busca do Estado é de “mediador” dos conflitos sociais e instrumento de uma classe
social – a classe dominante. Tal atuação, por outro lado, se faz a partir de um
processo de expropriação dos camponeses, que tinham nessas áreas, e na atividade
agrícola, seus principais espaços de reprodução social.
Acredita-se que é possível fazer uma reflexão teórica metodológica para
a compreensão da relação capital versus trabalho, das transformações no mundo do
trabalho, frente o processo de reestruturação produtiva do capital, enquanto resposta
86
a crise do capital, que pode ser compreendida também como a crise do trabalho e
seus diversos processos de territorialização, como acontece nos laranjais baianos e
sergipanos, escolhidos como base empírica dessa pesquisa.
Assim, busca-se entender as transformações no mundo do trabalho,
frente às demandas do modo de produção capitalista, os processos de
monopolização da produção e de territorialização do capital, as diversas alianças
estabelecidas entre grupos capitalistas e latifundiários, a luta pela garantia do
trabalho, por parte da classe trabalhadora (cada vez mais explorada), mas também
outras experiências desenvolvidas por esses como: os sindicatos, as associações, as
cooperativas ou mesmo a luta pela terra via organização em movimentos sociais.
Por outro lado, é preciso que se considere a forma contraditória por
meio da qual o capital penetra no campo brasileiro e, neste caso, nos laranjais
baianos e sergipanos, a partir tanto da expansão das relações de trabalho
tipicamente capitalistas como também reproduzindo e se apropriando (muitas vezes)
das relações não-capitalistas, garantindo os processos de subsunção do trabalho e
sujeição da renda da terra ao capital, fundamentais a sua reprodução social.
No entanto, cabe destacar que ao mesmo tempo em que o capital se
apropria dessa produção camponesa, é possível pensar que essa relação possa vir a
ser uma possibilidade de uma nova relação capital e trabalho que está sendo gestada
no campo brasileiro, que precisa ser melhor compreendida, inclusive na região em
estudo.
O processo de monopolização da produção, seguido do processo de
territorialização do capital nas regiões estudadas se faz, portanto, reproduzindo todas
as contradições do modo capitalista de produção, com fortes alterações nas relações
de trabalho. O capital atua tanto no sentido de garantir a ampliação da mais-valia via
87
novas formas de exploração do trabalho, quanto por meio da sujeição da renda
camponesa ao capital, criando os seus tentáculos de territorialização e reprodução.
2.1 O Trabalho enquanto categoria central para os estudos em Ciências Sociais
As reflexões teóricas e categorias analíticas centrais ao entendimento da
realidade existente nos laranjais baianos e sergipanos, é condição fundamental para
a compreensão dos processos de territorialização do capital, ou de monopolização da
produção e o entendimento dos mecanismos utilizados de sua realização, ao longo
do tempo e configuração espacial.
Assim sendo, destacam-se as categorias fundantes de Marx (1983)
presentes no Livro 1 de O Capital, no Processo de Produção do Capital a partir da
Mercadoria e seu valor de uso e valor de troca, Processo de Troca, Circulação,
Processo de Produção de Mais-valia absoluta analisando o processo de trabalho e o
processo de valorização. Marx demonstra a distinção entre trabalho concreto,
produtor de valor de uso, e o trabalho abstrato, produtor de valor de troca.
Gorender (1983) enfatiza, na apresentação do livro O Capital, que a
mercadoria possui caráter dúplice de valor de uso e valor resultante do caráter
também dúplice do próprio trabalho que produz: trabalho concreto, que responde
pelas qualidades físicas do objeto, e trabalho abstrato, enquanto gasto indiferenciado
de energia humana. O trabalho abstrato, pelo fato de estabelecer uma relação de
equivalência entre os inúmeros trabalhos concretos, vem a ser a substância do valor.
Marx (1983) pressupõe que o processo de trabalho deve ser considerado de início
independentemente de qualquer forma social determinada. O trabalho é um processo
88
entre homem e natureza. Um processo em que o homem, por sua própria ação,
media, regula e controla seu metabolismo com a natureza.
Segundo Lukács, e seguidores como Mészáros (2002) e Antunes (2002), a
categoria que faz a mediação entre o ser social e a natureza é o trabalho, que
transforma causalidade dada em causalidade posta. Lukács, diz que é o trabalho a
categoria fundante dos complexos sociais parciais que, por sua vez, se tornam
autônomos e, nas sociedades desenvolvidas, se apresentam de forma cada vez mais
complexificada, agindo no processo de individualização e socialização.
István Mészáros (2002) em sua obra Para Além do Capital esboça a
contradição entre forças produtivas e relações de produção. Segundo este autor a
formação social capitalista é marcada por uma contradição imanente, ao mesmo
tempo em que aumenta sua capacidade produtiva, dispensa a força de trabalho,
proporcionando um descompasso entre a capacidade produtiva e a possibilidade de
consumo, que está imbricado na relação e no aumento do desemprego.
Ainda segundo Mészáros (2002) as dificuldades do atual processo de
desenvolvimento são muito maiores que em qualquer outro momento, em que o
capital atinge seu zênite contraditório de maturação e superação. Nesse sentido,
considera que a crise do capitalismo hoje é destrutiva e incontrolável, é permanente,
não existindo mais, portanto, crises cíclicas (defendidas anteriormente por muitos
autores), nem qualquer possibilidade de superação ou inserção social (daqueles que
estão fora do processo produtivo, portanto, nenhuma “possível” superação da “crise”)
enquanto perdurar o capitalismo e a existência também do próprio capital.
Em sua obra Os Sentidos do Trabalho, Antunes (2002) discute várias
dimensões que são centrais ao pensar o mundo do trabalho hoje em suas formas
contemporâneas. Dimensões da vigência da centralidade do trabalho ou nos seus
89
múltiplos sentidos que o trabalho adquire. Discorda de Gorz (2003) e até mesmo de
Kurz (S.D), que advogam o fim do trabalho embora admita a complexidade das
relações laborativas. Complexidade que envolvem as relações entre trabalho
produtivo e trabalho improdutivo, trabalho material e imaterial, trabalho manual e
intelectual e o teletrabalho.
Segundo ainda Antunes (2002, p.104) essas relações que foram
apresentadas como nova conformação de valorização do trabalho, ao invés de negar
a centralidade do trabalho é uma base concreta para reafirmar a centralidade do
trabalho no capitalismo contemporâneo. Assim, sustenta a tese de que houve uma
heterogeneização, complexificação e fragmentação de uma classe que vive
eminentemente do trabalho. Apresenta esta como tendência influenciada pela
redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, especializado, herdeiro da
indústria verticalizada (modelo Taylorista/Fordista) e expansão ocidental do
Toyotismo.
Antunes (2002) analisa que uma questão central no entendimento das
transformações ocorridas no mundo do trabalho advém da reestruturação produtiva
do capital cujas características são: a flexibilização, a desconcentração, a
desterritorialização; além da introdução de novas formas de trabalho domiciliar e a
ideologia da “liberdade do trabalhador”, o trabalhador em tempo parcial, em que no
campo uma forte expressão disto é a pluriatividade, tendo em vista que explora-se
duplamente os camponeses e proletários, que se tornam, ainda mais, precarizados,
subempregados, terceirizados e hifenizados25.
25
Entende-se por trabalhadores hifenizados aqueles que desenvolvem várias atividades e jornadas
prolongadas na luta para sua reprodução social. Este conceito foi utilizado por Ricardo Antunes
tomando por base os estudos de Beynon, Huw (hyphenated workers) em sua obra “The Changing
Practices of Work” (1995).
90
As críticas que se tem em comum de Organista (2006) a autores como
Gorz (2003), Kurz (S.D.) e Antunes (2002) e seus seguidores se referem ao alto nível
de generalizações quando os mesmos centram suas análises nas relações de
produção e forças produtivas do sistema capitalista. Todavia essas análises não
podem ser desprezadas, no sentido de uma significativa reflexão do modo de
produção capitalista, de seus conflitos e contradições e da própria necessidade de
superação e a busca de outras formas de relações da sociedade e natureza.
Para Kurz (S.D.) a crise do sistema mundial produtor tem de ser
buscada para além da sociedade industrial, do mercado e do Estado, ou seja, na
dissolução da sociedade do trabalho. Kurz também recorre à análise de dimensão
marxiana entre o trabalho concreto e trabalho abstrato, esclarece a importância da
distinção, que é imprescindível, pois permite qualificar a dimensão do trabalho na qual
ele está se referindo. Na sua obra Kurz destaca ainda, que o que está em crise é o
trabalho abstrato, aquele que produz valor de troca. A sociedade em que o ócio
involuntário (desemprego) se opõe ao tempo livre, enquanto representação moral
socialmente reconhecida e válida. O destaque aqui dessa interpretação é o de não
correr o risco de virar uma finalidade natural às contradições que são sociais e
historicamente estabelecidas. Acredita-se que a defesa da sociedade de tempo livre,
na qual o trabalho concreto é subsumido pelo capital é ambíguo, pelo menos para
todos os membros, pois, com isso se mantém as bases de produção e reprodução
social, já que, esta se apresenta de forma diferente a partir da possibilidade de
distinção e condição da classe social no capitalismo. Acredita-se que somente a partir
da superação do sistema de produção para o socialismo e o comunismo, e a
superação da sociedade de classes, seja possível se pensar num modelo de
sociedade verdadeiramente igualitária, coisa que Kurz não acredita ou demonstra
91
muito ceticismo ou pessimismo em conseguir, e relata as experiências e fracassos do
socialismo real que foi analisado pelo mesmo como socialismo dos produtores como
impossibilidade lógica de realização. Kurz (S.D.) ainda em sua obra A Honra perdida
pelo trabalho, enfatiza a categoria real do trabalho que há de ser concebida como
trabalho abstrato no sentido de uma indiferença destrutiva no que se refere ao
conteúdo material dos agentes opostos em movimento. Indiferença destrutiva essa
que segundo este autor se manifesta não apenas no plano subjetivo e psicológico da
“insatisfação com o trabalho”, mas com a crescente “objetividade da catástrofe” como
processo objetivo do mundo.
O trabalho produzido pelo grupo Krisis (2003) intitulado o manifesto
contra o trabalho representa um movimento de contraposição à coerção estabelecida
a partir da visão ocidental sociedade e trabalho.
Gorz (2003), dentre outros, afirma que a utopia da sociedade do trabalho
teria chegado ao fim e com ela o pleno emprego e o Estado de bem-estar social.
Pochmann (2001) enfatiza a questão do emprego, discute o curso atual da
divisão internacional do trabalho e apresenta as novas estratégias empresariais de
competitividade e produtividade a partir da lógica neoliberal para entender os caminhos
que os dirigentes e governantes do Brasil escolheram no final do século 20 e início do
século 21. Ao discutir a competitividade destacou as estratégias de diversificação da
produção; diversificação dos produtos; recomposição da produção interna com a
externa (novo mix de produção); elevação na qualidade dos produtos; redução dos
custos; mudança no lay-out da produção; redefinição dos fornecedores (just in time);
inovações
tecnológicas
e
organizacionais;
nova
conduta
empresarial
(desnacionalização, joint-venture, fusão, incorporação ou abandono de atividade).
Enquanto que na parte da estratégia de produtividade, elencou a flexibilidade produtiva
92
(economia de escopo); redução de custos e do tempo morto; desmonte de parte da
estrutura produtiva; programas de qualidade total e gestão participativa; programas de
remuneração variável e distintos contratos de trabalho; programas de reengenharia;
terceirização
e
subcontratação
de
mão-de-obra;
melhor
aproveitamento
das
possibilidades da economia de escala (redução dos estoques); redefinição do conteúdo
da atividade empresarial: fechamento de empresa ou passagem à representante
comercial.
Esse autor apresenta ainda as novas tarefas que são realizadas no interior
dos postos de trabalho e as novas técnicas de gestão da produção, que alteram
substancialmente a organização do trabalho. Dentre estas destacam-se a ampliação da
quantidade de tarefas exercida pelo mesmo trabalhador; constituição de grupos de
trabalho (semi-autônomos e autônomos); rotação das funções; combinação das
atividades de execução com as de controle.
2.1.1 Leituras sobre a categoria trabalho na Geografia
De acordo com Francesconi (2005) as discussões sobre a realidade em
mutação no mundo do trabalho não é tema novo no pensamento geográfico, apontando
estudos como os realizados por Pierre George (1973) como um dos pioneiros sobre
essa temática na Geografia. Contudo, deixa claro que é nas últimas décadas que o
ressurgimento dessa temática adquire importância fundamental, quando as mudanças
do Trabalho atingem de forma mais direta a sociedade brasileira e “o desemprego
revela-se como ameaça crescente ou presença concreta para a sociedade brasileira
inserida no mercado de trabalho no capitalismo desde o século XX” (p. 01). Daí
assinala a emergência de uma Geografia do Trabalho, mediante a preocupação
93
demonstrada por grande parte dos geógrafos em compreender as repercussões
materiais das transformações ocorridas no mundo do trabalho. Entretanto, ainda
considerando a emergência de uma Geografia do Trabalho, Thomaz Junior (2004)
arremata que não se trata, simplesmente, de constituir mais um recorte disciplinar, ou
uma corrente na Geografia, mas de compreender a Geografia do Trabalho como um
campo de investigação focado para o entendimento “da estrutura de poder e do
controle social exercidos pelo capital sobre a sociedade e, em particular sobre o
trabalho” (p. 10). Dessa forma, considera que: “É através do movimento dialético e das
mediações teóricas requeridas, que faremos do trabalho um tema permanente para a
Geografia” (p. 10).
Na Geografia, conforme apontado por Francesconi (2005, p. 02) é a partir da
renovação do pensamento geográfico ocorrido nos anos de 1970 e 1980, do século 20,
que a Geografia Crítica introduziu o trabalho de forma mais ampla em suas análises,
assim como outros conceitos da análise marxiana.
Por um lado, a Geografia apreendeu o Trabalho em sua divisão
internacional e regional para a compreensão das desigualdades
internacionais e inter-regionais. Além disso, o Trabalho constitui-se
em conceito fundamental para a explicação do espaço como produto
social o qual tanto no urbano quanto no rural reproduz-se
contraditoriamente tal como a totalidade social da qual faz parte.
Na Geografia brasileira um desses expoentes do pensamento crítico sem
dúvida é Rui Moreira. A discussão sobre o trabalho é trazida por esse autor tanto no
livro O que é Geografia (1981) quanto em diversos textos publicados posteriormente.
Partindo da teoria do Valor de Marx, Moreira (2001) destaca a emergência da
compreensão do mundo do trabalho na Geografia em dois níveis: a relação metabólica
do homem com o meio natural e a relação do homem com a sociedade. Assim, podese falar em uma Geografia do trabalho tendo o valor como elemento teórico de
94
referência, em que as recentes transformações no mundo do trabalho “têm orientado o
universo de noções dessa geografia” (p. 10). Para ele, é o valor quem comanda o
mundo do trabalho, no entanto considera-se que a forma do valor varia com o tempo
histórico. Assim sendo, nas sociedades mais antigas torna-se visível o valor de uso das
mercadorias, algo que se inverte na sociedade capitalista moderna, em que o valor de
uso é subsumido ao valor de troca.
Moreira (2001) considera que nas sociedades mais antigas o trabalho
aparece como relação metabólica, caracterizada pelo intercâmbio entre o homem e a
natureza, onde o primeiro impulsiona, controla e regula esse intercâmbio, produzindo
valores de uso, atuando sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo
modificando sua própria natureza, produzindo a natureza socializada (ou segunda
natureza). O aparecimento do valor de troca modifica, completamente, essa relação.
Tomando por base os estudos realizados por Marx (1984) o autor arremata que: “o
valor nasce do desenvolvimento das trocas” (p. 11). Inicialmente essas trocas ocorrem
por meio do intercâmbio de valores de uso realizado pelos produtores diretos; no
entanto, quando as trocas se tornam mais generalizadas a equivalência dos valores
dos bens trocados torna-se uma necessidade. Assim, “a própria experiência prática dos
produtores leva-os a comparar as quantidades de horas-trabalho gastas na produção
de valor-de-uso como referência no ato da troca, nascendo o conceito de valor de
troca” (p. 11).
O dinheiro emerge como recurso contábil do valor, e a quantidade de
moedas passa a representar a quantidade de horas-trabalho. Assim, ocorre uma
mudança na relação de intercâmbio homem-natureza, para uma relação de troca
mercantil. Essa relação adquire maior proporção nas sociedades nascidas da
Revolução Industrial. Para Moreira, desse momento em diante vai ocorrer uma
95
separação entre natureza e trabalho (quando a primeira é apropriada privadamente) e
uma separação entre população e trabalho, reduzindo a população a força de trabalho
- a classe do trabalho. Assim, “o surgimento da lei do valor como lei do metabolismo
ambiental faz do trabalho uma relação técnica, capitalizando-a” (p. 12). Esses
processos são fundamentais para a compreensão da “concreção espacial” segundo
Moreira (2001) quando na medida em que vai se dando, vai reproduzindo registros nas
paisagens.
Dividida em mundos do trabalho e do não-trabalho, surge a
sociedade do trabalho (a sociedade industrial do capitalismo
avançado), fragmentária e organizadora da existência humana num
arranjo espacial de configuração extremamente estilhaçada.
Essas transformações adquirem nova dimensão no período posterior, na
metade da segunda revolução industrial à emergência da terceira com a hegemonia do
capital financeiro, mediante o predomínio da esfera da circulação, trazendo mudança
ao próprio conceito do valor, com novas investidas para o mundo do trabalho.
Nessa relação capital versus trabalho, Thomaz Junior (2002) segue a linha
percorrida por Antunes e define que esses são coabitantes de um mesmo processo
contraditório, mas, enraizados em esferas diferentes do processo social da produção,
um vem a se expressar no outro como elo fundamental de sustentação da contradição.
Materializam-se sobre bases qualitativamente diferentes. O capital, de um lado,
hegemoniza o processo, conformando assim, sob seu controle, a totalidade produtiva.
O trabalho, por outro lado, ao inserir-se nesse processo, entra subsumido, real ou
formalmente, dependendo do desenvolvimento das forças produtivas.
Thomaz Junior (2002) em sua tese Por Trás dos Canaviais, os “nós”’ da
cana, procurou entender e explicitar o imbricamento dos processos de (re)articulação
do capital e das propostas e ações do movimento sindical dos trabalhadores, que
96
segundo o autor contém, em si e para si, as mediações da sociedade. Tal leitura tem
permitido um indicativo importante no sentido da retomada do trabalho enquanto
categoria central da Geografia, permitindo um resgate da relação sociedade versus
natureza e suas espacialidades ao longo do tempo histórico. Por outro lado, não perde
a dimensão das contradições existentes nesta relação, o que nos leva ao entendimento
dos diversos processos de apropriação espacial, que permitem, simultaneamente, uma
compreensão da sociedade de classes.
Em estudo posterior Thomaz Junior (2004) destaca a necessidade dos
geógrafos se debruçarem no entendimento das novas territorialidades engendradas
pelo metabolismo do capital, com destaque para a esfera organizativa do trabalho,
buscando “apreender o trabalho por meio da leitura geográfica”. Para ele há uma
complexa trama de relações na compreensão das diversas formas de luta pelo
trabalho, que não se restringe as formas das corporações sindicais. Dessa forma, cabe
compreender as ações do capital para além do mundo fabril, e o espalhamento das
realizações
de
expropriação/dominação/apropriação
do
trabalho,
inserindo
ai
assalariados, camponeses, sem-terras, seringueiros, informais, desempregados, etc.
Torna-se fundamental nos estudos geográficos sobre o trabalho a compreensão que o
metabolismo do capital afeta a vida dentro e fora do trabalho, ou seja, tanto no âmbito
da produção (do trabalho) quanto da reprodução (morada, convívio social). Assim,
A Geografia do trabalho deve chamar para si a tarefa de apreender
o mundo do trabalho através do espaço geográfico entendido, pois,
como uma das características do fenômeno, e da rede de relações
categoriais/teóricas/escalares, ou seja, a paisagem, o território e o
lugar de existência dos fenômenos, num vai e vem de múltiplas
determinações. (p. 11).
Nesse processo, cabe considerar à força destrutiva do capital e a
emergência de formas diferenciadas de precarização do trabalho, a que o trabalhador
97
tem se submetido para “vencer os revezes da reestruturação produtiva do capital” (p.
12) e que se expressa na terceirização, precarização, subcontratação, hifenização,
desemprego, dentre outras formas. Essas dificuldades concretas vivenciadas pela
classe proletária fazem com que, muitas vezes, o camponês – que possui pouca
quantidade de terras se desloque para cidade a fim de realizar “algum bico” em
determinados períodos do ano, ou ainda se assalariando nas fazendas circunvizinhas.
A mobilidade do trabalho é também uma forma buscada pelo trabalhador
para garantir a reprodução social. Ora camponês, ora operário, ora realizando serviços
autônomos ou na informalidade. Mais do que, simplesmente, alternativas buscadas
pela classe trabalhadora em geral para sobreviver, essa realidade representa a
dificuldade concreta com que esses se reproduzem, tendo, na maioria das vezes, que
desempenhar dupla ou tripla jornada de trabalho, multilando-se, alienando-se.
Essa realidade, por outro lado, torna-se uma dificuldade maior no sentido da
consciência de classe. Assim como ocorre no país como um todo, também no CentroSul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia verifica-se a degradação das condições de
trabalho e a luta do proletariado para continuar sobrevivendo desse. Essas questões
são retomadas ao longo dessa tese. Por hora, interessa destacar a importância desses
deslocamentos realizados pelos trabalhadores, que em busca do trabalho promovem
modificações no espaço geográfico. Essa tarefa, sem dúvida, é um desafio da análise
geográfica e escapa a qualquer espacialidade pré-definida.
Ainda segundo Thomaz Junior (2004, p. 14):
Diante disso, o referencial que adotamos nos permite visualizar o
desenho societal dos trabalhadores sem terra no Brasil, como
produto de uma complexa trama de relações que envolve uma
gama de trabalhadores e de movimentos sociais que se dedicam à
luta de resistência, de ocupação de terra e pela Reforma Agrária,
98
tais como posseiros; atingidos por barragens; pequenos produtores
desarticulados da estrutura oficial dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STRs); Sindicatos dos Empregados rurais
(SERs); Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar
(SINTRAFs); seringueiros;
índios; pescadores artesanais;
Movimento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MNMTR),
hoje Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA); Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST); Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST); Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST);
Movimento de Luta pela Terra (MLT); etc.
Cabe considerar, contudo, que tal controle sociometabólico do capital tem
investido na desmobilização do poder dos sindicatos, associações e cooperativas. Essa
realidade é verificável no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia em que o
desemprego estrutural que garante um significativo exército de reserva latente tem
levado os sindicatos muito mais a uma ação de intermediação entre o patrão e o
empregado, como forma de manter o emprego, ainda que precarizado, dos que
conseguem se manter no processo produtivo, em
detrimento das lutas e
enfrentamentos que outrora representou o papel dos sindicatos no país. Nos sindicatos
de trabalhadores rurais, por exemplo, o que se observa é que esse acaba assumindo o
papel de tanto estabelecer acordos entre os proprietários e trabalhadores como
também oferecer parcos serviços de assistência médica e, às vezes, jurídica aos
trabalhadores. Esses e outros problemas enfrentados pela classe trabalhadora nas
áreas em estudo são apresentadas a seguir.
2.2 A contextualização dos Conflitos e das Contradições entre Capital versus
Trabalho nos Laranjais Baianos e Sergipanos.
As modificações no mundo do trabalho e seus reflexos nos diversos
territórios motivaram a realização deste trabalho. Nesse propósito, procurou-se
99
analisar as mudanças sócio territoriais ocorridas no Centro-Sul de Sergipe, a partir
do incremento de atividades voltadas à produção de laranja, o que se intensifica a
partir da década de 1970, dada à chegada das indústrias processadoras de suco
concentrado para a exportação que ocasiona profundas mudanças no processo
produtivo apresentado até então com repercussões no espaço geográfico.
Vê-se, portanto, o agravamento das relações entre o capital e o trabalho
na região, que se manifesta nos diferentes lugares, entendido por Thomas Júnior
(2002, p. 18) “não como lugar geométrico, mas como expressão das determinações
e das características da dinâmica espacial do metabolismo societário vigente,
diretamente ligadas às qualificações das práticas sociais”. O autor destaca a
“construção social do espaço geográfico, como afirmação e possibilidade teórica de
análise da sociedade, não se separa de sua concretude, ou de sua fisicidade”,
demonstrando a geograficidade de estudos sobre a temática do trabalho e seus
conflitos com o capital.
Nesse entendimento, retoma-se a definição de Oliveira, Ariovaldo U.
(1998 e 2001) sobre o território compreendido como produto concreto da luta
travada historicamente entre classes antagônicas. Assim sendo, ao passo em que
se verifica a expansão das relações capitalistas mediante a instalação de indústrias
produtoras de suco concentrado e congelado a fim de se apropriar de uma
infraestrutura disponibilizada pelo Estado, dos vultosos recursos disponibilizados via
SUDENE ou mesmo da disponibilidade de terras para ampliar esse tipo de
produção; igual e contraditoriamente verifica-se o processo de expulsão de grande
parte dos camponeses, via valorização e titulação das terras, bem como a
degradação das condições de trabalho assalariado no campo.
100
Essa população tanto expulsa quanto “dispensada” do campo vai
encontrar nos espaços periféricos da cidade, quanto nas vilas rurais seus novos
espaços de reprodução social. Por outro lado, as dificuldades de vender sua força
de trabalho tornam-se concretas.
Essa realidade pode ser verificada nas diversas entrevistas realizadas
com camponeses que mesmo com muitas dificuldades permanecem na terra. Parte
desses, como os que vivem nos municípios do Litoral Norte da Bahia, em destaque
o município de Rio Real, já sofreram processos de expropriação impulsionados pela
valorização das terras no Centro-Sul de Sergipe e migraram para o Estado da Bahia
onde puderam adquirir pequenos pedaços de terra. Essa mobilidade foi bastante
intensa nas décadas de 1970 e 1980 a faz com que alguns distritos baianos sejam
considerados locais de reprodução de camponeses sergipanos, a exemplo do
distrito de Loreto, em Rio Real.
Com a expansão da produção da laranja para o Litoral Norte da Bahia,
mediante intervenção do governo do estado da Bahia, observa-se um processo de
expansão dos grupos empresariais e dos latifundiários do Centro-Sul de Sergipe em
direção a essa região, com destaque para os municípios de Rio Real e Inhambupe,
além de Itapecuru da Região Nordeste da Bahia. A valorização dessas terras é
evidente e os camponeses tornam-se, cada vez mais, ameaçados de saírem de
suas terras de trabalho.
Por outro lado, as dificuldades concretas em que vivem esses
camponeses acaba por fomentar processos de endividamento e perda das terras ou
a manutenção nessas em condições muito precárias. Isso se agrava a partir da
intervenção direta do estado, via órgãos públicos de pesquisa e extensão rural que
passam a difundir os pacotes tecnológicos inacessíveis e realidade econômica dos
101
camponeses. Tal estratégia, voltada à lógica capitalista da produção e da
produtividade para atender os interesses das indústrias que se instalaram na região
acaba por funcionar como uma forma de endividamento do produtor direto, e muitas
vezes a perda da terra.
Esse processo se intensifica a partir da implantação do Programa de
Revitalização da citricultura que traz no seu bojo a reestruturação da produção
citrícola para atender as necessidades do agronegócio da laranja, beneficiando os
industriais e os latifundiários da região – que dispõem das condições objetivas para
implantar tais tecnologias. Por meio desse programa o estado ao mesmo tempo que
atende os interesses da indústria – que busca resolver “a qualidade” dos frutos que
compram,
seleciona
os
produtores
com
melhores
condições
financeiras,
intensificando o processo de proletarização ou endurecendo as condições de vida
para aqueles mais pobres que se mantém no campo.
Desse modo, o camponês que antes produzia suas próprias mudas agora
se ver obrigado a pagar por essas, ficando, muitas vezes, fora do processo
produtivo. Essa situação se agrava devido ao fato da maior parte dos laranjais já
terem algum tempo (já que tratassem de produtores antigos, no geral com mais de
20 anos de atividade), assim muitos pés já não produzem, outros possuem baixa
produção. Como ficam impedidos de replantar com mudas próprias, os agricultores
acabam tendo um agravamento das suas condições de vida, no geral já tão difíceis.
Esse quadro se generaliza nas entrevistas realizadas com camponeses nos
diversos municípios do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, em que os
níveis de dificuldades e de pobreza das famílias são evidentes. Muitas dessas já
não produzem e quando conseguem produzir ao vender a produção para a
indústria, que se valendo da baixa qualidade dos frutos rebaixa o preço, não obtêm
102
nenhum retorno financeiro. Assim, acabam se tornando trabalhadores da indústria,
sem sequer receber um salário. Algumas das dificuldades encontradas pelos
camponeses para permanecerem na terra podem ser observadas no depoimento
que se segue:
A laranja a gente tá vendendo para outras pessoas né, porque não
tá tendo nem condições de levar para a máquina. (...) tudo caro,
tudo caro.
Não tem como adubar não. Não dá não. O que se gasta para
adubar (...) a gente já tira para comer. Tira para comer, quando vai
querer adubar, não pode. Só tô adubando mesmo com o adubo do
governo, quando vem. (...) agora eu tô desempregado. Trabalho na
roça e vou ganhando por mês chega na faixa de 200 reais. (L. S. –
Camponês, em entrevista realizada em outubro de 2008).
Essa situação se agrava quando conversamos com os trabalhadores que
não possuem a terra, posto que esses acabam sujeitos a quaisquer condições de
trabalho, seja no campo ou nas cidades, nas indústrias, beneficiadora e outros
serviços. Como possuem “baixa qualificação” recebem salários insignificantes. No
trabalho no campo, por exemplo, recebem por caixas colhidas e por turma na
colheita da laranja. Esse tipo de trabalho também pode ser destinado as mulheres
e as crianças. Em pesquisa realizada em 2004, denunciamos o trabalho infantil nos
laranjais baianos e sergipanos em que, apesar da fiscalização exercida pelo
Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, é ainda burlada pelos
proprietários fundiários da região, que mediante a baixa remuneração dessas
crianças acabam criando possibilidades de se apropriar de maior renda da terra.
Os trabalhadores da indústria não encontram melhor sorte. Através de
observação direta nas indústrias observa-se uma quantidade reduzida de operários,
e uma intensificação da tecnificação poupadora de mão de obra. A exceção de
alguns postos de trabalho ditos “qualificados” que absorve um número insignificante
103
de trabalhadores, muitos que, inclusive vêem de fora da região, prevalece o
trabalho precarizado e barato.
De acordo com entrevista realizada no Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria, sua coordenação destaca que o desemprego das indústrias nos últimos
anos é crescente, bem como a existência de mais de 2 mil trabalhadores que
perderam seus empregos nessas. Relata que na Indústria Trop Fruit do Nordeste,
por exemplo, tem-se 100 trabalhadores fixos (50% sindicalizados) e a Indústria
Marata Sucos na faixa de 200 trabalhadores (90% sindicalizados); a AMBEV possui
350 trabalhadores (45% sindicalizados). Com relação a SUMO Industrial, destaca
que seus trabalhadores não são sindicalizados. Relata que na Indústria Frutos
Tropicais que fechou havia 1.200 empregos diretos.
Além da saída dessas
indústrias – que no geral se apropriaram de recursos públicos e ao terminar o prazo
de isenção deixam a área ou faliram e ficaram em dívida com o estado. Por isso, o
desemprego torna-se significativo e as dificuldades do Sindicato em mobilizar a
categoria são concretas.
A remuneração desses proletários é baixa, de acordo com o Sindicato o
piso salarial é de 1,4 salário mínimo, com jornada de trabalho de 8 horas, tendo 1
hora para o descanso. Apesar de considerar esse piso salarial razoável, a direção
sindical aponta que já foi de 1,5 do salário mínimo, sendo rebaixado pelas indústrias
posteriormente.
Além disso, o pagamento das horas extras não tem sido feito em sua
totalidade ao trabalhador, que recebe apenas 50% dessas. De acordo com o
sindicato das indústrias de suco essa foi à única forma que encontraram para que
as indústrias não demitissem mais trabalhadores. Esses 50% total das horas extras
é destinado ao operariado, sob a forma de salário, no período de 40 dias ao ano,
104
período em que a fábrica permanece fechada por não contar com produção
suficiente para o processamento, atendendo, portanto, aos interesses das mesmas.
Esse acordo é chamado banco de horas.
A direção do sindicato das indústrias destaca ainda uma experiência nova
que vem sendo desenvolvida na região que é a de uma indústria de produtos para
sorvetes, em que não houve fixação do piso salarial porque os trabalhadores
conseguiram participação nos lucros. Na prática muitas dessas experiências, em
nível de Brasil, vêm sendo denunciadas tendo em vista que os proletários não têm,
efetivamente, o controle das informações referentes ao lucro da empresa, muitas
vezes ficando a mercê do patronato e sequer recebendo um direito seu que é o
salário.
Outra questão que merece destaque quanto ao trabalho desenvolvido nas
indústrias da região, fato apontado pela direção do sindicato, é que a maioria dos
trabalhadores da indústria é do sexo masculino, que operam os maquinários. As
mulheres quando contratadas, em sua maioria, é para os trabalhos terceirizados,
geralmente limpeza, que não possuem os mesmos direitos trabalhistas. Essa
diferenciação das condições de trabalho entre homens e mulheres é uma realidade
também no trabalho no campo, quanto para os trabalhos com carteira assinada
prevalece o sexo masculino, voltados para plantio, aplicação de produtos, vaqueiros
e outros e, no caso do emprego feminino, esse se faz nos períodos de colheita e
limpeza, onde se paga pela produção. Assim, pode-se afirmar que mesmo diante
das dificuldades vivenciadas pela classe trabalhadora em geral, nas regiões em
estudo, essa realidade é muito mais cruel para o universo feminino dessa classe.
Nesse contato com o sindicato das indústrias de suco cabe salientar que
embora se verifique um processo de consciência de classe por parte de sua
105
direção, da consciência de que são explorados, vê-se que esses encontram-se
engessados em suas ações presos as amarras do capital – representado pelas
indústrias. A direção do sindicato, em entrevista realizada em junho de 2008,
esclarece que tem tido muitas dificuldades em reunir os trabalhadores para as
Assembléias. Apesar disso, tivemos a oportunidade de presenciar alguns desses
encontros que podem ser visto na foto 17 a seguir. Na foto 18 pode-se observar a
sede do SINDISA, localizado no município de Estância/SE. Além disso, destaca que
a Subdelegacia do Trabalho de Estância fechou e que inexiste fiscalização do
Ministério do Trabalho na região, fato que cria um clima de medo e descrédito nos
trabalhadores, tendo em vista que as denúncias feitas nunca são, efetivamente,
apuradas. Que quando se tem uma atuação no sentido de atender os interesses da
classe trabalhadora essa se faz através da ação do Ministério Público Federal.
Foto 17 – Assembléia do SINDISA.
Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008.
Foto 18 – Sede do SINDISA/Estância/SE
Fonte: Trabalho de Campo, out. de 2008.
A direção do sindicato das indústrias de suco relembra das ações
impulsionadas por esse sindicato até a década de 1990 quando o poder de
mobilização da classe trabalhadora era muito maior. Retrata, por exemplo, a
ocupação da fábrica da FRUTENE (que já fechou) para firmar contrato com o
proprietário. Nesse episódio a fábrica foi fechada algumas horas, forçando a direção
a assinar o acordo voltado para o atendimento de demandas trabalhistas. Vê-se, até
106
esse momento, que o poder de mobilização dos trabalhadores, uma vez que parou
as máquinas que, por sua vez, acaba por afetando a possibilidade da margem de
lucro do patrão, acabou forçando o mesmo a conceder “ganhos” aos trabalhadores.
Essa realidade, segundo a direção sindical, é praticamente inviável de ser realidade
hoje, devido à desmobilização da categoria, bem como a fragilidade do sindicato em
atuar no enfrentamento aos patrões.
Hoje não se faz mais isso, porque não tem mais força na categoria
para mobilizar nem por uma hora, porque o desemprego é muito
grande. A categoria tem medo. Na Frutos Tropicais, que tinham 1200
empregos faltava trabalhadores, hoje isso não existe mais. Há um
quadro de demissão rotativo, mas eles alegam problemas (...). Na
AMBEV, por exemplo, há uma grande quantidade de trabalhadores
que pedem demissão, uma média de 30 trabalhadores/ano devido às
condições de trabalho. O sindicato já denunciou. Eles perdem
trabalhadores para a TropFruit, para fábricas de cimento, etc.
(Entrevista com J. D. S – Direção do SINDISA, julho de 2008).
Considerando-se
o
desemprego
nas
indústrias
associando
ao
desemprego no campo e nas cidades da região, pode-se destacar a existência não
apenas de um significativo exército de reserva, mais de uma superpopulação relativa
que já não apresentam possibilidades concretas de se inserirem no mercado de
trabalho, demonstrando os efeitos diretos, nessas regiões, do desemprego estrutural
característica desse momento atual da crise do capital.
Ao tratar desse assunto Marx (1984) aponta a superpopulação relativa,
nos matizes possíveis, afirmando que ela possui formas: líquida, latente e estagnada.
Demonstra que com a indústria moderna a superpopulação existe em forma fluente
ou líquida. Afirma ainda que a produção capitalista se apodera da agricultura e que
parte da população rural encontra-se, constantemente, na iminência para se transferir
para o trabalho urbano. Esclarece que a superpopulação relativa estagnada constitui
107
parte do exército ativo e é composta por trabalhadores de ocupação irregular. Além
disso, aborda a superpopulação relativa na esfera do pauperismo, abstraindo os ditos
“vagabundos”, delinqüentes, prostitutas e o lumpem proletariado, esta última camada
social constituindo três categorias: os aptos para o trabalho; os órfãos e crianças
indigentes; os degradados, os maltrapilhos e os incapacitados para o trabalho.
No caso das regiões em estudo, acrescenta-se o fato de que esse
processo de transferência da população do campo em direção às cidades, embora
não tenha promovido a expropriação completa dos camponeses, torna-se significativo
nas últimas décadas, fato que promove um crescimento significativo da população
urbana da maior parte dos municípios dessas regiões estudadas. Ocorre que tal
processo não representou possibilidades concretas de melhoria para a classe
trabalhadora, visto que apesar das cidades da região apresentarem um crescimento
nas atividades comerciais essas não são suficientes para atender a demanda
crescente dos que deixaram ou foram expulsos do campo.
Nas indústrias a quantidade de empregos também é pequena, não
representando alternativa para a grande maioria do conjunto dos trabalhadores.
Assim, uma estratégia desenvolvida por parte dessa população é a mobilidade do
trabalho. Essa, por sua vez, não impede a ampliação dos índices de pobreza e
marginalidade que passa a atingir, sobremaneira, parte da classe trabalhadora. Além
disso, a informalidade, a precarização, a subcontratação (haja vista determinados
trabalhos nas fábricas, por exemplo) evidenciam a presença marcante desse
momento de produção flexível do capital. Assim, consideramos a situação da classe
trabalhadora hoje muito mais grave do que aquela apontada por Marx, em finais do
século 19, tendo em vista que grande parte dessa, que forma a superpopulação
108
relativa, não tem nenhuma chance de se inserir no mercado de trabalho, ainda que
precarizado.
Essas condições se agravam nas regiões em estudo tendo em vista o
controle privado da terra nas mãos de poucos latifundiários e empresas rurais que
controlam parte significativa das terras agricultáveis dos municípios. Essa
concentração fundiária, indicada pelo índice de Gini e demonstrada no capítulo 1
desta tese, acaba por impedir que essa superpopulação relativa possa ter na posse
da terra uma possibilidade de se reproduzir socialmente. A exceção desse processo
vem sendo implementada via movimentos de luta pela terra, que se multiplicam em
acampamentos e assentamentos rurais nas regiões em estudo, assunto que
trabalharemos no capítulo 4. Nesse caso, ocorre um enfrentamento concreto entre
classes
sociais
antagônicas,
que
representam,
concretamente,
as
próprias
contradições embutidas na relação capital versus trabalho. Por meio do estudo do
território, torna-se possível, assim, capturar tais contradições e sua materialidade
concreta pode ser verificada nas áreas do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de
Sergipe.
Ao analisar a aliança entre capital e latifundiários no Brasil, Martins (1994)
afirma tratar-se de uma aliança do atraso. Ele destaca a captura do desenvolvimento
pela ideologia do crescimento, e a luta por direitos tidos, mas não aplicados ou não
reconhecidos nas relações reais. Desta forma “as constituições feitas para não serem
cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e
oligarquias são fenômeno corrente em toda história da América do Sul” (p. 137).
Nota-se a expansão capitalista no campo e a incorporação de novas áreas
pelo capital com o crescimento verificado na produção, bem como na área colhida
dos municípios citrícolas de Sergipe e de municípios do Litoral Norte da Bahia.
109
Ampliação dos conflitos e forte participação dos movimentos sociais na tentativa de
conter o movimento avassalador da implementação tecnológica, os ditames do
processamento industrial e ao sabor (quase sempre amargo para o proletariado) do
capital financeiro.
Este novo processo de produção interfere diretamente na urbanização, na
expansão do território de produção e no consumo. O processo de apropriação se
acentua e o produtor é diretamente envolvido pela introdução de novas tecnologias.
Assim, a remuneração do trabalho do produtor rural se dá via produto, segundo as
conveniências da produção industrial e da rede de intermediação.
Muitas são as denuncias das péssimas condições de vida e de trabalho a que
estão submetidos os proletários rurais da região citrícola do Centro-Sul de Sergipe e
Litoral Norte da Bahia, com destaque ao trabalho da mulher e infantil, mais intenso e
amplamente explorado em ocasiões de colheita da laranja. Nesses tipos de trabalho,
voltados, principalmente a colheita dos frutos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
destacam a não utilização dos equipamentos necessários, como luvas, por exemplo, o
que acaba acarrretando problemas na vida desses trabalhadores. Um dos mais
evidentes é a perda das impressões digitais favorecidas pelo contato direto das mãos
com o ácido cítrico, que atinge diversas crianças.
Assim, ao lado de todo processo de tecnificação da atividade citrícola, pode-se
afirmar que o processo de expansão agrícola no campo “apresenta-se mostrando todas
as contradições e caráter violento de modelos inadequados à realidade dos
camponeses e trabalhadores rurais” (DINIZ DOS SANTOS, 2004, p. 260). Além disso,
Diniz dos Santos (2004) denuncia a exploração do trabalho infantil, que ainda
prevalece em algumas propriedades da região. Da mesma forma, o trabalho feminino
é desqualificado e recebe menor remuneração.
110
Quanto ao trabalho de crianças em propriedades rurais da região, faz-se
necessário observar que apesar da luta incessante travada por sindicalistas da região
(em destaque Carlos Gato, que foi barbaramente assassinado) em prol da erradicação
do trabalho infantil, os produtores rurais e atravessadores têm conseguido burlar a lei e
continuam a explorar essa força de trabalho, com baixa remuneração e causando
enormes prejuízos à saúde destas crianças. Os menores costumam apresentar
problemas de vista, chegando até a cegueira, há também a perda das impressões
digitais (por conta do acido cítrico), perda da infância, da possibilidade de freqüentar a
escola, dentre outras questões.
Em pesquisa realizada em 1994, na mesma região, verificou-se
que, em 50% das propriedades entrevistadas, a mão-de-obra
infantil era utilizada, já que não havia uma fiscalização efetiva como
ocorre na atualidade (isto em função do trabalho de denúncia
realizado pelo Sindicalista Carlos Gato, que ficou conhecido
mundialmente). Entretanto, as famílias de produtores entrevistadas
em 2002/03 vêem no trabalho dos filhos menores uma possibilidade
de ganhar um pouco mais e, assim, melhorar as suas condições de
vida. (DINIZ DOS SANTOS, 2004, p. 141).
Por outro lado, apesar da atuação de Programas Federais para Erradicação do
trabalho infantil (como o PETI e o Bolsa Família), constatou-se que muitos
trabalhadores têm dificuldades para sobreviver sem a ajuda dos filhos (trabalhando na
roça), já que o recurso pago pelos Programas atuantes é insuficiente para a
subsistência das famílias. Assim, cabe uma distinção entre o trabalho infantil em
propriedades de outros e o trabalho familiar que sempre fez parte da lógica de
sobrevivência camponesa, inclusive com trabalhos desenvolvidos pelos filhos.
Contudo, há que se pensar em garantias para que essas crianças não sejam fadigadas
pelo trabalho, bem como tenham acesso a escola.
111
As condições de vida dos trabalhadores rurais nas regiões em estudo se
agravam ao considerar-se que o pagamento do trabalho realizado pela maioria dos
mesmos não tem sido de responsabilidade dos proprietários fundiários, mas dos
chamados “gatos”, “donos de turmas”, ou “gerentes”, que compram a laranja no pé e
providenciam os trabalhadores para colher. Assim, há uma precarização ainda maior
das condições, com os proprietários isentos de qualquer responsabilidade trabalhista.
Os trabalhadores também não são bem assistidos pelos “donos de turmas” e chegam a
se arriscar, permitindo serem transportados diariamente em caminhões, sem a menor
condição de segurança.
Cabe relacionar este esquema perverso de exploração do trabalho ao elevado
índice de desinformação dos trabalhadores rurais da região, refletindo a degradação
das condições objetivas em que vivem, que muitas vezes não sabem se trabalham com
carteira assinada ou não, conforme afirmou um dos trabalhadores entrevistados: “(...)
não sei dizer, sou analfabeto, quando o dono traz papel eu assino” (A. S – Trabalhador
Rural – Arauá, Julho de 2008). Ainda considerando a realidade dos trabalhadores
entrevistados é visível que parte significativa desses é composta de camponeses que
perderam à terra por ocasião da valorização das mesmas, ou ainda detém um pedaço
de terra e, em determinados momentos do ano, se empregam nas propriedades rurais
de
outros
a
fim
de
garantir
a
sobrevivência
da
família.
Assim,
esses
camponeses/proletários ou proletários /camponeses vão, nas dificuldades da vida,
buscando garantir o trabalho, com condições cada vez mais precárias de existência.
Alguns desses exemplos de camponeses que se proletarizaram podem ser
observados nos depoimentos que se seguem:
112
As condições não dava, tinha 5 filhos, vim para trabalhar. A
propriedade da minha mãe era pequena, não dava” (João Santos de
Jesus – Agricultor em Boquim). E ainda outro declara que: “(...) Já
tive roça, hoje não tenho mais. (...) Tô com problemas de vista, acho
que é decorrente do veneno (agrotóxico), eu aplico há 14 anos. (...)
Fiz exame de vista com meus esforços. (...) Aqui tem laranja e gado e
o dono dá algumas tarefas para posseiros – eles fazem plantio. A
troca é cuidar do laranjal. (...) No passado eu trabalhava com 30 a 40
pessoas, vários meninos. (...) Trabalho com veneno, as vezes com
fome, quando eu morrer eles botam outro no lugar”. (A. dos Santos –
Trabalhador Rural em Arauá).
A partir de tais depoimentos dos trabalhadores expropriados nas
regiões em estudo constata-se um agravamento dessa situação mediante as
constantes crises a que ficam submetidos os camponeses que vivem do plantio
da laranja, pois isso representa seu endividamento e a possibilidade da perda da
terra, acrescendo o já significativo exército de reserva existente na região. Para
aqueles que já encontram-se, totalmente, proletarizados, destaca-se ainda a
degradação das condições de trabalho, principalmente para os que realizam
trabalhos mais perigosos, como a pulverização. A grande maioria dos
trabalhadores que desempenham tais funções não utiliza os equipamentos
necessários, ocasionando-lhes sérios transtornos como: problemas de vista,
enxaquecas, intoxicação e, até mesmo, cegueira.
Em pesquisa realizada no ano de 2004, constatamos nas regiões do
Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe que 70% dos trabalhadores
entrevistados não recebiam orientação técnica para utilizar produtos químicos.
Alguns declararam receber orientação dos pais ou parentes, ou mesmo de outros
trabalhadores que já aplicavam esses produtos há mais tempo. Nessa
investigação, verificou-se, por parte dos trabalhadores, o estabelecimento de
estratégias utilizadas para amenizar os efeitos nocivos dos produtos químicos
utilizados nos laranjais, como o depoimento da trabalhadora rural Josefa dos
113
Santos, do município de Boquim, que declarou: “tomo leite e bombo contra o
vento”. Entretanto, essa atitude não garante nenhuma segurança aos
trabalhadores. A falta de fiscalização acaba por legitimar tais práticas e garante
um elevado índice de intoxicação de trabalhadores por agrotóxico, conforme
informações fornecidas pelos sindicatos.
Essa situação se agrava ao considerar-se que no cultivo da laranja o
uso de produtos químicos é intenso, mediante toda uma relação de dependência
fundamentada na aliança entre indústrias produtoras e o Estado a fim de atender
os interesses das primeiras e das indústrias de suco instaladas na região. Essa
relação foi amplamente discutida por Oliveira, Vanessa D. (2007) em seu estudo
sobre a inserção de tecnologias na produção da laranja no município de Lagarto,
fundamentada na presença de indústrias produtoras de insumos químicos
multinacionais como a Monsanto, por exemplo.
Os trabalhadores e produtores entrevistados relatam que a utilização
de tais produtos ocorre para evitar a proliferação da orthésia e do CVC. Os
trabalhadores relatam ainda que as pulverizações são mais constantes no
período mais quente, quando pode ocorrer uma proliferação de pragas e doenças
de forma mais rápida. Há também os cuidados constantes com os pés novos,
nos quais, segundo eles, a pulverização se faz necessária para permitir o
crescimento. Sobre isso é preciso observar que “as necessidades” na utilização
dos produtos químicos não se constitui algo natural, inevitável, mas faz parte de
uma política que atende “as necessidades” do capital, não dos trabalhadores e
pequenos camponeses que se mantêm na terra com dificuldades. Por outro lado,
a negação a utilização de tais produtos, para os que ainda detêm a terra acaba
por representar, muitas vezes, a impossibilidade de se manter no processo
114
produtivo. Essas contradições, por sua vez, têm representado dificuldades
concretas para a classe proletária nas regiões em estudo.
Apesar de parte significativa dos trabalhadores rurais e camponeses
entrevistados serem sindicalizados, cerca de 70%, apenas a metade desses já
participaram de alguma forma de mobilização em busca de seus direitos, em que
as ações mais realizadas foram: manifestações junto às prefeituras locais, em
busca de melhores condições de trabalho, salários melhores, combate ao
desemprego e outros. Por outro lado, afirmam que pouco ou nada conseguiram,
fato que cria nesses trabalhadores já tão fadigados pelo trabalho árduo um clima
de descrédito que conduz a uma desmobilização da classe.
Por conta disso, a vinculação dos trabalhadores aos Sindicatos se faz
muito mais por causa do acesso aos serviços previdenciários (viabilização de
aposentadoria e acesso a serviços de assistência médica e odontológica) do que
a partir de uma conscientização de classe. Mutilados pelo trabalho a luta pela
sobrevivência famigerada acaba se sobrepondo a uma possibilidade de luta
coletiva, na condução da superação da situação existente. Vê-se, portanto, o
enfraquecimento do papel do Sindicato, que ao invés de organizar os
trabalhadores em busca de melhorias das condições de trabalho, acaba
assumindo um caráter assistencialista, tomando para si funções que são de
obrigação do Estado.
A precarização do trabalho se agrava nessas regiões em função do
aumento considerável de trabalhadores volantes ou bóias-frias nos períodos de
colheita, que são levados as propriedades pelos donos dos caminhões ou donos
de turmas. Em algumas propriedades, esse número chega a 30, 40
trabalhadores, a depender da safra. Já nas propriedades menores, camponesas,
115
o que prevalece é o trabalho familiar ou, em alguns períodos, contrata-se de um
a dois trabalhadores para ajudar na colheita.
Quanto ao preço pago pela diária, apesar de os trabalhadores
declararem receber R$ 20,00 por dia, e o equivalente a R$ 100,00 por semana,
constataram-se casos de alguns que recebem uma remuneração inferior entre
R$ 15,00 a 18,00 por dia. No que se refere à remuneração dos trabalhadores
sazonais, destaca-se o fato dessa ocorrer por produção, por caixa de laranja
colhida – que fica em torno de 0,60 a 0,80 centavos por caixa. No geral essa
remuneração é muito baixa ao final do dia. Além disso, a remuneração
conseguida altera muito durante o ano, em que nos períodos de safra o
trabalhador pode chegar a receber um pouco mais, mas no período de menor
produção tem uma quantidade estipulada para colher, dada pelo empreiteiro,
ficando com uma remuneração bem abaixo das suas necessidades. Nesses dias,
de acordo com alguns dos trabalhadores entrevistados, a remuneração pode
chegar a R$5,00 ou até menos. Assim, a situação precária do trabalhador rural
se agrava em períodos de entressafras, quando eles passam vários meses sem
conseguir trabalhar, pois os “gatos” não levam todos os trabalhadores, escolhem
alguns e estipulam a quantidade que esses podem colher26. Verifica-se, portanto,
um aumento significante de um exército de reserva de trabalhadores que se
submete a qualquer esquema perverso de exploração e remuneração a fim de
garantir sua precária subsistência. Considerando essa questão em estudo
realizado no Sudoeste da Bahia Souza, S. T. (2008, p. 304) acrescenta que:
26
Em uma espécie de seleção, onde os mais “fortes” e “aptos” para garantir um trabalho mais
“eficiente” são escolhidos. Esse processo vem ocorrendo em várias regiões do país, a exemplo do
monocultivo da cana-de-açúcar em Minas Gerais, em que os trabalhadores mais “produtivos” são
colocados como exemplo para os demais trabalhadores que devem alcançar a mesma quantidade
de toneladas no corte da cana. Essas condições aviltantes de trabalho são denunciadas por Maria
Aparecida Morais Silva, no livro Errantes do Fim do Século.
116
(...) o discurso da “mão-de-obra” pouco qualificada, aliado a um
exército de reserva crescente, provoca o rebaixamento da
remuneração paga, além do aumento da carga horária de trabalho,
levando os latifundiários e as empresas a garantirem consideráveis
fatias de renda e lucro. Assim, o que chamam de “evolução
tecnológica” ao invés de produzir tão destacado “desenvolvimento”
encontra ecos na precarização do trabalho, quando estas relações
não chegam à semi-escravidão e a escravidão. Exemplos de
flagrantes de trabalho escravos nos grotões do agronegócio brasileiro
não faltam – na cana, na produção de gado, na soja, etc.
O desempregado se generaliza nas regiões em estudo e corresponde
a realidade de muitos trabalhadores, e mesmo daqueles que só conseguem
trabalho em determinados períodos do ano, com destaque para funções
precarizadas em que não se tem garantia dos direitos trabalhistas mínimos.
Esses trabalham na colheita, outros na enxertia (durante o verão), dentre outras
atividades. Já os poucos entrevistados que trabalham nas propriedades, recebem
uma média de R$ 100 por semana. No que se refere à jornada diária de trabalho,
ela pode variar bastante, pois alguns trabalham como fixos, outros como diaristas
e alguns também por produção (ou seja, por caixa de laranja colhida). Assim,
neste último caso, sobretudo em período de colheitas, os trabalhadores chegam
a trabalhar 10, 12 horas por dia e até mais. Quanto aos diaristas e trabalhadores
fixos a média é de 8 a 9 horas de trabalho diário, de acordo com as informações
prestadas durante as entrevistas.
Por conta da intensa precarização do trabalho agrícola, parte
significativa dos trabalhadores entrevistados (cerca de 70%) e mesmo
camponeses que mantém pequenos pedaços de terra afirmam buscar em outras
atividades uma complementação da renda, a fim de assegurar a subsistência
familiar. Assim, eles desempenham funções de tratoristas, pulverizadores,
117
limpadores de outras roças, criadores de animais de pequeno porte
(principalmente galinhas), estudantes, carregadores de caminhões, coletores de
madeira e esterco; além de ajudantes de pedreiro (em cidades e povoados
próximos), vendedores de animais e produtos agrícolas. Entre os filhos dos
camponeses e trabalhadores a busca de trabalhos nas cidades acaba levando a
mobilidade intensa desses jovens que trabalham nos serviços domésticos,
ajudantes de pedreiro, dentre outros serviços que por não necessitar de maior
qualificação se reverte em uma baixa remuneração para esses trabalhadores.
Ao se considerar tal questão, não se está aqui defendendo que as
atividades agrícolas perderam importância ou que o emprego no campo tem sido
viabilizado por meio de atividades não-agrícolas, como preconizam os teóricos do
Novo Rural27. Para nós, mais que isso a luta pelo trabalho, seja no campo ou nas
cidades, vem a representar as dificuldades concretas para a sobrevivência da
classe trabalhadora, que muitas vezes têm que desempenhar dupla ou tripla
jornada de trabalho para garantir a sobrevivência. Portanto, representa novas
investidas do capital sobre o trabalho e formas crescente de extrair desses maistrabalho com menor remuneração. Quanto ao estabelecimento de atividades
pluriativas no meio rural, cabe destacar que conforme apontam diversos teóricos
sobre o campesinato como Teodor Shanin (1980), Henri Mendras (1980),
Ariovaldo Oliveira (2001) e Larissa Bombardi (2004) o campesinato, ao longo de
sua trajetória histórica, sempre desenvolveu atividades pluriativas, mas essa se
faz como uma estratégia de reprodução dessa classe. Isso não significa dizer
que a terra perde a importância, muito pelo contrário, essa continua sendo
27
A exemplo da José Graziano da Silva e na Bahia o economista Vítor de Athayde.
118
central, como forma de manutenção da família, por meio do trabalho. Sobre isso,
Souza, S. T. (2008, p. 304) arremata que:
Com isso, se de um lado o discurso da pluriatividade aponta para
uma maior disponibilidade de tempo do agricultor para realizar
atividades não agrícolas, para nós, mas parece um aumento da
precarização do trabalho, aliada a realização de jornada dupla de
trabalho, o que permite concluir que agora o trabalhador rural não
mais consegue se reproduzir socialmente apenas com o trabalho
agropecuário (frente ao rebaixamento dos salários, maior
exploração, etc.) sendo obrigado ainda (ou seus filhos e outros
membros da família) a realizar dupla jornada de trabalho em
atividades não agrícolas. Portanto, para além de representar uma
nova opção para o trabalhador, representa, exatamente, o contrário
– novas formas de sujeição a que os trabalhadores estão expostos.
Nessa leitura o trabalho, condição fundamental de reprodução social
do operariado, passa a ser visto como “ocupação”, dando indicativos para se
justificar a precarização das relações de trabalho realizadas no campo.
Quanto aos acidentes de trabalho, foram relatados pelos trabalhadores
entrevistados alguns problemas devido ao uso indiscriminado de produtos
químicos (agrotóxicos) provocando intoxições, hipertensão, alergia, ploblemas de
vista, dentre outros. O manuseio de equipamentos como a grade, facão ou
machado e tratores (no caso dos tratoristas) também são constantes motivos de
incidentes relatados pelos trabalhadores. Também detectamos casos de
trabalhadores que se acidentaram ao se deslocar para as propriedades em
caminhões superlotados e sem nenhuma segurança, lembrando que o transporte
é feito pelos gatos, donos de turma, conforme já destacado anteriormente. No
referente às providências tomadas, todos dizem terem sido socorridos pelos
patrões, gerentes ou donos de turmas e levados a postos médicos e hospitais,
onde foram atendidos. Tais atitudes, entretanto:
119
(...) não minimizam os riscos constantes a que estão expostos os
trabalhadores rurais da região, e não isentam os atravessadores,
alguns proprietários e, sobremaneira, o Estado, na garantia das
condições mínimas de segurança e dignidade que devem ser
asseguradas a qualquer ser humano (DINIZ DOS SANTOS, 2004,
p. 143).
Sujeitados a todos esses obstáculos: baixa remuneração, incerteza no
trabalho, risco nos transportes e até nas propriedades, periodicidade da safra,
cuidados no cultivo e tratos culturais, problemas causados pelo uso de
agrotóxicos, os sujeitos – proletários rurais almejam algumas melhorias para as
suas condições de vida e de suas famílias, principalmente: melhorias salariais,
concretização do sonho da aposentadoria, do desejo de comprar um carro e se
tornar dono de turma, do anseio de ter um pedaço de terra para produzir; Ele
também deseja trabalhar para si próprio, arrumar emprego para si e para os
parentes, formar-se e buscar melhor situação na vida.
Octávio Ianni (1984) afirma que à medida que se desenvolvem as forças
produtivas e as relações de produção, tanto se forma ou expande a grande
empresa como se desenvolvem as classes sociais. Desenvolvem-se – econômica e
politicamente – tanto a burguesia de base agrária (com ou sem vínculos na cidade)
como o proletariado rural. As classes sociais e a empresa capitalista passaram a
ser elementos essenciais da sociedade agrária. É claro que de modo variável,
conforme a área, o Estado ou a região do país. Em um mesmo Estado encontramse freqüentemente desenvolvimentos desiguais desses elementos.
Esse processo de proletarização é evidente nas regiões do Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia e se processa, de forma mais efetiva, a partir da
década de 1970. Mesmo com o deslocamento de camponeses do Centro-Sul de
120
Sergipe para o Litoral Norte da Bahia pode-se dizer que esse não impede o
processo de proletarização e a mobilidade do campo em direção as cidades. No
entanto, diferente das “promessas da modernidade” que parte das análises sobre o
urbano aponta, na realidade os trabalhadores das regiões em estudo não “tiveram
essa opção”, na medida em que foram expulsos do campo pela redução dos postos
de trabalho ou por que perderam suas terras de trabalho. Por outro lado, as difíceis
condições de vida encontradas por grande parte desses trabalhadores na cidade,
pode ser considerada o embrião da luta pela terra nesses locais, fato que se
consolida, de modo mais concreto, a partir da década de 1990.
Os proletários, por seu turno, seguem sua luta incessante pelo trabalho,
em que algumas expressões concretas desse processo nas regiões do Centro-Sul
de Sergipe e Litoral Norte da Bahia podem ser visualizadas nas fotos 19 e 20 a
seguir.
Foto 19 e 20 – Colhedores de laranja em transporte irregular. Boquim/SE.
Fonte: Trabalho de Campo, jul. de 2008.
Um dos graves problemas verificados nas áreas estudadas é o transporte
irregular de proletários rurais que estão, constantemente, sujeitos a danos à saúde
e até mesmo acidentes no trânsito. Inexiste uma fiscalização mais efetiva nesse
121
sentido, fazendo com que essas práticas criminosas se perpetuem. Nas fotos
acima, por exemplo, os proletários rurais são transportados em cima da carga de
laranja, sem nenhuma segurança. São esses que, com o suor de seu trabalho
produzem a riqueza dos laranjais baianos e sergipanos, e conforme já apontado por
Marx (2004), quanto mais produzem a riqueza mais pobres ficam, quanto mais
trabalham, mais alienados se tornam. Essa é uma realidade no país e nos locais de
pesquisa.
Por outro lado, não podemos perder de vista, conforme destacado por
Thomaz Junior (2004) que o trabalho é a base fundante “do autodesenvolvimento
da vida material e espiritual” (p. 21). Assim sendo, a luta pelo trabalho representa a
própria luta pela existência, em que, ainda que mutilados os trabalhadores não
podem abrir mão de almejar. Nas regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de
Sergipe essa luta pelo trabalho pode ser observada por meio de diversas
alternativas buscadas pela classe trabalhadora, que muitas vezes cria formas
“periféricas” de se integrar a “rede” de produção da laranja, seja montando
pequenos comércios nas beiras da estrada a fim de negociar a laranja para o
consumo in natura, seja carregando os caminhões que escoa a produção ou
comercializado a laranja e outros produtos nas feiras da região, dentre outras
expressões. Para aqueles que não possuem a terra, uma das formas de sobreviver
por meio do trabalho tem sido a ocupação das áreas públicas localizadas nas
margens das estradas, onde praticam uma agricultura tipicamente camponesa
voltada a subsistência da família. Não pode desconsiderar que essa “alternativa”, na
realidade representa o processo de expropriação da terra de grande parte dos
trabalhadores e camponeses da região, bem como o controle privado sobre as
mesmas, em sua maioria nas mãos das classes dominantes no campo. As fotos 21,
122
22, 23 e 24 demonstram algumas das formas de trabalho buscadas pelos
trabalhadores da região.
Foto 21 e 22 – Barracas nas margens da BR 101
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008
Foto 23 e 24 – Produção de cultivos de subsistência nas margens da BR 101
Fonte: Trabalho de Campo, Jun. de 2008.
É importante ressaltar que a comercialização da laranja in natura,
principalmente a verificada em barracas nas margens das estradas, muitas vezes,
acaba por representar uma alternativa frente à sujeição às indústrias, cujos preços
pagos são bem mais abaixo do que para o consumo in natura.
Além disso, o proletariado busca se inserir, precariamente, nas mais
diversas atividades vinculadas à produção de laranja desenvolvendo funções de
carregadores, colhedores ou por meio de trabalho esporádico ou não nas
123
beneficiadoras e fábricas de refrigerantes existentes na região. Essas indústrias se
valem da infraestrutura já montada para a produção desse cultivar e se aproveitam,
a baixo custo, da laranja que é rejeitada para o comércio in natura.
A dura realidade vivida por parte significativa dos trabalhadores nas
regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe pode ser observada no
depoimento do trabalhador E. S. de 30 anos que trabalha como carregador há 20
anos em beneficiadoras no município de Umbaúba/SE, cuja jornada de trabalho se
estende das 6:30 – 7h da manhã até às 21-22h. Trabalha na empreitada, recebendo
R$ 10,00 para cada tonelada de laranja descarregada, e se diz um aventureiro (já
que vive, constantemente, na luta pelo trabalho). Não é sindicalizado e não possui
nenhum direito trabalhista. Apesar disso, destaca o desejo de se sindicalizar, pois
para ele o sindicato pode criar as condições para que receba um salário, bem como
de atuar em casos de acidentes de trabalho. Já sofreu acidente de trabalho e não
foi assistido e destaca que muitos trabalhadores perdem a vida em cima dos
caminhões, fato que se agrava pela deficiente ou inexistência de fiscalização.
Declara que o que ganha “dá apenas para garantir o pão de cada dia”.
Para conseguir esses serviços, os trabalhadores ficam, geralmente, nas
portas das beneficiadoras, até aparecer os caminhões de compradores. Outros já
dispõem de contato com estes últimos e realizam o trabalho mediante preço
combinado. Também é muito comum encontrá-los nos postos de gasolina. O
carregamento é uma atividade bastante incerta, em que os trabalhadores passam
boa parte do ano sem conseguir nenhuma remuneração. (DINIZ DOS SANTOS,
2004). Além disso, destaca-se a grande quantidade de força física gasta pelo
trabalhador e o excesso de peso que repercute em problemas de saúde no futuro.
124
As Fotos 25 e 26 destacam trabalhadores em atividade em beneficiadoras da
região.
Foto 25– Carregadores em /Rio Real-BA.
Foto 26 – Trabalhadores após descarregar caminhão.
Fonte: Trabalho de Campo, Dez. de 2003.
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008.
Nas funções de gerente, encarregados de embalagens ou mesmo alguns
carregadores, os trabalhadores entrevistados declaram possuir carteira assinada e
parte dos direitos trabalhistas. A remuneração varia de um salário mínimo (R$
415,00) a R$ 600,00 quando fazem hora-extra. No geral apontam o salário como
sendo baixo frente às dificuldades para a manutenção da família. Constatou-se,
nessas entrevistas realizadas entre os anos de 2008 e 2009 uma significativa
mobilidade
do
trabalho,
tendo
em
vista
que
alguns
trabalhadores
já
desempenharam vários tipos de trabalho no campo e nas cidades, desde
agricultores e trabalhos em supermercados, postos de combustível nas várias
cidades da região e até mesmo deslocamento maiores já realizados para o Estado
de São Paulo, verificando-se trabalhadores que já chegaram a se deslocar mais de
5 vezes para esse estado.
Demonstrando essas contradições entre capital versus trabalho, entre a
produção da riqueza e da pobreza, um dos trabalhadores entrevistados destaca que
125
Boquim é conhecida como “a terra da laranja”, “o que dá a impressão que esse
município é rico, no entanto há um empobrecimento da população.” A partir dessa
afirmação, pode-se acrescentar que tal realidade não foge à regra do cenário
encontrado nas outras áreas agrícolas do país, em que os industriais e latifundiários
conseguem acumular, com todas as facilidades, e atrair
a grande parcela da
produção regional, em contraponto com a realidade dos trabalhadores e
camponeses que passam dificuldades.
Os trabalhadores entrevistados denunciam ainda que os mediadores
entre patrão e empregado, que são os atravessadores (também conhecidos na
região como gatos) vêm lucrando bastante no processo produtivo, se apropriando
de parte do produto do trabalho gerado pelos que labutam sem grandes esforços.
Esses atravessadores – donos de turmas – são responsáveis por reunir os
trabalhadores, providenciar o transporte (geralmente caminhões) e levá-los até a
propriedade. São eles que se responsabilizam em coordenar os trabalhos na
colheita. Nesse processo, constantemente, conseguem desviar da fiscalização –
exercida pelo Ministério do Público e da Polícia Rodoviária Federal.
O papel exercido por esses atravessadores poupa os proprietários
fundiários e os empresários do meio rural de assumirem os encargos trabalhistas,
adequado-se à lógica do trabalho flexibilizado, precarizado – característica do
processo de reestruturação produtiva que se mundializa e também ganha contornos
nas áreas pesquisadas. Para o proletariado, a precarização significa que esse tem
que trabalhar mais a fim de que parte do seu trabalho possa tanto sustentar as
classes proprietárias no campo quanto os atravessadores.
Ao relatarem as condições de trabalho nesses locais os proletários rurais
entrevistados afirmam não contar com alojamento ou local para cozinhar e realizar
126
as necessidades fisiológicas. Geralmente dormem em galpões, garagens ou
acampamentos improvisados. Cozinham em latas o que levam, sem as mínimas
condições de higiene. Alguns conseguem colher mais, outros menos, a depender da
agilidade na colheita e da disponibilidade do produto. Chegam a conseguir, no
máximo (nas épocas de safra), de R$ 40,00 a 50,00 por dia. Entretanto, nos
períodos de crise não conseguem nem R$ 15,00.
Pinto (1996) ao analisar o trabalho temporário na citricultura no CentroSul de Sergipe esclarece que a citricultura Sergipana está associada do processo
de mundialização da economia, na qual os espaços agrários são incorporados pelo
capital e, portanto, passam a ser explicados tanto no lugar em si, como decorrente
de relações comerciais estabelecidas a quilômetros de distância, acirrando os
conflitos entre capital versus trabalho. Para isso, fundamenta-se nas categorias de
análise da Geografia, com ênfase no espaço, território, paisagem e lugar e a partir
de então, busca aplicá-los na lógica de desenvolvimento capitalista, de forma
desigual e combinada, se faz presente no Centro-Sul de Sergipe desde a
incrementação da citricultura, enquanto atividade econômica principal na região.
Assim, baseando-se em Santos (1994) destaca que:
(...) a racionalidade capitalista tomou um maior impulso a partir da 2ª
Guerra Mundial, com grande desenvolvimento da ciência e da
tecnologia e sua aplicação no campo da produção. Esse
desenvolvimento, dá-se tutelado pelo Estado que cria condições
necessárias para a atuação das grandes corporações multinacionais
de capital monopolista, que acirraram a luta por mão-de-obra,
matéria-prima e mercado consumidor, subordinando as mais
longínquas parcelas do espaço, através da criação de formas
geográfica artificiais.
Esse processo culminou com a mundialização das relações de produção,
na tentativa de unificar a natureza e transformando o lugar no lócus de interesses
127
mundiais e locais. Acrescenta-se a isso o fato desses “trabalhadores temporários”,
serem totalmente previsíveis ao processo de acumulação capitalista, já que tratamse de trabalhadores constantemente disponíveis ao trabalho. Esses, na realidade,
ainda que considerados esporádicos, não desempenham um serviço temporário,
portanto sem continuidade, quando estão constantemente submetidos à lógica da
exploração. Essa “flexibilidade”
e degradação das condições de trabalho
impulsionada pelo trabalho eventual tem sido amplamente criticado pelo Ministério
Público do Trabalho de São Paulo e pelo Ministério Público Federal, na sentença
para Cooperativas Rurais Fraudulentas.
(...) a terceirização da colheita de laranja pela primeira requerida é
ilegal, como também é ilegal a atuação das cooperativas requeridas
na alocação de mão-de-obra para a colheita de laranja,
denunciando, outrossim, os elementos de convicção destes autos,
que as demandadas e os produtores rurais de laranja agem em
conluio,
objetivando
fraudar
direitos
assegurados
constitucionalmente aos trabalhadores rurais.
Conforme pode-se verificar as investidas do capital sobre o trabalho são
evidentes no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia e representa uma luta
constante da classe proletária não apenas para se manter no processo produtivo,
no trabalho explorado, na alienação, como também no sentido de buscar melhorias
em suas condições de vida. O processo de “modernização” do território,
representado pela expansão do monocultivo da laranja apresenta-se permeado de
contradições, uma vez que propiciou o controle das terras, em sua maioria, nas
mãos dos proprietários fundiários que vivem da renda da terra como também dos
grupos empresarias que contando com recursos públicos passam a se instalar
nessas regiões, valorizando e concentrando a terra e, por sua vez, promovendo o
processo de expulsão de grande parte dos camponeses que viviam da agricultura
128
de sequeiro, desenvolvendo cultivos voltados a reprodução das famílias, a
proletarização e a precarização das condições de trabalho. Instalando, a ordem
capitalista.
Por outro lado, pensando o território enquanto expressão material das
contradições existentes entre as classes sociais antagônicas, considera-se que
ainda que tenha ocorrido uma expansão das relações capitalistas de produção
essas não destroem por completo, até porque se apropriam, a produção
camponesa. Além disso, a expropriação promovida pelo capital e o crescimento
significativo de uma superpopulação relativa recria as possibilidades de
enfrentamento contra essa “lógica dominante” em que a luta pela terra via
movimentos sociais podem ser considerada. Assim sendo, contrariando a lógica do
capital que busca negar o trabalho, esse se reafirma enquanto condição ontológica
do homem, enquanto sobrevivência para milhares de trabalhadores.
Assim, a agricultura nos estados de Sergipe e da Bahia, não só viveu um
período de expansão de área, como também passou por um profundo processo de
mudança, tanto na forma de utilização do solo, como na base técnica da produção e
nas relações sociais de trabalho.
2.3 O processo de reprodução camponesa nas contradições do capital
Ao analisar a realidade verificada nas regiões do Centro-Sul de Sergipe e
Litoral Norte da Bahia há que se considerar que o capital avança no campo tanto
promovendo o processo de proletarização, expropriando os trabalhadores e
transformando-os em força de trabalho disponível ao assalariamento, quanto
reproduz e busca se apropriar do produto do trabalho gerado nas unidades de
129
produção familiar, aqui consideradas camponesas. Nesse sentido, concordamos
com Thomaz Junior quando esclarece a necessidade de se refletir sobre a classe
trabalhadora hoje, e no Brasil, quando essa não se restringe ao operariado fabril
mas a esses, trabalhadores terciários, camponeses, indígenas, seringueiros, etc.
Desse modo, retoma-se os estudos realizados por Luxemburgo (1985)
quando aponta que em seu desenvolvimento o capital promove a proletarização,
ampliando as relações capitalistas de produção (assalariadas) sem contudo destruir
as relações não-capitalistas de produção, mas buscando dessas relações se
apropriar. No âmbito do próprio marxismo, verificam-se significativos embates
teóricos sobre esse processo. De um lado a leitura de Lênin que em O
desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, publicado no ano de 1899, apontava
que devido à expansão capitalista verificada naquele momento histórico existia uma
tendência a proletarização, tão logo a divisão da sociedade em duas classes
sociais: capitalistas – donos dos meios de produção e trabalhadores – donos de sua
força de trabalho. Alguns anos depois, Rosa Luxemburgo, em A acumulação do
Capital, considera que o capital tanto promove o processo de proletarização como
reproduz as relações não capitalistas de produção. Esse pensamento passa a
influenciar pensadores do mundo inteiro e se referenda na existência de uma ampla
população camponesa em vários países. Na América Latina, por exemplo, essa é
uma realidade concreta.
São seguidores da matriz de pensamento elaborada por Luxemburgo o
russo Teodor Shanin, o francês Henri Mendras e no Brasil destacam-se José de
Souza Martins e na Geografia Ariovaldo Umbelino da Oliveira, que tem publicado
diversas pesquisas sobre o assunto. Esses autores consideram que o processo de
reprodução camponesa e a luta historicamente desses para permanecerem na
130
terra, bem como para entrarem na terra por via da atuação nos movimentos sociais
faz desses uma classe social. Outros autores buscam a partir da realidade da
reprodução camponesa e de outras formas de luta pelo trabalho ampliar o conceito
de classe trabalhadora, considerando os camponeses como parte dessa classe.
Essa é a leitura realizada na Geografia, por exemplo, por Thomaz Junior.
Nesse sentido, pode-se concluir que nas relações capitalistas a mediação
entre proletários e capitalistas se dá pela venda/compra da força de trabalho; já nas
relações ditas não Capitalistas esta ocorre pela renda da terra. Entretanto, conforme
destaca Oliveira (1986) o limite entre essas relações não podem ser tratadas de
forma simplista, já que as relações ditas não capitalistas, na verdade, seriam “(...)
apenas aparentemente não capitalista, mas que na essência de fato é capitalista”.
(p.66). Assim, concordamos com o autor, na medida em que entendemos que tanto
as relações capitalistas de produção, quanto àquelas ditas como não capitalistas,
estão no bojo do processo de consolidação e expansão do modo capitalista de
produção no campo, com profundos reflexos no trabalho.
Octávio Guilherme Velho (1979) apresenta a expropriação dos pequenos
agricultores, no caso do capitalismo autoritário, e afirma que os mesmos não são
destruídos pelo desenvolvimento capitalista (a não ser em parte), mas são mantidos
sob uma forma subordinada de produção e acumulação primitiva. Para ele, o
Estado foi forçado, nos países com esta característica, a assumir o comando de um
processo de modernização e transformação da sociedade a fim de não submergir.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira demonstra as contradições no campo
brasileiro (2001, p.11) destacando que:
Se, de um lado, o capitalismo avançou em termos gerais por todo
território brasileiro, estabelecendo relações de produção
especificamente capitalistas, promovendo a expropriação total do
trabalhador brasileiro no campo, colocando-o nu, ou seja,
131
desprovido de todos os meios de produção; de outro, as relações de
produção não capitalistas, como o trabalho familiar praticado pelo
pequeno lavrador camponês, também avançaram mais. Essa
contradição tem nos colocado frente a situações em que a fusão
entre a pessoa do proprietário da terra e a do capitalista; e também
frente à subordinação da produção camponesa, pelo capital, que
sujeita e expropria a renda da terra. E, mais que isso, expropria
praticamente todo excedente produzido, reduzindo o rendimento do
camponês ao mínimo necessário a sua reprodução física.
A persistência da pequena produção, com o desenvolvimento capitalista
na agricultura, aparece de forma clara na interpretação da articulação no modo de
produção capitalista (FAURE, 1978) ou da possibilidade de coexistir nas diversas
formas de organização da produção, como mecanismos utilizados basicamente à
reprodução. Explica-se a persistência da pequena produção (familiar) mercantil pela
especificidade das relações de produção da unidade familiar, pelos mecanismos de
subordinação que se reproduzem segundo a lógica da própria reprodução do capital
e das relações sociais em seu conjunto. Isto é demonstrado por Martins (1998, p.
21) quando afirma que:
A produção capitalista de relações não capitalistas de produção
expressa não apenas uma forma de reprodução ampliada do capital,
mas também a reprodução ampliada das contradições do
capitalismo – o movimento contraditório não só de subordinação de
relações pré-capitalistas, mas também de criação de relações
antagônicas e subordinadas não capitalistas.
Aqui, busca-se um esforço teórico no sentido de verificar a ação
integradora dos pequenos agricultores de laranja à indústria de suco e as novas
formas de gestão e controle do trabalho, dada expansão do trabalho terceirizado,
subcontratado e hifenizado que passa a caracterizar também a região em estudo. A
partir daí, enfatizamos o processo da dominação do capital através do entendimento
das relações sociais subjacentes a unidade familiar e dos mecanismos de
132
integração à produção social, destacando os elementos externos que atuam ao
nível da organização e da transformação do processo imediato de produção. Nesse
momento assiste-se uma tendência do camponês transformar-se em trabalhador
assalariado, como também de criar formas de permanência na terra enquanto lócus
da reprodução da vida; ou através da organização da luta pela terra por meio dos
movimentos sociais.
Acentuando a heterogeneidade das formas de organização da produção
como um dos mecanismos fundamentais à reprodução do capital, Amin e
Vergopoulos (1978) e Faure (1978) destacaram a permanência e a capacidade de
adaptação dos pequenos agricultores, que foram definidos como trabalhadores a
domicílio ou trabalhadores para o capital, a partir das novas formas de
subordinação do trabalho ao capital. Por outro lado não se pode negar que mesmo
subordinados ao capital o camponês salvaguarda características fundamentais que
o difere do trabalhador expropriado, assalariado. No geral esses detêm pequenas
frações de terra e controlam parte dos instrumentos de produção que utilizam.
Apesar disso, não se trata de considerá-lo como um sujeito autônomo,
independente das contradições do capital. Assim, conforme aponta Marques (2002)
o capital o subordina, mas não o organiza. Desse modo, busca-se compreender o
processo de reprodução camponesa no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da
Bahia e quais as formas que esses, ao mesmo tempo em que se subordinam ao
capital, buscam desenvolver para se manterem no campo e com isso não se
proletarizar por completo.
Consideramos que o processo de reprodução do campesinato nas
regiões em estudo ocorre tanto na permanência de centenas de famílias
camponesas na terra de trabalho, conforme pode-se verificar nos vários municípios
133
e comunidades rurais visitadas, através da relação de meia, em que aqueles que
perderam suas terras se sujeitam praticando relações não capitalistas de produção
(com base na renda em produtos, em espécie ou em dinheiro) e por meio da luta
pela terra que adquire uma dimensão mais ampla a partir da década de 1990 em
diante devido ao grande contingente de trabalhadores empobrecidos existentes no
campo e nas periferias da cidade sem trabalho, portanto, sem ter as condições para
garantir a reprodução social. Assim, trata-se de compreender que a reprodução
camponesa nas regiões em estudo tanto se faz por meio da permanência na terra
quanto por conta da resistência através dos movimentos sociais de luta pela terra,
em que o conflito entre classes antagônicas no campo se evidencia.
Nesse momento da pesquisa, trataremos de demonstrar que apesar da
expansão capitalista no campo verificada nas áreas do Centro-Sul de Sergipe, a
partir da década de 1960 e posteriormente Litoral Norte da Bahia da década de
1980 em diante, esse não destrói, por completo, a unidade de produção
camponesa. Considera-se que apesar do processo de valorização das terras e
apropriação de grande parte dessas por grupos capitalistas ou mesmo da
incorporação de terras não contínuas por grupos latifundiários da região e de fora
prevaleceu, no tempo e no espaço, prevalece uma significativa quantidade de
pequenas propriedades, que não ultrapassam 50 hectares e até mesmo unidades
muita
pequenas,
denominadas
minifúndios
originárias,
muitas
vezes,
da
fragmentação da terra de família.
Os dados referentes à estrutura fundiária de municípios do Litoral Norte
que vivenciaram nas últimas décadas a expansão do cultivo da laranja, bem como
do município de Itapicuru, localizado no Nordeste da Bahia, mas próximo do Litoral
134
Norte, atestam essa realidade contraditória presente no campo brasileiro. Esses
podem ser observados nas tabelas 08 e 09 que se seguem.
Tabela 08 – Evolução do índice de Gini e da Estrutura Fundiária em municípios do Litoral
Norte e do município de Itapicuru/BA, 1920-1995/6.
Municípios
ANO
1920
1940
1950
1960
1970
1975
1980
1985
1996
Jandaíra
0,956
0,726
0,804
0,864
0,878
0,871
0,856
0,887
0,869
Rio Real
0,897
0,621
0,783
0,776
0,803
0,789
0,774
0,842
0,840
Inhambupe 0,918
0,630
0,675
0,762
0,819
0,838
0,875
0,887
0,917
Itapicuru
0,676
0,733
0,701
0,793
0,767
0,800
0,848
0,789
0,978
Fonte: IBGE, 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1996.
Elaboração: Projeto GeografAR/UFBA
Adaptação: Janio Roberto Diniz dos Santos.
Os municípios dessa região em estudo apresentam considerável
concentração fundiária, classificados como de forte a muito forte, sendo que no
município de Inhambupe essa concentração classifica-se entre muito forte a
absoluta, fato que significa o controle quase absoluto nas mãos de poucos donos.
No geral verifica-se que na década de 1920 todos os municípios apresentavam uma
concentração fundiária entre muito forte e absoluta, possivelmente em função
dessas não terem sido efetivamente ocupadas até esse momento. Posteriormente,
já na década de 1940 já se verifica uma diminuição nesse índice de Gini, que,
contudo volta a crescer nas décadas posteriores, sendo que no ano de 1996 tem-se
uma concentração fundiária significativa em todos os municípios analisados. Para
visualizar melhor esses dados podemos observar a tabela 09.
135
Tabela 09 – Concentração Fundiária em municípios do Litoral Norte da Bahia e no
município de Itapicuru/BA, 1995/6
Propriedades com até 50 ha
Municípios Estabel.
Estabel. Área
Estabel.
(unidade) (ha)
(%)
(%)
(unidade) (ha)
(%)
(%)
Jandaíra
369
3257
82,56
7,7
6
15891
1,56
37,6
Rio Real
2473
17362
93,96
27,91
9
21149
0,34
34,02
Inhambupe 2120
11931
95,46
16,07
8
46638
0,37
62,79
Itapicuru
26434
92,48
33,24
6
12174
0,17
15,31
3351
Área
Propriedades com 1000 ha a mais
Área
Estabel. Área
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário, 1995/96.
Elaboração: Jânio Roberto Diniz dos Santos.
Considerando os dados referentes às propriedades com até 50 ha e
aquelas com 1000 ha ou mais, a desigual distribuição da terra nesses municípios
estudados torna-se evidente. Reafirma-se a concentração fundiária classificada
como muito forte a absoluta no município de Inhambupe quando apenas 8
estabelecimentos rurais detinham 46.638 hectares. Em termos percentuais esses
0,37% dos estabelecimentos detinham 62,79% da área no ano de 1996. Nesse
mesmo
município
duas
grandes
propriedades
somavam
33.814
ha,
o
correspondente a 0,99% dos estabelecimentos, mas controlavam 45,52% da área
total do município. No município de Rio Real 5 propriedades detinham uma área de
14.206 ha, correspondendo a 0,19% dos estabelecimentos, mas controlando
22,85% da área.
Dentre os motivos destacados pelos camponeses entrevistados nos
municípios da região, em Sergipe: Umbaúba, Lagarto, Boquim, Cristinápolis,
Salgado, Riachão do Dantas, Arauá, Pedrinhas e na Bahia: Inhambupe, Indiaroba,
136
Santa Luzia do Itanhy, Itapicuru, Acajutiba e Rio Real28, para a permanência na
terra destacam-se o fato desses viverem a muito tempo nessas, muitos com mais
de 30, 40, 50 anos, tendo sido a terra dos pais, onde criaram os filhos; bem como a
impossibilidade da vida nas cidades, porque sempre viverem e produziram na terra,
porque apesar das dificuldades gostam de viver na roça, dentre outras questões.
Vê-se, portanto, o apego a terra, compreendida por esses camponeses como lugar
de vida e de trabalho. A maioria desses camponeses possui baixo nível de
escolaridade e destacam não saberem realizar outro trabalho que não o na terra.
Claramente, verifica-se que esse apego a terra, a reprodução dos valores
camponeses acabam por garantir, em grande medida, a permanência dessas
famílias nas mesmas.
Entre os filhos desses camponeses, destaca-se uma considerável
mobilidade do trabalho em direção a cidade ou mesmo a outros estados do país.
Dentre os motivos que levam a essa realidade destaca-se o fato da terra ser
pequena para atender as demandas de toda família, que em geral é numerosa,
assim como para estudar ou em busca de empregos urbanos. Por outro lado, entre
os camponeses mais novos destaca-se o fato desses já terem desenvolvido vários
tipos de trabalho, tanto no campo quanto nas cidades e devido à impossibilidade de
permanecerem nesses espaços acabam retornando ao campo.
Apesar de se verificar essa “permanência” de grande parte dos
camponeses nas regiões em estudo na terra não se pode negar que esses sofreram
mudanças significativas em suas formas de organização social e produtiva,
principalmente em função da expansão da citricultura voltada aos interesses
capitalistas no campo.
28
É preciso salientar que também realizamos entrevistas e visitas e outros municípios que se
destacam na produção citrícola como Sapeuçu, Cruz das Almas, Santo Antonio de Jesus, no
Recôncavo Baiano.
137
Em pesquisas anteriores constatou-se que antes da expansão citrícola
nessas pequenas propriedades prevalecia um cultivo mais variado, voltado,
principalmente, para a satisfação básica como as plantações de mandioca, milho,
feijão e outros. Com o processo de expansão da monocultura da laranja voltado aos
interesses do capital agrário e industrial (sem esquecer da dependência dos
produtores via capital financeiro) ocorre um processo de inserção significativa
desses pequenos e médios na produção citrícola. Para tanto, há que se destacar o
papel desempenhado pelos estados de Sergipe e da Bahia, bem como do Governo
Federal que via incentivos creditícios e dotação de uma infraestrutura voltada à
criação de órgãos de pesquisa e extensão rural, acaba por “englobar” esses
camponeses que sonham com a melhoria das condições de vida.
Na prática, o que ocorre é um processo de inserção subordinada, visto
que o endividamento dos pequenos produtores torna-se significativo. Através de
dados coletados em campo, diversas famílias entrevistadas relatam encontrar-se
em dívidas com os bancos, principalmente o Banco do Nordeste da Brasil (BNB) e
Banco do Brasil e que, por isso tem dificuldades de continuar recebendo tais
recursos. Como o cultivo da laranja é custoso e a dependência dos produtos
químicos é significativa, repercute para esses em uma produção sem qualidade e
em preços baixos na comercialização.
Aqueles camponeses mais pobres que se mantêm na terra destacam não
possuir mais acesso ao crédito bancário, que os insumos necessários são caros e
que por isso a produção de laranja é pequena. Para se manter na terra, vêm
buscando produzir junto com a laranja os cultivos voltados à subsistência da família.
Essa é uma estratégia desenvolvida por esses camponeses para continuarem
sobrevivendo. Plantam a laranja para comercializar e os demais produtos, muitas
138
vezes consorciados, nas ruas da laranja. Como e terra é pequena o uso dessa é
intenso e insuficiente para garantir o sustento de todos da família. Como grande
desses camponeses são antigos, vivem na terra há muito tempo e já possuem mais
de 50 anos a aposentadoria acaba funcionando como um complemento da renda
familiar e os filhos, geralmente, trabalham fora.
Vivo na terra com a esposa e 4 filhos. Trabalho com a laranja desde
2000. O sítio de Itapicuru é todo com laranja e no de Rio Real tenho
14 ha (o total da propriedade é de 44ha). Além da laranja planto
mandioca, feijão, milho, sorgo, maracujá, batata e outros que são
para o consumo da família. Parte da laranja vendo paras indústrias
(TropFruit e Marata) outra parte vai para os atravessadores, que
levam, em parte, para a feira. Por meio da Associação (CEALNOR)
buscamos um preço justo para a produção. (D. C. D. – Camponês,
município de Rio Real, outubro de 2008).
Trabalho com laranja há 25 anos, mas também tenho roça de coco,
tangerina, pecuária de corte, galinhas (...). Vendo a laranja tanto
para o consumo in natura quanto para a Tropfruit. (...) Nos períodos
de dificuldades apelo para a produção de mandioca, milho, feijão,
amendoim, maracujá. O custo com a laranja é alta, tem controle de
pragas, investimento em controle biológico, etc. Aumento minha
renda com o beneficiamento da mandioca nas casas de farinha da
região de olho D’água. Lá tem 7 casas de farinha que pertence as
famílias mesmo. Uma é mecanizada e as outras manuais. (J. D. S.
– Camponês, município de Rio Real, julho de 2008).
Pelo depoimento dos camponeses entrevistados nota-se que, em primeiro
lugar, apesar da sujeição dos camponeses à indústria da laranja essa não ocorre
por completo, posto que, no geral, esses também participam do mercado in natura,
ainda que, na maioria das vezes fique dependente dos atravessadores – que nesse
caso é quem se apropria de parte de sua renda. Em outras entrevistas os
camponeses relatam que eles mesmos levam a produção para vender,
principalmente nas feiras livres da região que acabam funcionando com importante
local de compra e venda de produtos para essas famílias.
O segundo ponto e se considerar é que se por um lado o camponês se
subordina a produção da laranja, por outro não deixa de desenvolver outros cultivos
139
fundamentais a reprodução social de sua família, alternando ainda com a criação de
alguns animais de grande porte, com destaque a pecuária bovina, como também a
criação de galinhas, voltadas as necessidades das famílias. Assim sendo, não
abrem mão da roça diversificada, ainda que tenha no cultivo da laranja o principal
produto voltado à comercialização.
A produção de mandioca também tem representado uma alternativa
econômica para os produtores diretos. Dessa forma, buscam formas de enfrentar às
dificuldades da produção da laranja e os altos custos exigidos para manter a
produção com o mínimo de qualidade, além dos efeitos da crise e os preços baixos
conseguidos. Outra forma de comercializar a laranja ocorre nas fábricas de
refrigerantes (conhecidas como sukiteiras) existentes na região, em que as
exigências com a qualidade do produto não é tão efetiva. “Sempre vendo parte da
laranja para uma sukiteira de Sergipe, que fica a 40 Km daqui de Acajutiba” (R. S.
S.- Camponês/Município de Acajutiba/BA, Outubro de 2008).
No entanto, é inegável a importância da laranja enquanto cultivo
comercial nessas áreas em estudo. No caso dos municípios do Centro-Sul de
Sergipe como a expansão do cultivo da laranja iniciou-se há mais de 40 anos, esses
camponeses trabalham nesse cultivo há décadas, como demonstra os depoimentos
a seguir.
Trabalho na laranja desde 7 anos de idade. Comecei com meu pai
que foi pioneiro na região, ele começou em 1945. Foi um dos
primeiros sítios pequenos. Depois trabalhei nos sitos grandes da
região. Os grandes eram José Fontes, Euclides Melo, Germiniano
da Fonseca (já morreram). Hoje quem dá continuidade é Jorge da
Fonseca. As terras de Dr. Euclides foram vendidas pela família para
Antonio de Gileno. Já nas terras de José Fontes quem dá
continuidade é Horário Fontes. (Depoimento de L. R. Pereira –
Camponês – Município de Boquim/SE).
(...)Trabalhava na lavoura. No tempo em que era mais novo tinha
algodão, depois mandioca. Tinha milho, café, coco, depois comecei
140
a plantar fumo. No tempo do fumo plantava maniva no mesmo
terreno. Nesse mesmo terreno plantei laranja. Continuou laranja a
mandioca isso já há mais de 37 anos. (Depoimento de J. P. dos
Santos – Camponês/Município de Boquim/SE.)
Também nos municípios do Litoral Norte da Bahia, com destaque para
Rio Real os camponeses entrevistados declararam ter mais de 20 anos de
experiência no cultivo da laranja, ambos também influenciados pela chegada das
indústrias processadoras na região. Pode-se concluir que “a febre da laranja” atingiu
de maneira geral os proprietários rurais da região, desde os grandes proprietários
fundiários aos camponeses com pequenas porções de terra. Porém, em período
prolongado de crise da produção essas acabam por atingir de forma mais evidentes
esses camponeses que possuem poucos recursos financeiros.
Os grandes proprietários da região investem em outros tipos de cultivo e
criação, a exemplo da pecuária – bastante significativa nos municípios estudados.
Além disso, nessas propriedades contam com sistemas modernos de irrigação, que
permite a esses programar a produção para os períodos de maior escassez do
produto aumentando sua renda da terra. No caso desses produtores prevalece à
opção pelo cultivo comercial, em que as propriedades são destinadas, em grande
parte, totalmente ao cultivo da laranja.
Isso pode ser evidenciado em entrevista realizada com um proprietário
que possui uma área de mais de 1000 ha e declara que toda essa área é destinada
para o cultivo da laranja. Esse também produz suas próprias mudas, em viveiro
telado localizado em outra propriedade que possui no município de Cristinapólis,
que possui 300 mil plantas; situação bem diferente dos pequenos agricultores que
tem que comprá-las. Na comercialização da produção esse faz diretamente uma
vez que dispõe de caminhões para isso. Também conta com amplo sistema de
141
crédito disponibilizado pelo BNB e destaca que os prazos dados são acessíveis.
Filho de um dos maiores produtores da região declara ser sócio de uma indústria –
a Tropfruit do Nordeste e para essa destina a produção para o processamento
auferindo renda da terra e lucro.
Durante trabalho de campo realizado nos vários municípios da região
constatou-se, em todos os locais visitados, a presença preponderante do cultivo da
laranja. Conforme já apontado apesar de nas pequenas propriedades os
agricultores alternarem com outros cultivos a laranja ainda é predominante. Esses
destacam que apesar do baixo custo do produto e das dificuldades existentes na
produção possuem mercado certo para esse cultivo. Como não dispõem de formas
para escoar a produção, acabam vendendo para atravessadores – que se
apropriam de parte da renda camponesa.
Mesmo com todas as dificuldades decorrentes da sujeição desses
camponeses as indústrias de suco da região, percebe-se, por outro lado, que ele
não perde sua essência camponesa, no cultivo de produtos destinados a sua
subsistência, na manutenção de sua terra de trabalho.
Tenho uma terra de 10 hectares e seis filhos (três vivem aqui).
Cheguei aqui há 30 anos mais ou menos. Meu pai tinha terra no
Brejo, mais tinha 8 filhos e a terra não dava para todo mundo. Tenho
4 hectares plantados com laranja. Na outra parte crio galinhas e
planto feijão, milho, mandioca. Prefiro vender a laranja para indústria,
porque apesar de ser mais barato paga certo. Quando a safra é boa
colho 60 toneladas, quando não fica em 30, 33. Não quero
financiamento de banco, para o saldo ficar devagar. Na terra sempre
temos como trabalhar. (...) As mudas eram boas, mas ai criaram as
leis. (A. C. – Camponês – Santa Luzia do Itanhy, outubro de 2008).
Essa situação se agrava para aqueles que não possuem a terra e por isso
tem que viver na luta por conseguir um pedaço de terra para plantar através do
sistema de meia ou do arrendamento de pequenos lotes de terra. Nesses casos, os
142
camponeses sem terra trabalham em terra de outros e tem que pagar por isso, tanto
por meio de um aluguel (arrendamento) quanto entregando parte da produção, do
seu trabalho, ao proprietário da terra. (ver fotos 27 e 28 a seguir). Assim, para
garantir o sustento da família precisam trabalhar em dobro. Se não conseguem um
pedaço de terras nessas condições ou não dispõe de um recurso para arrendá-la,
acabam migrando a fim de desenvolver trabalhos nas cidades, ou mesmo no
campo, na condição de assalariado. Trabalham na colheita, como vaqueiros, no
serviço que encontrarem.
Foto 27 – Família Sem Terra (Meeiros)
Foto 28 – Trabalhadores meeiros
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. 2008.
Fonte: Trabalho de Campo, Nov. de 2008.
Essa realidade reafirma o que Thomaz Junior (2004) aponta a
plasticidade do conceito de classe trabalhadora que desenvolve vários tipos de
trabalho para sobreviverem. Contudo, na essência consideramos que esses
trabalhadores não deixam de ser camponeses, na medida em que o que almejam é
obter um pedaço de terra que acreditam ser condição fundamental para a
superação da escravidão a que encontram-se submetidos. Essa situação se agrava
ao considerar-se a concentração fundiária e a valorização das terras da região
inacessíveis as condições concretas desses trabalhadores.
Apesar do “discurso oficial” difundido pelos órgãos públicos e
associações rurais que declaram a inexistência de grandes disparidades quanto aos
143
tamanhos das propriedades da Região do Centro-Sul de Sergipe, o que também
acontece no Litoral Norte da Bahia, foi-nos possível identificar casos de produtores
minifundistas (onde a propriedade é menor que o módulo fiscal), até aqueles com
propriedades rurais que, juntas, ultrapassam seis mil hectares (esses possuem,
geralmente, propriedades em vários municípios, englobando, inclusive, municípios
sergipanos e baianos). Assim, o “mito” que se prega da “reforma agrária natural”,
não corresponde à realidade das regiões em estudo. Nesse sentido, buscou-se o
contato com diversos destes produtores, desde aqueles considerados como
minifundistas (muitos desses dispõem de menos de um hectare de terra, sendo
necessário complementar a renda da família com a venda da sua força de trabalho
em outras propriedades rurais, ou outras funções exercidas inclusive nas cidades),
até os pequenos, médios e grandes proprietários que controlam 4, 6 mil hectares e
até mais.
Sai em 1974, trabalhei em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, mas não estava mais tendo emprego. Voltei em 1988 e
comecei a trabalhar com a laranja. Minha terra tem 12 ha. Planto
laranja na maior parte. Nas outras planto maracujá, limão e coisas
para casa mesmo. Também tenho 25 cabeças de gado. No trabalho
na roça chego a ganhar R$ 600 a R$ 700, em média por mês. (D.
V. – município de Itapicuru/BA, fevereiro de 2009).
Uma
característica
forte
observada
nas
famílias
camponesas
entrevistadas é a presença de filhos desses na propriedade, muitos presentes nos
momentos da entrevista. Esses, geralmente, já nasceram na terra e trabalham com
a laranja, assim como os cultivos voltados a subsistência há muito tempo. Ao se
perguntar a esses jovens o porquê se mantêm na terra, são unânimes em afirmar
que nessas têm como viver, como trabalhar, além do apoio da família. No geral, já
realizaram fluxos migratórios na busca do emprego, inclusive nas cidades e por falta
144
de garantirem a reprodução social nesses espaços retornam para o campo. Como
os pais são pequenos proprietários, a fragmentação da propriedade é uma
realidade, daí encontrarmos famílias que sobrevivem em áreas muito pequenas e
fazendo uso intensivo das mesmas. Alguns desses entrevistados também se
deslocam, mas hoje muito mais em curto período de tempo e para locais mais
próximos, a fim de realizar algum tipo de trabalho em períodos onde a produção e
os recursos são mais escassos.
Apesar das dificuldades na manutenção da produção da laranja e dos
altos custos (controle de pragas, doenças) aliado aos preços baixos verificados nos
últimos anos, para esses produtores que viveram a realidade do desemprego nas
cidades o trabalho no campo ainda consegue manter a família. Como são pequenos
proprietários e por não terem como vender diretamente a produção ainda que
possuam uma renda mensal baixa para os padrões urbanos, cabe salientar que na
roça à economia monetária, do dinheiro, soma-se à lógica camponesa que
corresponde a tudo que retiram da terra com o trabalho que acaba por funcionar
como um complemento da renda familiar.
Da mesma forma, os “incentivos” disponibilizados para aqueles que
produzem a laranja ocorrem de forma diferenciada. Primeiro porque a maioria
desses recursos são abocanhados pelos que detém o controle sobre grandes
porções de terra – os latifundiários e as próprias empresas capitalistas. Segundo
porque quando esses recursos voltam-se aos pequenos agricultores isso se faz de
forma totalmente inadequada a sua lógica camponesa de existir. Os camponeses
não objetivam o mercado, a lógica do lucro como ocorre na agricultura capitalista.
Ele se insere nessa na perspectiva de melhorar suas condições de vida, mas não
abrem mão de manter a terra e a produção para as necessidades da família.
145
Almejam melhorias para a família, uma escola para os filhos, fartura na casa, não o
lucro da lógica capitalista. Também não vivem da extração da renda da terra, uma
vez que trabalham com a família e para essa. Se contratam trabalhadores de fora
isso ocorre esporadicamente, principalmente nos períodos de colheita quando
contratam 2 a 3 trabalhadores. Nas propriedades maiores e com melhores
condições esse número pode chagar a 8, 10 trabalhadores. Também, por vezes,
tendo em vista as dificuldades de tocar a produção acaba se assalariando. A essa
lógica camponesa busca se impor a lógica de mercado que quer fazer desse
camponês um produtor exclusivo da laranja, de forma que fique totalmente
subordinado as indústrias.
Em outros casos, o agricultor, pelas dificuldades em que se encontram,
opta por vender a produção no pé, em que a contratação dos trabalhadores fica a
cargo dos empreiteiros (os donos de turma), que passam a controlar a colheita e
comercialização a partir de então.
O crédito disponibilizado para grande parte dos entrevistados advém do
Pronaf, que destina recursos específicos para pequenos agricultores. Além disso,
declaram contar, esporadicamente, com orientação técnica dos órgãos públicos de
extensão rural existentes na região, mas esse volta-se, principalmente, para o
cultivo da laranja, demonstrando todo um direcionamento e interesse na difusão
desse tipo de produção.
Como não dispõem das mesmas condições objetivas dos latifundiários e
grupos capitalistas que atuam no campo, logicamente, essas desigualdades
acabam se reproduzindo na qualidade da produção, no retorno ao produtor direto,
endividamento dos mesmos e na constante ameaça da perda terra. Por conta disso,
ao mesmo tempo em que esses camponeses se vêm na luta constante por crédito,
146
de forma que consiga produzir, igual e contraditoriamente buscam negar essa
condição de dependência com o capital financeiro, representada pelo temor de
contrair a dívida e com isso perder a terra. Por isso, diversas famílias entrevistadas,
apesar da vida bastante precária declaram que não desejam o crédito, pois não
querem dívidas. Para aqueles que estão com dívidas destacam os juros abusivos
cobrados e as dificuldades que tem para pagar, outros não conseguiram pagar e
encontram-se devedores com os bancos.
Uma estratégia desenvolvida pelo camponês para continuar na terra, que
pode ser observada em trabalho de campo, é a migração para áreas que sofreram
de forma menor a “febre da laranja” promovida pelas indústrias. Um desses
exemplos é tratado por Kolming (2005) quando destaca que o cultivo de mandioca
tem representando a garantia da reprodução das unidades de produção familiar em
comunidades que se reproduzem no entorno do povoado Treze, no município de
Lagarto/SE, frente a todo incentivo voltado à citricultura. Destaca que essas
comunidades não aceitaram a submissão ao monopólio laranja e permanecem na
agricultura voltada para os interesses da família, portanto, tipicamente camponesa.
Assim, Conceição (2007, p. 92) afirma que:
Quando a produção é insuficiente para a manutenção da unidade
de produção familiar, comercializam frutas como manga, banana e
jaca, que demandam pouco investimento em insumos e menor
apropriação de parte da renda da terra camponesa pelo capital. A
venda direta nas feiras livres é a estratégia para evitar que o capital
comercial se aproprie de sua renda. Assim, permanecem
camponeses. (p. 92).
Outra estratégia de luta pela terra camponesa, a terra de trabalho, vem
sendo impulsionada pelos movimentos sociais que começam a se organizar na
147
região a partir da década de 1990. Esses movimentos podem ser considerados
produto da expropriação sofrida pelos camponeses e pelos trabalhadores do campo
e das cidades. A ocupação de terras e a reivindicação dessas para fins de reforma
agrária além de questionar a hegemonia do latifúndio e do predomínio dos projetos
do capital em curso no campo, buscam a construção de um novo campo voltado
aos interesses daqueles que vivem do trabalho. As expressões territoriais da luta
pela terra nas regiões em estudo serão discutidas no capítulo 4 desta tese.
148
3. O AVANÇO DO CAPITAL NO CAMPO E AS INVESTIDAS SOBRE O
TRABALHO
Certamente, estamos diante de um processo histórico que contradiz
de forma radical o período do surgimento do movimento sindical e
operário no Brasil, no início dos anos 1980. O amálgama de
posições conciliadoras hegemoniza – a sociabilidade presente no
universo sindical brasileiro, repercutindo no cenário eleitoral,
plasmando interesses outrora radicalmente divergentes, mas com
sintonia fina na busca do resultado do pleito. É ao que se assiste
diante das alianças que se processam entre o Partido dos
Trabalhadores e os demais partidos conservadores e liberais e, por
via de conseqüência, entre a CUT e a Força Sindical. (THOMAZ
JÚNIOR, 2004, p. 17).
Conforme já apontando ao longo dessa pesquisa de tese é a partir da
incorporação da região do Centro-Sul de Sergipe à lógica produtiva da laranja, nas
décadas de 1960 em diante, que se espalha para o Litoral Norte da Bahia a partir
da década de 1980, que se tem a ampliação das relações capitalistas de produção
nesses espaços. Considera-se que é a partir desses momentos que essas regiões,
dotadas de significativa infraestrutura pelo Estado, passam a interessar ao capital.
Assim, o desenvolvimento desigual desse modo de produção vai se apropriando
daqueles espaços que lhes permita a garantia do maior lucro.
É preciso considerar as condições para a apropriação desses espaços de
forma a garantir a expansão do agronegócio da laranja. De acordo com entrevistas
realizadas com agricultores antigos dessas regiões (em destaque no Centro-Sul de
Sergipe) a produção da laranja inicia-se anteriormente à década de 1960 e se
efetiva em uma produção mais voltada ao atendimento do mercado local. Essas
condições aliadas às necessidades de expansão do capital no campo, quando o
discurso nesse período histórico efetivava-se na “necessidade” de modernizar o
campo acaba despertando o interesse por essa área. Para tanto, o papel
desempenhado pelo Estado torna-se fundamental, já que é ele que vai criar todas
149
as condições tanto no sentido de difundir a produção desse cultivar quanto na
criação da rede de infraestrutura necessária ao escoamento dessa.
A atuação dos órgãos de pesquisa e extensão rural torna-se fundamental
na criação e difusão de verdadeiros pacotes tecnológicos que passam a ser
colocados para os produtores locais como possibilidade concreta de melhoria das
condições em que viviam. Além disso, cabe ao Estado dotar a região das condições
necessárias ao escoamento da produção, tendo em vista que às empresas
capitalistas não interessa imobilizar parte do seu capital para isso. Tais ações
garantiram que a “região” se tornasse “atrativa” para o capital. Nesse processo,
compreender as transformações ocorridas no Centro Sul de Sergipe significa
considerá-la como parte do processo de “modernização da agricultura” que começa
a se efetivar no país a partir da então.
Essas intervenções voltadas aos interesses capitalistas internamente vão
promover mudanças significativas nas regiões em estudo, posto que altera o foco
da produção, valoriza e concentra a terra, altera as relações de trabalho praticadas
até então, promove um considerável êxodo rural que repercute no crescimento das
cidades, dentre outras questões. Portanto, diferente do discurso da modernização
colocada como sinônimo de desenvolvimento, o que se observa é a apropriação
dessas áreas para o atendimento das demandas capitalistas mundiais que nos
locais onde desenvolve-se acaba por favorecer as classes dominantes locais. Essa
é uma realidade no Centro-Sul de Sergipe, posto que as elites locais se apropriam
de grande parte das terras, dos vultosos recursos disponibilizados via capital
financeiro para a produção da laranja, não raro se aliando com o capital industrial
que também passa a se territorializar na região e a se apropriar de grande parte da
produção local.
150
Esse processo de apropriação do capital, posteriormente passa a se
expandir para outros municípios e encontra no Litoral Norte da Bahia condições
favoráveis a sua ampliação. Primeiro porque com a apropriação de grande parte
das terras do Centro-Sul de Sergipe para o monocultivo da laranja e outros por
grandes latifundiários da região e o processo de expulsão de muitos camponeses
que viviam em pequenas áreas, muitos sem a titulação legal das mesmas são
expulsos da terra ou, para os que detinham a propriedade legal, a pressão para
vendê-las. Com isso, muitos desses agricultores sergipanos migram para outras
áreas onde os efeitos da ação capitalista não são tão evidentes, em que puderam
adquirir terras mais baratas; assim, municípios do Litoral Norte da Bahia passam a
ser uma alternativa.
As transformações fomentadas pelo capital no espaço citricultor
desencadearam mudanças na vida social e econômica do pequeno
produtor. A mobilidade foi um dos recursos utilizados pelos
citricultores para sair da crise. Para esses produtores, o
deslocamento representava a possibilidade da reestruturação da
própria vida e da continuidade da cultura de citros. Já para o capital,
o caminhar simbolizava a expansão da citricultura para um novo
espaço rural que atendesse à sua própria lógica de reprodução. (...)
assim (...) o capital atuou no processo de desterritorialização e na
conseqüente mobilização dos pequenos citricultores sergipanos em
direção à fronteira SE/BA. (...) promoveu a expropriação dos
pequenos produtores do seu espaço de vivência. (PEREIRA, 2002,
p.8).
Assim, esses agricultores carregaram na “bagagem” toda experiência de
plantio da laranja. Por outro lado, essa produção passa a despertar o interesse das
indústrias, principalmente por meio da sujeição da renda da terra. Assim como no
Centro-Sul de Sergipe também no Litoral Norte da Bahia o Estado torna-se
fundamental na criação da infraestrutura necessária a expansão da produção, bem
como para o escoamento da mesma; não deixando, entretanto, de repercutir na
151
valorização das terras e consequentemente expulsão de grande parte desses
camponeses.
Posteriormente, a partir da década de 1990, verifica-se na região,
principalmente em função dos interesses do capital industrial instalado via indústria
processadoras de suco concentrado e congelado de laranja, que atende,
principalmente o capital europeu, a necessidade de ajustes na produção de forma a
reduzir os custos e aumentar a margem de lucro, que se concretiza na alteração
das relações de trabalho praticadas até então. A flexibilização, o desrespeito a
legislação trabalhista, a desregulamentação nessas relações, características da
reestruturação produtiva do capital como resposta desse a crise estrutural ganha
contornos também na região em estudo.
Essa reestruturação capitalista agrava as condições de trabalho, em que
a realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia não
encontra-se dissociada. Assim sendo, as dificuldades para a classe trabalhadora se
acrescem, tendo em vista a investida do capital sobre o trabalho. No que se refere
às regiões em estudo dois processos são evidentes: a mobilidade como forma de
garantia ao trabalho, ainda que precarizado, e a luta pela terra e pelo trabalho via
movimentos sociais, assuntos que abordaremos nesse terceiro e no quarto capítulo
dessa tese.
Na compreensão da expansão capitalista nesses locais, cabe a
compreensão do papel desempenhado pelo Estado, na criação de toda
infraestrutura necessária, através de órgãos de pesquisa e extensão; as indústrias
de suco que se territorializaram na região a fim de se beneficiar de toda uma
produção já existente e de uma infraestrutura montada; os produtores mais
capitalizados e viveiristas; e as associações e cooperativas criadas no intuito de
152
organizar a produção e melhorar as condições de vida dos citricultores. Essas
questões serão tratadas ao longo desse capítulo.
3.1. Crise do capital, reestruturação produtiva e precarização do trabalho no
campo.
Assume-se, nesse trabalho, a perspectiva de que o capital atingiu seu
zênite de realização, e conforme apontado por Mészáros (2002), encontra-se em
uma crise estrutural que se arrasta desde o final de década de 1960. Como
resposta a essa crise, vem buscando reestruturar-se a fim de garantir adiantar os
efeitos mais catastróficos da mesma. Para tanto, as investidas sobre o trabalho
tornam-se evidentes, conforme veremos a seguir.
De acordo com Antunes (2002) o processo de reestruturação do capital
consiste em reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binômio
taylorismo/fordismo de modo a repor os padrões de acumulação existente nos
períodos anteriores, especialmente no pós 45. Assim, tratava-se para o capital de
reorganizar
seu
ciclo
reprodutivo,
passando
desse
modelo
produtivo
do
taylorismo/fordismo para a acumulação flexível.
O padrão taylorista/fordista que comandou a indústria no século 20 tinha
por base a produção em massa de mercadoria, uma produção mais homogeneizada
e verticalizada. Nesse era necessário racionalizar as operações realizadas pelos
trabalhadores através da redução do tempo e aumento do ritmo de trabalho,
visando intensificar as formas de exploração e a redução do desperdício. Seu
processo produtivo, segundo Antunes (2002) pode ser compreendido como parcelar
e fragmentado, com divisão de tarefas e repetição de atividades. Essa conversão do
153
trabalho em apêndice da máquina-ferramenta garantia ao capital a intensificação na
extração do sobretrabalho, consolidando a subsunção real do trabalho ao capital.
Nesse padrão rígido, definia-se o tempo e o ritmo necessários ao trabalho,
mesclando a produção em série fordista com o cronômetro taylorista e resultava em
uma atividade de trabalho mecânica e repetitiva. O padrão de acumulação intensivo
fundamentava-se em uma produção em massa executada por operários
predominantemente semiqualificados.
Pode-se dizer que junto com o processo de trabalho
taylorista/fordista erigiu-se, particularmente durante o pós-guerra,
um sistema de “compromisso” e de “regulação” que, limitado a uma
parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que
o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva,
duradoura e definitivamente controlado, regulado e fundado num
compromisso entre capital e trabalho mediado pelo Estado.
(ANTUNES, 202, p. 38).
Para o autor, esse compromisso era resultado de vários elementos
posteriores à crise de 30 e da gestação da política kenesiana que tinha como
intermediadores os sindicatos e partidos políticos – que se colocavam como
representantes oficiais dos trabalhadores e do patronato, e o Estado pode ser
compreendido como o elemento “arbitral”, mas que, efetivamente, servia aos
interesses do capital. Ideologicamente, esse projeto do capital em aliança com o
Estado buscava delimitar o campo da luta de classes, em que se “concedia” algum
direito aos trabalhadores em troca do abandono de seu “projeto histórico-societal”,
garantindo assim enorme exploração do trabalho.
No entanto esse modelo atinge seu limite nos anos de 1960 e os levantes
operários contra ele se intensificam. Esses passam a questionar a expropriação
intensificada do operário-massa, destituído de qualquer participação na organização
do trabalho. Além disso, aponta-se como outro problema desse padrão de produção
154
a contradição entre produção e consumo. A partir daí, as forças do capital se
reorganizam, introduzindo novos problemas e desafios para o mundo do trabalho.
De acordo com Mészáros (2002) apud Antunes (2002, p. 45):
(...) Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitar
a exploração da força de trabalho muscular dos trabalhadores,
privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados
nas compartimentações estritas do taylorismo e do fordismo,
podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os
dotes organizativos, a capacidade de cooperação (...). (...)
implantando o tayotismo, a qualidade total e outras técnicas de
gestão (...). (...) Cada trabalhador pode realizar um maior número
de operações (...).
Assim, o capital deflagrou uma série de mudanças no processo produtivo,
constituindo as formas de acumulação flexíveis, buscando assim, reorganizar suas
formas de dominação. Ideologicamente, tal projeto ancora-se no culto ao
subjetivismo e individualismo, contra as formas de coletividade e solidariedade.
Essa nova forma de organização industrial entre capital e trabalho possibilitou o
advento
de
um
trabalhador
mais
qualificado,
participativo,
multifuncional,
polivalente. Assim, o trabalhador deve estar apto a desempenhar várias funções no
processo produtivo, poupando ao capitalista um maior investimento em força de
trabalho, promovendo a eliminação, transferência, terceirização e enxugamento de
unidades produtivas. De acordo com Francesconi (2005, p. 04):
As profundas transformações que tem ocorrido nas últimas décadas
como resposta à crise do capital e do sistema produtor de
mercadorias resultou em respostas e enfrentamentos por parte do
capital. Entre estas ações, o intenso processo de reestruturação da
produção e do trabalho durante as décadas de 80 e 90 nos países
centrais e na década de 90 no Brasil busca – ao lado de outros –
dotar o capital de instrumental necessário para repor os patamares
de expansão anteriores. As evidências desse processo de
reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de
dominação foram o advento das políticas neoliberais, conjunto de
medidas, ações que incluem a privatização de empresas estatais, a
155
desregulamentação dos direitos do trabalho e o desmonte do setor
produtivo estatal e a expansão dos capitais financeiros
especulativos.
Os fundamentos desse padrão de acumulação flexível sustentam-se no
discurso da qualidade total (Mészáros, 2002, assinala a intensificação da taxa de
utilização decrescente do valor de uso das mercadorias) e da empresa enxuta,
como estratégias fundamentais da valorização do capital. A imposição do tempo de
vida útil das mercadorias visa aumentar a velocidade do circuito produtivo, portanto
a velocidade da produção de valores de troca, que no invólucro da aparência
aprimora o consumo do supérfluo, levando ao que Meszáros (2002) chama de
“lógica de produção destrutiva”.
Esse padrão produtivo vai promover a intensificação da exploração do
trabalho, a eliminação dos postos de trabalho, aumento da produtividade e a
“qualidade total”. Assim, segundo Antunes (2002), tem como resultados para o
mundo do trabalho: a desregulamentação dos direitos do trabalho, o aumento da
fragmentação no interior da classe trabalhadora, a precarização e a terceirização da
força humana que trabalha, a destruição do sindicalismo de classe e sua conversão
em um sindicalismo dócil.
Ao considerar-se a realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral
Norte da Bahia, evidencia os efeitos de tal processo de reestruturação produtiva no
território, dada precarização das relações de trabalho nas indústrias processadoras
de suco e mesmo no campo, em que explora-se mais o trabalhador com a desculpa
de sua não qualificação. Esses são desprovidos dos direitos trabalhistas, em vivem
em condições crescentes de alienação do seu trabalho. Assim, a especificidade
verificada nas áreas em estudo não pode acontecer dissociada da totalidade em
156
que ocorre a difusão dessas formas precarizadas de trabalho como parte do
processo de reestruturação do capital.
Sobre isso, Francesconi acrescenta que:
No mundo do trabalho as evidências desse processo de
reorganização constituem no aumento do desemprego estrutural e
na precarização do trabalho. O desemprego estrutural responde à
utilização das inovações tecnológicas e reestruturação
organizacional e produtiva enquanto a precarização do trabalho
recebe o nome de flexibilização do trabalho. (FRANCESCONI,
2006, p. 04)
Assim, para a autora trata-se de compreender as transformações em
curso no mundo do trabalho em suas conseqüências territoriais.
Se de um lado o capital através do discurso da qualificação garante
poucos postos de trabalho melhor remunerado, por outro se vale da “falta” dessa
qualificação para garantir a precarização total dos trabalhadores “desqualificados”
ampliando suas margens de mais-valia.
Ao apontar as principais bases nas quais se sustenta o toyotismo, que se
constitui em uma forma de organização do trabalho que nasceu na Toyota, no
Japão pós-45, Antunes (2002, p. 54/55) esclarece que:
1) é uma produção muito vinculada à demanda, visando atender às
exigências mais individualizadas do mercado consumidor,
diferenciando-se da produção em série e de massa do
taylorismo/fordismo. Por isso, sua produção é variada e bastante
heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista; 2)
fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade
de funções, rompendo o caráter parcelar típico do fordismo; 3) a
produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita
ao operário operar simultaneamente várias máquinas (...) alterandose a relação homem/máquina na qual se baseava o
taylorismo/fordismo; 4) tem como princípio o Just in time, o melhor
aproveitamento possível do tempo de produção; 5) funciona segundo
o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição
de peças e de estoque. No toyotismo, os estoques são mínimos
quando comparados ao fordismo; 6) as empresas do complexo
produtivo fordista, inclusive as terceirizadas, têm um estrutura
horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na
157
fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no
seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% da
produção (...). (...) prioriza o que é central (...) no processo produtivo
(...) e transfere a “terceiros” grande parte do que antes era produzido
dentro de seu espaço produtivo. Essa horizontalização estende-se às
subcontratadas,
às
firmas
terceirizadas,
(...)flexibilização,
tercerização, subcontratação, CCQ, controle de qualidade kanban,
just in time, kaizen, team work, eliminação do desperdício, “gerência
participativa”, sindicalismo de empresa (...).
Acrescenta ainda que nesses Círculos de Controle de Qualidade (CCQ)os
trabalhadores são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho,
visando a melhoria da produtividade do mesmo. Assim, os ganhos salariais
encontram-se vinculados ao aumento da produtividade.
Considerando a realidade brasileira Thomaz Junior (2004) assinala que é
a partir dos anos de 1980 que o país se inicia o processo de reestruturação
produtiva, atingindo maior amplitude na década de 1990, quanto às inovações
técnicas são difundidas pelo circuito produtivo de diversos setores econômicos.
Nesse processo, a produção toyotista passa a mesclar-se (no Brasil como em
diversas partes do mundo) com as objetivações nacionais, em um contexto de
racionalização do trabalho. Para ele, trata-se de um processo contraditório de
continuidade-descontinuidade com o taylorismo-fordismo, buscando atender as
novas necessidades da acumulação capitalista. Destaca ainda que esse processo
de reestruturação produtiva que repercute diretamente sobre o trabalho produz
resultados diferentes para o conjunto dos países e no caso do Brasil destaca a
posição subalterna desse. Para compreender a dimensão espacial dessa
reestruturação, cabe, portanto, considerar que o capital, ao longo do seu processo
de realização, age de forma desigual e combinada, selecionando lugares, de forma
diferenciada a fim de que esses assumam um determinado papel da divisão social
158
(internacional) do trabalho. Em linhas gerais Thomaz Junior (2004, p. 19) aponta
como elementos fundamentais dessa reestruturação produtiva:
1) a desproletarização do trabalho industrial fabril, típico do
fordismo; 2) a ampliação do assalariamento no setor de serviços; 3)
o incremento das inúmeras formas de subproletarização,
decorrentes do trabalho parcial, temporário, domiciliar, precário,
subcontratado, “terceirizado”, informal; 4) verifica-se, também, que
todas essas formas que redimensionam a heterogeneização do
trabalho têm na crescente incorporação do trabalho feminino no
interior da classe trabalhadora, expressão especial, quando se
pensa em termos da expansão do trabalho precarizado,
“terceirizado”, subcontratado, part-time, etc.; 5) intensificação da
superexploração do trabalho, através da extensão da jornada; 6) a
exclusão de trabalhadores jovens e “velhos” (acima de 45 anos), do
mercado de trabalho; 7) expansão do patamar de trabalho infantil,
em especial nas atividades agrárias e extrativas.
Esses elementos podem ser observados nas áreas em estudo, na
redução do trabalho fabril, se considerado o número de empregos diretos que
geravam há 20 anos e a quantidade que geram hoje. De acordo com entrevistas
realizadas no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Estância, realizada em
outubro de 2008, em 1989 as indústrias processadores de suco geravam, em média
1000 a 1200 empregos direto cada uma. Hoje são 100, 200 trabalhadores no
máximo. Por outro lado a capacidade produtiva da empresa se acresce com o
emprego crescente de extratoras com capacidade para processar, em menos
tempo, uma quantidade maior de frutos. A ampliação do assalariamento no setor de
serviços é relativa e não consegue atender a quantidade daqueles que lutam pelo
trabalho nas regiões em estudo. O trabalho parcial, temporário, precarizado,
subcontratado é uma realidade e se agrava no campo e nas cidades. Um dos
exemplos desse é que grande parte dos trabalhadores não possuem vínculo
empregatício nem qualquer direito, são contratados pelos empreiteiros, isentando
159
os proprietários de qualquer obrigação trabalhista, e recebem de acordo a
quantidade de laranja colhida, ou seja, por produtividade.
Ainda assim, o índice de desemprego é elevado nas regiões em estudo e
evidencia-se no fato de todos os entrevistados estarem desempregados ou
possuírem familiares desempregados. Nesse contexto, a luta pelo direito ao
trabalho, ainda que precarizado é uma constante e se expressa, por exemplo, na
ampliação da luta pela terra, em que pode-se observar dezenas de assentamentos
e acampamentos de trabalhadores.
É por dentro da dinâmica da luta de classes que nos propomos
apreender os desdobramentos da reestruturação produtiva do
capital no campo sobre o trabalho, particularmente, os limites que
obstaculizam a “leitura” orgânica do trabalho, para além da
fragmentação territorial, que restringe o universo da classe
trabalhadora aos rígidos limites do estranhamento das corporações
e associativas. Ou seja, o exercício do poder do capital se estende
para todo o tecido social, impactando, portanto, não somente as
relações específicas à atividade laborativa, mas todas as esferas do
ser que trabalha, ultrapassando o momento da produção, ganhando
a dimensão da reprodução da vida, a subjetividade da classe
trabalhadora, as formas de organização política (THOMAZ JUNIOR,
2004, p. 10).
Assim, o Estado ao mesmo tempo em que mantém sua aliança com as
classes dominantes no meio rural, implementa a ofensiva destrutiva do capital sobre
o trabalho, por meio de reformas trabalhistas, bem como atua no sentido de frear a
mobilização dos trabalhadores envolvidos na luta pela terra. Alia-se a esse fato a
criminalização dos movimentos sociais impulsionada pelo poder juridiciário, assim
como as ações insignificantes no que se refere ao assentamento de população no
campo que tem se constituído o governo Lula da Silva. Assim, o Estado quando
atua nos conflitos capital x trabalho o faz como forma de espaçar esses conflitos
adiando a luta de classes.
160
Por tudo isso, Menezes (2007) aponta que “o processo de acumulação de
capital é, também, um processo de acumulação de contradições”, que se afirma no
acirramento da luta de classes, estabelecendo, assim, seus limites históricos.
As
investigações
direcionadas
para
apreendermos
os
desdobramentos territoriais da reestruturação produtiva do capital
no campo, tem nos indicado o conteúdo das ações do capital e do
Estado, e os desdobramentos para o trabalho e para a classe
trabalhadora: intensificações da mecanização, política de
desenvolvimento rural em detrimento da Reforma Agrária, novas
formas de gestão e controle do trabalho pelo capital, políticas
públicas para a agricultura, novas formas de contratação e de
pagamento (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 16)
Ao analisar a expansão do capital no campo e seus reflexos na questão
agrária aponta os índices alarmantes de perseguições, violência e assassinatos
praticados contra trabalhadores e camponeses, fato que demonstra a barbárie
praticada pelo capital e pelos latifundiários, as classes dominantes que atuam no
campo, e pelos órgãos repressivos do Estado, situação que se agrava com a
parcialidade da justiça em favor do latifúndio. As dificuldades para a permanência
dos trabalhadores no campo, por outro lado, são concretas e se evidenciam a partir
dos dados apresentados pela CPT, que demonstra que apenas no ano de 2003,
aproximadamente 2.500.000 postos de trabalho foram encerrados no campo, se
equiparando aos elevados índices urbanos.
Nesse processo, Thomaz Junior (2004) resgata a dimensão fundamental
do trabalho, enquanto “base fundante do autodesenvolvimento da vida material e
espiritual” (p. 21). Por isso, discorda da tese do fim do trabalho ou da perda de sua
centralidade, destacando que enquanto perdurar a sociedade capitalista será
impossível se pensar na eliminação da classe trabalhadora.
161
3.2. A mobilidade como possibilidade de garantia do trabalho.
Para compreender as investidas no capital, principalmente via
produção de laranja, e seus rebatimentos sobre o trabalho no Centro-Sul de Sergipe
e Litoral Norte da Bahia a que se considerar uma dimensão importante para aqueles
que lutam pelo trabalho – a mobilidade espacial. Para tanto, nos ancoramos na
leitura de Gaudemar (1977) que retomando as diversas formas de interpretação
sobre a mobilidade do trabalho opta pela compreensão dessa através do processo
de acumulação capitalista. Assim, a mobilidade do capital, ao longo de seu
processo de realização histórica, vai promovendo a mobilidade da força de trabalho,
que expressa a luta daqueles que precisam trabalhar.
Essa leitura é retomada por N. Silva (2003) ao analisar a mobilidade
de jovens sergipanos para outros estados em determinados períodos do ano.
Esses, no geral, são filhos de camponeses ou de assalariados, e como não
conseguem garantir sua reprodução social nos locais em que vivem se deslocam
para vender a força de trabalho em diversos locais da Brasil, com destaque para o
estado de São Paulo, onde trabalham, principalmente, no campo.
A mobilidade do trabalho como forma de, mesmo na precarização de
tais relações, buscar garantir a reprodução social é também tratada por M. Silva
(1999) ao analisar a trajetória dos migrantes do estado do Piauí para trabalhar na
colheita de cultivos voltados ao agronegócio nos estados de Minas Gerais e São
Paulo. Essa relata as condições de trabalho aviltantes que são disponibilizadas para
esses migrantes, inclusive o estabelecimento de uma hierarquia na exploração
desses trabalhadores que opõe os do lugar aos migrantes, que acabam por
desempenhar as piores funções. Nesse trabalho M. A. Silva (1999) aponta que a
162
complexidade da exploração do trabalho na atualidade, em destaque no campo, faz
com que se considere junto à condição de classe que são (classe trabalhadora)
também a dimensão de gênero (já que o trabalho feminino é geralmente menor
remunerado), étnico-racial e o local de onde advêm os trabalhadores (pois esses
são, constantemente, discriminados).
Em pesquisa realizada no Sudoeste da Bahia Souza (2008) aponta
que nas comunidades camponeses verifica-se uma intensa mobilidade do trabalho,
principalmente quando as dificuldades com a produção são maiores. Isso se
acresce nas localidades semi-áridas, posto que como as famílias vivem da
agricultura de sequeiro o período de estiagem causa um prejuízo concreto. Para
sobreviverem, parte dessas famílias camponesas, ou determinados membros,
realizam deslocamentos durante determinados meses do ano e posteriormente
retornam antes do período de chuva na região para fazerem suas roças.
Analisa
que
ocorrem
nessas
comunidades
dois
tipos
de
deslocamentos: um voltado para outros estados, em destaque São Paulo, em que
os trabalhadores declararam realizar diversos tipos de trabalho, principalmente no
campo, nos cultivos de café e cana, por exemplo; e o outro na própria região, em
que os trabalhadores saem da caatinga para trabalharem na colheita de café nos
municípios de Vitória da Conquista e Barra do Choça, em que passam dois, três
meses durante o ano. Destaca ainda que dos trabalhadores que migraram para
outros estados nas décadas de 1960 a 1980 muitos permaneceram nesses locais
desenvolvendo atividades diversas de trabalho. Já os mais recentes vivem na
constante mobilidade, posto que não mais encontram emprego certo nesses locais
para onde se deslocam.
163
Assim, Souza S. T. (2008) aponta que se por um lado a mobilidade do
trabalho acaba funcionando como uma alternativa de sobrevivência para muitos
trabalhadores não se pode desconsiderar a constante exploração do trabalho a que
esses encontram-se submetidos e como esses acabam contribuindo para aumentar
as divisas do agronegócio brasileiro.
Analisando o processo migratório nas regiões do Centro-Sul de
Sergipe em direção ao Litoral Norte da Bahia o trabalho realizado por Pereira (2002)
mostra a forma como o capital se apropriou historicamente do espaço agrário
brasileiro, sob o viés da “modernização”; e promoveu intensas mudanças no espaço
citrícola no país e na região, subordinando-o aos interesses do capital que sempre
contou com o apoio do Estado. Segundo a autora, no momento em que o capital se
apropria do espaço citrícola sergipano e passa a subordinar a lógica produtiva para
exportação, muitos produtores (sobretudo os pequenos) são condenados, já que
não conseguem elevar sua produção de acordo com os ditames do mercado,
tornando-se devedores e passando, supostamente, a serem expropriados pelo
capital. Daí por diante, os produtores são atraídos por novos espaços, na fronteira
SE/BA, cuja expansão pode ser explicada pela subordinação ao capital financeiro.
Desta forma, eles se desterritorializam dos espaços sergipanos e passam a buscar
uma nova territorialização nos espaços baianos.
Tal fato pôde ser observado em pesquisa de campo, que constatou
uma presença freqüente de citricultores sergipanos que migraram para municípios
do Litoral Norte da Bahia, especificamente para Rio Real, sobretudo a partir do final
da década de 1970, com um fluxo bastante intensificado na década de 1980.
Acrescenta-se a isto, o fato desses produtores sergipanos terem sido fundamentais
164
na consolidação da produção citrícola no Litoral Norte baiano, já que levaram toda
experiência de décadas adquiridas no plantio da laranja.
Trabalho com a laranja desde 1962, quando comprei uma
propriedade em Lagarto, depois vendi e vim para a Bahia, em 1981,
mas era tudo mato e só comecei a plantar em 1983. Os primeiros
que vieram de Sergipe foram Antonio Gago (de Lagarto) e Zé Dias
(de Boquim), na década de 70 mais ou menos. Vim para cá com a
previsão de olhar para frente, já plantei fumo, algodão e depois
laranja. (Depoimento de J. X. R. – Camponês, residente no Povoado
de Loreto/Rio Real-BA).
O entrevistado aponta ainda que muitos produtores que chegaram no
início da expansão citrícola em Rio Real conseguiram apoios creditícios,
agronômicos e tecnológicos, sobretudo do Banco do Nordeste do Brasil e do Banco
do Brasil, da EMBRAPA e da EBDA. Assim, parte destes agricultores tornaram-se
médios e grandes produtores, inclusive produzindo mudas de laranja para
comercializar. Porém, nem todos conseguiram se inserir no processo produtivo e,
os que vieram depois, já encontraram uma maior valorização da terra, além de
sofrerem de forma mais intensa os efeitos da crise da laranja, no fim da década de
1980 e durante a década de 1990, tornando-se produtores empobrecidos ou mesmo
trabalhadores. Assim, o sonho de “ter um bom pedaço de terra” vai se tornando
cada vez mais distante da realidade.
Assim, a mobilidade desses trabalhadores pode ser explicada pela
expropriação desses dos espaços sergipanos, que buscam nos espaços baianos
uma possibilidade de se apropriar de um pedaço de terra; e não, simplesmente,
pelas vantagens oferecidas a esses produtores diretos, nesse constante movimento
desigual e combinado do capital. Entretanto, esses camponeses não se libertam da
lógica de mercado, continuando subordinado a ela, buscando se enquadrar nas
165
suas exigências e ao mesmo tempo tendo nos cultivos diversificados uma
possibilidade de continuar sobrevivendo do trabalho na terra.
Conceição (2007) ao analisar a mobilidade do trabalho no campo em
várias regiões do estado de Sergipe, em destaque o Centro-Sul considera que no
movimento do capital a classe trabalhadora vem, constantemente, sendo expulsa
de seu local de origem, tanto no campo quanto nas cidades. Nas cidades esses
trabalhadores geralmente ocupam os espaços das favelas “que revela o contraste
do urbano a partir de uma paisagem/local marcada pela materialização dos
barracos da miséria” (p. 79). No campo, o discurso da modernização, reforçado pela
monopolização e territorialização do capital expulsa os camponeses de suas terras
de trabalho, permitindo o processo de subsunção do trabalho ao capital.
Na periferia da periferia as políticas da SUDENE irão reforçar a
mobilidade crescente de jovens ao urbano, aumentando
aceleradamente as populações urbanas, ao tempo que vão
“engrossando” o estoque das fileiras do exército de reserva
industrial latente. Parte da população rural encontra-se
continuamente na iminência de transferir-separa o urbano. Seu
fluxo constante para as cidades pressupõe uma contínua
superpopulação latente no próprio campo. (CONCEIÇÃO, 2007, p.
80).
Por isso, aponta que em Sergipe até a década de 1990 a população
urbana duplicou em relação à população rural, de onde centenas de jovens
camponeses partiram acompanhando o movimento internacional da relação capitaltrabalho. Ainda a autora ao analisar a mobilidade do trabalho no ciclo da mudança
no e do capital em diversas regiões de Sergipe, em destaque a mesorregião de
Lagarto (município de Lagarto) e a mesorregião de Boquim (municípios de Boquim
e Salgado) aponta que 43,7% dos jovens entrevistados por sua pesquisa se
deslocam para o estado de São Paulo seguindo “a trilha da citricultura” tanto por já
166
terem experiência nesse cultivo quanto pelo fato desse não demandar força de
trabalho qualificada.
É preciso observar que a citricultura corresponde ao interesse da
inserção do capital mundial no Brasil, via processo de
modernização no campo, com a introdução da tecnologia, ou
melhor, com a subordinação da pequena produção à indústria de
insumos (...). (...) Em 2002-2003 a cultura de cítricos representava
o maio domínio da cultura permanente com uma área colhida de
103,4 mil hectares. A laranja concentrava 50,7 mil hectares,
seguida pelo côco-da-baía representavam, na média, 94% da área
colhida de culturas permanentes. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 90-91).
Por outro lado, ao passo em que se verifica o predomínio da cultura de
citros, em destaque a laranja nas mesorregiões de Lagarto e Boquim, a autora
destaca a permanência de cultivos voltados à subsistência como: mandioca, milho,
batata-doce e feijão.
Ao analisar o novo padrão de acumulação capitalista a autora aponta que
o trabalho deixa de ser fixo para se tornar móvel, disponível ao tempo cíclico curto
da “produção, distribuição e circulação do capital” (p. 95), destacando que na
contramão do modelo modernizante da organização da produção e do trabalho o
capital cria as formas de manter sua reprodução ampliada. Nesse contexto, os
jovens se submetem aos baixos salários atendendo aos interesses do lucro, em que
a perda dos direitos trabalhistas e o desemprego favorecem a “desrealização do ser
na condição de sujeitos asujeitados ao capital” (p. 95).
Essa realidade do movimento do capital e suas investidas sobre o
trabalho se reproduzem no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, locais
em que a precarização do trabalho industrial e a existência de uma superpopulação
de sujeitos expropriados dos meios de produção garantem as condições para a
precarização das relações de trabalho, quer sejam no campo ou nas cidades. A
167
montagem de todo aparato pelo Estado para a garantia da reprodução do capital
evidencia essa realidade, assunto que trataremos a seguir.
3.3. O Estado e a montagem da infraestrutura para a garantia da reprodução
do capital e da renda da terra
De acordo com documentos consultados a introdução da laranja em
Sergipe inicia-se na década de 1920, sendo influenciada pela produção já existente
nos municípios de Alagoinhas, Salvador (atual bairro Cabula) e do Recôncavo Sul
Baiano, com destaque para municípios como Cruz das Almas e Sapeaçu. Por meio
de entrevistas concedidas por agricultores antigos que vivem nas regiões em
estudo, constatamos experiências com esse cultivar anterior a valorização
promovida pelo mercado a partir da década de 1960. Dessa forma, considera-se
que os investimentos do Estado no sentido de dotar o Centro-Sul de Sergipe e
Litoral Norte da Bahia posteriormente se valeram de uma experiência já acumulada
por essas famílias e da possibilidade concreta de ampliar essa nos moldes dos
interesses do mercado.
Manoel Rodrigues dos Santos (Sr. Manolo) começou a plantar
laranja em Boquim, lá não tinha muita laranja, era mais fumo, que
era levado de burro para comercializar. Ele tem quase perto de 80
anos. Ele começou em 1948-1950. Manolo comprou a laranja e
começou a plantar lá. Hoje, ele compra muda em Rio Real – Zé
Dias e Antonio Gago são os vendedores de mudas. (Pesquisa de
campo – Depoimento de J. X. R – Camponês, Município de Rio
Real-BA).
No ano de 1960, adquirindo dimensão de cultivo comercial os municípios
do Centro-Sul de Sergipe já possuíam 960 hectares plantados. Nas décadas
168
posteriores, continua se expandindo e incorporando espaços agrícolas ao capital
nos diversos municípios da região. Mesmo com a crise vivenciada na década de 90,
a área plantada continuou crescendo, chegando a atingir 50.000 hectares, de
acordo com os dados do IBGE. fato que evidencia toda uma política voltada para a
difusão desse cultivar. De acordo com dados do IBGE no ano de 2006 a produção
total de laranjas no estado de Sergipe, que se concentra nos municípios do CentroSul, foi de 753.191, equivalendo a 4% da produção nacional.
Acrescenta-se a esse fato uma tendência ao abandono da atividade
citrícola por parte dos pequenos produtores, por conta das dificuldades de
acompanhar os altos custos necessários a produção desse cultivar, ancorado no
uso intenso de produtos químicos, além do controle na produção de mudas que
acabou por agravar as condições desses agricultores e, por outro lado, e a
incorporação de propriedades em espaços não contínuos pelos médios e grandes
produtores, que adquirem terras em diversos municípios do Centro-Sul de Sergipe,
como Cristinápolis, Umbaúba e Itabaianinha, quanto no Litoral Norte da Bahia, nos
municípios de Rio Real, Inhambupe, Esplanada e Entre Rios; além de Itapicuru, na
região Nordeste da Bahia.
Posteriormente, a atividade citrícola no Estado de Sergipe começa a
incorporar outros espaços à produção – a exemplo do Platô de Neópolis, localizado
no Baixo São Francisco, sobretudo a partir da década de 1990, quando começa a
ser viabilizada uma série de experimentos e tecnologias visando o cultivo irrigado
de laranja. Mais uma vez, assiste-se à incorporação de novos espaços ao capital,
com a expansão de novas áreas plantadas. Durante realização de trabalho de
campo, tivemos a oportunidade de observar opiniões divergentes quanto às
possibilidades de ampliação do cultivo da laranja para essa região. De um lado há
169
os que consideram inviável a produção de laranja irrigada no Platô de Neópolis
(opinião de alguns agrônomos, preocupados com os efeitos, inclusive ambientais
deste processo) e os que consideram essa região viável para esse tipo de produção
(com destaque para os empresários industriais e grandes proprietários da região, na
busca de novos espaços para expandir a produção) na garantia de maior lucro e
extração da renda da terra. Os últimos afirmam que os experimentos já começam a
dar algum tipo de retorno.
Com a mudança da produção de laranja para escala comercial as terras
dos municípios do Centro-Sul de Sergipe passa por uma considerável valorização,
fato que leva muitos camponeses mais pobres a saírem de suas terras, mediante
especulação ou vendê-las, migrando para outros locais. Muitas famílias,
aproveitado-se da proximidade com municípios do LiItoral Norte da Bahia, a
exemplo de Rio Real, se deslocam para esses locais adquirindo pequenas porções
de terra. Nesses locais iniciam a produção de laranja, recriando as condições para
que o capital, representado pelas primeiras indústrias que passam a se instalar nas
regiões despertem o interesse em se apropriar dessa produção também. A partir da
década de 1980 em diante, o governo do estado da Bahia e o governo federal
passam a dotar a região de infraestrutura necessária a expansão nos moldes
comerciais capitalistas. A valorização das terras torna-se evidente assim como a
dificuldade dos pequenos agricultores continuarem seus espaços de reprodução
social.
Dessa forma, a Região do Litoral Norte, com destaque para o município
de Rio Real, Inhambupe e além de Itapicuru, passa a representar os novos
espaços agrícolas do capital, incorporando-lhes outra lógica de reprodução
social. De acordo com dados fornecidos por técnicos da EBDA (2003), em
170
pesquisa de campo, a área de produção de laranja dos referidos municípios
possui em torno de 25 mil, 7 e 5 mil hectares respectivamente. Os dados
disponibilizados pelo IBGE (2006) apontam que nesse ano o estado produziu
916.521 toneladas, o equivalente a 5% da produção nacional. Destaca-se o fato
do município de Rio Real ser o maior produtor do Estado, concentrando quase a
metade da produção estadual.
Cabe considerar que o Brasil atualmente é o maior produtor de laranja.
Dessa produção, o Estado de São Paulo concentra 80% do total, obtendo uma
produção de 14.367.011 toneladas. Apesar disso, em entrevistas disponibilizadas
por técnicos vinculados a órgãos públicos e pesquisadores esses destacam as
possibilidades concretas na ampliação da produção do eixo Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia dada a “disponibilidade” de terras ainda ser
elevada nessas regiões. Questiona-se esse raciocínio na medida em que
desconsidera-se essas encontram-se efetivamente “ocupadas”. A presença de
uma significativa quantidade de unidades de produção familiares cuja lógica,
predominantemente, camponesa volta-se ao atendimento dos mercados locais e
das necessidades concretas das famílias que produzem.
Destaca-se ainda a cooptação do poder público pelo capital, na medida
em que o projeto de “desenvolvimento regional” passa a ser implementado com
toda sua estrutura financiada pelo estado, ou seja, recursos públicos voltados
para a garantia da reprodução do capital. O Estado é responsável por toda rede
necessária ao escoamento da produção como também a criação de órgãos de
pesquisa e extensão rural cujo objetivo central é difundir o cultivo de citros
nessas regiões. Assim, verifica-se a montagem de um aparato financeiro, técnico
e científico, representado pela presença dos bancos (Banco do Brasil e Banco do
171
Nordeste do Brasil), além de empresas de pesquisas, extensão e fiscalização
(Embrapa, EBDA e ADAB).
Nesse processo de expansão da fronteira citrícola em direção ao
Litoral Norte da Bahia e ao município de Rio Real, alguns aspectos locacionais e
infra-estruturais devem ser enfatizados. É o caso da abertura e do asfaltamento
da BR-101, que favoreceu a incorporação de alguns povoados agrícolas à
produção da laranja, a exemplo do Povoado de Loreto. Essa rodovia possibilitou
ainda o acesso à cidade de Rio Real, por intermédio da BA 396, conforme
destaca o diagnóstico realizado pelo Banco do Brasil, em parceria com a
Prefeitura Municipal de Rio Real e a EBDA, em 1995.
Com o asfalto da BR 101 por volta de 1965 e a abertura da rodovia BA-396
que liga Loreto a Rio Real, o crescimento apareceu aliado a chegada dos
sergipanos, a partir de 1968, com a formação dos primeiros pomares de
laranja (200 tarefas) pelo Sr. José dos Santos, conhecido como Antonio
Gago.
Nesse diagnóstico desenvolvido pelo Banco do Brasil e EBDA fica
evidente que o objetivo era promover os interesses do próprio capital viabilizando
não apenas a expansão do cultivo da laranja, mas as vias de circulação para que
o produto chegasse a seu mercado. Não se pode negar, contudo, a importância
do asfaltamento dessa rodovia para a população local, contudo esse não
aconteceu tendo como objetivo central promover melhorias para aqueles que
viviam nesses espaços. Acrescenta-se a isso que é pela BR 101 que circula
grande parte da produção de laranja, inclusive do suco concentrado e congelado
produzido pelas indústrias que por meio da rodovia chega ao Porto de Salvador
(principalmente) e é exportado para os mercados europeus.
172
Mediante a montagem de toda infraestrutura em que vultosos recursos
públicos foram investidos29 verifica-se no território a consolidação da laranja
enquanto cultivo comercial predominante, algo que adquire maior significado em
fins da década de 1970 e no decorrer da década de 1980, período em que ocorre
o boom econômico na região, somado à chegada das primeiras indústrias
processadoras de suco, de acordo com informações fornecidas pelo Chefe do
órgão local da EBDA – Rio Real. Ele destaca ainda que, em 1988/89, foram
conseguidos preços razoáveis para a laranja, os quais começaram a cair, na
década de 1990, encontrando seu ponto mais crítico entre os anos de 1997/1998
(quando a crise se agravou). A partir de 2000, os preços começaram a reagir,
apresentando, desde então, perspectivas de superação da “crise”. Cabe
salientar, contudo, que a “crise” da produção da laranja acompanha o próprio
movimento do capital em nível mundial. Do ponto de vista daqueles produtores
de laranja nas regiões em estudo, evidencia-se que esses acabam ficando
“sujeitos” aos preços das indústrias, vinculada ao movimento do capital mundial.
Para aqueles agricultores capitalizados essas questões embora lhe afete, não o
impede de programar a produção, investir em outros cultivos e criações em
escala comercial, etc. Para os pequenos agricultores mais pobres verifica-se a
sujeição completa, o endividamento e, muitas vezes a perda da terra.
Por outro lado, esses também buscam formas de reagir a lógica única do
mercado, o como reflexo mais evidente dessa dificuldade na produção da laranja,
passaram a viabilizar alternativas para sobreviver da/na terra, diversificando os
cultivos (com o exemplo do coco e do maracujá) e investindo na criação de animais
29
Sobre isso cabe lembrar o que Martins (1981) se ancorando na leitura de Marx destaca, que ao
capital não interesse despender dinheiro com infraestrutura que garanta sua reprodução, posto que
isso promoveria a imobilização de parte do seu capital, daí a importância do papel desempenhado
pelo Estado, posto que é esse quem assume tais gastos infraestruturais que garantem a reprodução
do capital. Essa realidade é evidente no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia.
173
– principalmente o gado bovino; associando a produção voltada a subsistência da
família. No entanto, a partir do momento em que os preços da laranja começam a
apresentar sinais de recuperação, entre 1999/2000, os produtores retomam seu
cultivo.
A partir do ano de 2000 após alguns anos de queda crescente nos preços
da laranja e mediante os primeiros sinais de melhoras nesse, verifica-se todo o
interesse dos agricultores em retomar e ampliar essa produção. Com isso,
associado ao processo de valorização das terras, verifica-se a expansão citrícola,
principalmente nas grandes e médias propriedades, em virtude da compra de novas
áreas, realidade enfatizada pelo Coordenador da EBDA de Rio Real:
Agora estão querendo expandir por causa dos preços, o preço está
favorável, então o pessoal está comprando e inflacionando o valor
da tarefa/hectare. Uma tarefa hoje vale em torno de 4 mil reais a
depender da idade dos laranjais. Um sítio plantado com laranja – 3
a 4 mil reais. Se a laranja for mais velha, é mais barato. Há alguns
anos (3 anos) atrás era 800 a 900 reais a tarefa, podendo chegar a
1.200 reais. (Pesquisa de Campo, depoimento de J. Leoni
Coordenador da EBDA de Rio Real – BA).
Essa
realidade
repercute,
negativamente,
para
aqueles
poucos
camponeses que resistem na terra, pois passam a ser, constantemente,
pressionados para vender suas terras para empresas e grandes latifundiários,
promovendo o agravamento dos condições sociais já existentes nessas regiões.
Desprovidos da sua condição de sobrevivência – a terra, esses camponeses
desterritorializados passam a engrossar o considerável exército de reserva.
O processo de “modernização” nas regiões citrícolas do Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia, se efetiva mediante a seleção dos produtores de
laranja, impulsionado pelo Estado para atender as demandas das grandes
174
empresas do agronegócio. Nesse processo, separam-se os que podem pagar o
preço dessa inserção produtiva dos que não podem e, por isso, perdem suas terras,
ou são abandonados à própria sorte.
Frente a essa realidade, evidencia a necessidade de se fazer uma revisão
na política agrícola do Estado brasileiro, com uma reforma na sua estrutura
fundiária, buscando organizar a base produtiva camponesa dos pequenos
proprietários e proletários rurais, adequando-os às necessidades estabelecidas do
módulo fiscal de cada área definida pelo MDA/INCRA. Deve-se estimular a
organização dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais com o fortalecimento
das cooperativas, associações e sindicatos, mesmo porque isso não tende a
acontecer espontaneamente no desenvolvimento do modo de produção capitalista
na agricultura. Compete ao Estado aparar as desigualdades entre o capital e o
trabalho, estabelecendo regras que coloquem os envolvidos no processo produtivo
em condições moralmente aceitáveis, para que não haja o aviltamento do pequeno
proprietário e do proletário rural dentro do processo produtivo, em face da
supremacia do poder econômico.
A produção de laranja se transformou, nesses últimos 40 anos, numa das
principais atividades econômicas voltadas para a exportação, incorporou um
extenso número de intermediários, um mais amplo jogo de interesses contraditórios,
a adaptação dos padrões de racionalidade e de produtividade, impostos em grande
parte por relações que são totalmente externas aos produtores agrícolas.
Diversos estudos destacam a expansão da atividade citrícola no país, que
toma novo rumo no Estado de São Paulo, no início do século 20, embora seja
dinamizado a partir da década de 50 e, posteriormente, há um redirecionamento em
outros Estados do país, inclusive nos Estados do Nordeste – como Sergipe e Bahia.
175
A partir de então o país se consolida como o maior produtor de laranja e,
posteriormente passa a ocupar o posto de maior exportador de suco concentrado
do mundo.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura – FAO –, o Brasil é o maior produtor mundial de laranja,
contribuindo com mais de 30% da oferta global. Esta posição foi
alcançada principalmente em função dos rigorosos invernos nas
décadas de 60 e 80 – ocorridos na região da Flórida (...); do
aparecimento de cancro cítrico que provocaram sérios danos aos
laranjais dos Estados Unidos, reduzindo a oferta deste país e
elevando sua demanda pelo suco brasileiro e também da política
cambial adotada pelo Governo para exportações. As condições
internas favoráveis para a expansão dessa cultura como terras,
créditos e os elementos modernizadores contribuíram para essa
posição alcançada pelo Brasil. (SANTOS, 1990, p. 23).
Contraditoriamente, essa realidade não significa o total desaparecimento
das pequenas unidades de produção, mas o processo de sujeição dessa renda
camponesa ao capital. Wanderley (1988) indica que uns dos fatores que explicam a
persistência da sujeição dos pequenos produtores de laranja a rede de
intermediação e exploração a que estão expostos em Sergipe e na Bahia, são as
relações de dependência e subordinação em relação ao capital industrial e
financeiro. Essas relações de dependência variam desde pequenas encomendas,
informações, até o repasse de crédito e transportes.
A história econômica da região dos laranjais de Sergipe e sua expansão
para o Litoral Norte da Bahia esteve ligada a produção de cana-de-açúcar, algodão,
fumo, pecuária, a agricultura de subsistência (feijão, milho, amendoim, batata-doce,
criação de galinhas e outros) e, a partir da década de 60, surge indícios de um
movimento de especialização da citricultura, fato que mais tarde proporcionou a
176
implantação das indústrias de suco concentrado para fins de exportação. (SANTOS
& ANDRADE, 1980).
Apesar da persistência de pequenos produtores na região citrícola do
Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia Akcelrud (1987), Oliveira (1996) e
Gonçalves Neto (1996) destacam que o modelo econômico implantado a partir de
64 acentuou o quadro de concentração fundiária existente, agravou as
desigualdades sociais no campo, aumentou o poder e a penetração do grande
capital e estimulou a expulsão de contingentes enormes de trabalhadores rurais das
terras que ocupavam, o que não foge a regra do que aconteceu em todo país.
Contra a necessidade econômica, contra a aspiração social e a mobilização política
pela democratização da terra, o modelo pós-64 favoreceu mais do que nunca, a
grande propriedade e os grandes capitais agroindustriais, aspectos que podem ser
observados na região em estudo; por outro lado, verifica-se o acirramento dos
conflitos dos trabalhadores, na busca do emprego que lhes garanta a sobrevivência
e a reprodução da família o que ocasiona na precarização das condições de
trabalho na região, na subordinação dos camponeses ao capital industrial e
financeiro e nos conflitos por terra.
Ao tratar do processo de expansão das indústrias no campo, em que não
foge a regra a realidade verificada na região citrícola baiana e sergipana,
destacamos o estudo realizado por Mazzali (2001) que evidencia o papel
desempenhado pelo Estado no sentido de promover o “desenvolvimento” regional, a
partir do qual verificou-se um processo de reorganização agroindustrial, sobre a
forma de redes, com ênfase na mobilidade dessas indústrias que representam
novas estratégias de acumulação e reestruturação do capital. Esse afirma que:
177
A flexibilidade (ou fuga da rigidez) foi o princípio orientador desse
processo de reestruturação. Como um desdobramento, a
reformulação das formas de organização das atividades produtivas e
da estrutura administrativa esteve na base da estratégia de
reestruturação da “agroindústria processadora”. Nesses termos, as
empresas tiveram por objetivo fundamental a aquisição de maior
mobilidade, visando ao aumento da capacidade de resposta aos
novos contornos – internacionais e nacionais –, no centro dos quais
situam-se profundas mudanças macroeconômicas e tecnológicas
(p.12).
Sobre a política de incentivos as médias e grandes propriedades e os
cultivos destinados ao mercado externo, Andrade (1986) avaliou que as agências
de desenvolvimento como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) criaram facilidades às atividades econômicas voltadas para exportação.
Afirma que isso provocou alterações no processo de produção com agregação de
tecnologias modernas e também a “destruição” das formas de relações de trabalho
tradicionais. As formas tradicionais de exploração da força de trabalho rural passam
a dar lugar a novas formas de produção, em que a mais-valia relativa e a
capacidade de capitalização da pequena produção se transformam no centro de
reestruturação das relações de produção.
Considerando esse realidade e seus rebatimentos no Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia pode-se considerar que as investidas das
empresas capitalistas e latifundiários locais, que mediante valorização das terras
promoveram a expulsão de muitas famílias camponesas, por outro lado não
promoveu sua extinção por completo, tendo em vista que em trabalho de campo
realizado nessas regiões conseguimos constatar a permanência de muitas dessas
unidades.
Contudo,
essas
sofrem
transformações,
são
constantemente
influenciadas a inserirem-se, de forma subordinada, a rede da produção da laranja.
Nesse processo, o capital não expropria o camponês, mas cria formas de se
apropriar de sua renda.
178
No estudo das regiões do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe,
nota-se que o impacto causado pelas modificações recentes implantadas no campo
via difusão da tecnologia, se por um lado proporcionou o aumento na área e
produção de laranja, por outro, não se reverteu em melhoria das condições de vida
e valorização do homem nordestino. O que se constata é justamente o contrário: um
quadro de abandono, em que crianças e adolescentes vivem ávidas de algum tipo
de trabalho a fim de suprir a carência de seus familiares. A situação de miséria e
abandono social está presente tanto na cidade como no campo dessas duas
regiões “promissoras” para a lógica do capital. Uma forma encontrada na mudança,
em que se procura manter o estado em que se encontram as coisas, seja pela
adaptação na mudança das relações de trabalho, seja pela alteração no cotidiano
dos que precisam vender sua força de trabalho ou pelas formas de sobrevivência
impostas na vida das pessoas no mundo rural ou urbano. Tudo isso faz com que se
acentue as disparidades econômicas e as desigualdades sociais.
Toda essa realidade brasileira e da América Latina, se reflete nos
espaços urbanos e rurais por causa da introdução de modelos insustentáveis para a
promoção do homem e do lugar: desterritorização, mudança e intensa mobilidade
em busca do elo perdido, tempo da técnica, tempo do trabalho árduo, espaço do
trabalho e espaço para não se permitir o trabalho. Eis um processo de urbanização
com anomalias e rugosidades, em que se perde o respeito pelo próximo, pela
natureza e pela vida. As relações sociais se modificam e o mundo rural e urbano se
torna confuso, complexo, na aparência e na essência.
A custa de uma realidade social aviltante para aqueles que vivem do
trabalho, o capital amplia seus tentáculos no território. A produção da laranja é
crescente, assim como a degradação da condições de trabalho e a sujeição dos
179
camponeses ao capital. A figura 02 apresenta a área colhida da laranja nos dois
estados do Nordeste Brasileiro, com destaque para os municípios pesquisados que
se localizam na fronteira.
Figura 02
Estado da Bahia e Sergipe
Área colhida da laranja por município em 2007
Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007.
180
Figura 03
Estado da Bahia
Municípios: área colhida em hectares de laranja
2007
Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007
181
Figura 04
Estado de Sergipe
Municípios: área Colhida em hectares de laranja de Sergipe
2007
Fonte: FIBGE, Out 2008. Dados 2007.
182
A figura 03 apresenta a produção de laranja no estado da Bahia. Pode -se
observar uma produção mais significativa no município de Rio Real, maior produtor
desse estado, seguido dos municípios de Inhambupe e Itapicuru, localizado na
região Nordeste da Bahia. A figura 04 destaca a produção de Laranja no estado de
Sergipe, que se concentra, principalmente, nos municípios do Centro-Sul. O maior
produtor do Estado é o município de Itabaianinha, seguido dos municípios de
Cristinápolis, Lagarto, Boquim, Salgado, Arauá e outros. A seguir, a tabela 10
demonstra a área colhida dos municípios do Centro-Sul de Sergipe entre o período
de 1987-2007.
Considerando o crescimento da área colhida de laranja nos municípios do
Centro-Sul de Sergipe, no período de 1987-2007, pode-se observar esses dados na
tabela 10 a seguir.
Tabela 10 - Estado de Sergipe – Região Citrícola
Área Colhida Com Laranja Por Município, 1987-2007
ÁREA COLHIDA/ em hectares
MUNICÍPIO
1987
1991
1994
1997
2001
Arauá
2.951
3.496
3.616 3.703
3.944
Boquim
5.576
5.616
5.685 5.785
5.132
Cristinápolis
631
1.896
2.363 2.545
5.209
Estância
633
1.190
1.395 1.807
2.254
Indiaroba
108
608
1.198 1.824
2.209
Itabaianinha
2.554
3.362
3.662 3.700
5.808
Itaporanga Dájuda
430
552
633
817
822
Lagarto
4.556
4.981
5.350 5.745
5.291
Pedrinhas
1.494
1.561
1.573 1.588
1.389
Riachão do Dantas
2.959
3.163
3.280 3.430
3.430
Salgado
3.920
4.280
4.374 4.584
4.510
Santa Luzia do Itanhy
401
629
892 1.667
1.996
Tomar de Geru
Umbaúba
Área da região(A)
Área do Estado(B)
Relação % A/B
551
2.350
29.114
29.462
98,82
958
2.668
34.960
35.539
98,37
1.243
2.745
38.009
39.195
96,97
Fonte: FIBGE – Produção Agrícola Municipal, 1987-2007.
183
1.361
2.886
41.422
42.270
97,99
2007
4.331
4.934
5.919
2.622
2.873
7.366
1.292
5.400
1.420
3.500
4.600
2.603
2.947 3.106
3.107 3.417
48.048 53.383
49.764 55.272
96,55 96,58
De acordo com os dados da tabela 10, observa-se que o município de
Boquim, no ano de 1987, apresentou a maior área colhida da região, o
correspondente a 5.526 hectares, dos 29.114 da região, o que equivale a 19% da
produção da região e 18% da produção estadual respectivamente. Boquim foi
seguido de Lagarto, onde encontra-se localizada a Cooperativa Mista dos
Agricultores do Treze – COOPERTREZE, com 4.556 hectares (ou 16% da produção
regional e 15% da produção estadual); Salgado, com 3.920 hectares (ou 13% da
área colhida regional e estadual respectivamente) e Arauá com 2.951 hectares (o
equivalente a 10% da área da região e do Estado).
Quanto à participação da região na área colhida do estado, ela passa de
29.114 hectares, o equivalente a 98,82% no ano de 1987, para 53.383 hectares
(dos 55.272 hectares, que corresponde a toda a área colhida do estado),
equivalente a 96,55% no ano de 2007. Este pequeno decréscimo na área colhida
estadual pode ser explicado pela expansão da atividade citrícola sergipana em
direção a região do Platô de Neópolis, especialmente os municípios de Neópolis,
Santana do São Francisco e Pacatuba, na década de 1990. Estes municípios
representam novos projetos de expansão do capital, a partir da difusão de
tecnologia para plantios irrigados. Ainda assim, torna-se visível a concentração do
cultivo da laranja no estado de Sergipe nos municípios do Centro-Sul.
Em 2001, a área colhida no município de Boquim foi superada pela
expansão ocorrida nos municípios de Itabaianinha, com 5.808 dos 48.048 hectares
colhidos na região (ou 12% da área colhida) e dos 49.764 hectares colhidos no
estado (ou um percentual de 11%); Lagarto, com 5.291hectares colhidos (ou 11%
da área plantada regional e 10% da área plantada estadual); e Cristinápolis, com
5.209 hectares colhidos (ou 10% da área da região e do Estado) – nesse último
184
município, destaca-se o fato de o maior produtor da região dispor de várias
fazendas, o que elevou a sua participação na área colhida regional e estadual.
Alguns municípios, onde a expansão citrícola se deu posteriormente à
disponibilidade de áreas agrícolas, foram, rapidamente, incorporadas à lógica
produtiva. Em 2001, Boquim ocupava a posição de quarto lugar em área colhida
regional e estadual, com 5.132 hectares colhidos (cerca de 10% da área colhida).
Em 2007, como resultado do programa de revitalização da citricultura
sergipana, Boquim reduz sua área colhida com a erradicação de muitos pés velhos
e plantio de novos. Nos demais municípios citrícolas da região houve um aumento
da área colhida. De acordo com o discurso oficial difundido pelos órgãos públicos
atuantes na região tal crescimento pode ser explicado pelos resultados alcançados
pelo programa de revitalização iniciado em 2004 pelo estado de Sergipe. No
entanto, para nós, tomando por base dados coletados em trabalho de campo essa
expansão significou a incorporação do novas terras a lógica produtiva do capital que
se refletiu na concentração de terras nas mãos de latifundiários e empresas rurais
como também por meio da sujeição camponesa ao capital.
Os dados do IBGE referentes a área colhida de laranja (figura 05) no ano
de 2007 e da produção de laranja em toneladas para esse mesmo ano (figura 6)
podem ser observados a seguir.
185
Figura 05
Considera-se que o Programa de Revitalização da Citricultura teve como
objetivo central selecionar os citricultores, causando graves problemas sociais na
região, tendo em vista a perda da terra para muitas famílias e o endividamento ou
mesmo a impossibilidade dos camponeses que permanecem em suas terras de
participar do processo produtivo. Assim, fica evidenciado que a área citrícola se
distribuiu com o fortalecimento de outros municípios da região, passa a ter nova
dinâmica
a
“região
citrícola”
do
Centro-Sul
sergipano,
demonstrando
a
predominância dessa atividade na sua economia, ou seja, na especialização da
186
produção, em montão com a pecuária extensiva dos médios e grandes proprietários
do estado de Sergipe.
Figura 06
A partir da expansão da laranja e baseando-se em critérios ecológicos,
estudos elaborados por técnicos da SUDAP, (atualmente EMDAGRO), apresentam
uma divisão da região que é identificada em quatro zonas:
Zona I – Boquim, Pedrinhas e Riachão do Dantas – Área tradicional;
Zona II – Arauá e Itabaianinha – Área tradicional;
187
Zona III – Lagarto, Salgado e Itaporanga D’Ajuda – Área de expansão;
Zona IV – Umbaúba, Cristinápolis, Santa Luzia do Itanhy , Tomar do Geru, Estância
e
Indiaroba – Área de expansão.
Atualmente, as zonas III e IV, caracterizadas, no momento, como áreas de
expansão, foram, de fato, incorporadas pela atividade citrícola. Essa divisão pode
ser observada na figura 07 a seguir.
Figura 07
Fonte: EMDAGRO e SEI, 2003. Organização: Altemar Amaral Rocha, 2009.
188
Com relação à Região do Litoral Norte da Bahia, verifica-se que o
município de Rio Real concentra a maior parte da área colhida de laranja.
Entretanto, é visível uma tendência à expansão em direção a outros municípios
como Itapicuru, Entre Rios, Esplanada, Inhambupe, que representam as novas
possibilidades de expansão dos grandes proprietários produtores de laranja e do
capital na região. Os dados referentes à expansão da área colhida, entre os anos
de 1990 e 2007, podem ser observados na tabela 11.
Tabela 11
Estado da Bahia – Região do Litoral Norte
Área colhida com Laranja por Município, 1990-2007
MUNICÍPIOS
ÁREA COLHIDA/ em hectares
1990
1994
1997
1999
2001
2007
Acajutiba
300
400
250
250
250
180
Alagoinhas
1.605
1.200
1.312
1.180
1.000 1.150
Aporá
80
112
112
30
75
75
Araçás
60
60
60
60
40
40
Aramari
75
75
160
160
150
150
Cardeal da Silva
4
60
60
60
60
60
Catu
24
24
24
24
24
34
Conde
200
Entre Rios
400
800
860
750
650
650
Esplanada
200
285
38
38
38 1.200
Inhambupe
1.265
3.500 5.400
5.400
5.350 5.350
Itanagra
23
25
20
10
5
Jandaíra
200
660
800
800
800
800
Mata de São João
60
47
50
28
37
7
Ouriçangas
22
22
22
22
22
22
Pedrão
2
10
10
10
10
5
Pojuca
14
16
12
9
3
28
Rio Real
10.800 20.000 25.000
23.000 23.000 23.000
São Sebastião do Passe
120
120
120
120
84
14
Sátiro Dias
8
10
300
100
40
100
Total da Região (A)
15.262 27.426 34.615
32.051 31.638 33.065
Total do Estado (B)
28.691 42.748 54.150
49.270 49.449 54.213
Relação % A/B
53,19
64,15
63,92
65,05
63,98 60,99
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal 1990 – 2006
No ano de 1990 a Região do Litoral Norte foi responsável por 15.262
hectares colhidos de laranja, do total de 28.691 hectares de todo o estado da Bahia,
o que corresponde a 53,19% da área colhida. Neste mesmo ano, Rio Real foi
responsável por 10.800 hectares, ou cerca de 71% da área colhida regional e 38%
189
da estadual. Em 1997, período de crise na citricultura, o município de Rio Real
obteve 25.000 hectares colhidos, o que correspondeu a 72% da área colhida
regional e 46% da estadual. Entre os anos de 1990 e 1997, o município de Rio
Real alcançou um crescimento de mais de 112% na sua área citrícola, tornando-se
o maior município em área colhida de laranja do Nordeste e segundo do Brasil. Para
que essa expansão ocorresse em um período tão rápido, atraindo o capital nacional
e internacional. Destaca-se o papel desempenhado pelo Governo do estado da
Bahia, na criação de órgãos de pesquisa e programas voltados para estimular a
citricultura na região. Nos anos posteriores, entretanto, com a crise que se abateu
sobre a citricultura, os municípios do Litoral Norte da Bahia apresentaram quedas
consideráveis nas suas produções. Apesar disso, o município de Rio Real continuou
apresentando a maior área colhida da região, do estado e da Região Nordeste do
país.
Assim, no ano de 2001 e 2007, respectivamente, esse município foi
responsável por 23.000 hectares colhidos, do total de 31.638 e 33.065 na região
(ou 73% e 69,55% de toda a área colhida nos anos de 2001 e 2007) e dos 49.449 e
54.213 hectares colhidos no estado nesses anos (ou seja, 46,5% e 42,42 da
produção estadual). Com relação à participação da Região do Litoral Norte nas
áreas citrícolas no estado da Bahia, ela salta de 53,19% em 1990, para 63,98% em
2001 e reduz para 60,99%, ainda assim sobressaindo-se em relação a municípios
com tradição na citricultura no estado da Bahia, como Cruz das Almas e Sapeaçu,
no Recôncavo Baiano.
Cabe-nos destacar que para além dos dados, os principais motivos que
levaram a expansão e especialização da produção não foram simplesmente uma
tendência natural ou a tradição dessa região para tal cultivo, mas os interesses do
190
capital (sobretudo industrial e financeiro) em difundir essa produção e se apropriar
dos resultados do produto do trabalho realizado pelos camponeses e trabalhadores
da laranja, contando, com isso, com todo incentivo por parte do Estado e tendo nos
latifundiários da região seus aliados diretos. A aliança Estado-Capital-Latifúndio
pode ser observada na medida em que, embora personifique realidades distintas,
muitas vezes se confundem na mesma pessoa. Assim, o latifundiário se associa a
indústria, passando a auferir renda da terra e lucro, ou fazem parte da estrutura do
estado, e ocupando cargos públicos promovem projetos voltados para benefícios
próprios, dentre outras relações.
Para se obter uma visualização do processo de apropriação dos espaços
nos estados da Bahia e de Sergipe para a produção citrícola, compreendido apenas
como uma representação que, em momento algum substitui os processos históricos
pode-se observar na figura 08 . Acrescenta-se que além das regiões denominadas
Litoral Norte (em destaque os municípios de Rio Real e Inhambupe), Nordeste
(principalmente o município de Itapicuru) e Recôncavo Sul (com municípios
tradicionais na produção de laranja como Cruz das Almas, Sapeaçu, Santo Antonio
de Jesus e outros), no estado da Bahia e o Centro-Sul no estado de Sergipe,
acrescenta-se as novas experiências voltadas para esse cultivar no Platô de
Neopólis,
no Baixo São Francisco, que conforme já apontado constitui-se em
possibilidades futuras para a apropriação capitalista. No estado de Sergipe,
destaca-se produção dos municípios do Centro-Sul do estado, que no mapa pode
ser observados, mais ou menos, tomando por base a margem direita do Rio VazaBarris na região agreste e litoral sul.
191
Figura 08 – Regiões produtoras de Laranja nos estados da Bahia e
de Sergipe, 2009.
Fonte: SEI, IBGE e SEC/SE; Elaborado por Altemar Amaral Rocha, UESB-DG, 2009.
192
A localização das principais áreas dos pomares na Bahia está entre os
municípios do Agreste de Alagoinhas, Litoral Norte e Recôncavo, superior a 1.500
Km² ou o equivalente a 150.000 hectares disponíveis para a citricultura. Passos
(1998) apresenta uma classificação levando em consideração as atividades
ecológicas e a tradição agrícola para a citricultura:
Zona I – Rio Real, Jandaíra, Inhambupe, Entre Rios, Acajutiba e Alagoinhas.
Zona II – Catu, São Sebastião do Passé, Pojuca e Mata de São João.
Zona III – Feira de Santana, Conceição do Jacuípe, Amélia Rodrigues, São Gonçalo
dos Campos, Conceição de Feira, Santo Amaro (parte).
Zona IV – Santo Amaro (parte), Cachoeira, São Felix, Muritiba, Governador
Mangabeira, Cruz das Almas, Sapeaçu, Castro Alves.
Zona V – Conceição do Almeida, São Felipe, Santo Antônio de Jesus, São Miguel
das Matas, D. Macedo Costa, Muniz Ferreira, Jaguaribe.
Zona VI – Elísio Medrado, Amargosa e Lage.
Entre essas “zonas” destacam-se as de número I consideradas
atualmente as maiores produtoras do estado, englobando municípios do Litoral
Norte do estado e IV enquanto áreas de produção antiga e conta com determinados
equipamentos e órgãos de fomento a esse tipo de produção, com destaque a
EMBRAPA e a Escola de Agronomia no município de Cruz das Almas da UFBA.
Acrescenta-se que a fronteira atual da produção da laranja o Estado espalhou-se
para a região Nordeste tendo no município de Itapicuru um dos maiores produtores
do estado. Assim, considera-se que o capital não tem fronteira fixa, e a partir de seu
desenvolvimento desigual e combinado se instala onde encontra as condições
concretas de se reproduzir.
193
Considerando tal expansão, acrescenta-se que no ano de 2007 o estado
de Sergipe apresentou uma área colhida de laranja de 55.272 hectares e o estado
da Bahia 54.213 hectares (IBGE, 2007). Assim, o total de área plantada,
multiplicado por 100 pés de laranja por hectare, fica em torno de 5.400.000 de pés
para cada estado.
Além disso, o eixo da laranja está mudado, saiu de Boquim e espalhou-se
para Itabaianinha, Lagarto, Umbaúba e Cristinápolis, esses dois últimos favorecidos
pela localização geográfica, pois por esses municípios passa a BR – 101, que os
tem beneficiado, mais recentemente, no processo de comercialização e circulação
da laranja. Essa mesma realidade é visível em Rio Real, que além de grande
produtor, se tornou o principal centro para beneficiamento e comércio da laranja dos
municípios produtores do Litoral Norte da Bahia, passando a ser o principal ponto
de convergência e intermediação da Região.
Nessa expansão, não se pode desconsiderar as contradições inerentes a
apropriação desse espaços pelo capital esse se reproduz na precarização das
condições de trabalho e na sujeição dos camponeses que se mantêm na terra. Os
trabalhadores da laranja, conforme observado em trabalho de campo são
precarizados, não possuem direitos trabalhistas, realizam jornadas extensivas de
trabalho e em diversos momentos do ano sequer tem acesso a esse direito. Na
indústria, por exemplo, deixam de receber parte das horas-extras que fazem e que
são suas por direito para receber um salário no período em que a indústria
encontra-se fechada. Ou seja, para não se constituir um ônus para os capitalistas,
esses mesmos são os que precisam garantir o salário quando os capitalistas não
obtêm o lucro no processo produtivo. No campo a precarização se expressa na
presença do empreiteiro que garante a flexibilização das condições de trabalho. Nas
194
cidades, as fileiras de trabalhadores buscam o trabalho nas beneficiadoras da
região, no comércio local e no mercado informal de trabalho. A população
desempregada é significativa e a existência dessa, por outro lado, acaba por
realimentar as condições aviltantes do trabalho. A tais condições de trabalho somase a inoperância dos órgãos competentes para a fiscalização e o crescente
desemprego estrutural que acaba por engessar uma atuação mais efetiva dos
sindicatos na luta pelos direitos dos trabalhadores.
O imperartivo do empresariado com relação à "flexibilização" e
"terceirização" não pode influenciar a ordem jurídico-trabalhista até então vigente,
pois a classe proletária é prejudicada devido a tais ‘inovações’. O ministério público
Federal declarou ilegal a terceirização de mão-de-obra destinada à colheita de
laranja em todas as propriedades rurais que desenvolvem atividade agrícola,
pessoalmente ou através de prepostos. No entanto os resultados efetivos ainda não
são visualizados nas regiões em estudo. A justiça do trabalho considera em suas
sentenças e declara em suas decisões que o programa constitucional de nosso
Estado de Direito deve-se buscar o pleno emprego, e não a prática do pleno
trabalho, melhor ajustando-se essa última meta aos regimes escravocratas.
Além da precarização do trabalhador rural expropriado, não se pode
desconsiderar a situação dos camponeses que, com sacrifício, busca desenvolver
estratégias de permanecer na terra. Impulsionados a plantar a laranja (já que sem
isso não teriam acesso aos parcos recursos oferecidos pelo estado) acabam nas
mãos das indústrias processadores, sendo ainda parte de sua renda apropriada
pelos atravessadores que intermediam a comercialização do produto. Caso o
produto (a laranja) seja levada para as beneficiadoras outra parte da renda
camponesa fica nas mãos dos donos de beneficiadoras, atravessadores locais. Por
195
fim, o camponês acaba ficando com uma parcela mínima do que produziu por meio
do trabalho. O exemplo do camponês pequeno produtor de Boquim, reflete o que
acontece com a maioria das pequenas unidades de produção de laranja não só de
Sergipe, mas também da Bahia:
A situação aqui é precária, dividi e deixei um pouco a laranja e
depois plantei também banana, quero plantar batata e milho.
Dividindo assim, fica só para o consumo não dá mais para vender
nada, pois a área é de apenas um hectare. (Depoimento de M. l C.
Santos – Camponês de Olho D’água – Povoado de Boquim/SE).
Ainda que tenham dificuldades concretas de permanecerem na terra,
esses camponeses vêem no cultivo de produtos voltados a subsistência, aliado ao
cultivo comercial da laranja uma possibilidade de continuarem resistindo. Outros
tantos se endividam e perde as terras, se proletarizando, conforme já destacando
anteriormente. Como a maioria dos pequenos produtores de laranja encontra-se
nessa situação, fica difícil imaginar uma “lógica empreendedora”, sem uma
alteração da estrutura fundiária. É por conta dessa realidade que nas regiões em
estudo o processo de luta pela terra via movimentos sociais adquire significativa
proporção, assuntos que veremos no capítulo 4 desta tese. O depoimento do
trabalhador sem terra, a seguir, espelha essa realidade, vivenciada por proletários
rurais e pequenos proprietários no País.
Tenho 42 anos, mas não agüento dar comida a meus cinco filhos.
Os filhos são menores, não podem trabalhar. (...) Um dos meus
filhos tem 17 anos e não pode trabalhar. Tanto ladrão devia ser
punido, o trabalhador não. Se o trabalhador não levar alimento para
a cidade, quem vai levar? (...) vivo passando necessidade, dois dos
meus filhos tem bolsa escola e recebem R$ 30,00 por mês. Ano
passado eles receberam R$ 30,00 e eu gastei R$ 70,00 de material
para a escola. (...) Quando meu pai ficou doente eu sustentei a
casa. Hoje meu filho não pode trabalhar para me ajudar. (...) a gente
196
trabalha 12 meses no ano e não tem um dia de alegria. Vivo no
veneno, com problema de vista. Meu patrão não conhece um pé de
laranja mais do que eu. (Depoimento de A. J. dos Santos no ano de
2003– proletário rural de Arauá/SE).
Este proletário rural, no momento da entrevista, estava aplicando produto
químico para matar formiga, sendo esse altamente tóxico. Como não utilizava os
equipamentos necessários, o produto estava em contato direto com as suas mãos,
reclamava de problemas com a sua visão, além da fadiga provocada pelo excesso
de trabalho. Sabe-se que o referido produto, quando entra em contato com a pele,
adentra a corrente sangüínea, provocando danos à saúde de forma generalizada.
Os camponeses e os proletários rurais são as principais vítimas do uso
generalizado dos formicidas, herbicidas e fungicidas, difundidos pelo modelo
perverso e globalizante. Destaca-se ainda que o modelo econômico implantado na
lavoura se fundamenta em uma mentalidade extremamente equivocada, de
negação do trabalho e das formas de organização simples e comunitária para o
desenvolvimento do homem em sua totalidade. Com isso, a generalização da perda
da propriedade trabalhista tem provocado anomalias e distorções que repercutem
nas formas estabelecidas do processo de produção e reprodução do espaço social,
que está presente e que produz tanta riqueza através de um trabalho árduo e
honesto, razão de ser do homem nordestino.
A produção do espaço se faz por meio do resultado da propriedade
do trabalho, do que o trabalhador executou e se revela como um
momento intimamente ligado ao ser e estar no espaço. É o
resultado do trabalho. (SILVA, 2001: 53).
A perda da propriedade do trabalho através de mecanismos de
expropriação se intensifica em nome dos novos tempos, com uma prática tão antiga
de reger o território. Isso provoca não apenas a perda da propriedade, mas também
197
da possibilidade de ter acesso a um sistema de troca de experiência no campo da
saúde, da educação, da dignidade humana e do próprio fortalecimento das
verdadeiras raízes do Brasil. Além da nossa origem nativa da América, somos
descendentes de Africanos, Asiáticos, Europeus e, sobretudo, latinos, portanto,
devemos valorizar a nossa emoção em trabalhar, que é muito superior a cultura da
razão tecnificante que os governantes e dirigentes do Estado capitalista insistem em
nos impor (DINIZ DOS SANTOS, 2004).
3.3.1 Órgãos atuantes: as políticas públicas para o “desenvolvimento
regional”
Para entender o processo de expansão da atividade citrícola, no CentroSul de Sergipe e posteriormente no Litoral Norte baiano e entorno, deve-se
entender o papel desempenhado pelo Governo Federal e Governos Estaduais – de
Sergipe e da Bahia –
na montagem de todos os incrementos infraestruturais,
tecnológicos, creditícios e agronômicos, com a instalação de bancos, abertura de
estradas, instalação de órgãos de pesquisa e extensão rural nestes estados; órgãos
de fiscalização, estações experimentais, mercados de produtores, dentre outras
medidas, que fizeram com que essas regiões se tornassem atrativas para o capital
nacional e internacional.
A partir deste aparelhamento, destaca-se a territorialização de diversas
indústrias, que vão promover alterações na base produtiva, selecionando os
produtores e modificando social e espacialmente a realidade das regiões em
estudo. Neste sentido, é mister enfatizar o papel dos órgãos de pesquisa e
extensão e dos órgãos de fiscalização instalados no Centro-Sul de Sergipe e Litoral
198
Norte da Bahia e saber qual a participação de cada um deles na organização
espacial e produtiva da citricultura.
Os principais órgãos atuantes na pesquisa e extensão rural nas regiões
do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia são tanto órgãos da esfera
federal como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, quanto
órgãos estaduais, destacando-se no estado da Bahia a Empresa Baiana de
Desenvolvimento Agropecuário – EBDA e, no Estado de Sergipe, a Empresa de
Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe – EMDAGRO.
Na esfera federal as pesquisas realizadas pela EMBRAPA acabam
chegando aos locais em estudo, mesmo que não se tenha um escritório da referida
empresa. Apesar disso, apontamos em pesquisa anterior que EMBRAPA – vem
atuando na região do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, na atividade
citrícola, a partir de três principais unidades, uma localizada em Sergipe: a
EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, com sede em Aracaju, capital do Estado; uma
localizada no Estado da Bahia: a EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, com sede em
Cruz das Almas (que desenvolve pesquisas específicas voltadas ao cultivo da
laranja); e a terceira, a EMBRAPA-CPATSA (Centro de Pesquisas Agropecuárias
do Trópico Semi-Árido) localizada em Petrolina, Estado de Pernambuco, embora
ligada ao Estado da Bahia – através de pesquisas nas áreas de fruticultura irrigada
envolvendo os municípios de Juazeiro-BA/Petrolina-PE.
Apesar da distância, a EMBRAPA-CPATSA tem contribuído para as
pesquisas da região, principalmente com as experiências desenvolvidas sobre
viveiros telados, que vêm sendo difundidos nas áreas citrícolas (como a área de
estudo desta pesquisa). Estes viveiros são colocados por essa empresa como “uma
alternativa” para o controle de pragas e doenças que têm afetado os laranjais.
199
Na Região do Centro-Sul sergipano destaca-se ainda a participação da
EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, que tem desenvolvido parceria com os órgãos
estaduais como a EMDAGRO, no controle de pragas e doenças como a CVC e a
Orthésia. Na Bahia, há a atuação da EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, que vem,
junto a EBDA e a ADAB, desenvolvendo diagnósticos sobre a citricultura na Bahia e
disponibilizando uma série de pesquisas e experimentos em porta-enxertia, controle
de pragas e doenças, dentre outros. Assim, percebe-se, claramente, uma interrelação entre as esferas Federal e Estadual que, juntas, passam a trabalhar em
parceria a fim de possibilitar a expansão citrícola nos referidos Estados, atraindo o
capital nacional e internacional. Esse mesmo esforço não se destina, por exemplo,
aos cultivos típicos da subsistência dos camponeses, na condução de um
independência, ainda que relativa, desses produtores diretos.
De
acordo
com
informativos
e
entrevistas
disponibilizadas
por
pesquisadores e técnicos a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário –
EBDA –, localizada em
Rio Real-BA, trabalha com a elaboração e
acompanhamento de projetos agropecuários, dando suporte no que se refere à
assistência técnica, extensão rural e organização social. Sua atuação também se
dá por meio de cursos de capacitação de mão de obra, de atividades de extensão,
bem como métodos demonstrativos em campo e unidades de demonstração,
principal via pela qual os conhecimentos são repassados aos produtores. Esses
cursos visam introduzir novas tecnologias e buscar o aperfeiçoamento das áreas
existentes. Sua atuação procura, principalmente, atender o pequeno e médio
produtor. Desenvolve um sistema de produção integrada de citros (PIC),
transferindo novas tecnologias e adaptando outras: adequação do controle de
200
pragas e doenças; manejo do solo; incentivo à adubação morta e verde; e
construção de um perfil de amostras.
Apesar de todas as pesquisas desenvolvidas para a “dinamização da
produção”, os técnicos da EBDA asseveram que “a produtividade ainda é baixa”,
15 ton/ha. Esses números variam de produtor para produtor a depender das suas
condições de produção, dos cuidados nos cultivos, dos incrementos tecnológicos
utilizados, dentre outros, podendo, portanto, chegar a 32 ton/ha. Com relação aos
“pequenos produtores”, entretanto, os entrevistados na pesquisa de campo
afirmam que a média de produtividade está na faixa de 15 ton/ha, permanecendo
abaixo das expectativas da EBDA. Essas informações deixam claro quais os reais
objetivos impregnados na ação desse órgão, o “aumento da produtividade da
laranja”, dessa forma questionamos: a quem, de fato, o aumento da produtividade
da laranja vai servir? Essa até pode melhorar um pouco a renda do produtor direto,
mas, certamente, se reverterá em lucros significativos para as indústrias. A lógica
da inserção subordinada acaba por se sobrepor a experiências concretamente
voltadas para a melhoria de vida dos camponeses.
Ainda sobre a produção, os técnicos dizem que existe uma variação
durante o ano, com destaque para o período situado entre maio e setembro,
quando acontece a maior safra da região. Além desse, há o período que vai de
novembro a dezembro, e de fevereiro a março, quando ocorrem as safras saroia e
temporã. Já os meses de março e abril são caracterizados como de repouso.
Mesmo assim, o período que vai do final de janeiro a maio é considerado da
safrinha ou temporã.
Para eles um dos graves problemas que tem repercutido negativamente
na produção e produtividade da região são os constantes ataques de pragas e
201
doenças, requerendo dos produtores constantes investimentos a fim de controlálas, aumentando, assim, a dependência em relação aos defensivos químicos e
prejudicando a economia desses proprietários, principalmente dos pequenos
produtores, que já dispõem de poucos recursos creditícios. As principais pragas
que têm atacado os laranjais na região são: o acáro da face da ferrugem, a larva
minadora, a orthésia, o purgão, a cochonilhas, dentre outras. Em se tratando de
doenças, destaca-se uma: a Clorose Variegada de Citros (CVC), que desperta a
preocupação por causa do declínio provocado pela morte súbita dos citros no
Sudeste do país.
Ainda que se considere a necessidade da EBDA atuar no controle das
pragas e doenças que atingem os laranjais, há que se destacar que os principais
problemas existentes nas regiões em estudo diz respeito a concentração da terra e
da renda, a inserção subordinada dos camponeses ao processo produtivo, as
relações precarizadas de trabalho, o desemprego estrutural que atinge grande
quantidade de trabalhadores, dentre outros aspectos. Portanto, não se trata da
produção da laranja em si, mas de que modo a difusão desse cultivar por
empresas capitalistas vão promovendo em série de questões sociais nas regiões
repercutindo na formação de espaços da riqueza versus espaços da pobreza.
No controle dessas pragas e doenças, diversos procedimentos têm sido
realizados pela EBDA, dos quais pode-se destacar a coleta de amostras que são
remetidas para institutos de pesquisas e universidades do país, a fim de não
apenas identificá-las, mas também de apontar uma possibilidade de tratamento
das mesmas.
Com relação à utilização de adubos químicos, os técnicos da EBDA
afirmam que grande parte dos produtores utiliza-os por conta própria, sendo o mais
202
usado o NPK. Normalmente, não são feitas análises de solo, ou, quando são
realizadas, os produtores passam 2 a 3 anos sem adubar, a depender da
conjuntura, o que acaba interferindo na produtividade da planta. A partir do ano
2000, com as melhorias ocorridas nos preços da laranja e conseqüente melhoria
financeira para o citricultor, houve um maior investimento na produção. No entanto,
os altos investimentos no uso de produtos que devem ser feitos pelos produtores, já
que os produtos têm custos altos e geralmente a quantidade utilizada é excessiva,
na faixa de 1 a 2kg para cada planta, o que encarece os custos da produção e,
principalmente, em período de crise, torna-se mais uma dificuldade a ser vencida
pelos produtores, mormente aqueles com piores condições financeiras
Os técnicos entrevistados da EBDA apontam ainda a pouca quantidade
de funcionários para atuar em campo, fato que dificulta a assistência técnica,
“beneficiando” alguns poucos produtores, em detrimento da grande maioria que,
sequer, tem acesso às orientações e tecnologias desenvolvidas por esse órgão.
Além disso, os técnicos afirmam que não há atendimento individualizado, mas,
apenas, por meio de associações, o que inviabiliza o atendimento aqueles mais
pobres. O atendimento individualizado só é oferecido quando se trata de aplicação
de créditos, já que é preciso fiscalizar, verificar se está sendo adequado, já que é
um contrato a ser cumprido pela empresa. Ou seja, é do interesse do capital
financeiro. Essa fiscalização é também realizada pelo BNB e Banco do Brasil,
embora tenha de constar o seu aval. Nesse sentido, cabe-nos criticar as ações do
banco e do próprio estado, já que a maioria dos débitos advindos por intermédio
dos créditos bancários ocorre, sobretudo, por parte dos grandes produtores.
A “solução”, de acordo com técnicos da EBDA, para melhorar as
questões referentes ao aumento da “produção e da produtividade” na região, é
203
viabilizar a difusão dos viveiros telados, para a produção de mudas livres de pragas
e doenças, uma tecnologia cara e inacessível para os mais pobres. De acordo com
pesquisas realizadas por Santos (2004) e Oliveira (2007) a implantação dos viveiros
telados voltou-se para os médios e grandes produtores da laranja, que além de
produzirem suas próprias mudas comercializam. Para os agricultores mais pobres a
“imposição” das mudas teladas repercutiu negativamente na produção, uma vez
que impediu os mesmos de produzirem suas próprias mudas, adequadas as suas
condições concretas de vida. O Ministério da Agricultura e a ADAB são os órgãos
responsáveis pela fiscalização das atividades agropecuárias no Estado da Bahia.
A Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB) é um órgão
responsável pela fiscalização e controle das mudas produzidas e em circulação. Ela
emite certificados de produção de mudas para o mercado interno e externo,
atendendo às exigências do Serviço de Defesa Sanitária Vegetal, do Ministério da
Agricultura e do Abastecimento. Tem por objetivo verificar a existência e os
impactos das doenças em pomares cítricos. Dentre as ações desenvolvidas por
este órgão, destacam-se o controle de pragas, o controle na utilização de
agrotóxicos e a educação sanitária, de acordo com a legislação vigente.
Em Sergipe, a montagem do aparelho estatal, voltado para a dinamização
agropecuária na Região Centro-Sul de Sergipe, corresponde, temporalmente, ao
processo de expansão e consolidação da produção de citros (especificamente a
laranja) enquanto cultivo econômico, direcionado ao mercado externo. Assiste-se
também à chegada das indústrias processadoras de suco, que se instalam no
Distrito Industrial de Estância – uma das principais cidades da região. A partir de
então, é possível entender o interesse do Estado de Sergipe na criação de órgãos
de pesquisa e extensão voltados para a “dinamização da agricultura”, com base na
204
“modernização da produção e aumento da produtividade”. Automaticamente, tais
pesquisas passam a se concentrar nos chamados “cultivos estratégicos”, em
detrimento dos ditos cultivos básicos, que servem para abastecer os mercados
locais e regionais.
Com esse propósito, a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de
Sergipe (EMDAGRO) é criada, em 1962, com o nome de ANCARSE, constituindose como a entidade precursora da execução das atividades de Extensão Rural no
Estado de Sergipe. Em 1976, passa a operar com o nome de EMATER-Sergipe,
mantendo os trabalhos voltados para a Extensão Rural. Por fim, em 1991, é criada
a EMDAGRO, que, segundo informações dos técnicos da Empresa, passa a
englobar as atividades agropecuárias como um todo, visando ao desenvolvimento
rural. Esta empresa é vinculada à Secretaria da Agricultura, do Abastecimento e da
Irrigação do Estado de Sergipe. A fotografia 29 mostra a sede da EMDAGRO de
Boquim.
Foto 29 – Sede da EMDAGRO/ Boquim - SE, 2003.
De acordo com informações prestadas pelos dirigentes dessa empresa, a
sua principal tarefa é educativa, ou seja, tem-se o propósito de “estimular os
produtores a melhorar a produtividade agropecuária e suas condições de vida”,
205
respeitando o ambiente, a partir de pesquisas desenvolvidas nas linhas de:
Assistência Técnica e Extensão Rural, Pesquisa Agropecuária, Fomento à
Produção Rural, Defesa Agropecuária, Estudos Agroeconômicos e Programas
Especiais. Percebe-se, assim, que há uma diferença nas competências dos órgãos
de pesquisa e defesa de Sergipe e da Bahia. No caso do Estado da Bahia, cabe à
EBDA (Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário) todo tipo de pesquisa e
experimentos em extensão rural; enquanto que a parte de defesa e fiscalização
pertence à ADAB. No Estado de Sergipe, todas essas ações cabem à EMDAGRO,
o que, segundo os técnicos entrevistados, ocasiona o excesso de trabalho, posto
que o quadro de funcionários é bastante limitado.
Os técnicos afirmam que os trabalhos são voltados prioritariamente para
pequenos produtores e suas famílias. Junto a esses produtores os agrônomos
buscam desenvolver “modelos alternativos”, visando o desenvolvimento rural. Além
disso, cabe à EMDAGRO assessorar as atividades agropecuárias, incentivar a
produção de alimentos e o fortalecimento das estruturas comunitárias – como o
cooperativismo e outras formas de organização – que permita ao produtor viver com
dignidade. Entretanto, essa dita dignidade, está cada dia mais ligada aos interesses
do capital industrial e financeiro, via sistema de créditos.
A qualidade da produção e baixa, fato que não afeta a produção industrial
que se vale desse fato para rebaixar os preços. Para o produtor direto, no entanto
torna-se um problema concreto, já que o produto do seu trabalho é desvalorizado.
Assim, a indústria passa a dominar os produtores, impondo os preços e, de certa
forma, impedindo a melhoria na produção, na renda camponesa e nas condições de
vida.
206
A sede da EMDAGRO localiza-se em Aracaju (SE) e está presente em
diversos municípios sergipanos através de 40 Unidades Locais, 4 Unidades
Regionais, nove Postos Fixos e 4 Postos Móveis. Os principais “parceiros” da
EMDAGRO, no cumprimento dos seus objetivos são: o Ministério da Agricultura, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário, a EMBRAPA, o INCRA, a CODEVASF, o
Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, o BANESE, as Prefeituras Municipais, as
Universidades, as Organizações Rurais, as Secretarias de Estado, o SENAR, a
Escola Agrotécnica, o SEBRAE, a FAESE, as Associações de Criadores, a FETASE
e o Ministério Público.
Dentre
os
principais
programas
e
projetos
desenvolvidos
e
compartilhados pela EMDAGRO, destacam-se: a) O Programa Nacional da
Agricultura Familiar (PRONAF), realizado em parceria com o Governo Federal,
através do Banco do Nordeste e Banco do Brasil. Esse programa visa à propiciação
de condições para o aumento da “capacidade produtiva”, da “geração de trabalho e
renda no campo”, contribuindo para a “melhoria da qualidade de vida e para a
ampliação do exercício da cidadania dos agricultores familiares”; b) O PRÓSERTÃO, que atua em 17 municípios da região, atendendo unidades de produção
com até 50 hectares, permitindo que os proprietários tenham na agricultura sua
principal fonte de renda.
Considerando os objetivos apresentados por esse órgão não resta dúvida
ao considerá-lo um dos canais de sujeição dos camponeses à indústria. A leitura
fundamenta-se na via da agricultura familiar, da inserção subordinada ao capital e
não na agricultura camponesa onde se pense em uma reprodução das unidades de
produção familiar com o mínimo de autonomia. Assim, a produção e a produtividade
passam a ser perseguidos, voltados para cultivos destinados ao mercado – nesse
207
caso a laranja. O campo é visto como possibilidade de geração de emprego e renda
e não como lócus de agricultores camponeses que tem na terra sua principal
condição de vida, por via do trabalho nessa empregado. Desse modo a via
apresentada para os mais pobres é a proletarização, e a terra deve ser destinada
aqueles com melhores condições de atender os padrões de produção e
produtividade estabelecidos pelo mercado.
De acordo com técnicos da EMDAGO de Arauá, em entrevista concedida
em novembro de 2008, o principal objetivo dessa empresa é investir em assistência
técnica voltada à agricultura familiar. Por outro lado, reconhece que há uma plena
ocupação da terra para o cultivo da laranja e criação por parte de médios e grandes
produtores, ficando os agricultores mais pobres que cultivam produtos destinados a
subsistência com pouca ou nenhuma terra para desenvolver tal produção. Esses,
geralmente, não possuem acesso a linhas de crédito e quando são contemplados
por algum projeto não tem terra e condições suficientes para fazê-lo, efetivamente,
funcionar. Destaca ainda as desigualdades no sistema de crédito a exemplo do
PRONAF, viabilizado através do Banco do Brasil e BNB, quando os produtores mais
pobres só podem ter acesso a um recurso pífio de R$ 1.500,00 e os com melhores
condições financeiras podem receber até R$ 30 mil.
Quanto as pragas e doenças destaca que hoje fazem controle biológico,
químico e que tem se conseguido conviver com essas, que felizmente na região não
se tem casos de problemas mais graves como acontece nos pomares paulistas.
Acrescenta-se a isso, todo aparato disponibilizado pelo estado para controlar e
garantir a produção. Destaca ainda o processo de erradicação do pomares antigos
e a renovação do plantio, fato que propiciou o crescimento da produção no estado
de Sergipe nos últimos anos. Contudo, trabalhos como os realizados por Santos
208
(2004) e Oliveira (2007) apontam que nesse processo centenas de camponeses
perderam sua terras por não poderem arcar com os custos da tal renovação.
Mais recentemente, mediante os efeitos de crise mundial, verifica-se as
regiões em estudo uma preocupação dos produtores mais capitalizados em
expandir a atividade e não obter os resultados desejados. Como resultado desse
crise, o técnico da EMDAGRO de Arauá destaca que já houve uma redução do 30%
do consumo de suco em caixa nos Estados Unidos e países da Europa, refletindose na produção das regiões em estudo.
3.4 Territorialização do capital por meio das Indústrias de suco
De acordo com Oliveira, Vanessa
D.
(2007) a formação do Complexo
Agroindustrial do Estado viabilizado a partir da instalação das indústrias
processadoras de suco,
“marcou uma nova etapa no desenvolvimento da
citricultura do Estado”, mediante a alteração da laranja para o suco concentrado
congelado.
Sobre a estratégia do capital na escolha e localização das indústrias que
funcionaram na região, sabe-se que essas utilizaram-se muitos recursos da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), do Fundo de
Investimento do Nordeste (FINOR), de matérias-primas a preços bem mais baixos
(em relação a São Paulo, por exemplo) e da força de trabalho barata disponível nas
regiões em estudo. Passados os 10 anos de isenção fiscal a que tinham direito,
parte dessas indústrias abandonaram a região, buscando novos espaços para as
suas necessidades de acumulação.
209
Assim, após a mobilidade, o capital deixa enormes prejuízos financeiros ao
patrimônio público. Segundo informações coletadas em campo e também publicada
pelo Jornal Cinform de Sergipe, a Frutos Tropicais foi vendida por R$ 5 milhões,
mas a dívida deixada (de ICMS), junto ao Banco do Nordeste do Brasil, Banco do
Brasil, INSS e Estado de Sergipe, ultrapassava esse valor. Muitas denúncias foram
feitas quanto à utilização dos enormes recursos financeiros injetados nas indústrias,
quando muitos empresários tradicionais no ramo da fruticultura, valendo-se de
prestígio político (e dos altos cargos que ocupavam), conseguiram, assim, viabilizar
uma série de incentivos para benefícios próprios. (JORNAL CINFORM, 2002)
Com base em documentos da Junta Comercial de Aracaju, essas indústrias
começaram a se instalar em Sergipe, no Distrito Industrial de Estância, na década
de sessenta, do século 20, com o objetivo de produzir suco, mediante uma
produção da laranja já existente e em franca expansão, mas só vieram a se
consolidar, de fato, em 1978 e 1980. Na década de 1960, grupos industriais, muitos
políticos de Boquim e outros municípios fizeram a constituição da indústria de suco
que, só vinte anos depois, passou a operar para a produção de suco concentrado
para exportação. Após 10 anos de estabelecida, quando acabaram os incentivos
fiscais, a empresa fechou. Com essa mobilidade se desterritorializam e vão buscar
outros espaços, onde possam adquirir novas vantagens locacionais, creditícias e
dispor de força de trabalho barata.
O volume de dinheiro que a SUDENE injetou e o próprio montante que o
Governo do Estado investiu, além do volume de dinheiro movimentado, não justifica
a imensa dívida que essas indústrias deixaram para com o Banco do Nordeste do
Brasil (BNB), Banco do Brasil (BB), com o Instituto Nacional de Seguridade Social
210
(INSS) e com o próprio Governo do Estado (através do Imposto de Circulação de
Mercadorias e Serviços – ICMS).
Por isso, não se pode deixar de chamar a atenção para a política de
industrialização implantada no país, principalmente após a década de 1950. No que
se refere ao Centro-Sul de Sergipe, considera-se que com a intensificação da
produção citrícola, indústrias processadoras de suco passaram a funcionar nessa a
partir do final da década de 1970. Na década de 1980, tais indústrias, por sua vez,
começaram a impulsionar a expansão da atividade citrícola em direção ao Litoral
Norte da Bahia, incorporando novos espaços as suas demandas produtivas. Nesse
aspecto, destaca-se o papel do Estado que criou todas as condições para que as
indústrias processadoras de suco concentrado se instalassem na região, como uma
extensão das indústrias paulistas, em busca de novos mercados produtores. Nesse
momento, tais indústrias passam a contar com todo incentivo, que consistia na total
isenção fiscal e investimentos governamentais, além da matéria-prima e da força de
trabalho barata disponível na região. Entretanto, passado o período de carência,
essas indústrias se desterritorializaram, deixando enormes dívidas junto aos cofres
públicos.
Acrescenta-se a estrutura dessas indústrias processadoras de laranja a
criação de industrias produtoras de fertilizantes que vão se difundidas nos pomares
de laranja. Sobre isso, a pesquisa realizada por Rocha (2007) aponta a difusão
dessas indústrias de insumos básicos utilizados na agricultura, com destaque para
o Pólo Petroquímico da Camaçari (BA), Cloroquímico (BA), Cloroquímico (AL) e da
produção de fertilizantes potássicos e nitrogenados em Sergipe
A indústria Frutos Tropicais, por exemplo, deixou abandonada a área que
funcionava, com equipamentos enferrujando, fato que despertou via Sindicato dos
211
trabalhadores das indústrias, o interesse em ocupar essas instalações e levar
adiante o processo produtivo. Para tanto o Sindicato propunha um contato com as
associações de citricultores e dos pequenos produtores em geral. Com isso, os
pequenos produtores de laranja, que produzem com dificuldade (a maior parte da
produção acaba sendo destinada à indústria), poderiam contar com preços
melhores pela verticalização e com o controle de uma parte da produção nos dois
estados nordestinos. No entanto, essa luta foi em vão, tendo em vista que
atualmente foi a Maratá Sucos quem incorporou, via leilão realizado recentemente,
essas instalações, como forma de ampliar seu capital.
Segundo operários sindicalizados entrevistados, desde que a Tropfruit
começou a operar, tem havido um pequeno aumento nos preços oferecidos ao
produtor, devido à competição que começa a se estabelecer entre as indústrias de
Sergipe. Por outro lado, a atuação dessas empresas causou muitas frustrações aos
trabalhadores das indústrias e aos citricultores de forma generalizada, já que o
número e trabalhadores absorvidos foi irrisório em relação à quantidade de
desempregados na região. Essa realidade é explicitada no depoimento do
Presidente do SINDISA a seguir:
(...) Nós temos aqui um exército de trabalhadores preparados para as
indústrias de sucos, ao longo desses anos (...) a Frutos Tropicais teve
1.200 empregos diretos. (...) Hoje esses trabalhadores estão ociosos,
na feira, fazendo bico, aqui e ali. Então foi uma parcela pequena que
foi ocupada. (Depoimento de J. D. S, Presidente do
SINDISA/Estância-SE).
Verifica-se, portanto, que o processo de “modernização” ou de
“tecnificação” que atinge o campo brasileiro ocorre também no Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia, caracterizando uma dispensa da força de trabalho
212
sem precedentes e levando a fome e a segregação de uma parte significativa de
trabalhadores e camponeses dessas regiões.
Atualmente, a Indústria Maratá Sucos possui uma média de 200
trabalhadores, número que pode ser aumentado em períodos de safras. Na época
de aumento da produção, os trabalhadores operam ininterruptamente, de domingo a
domingo, em um sistema de rodízio. Entretanto, eles só recebem 50% das horas
extras que fazem, sendo os outros 50% destinados ao banco de horas, para
compensar o período da entressafra, acordo feito com o sindicato para evitar
demissões.
A indústria TropFruit do Nordeste S/A tem uma média de 130 trabalhadores
que, no período de safra, trabalham de domingo a domingo. Eles, também, só
recebem 50% das horas extras, direcionando os outros 50% para o banco de horas,
conforme acordo firmado entre as indústrias e o sindicato. Embora esse acordo
funcione como estratégia possibilitando parte do operariado manter-se no processo
produtivo, isso ocorre a partir da intensificação da exploração e da precarização do
trabalho, representando perdas substanciais para os trabalhadores.
Quanto a rede de empregos indiretos vinculadas à indústria destacam-se o
trabalho precarizado realizado pelos carregadores, selecionadores, motoristas,
descascadores, dentre outros.
Além disso, o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de
Suco (SINDISA) destaca que as parcas “conquistas trabalhistas” foram conseguidas
com muita luta, a exemplo do piso salarial de 1,4 salário mínimo, em que uma das
indústrias se recusava a assinar o contrato.
213
Nós resistimos, fomos para a delegacia do trabalho, questionamos,
brigamos e aí, conseguimos que a Maratá assinasse o acordo,
cumprindo com aquilo que já tinha, já existia com outros acordos
assinados com a Frutene, com a própria Tropfruit também. Então
uma das grandes conquistas nossa é a questão do piso salarial,
porque o piso ele regulamenta todas as outras categorias, todas as
outras faixas de salários (Depoimento de José Domingos dos
Santos, Presidente do SINDISA/Estância-SE).
Deve-se frisar que, embora se reconheça a atuação combativa do Sindicato
de Trabalhadores da Indústria de suco de Sergipe, essa atuação se enquadra
também em um contexto de mudança e de certo predomínio de idéias
flexibilizadoras e desregulamentadoras do direito do trabalho no Estado Brasileiro.
Por isso, estamos de acordo com Thomaz Júnior (2007) ao considerar o processo
de redefinições e de mudanças de papéis e de expressões sociais, em um contexto
de lógica predominante neoliberal, em que se torna fundamental, entender os
conteúdos espaciais, os nexos e os significados territoriais da luta de classes e a
riqueza de conteúdos sociais da classe trabalhadora, em que esta seja capaz de
redefinir seus próprios rumos, com base nos interesses concretos daqueles que
vivem do trabalho.
Os grupos que controlam as indústrias de suco da região Nordeste
utilizam
mecanismos
que
asseguram
seu
abastecimento,
estabelecendo
funcionamento periódico, que se mesclam com períodos do ano em que essas
mantêm-se fechadas, cedendo a lógica do mercado nacional e internacional; e os
produtores de laranja procuram garantir a sua sobrevivência. Os produtores rurais
em geral não estão preocupados com a subordinação ao capital industrial e a rede
de intermediários que atuam nesse setor e sim, com a possibilidade de serem
excluídos das mínimas condições de produção. Essa possibilidade está
representada sempre pela ameaça da perda total da terra, que se constitui
214
basicamente, no principal meio de produção, numa agricultura amplamente
desfavorável aos pequenos produtores. Sobre os citricultores capitalizados, pode-se
considerar que a alternativa encontrada por esse grupo, em determinados
momentos, é um certo distanciamento frente à indústria e a rede de intermediários.
A outra possibilidade de comercialização se dá a partir das vendas em feiras e
CEASAS para o consumo "in natura".
A Maratá Sucos do Nordeste Ltda. localiza-se na Avenida João Lima da
Silveira S/N, na BR 101, no município de Estância. Possui cadastro na Junta
Comercial do Estado de Sergipe desde 12 de Maio de 2000. Sua natureza jurídica é
de sociedade empresarial limitada e ocupa a área onde funcionou a Frutene.
Na comercialização com o produtor, possui um sistema de pagamento à
vista a ser depositado em conta corrente, no ato da compra. Apresenta um critério
para enquadramento da fruta padrão Maratá com ratio entre treze e vinte e dois,
brix superior a 10, com o refugo máximo de 10%, a ser descontado no peso total da
produção. As frutas verdes não podem exceder 5% do total da carga, e o percentual
de suco na fruta não deve ser inferior a 52%. Não permitem impurezas, galhos,
pedras na carga. Antes da compra, efetuam três análises no caminhão e três
durante a descarga. Por causa destes padrões de exigências, estabelece preços
diferenciados, a depender da “qualidade” da produção..
Além da laranja a indústria processa ainda outras frutas como maracujá,
manga e abacaxi, que adquirem em outros estados como Paraíba e Bahia. No
entanto é no processamento da laranja que se concentra maior parte da produção.
O suco concentrado, após todo processo produtivo é colocado nos tonéis e
congelados. A maior parte da produção é escoada pelo Porto de Salvador, já que
em Sergipe os navios-galpões só realizam viagens com grande quantidade de
215
carga, e, dificilmente, consegue-se a quantidade exigida, por isso, a opção é
mesmo o porto de Salvador, que transporta a produção para a Europa em navios
menores.
Possui grande potencial de processamento de laranja, contando com
mais de 15 extratoras e absorvendo uma parte significativa da produção no CentroSul de Sergipe e no Litoral Norte da Bahia, agregando produtores associados ou
individuais. Os principais mercados importadores do suco concentrado são Áustria,
Inglaterra, Espanha, Rússia, mercado asiático, dentre outros. Para os Estados
Unidos, atualmente, a empresa não exporta por causa da barreira comercial
imposta pelos norte-americanos, que protegem o seu mercado interno e o NAFTA.
Além disso, vem investindo na substituição dos maquinários fato que se por um lado
aumenta a capacidade processadora da indústria promove a dispensa da força de
trabalho necessária.
Processa diversos frutos como a laranja (comprada na própria região e
litoral Norte da Bahia), o abacaxi (do Estado da Paraíba), o maracujá (que adquire
na região e em outros locais do Nordeste), além da acerola e da goiaba (que
adquire na Região Sudoeste da Bahia – Brumado, Vitória da Conquista, Livramento
de Brumado e em outras regiões).
Além da Marata Sucos, encontra-se instalada no Distrito Industrial de
Estância, na quadra 3 e 5, A TropFruit do Nordeste S/A, localizada as margens da
BR 101. Trata-se de uma sociedade anônima fechada, com cadastro na Junta
Comercial do Estado de Sergipe, desde 02 de Fevereiro de 1988. Na constituição
dessa sociedade, teve-se por objetivo o processamento de frutos e outras partes
botânicas dos vegetais, visando à produção de sucos, conservas, pastas, doces,
vegetais total ou parcialmente desidratados, em forma líquida, sólida ou
216
pulverizada, pigmentos de origem vegetal, proteínas e outras substâncias químicas
obtidas a partir de vegetais e de uso alimentício, cosmético e farmacêutico, algo que
não se efetivou, tendo a indústria atualmente se dedicado ao processamento da
laranja para produção de suco concentrado e congelado.
Essa indústria começou a operar na cidade de Estância no início de
janeiro de 2000, iniciando a produção em 24.01.2000, com apenas três extratoras,
com capacidade de 300 toneladas ao dia ou 9.000 toneladas ao mês. Atualmente,
muitos maquinários foram substituídos por outros com maior capacidade de
processamento. Assim, hoje, a indústria conta com 12 extratoras.
De acordo com informações obtidas por meio de entrevistas realizadas
nas instalações da indústria, um total de 12 toneladas dos frutos (no equivalente a
280 caixas do fruto no caso da laranja) corresponde à produção de uma tonelada de
suco concentrado. Para tanto a indústria retira toda água da laranja, concentrando
apenas o suco. Esse suco concentrado, nos mercados compradores, são
novamente desconcentrados, quando os compradores colocam água, açúcar
aditivos químicos, etc., necessários a comercialização do mesmo nos mercados
europeus.
Outra estratégia desenvolvida pelas indústrias de suco de laranja da
região, como forma de aumentar sua margem de lucro, ocorre por meio de
contratos com indústrias paulistas como a Cargill e a Coimbra-Frutesp em que
vendem suco a granel. Essas indústrias vêm pegar o suco concentrado em Sergipe,
com suas carretas frigoríficas. De acordo com um dos compradores (das indústrias
paulistas), entrevistado, as carretas possuem uma garrafa térmica, e o suco é
colocado a uma temperatura de -5ºC, o que faz com que o produto chegue ao seu
217
destino final em perfeito estado de conservação. A Tropfruit abastece também as
fábricas de refrigerantes da Região Nordeste.
A Tropfruit abastece, também, as indústrias de refrigerantes da região,
mas este fornecimento representa apenas algo em torno de 5% da produção da
indústria, que destina 95% para o mercado externo. A casca da laranja é utilizada
para a produção de ração animal, atendendo ao mercado pecuarista da região. Da
casca da laranja, também, há a pretensão de extrair óleo.
Verifica-se,
de
um
modo
geral,
a
constante
substituição
dos
equipamentos dessas indústrias como forma de aumentar a capacidade produtiva,
em detrimento do número de trabalhadores diretos. Essa realidade se expressa na
pequena quantidade de trabalhadores empregados por essas, insuficiente para
atender o significativo exército de reserva existente na região. Para se ter uma
noção concreta da tendência decrescente ao emprego da força de trabalho
industrial na região, o Presidente do SINDISA, em entrevista realizada
recentemente aponta que as indústrias na década de 1990 empregavam mais de
600 trabalhadores cada. De acordo com o gerente da indústria os trabalhadores
empregados não necessitam de experiência no ramo e fazem o treinamento interno,
realizado na própria empresa. Alguns dos equipamentos utilizados pela indústria
Tropfruit podem ser observados nas fotos 30 e 31.
Foto 30 – Extratoras da Tropfruit do Nordeste, 2003. Foto 31 – Torres da indústria Tropfruit, 2003.
218
O processo de concentração do suco de laranja, bem como a embalagem
do suco nos tonéis para serem, posteriormente levado as câmaras frigoríficas e ao
mercado europeu podem ser observados nas fotos 32 e 33 a seguir.
Foto 32 – Análise química do suco de laranja.
Foto 33 – Suco concentrado em tambores para exportação
Fonte: Trabalho de Campo, 2003.
Fonte: Trabalho de Campo, 2003
No ano de 2000, em um período de oito meses, a Tropfruit chegou a
processar 51.866 toneladas de laranja, com destaque para os meses de julho,
agosto e setembro (período de maior oferta da laranja na região, quando se tem a
maior safra). Após pouco mais de dois anos de funcionamento, essa indústria
triplicou seu potencial de processamento, o que, de acordo com um dos
proprietários entrevistados, deu-se por causa do início da recuperação da atividade
citrícola na região, bem como por sua expansão em direção ao Litoral Norte da
Bahia e Platô de Neópolis, aumentando os preços da laranja, o que, associado ao
contato com mercados externos, despertou o interesse da indústria em dinamizar a
produção.
No ano de 2008, o gerente da Tropfruit do Nordeste afirmou que a
capacidade de processamento da indústria é de mais de 200 mil toneladas, sendo
essa produção mas significativa nos períodos de maior safra, que corresponde aos
219
meses de junho a março. Nos meses de abril e maio, quando o processamento para
é realizada a manutenção das mesmas, de modo que no mês posterior as mesmas
possam dar continuidade a produção, garantindo o lucro da empresa. Para os
operários é nesse período de descanso que se tem dificuldades mais concreta e
podem, finalmente, receber 50% das horas extras que realizam nos demais
períodos do ano sob a forma de salário. O ano de 2007 foi quando a indústria
obteve a maior produção, que foi de 210 mil toneladas. De lá para cá essa produção
vem caindo ficando em 180 mil toneladas em 2008 e a previsão para 2009 é de 150
mil tonelada. Essa diminuição da produção, conforme já apontado ocorre pelos
efeitos diretos da crise e a diminuição do consumo desse suco nos mercados
consumidores da Europa, Ásia e América do Norte..
O salário dos trabalhadores entrevistados variam de 1,4 a 2 salários
míninos. Os operários (operadores de máquina) recebem 1,4 salário mínimo,
chegando a remuneração do Gerente a 2 salários. Além desses a empresa conta
com eletricistas, mecânico, químicos (que por possuírem melhor qualificação
ganham um salário melhor), dentre outros. Observando esses salários cabe-nos
considerar que os mesmos são muito baixos, garantido a empresa uma
considerável extração de mais-trabalho, de mais-valia.
A produção para processamento é garantida tanto por atravessadores
que chegam ao pátio da fábrica quanto nas propriedades, onde a indústria desloca
uma equipe de campo para selecionar os frutos. No geral apontam que não se tem
muitas exigências na compra, que praticamente toda produção e aproveitada.
Apesar do Sindicato apontar que a jornada de trabalho nessas empresas
é de 8 horas para cada trabalhador, verificou-se trabalhadoras que declararam
trabalhar mais que isso, todos os dias da semana, inclusive aos domingos, fato que
220
torna o trabalho ainda mais árduo. Assim, conforme apontado por Silva, Lenira
(2001) os trabalhadores tornam-se, cada vez mais mutilados. Trabalham mais,
ganham baixos salários e não se apropriam, não se reconhecem no que produzem.
Esses, ao final da jornada recebem o salário e o proprietário das máquinas que
nada produz é o verdadeiro dono daquilo que os trabalhadores produziram. Eis,
concretamente, nas regiões em estudo as investidas do capital sobre o trabalho e a
degradação desse último como condição a reprodução do capital industrial. Além
disso, esses trabalhadores destacam realizar diversas atividades na fábrica,
adequando-se à flexibilização do trabalho, que caracteriza esse momento atual do
capitalismo em nível mundial.
3.5 Outros sujeitos e entidades que fazem parte da rede da laranja
3.5.1 Os Compradores de laranja
Conforme já destacado anteriormente, apesar dos investimentos
realizados pelos Governo Federal e Estaduais (Bahia e Sergipe) a produção
nacional da laranja é concentrada no estado de São Paulo, responsável por cerca
de 80% do total de laranja produzida no país. Assim sendo, concentração dos
equipamentos referentes a produção indústria é muito mais efetiva nesse estado,
assim como o processo de reprodução do capital. Em períodos de diminuição da
produção nesse estado, ou mesmo de queda na produção, alguns compradores se
deslocam para municípios do Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul de Sergipe para
comprar a laranja a manter o processamento das indústrias produtoras de suco.
De acordo com entrevistas realizadas junto a compradores de laranja, o
principal destino do produto que eles compram é o Estado de São Paulo. Em
221
pesquisa anterior realizada em 2004, tivemos a oportunidade de conversar com
alguns compradores de laranja que vem de outros estados do país, basicamente do
estado de São Paulo, que destacaram que nos meses de dezembro de 2002 a
janeiro de 2003, um dos aspectos que fizeram com que boa parte da laranja
comprada em Sergipe e Litoral Norte da Bahia fosse escoada para São Paulo foi a
falta de chuva enfrentada pelos paulistas, o que prejudicou a produção; assim
sendo, as indústrias processadoras passaram a comprar laranjas em outras regiões
produtoras, a fim de cumprir seus contratos externos.
Com isso, os produtores diretos enfatizam a melhora nos preços
oferecidos pelos paulistas, bastante acima dos oferecidos pela indústria sergipana,
o que torna-se uma alternativa desses se apropriarem de uma maior renda da terra.
Nesses períodos de entressafra, os preços para compra da laranja ficam em torno
de R$ 300,00/ton, ou até mais mas elas são revendidas em São Paulo por uma
média de R$ 500,00/ton. Para efetivar o negócio com São Paulo, entretanto, os
compradores destacam o aumento com as despesas na colheita, com o
carregamento e o transporte da produção. Nos períodos de safra, que ocorre entre
os meses de junho e julho, os preços caem para R$ 180,00 e R$ 200,00, podendo
chegar até a metade desse valor.
Na venda para o comércio in natura, os compradores admitem haver um
maior retorno econômico, porém, no caso da venda para a indústria, a produção é
absorvida com maior facilidade. Assim, a produção de laranja e do próprio suco de
Sergipe e da Bahia passa a abastecer a indústria paulista, e a ser transportada
pelos intermediários desse estado, que absorvem grande parte dos lucros advindos
da valorização do produto. O transporte de suco de laranja, para realizar a
222
mesclagem com o suco de laranja paulista, de modo a atender as exigências dos
mercados europeu, asiático e norte-americano pode ser observado na fotografia 34.
Foto 34 – Indústria paulista transportando suco de laranja de Sergipe, 2003.
Em determinados períodos intensifica-se o fluxo dos compradores
paulistas, que passaram a se instalar em Sergipe e no Litoral Norte da Bahia para
transportar
laranjas
para
São
Paulo,
adquirindo
nesse
processo
lucros
consideráveis, dada a vulnerabilidade das indústrias sergipanas e baianas.
Entretanto, conforme já destacado anteriormente, quem dispõem de laranjas nesses
períodos de menor oferta do produto são justamente os grandes produtores, uma
vez que os incrementos tecnológicos (e principalmente a irrigação) permitem
programar a produção, adquirindo os melhores preços do ano; já os pequenos
agricultores, geralmente, não dispõem de produção para vender.
Ainda sobre as indústrias paulistas, os compradores destacam que a
produção de laranja é controlada por cinco indústrias, que constituem um
verdadeiro cartel (Citrosuco, Cutrale, Cargill, Coimbra e a Citrovita – do grupo
Votorantim). Elas decidem os preços a serem pagos pela laranja, reduzem o preço
do comércio, manipulando, portanto, todo comércio de laranja no país. Assim,
“quem faz o preço da laranja é a indústria. O mercado in natura acompanha a
223
indústria” (Depoimento de S. L. A. – Economista, viveirista e comprador de laranja,
fornecedor das indústrias paulistas). Fica evidenciada a partir desta declaração,
mais uma vez, a subordinação a que grande parte dos agricultores brasileiros estão
submetidos em relação à indústria e ao mercado externo. Isso espelha toda a
política favorável à exportação, em detrimento do mercado interno, já que os
produtores encontram-se, cada vez mais, acuados diante do efeito “modernizador”,
muitas vezes se submetendo aos seus ditames ou sobrevivendo com uma série de
dificuldades, ou ainda, sendo expulsos da condição de agricultores por não terem
condições de acompanhar as intensas mudanças no processo produtivo.
Para demonstrar a supremacia da indústria em relação ao comércio in
natura e seu poder de articuladora de todo mercado citrícola brasileiro, um dos
compradores de laranja destaca que, atualmente, dos 400 milhões de caixas de
laranja que são produzidas no país, apenas 100 milhões são destinadas ao
mercado in natura, já os outros 300 milhões são direcionados às indústrias
processadoras. Desta forma, pode-se dizer que o consumo interno é relativamente
baixo, na faixa de ¼ da produção nacional, enquanto a maioria, cerca de 75% da
produção, é destinada ao mercado externo.
A fim de reforçar seu papel no comércio nacional e internacional de
laranjas no país, as indústrias têm partido para a produção própria, adquirindo
grandes propriedades, como a Citrosuco, que esmaga 90 milhões de caixas por
ano, sendo que 35 milhões de caixas são produzidas em suas próprias fazendas.
Essa tendência se aplica também às outras indústrias, que vêm adquirindo
fazendas em áreas citrícolas. Tal comportamento garante a essas empresas um
papel de peso na produção, pois unidas, elas passam a comandar as regras
produtivas e distributivas no país.
224
O peso das indústrias paulistas, muitas vezes, subordina as próprias
indústrias de Sergipe, consideradas pequenas, já que, geralmente, quando a
produção é pouca, os sergipanos preferem mandá-la para São Paulo, pois os
preços oferecidos lá compensam a produção para exportação, tendo em vista todos
os gastos realizados no processo de concentração do suco, manutenção em
câmaras frigoríficas, dentre outros. Reiteradamente, o fato de a produção nas
indústrias sergipanas serem insuficientes para atender os padrões internacionais,
faz com que essas estabeleçam acordos com as indústrias paulistas, a fim de
cumprir os contratos e garantir os mercados.
O Brasil, como um todo, e a Região do Centro-Sul de Sergipe e o Litoral
Norte da Bahia, segundo os compradores entrevistados, dispõem de grandes
potenciais para expandir a produção, inclusive para abrir possibilidades junto ao
mercado asiático, com destaque para a China (país mais populoso do Mundo).
Várias áreas estão sendo incorporadas à produção citrícola, como as regiões de
Avaré e São Manuel, em São Paulo, Umbaúba e Cristinápolis, em Sergipe e Rio
Real e Itapicuru, na Bahia; isso para que se possa atender às novas demandas
externas.
3.5.2 Os Viveiristas
As necessidades de expandir a produção de laranja a fim de atender as
demandas das indústrias locais e do agronegócio mundial tem levado os governos
dos estados da Bahia e Sergipe com a apoio do governo federal a criar medidas
que garantam um melhor desempenho a produção da laranja, tanto incentivando a
renovação dos laranjais quanto o controle de pragas e doenças que tem afetado
225
essa produção (medidas pontuais que acabam atendendo apenas aos produtores
mais “competitivos”, ou seja, capitalizados que apresentam as condições concretas
definidas). Nesse propósito, desenvolve-se o Programa de Revitalização da
Citricultura, que pode ser considerado como produto da reestruturação da produção
capitalista.
Um dos pontos chaves para se entender a produção de mudas em
viveiros telados é a constante ameaça de pragas e doenças na produção citrícola.
De acordo com um dos viveiristas entrevistados, tais problemas têm se tornado
constantes, sobretudo nos pomares paulistas, mas já começam a dar sinais de
difusão nos laranjais baianos e sergipanos. Por isso, verifica-se toda uma
participação do poder público, citricultores e órgãos de pesquisas no sentido de
produzir mudas isentas de pragas e doenças, utilizando os viveiros telados. Essa
parceria, que envolve a EMBRAPA, a EMDAGRO e viveiristas, pode ser observada
na fotografia 35.
Foto 35 – Viveiro Telado, Boquim-SE.
Fonte: Trabalho de Campo, 2003.
De acordo com Oliveira, Vanessa D. (2007), em pesquisa realizada no
município de Lagarto que passa a concentrar parte significativa dos viveiros telados
do estado de Sergipe (50 das 65 do estado), e ainda considerando o especificado
226
no Programa de Revitalização da Citricultura seus principais objetivos eram:
erradicar os viveiros “clandestinos” e os pomares envelhecidos, construir viveiros
telados, selecionar os produtores de mudas, cadastrar os produtores de laranja, a
produção de sementes para as mudas e a produção de borbulhas. A autora
considera que a proibição das mudas “tradicionalmente produzidas” ocorreu através
da Portaria n. 34 de 20 de maio de 2002 da Delegacia Federal da Agricultura do
Estado de Sergipe, que determinou a produção de mudas somente através dos
viveiros telados, ocasionou dificuldades para os produtores diretos mais pobres.
Assim, a essa produção realizada por centenas de produtores, com destaque os
camponeses, cedeu lugar a alguns produtores capitalizados, “sob a lógica da
‘moderna’ produção de mudas com tecnologia inovadora” (p. 145).
Por outro lado, não se pode deixar de entender certas questões como
produto de um modelo “tecnificado” “globalizante”, implementado na agricultura
brasileira, sobretudo após a década de 1950, o que proporcionou novas formas e
ritmos na incorporação de espaços agrícolas pelo capital. Tais modelos, baseados
na difusão de tecnologias e incrementos químicos, alteraram os ciclos da natureza,
criando graves desequilíbrios.
Esse problema foi evidenciado pó rMilton Santos (1996) segundo o qual:
“em tempos de globalização” a produção toma outros contornos e novas formas de
relação entre a sociedade e a natureza são verificadas. Por isso é que o referido
autor também afirma que:
É nessas condições que a mundialização do planeta unifica a
natureza (...) ao alcance dos mais diversos capitais. (...) Mas não é
mais a Natureza Amiga, e o Homem também não é mais seu
amigo. (...) Ontem a técnica era submetida. Hoje, conduzida pelos
grandes atores da economia e da política é ela que submete. Onde
227
está a Natureza servil? Na verdade é o homem que se torna
escravizado, num mundo em que os dominadores não se querem
dar conta de que suas ações podem ter objetivos, mas não têm
sentido. (SANTOS, 1996, p. 18-24).
Nesse propósito, os viveiros telados começam a ser implementados,
promovendo um processo de seleção dos agricultores, em que os grandes e médios
produtores selecionados além de auferir renda da terra tornam-se comerciantes de
mudas. Conforme apontado por Oliveira, Vanessa .D. (2007) essas mudas
produzidas seriam adquiridas pela Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGRI)
que repassaria aos produtores. Nesse processo o estado subsidia 50% do valor das
mudas, que em 2008 correspondia a R$ 1,50, sendo o valor da muda repassado
aos produtores de R$ 1,50, totalizando o valor de R$3,00.
Conforme apontado pelo o discurso oficial do Estado a difusão dos
viveiros telados ocorre para controlar as pragas e doenças, mas por trás desse
verifica-se novos investimentos públicos aplicados para a garantia da reprodução do
capital, beneficiando ainda alguns agricultores locais, que agora se tornam
comerciantes de mudas.
De acordo com os produtores que estão passando por esta experiência,
os custos são considerados relativamente mais altos, além do trabalho e cuidados
constantes. As mudas têm que ficar a 30 cm do chão, onde se faz uma bancada
com substrato. Elas são irrigadas e em 9 meses estão prontas para plantar, tendo
certificado emitido pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, Secretarias
Estaduais de Agricultura, Delegacias Federais da Agricultura (DFAs) da Bahia e de
Sergipe, todas dividindo a responsabilidade de implementação e fiscalização com a
EBDA, ADAB e EMDAGRO. No processo de seleção os agricultores contemplados
228
deveriam “auferir aproximadamente R$ 33.000,00 de empréstimos nos Bancos para
custeio anual da produção de mudas” (OLIVEIRA, 2007, p. 155).
Em São Paulo, conforme já destacado, para se recuperar toda a área da
laranja, existe uma base de replante de vinte milhões de mudas ao ano. Entretanto,
a média de pés hoje produzida está em torno de 5 milhões ao ano, assim, pretendese aumentar este percentual gradativamente. Dessa forma, calcula-se ainda algum
tempo para que os laranjais paulistas se recuperem. Por outro lado, a falta de
chuvas tem se tornado uma nova ameaça aos produtores de citros. Apesar desse
cenário, os produtores destacam que a atividade citrícola, a cada dia, torna-se mais
seletiva, logo quem vai ficando são os produtores com melhores condições para
investir na produção. Um dos exemplos dessa seletividade está nos custos de
produção de uma muda em São Paulo, que fica em torno de US$ 10,00; assim,
para plantar 10.000 mudas, o produtor necessitaria de US$ 100.000. Além disso, os
resultados só aparecem a partir de 4 anos, caso haja algum retorno, o que faz com
que o produtor necessite de um razoável capital de giro e não exija um retorno
rápido; tais condições tornam este empreendimento viável, portanto, para poucos.
A partir do projeto de viveiros telados, espera-se controlar os ataques de
pragas e doenças, pricipalmente no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia,
como o CVC – conhecido como amarelinho, que constitui-se na principal ameaça
aos pomares da região. Trata-se de uma bactéria transmitida por uma cigarrinha
que se alimenta das folhas novas da laranjeira. Ela entra pelo caule da planta e
entope “as veias” de produção da laranja, impedindo que a seiva possa atingir a
fruta, deixando os frutos amarelados. Com isso, a planta não desenvolve, fica
pequena e não apresenta potencial de comercialização. Para controlar a CVC, a
229
“alternativa” é o viveiro telado, pois ele impede a entrada da cigarrinha, que é o
transmissor da bactéria causadora da doença.
Outra forma de combate ao CVC é a utilização de produtos químicos,
principalmente o Temix. Mas há as repercussões negativas, pois este produto é
usado em excessivas quantidades, prejudicando a saúde humana. O Temix leva
uma média de 90 dias para ser eliminado dos frutos ou das plantas e requer várias
aplicações, encarecendo bastante os custos da produção. Isso repercute na morte
de vários animais silvestres, inclusive os passarinhos que, segundo entrevistados,
desapareceram da região. Também não se descarta a contaminação dos rios, dos
animais e das pessoas pelo produto.
Além disso, na comercialização, as indústrias fazem análise, e se
detectarem produtos prejudiciais à saúde humana não adquirem a produção. Em
São Paulo, existem algumas experiências de controle biológico em que eles
colocam um hospedeiro que não chega aos pés de laranja. Entretanto, em Sergipe
e na Bahia, não se tem registro dessas experiências.
(...) Na natureza quando você elimina uma formiga que você acha
que não tem função nenhuma, você está muito enganado, porque
ela está levando aquela coisinha ali, está alimentando uma outra
coisa. Olha a natureza é perfeita. (Depoimento de S. L. A –
Viveirista e comprador de laranja para as indústrias de São Paulo).
Fica nítido que, quando se trata dos ritmos e demandas do mercado,
sobretudo do mercado internacional, o equilíbrio ambiental acaba relegado a
segundo plano, ou seja, acaba-se criando a natureza hostil (SANTOS, 1994). Os
pacotes tecnológicos, bastante difundidos, não se adequam à realidade da região
estudada, promovendo profundos impactos na natureza e na saúde da população.
230
Por outro lado, os órgãos competentes, como o IBAMA, acabam tendo uma atuação
bastante tímida, para não dizer, inexistente.
Dentre as principais finalidades em função das quais os produtores
buscaram acesso ao crédito, ressalta-se: a plantação de laranja, produção de
mudas de laranja, plantação de maracujá, fumo, mandioca e inhame; também
adubação, investimento em máquinas, construção de viveiros e pequenas
barragens. Por outro lado, prevalece grande percentual de produtores que, além de
estarem devendo ao banco, não dispõem das mínimas condições de pagá-lo, por
conta dos juros abusivos cobrados por estas instituições. Assim, um dos produtores
entrevistados diz que: “peguei R$ 35 mil, paguei R$ 70 mil e ainda estou devendo
R$ 50 mil” (Depoimento de S. C. – Viveirista da Colônia Treze/ Lagarto). Com o
pequeno produtor, a situação não é diferente, o que pode ser comprovado pelo
seguinte depoimento: “peguei R$ 1.300 e estou devendo R$ 8 mil, não tive como
pagar” (J. B. – Camponês/ Boquim).
De acordo com entrevista realizada com técnico da EMDAGRO localizada
no município de Arauá, os problemas com a produção de viveiros telados tende a
acrescer na medida em que o governo está diminuindo recursos para subsidiar uma
parte do custo das mudas, pois essas são caras e, por isso, vão se tornar, ainda
mais inacessíveis a grande parte dos produtores da região. Esses recursos para
subsidiar a aquisição de mudas no primeiro ano foi de 700 mil plantas, diminuindo
para 500 mil plantas, com tendência a cair ainda mais. Assim, o governo cria a
estrutura e posteriormente repassa todos os custos para os produtores. Para os que
não possuem recursos, a tendência pode repercutir, até mesmo, na impossibilidade
desse se manterem produzindo laranja.
231
Frente a essa realidade os agricultores mais pobres não possuem
alternativa a não ser continuar produzindo mudas clandestinas, essa produção, por
outro lado pode ser considerada uma tentativa desses, em geral camponeses
pobres, resistirem a imposição do estado, para atender os interesses do capital.
Para além das preocupações com as pragas e doenças a preocupação imediata
desses agricultores é garantir a sobrevivência.
3.5.3 Os proprietários rentistas
Os proprietários rentistas correspondem aqueles grandes proprietários
fundiários que com o propósito de ampliar seus cultivos comerciais, nesse caso, em
destaque a laranja, se apropriam de grandes porções de terras, em vários
municípios do Centro-Sul de Sergipe como no Litoral Norte e Nordeste da Bahia.
Parte dessas fazendas são administradas pelos filhos ou parentes dos proprietários
ou técnicos agrícolas e agrônomos.
De acordo com um dos administradores entrevistados, em cuja fazenda o
produtor dispõe de uma média de 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) pés de
laranja, em vários municípios da Região do Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da
Bahia, com destaque para os municípios de Umbaúba, Cristinápolis, Boquim,
Itapicuru e Rio Real, há uma tendência para a expansão da produção entre vários
municípios, pois naqueles mais tradicionais a disponibilidade de terras atualmente é
bastante limitada. Assim, a produção se expandiu de Boquim, por exemplo, em
direção a outros municípios, muitos hoje ultrapassando-o em área plantada, como é
caso Rio Real, Cristinápolis, Itabaianinha e Umbaúba.
Boquim hoje não tem mais como crescer (...) já estagnou. Não tem
mais área. Em Cristinápolis e Umbaúba ainda tem áreas novas
232
para se plantar, ainda mais agora que a laranja reagiu.
(Depoimento de E. S. – Administrador de Fazendas no Centro-Sul
de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, 2008).
Apresenta-se também a possibilidade de expansão para municípios
baianos como Entre Rios e Esplanada, onde se verificam novas áreas com plantio
de laranja. Os entrevistados destacam a grande oferta de terras existentes nessa
região, o que a torna viável para a expansão citrícola, ou seja, a incorporação à
monocultura da laranja. Entretanto, cabe-nos considerar que a expansão da
citricultura dos grandes proprietários tem se dado em detrimento dos pequenos
produtores, considerados não competitivos, que cedem lugar aos produtores com
melhores condições financeiras.
Grande parte da produção das grandes propriedades destina-se às
indústrias da região e, por vezes, de São Paulo, confirmando o que já foi dito
anteriormente. O comércio in natura é considerado mais rentável, já que a laranja é
vendida a um preço melhor, mas a indústria tem a vantagem de aceitar o fruto sem
cobrar tantas exigências. Isso, na verdade, caracteriza um processo perverso de
exploração durante a comercialização, em que a indústria reforça uma baixa de
preço se justificando a partir de uma suposta “baixa qualidade” da produção,
aumentando seus lucros.
Além disso, a produção de laranja sofre muitas oscilações durante o ano,
sendo que nos períodos de safra, os preços não são tão convidativos, dado o fato
de a oferta ser maior. Entre os meses de dezembro e março, há um relativo
aumento nos preços, por causa da queda na produção (período de entressafra ou
safrinha); assim, quem tem produção, aproveita esses momentos para adquirir
melhores preços.
233
No período de crise, em meados dos anos 90 até 2000, uma das
alternativas encontradas pelos grandes produtores foi a criação de gado. A partir de
2000, entretanto, com a retomada da laranja enquanto cultivo principal, eles
continuam com a criação, que se desenvolve nas áreas íngremes, já que as áreas
planas e de tabuleiros são destinadas à citricultura, dadas as facilidades em passar
o trator, colher os frutos, dentre outros. Quanto aos principais produtos cultivados
destaca-se a laranja pêra (com mais de 90% da produção citrícola), seguida da
tangerina, limão e laranja lima.
Referente
às
dificuldades
na
produção,
os
proprietários
e
administradores30 destacam a constante ameaça das pragas e doenças, uma vez
que o controle exige muito trabalho, investimentos, mão-de-obra capacitada,
assistência técnica e agronômica.
Quando se trata de grandes áreas, existe uma maior utilização de
maquinários na produção e o uso de produtos químicos como o handup, para
limpeza da área. Assim, praticamente não se utiliza mais mão-de-obra nesse tipo de
serviço, o que acaba por agravar o já elevado índice de desemprego existente na
região, sem falar nos danos causados à saúde humana, com a contaminação dos
rios, dos solos e da fauna. Assim, os proprietários e administradores entrevistados
afirmam que, a cada ano, vem crescendo o número de produtos químicos utilizados
na lavoura.
Os mais antigos declaram que há 20, 30 anos atrás, o produtor plantava a
laranja e esperava crescer, o máximo que se utilizava era veneno de formiga. Hoje,
30
Destaca-se o fato de aos buscarmos entrevistar esses proprietários fundiários nos deparávamos
com a dificuldade de encontrá-los nos locais. Isso ocorre, principalmente pelo fato desses terem
várias propriedades, não ficando UEM apenas uma delas. Assim, as informações referentes a
produção de laranja eram prestadas pelo administrador da fazenda, que conforme já destacado eram
filhos ou parentes dos proprietários.
234
contudo, “os solos estão contaminados, se não pulverizar o laranjal não desenvolve,
graças as ameaças de pragas e doenças”. É um ciclo vicioso.
A prática dos grandes proprietários fundiários em adquirir diversas
fazendas, por sua vez, acaba repercutindo na estrutura fundiária dos municípios
trabalhados, em que se verifica desde propriedades com mais de 10 mil hectares a
pequenos minifúndios com menos de 1 hectare. Essa situação se agrava ao
considerar que os proprietários possuem várias fazendas, monopolizando parte das
terras da região, como forma de extrair maior renda em detrimento de uma
quantidade significativa de trabalhadores sem-terra.
O controle privado sobre a terra, por sua vez, ao passo que agrava as
condições sociais da região acaba por representar as condições de maior
exploração do trabalho por parte daqueles que detém a renda.
3.5.4 As Beneficiadoras de laranja
As beneficiadoras desempenham funções referentes à classificação e
limpeza da laranja, além de polimento nos frutos, a fim de deixar a carga preparada
para a comercialização. Esse processo é realizado, principalmente, para os frutos
destinados ao comércio in natura que encontram mercado nas principais redes de
supermercados do Nordeste, em destaque nos diversos municípios da Bahia e
Sergipe, a exemplo das capitais Salvador e Aracaju.
Como grande parte da produção da laranja é comprada pelos
atravessadores, geralmente são eles que levam a carga para beneficiar. Alguns
passam a investir em sua própria beneficiadora, buscando evitar gastos nos custos
de beneficiamento. Outros proprietários de beneficiadoras são comerciantes ou
235
produtores rurais, comumente grandes produtores que, além de beneficiar sua
produção, prestam serviços também a outras propriedades. Assim, considerando o
importante papel desempenhado por essas beneficiadoras nas regiões em estudo é
que foram coletados dados nos municípios de Rio Real, Umbaúba, Cristinápolis,
Boquim, Lagarto, Salgado, Arauá e Pedrinhas.
Constatou-se, entretanto, em entrevistas com técnicos, agrônomos e
industriais, que o beneficiamento realizado na região não tem sido considerado
insuficiente para o mercado, já que trata-se apenas de uma lavagem (muita vezes
mal feita) e um polimento para melhorar a aparência do fruto, a fim de aumentar o
poder de barganha durante a comercialização. Nesse processo, destaca-se a perda
de parte significativa da produção durante o beneficiamento, em que os frutos
acabam sendo machucados e descartados na comercialização. Aliado a isso, os
técnicos dos órgãos públicos entrevistados afirmam que a maioria das
beneficiadoras
existentes
na
região
estão
defasadas,
com
equipamentos
ultrapassados, não atendendo, portanto, aos “padrões estabelecidos pelo mercado”.
Por conta disso, alguns compradores de laranja estão preferindo beneficiar
a produção em outros locais, sobretudo nas capitais: Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte, onde já se dispõe de melhores equipamentos e maiores cuidados,
já que a laranja, inclusive, é embalada para comercialização, valorizando bastante o
produto e protegendo os frutos no processo de escoamento da produção.
Tais
questões passam a constituir uma ameaça ao funcionamento de grande parte das
beneficiadoras da região, posto que muitas já fecharam e outras estão funcionando
precariamente. Há ainda o risco de aumentar as estatísticas de desemprego, o que
constitui um grave problema. Durante trabalho de campo constatou-se que ainda que
as condições de trabalho não seja tão boas, as beneficiadoras acabam sendo única
236
alternativa de trabalho para uma parte da população desempregada existente na
região.
Verificou-se durante trabalho de campo, que parte da produção beneficiada
na região são destinadas às indústrias de São Paulo, quando os preços compensam
os custos do beneficiamento e transporte. Em diversos momentos tivemos a
oportunidade de verificar carregamentos de laranja cujos destinos eram as indústrias
paulistas como a Cutrale. O custo para o beneficiamento, em outubro de 2008 era de
R$ 15,00/tonelada para o beneficiamento comum, sem cera, que consiste,
basicamente, na lavagem do produto. No caso do beneficiamento com cera, que dá
uma espécie de brilho ao produto, esse valor se eleva para R$ 50,00/tonelada.
Para os trabalhadores que atuam no beneficiamento da laranja, e mesmo
no carregamento e descarregamento da carga, verifica-se que embora esses
“empregos” sejam precarizados, quando recebem baixos salários, ampla jornada de
trabalho, acabam por representa a única oportunidade de venda da força de trabalho
para esses. O depoimento que se segue demonstra a situação de um dos
trabalhadores entrevistados.
É, só o que pode melhorar é a própria pessoa procurar empenhar
mais para conseguir uma coisa melhor, né. É o que eu estou fazendo
no momento. Mas aqui para melhorar é difícil. É sempre a mesma
coisa aqui (...). Não muda não, é sempre a mesma rotina. Mas a
pessoa sempre se empenha para arrumar uma coisinha melhor, né.
No momento, é o que eu estou fazendo. E já está cansativo demais a
rotina. É a Semana toda, de segunda-feira à sábado (...) Ai é muito
pesado. Sábado trabalho das 7 às 14, 15 horas. (J. B. S. –
Trabalhador de Beneficiadora em Pedrinhas).
Para os carregadores essas condições de trabalho são piores pois a carga
é muito pesada, ocasionando sérios problemas de saúde para aqueles que
trabalham. Esses trabalhadores disponíveis nem sempre são selecionados para o
237
trabalho e os mais fortes acabam obtendo “maiores vantagens” na seleção dos
carregadores.
(...) Porque aqui a gente fica na pedra, tipo assim o que passar não
é fixo, ai chega ali, tem uma turma ali para carregar, ai o povo vai
atrás, ai a gente vai (...). Não tem certo, NE (...) Ai chama (...) o
que fica na pedra, e o que aparecer primeiro vai. (...) Tem dia que é
um dia para carregar, tem vezes que em 6 horas carrega. Depende
da mercadoria. Tem vezes que você passa mais de 2 dias,
dependendo da mercadoria. Às vezes tem umas melhores, às
vezes tem outras mais fracas. Eu acho que aqui não tem condição
fixa. Se a pessoa tivesse um serviço melhor, porque aqui é mais
serviço pesado. A pessoa tem que pegar um caixote que é 50
quilos. Ai a pessoa tendo um serviço melhor, fixo, assalariado, todo
o mês certo ali, é melhor né? No tempo aqui da safra é bom,
porque a pessoa ganha bastante.
(P. S. O. – Carregador. Colônia Treze – Lagarto, novembro de
2008).
O desejo do trabalho fixo, assalariado, que garanta algum tipo de
estabilidade passa a ser o grande sonho dos trabalhadores da laranja, espelhando
a realidade da classe trabalhadora brasileira e mundial. Contrariando essa
“necessidade”, a realidade verificada nas beneficiadoras da região é a diminuição
do número de trabalhadores “necessários” tendo em vista a diminuição da produção
a ser beneficiada. Isso pode ser observado no depoimento de trabalhador de
beneficiadora entrevistado quando destaca que:
Agora não tá chegando (.....) mas, já teve tempo da gente ir até 4,
5 horas da manhã, 6 h. Na época que começou esse negócio de
máquina, a gente amanhecia o dia, virava a noite. (...) a gente tinha
duas turmas, uma parava, comia e voltava, a outra ia, comia e
voltava. Porque lá era um galpão com 2 máquinas dentro (...). Nós
terminava, quando saia cá fora, ainda tinha uma fila de carro
danada para passar (...). Agora a laranja tá pouca né, a gente
termina mais cedo, a gente vai até 10: horas, 11:00 da noite. (...)
Quando a safra tá segura, vai até 1, 2, 3, 4 horas da manhã. A
máquina na cera, tem uma lá em Pedrinhas, tem uma em Arauá,
Rio Real também o pessoal tem uma na cera. (E. S. –
Encarregado/Trabalhador de Beneficiadora, Boquim).
238
3.6 As cooperativas e associações: expressões da luta dos agricultores ou
inserção subordinada ao capital?
As cooperativas e associações nas Regiões do Litoral Norte da Bahia e
Centro-Sul de Sergipe, têm por objetivo organizar os produtores na busca por
incentivos creditícios, re-negociação de dívidas, comercialização da produção,
acesso a pesquisas e tecnologia, principalmente disponibilizadas pelos órgãos
federais e estaduais – a exemplo da EMBRAPA, EBDA e EMDAGRO; também
melhoras no que se refere às condições impostas pelo mercado e às estratégias
encampadas pelos produtores. Por outro lado, não se verifica nas ações dessas
uma atuação política no sentido de criar condições para os produtores diretos
disporem de melhores condições na produção, o que perpassa pela autonomia,
ainda que relativa, e o enfrentamento as imposições que não correspondem com
suas realidades concretas.
Muitas vezes, a aproximação dos agricultores a tais organizações se faz
mediante a possibilidade de terem acesso a recursos creditícios, ou mesmo para
terem direito de contarem com uma superficial assistência técnica por parte dos
órgãos públicos, que como já mencionado só atende a agricultores associados ou
cooperados.
As próprias condições precárias de existência a que parte dos
agricultores, sobretudo camponeses mais empobrecidos, encontram-se submetidos
acaba por imperrar um processo de conscientização política voltada para a reais
necessidades desses.
Como são obrigados os agricultores acabam por participar das
associações e cooperativas para não se tornarem ainda mais segregados do
processo produtivo. Essa realidade é observada no município de Umbaúba/SE
quando dois técnicos agrícolas da EMDAGRO Boquim/Arauá relatam que nesse
239
município a criação de uma central de cooperativas vem sendo encabeçada pela
prefeitura local, através do atual secretário de agricultura, que também é produtor,
demonstrando preocupações quanto ao destino da mesma, na medida em que aos
objetivos dos agricultores não podem estar vinculados ao que o poder local define.
Assim sendo, mais do que nunca torna-se necessária a organização de
Associações e Cooperativas voltadas aos interesses dos produtores diretos,
principalmente os mais pobres, de modo que esses possam se apropriar de uma
maior renda da terra, a partir do trabalho despendido nessa, bem como ter acesso
aos recursos e programas financiados com recursos públicos, cuja aplicação é
seletiva a voltada apenas para aqueles com melhores condições financeiras; além
da luta política, de classe na possibilidade de não apenas se sujeitar à lógica do
capital, mas enfrentá-la.
Conforme já destacado os municípios produtores da laranja contam com
dezenas de associações e cooperativas, tornando-se , para nós impossível dar
conta de todo o universo; assim sendo analisaremos as estratégias implementadas
pela Central de Associações do Litoral Norte da Bahia, que atualmente criou sua
própria cooperativa a COPEALNOR, com sede no município de Rio Real/BA; a
Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA), com sede também em Rio
Real/BA e a Cooperativa Agrícola do Povoado do Treze (COPERTREZE) com sede
no município de Lagarto/SE.
3.6.1 A Central de Associações do Litoral Norte (CEALNOR) e a COOPEALNOR
É CEALNOR composta por 22 associações comunitárias na Região do
Litoral Norte da Bahia, sendo a maioria localizada no município de Rio Real (que é
responsável por 70% da produção regional) e alguns assentamentos, em
240
municípios como Conde, Esplanada e Itapicuru. Desses assentamentos alguns
são originados do Programa Cédula da Terra (implementado pelo Governo Federal
– representando a reforma agrária de mercado), outros constituídos por recursos
próprios.
A eleição da direção da entidade envolve todos os associados. Existem
candidatos para concorrer a cargos de presidente, vice-presidente, secretário,
tesoureiro, enfim há uma diretoria que é oriunda dos agricultores ligados a
CEALNOR. Ela funciona com um gerente comercial, que tem a função de coordenar
tudo que é referente à comercialização. É um trabalho realizado com a ajuda do
gerente de campo.
A comercialização da produção é a atividade principal da CEALNOR,
fato que se justifica pelos baixos preços conseguidos na produção da laranja,
levando muitas vezes o produtor direto a auferir uma renda mínima ou mesmo não
dispor de nenhuma renda para garantir a continuidade do trabalho na terra. A
central Possui um convênio com uma ONG Belga – BISOP, especialista em
agroecologia, que desenvolve um programa com os produtores a fim de que esses
recebam certificado orgânico da produção e possam assim valorizá-la perante os
mercados (sobretudo internacionais). Para desenvolver esse programa, a
CEALNOR conta com a parceria do Governo Federal, que disponibiliza o crédito
para montar a infraestrutura necessária.
Pelas informações fornecidas pela presidência da CEALNOR nota-se
claramente que o objetivo da mesma é estimular os associados a tornarem-se
“competitivos” de forma a disputar o mercado. Não se tem, em princípio, uma crítica
quanto a organização para melhorar os preços da comercialização, ou mesmo
compreender que a sujeição ao mercado é uma realidade para os citricultores. A
241
questão por nós levantada é que a luta dos agricultores não pode se limitar a isso.
Torna-se necessário buscar formas de, ainda que subordinado ao mercado,
reproduzir a existência com um mínimo de autonomia, ou seja, atendendo os
interesses concretos dos produtores, principalmente os pequenos e médios, que é o
foco central da CEALNOR.
A CEALNOR possui uma rede de relações que envolve as regiões em
estudo o país e mesmo diversos países do mundo. Possui como um dos objetivos
centrais a comercialização do chamado “suco justo” (com um acordo entre as partes
– a CEALNOR, a ONG Capina e a indústria Maratá-Sucos, na busca de um
mercado solidário, em que se dê garantias da qualidade do suco, a partir da colheita
no período certo de maturação e rátio dos frutos, sem utilização de agrotóxicos), em
parceria com a indústria Maratá Sucos, que abastece vários países da Europa,
principalmente a Alemanha, a Suíça, a Áustria e a Bélgica.
Os associados são pequenos produtores que têm em média propriedades
com quatro hectares. A comercialização não é feita em nome da CEALNOR, ela
apenas presta serviço ao produtor e tem por finalidade apoiar e intermediar desde o
processo de produção até a circulação dos produtos por empresas estabelecidas
nos países europeus. Da parceria que estabelece com a Indústria Maratá Sucos,
resulta o esmagamento da laranja e o desenvolvimento do processo de
concentração do suco, como também a embalagem nos tonéis. A partir da parceria
que mantém com os países importadores, o suco concentrado é transformado em
novos produtos, embalados e comercializados com a marca e garantia
agroecológica da CEALNOR.
De acordo com a representante da CEALNOR, esta entidade existe com
o objetivo de resolver os problemas relacionados à produção e comercialização que
242
vinham afetando os pequenos produtores rurais do Litoral Norte da Bahia. Assim,
destaca os constantes calotes a que esses pequenos produtores estavam
submetidos, fato que resultou na decadência e perda da terra para muitos, que já se
encontravam bastante dependentes dos atravessadores, os quais compram a
laranja nos pés. Revela que a CEALNOR representa a tentativa de juntar os
pequenos produtores para que, unidos e dispondo de um peso na produção
regional, pudessem buscar outras possibilidades de mercado.
A partir de então, os produtores passaram a buscar apoio dos órgãos
públicos federais, estaduais e municipais como a EMBRAPA (a partir do PIC –
Produção Integrada de Citros), a EBDA e a Prefeitura Municipal (com a Secretaria
de Agricultura e Meio Ambiente), na perspectiva de melhorar a produção. Também,
a partir do apoio da ONG Belga – BISOP – passaram a desenvolver programas
voltados para agroecologia, valorizando a produção que, por sua vez, conquistou
maior aceitabilidade no mercado internacional.
Grande parte das associações que compõem a CEALNOR encontram-se
em dificuldades atualmente, uma vez que a maioria surgiu em função dos créditos
bancários, a que o pequeno produtor só tem acesso se associado. Assim, os
produtores associados passariam a ser avalistas uns dos outros. A partir dessa
realidade, surgiram as associações e os conselhos municipais na região, contando
com o apoio da CAR (Companhia da Ação Regional), do Governo do Estado da
Bahia, que tem por finalidade desenvolver projetos que viabilizem a promoção do
“desenvolvimento regional”. Com isso, muitos produtores se associaram visando
conseguir “benefícios” para eletrificação, construção de casas de farinha
comunitárias e outros. Apenas posteriormente é que os produtores – os que
permaneceram na terra – começaram a desenvolver a consciência associativista,
243
enquanto outros perderam o interesse pelas associações, pois só se buscavam
“benefícios imediatos”, o que se constitui num problema para as associações na
região.
A comercialização é feita a partir de pequenos produtores, com pequenos
volumes que se juntam, por via das associações. Essas, por sua vez, unem-se à
CEALNOR e, a partir daí, buscam aumentar as possibilidades do mercado. Além
disso, é preciso manter os mercados previstos (após anos de parceria com a
CEALNOR), intensificando os laços de solidariedade, sobretudo com os europeus.
Vê-se , portanto que toda a lógica que fundamenta a ação da CEALNOR é a
empresarial, apenas possuindo o interesse de “burlar” os atravessadores, que
acabam se apropriando da parte da renda dos produtores diretos. Contudo,
apropriação de parte da renda continua a se extraída pelas indústrias européias,
que por meio desse mercado “direto” pode garantir maiores lucros.
Para assegurar tais mercados, a questão fundamental é manter a
“qualidade da produção” (fato que já seleciona os produtores associados),
estabelecer relações de “fidelidade” (o que pode ser visto como um aprisionamento,
ou seja, a perda de liberdade por parte dos associados) e adquirir a confiança dos
compradores. Antes, ainda, é preciso estabelecer laços de “fidelidade” com os
produtores, estimular a importância da cooperação entre eles, bem como “preparálos para se adequar às exigências do mercado”.
Acrescentam-se a esse fato outras dificuldades vivenciadas pelo produtor,
já que, mesmo produzindo com pouca qualidade, precisa escoar a produção e
garantir a sua subsistência, assim vê nas indústrias processadoras um mercado em
potencial, uma vez que elas não estabelecem grandes exigências em termos de
qualidade, na medida em que os preços pagos são menores, diminuído a renda do
244
produtor. Para esse mercado, os produtores comercializam laranjas passadas,
verdes, enfim, de diversas qualidades.
No caso da laranja para o “suco justo”, as exigências do mercado externo
é que a laranja esteja madura, com um determinado padrão de rátio. Para atingir “o
padrão CEALNOR” os produtores tem que empregar muitos recursos no processo
produtivo, muitas vezes se endividado, assim sendo, o padrão “europeu” torna-se
inacessível a grande parte dos agricultores. Por isso, a CEALNOR passa por muitas
dificuldades, diminuição dos associados, etc.
Para minimizar os impactos causados pelo desperdício decorrente do
transporte da produção, a CEALNOR está iniciando o processo de transporte da
laranja embalada em caixas, o que também tem sido implementado por parte dos
grandes e médios produtores da região; com isso, busca-se evitar os prejuízos e
perdas causadas pelo transporte inadequado. Ao final do processo de
comercialização quem acaba lucrando com o produto são as indústrias que
adquirem essa produção.
Apesar do trabalho desenvolvido pela CEALNOR, ainda é muito comum a
presença dos atravessadores da região, bem como, em alguns períodos,
atravessadores paulistas (quando falta produção em São Paulo); já que as
indústrias têm que manter seus contratos comerciais, eles se deslocam para
comprar laranja especialmente em Rio Real, na Bahia e no Centro-Sul de Sergipe.
Com isso, os produtores acabam sempre dispostos a vender a produção, pois os
preços oferecidos são superiores aos de costume. Por outro lado, para a
CEALNOR, isto torna-se uma dificuldade, pois é preciso manter os contratos
estabelecidos com os mercados, o que é inviabilizado em função das constantes
ofertas das indústrias paulistas, que acabam seduzindo o produtor. Para o produtor,
245
principalmente os pequenos, com piores condições econômicas, não importa a
quem vai vender a produção, mas vendê-la e assim garantir a reprodução da
família, por isso pouco importa a quem estão sujeitados, se a indústria ou o
atravessador.
Apesar das dificuldades enfrentadas pela Central, acredita-se na
importância de buscar incentivar o pequeno produtor para o associativismo, como
uma forma de fortalecer a produção agrícola, promover o desenvolvimento
local/regional e a melhoria das condições de vida das famílias envolvidas. Assim,
reforça-se o trabalho de base junto ao pequeno produtor, para que ele se mantenha
associado, enfrentando os problemas que por ventura venham a acontecer.
Também é objetivo da CEALNOR incentivar um trabalho de produção
voltado para a agroecologia, pregando uma agricultura mais saudável e
ambientalmente menos degradante, valorizando a produção e minimizando os
efeitos causados pelo uso abusivo de produtos químicos em produtores e
trabalhadores rurais. Outro desafio é a busca por incentivos viabilizados a partir de
políticas públicas, a fim de que se possa ter condições de competitividade local,
regional,
nacional
e
internacional.
Cabe-nos
destacar
que
tais
produtos
“agroecológicos”, nas condições atuais, são bastante valorizados no mercado,
principalmente europeu.
Como forma de atingir esses objetivos a CEALNOR cria no ano de 2007 a
Cooperativa Agrícola do Litoral Norte da Bahia – COOPEALNOR, que a partir de
então passou a assumir as questões referentes a comercialização da produção
dessa Central de Associações. Para viabilizar o escoamento da produção a
Cooperativa conta com serviços terceirizados, adequando-se a lógica da
flexibilização da economia. Dando continuidade a política de “valorização da
246
produção orgânica”, valorizada pelo mercado, estabelece critérios de fiscalização,
as quais os associados tem que se “enquadrar”. Para tanto já conseguiram o selo
do Instituto Biodinâmico, que atesta a organicidade dos produtos.
Deixam claro a existência de uma parceria com as indústrias, portanto
não se trata de interesses divergentes, mas perfeitamente “harmônicos” . Por meio
dessa parceria “terceirizam” a produção de suco, e a indústria paga ao produtor o
preço do mercado. Assim, a indústria também amplia as possibilidades de se
apropriar de parte da renda camponesa, via associações e cooperativas que
deveriam representar os interesses dos trabalhadores. Quanto ao perfil dos
associados da COOPEALNOR a presidente da mesma, em entrevista realizada em
novembro de 2008 afirma que:
(...) É bem misto. (...) A grande maioria são pequenos produtores
né, produtores de laranja e maracujá, e que já vem de uma historia
de associação, de luta. Associações que já foram filiadas a
CEALNOR. (...) E temos também médios produtores que já tem
uma visão mais empresarial da coisa, e sabe que através da
cooperativa eles podem vir a alcançar alguns mercados, que eles,
sozinhos enquanto produtores não conseguiriam. (.....). Agora na
parte comercial temos algumas dificuldades. Não vou dizer todos,
mas 50% deles ainda não tem noção de como é que funciona essa
coisa e estão muito acostumados com essa coisa de vender na
mão dos atravessadores ou direto. (...) Então, a princípio, eles
também gostariam que a COPEAONOR fosse assim também.
“Olha aqui tá meu produto, vocês agora vendem”. Não gostam de
se envolver (....). E a gente trabalha diferente, que todos estejam
envolvidos, que todos estejam sabendo como as coisas acontecem.
(J. A. – Presidente da COPEALNOR)
A fim atingir seus objetivos a COOPEALNOR visa aumentar a produção
orgânica, de modo a ampliar as relações com o mercado europeu, que valoriza
bastante esse tipo de produção. Apresenta ainda a necessidade de dar
“sustentabilidade financeira” aos associados, algo distante de imaginar tendo em
247
vista toda uma rede de sujeição que envolve a produção de laranja e o mercado
industrial europeu, em que não se verifica uma atuação mais voltada as garantias
de autonomia, ainda que relativa, aos associados, ou mesmo um processo de
conscientização política, que para nós seria imprescindível.
3.6. 2 Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA).
A Associação dos Citricultores da Bahia (ASCIBA) foi fundada em 26 de
abril de 1994, com o objetivo de organizar os produtores de laranja do Estado, mas
após 15 anos de existência encontra-se em dificuldades de desenvolver o processo
de organização dos produtores de laranja da região. Em pesquisa realizada no ano
de 2003 constatamos que a Associação contava com três mil associados em toda a
Bahia, número que caiu para mais da metade em 2008. A maioria desses
associados são do Litoral Norte da Bahia, que se constitui na principal região
produtora de laranja do estado d Bahia. Inicialmente estabelecida na cidade de Cruz
das Almas, no ano de 1995 transferiu-se para Rio Real, principal município produtor
do estado. Conta com muitos associados no Litoral Norte e em outras regiões da
Bahia, com destaque para os municípios de Rio Real, Itapicuru, Acajutiba, Jandaira,
Entre Rios, Alagoinhas, Inhambupe, Piritiba, Santa Luzia, Itaquara e outros.
De acordo com entrevista realizada com o Presidente da ASCIBA, as
principais dificuldades enfrentadas pelos associados se relaciona ao acesso a
créditos rurais, já que quando esses são liberados, isto só acontece, na maioria das
vezes, quando não se mais possível aplicá-los devidamente. Ele destaca que o
Banco do Nordeste promete o crédito para determinado período e não cumpre,
então o produtor da laranja atrasa seu custeio, não adubando no tempo certo e não
empregando o dinheiro corretamente, o que implica em grandes prejuízos. Tal fato
248
faz com que os produtores não consigam arcar com os compromissos assumidos
junto ao banco, o que os tornam devedores.
Outro aspecto fundamental a ser considerado é a dificuldade encontrada
para a comercialização da produção, o que, de acordo com o Presidente da
ASCIBA, se fazia de qualquer forma, de maneira imediatista, já que o produtor
visava um retorno rápido, não tendo, portanto, os cuidados necessários com a
produção (colhendo de qualquer jeito, machucando o fruto, colhendo o fruto verde,
dentre outras coisas). Isto implicava queda nos preços conseguidos e venda da
produção a pessoas estranhas, tornando os calotes constantes. Assim, um dos
primeiros desafios da ASCIBA foi buscar a conscientização dos produtores,
tentando convencê-los a não vender fiado nem tirar a laranja verde. Cabe
considerar no entanto que as fragilidades do produtor ocorre devido, na maioria das
vezes, a precariedade das condições de vida a que estão submetidos.
A partir destas ações, a produção atualmente é comercializada a dinheiro,
tanto por parte das indústrias, quanto dos compradores da região, que escoam a
produção para diversos locais do Brasil. Desse modo, declara o Presidente da
ASCIBA, praticamente não há mais na região comercialização sem ser a vista. A
exceção são os produtores, que dispõem de acordos para fornecimento de
mercado. Para esses últimos, perder alguns caminhões não representaria grandes
prejuízos, o que não acontece no caso do pequeno produtor, que poderia se
desequilibrar economicamente ou, até mesmo, perder sua terra.
Alem disso, é preciso estimular a confiança do produtor de laranja na
cooperação e promover uma comercialização eficiente com os mercados, a fim de
garantir melhores preços ao produto. Enquanto essa questão não for resolvida,
permanece forte a figura do atravessador e a desinformação total dos produtores.
249
Outro problema referente à produção diz respeito à escassez de água, agravado
por longos períodos de estiagem – de 5 a 6 meses dependendo de cada localidade.
Na
organização
cooperada
dos
produtores
destaca-se
o
papel
desempenhado pelo mercado do produtor, que representa uma das ações do
PROCITROS (Programa de Recuperação da Citricultura Baiana) e trata-se de uma
iniciativa realizada a partir da parceria entre Governo do Estado da Bahia e os
citricultores, identificados na ASCIBA. Dentre os seus principais objetivos destacase a permissão para o produtor expor sua laranja (estocar se for o caso),
possibilitando a compra diretamente pelo consumidor, enfraquecendo, portanto, o
atravessador que, sem muitos esforços, acaba abocanhando grande parcela da
renda dos produtores. De acordo com o presidente da ASCIBA o preço da laranja
vendida por via desse mercado é em média R$ 10,00 a 15,00 por tonelada maior
que os preços conseguidos nas propriedades rurais. Assim, o mercado foi feito para
facilitar a vida dos associados e dos produtores de um modo geral. Novamente, é
visível a leitura da associação como possibilidade de inserção na lógica do capital.
Os grandes produtores têm uma participação muito pequena em relação
ao número de produtores que compõem a ASCIBA, já que muitas vezes preferem
vender sua produção por conta própria, através de uma rede já articulada de
consumidores.
Pode-se considerar que 70% dos produtores associados da ASCIBA são
pequenos, que possuem até 50 hectares. Cerca de 20% é composto de médios
produtores (aqueles que possuem de 50 até 100 hectares) e por fim, os 10%
restantes podem ser classificados como grandes produtores (com áreas acima de
100 hectares).
250
Um dos grandes desafios da Direção da ASCIBA é organizar o produtor
para lutar junto aos bancos pelo acesso a créditos rurais, renegociando dívidas
existentes. Para isso, a ASCIBA vem desenvolvendo “parcerias com o Governo da
Bahia”, que, via bancos de financiamentos e agências de desenvolvimento
(Desembanco e BNB), viabilizou, no ano de 2003, recursos na ordem de R$ 64
milhões, a serem liberados em oito anos – como parte das ações do programa de
revitalização da citricultura. Obviamente que o interesse do Governo do estado da
Bahia é a dinamização da produção na perspectiva de inserir economicamente a
região no eixo da economia internacional, especializada na citricultura, com novos
espaços baianos sendo incorporados.
Através do estado, a ASCIBA tem buscado também o apoio da EBDA, no
que diz respeito à assistência técnica. Apesar dos poucos técnicos de que dispõem,
a EBDA tem buscado resolver os problemas dos citricultores, sobretudo no que se
refere ao controle de pragas e doenças, erradicando plantas afetadas e lutando
para “aumentar a produtividade”. O principal desafio é o controle da orthésia, contra
a qual a EBDA tem trabalhado junto a ADAB, para não permitir que ela se alastre
nos laranjais baianos. Neste controle, destaca-se a parceria com as indústrias de
suco, como a Maratá e com o Governo e a Prefeitura de Rio Real. O grande
interesse da indústria justifica-se em função da sua própria manutenção, que
necessita da matéria-prima constante e com menores preços.
A aliança entre Associação, Estado e Capital é visível e não tem por
princípio romper a exploração a que os pequenos produtores estão submetidos.
Além disso, não se pode considerar as demandas dos produtores com condições
financeiras diferentes como homogêneas. Da mesma forma não se pode considerar
251
com as mesmas necessidades aqueles que tem pequenas porções de terra com os
grandes produtores rentistas, posto que personificam realidades diferenciadas.
3.6.3 Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze (COOPERTREZE)
Em 1960, mais de oitenta agricultores sem terra foram selecionados por
uma comissão composta por representantes de diversos órgãos públicos e
contemplados com lotes de três hectares, doados por um antigo proprietário em
Lagarto. Eles receberam a escritura pública e tiveram acesso ao crédito do Banco
do Brasil, com aval desse antigo produtor, para construção de casas, custeio de
suas lavouras – principalmente fumo (explorado comercialmente) e mandioca (para
subsistência da família). Os órgãos públicos como o INDA (atual INCRA), a
SUDENE e o CONDESE (depois Secretaria de Planejamento) criaram um grupo de
trabalho para analisar a situação dos produtores assentados. O grupo decidiu pela
criação de uma cooperativa que pudesse minimizar a crise social e econômica pela
qual passava a região.
De acordo com o Relatório de Gestão da Organização das Cooperativas
do Estado de Sergipe (OCESE), realizado em 2001, a Coopertreze foi fundada em
1962, a partir de reunião, onde compareceram 21 agricultores, a chamada
Cooperativa dos Agricultores do Treze, que, em 23 de dezembro do mesmo ano,
passou a ser chamada de Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze Ltda. Após
40 anos de existência, em 2002, a COOPERTREZE contava com 528 associados
vindos de outras regiões do entorno e municípios vizinhos. Essa Cooperativa possui
sua sede localizada na Colônia Treze, no município de Lagarto, Centro-Sul de
252
Sergipe, um dos maiores produtores de laranja do Estado. Conforme informações
apresentadas por Oliveira (2007, p. 88):
A coopertreze foi utilizada pelo Estado como instrumento para
viabilizar a modernização, sobretudo na produção de laranja, tanto no
que se refere à aquisição de terras, bem como na atração de capital
adotando inovações tecnológicas a serviço da extensão técnica rural
e acesso ao crédito.
Conforme estabelece o Estatuto Social da COOPERTREZE, reformado
em 26.11.98, em seu artigo 1º, “A Cooperativa mista dos agricultores do Treze COPERTREZE - rege-se pelos valores e princípios do cooperativismo, disposições
legais, pelas diretrizes da autogestão e por este estatuto, tendo: a) sede
administrativa na Colônia Treze, município de Lagarto, no Estado de Sergipe; b)
área de ação, para fins de admissão de cooperados, abrangendo os municípios de
Lagarto, Salgado, Riachão do Dantas, Boquim e Simão Dias, todos no Estado de
Sergipe; c) prazo de duração indeterminado e ano social compreendido no período
de 01 de janeiro a 31 de dezembro de cada ano”.
Quanto aos principais objetivos da Cooperativa, o estatuto destaca o de
congregar agricultores de sua área de ação, realizando os seus interesses
econômicos através das seguintes ações: a) industrializar e comercializar a
produção de seus cooperados, nos mercados locais, regionais, nacional e
internacional, registrando suas marcas, se for o caso; receber, transportar,
classificar, padronizar, armazenar e beneficiar; b) adquirir e repassar aos
cooperados bens de produção e insumos necessários ao desenvolvimento de suas
atividades; c) prestar assistência técnica ao quadro social, em estreita colaboração
com órgãos públicos atuantes no setor; d) fazer, quando possível, adiantamento em
dinheiro sobre o valor dos produtos recebidos dos cooperados ou que ainda
253
estejam em fase de produção; e) obter recursos para financiamento de custeio da
produção e investimentos dos cooperados; f) promover, com recursos próprios ou
convênios, a capacitação cooperativista e profissional do quadro social, funcional,
técnico, executivo e diretivo da Cooperativa; g) fornecer assistência aos cooperados
no que for necessário para melhor executar o trabalho de produção; h) prestar
outros serviços relacionados com a atividade econômica da Cooperativa; i) realizar,
em benefício dos cooperados interessados, plano de saúde e seguro de vida
coletivo e de acidente de trabalho.
Entretanto, a partir de entrevistas realizadas com os citricultores
associados da COOPERTREZE, percebe-se que uma das principais dificuldades
enfrentadas por ela, são os problemas de organização interna, o que é reflexo de
questões relacionadas à própria situação econômica do país e do descaso com a
agricultura praticada nas unidades de produção familiar. Isto em muito tem afetado
as Cooperativas de pequenos produtores, fazendo com que elas tornem-se, cada
vez mais, desacreditadas, desestimuladas, dificultando a busca de caminhos para
resolver os problemas. Muitos dos empecilhos existentes dizem respeito a
determinados encaminhamentos referentes ao emprego dos financiamentos. Por
causa disso e de problemas de gestão, a COOPERTREZE (com mais de 40 anos
de existência) encontra-se com sérias dificuldades para se manter, estando quase
em estado de falência. A atual Sede da Cooperativa Agrícola Mista do Treze pode
ser observada na foto 36.
No início, o principal cultivo comercial dos produtores era o fumo, que foi,
gradativamente, sendo substituído pela laranja, dada valorização desse produto no
mercado. Dentre as razões que fizeram com que o primeiro entrasse em
decadência, destacam-se os problemas internos da cooperativa, já que muitos
254
produtores vêem nela apenas uma possibilidade de obter recursos, não trabalhando
de forma cooperativada; há também os problemas relacionados ao mercado externo
e à queda nos preços, o que fez com que os produtores passassem a investir em
outro cultivo (a laranja), impulsionados pela incorporação deste espaço agrícola ao
mercado nacional e internacional.
Foto 36 – Atual Sede da Coopertreze, Lagarto, 2003.
Assim, no início da década de oitenta, a laranja torna-se o cultivo mais
importante da região. Nesse período, a Cooperativa cresceu bastante, atraindo
muitos associados, aumentando seu poder de barganha e obtendo muitos recursos
para dinamizar a produção. Diversos equipamentos e uma gama de serviços
organizacionais foram adquiridos,
escritórios de venda, caminhões, tratores,
fábricas de rações, fábrica de beneficiamento de fumo, postos de gasolina,
beneficiadora de laranja, supermercados, além de postos de venda nas grandes
cidades do Nordeste - São Luis, Fortaleza, Recife, dentre outras. Entretanto, para
um dos produtores associados, a maioria dos sócios só estava preocupada em
adquirir recursos e tocar sua produção, não se interessando em participar
efetivamente da cooperativa. Com isso, em fins dos anos 80 e início da década de
noventa, quando a produção da laranja começa a enfrentar problemas relacionados
255
à queda nos preços e a difusão de pragas e doenças, a Cooperativa, que muitas
vezes estocava a produção, passou a assumir os prejuízos. Muitos dos produtores
associados, portanto, abandonaram-na, agravando ainda mais as dificuldades que
ela vinha enfrentando.
A reivindicação principal do associado é que haja financiamento, o que
muitas vezes cria problemas entre cooperativa e cooperados, tendo em vista o fato
de grande parte dos membros encontrarem-se com dívidas nos bancos de
financiamentos – como o Banco do Brasil e o BNB - dívidas essas já renegociadas.
Assim, os bancos têm tentado reaver o recurso investido, cobrando muitas vezes
judicialmente ao produtor, que acredita que a Cooperativa tem que resolver a
situação. Tais questões intensificam, cada vez mais, a separação entre produtor e
cooperativa. Assim, muitos se afastam, passam a vender sua produção fora da
Cooperativa, geralmente por meio de atravessadores, o que prevalece na região
atualmente.
Além dos problemas relacionados ao distanciamento de parte dos
associados, a COOPERTREZE acabou perdendo, praticamente, todo seu
patrimônio, contando atualmente com apenas uma pequena sede, onde funciona o
escritório, e uma loja para venda de insumos agrícolas. Sua função atual tem-se
limitado à comercialização da produção (ou parte dela) e aluguel de seus galpões
de beneficiamento. A produção é escoada pelo próprio comprador ou em
caminhões alugados, considerando-se que a Cooperativa não possui caminhão
(possuía doze caminhões no passado).
Outro grave problema que vem afetando a citricultura regional é a
constante ameaça das pragas (principalmente a Orthésia;) e também a prevenção
do CVC (conhecido na região como amarelinho). Essa preocupação tem requerido
256
dos citricultores o emprego de grandes quantias em dinheiro, dificultando ainda
mais a inserção no processo produtivo.
Para reestabelecer-se, as principais estratégias da Cooperativa é preciso
resolver os problemas internos, a contabilidade e renegociar as dívidas; em
segundo lugar, lutar para levar a Cooperativa até os associados e retomar a sua
confiança, além de buscar uma consciência coletiva quanto ao papel da cooperativa
e dos seus membros – fazendo com que eles possam se sentir verdadeiramente
parte da instituição.
Outro aspecto a ser destacado é o estabelecimento de parcerias que a
COOPERTREZE tem buscado estabelecer com órgãos de pesquisa e assistência
técnica como a EMDAGRO, junto ao governo do Estado. Atualmente, a Cooperativa
não tem condições de oferecer ao produtor esses serviços. Por isso, os produtores
entrevistados dizem que a assistência técnica tem deixado a desejar, pois o número
de técnicos é bastante reduzido, não conseguindo, portanto, atender a todos.
Até o ano de 1999/2000, a Coopertreze encontrava-se bastante
endividada junto ao Governo Federal, tendo perdido parte do seu patrimônio
(prédios) para pagar parcela da sua dívida. Entretanto, a partir de 2001, a
Cooperativa passou a contar com o apoio de um programa do Governo Federal – o
RECOPE – voltado para a revitalização da produção e das cooperativas agrícolas.
Este programa foi criado a partir da medida provisória nº 1771/5 de 31 de janeiro de
1999, no referido decreto nº 2936.
Tal
programa
prevê
o
cumprimento
das
seguintes
etapas:
1)
renegociação das dívidas, reorganização da infra-estrutura das cooperativas
(escritório, beneficiadora e outros); 2) reorganização dos associados, criação de
fóruns de debate entre os associados para envolvê-lo enquanto parte da
257
Cooperativa; 3) organização da produção – trabalhando a questão da produção, os
problemas dos associados com relação à inserção do produto rural na economia, no
trabalho, bem como acompanhando esta produção ano a ano. À medida em que a
Cooperativa vai cumprindo essas etapas, o banco torna a repassar novos recursos,
até chegar na 4ª etapa, que se refere à capacitação da assistência técnica, a partir
da criação de setores internos na cooperativa.
Os principais mercados consumidores da laranja dos associados da
COOPERTREZE são os Estados do Norte e Nordeste do país – Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas, Pará e outros. Também, em épocas de escassez no
Sudeste, parte da laranja é escoada para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte.
Ainda que se percebe na Coopertreze uma lógica mais voltada ao
atendimento das demandas concretas dos cooperados, esses acabam engessados
na estrutura do Estado, principalmente, devido as dívidas existentes. Por isso,
buscam “soluções” dentro dessa lógica e as dificuldades em fortalecer a luta dos
pequenos agricultores, com vias a um projeto mais independente de agricultura e de
organização social acabam por serem suplantados pela constante tentativa de
inserir os associados no processo produtivo. Essa realidade se acresce mediante o
constante abandono dos agricultores de suas terras de trabalho, que aliado ao
desemprego existente na região não apresenta oportunidade para aqueles que
vivem do trabalho. Assim, a luta pela terra torna-se inevitável, assunto que
trataremos no próximo capítulo desta tese.
258
4 DA APROPRIAÇÃO DO CAPITAL À BUSCA DE NOVAS FORMAS DE
TRABALHO: A MATERIALIDADE DA LUTA DE CLASSES NO TERRITÓRIO
A já longa luta dos trabalhadores que tem nos campos sua inserção
para o trabalho e/ou a morada, ao colocar em questão o poder e o
controle exercidos pelos proprietários de terra, latifundiários,
capitalistas e o Estado, seja por meio das ocupações de terra, de
prédios públicos, caminhadas, atos públicos, greves, paradeiros,
etc, estão acrescentando ao aprendizado da luta de resistência e à
qualificação da consciência de classe, novos elementos para a
classe trabalhadora. (THOMAZ JUNIOR, 2004, p. 11).
De acordo com as questões apontadas anteriormente as investidas do
capital no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia vem sendo feita de todas
as formas, assim ora o capital (em geral associado aos proprietários fundiários da
região) ora os próprios latifundiários se apropriam da terra e aceleram o processo
de proletarização, devido a intensa expulsão dos camponeses; ora essas classes
dominantes no campo criam formas de subjugar o trabalho camponês a sua lógica
produtiva, através da sujeição de sua renda, uma realidade muito concreta para
aqueles poucos que se mantêm na terra. Por outro lado, ao passo que verifica-se a
ampliação do exército de reserva, não se tem alternativas concretas de trabalho (no
campo ou nas cidades), fato que intensifica a pobreza e a periferização nas cidades
da região. A ampliação do exército de reserva, por sua vez, agrava as condições de
trabalho ao tempo em que garante aos proprietários fundiários e as empresas
capitalistas a possibilidade de se apropriar de maior renda da terra e lucro.
Essa realidade não tem apontado alternativas concretas para os que
trabalham ou pretendem trabalhar. Para os camponeses a busca por políticas
públicas de financiamentos, viabilizada através da cooperativas e associações ao
invés de representar uma possibilidade de melhorar as condições de vida,
propiciando a apropriação de uma maior renda da terra, na realidade, engessa os
259
produtores diretos, inserindo-os de forma subordinada ao capital. Para os
trabalhadores proletarizados a luta sindical apresenta seus limites, pois ainda que
os sindicatos busquem atender os interesses dos trabalhadores não conseguem
enfrentar os patrões, dado desemprego significativo na região. Engessados os
sindicatos acabam por estabelecer uma relação de mediação entre patrão e
empregado de modo a manter os empregos dos mesmos. Não se pode deixar de
notar, contudo, a forte vinculação política de muitos sindicatos visitados, fato que
também acaba por distanciá-los da questão central – a luta da classe trabalhadora.
Desprovidos de outra possibilidade de reproduzir a vida esses
trabalhadores encontram na luta via movimentos sociais as esperanças da luta pela
terra, pelo trabalho ou por moradia, enfim por melhores condições de vida e
trabalho. Nessa luta a questão central é o enfrentamento que promovem contra o
Estado, através da política pública (inclusive de assentamento de população, etc.) e
mesmo do capital e dos latifundiários que historicamente se reproduzem na
exploração da classe trabalhadora. A fim de averiguar essas tentativas de luta
implementadas pela classe trabalhadora buscamos acompanhar experiências de
famílias acampadas e assentadas, que objetivam a terra, o trabalho ou a moradia,
via movimentos sociais diversos, em destaque o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), que
atuam tanto no Centro-Sul de Sergipe quanto no Litoral Norte das Bahia. No que se
refere à atuação do MST no Centro-Sul de Sergipe, destaca-se que nos últimos
anos ocorreram várias ocupações. Essa realidade pode ser observada na figura 09,
tomando por base as informações fornecidas pela Direção Regional do movimento.
260
Figura 09
Para tanto há que se considerar que mesmo mediante todas as investidas
do capital os trabalhadores estão reagindo, buscando possibilidade não apenas de
trabalhar, mas de se apropriar do produto do seu trabalho, questionando a ordem
capitalista e o Estado. Assim, ao contrário daqueles que pregam o fim do trabalho,
ao considerar as condições concretas dos milhares de trabalhadores no país, no
mundo e nas regiões em estudo, reafirmamos a centralidade do trabalho enquanto
condição fundamental de vida. Essa luta pelo trabalho concretizada na luta pela
terra, pelo trabalho e moradia expressa a atualidade da luta de classes, de classes
antagônicas, que se expressa, concretamente, no território. A leitura do território,
portanto, vai nos permitir compreender a contradição na relação capital versus
261
trabalho que se expressa, por um lado, na expropriação, sujeição, subsunção,
proletarização e, por outro, na busca de alternativa por parte da classe trabalhadora
– na apropriação da terra, na labuta pelo trabalho e pela moradia, dentre outras
questões. O quadro 02 aponta a quantidade de acampamentos e assentamentos do
MST no Centro-Sul de Sergipe, em setembro de 2009.
Quadro 02 – Assentamentos e acampamentos do MST no Centro-Sul de Sergipe,
2009
Municípios
Acampamentos
Assentamentos
Arauá
Carlos Gato
Boquim
Carlos Mariguela
Cristinápolis
São Francisco
São Roque
Paulo Freire II
Estância
Dionísio Cruz
Rosa Luxemburgo
Angélica de Oliveira
Manoel Ferreira
Apolônio de Carvalho
Dom Helder
Fusquinha
17 de Abril
Geraldo Garcia
Roseli Nunes
Madre Cristina
Caio Prado
Biriba I
Luiza Mahyna
Biriba II
Biriba III
José Eduardo
Irmã Dorothy
Santa Rita de Cássia
Luiz Carlos Bispo
José Elisiário
Edmilson Evaristo
Nossa Senhora Aparecida
Amigos para sempre
Joélia Lima
Indiaroba
Traípu
7 Brejos
27 de Outubro
Bela Vista
Nicácio Rodrigues
Luiz Silveira D’Ávila
Sepé Tiarajú
5 de Janeiro
Itabaianinha
15 de Janeiro
Patativa do Assaré
Pedrinhas
Antonio Pinto
Salgado
Companheiros de Che
Santa Luzia do
Milton Santos
Cleonice Alves
Itanhy
8 de Agosto
Mourão 3 de Julho
Tomar do Geru
Dom Oscar Homero
27 de Abril
Umbaúba
Guerrilha do Araguaia
Campo Alegre
Fonte: Trabalho de Campo, 2009.
262
Assim, o Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia podem ser
compreendidos como território da contradição capital versus trabalho, em que os
trabalhadores questionam a hegemonia do capital e da produção citrícola,
reafirmando a lógica camponesa da produção diversificada, bem como na luta por
trabalhos e moradias urbanas.
Nesse sentido, há que se considerar a centralidade da luta de classes
que se expressa no campo brasileiro como um todo e nas áreas em estudo
especificamente. Para tanto cabe compreender quem são essas classes e que
papel desempenham na produção do território, quando e como seus interesses
entram em conflito e a luta tornasse inevitável. Assim, diferente das leituras que
apontam para a insuperabilidade do capital e a superação da luta de classes,
considerando a realidade brasileira e mundial e, nesse propósito a análise do
Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, reafirma-se a importância da luta de
classes enquanto possibilidade concreta de demonstrar as contradições existentes
na sociedade capitalista. Portanto, pensar o território é considerar tanto o
movimento do capital quanto as resistências históricas implementadas por aqueles
que são expropriados das condições concretas de sobrevivência.
Tomando por base a leitura realizada por Marx (1984) os estudos
realizados por Souza S. T.(2008) apontam que as classes sociais do capitalismo
seriam três: os capitalistas que objetivam o lucro, o proprietário fundiário que
almejam a extração da renda da terra e os trabalhadores que vivem do salário.
Essas três classes constituem-se, para Marx (1984), “a fórmula trinária que
compreende todos os segredos do processo de produção social” (MARX, 1984, p.
269).
263
É preciso, segundo a própria análise desenvolvida por Marx (1984)
observar as contradições existentes entre o processo de
reprodução social e de apropriação individual, quer dizer, de uma
classe em relação à outra, o que remete a possibilidades
constantes de conflitos, mas que necessita da tomada de
consciência da classe dominada, para que esta possa modificar
suas condições no processo produtivo. Isto requer, portanto, o fim
da exploração de uma classe sobre a outra. (SOUZA, 2008, -p. 58).
Essa “aparente relação de igualdade” estabelecida entre detentores e
não-detentores dos meios de produção que se estabelece entre homens “livres” é
para Martins (1981) apenas aparentemente igualitária, para tanto há que se
considerar as contradições existentes no processo produtivo, ou que afirmou Marx
(1984) no fato da produção ser socializada e a apropriação dos resultados da
produção serem apropriados, privadamente, por uma classe que detém esses
meios de produção. Assim sendo, aquilo que o trabalhador produziu ao longo da
jornada de trabalho é muito superior do que recebe de volta sob a forma de salário.
Essa riqueza produzida pelo trabalhador, porque produto de seu trabalho, na
realidade, é apropriada pelos capitalistas, que se apropria do mais-trabalho, da
quantidade a mais que o trabalhador produziu e que não se converte em salário
para esse.
Nessa relação
destaca-se o papel desempenhado pelo Estado, na
medida em que esse atua com o propósito de atenuar os conflitos entre essas
classes antagônicas, quando os mesmos se tornam inevitáveis. Assim, adotando a
concepção defendida por Engels (2002) o Estado é produto concreto das
contradições da sociedade e constitui-se em uma instituição voltada para a
manutenção dos interesses das classes dominantes, ainda que para isso tenha que
se valer de diversas formas de repressão as demandas da classe trabalhadora,
expropriada dos meios de produção. Essa realidade pode ser observada, por
exemplo, no campo brasileiro nos conflitos fundiários que marcaram a história do
264
país, em que o Estado atua muito mais no sentido de reprimir os movimentos de
luta pela terra, garantindo o direito inviolável à propriedade privada, do que
promovendo políticas efetivas de distribuição de terras para aqueles que dessas
precisam para trabalhar.
Ainda ao analisar o campo brasileiro Martins (1981) afirma que uma
característica muito evidente é o fato do capitalista tornasse também proprietário
fundiário passando a auferir lucro e renda; mas ainda assim isso não significa a
supressão de uma classe pela outra, pois personificam realidades diferentes: o
capitalista que vive do lucro, resultado do trabalho não-pago, do mais-trabalho e o
proprietário fundiário que vive da renda da terra. Assim o capitalista é personificado
na coisa capital, o grande proprietário fundiário é coisificado na renda da terra e o
trabalhador coisifica-se em o salário, que, na maioria da vezes, constitui-se uma
parcela mínima do seu trabalho que lhe retorna sob a forma de salário a fim de que
o mesmo possa assim garantir as condições mínimas de continuar sendo explorado
no processo produtivo.
Tomando por base a análise das classes sociais e sua relevância para
compreender a produção do espaço geográfico L. R. Silva (2001, p. 51/52) aponta
que:
O homem sem posses ou propriedades de bens materiais está no
espaço por meio da função natural-histórica da propriedade de sua
força de trabalho: trabalho (...). O assalariamento é fruto da venda
da coisa força de trabalho em qualquer atividade social,
tradicionalmente produtiva (indústria, agricultura), ou não (comércio,
serviços, dos mais sofisticados – a atividade intelectual – aos mais
simples – lavagem de roupa manual, por exemplo, públicos ou
privados (...). Os donos das riquezas e dos meios através dos quais
eles colocam o trabalho da força de trabalho comprada para criar
mais-valor estão no espaço. E estão no espaço não só pelas suas
propriedades concretas como através da função abstrata de sua
propriedade de trabalhar para ter mais, dirigir, mandar, administrar
as
formas
de
seus
subordinados
lhes
garantirem,
progressivamente, trabalho de graça, incorporado a todas as coisas
criadas. (...) Todos estão no espaço pelo trabalho. Com a diferença
de que os que consomem sua força de trabalho para si e os
265
proprietários dos meios de produzir estão inteiros e os outros estão
mutilados
Reconhecendo a importância da compreensão das classes sociais e das
lutas históricas que essas classes antagônicas travaram, autores como Iasi (2007) e
Thomaz Junior (2007) apontam a necessidade de buscar-se um esforço para
compreender a leitura das classes sociais de Marx, bem como ampliar seu
conteúdo atual em tempos de transformações intensas nas relações entre capital
versus trabalho.
Para Iasi (2007), por exemplo, existe um equívoco na forma que muitos
autores das Ciências Sociais contemporâneas elaboram críticas a Marx, por não
captarem a forma como esse autor trabalhava “conceitos” que não eram pensados
de forma estática, mas expressavam um processo de transformação e
desenvolvimento. Assim, argumenta que a análise de Marx sobre classes sociais
não se restringe ao capítulo 52, livro 3, tomo 2 de O Capital, mas em vários
momentos de sua vasta obra. Acrescenta ainda que o capítulo As classes encontrase inacabado, já que o autor o interrompeu no momento em que estava se
debruçando sobre a construção do conceito. Desse modo, Iasi 2007, p. 106
arremata que:
(...) quando afirmamos que o conceito de classe da sociedade
capitalista engloba apenas os capitalistas, assalariados e os donos
de terra, isso é verdade apenas se tomarmos por referência o
momento de análise a que se refere esta conclusão; é um absurdo
se tratarmos de uma formação social concreta uma vez que
existem classes que não estariam de forma alguma englobadas
nessas três categorias.
Compreendendo essa realidade da totalidade viva do trabalho, vinculada
mudanças na dinâmica geográfica da sociedade, Thomaz Junior (2007) aponta a
266
nova situação e plasticidade da classe trabalhadora, expressa no campo e nas
cidades,
ou nas diferentes formas de assalariamento (pura e/ou
combinadas), as combinações entre formas de remuneração e de
sujeição da renda da terra, no caso dos camponeses que vivem
dupla relação com o capital, a sujeição pura, a sujeição do trabalho
em sentido amplo e genérico, as formas autônomas em suas mais
complexas formulações (p. 08).
Assim, a racionalidade do capital procura sujeitar toda a sociedade,
buscando negar qualquer outra possibilidade de inserção do trabalho fora da
relação com a reprodução do capital. Por outro lado, a classe trabalhadora
“multifacética” diferenciada em segmentos diversos acaba por dificultar a
constituição de uma consciência de classe para si, no entanto essa consciência
nunca se fez tão necessária.
Debruçando-se sobre a questão da consciência de classe Lukács
(2003)31 aponta que essa só se torna possível na medida em que a classe
trabalhadora reconheça a exploração a que tem sido, historicamente, submetida e
busque resolver esse conflito por meio da luta.
Nesse objetivo Iasi (2007) retomando a análise de Kaustky, quando
destacava que a “verdadeira consciência de classe” seria aquela expressa não pela
consciência da “posição”, mas da “missão” da classe que assume a luta política
contra o capital, na perspectiva de uma superação revolucionária da sociedade,
afirma que: “se considerarmos a consciência de classe como movimento, ele não
31
(...) A relação como totalidade concreta e as determinações dialéticas delas resultantes superam a
simples descrição e chega-se à categoria da possibilidade objetiva. Ao se relacionar a consciência
com a totalidade da sociedade, torna-se possível reconhecer os pensamentos e os sentimentos que
os homens teriam tido numa determinada situação da sua vida, se tivessem sido capazes de
compreender perfeitamente essa situação e os interesses dela decorrentes, tanto em relação à ação
imediata, quanto em relação à estrutura de toda a sociedade conforme esses interesses.
Reconhece-se, portanto, entre outras coisas, os pensamentos que estão em conformidade com sua
situação objetiva. (LUKÁCS, 2003, p. 141 apud SOUZA, S.T., 2008, p. 64).
267
estaria nem na consciência em si, nem na consciência para si, mas no movimento
que leva de uma até a outra” (IASI, 2007, p. 112).
Por outro lado, ao se observar as condições concretas da classe
trabalhadora e a mutilação imposta pelo capital na garantia de maior exploração do
trabalho, em seu processo de reestruturação produtiva, considera-se os desafios
concretos colocados a classe trabalhadora na luta contra o capital.
Nesse sentido Thomaz Junior
(2007) aponta os rearranjos do
metabolismo do capital em escala mundial, cujos reordenamentos não podem se
restringir ao clássico conflito capital versus trabalho, mas envolvendo outras formas
de dominação de classe, apontando novas formas de pensar do que é trabalhar o
campo – quer seja na condição de assalariados ou camponeses ou nas cidades
(assalariados, por conta própria ou mesmo informais), “sob distintas relações
sociais de produção e de trabalho” (p. 09); desse modo, o universo do trabalho se
complexifica e passa por redefinições.
Assim, verifica-se a diminuição do proletariado industrial e o aumento das
formas precarizadas de trabalho, seja essas industriais ou não, a aumento das
formas imateriais de trabalho (mediante avanço da informação); além do aumento
do desemprego e os excluídos do trabalho vivo, representando novas formas de
subordinação, dominação, sujeição, exploração do trabalho ao capital (THOMAZ
JUNIOR, 2007, p. 10), questões fundamentais que se pensar a dinâmica atual da
luta de classes e a sua necessidade histórica.
Estes são, pois, os elementos centrais das mutações que redefinem
constante e intensamente as formas de uso, organização e controle
do território pelo capital, que, por sua vez, redimensionam o sentido
e a amplitude dos conflitos sociais, da luta de classes e da
fragmentação da práxis social do trabalho, no mundo
contemporâneo (p. 09).
268
Essa realidade pode ser observada nos estudos sobre o avanço do
capital e seus rebatimentos sobre o trabalho no Litoral Norte da Bahia e Centro-Sul
de Sergipe, na diminuição do trabalho industrial, na precarização do trabalho no
campo e nas cidades, na apropriação das terras pelos latifundiários da região ou
das empresas capitalistas que passam a atuar nas regiões em estudo, e que
mediante a valorização das terras acaba por promover a expulsão de grande parte
das famílias camponesas, acrescendo o exército de reserva da região que passam
a ter nas periferias urbanas e nas vilas rurais seus novo lócus de reprodução social.
Em outros casos os latifundiários locais se associam as indústrias processadoras de
suco concentrado de laranja, auferindo renda e lucro, conforme já apontado. Por
outro lado, o processo de proletarização não se processa completamente, quando
parte dos camponeses se mantêm em suas terras, reafirmando que o capital em
seu processo de realização não só redefine como se apropria do produto das
relações não-capitalistas de produção, conforme apontado por Luxemburg (1985),
Martins (1981), Oliveira (1998 e 2001) dentre outros autores.
No caso das regiões em estudo, o capital efetivamente busca formas de
se apropriar desse produto gerado pelas unidades de produção camponesa, através
da sujeição da renda camponesa ao capital. Nesse processo, cria formas de, por
meio de todo aparato disponibilizado pelos governos do estado da Bahia e de
Sergipe e do governo Federal, conforme já apontado no capítulo 3, em que os
camponeses acabam sendo impulsionados a plantarem a laranja, obtendo para isso
incentivos creditícios e técnicos, além de contarem com mercado certo nas
indústrias instaladas na região. Essas situações, por sua vez, rebate-se,
negativamente, nas condições de trabalho verificadas nas regiões.
269
Desse modo, ao sujeitar-se ao capital industrial os camponeses passam a
viver com dificuldades concretas, dependente da indústria processadora de suco e
do capital financeiro, por conta dos financiamentos “necessários” para manter a
produção, além das indústrias produtoras de insumos, sem os quais, muitas vezes,
não conseguem produzir. Essas “dependências” acabam por funcionar como um
esquema de seleção do camponeses, em que apenas aqueles com melhores
condições podem permanecer na produção. Assim, as famílias camponesas pobres
se vêm impulsionadas a saírem da terras e migrarem para as cidades –
aumentando o exército de desempregados ou permanecem em pequenas frações
de terra (geralmente minifúndios) tentando, no geral, alternar a produção de
subsistência com o cultivo da laranja e algumas criações.
Nesses casos, como as terras são pequenas e insuficientes para atender
as necessidades de toda família e a mobilidade de parte da família tornasse uma
realidade concreta. A fragmentação da unidade de produção familiar ao passo que
se constitui em uma prática camponesa, por outro lado acaba tornando a terra
insuficiente para garantir o sustento de toda família e a mobilidade de parte de seus
membros, principalmente para as cidades pode ser verificado no estudo das regiões
“citricultoras” da Bahia e de Sergipe. Essa mobilidade abarca, de forma mais
evidente, os jovens, que em determinados períodos do ano chegam a fazer grandes
deslocamentos, a exemplo para o estado da São Paulo, onde trabalham em várias
funções, principalmente no campo, como no cultivo da laranja onde já possuem
algum tipo de experiência.
No caso do camponês que perde suas terras e migra para as cidades a
realidade observada foi que esses por já terem uma idade, no geral, acima dos 40
anos dificilmente conseguem emprego, ainda que precarizados, como na colheita
270
da laranja, por exemplo, já que contando-se com uma população mais jovem, a
escolha dos empreiteiros (donos de turma) acaba voltando-se para esses
trabalhadores dadas possibilidades desses apresentarem maior produtividade. Vêse assim nas regiões em estudo uma característica muito peculiar desse processo
de reestruturação produtiva, conforme apontado por Thomaz Junior (2004)
anteriormente, que é a exclusão dos trabalhadores “velhos”. Nesses casos, os
trabalhadores vivem a realidade do desemprego crônico ou são atendidos por
programas assistenciais do governo e os mais velhos, geralmente, pela previdência
social (aposentadoria).
Assim, na periferia urbana esses trabalhadores sem perspectiva de
vender sua força de trabalho acabam por se constituir grande parte dos
trabalhadores que entram na fileira da luta pela terra, via movimentos sociais
organizados, sejam esses camponeses ou não, algo observado nas entrevistas
realizadas em assentamentos e acampamentos da região, quando a média de
idade daqueles que estão na luta pela terra ultrapassa essa idade (40 anos). Apesar
disso, nos últimos anos tem-se verificado uma participação de trabalhadores mais
novos na luta pela terra, fato que demonstra a amplitude da degradação das
condições de trabalho e mesmo o universo de trabalhadores que estão fora do
processo produtivo.
A atuação dos movimentos sociais nas regiões em estudo se faz tanto na
luta pela terra quanto pelo trabalho e por moradia, com destaque para o papel
desempenhado pelo Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU) e,
no caso da luta pela terra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Nesse processo de precarização do trabalho observado nas regiões em
estudo destaca-se o papel desempenhado pelas mulheres trabalhadores e por
271
crianças menores de idade, posto que esses são, em geral, mais explorados já que
recebem menores salários. Nas fábricas da região, por exemplo, o trabalho feminino
é responsável por atividades de separação dos frutos, limpeza, etc., cabendo aos
homens o papel de operar as máquinas, gerar a mais-valia, sendo, por isso mesmo
considerados mais importantes, portanto melhores remunerados e contando com
alguma garantia trabalhista. No campo a essas mulheres cabe o trabalho na
colheita da laranja, assim como as crianças, que ainda mediante tantas denúncias
de trabalho infantil e mesmo assassinatos de seus denunciantes continua a garantir
maior renda da terra dos proprietários fundiários das regiões em estudo.
Assim, nas dificuldades da permanência do campo, no trabalho
precarizado no campo e nas cidades, na mobilidade do trabalho, dentre outras
situações a classe trabalhadora busca formas de garantir sua reprodução social.
Ora é camponês e se desloca para realizar algum trabalho assalariado – quer seja
no campo ou na cidade; ora é filho de camponês e vêem na mobilidade do trabalho
a possibilidade de vender a força de trabalho em um determinado momento, juntar
algum dinheiro e retornar para terra da família e “fazer uma roça nova”. Em outros
casos é proletário, trabalha uns dias nas roças de laranja, em outros momentos são
ajudantes de pedreiro, dão uns dias nas indústrias, e lutam pelo trabalho nas
beneficiadoras.
Mediante as condições concretas de sobrevivência muitos desses
proletários entram na luta pela terra e buscam por meio dessa garantir uma
produção mais autônoma, para o sustento da família. Se camponês, se operário32, a
32
Em referência ao artigo publicado por Thomaz Junior (2006) no livro Geografia e trabalho no
século XXI. Volume 2, intitulado Se Camponês, se Operário! Limites e Perspectivas para a
Compreensão da Classe trabalhadora no Brasil. No artigo o autor aponta que: Então, a questão
central permanece: o que entender do constante fluxo, e cada vez mais intenso de trabalhadores
urbanos que realizam inúmeras tarefas/atividades nas cidades, e migram de categorias/corporações
sindicais? E ainda, para alguns desses, ou para a maioria de seus ascendentes que um dia já foram
272
classe trabalhadora segue sua marcha em busca do trabalho. Nesse processo, o
capital cria e recria formas de explorar de forma mais intensa o seu trabalho, seja
no campo, nos serviços urbanos ou nas indústrias. Para os trabalhadores significa
trabalhar sempre mais, desempenhar uma dupla ou tripla jornada de trabalho para
garantir a sobrevivência, sendo mais explorados.
Ainda assim, a organização social por via dos movimentos sociais
desponta na região e leva centenas de trabalhadores a acreditarem em uma
realidade diferente da que vivem. Por mais que se considere que os movimentos
sociais não se constituem a margem das contradições da relação capital versus
trabalho, no caso da luta pela terra, por exemplo, e a produção na terra da família,
esses dispõem de um maior controle, ainda que relativo, do processo do trabalho,
diferenciando do trabalhador proletarizado – expropriado dos meios de produção ou
mesmo daqueles agricultores totalmente sujeitados aos interesses das indústrias de
laranja. Essas questões serão analisadas a seguir.
4.1. A luta pela terra e as diversas formas de organização dos assalariados e
camponeses.
Conforme já apontado, considera-se nessa pesquisa de tese a luta pela
terra enquanto expressão concreta do acirramento das contradições capital versus
trabalho presentes no campo e nas cidades, com rebatimentos concretos para os
que vivem do trabalho. Ao analisar essa realidade nas regiões em estudo,
considera-se, com base em trabalho de campo realizado, que as ocupações de
terra por parte de trabalhadores organizados adquire proporção significativa na
última década dado avanço do capital no campo, a concentração fundiária
camponeses, e que retornam ao campo, sobretudo vias as ocupações de terra, ou ainda as
atividades realizadas nos centros urbanos por aqueles que de alguma maneira já estão no campo, e
retiram parcialmente o sustento de sua família das atividades agrárias? (p. 133).
273
(conforme apontado nos capítulos anteriores da tese) e a impossibilidade de grande
parte dos trabalhadores conseguirem vender a sua força de trabalho.
Para tanto, acompanhamos algumas experiências desenvolvidas pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que atua na região desde a
década de 1990, mas cujas ações se intensificaram na atual década. Nesse
propósito, participamos de algumas atividades desenvolvidas pelo movimento junto
aos trabalhadores acampados e assentados, bem como o contato direto com
algumas dessas localidades, a exemplo dos acampamentos: Santa Rita de Cássia
(município de Estância), Brejo Grande (município de Rio Real), Paulo Freire
(município de Itapicuru) e do assentamento José Emídio (município de Rio Real). As
fotos 37, 38, 39 e 40 demonstram os acampamentos visitados.
Foto 37 – Acampamento nas margens da BR 101 Foto 38 – Acampamento Santa Rita de Cássia
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Foto 39 – Entrevista com famílias acampadas
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Foto 40 – Acampamento Brejo Grande/Rio Real-BA
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
274
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Por meio de contato com os trabalhadores que encontram-se acampados
pode-se constatar essa dimensão da luta pelo trabalho, pois esses são compostos
tanto por filhos de camponeses que perderam as terras (e no movimento pretendem
adquirir, novamente, um pedaço de terra para trabalhar) quanto trabalhadores da
laranja (em geral precarizados), desempregados (que representa a maioria dos
trabalhadores entrevistados que por já terem uma idade mais avançada já não
conseguem vender a força de trabalho), informais, trabalhadores “avulsos” que um
dia trabalham como ajudantes de pedreiro, outros dias na colheita da laranja, entre
outros serviços; ex-trabalhadores das indústrias de suco, que conforme apontamos
no capítulo anterior tem diminuído a quantidade de seu operariado; extrabalhadores das beneficiadoras, fatigados pelo ritmo de trabalho pesado, dentre
outras determinações. Entre esses trabalhadores identificou-se aqueles que estão
na luta pela terra há mais de 10 (dez) anos, até aqueles que estavam há 2 (dois)
meses na condição de acampado.
Também entre os assentados, teve-se a oportunidade de conversar tanto
com assentados há mais de 5 (cinco) anos – que já possuem um resultado concreto
do trabalho com a terra até aqueles que estão vivendo a experiência do primeiro
plantio em um assentamento de reforma agrária. Até os trabalhadores acampadas
que vivem a incerteza de um local para fazer “um plantio”.
Esses trabalhadores são oriundos, em sua maioria, das regiões em
estudo e se encontravam, predominantemente, nas periferias das cidades ou vilas
rurais, sendo atraídos para as ocupações e assentamentos por meio do trabalho
realizado pelo setor de mobilização do MST. Mas também constatamos a presença
de trabalhadores de outros estados (principalmente nordestinos) como Pernambuco
e Alagoas, que se deslocaram já algum tempo em busca de empregos nessas
275
regiões; além de outros municípios da Bahia e de Sergipe mesmo como Condeúba,
Itajuípe, Jacobina no caso do primeiro e Tobias Barreto, Simão Dias e Aracaju no
caso do segundo.
Os motivos que fizeram com que esses trabalhadores buscassem na terra
as condições de se reproduzir socialmente foram, principalmente o desemprego
(mais de 80% dos entrevistados fizeram menção a essa questão), a situação difícil
nas cidades e o fato de terem sido expropriados da terra em momentos anteriores
(camponeses e filhos de camponeses que perderam as terras por conta da
valorização das mesmas).
Desde oito anos trabalho no campo, roçando capim, fazendo de
tudo. Meu sonho é ter a terra para trabalhar para mim mesmo. Já
tava há 8 anos desempregado. No acampamento já melhorou,
planto uma rocinha, levo alguma coisa para vender na cidade, uma
banana, ma laranja, mandioca. Vim pra cá pela precisão, ter a roça
e criar uns bichinhos. A terra dá tudo isso, quem não tem terra tem
que ir a luta. Estou a 12 aos na luta pela terra. Já fiquei em outras
áreas e não consegui. Espero conseguir agora. Quero sobreviver
no território com meu próprio suor. (J. A. S. – Trabalhador
acampado, outubro de 2008).
As dificuldades apresentadas no depoimento do trabalhador acampado se
reproduz para muitas outras famílias entrevistadas, ora trabalhadores rurais, ora
desempregados, realizam bicos na cidade e vêem na luta pela terra a possibilidade
de minimizar as condições de exploração a que são submetidos. Essa realidade
expressa como observou Thomaz Junior a “plasticidade” da classe trabalhadora
hoje, em que a luta pela terra passa a representar uma forma desses trabalhadores
adquirirem uma certa unidade no trabalho a condição de serem camponeses.
Por outro lado, a demora na imissão da pose da terra para fins de
assentamento, realidade que se torna mais difícil com o endurecimento do atual
governo federal para com as políticas de reforma agrária vem repercutindo na
276
desmobilização de grande parte das famílias que ingressam nessa luta e não
conseguem resistir a tantos anos “debaixo da lona preta”33. Por isso, o depoimento
de uma acampada entrevista espelha essa realidade: “na ocupação tinha 100 e
tantas famílias, mas depois de dois despejos a maioria desanimou (L. A. S. –
Acampada, Outubro de 2008).
Morava na cidade, mas trabalhava na roça, em fazenda, com
mandioca, abacaxi. Trabalhava na roça para ajudar a família, a vida
toda com o pai, depois com marido e filhos. Na roça trabalhava 12
dias quando achava, limpando limão. Também já trabalhei na
laranja, em Umbaúba e na Frutene, não tinha carteira assinada.
Também já fiquei desempregada. Estou aqui há 4 anos. É a
primeira vez que ocupo. Tinha muitas famílias na ocupação,
algumas desistiram parque a terra demorou a sair.No despejo a
gente saia da fazenda e vinha para pista. Saiu daqui para outro
canto da estrada, depois voltamos para cá. Na fazenda não
acampamos só plantamos. Planto macaxeira, batata, milho. As
vezes vendo um saquinho de amendoim, de farinha para inteirar e
comprar outra coisa. As vezes pego trabalho para ganhar por dia.
Sempre tive vontade de ter uma terinha (M. S. P J. – Acampada,
outubro de 2008.
Vê-se pelo depoimento da trabalhadora um forte vínculo com a terra, na
qual trabalhou a vida inteira e, na condição de expropriada da terra, migra para a
cidade, onde realiza diversos tipos de trabalho, inclusive em indústria de suco.
Nessas prevalece o trabalho precarizado, sem direitos trabalhistas, realidade mais
forte para as mulheres trabalhadoras que não realizam as atividades voltadas mais
diretamente a operação de máquinas, a geração da mais-valia, mas que
indiretamente contribuem para a produção de riqueza apropriada pelos donos dos
meios de produção. Sem alternativas os trabalhadores, na mobilidade do trabalho e
33
Expressão utilizada nos acampamentos e assentamentos rurais para expressar o período em que
as famílias permanecem acampadas em barracos de lona, que geralmente apresentam condições de
moradia muito precárias. Ao considerar-se agricultores entrevistados que já possuem mais de 8 anos
na luta pela terra, isso significa que esse passou esse período todo vivendo nesses barracos. A
mobilidade do acampamento é outra dificuldade na permanência das famílias em luta pela terra, pois
com os despejos a montagem e remontagem dos barracos constitui-se em um grande transtorno as
famílias, em geral com idades mais avançadas.
277
passando por longos períodos de desemprego vêem nos movimentos sociais uma
possibilidade de mudar de vida e, mesmo mediante ameaças e despejos, não
desistem do “sonho” de ter a terra.
Enquanto não possuem uma definição da terra para fazerem suas roças
de forma mais segura a família de uma trabalhadora entrevistada desenvolve a
seguinte estratégia: ela cuida dos cultivos na pequena roça realizada na beira da
estrada, o marido trabalha alguns dias fora, nas fazendas de outros, a filha trabalha
de doméstica na cidade de Estância e no fim de semana fica no acampamento.
Assim, consegue formar uma renda mínima para o sustento da família e almejam
com “a conquista da terra” melhorar essas condições em que vivem. As fotos 41 e
42 destacam alguns plantios já realizados por famílias acampadas.
Já produzo alguma coisa aqui, vendo, compro, faço os bicos na
cidade. O ganha pão é esse, trabalho 1, 2 dias, não acho emprego
mais que isso. (J. A.S. – Acampado, outubro de 2008).
Na cidade tem casa, mas as vezes não tem quintal. Nasci e criei na
roça. Meu pai trabalhava na roça. Plantava mandioca, milho, feijão,
pescava. Fui morar na cidade com 20 anos a trabalhava nas casas
dos outros. Trabalhei na fábrica Frutos Tropicais de 1977 a 1984 na
produção de extrato de tomate (enchimento de copo). Quando a
fábrica fechou saímos, fiquei mais de 10 anos em casa
desempregada, em Estância, mas sempre quis a terra. Me
aposentei em novembro mais o dinheiro é pouco para viver. Estou
na luta pela terra há 6 anos, quero uma terra para plantar e
trabalhar. (L. A. S – Acampada, Outubro de 2008).
Foto 41 –Cultivos de subsistência em acampamento Foto 42 – Roça de mandioca
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
278
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Em outros casos, identificamos trabalhadores sem terra que trabalharam
a vida inteira em terras dos outros na condição de meeiros, em que plantavam
vários cultivos e dividiam a resultado da produção com o dono da terra, que se
apropriava de 50% de tudo que era produzido sem remunerar o trabalhador. Em
outros casos o acordo entre proprietários da terra e parceiros se estabelecia no fato
do segundo cuidar da laranja do proprietário e em troca adquirir o direito de plantar
cultivos destinados a subsistência da família nas ruas de laranja, durante os
primeiros anos do cultivo, conforme já apontado no capítulo 1 desta tese.
Dos trabalhadores entrevistados destaca-se o fato de muitos terem
passado parte da vida desempenhando trabalhos rurais, atividades que requerem
grande dispêndio de energia e em geral sem os direitos trabalhistas assegurados;
assim, muitos encontram-se doentes e devido a possuírem uma idade mais
avançada não conseguem mais empregos nem nas cidades ou mesmo no campo.
Estou acampado há 6 anos. Comecei em Santa Luzia do Itanhy, no
acampamento Milton Santos e de lá mudei para outro lugar até
chegar aqui.Trabalhei muitos anos na laranja, na colheita, no
serviço braçal, em Boquim, em Umbaúba, na diária, em Pedrinhas
e até hoje quando preciso. Também já fiz muita roça de mandioca,
milho, feijão e outros. Trabalhai em firma. Fiquei 6 meses no Sul da
Bahia trabalhando como vigilante. Na tinha mais saúde. Me
aposentei, mas a terra é tudo que a gente quer. Faço minhas roças
hoje. Não saio da terra de jeito nenhum. (J. C. – Acampado,
novembro de 2008).
No geral entre os trabalhadores entrevistados prevalece um baixo nível
de escolaridade, sendo que mais de 50% desses declararam apesar assinar o
nome ou terem estudado até 1° ano primário, mas, como alguns já começam a
freqüentar as escolas do MST destacaram a vontade de retornarem aos estudos.
“Vou estudar no acampamento, fazer alfabetização (L. A. S – Acampada, outubro
de 2008).
279
No acampamento Brejo Grande, localizado no município de Rio Real/BA,
que em novembro de 2008 tinha 8 meses de existência, verificou-se ainda uma
quantidade significativa de famílias em luta pela terra, a exemplo de E. B. S, de 53
anos, filho de camponês que sempre morou na roça, e declarou está participando
da luta pela terra porque estava passando necessidade com a família na cidade. Os
filhos, mais jovens, ainda conseguem emprego na cidade, as filhas em casa de
família. “A terra é tudo, hoje é tudo, tem planta e tem animal. Em sessenta dias de
trabalho na terra comecei a ter resultado, hoje já vendo alguma coisa”.
Outros entrevistados apresentaram a intensa mobilidade a qual já se
submeteram, por várias vezes, em busca do trabalho, com deslocamentos longos
ou curtos, e passando períodos diferenciados. Nos mais antigos percebeu-se que
esses deslocamentos, que se realizavam para outras regiões brasileiras, em
destaque São Paulo, duravam longos períodos chegando a mais de 10 anos, muitos
com parentes nessas cidades e, tempos depois, retornavam para a terra natal pelas
dificuldades de permanecerem nesses locais. Na atualidade, principalmente os
filhos desses agricultores, se deslocam por um período mais curto, que no geral não
excede 4 meses a fim de realizarem uma tarefa específica, período de colheita de
algum produto, etc., esses já não almejam, no geral, o trabalho fixo, com carteira
assinada, pois sabem que essa realidade está muito distante das condições
concretas em que vivem.
Só trabalhei com carteira assinada dos 17 aos 21 anos. Parei de
contribuir com a Previdência porque não tive mais como pagar.
Para sobreviver faço umas roçinhas e trabalho algum dia da
semana fora. Ganho R$ 17, 18 por dia. No sábado faço a feirinha
da semana. (J. B. C. F. – Acampado, Novembro de 2008).
280
No geral as famílias acampadas são “assistidas” por algum programa
governamental, com destaque para o bolsa família e também recebem cestas
básicas viabilizadas através de convênio estabelecido entre o MST e o INCRA, de
modo a atender as famílias enquanto essas não possuírem, afetivamente,
resultados concretos da produção. Essas cestas, contudo, demoram de chegar as
famílias, as vezes dois, três meses, e considerando a precariedade das condições
em que vivem, torna-se uma dificuldade grande para a subsistência das mesmas.
Tais
“políticas
emergências”,
contudo,
não
resolvem
a
situação
desses
trabalhadores que querem a terra para produzir. Essa produção só será possível
quando as famílias tornarem-se assentadas, obtiverem, finalmente, um lote de terra
e as condições efetivas para produzir.
Através de contatos com a Direção Regional do MST constatou-se que,
da mesma forma como ocorre em todo país, a um endurecimento para com a luta
pela terra nas regiões em estudo e esse movimento não tem conseguido,
efetivamente, garantir a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária,
ainda que muitas dessas áreas sejam, comprovadamente, improdutivas. Assim, a
crise social se agrava nessas regiões. Como estratégia de luta, esses acampados e
assentados vem se mobilizando em torno de uma luta comum, pela terra, pelo
trabalho. As fotos 43 e 44 destacam o Encontro Regional do MST realizado em
Itapicuru/BA, realizado em novembro de 2008.
Em algumas famílias percebe-se uma maior afinidade com o trabalho na
terra, geralmente aqueles que sempre trabalharam nessa, quer seja como
camponês ou trabalhador assalariado. Em outros casos, tratam-se de trabalhadores
que viviam, predominantemente, de empregos (“bicos”) nas cidades e veem na terra
a possibilidade de mudarem de vida. Entram nessa luta por que já não têm mais
281
condições de sobreviver nas mesmas. “Nunca fui fichado, vim tirar a carteira de
trabalho esses dias, com 55 anos” (A. A. T. – Acampado, Nov de 2008). O
depoimento do trabalhador expressa as dificuldades que sempre viveu. Ainda assim
tem orgulho de agora possuir uma “carteira de trabalho”, o que só conseguiu depois
de entrar em um movimento de luta pela terra, ainda que essa carteira nunca venha
a ser, efetivamente, assinada.
Foto 43 – Encontro Regional do MST/Itapicuru-BA Foto 44 – Realização da Mística
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
As diversas facetas da luta pela terra na atualidade são destacadas por
Souza (2008) quando aponta a necessidade de se fazer uma profunda reflexão
sobre o que é ser camponês hoje, já que esse não é apenas aquele que sempre
viveu na terra, mas aqueles que buscam na terra uma possibilidade de vida, de
trabalho. E a realidade verificada nos movimentos sociais apontam essa
perspectiva. “Não tinha interesse antes porque tinha emprego, agora não tenho
opção, entrei na luta do movimento”. (R. F. J. – Acampada, Nov. de 2008).
Espero que a terra saia para criar alguma coisa. Toda uma vida
queria ter a terra, para não ver os meus filhos trabalharem para
ninguém, para rico, ser escravo, não quero isso, quero que eles
282
trabalhem para eles ( R. F. J. – Acampada, Santa Rita de Cássia,
Nov. de 2008).
Trabalhei a vida inteira e nunca consegui comprar uma terrinha. AI
vim para o sem-terra e hoje sou um deles. Trabalhei de meeiro
vários anos, em Ribeira do Pombal, também já fui tratorista,
mecânico (na cidade). Hoje sou militante do movimento. Estudei
pelo movimento. Fui ajudado e hoje quero ajudar, fortalecer a luta.
(N. B. S. – Acampamento Paulo Freire, Nov. 2008).
Conforme apontado no depoimento da trabalhadora entrevistada verificase que a mesma possui a consciência de que foi a vida inteira explorada, da mesma
forma que os filhos continuam sendo hoje, por isso almeja a terra para trabalhar por
conta própria, não ter patrão, ter a liberdade de escolher o que plantar, em que a
definição não se faz, necessariamente, no que define o mercado, mas, a partir das
necessidades da família. Obviamente, é preciso observar que historicamente esses
camponeses estabeleceram relação com o mercado, algo indispensável, inclusive,
para sua reprodução nas contradições do capitalismo; porém ainda que
subordinados ao mercado observa-se uma lógica diferenciada com relação a esse.
Para o camponês é fundamental que, ainda que desenvolva algum cultivo
“comercial”, não se perca o princípio central da produção camponesa que é a
satisfação das necessidades da família.
Contudo, o capital busca alargar todas as possibilidades de se apropriar
de todo produto gerado por esses camponeses, convertendo-os em agricultores
familiares, completamente sujeitados à suas demandas. Nessa luta entre classes
com interesses antagônicos cabe aos assentados resistirem na luta pela terra, e
posteriormente, na terra enquanto assentados e se organizarem para produzir
aquilo que efetivamente possa garantir sua reprodução social, resguardando sua
autonomia, ainda que relativa. Sem essa, toda luta pela terra perde seu significado
político.
283
No que se refere as famílias já assentadas percebe-se uma mudança
substancial em suas condições de vida, em se considerando a realidade que viviam
antes da luta pela terra. Esses tem na terra a condição central de sua reprodução
social. Trabalham com a família a já conseguem um excedente, ainda que pequeno,
da produção, em que vendem nos mercados locais, com destaque as feiras livres,
locais em que também adquirem os produtos que não dispõem. Esses, geralmente,
reservam uma parte da terra e plantam laranja, inclusive porque já adquiriram uma
experiência anterior com esse plantio (nos períodos em que trabalhavam nas roças
de outros). Contudo, não deixam de plantar para a subsistência da família,
alternando com a criação, principalmente de pequenos animais. “Tenho 625 pés de
laranja, também mandioca, feijão (para o consumo), umas galinhas, 10 cabeças de
gado. Meu filho trabalha comigo, é ele quem tira a laranja” (J. E. S. – Assentamento
17 de abril, outubro de 2008).
Meu pai tem um sítio pequeno até hoje, Meus irmãos estudaram,
mas eu sempre gostei da terra. Já fui comerciante de laranja, tirava
e levava para vender. Vim para o movimento em busca da terra.
Hoje planto maracujá, milho, feijão, mandioca, faço farinha, vendo
umas coisas, outras é para o consumo. Quero plantar outras coisas
também: graviola, coco, para a família e para vender. Eu mesmo
levo, não fico na mão de atravessador. (M. C. P. – Assentamento
José Emídio, Nov. de 2008).
O depoimento apresentado demonstra, de forma explícita, o quanto um
determinado controle no processo do trabalho pode, efetivamente, promover na
melhoria nas condições de vida desses camponeses; contudo, grande parte dessas
famílias ainda apresentam muitas dificuldades em adquirir uma produção que
atenda as necessidades concretas dos mesmos, muitas vezes, se sujeitando a um
cultivo mais comercial ou mesmo, mediante a impossibilidade de escoar a
produção, ficando nas mãos dos atravessadores que se apropriam de parte de sua
284
renda. Esses são os desafios que devem ser colocados aos movimentos que atuam
na luta pela terra, no sentido de que se promovam as condições efetivas de uma
maior autonomia para esses sujeitos sociais que vêem na terra as condições
concretas de trabalho, portanto de existência.
Apesar disso, as tentativas de apropriação dessa produção camponesa
tornam-se freqüentes, e as intervenções inclusive no que e como plantar acabam
sendo definidas pelo sistema de créditos, em que, para ter acesso, esses
assentados têm que se sujeitar, muitas vezes se endividado. É importante salientar
que essa política de crédito é extremamente limitada para assentados rurais,
viabilizada, principalmente, através do PRONAF, cujos recursos são pequenos, não
ultrapassando R$ 1.500,00. Ainda assim, em pesquisa de campo constatou-se a
dificuldade desses assentados quitarem dívidas assumidas, em que as fotos 45 e
46 demonstram a mobilização dos mesmos para conseguirem prorrogar a dívida
junto ao BNB.
Foto 45 – Assentados renegociando dívidas
Foto 46 – Reunião assentados com BNB.
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
Fonte: Trabalho de Campo, Novembro de 2008.
285
Por outro lado, Thomaz Junior (2007) ao analisar os fundamentos
estruturais da formulação do Sistema Cooperativo dos Assentados (SCA) do
MST/CONCRAB aponta que os princípios que regimentam o mesmo apontam para
a necessidade da “superação da condição de camponês” e a “inserção desses
sujeitos no mercado”, na condição de agricultores familiares, negando toda luta
histórica desses camponeses e as contradições “inerentes” a própria reprodução do
campesinato nas contradições do capital. Assim, de acordo à lógica definida por
parte dos dirigentes do movimento, esses não teriam consciência de que são
explorados; argumento contestado por Thomaz Júnior (2007, p. 17) quando
acrescenta que:
(...) o que constatamos, por meio de pesquisas diretas e dos
resultados colhidos por outros pesquisadores dedicados ao tema, é
que a maioria dos trabalhadores, contrariamente ao comando dos
coordenadores nacionais do movimento, quer manter o controle do
processo como um todo, identificando-se com a policultura, ainda
que almejem alcançar o mercado.
Essa perspectiva é apontada por diversos outros estudiosos do
campesinato a exemplo de Conceição (1991) ao analisar os camponeses em
Sergipe, Ariovaldo U.Oliveira (1998, 2001) em estudos realizados em São Paulo e
Norte do Brasil), Mendonça (2004) no Cerrado brasileiro, Souza S. T. (2008) e
Germani (2009) sobre o campesinato na Bahia, dentre outros estudiosos. Partem da
perspectiva que ainda que se sujeitem ao mercado, esses camponeses não perdem
a identidade de serem camponeses, de manterem a terra de trabalho da família, e
muitas vezes de lutar contra o Estado e mesmo o capital, através de ações políticas
concretas.
286
4.2 Luta pela moradia nas cidades e o acesso ao trabalho
Além da atuação do MST tivemos a oportunidade de acompanhar
algumas ações efetivadas por trabalhadores vinculados ao Movimento Organizado
dos Trabalhadores Urbanos (MOTU) que atua no sentido da luta pela moradia
urbana e aceso ao trabalho. Assim, a questão central para esses trabalhadores que
no geral ainda conseguem manter alguns tipos de trabalhos nas cidades
(geralmente precarizados) é a garantia de uma moradia onde possam se “livrar” do
peso do aluguel que acaba por abocanhar parte da pequena renda familiar que
recebem.
Nesse propósito o MOTU vem organizando os trabalhadores para
promoverem ocupações, como o acampamento Dandara (ver fotos 47 e 48), nas
margens da BR 101, no seu trecho urbano Av. João Lima da Silveira, na cidade de
Estância, onde mais de vinte famílias encontravam, em novembro de 2008, há dois
meses acampadas.
Foto 47 – Acampamento do MOTU/Estância-SE Foto 48 – Atividades realizadas em Acampamento.
Fonte: Trabalho de Campo, Outubro de 2008.
Fonte: Trabalho de Campo, Outubro de 2008.
O objetivo central desses trabalhadores é conseguir a casa própria, e
assim poderem melhorar as condições de vida da família. Entre os trabalhadores
287
entrevistados não se observou nenhum participando do mercado formal de trabalho
com carteira assinada, sendo que esses, em sua maioria vivem de bicos na cidade,
outros trabalham de pedreiro, ajudantes de pedreiro, e entre as mulheres os
serviços mais comuns encontrados foram: empregadas domésticas e lavadeiras de
roupas.
Estou aqui na luta pela casa, a cidade trabalho como doméstica. Já
participei dos Sem-Terra fiquei acampada mas sair para trabalhar
no Rio de Janeiro. Só fiquei 6 meses, trabalhando no serviço de
limpeza de uma empresa. Voltei. Não tinha como pagar aluguel e
estou aqui. (M. S. – Acampada, novembro de 2008).
Todos trabalhadores entrevistados declararam já ter passado períodos
desempregados, desde os que alternam meses de desemprego com pequenos
bicos até os que já passaram mais de 8 anos desempregados. Essa é um das
causas principais que fizeram com que esses trabalhadores chegassem ao
movimento, pois não tinham mais como pagar aluguel, alguns já tinham sido
despejados das casas em que moravam, eram sem-teto, passavam períodos em
casas de parentes e amigos, e almejam na “conquista da casa” para a família
solucionar a questão da casa própria. Contudo, para além da casa própria as
condições de trabalho a que esses trabalhadores se encontram é uma outra
dificuldade concreta na vida desses. Verificamos ainda a presença de trabalhadores
aposentados no acampamento, que por ganharem muito pouco também não
conseguem atender as demandas de alimentação, saúde e moradia; nesses casos,
a moradia pode vir a ajudar na economia familiar.
O que fez com que eu viesse para aqui foi o sofrimento de morar
em casa dos outros. Morei com a mãe, com a sogra. Estou
desempregada, pego uns chinelos para vender, mas o dinheiro é
pouco. Na cidade já fui doméstica, diarista, vendi fato na feira.
288
Espero ganhar a casa para viver com os filhos. (F. L. S. A. –
Acampada, novembro de 2008).
Esses acampados vieram dos mais variados lugares da região Boquim,
Lagarto, Jandaíra, Simão Dias, de Estância mesmo, como também de outros
estados como Pernambuco. Como possuem uma baixa escolaridade, a maioria dos
entrevistados se declaram analfabetos ou apenas assinam o nome, e por isso
acabam sujeitos as piores formas de trabalho e a salários muito baixos.
Com sete anos comecei a quebrar pedra em Itaporanga. Depois
vim com a família para Estância trabalhar na enxada com a laranja.
Também trabalhei no sítio em Umbaúba. Sou sem teto e sem-terra
vim para o movimento. Quero uma casinha para viver com minha
família. (M. I. – Acampada, novembro de 2008).
Não pude estudar porque trabalhava nas casas dos outros, em
casa de família, para ajudar os irmãos mais novos. (M. C. M. –
Acampada, novembro de 2008).
Na trajetória histórica desses trabalhadores a mobilidade do trabalho, ao
longo do tempo, foi uma das alternativas encontradas para a sobrevivência, a
exemplo do Sr. Antonio O. S. que já trabalhou no corte da cana em Pernambuco,
sendo por sete anos cortador de cacau (no Sul da Bahia), e estando a 12 anos em
Estância já desempenhou diversas atividades relacionadas ao cultivo da laranja,
plantou, cuidou, colheu, carregou e descarregou caminhões. Também já arrendou
pequenos pedaços de terra, onde plantava cultivos de subsistência como: aipim,
batata, milho, abacaxi. Como não possui aposentadoria e já tem maiores
dificuldades de arranjar trabalho, principalmente pela idade avançada (mais de 60
anos) viu nos “sem-teto”34 uma possibilidade de resolver a questão da moradia.
34
Que é como os trabalhadores chamam o movimento, se reconhecendo também enquanto semteto.
289
Tenho 83 anos, luto pela terra desde os 10 anos de idade, quando
meu pai perdeu a terra e eu passei a trabalhar pros
outros.Trabalhei no trator em um sítio de Coqueiro/Jandaíra.
Também trabalhei por dia na empreitada. Hoje sou aposentado,
mas o dinheiro não dá. Vim com um amigo. Quero arrumar uma
casa para deixar para a família. (E. F. S. – Acampado, novembro de
2008).
Nota-se que a grande maioria das famílias entrevistadas possuem vínculo
muito forte com a terra, alguns declarando que viveram parte da vida no campo com
os pais, ou eram trabalhadores rurais, por isso declaram o desejo de ter também o
acesso a terra. Por isso, em entrevista, muitas declararam está plantando uma
“roçinha” nas imediações do acampamento, onde plantam cultivos de subsistência
como: tomate, maxixe, coentro, mandioca e outros.
Sou filha de Boquim, mas já estou aqui faz anos, limpando laranja,
trabalhando na enxada. Também já lavei roupa na cidade. Tenho
55 anos não consigo mais fazer esses trabalhos pesados. Agora
estou lutando para ter uma casinha e vou conseguir com fé em
Deus. (M. H. A. S. – Acampada, novembro de 2008).
Trabalhei na roça. Plantei mandioca, milho, trabalhava no sítio com
meu avó em Indiaroba. (M. S. – Acampado, novembro de 2008).
Uma experiência interessante que vem sendo desenvolvida pelo
Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) é relacionar a luta pelo
trabalho com a luta pela moradia e pela terra, dando maiores oportunidades as
famílias que participam do movimento de terem a possibilidade de desempenhar
trabalhos urbanos ou rurais e complementar a renda com a produção agrícola. Na
região em estudo não se verificou a atuação desse movimento, que no Estado da
Bahia tem uma atuação mais efetiva na região metropolitana de Salvador e no
290
Sudoeste da Bahia35. Acredita-se que ao inserir na luta pela moradia a luta por um
pedaço de terra, ampliam-se as possibilidades dessas famílias conseguirem
melhorar as condições de vida, principalmente para os que já têm a possibilidade de
arranjar empregos fora. Assim, o marido pode trabalhar na terra tirando cultivos de
subsistência complementando com a renda que a esposa consegue lavando
roupas, etc.
Como forma de garantir a permanência da luta pela moradia o MOTU
vem buscando ainda na formação de militantes, que atuam nas áreas sob sua
responsabilidade, a exemplo do acampamento Dandara, em que tivemos a
oportunidade de conversar com um de seus coordenadores. Esse é também um
sem-teto e está na luta pela moradia. Desempregado a 6 anos, desde que perdeu o
emprego na Bahia Norte, em que atuava na derrubado de eucalipto, participou de
uma reunião do movimento e nunca mais saiu dele. Desde que saiu da casa da
mãe (onde convivia com mais 10 irmãos) luta para ter uma casa. Participou de todo
processo de organização dos trabalhadores e a ocupação. Espera permanecer na
área com os companheiros até conseguirem o objetivo central que é a casa, mas
tem a clareza de que a luta deles é muito maior e deve se estender para uma luta
pelo trabalho e por dignidade.
Apesar da questão da luta pela terra não aparecer como central para os
entrevistados desse movimento, na prática, por meio de contatos estabelecidos com
as famílias verificou-se que uma das alternativas principais utilizadas pelas mesmas
para sobreviverem é o plantio de cultivos de subsistência em áreas próximas, onde
fazem suas “roçinhas”, consideradas fundamentais para a alimentação das famílias,
bem como já falam em vender alguma coisa no futuro. Assim, a luta pela terra
35
Não trataremos aqui das questões referentes ao MTD, para conhecer melhor a luta desse
movimento vale a pena consultar a dissertação de Mestrado de Sócrates Oliveira Menezes,
defendida em 2007, que analisa a atuação do MTD no Sudoeste da Bahia. Ver referências.
291
acaba sendo fundamental para a reprodução social dessas famílias, posto que
ainda que alguns trabalhadores consigam vender sua força de trabalho, essas
atividades são esporádicas e de baixa remuneração. Aliando-se à questão da terra,
pode-se, de fato, alargar o universo da luta do movimento, que repercutiria em
possibilidades concretas de melhorias para aqueles que estão acampados.
Vê-se, portanto, através da luta implementada pelos trabalhadores, via
movimentos sociais, o desejo desses superarem a expropriação e a exploração
que historicamente foram submetidos, apesar disso, em uma sociedade capitalista,
os processos de sujeição são ainda visíveis, enquanto alternativa de sobrevivência
desses. Assim, as contradições capital versus trabalho são consideradas centrais
na compreensão da realidade verificada no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da
Bahia, em que os trabalhadores buscam criar formas de resistir as investidas do
capital, lutando por terra, trabalho e moradia, ainda que, contraditoriamente a esse
subordinados.
292
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar analisar as contradições inerentes a expansão capitalista,
nesse caso específico no Centro-Sul de Sergipe e Litoral Norte da Bahia, através do
monocultivo da laranja, para atender os interesses do agronegócio mundial da
laranja, pôde-se verificar seus rebatimentos sobre as relações de trabalho
praticadas até então. Assim, considera-se que o capital inicia seu processo de
apropriação desse território a partir da década de 1960 e posteriores, sobretudo
mediante a instalação de indústrias processadoras de suco concentrado e
congelado que, por sua vez, se valem de uma produção já efetivamente existente e
das “potencialidades do lugar”, viabilizada por meio da atuação do Governo Federal
e dos governos estaduais (Sergipe e Bahia) em montar toda infraestrutura para o
capital garantir seu processo de reprodução ampliada, para tanto se valendo de um
significativo exército de reserva sujeito a quaisquer condições de trabalho.
Tomando por base o estudo realizado por Oliveira (1998) considera-se
que, nas regiões em estudo, o capital tanto realiza um processo de territorialização
quanto monopoliza a produção efetivada nas pequenas e médias propriedades,
principalmente. Nesse processo promove tanto a expropriação dos camponeses e
de trabalhadores assalariados no campo, mediante o processo de valorização e
concentração das terras, quanto busca formas de se apropriar da produção
daqueles que permanecem no campo, inclusive da produção dos camponeses,
através da sujeição desses.
As promessas de “desenvolvimento” impulsionadas pelo Estado não se
efetivam nesse território, posto que apenas promove possibilidades do capital
aumentar seu lucro e os grandes proprietários extrair maior renda da terra,
293
rebatendo-se, negativamente nas condições de trabalho via precarização. No
campo isso se efetiva tanto na desregulamentação dos direitos trabalhistas quanto
na total subsunção do trabalho ao capital. Desprovidos da terra e das condições
concretas de sobreviverem com dignidade os trabalhadores se sujeitam ao trabalho
precarizado, tendo, muitas vezes, que desempenhar diversos tipos de atividades,
tanto no campo quanto nas cidades, sendo dupla ou triplamente explorados. Para
os pequenos que continuam em suas terras cabe considerar dois processos:
primeiro a interferência direta do capital por meio das tentativas de sujeitar esses
camponeses ao plantio da laranja, seduzidos pelas possibilidades de um mercado
“certo” que, por outro lado, acaba por fazer com que esses fiquem “nas mãos” das
indústrias – que se apropriam da sua produção a custo baixo; e em segundo, a
tentativa desses de permanecerem na terra diversificando a produção, alternando o
cultivo comercial da laranja com cultivos voltados a subsistência da família.
Assim, mais uma vez, a contradição se evidencia no território posto que,
ao passo em que se verifica uma concentração das terras nas mãos de poucos
produtores e não raro grupos capitalistas, observa-se também a permanência de
pequenas unidades de produção, que ainda que subordinadas à produção para a
indústria, conseguem se reproduzir, mesmo com maiores dificuldades. Nessa
“permanência” cabe considerar a estratégia dessas famílias, na alternância da
produção e entre essa a criação de gado, bem como a fragmentação da pequena
propriedade, até que essa não seja mais suficiente para
manutenção das
necessidades mínimas da família, sendo a mobilidade de parte desses membros
inevitável.
Essa mobilidade pode ocorrer para a cidade ou o campo, nas regiões ou
fora, passando esses sujeitos períodos diferenciados nos locais para onde se
294
dirigem em busca do trabalho. Nesse processo, seu trabalho é mais explorado e as
condições de vida que lhes são disponibilizadas são degradantes. Na região, por
exemplo, a instalação das Indústrias de suco de laranja e derivados não foram
capazes de atender a demanda da crescente força de trabalho existente. A
tendência a diminuição do proletariado fabril, que é outro elemento fundamental
desse momento de reestruturação capitalista, também é verificado nas regiões em
estudo. Nas periferias urbanas esses sujeitos sociais buscam formas de trabalhar:
uns dias na colheita da laranja, outros nas beneficiadoras, nas fábricas; e entre as
mulheres destaca-se também a realização de empregos domésticos e de lavagem
de roupas. Para sobreviver a classe proletária passa a viver “de bicos” e o sonho do
trabalho com carteira assinada torna-se cada vez mais distante.
Nesse processo de precarização do trabalho verifica-se uma intensidade
ainda maior quando se trata do trabalho feminino, desvalorizado na fábrica, nas
cidades e no campo. A essas mulheres cabem os serviços mais “inferiorizados”,
não diretamente geradores de mais-valia, e sem as garantias trabalhistas mínimas.
Também o trabalho infantil, que há algumas décadas era generalizado nas regiões
em estudo, e mesmo depois de tantas denúncias, ainda continua a acontecer,
retirando desses o direito a infância, juventude e principalmente aos estudos.
O capital ao se territorializar se alia aos interesses dos grandes
proprietários fundiários da região e não raro se fundem na mesma pessoa. Esses
contam com toda atuação do Estado fomentando a relação entre Estado-CapitalLatifundiário. Em outros casos não se torna proprietário, mas se apropria da
produção na esfera da circulação. Assim, promove a concentração da renda, das
terras, principalmente, mediante a expulsão das famílias camponesas, acrescendo
os problemas sociais da região. Para tanto, contam com toda estrutura
295
disponibilizada pelos órgãos públicos sejam esses técnicos ou de pesquisas, que
incentivaram a difusão do plantio de laranja fomentando, o que já nos referimos, a
apropriação dos recursos públicos para fins privados.
Por outro lado, essa intensificação das relações capitalistas de produção
promove o seu revés, a luta daqueles expropriados da terra e do processo produtivo
para participarem, ainda que minoritariamente, dos “resultados” dessa produção.
Fazem isso na luta pelo trabalho e quando essa já não é possível através da
organização via movimentos sociais, por meio dos quais buscam minimizar as
precárias condições em que vivem. Assim sendo, a partir da década de 1990
verifica-se nas regiões em estudo a emergência de movimentos sociais de luta pela
terra, pelo trabalho e por moradias. Esses não são “anomalias” no espaço, mas
produto direto e concreto da expansão do capital na região. Buscam na terra a
possibilidade de participarem da produção, de terem na terra a “certeza” de produzir
prioritariamente para alimentar a família. Entre essas famílias percebe-se ainda o
desejo de “se livrarem” do patrão. Contudo, não se pode pensar que essa luta pela
terra, por si só, vá garantir a emancipação desses sujeitos sociais. Em geral o que
se verifica, através de contatos com trabalhadores assentados na luta pela terra é
uma
sujeição diferenciada, posto que esses ainda que plantem a laranja
diversificam seus cultivos e voltam-se as demandas da família. Essa também é uma
realidade verificada em diversas unidades de produção camponesa que resistiram
na terra, ainda que não vinculados aos movimentos sociais.
A luta pelo trabalho é evidenciada em todos os trabalhadores
entrevistados sejam camponeses desterritorializados, moradores das periferias
urbanas, trabalhadores rurais, e mesmo entre aqueles “que estão trabalhando”,
tendo em vista a insegurança em que vivem. No que se refere a luta pela terra,
296
pode-se considerar que a terra representa a própria condição de trabalho, para a
garantia da família, ótica que se diferencia da leitura governamental da geração de
empregos no campo. Para o camponês a terra é condição de vida, é terra de família
e possibilidade freqüente de libertar-se das amarras do capital, ainda que
contraditoriamente a esse subordinado.
Na luta pela moradia verifica-se a estratégia dos trabalhadores em fugir
do aluguel ou terem a oportunidade de conquistar o direito fundamental de “morar”,
de ter “um teto” e assim, objetivam melhores condições de sobreviver com a
pequena renda familiar que adquirem na precarização do trabalho (urbanos, rurais,
informais) o que, geralmente, complementam com aposentadorias (para os mais
idosos) ou acesso a parcos recursos viabilizados via projetos governamentais
(bolsa família, etc.). Permanecem, contudo, na precarização e alimentam,
contraditoriamente a reprodução capitalista no território.
Acrescenta-se a isso a impossibilidade desses proletários poderem contar
com entidades que defendam seus direitos. O enfraquecimento dos sindicatos é
evidente, funcionando como mediador entre patrão e empregado, e a fiscalização
dos órgãos públicos ineficiente. No caso dos agricultores, as associações e
cooperativas acabam por engessá-los ainda mais a lógica capitalista.
Ainda que a luta pela terra, pelo trabalho ou por moradia, não venham a
representar uma ruptura com o capital, evidenciam as suas contradições. Apontam
o conteúdo de classes, de classes antagônicas em disputa pelo/no território. Assim,
compreender as contradições entre capital versus trabalho significa analisar como
esses se materializam no território, realidade que se expressa no Centro-Sul de
Sergipe e Litoral Norte da Bahia.
297
Assim sendo, reafirma-se nesta Tese que, ao contrário das abordagens
voltadas para a negação do trabalho ou mesmo o fim da sociedade do trabalho,
esse torna-se cada vez mais necessário, posto ser a própria condição ontológica do
homem. Para tanto, a organização da classe trabalhadora na direção do trabalho
“emancipador” torna-se fundamental. Desse modo, considera-se o trabalho como
condição central de vida e como categoria analítica central na compreensão do
processo de produção do espaço geográfico, que se estabelece, historicamente,
através da relação sociedade x trabalho x natureza.
Para tanto, se fez necessário a compreensão das discussões mais atuais
referentes ao trabalho e a luta da classe proletária tanto para conseguir vender sua
força de trabalho por meio do assalariamento bem com por meio de outras formas
de sobrevivência a exemplo das relações não-capitalistas (não-assalariadas ou
“assalariamentos disfarçados”) até a condição do camponês e dos movimentos
sociais através da luta pela terra, moradia e trabalho. Estes almejam, ainda que
parcialmente, uma determinada autonomia frente a lógica alienante capitalista.
Acrescenta-se a importância da interpretação voltada para a classe
proletária e camponesa levando em consideração as necessidades concretas
daqueles que historicamente produzem a riqueza e contraditoriamente dessas não
se apropriam no modo capitalista de produção .
Assim, o território é compreendido como dimensão concreta dessa luta da
classe proletária e do entendimento do campesinato que na subordinação busca
criar formas de emancipação.
Somente a partir de uma retomada social que tenha uma significação
para a classe proletária e camponesa.
298
Unicidade de ações frente ao processo
político no sentido de fortalecimento da consciência de classe é que pode-se
almejar uma perspectiva de transformação da sociedade e romper com as amarras
determinantes dos poderes constituídos pelo capital e do Estado burguês. Só a
partir daí é possível se pensar numa leitura mais justa do território e da apropriação
deste por parte daqueles que vivem do trabalho. Acredita-se em uma verdadeira
emancipação da classe operária e camponesa.
Advoga-se a abolição da
propriedade privada e recriação de novas formas de viver (apropriação e controle
coletivo) no campo e nas cidades.
299
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www.maratasucos.com.br
www.mst.org.br
310
Anexos
311
Anexo A – Cadastro Rural do INCRA/BA
FAIXA DE ÁREA
MUNICÍPIO
INCRA – Sistema Nacional de Cadastro Rural
1MF
ZP
FM
1 a 4 MF
4 a 15 MF M.
P
P. Prop.
Prop.
Acajutiba
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Alagoinhas
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Aporá
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Araçás
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Aramari
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Cardeal da Silva
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Catu
7
2
2
28 ha
28 a 420
Conde
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Crisópolis
30
8
2
120 ha
120 a 1800
Entre Rios
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Esplanada
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Inhambupe
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Itanagra
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Jandaíra
30
3
25
120 ha
120 a 1800
Mata de São João
7
2
2
28 ha
28 a 420
Ouriçangas
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Pedrão
30
3
2
120 ha
120 a 1800
Rio Real
30
3
2
120 ha
120 a 1800
São Sebastião do Passé
30
2
3
120 ha
120 a 1800
Sátiro Dias
30
3
2
120 ha
120 a 1800
MF – Módulo Fiscal
FMP – Fração Mínima de Parcelamento P. Prop. – Pequena Propriedade
M. Prop – Média Propriedade G. Prop. Grande Propriedade
Fonte: Ministério Extraordinário de Política Fundiária/ INCRA – Diretoria de Cadastro
Rural/ Publicação de Índice Básico de 1997.
312
> 15
MF G.
Prop.
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
420
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
420
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
1.800
ha
Anexo B – Cadastro Rural do INCRA/SE
FAIXA DE ÁREA
MUNICÍPIO
Arauá
Boquim
Cristinápolis
Estância
Indiaroba
Itabaianinha
Itaporanga D’ajuda
Lagarto
Pedrinhas
Riachão do Dantas
Salgado
Santa Luzia do Itanhi
Tomar do Geru
Umbaúba
INCRA – Sistema Nacional de Cadastro Rural, 1997
1
ZP
FMP
1a4
MF
MF
P.
Prop.
45
3
4
180
ha
30
3
4
120
ha
35
3
4
140
ha
10
2
4
40
ha
10
2
4
40
ha
30
3
4
120
ha
10
2
4
40
ha
35
3
4
140
ha
30
3
4
120
ha
35
3
4
140
ha
30
3
4
120
há
10
2
4
40
ha
40
3
4
160
ha
14
2
4
56
ha
4 a 15
MF
M. Prop.
180 a
675
120 a
450
140 a
525
40 a
150
40 a
150
120 a
450
40 a
150
140 a
525
120 a
450
140 a
525
120 a
450
40 a
150
160 a
600
56 a
210
MF – Módulo Fiscal
FMP – Fração Mínima de Parcelamento P. Prop. – Pequena Propriedade
M. Prop – Média Propriedade G. Prop. – Grande Propriedade
Fonte: Ministério Extraordinário de Política Fundiária/ INCRA – Diretoria de
Cadastro Rural/ Publicação de Índice Básico de 1997.
313
> 15
MF
G.
Prop.
675 ha
450 ha
525 ha
150 ha
150 ha
450 ha
150 ha
525 ha
450 ha
525 ha
450 ha
150 ha
600 ha
210 ha
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o capital versus trabalho nos laranjais baianos e sergipanos