Os modos de configuração da cadeira
The chair configuration modes
Corrêa, Juliana; Iniciação científica-FAPESP; Universidade de São Paulo
[email protected]
Tavares, Monica; Doutora; Universidade de São Paulo
[email protected].
Resumo
Este artigo pretende analisar as normas estéticas que condicionam o
modo de configuração da cadeira, identificando as funções prioritárias
para ela pressupostas no contexto dos seguintes momentos históricos:
artes e ofícios, art nouveau, estética da máquina, arte decorativa,
aerodinamismo, movimento pop, era do consumo midiático. Distingue
como as manifestações de cada período conduzem a uma dada prevalência
de princípios, que indica uma determinada orientação estética e que
representa uma dada hierarquia de funções, a ser contemplada no projeto
da cadeira. Admite que, para cada período, podem coexistir objetos com
funções prioritárias diferentes à tendência dominante, caracterizando
exceções. Conclui que a aparência da cadeira, decorrente das funções para
ela propostas, indica possibilidades de uso distintas.
Palavras Chave: forma – função – uso
Abstract
This article intends to analyze the aesthetical rules that condition the
chair configuration modes, identifying the prime functions presupposed
to it in the context of the following historical moments: arts and crafts,
art nouveau, machine aesthetics, decorative art, aerodinamism, pop
movement, midiatic consume age. It distinguishes how the manifestations
of each period conduct to a given prevalence of principles, which indicates
a determinate aesthetic orientation and represents a given hierarchy of
functions, to be contemplated in the chair project. It assumes that for each
period objects with different prime functions distinct from the dominant
tendency can coexist, characterizing exceptions. It assumes that the chair
appearance, deriving from the functions proposed to it, indicates different
use possibilities.
Key words: form – function – use
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
1. Introdução
Este artigo é resultado de um trabalho de iniciação científica,
denominado “Os modos de configuração da cadeira” e realizado no
Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP, sob orientação da Profa.
Dra. Monica Tavares e com financiamento da FAPESP.
O trabalho desenvolvido se inseriu no contexto da pesquisa intitulada
“A leitura do objeto do design”, de autoria da referida Professora, que tem
como meta analisar o objeto do design com base na dialética entre sua
produção e sua recepção – ou seja, a partir da relação entre as suas funções
e os seus usos possíveis –, de modo a apreender o que está implicado
no processo de leitura que direciona o usuário/intérprete à determinada
ação e, conseqüentemente, ao atendimento de suas necessidades. A citada
pesquisa propõe como campos de investigação empírica: o design de
produto, o design gráfico e o webdesign, representados, respectivamente,
pelos seguintes objetos: a cadeira, o cartaz e os sites de arte.
Em contexto mais restrito, este trabalho de iniciação científica
pretendeu analisar, em um dado momento histórico, as normas estéticas 1
que condicionam o modo de configuração do objeto de design – a cadeira
–, identificando a função prioritária para ele pressuposta.
2. Metodologia e estratégias de ação
Por meio de pesquisa bibliográfica e com base nas historiografias
da arte e do design, foram analisadas as normas estéticas que instituem e
determinam os critérios e leis de configuração do objeto pesquisado. Os
livros “Idéias e formas na história do Design: uma investigação estética”,
de Bomfim (1995), e “Diseño: história en imágenes”, de Sparke et al.
(1987), contribuíram de forma decisiva para o alcance desta estratégia de
ação.
O recorte temporal de investigação foi delimitado entre o ano de
1850 e os dias atuais. Com base em Sparke et al. (1987), este recorte
foi subdividido em sete períodos: o movimento de artes e ofícios, a art
nouveau, a estética da máquina, a arte decorativa, o aerodinamismo, a
época pop e a era do consumo midiático.
Na interpenetração do método indutivo (do fenômeno para a
teoria) com o método dedutivo (da teoria para o fenômeno), uma fase
de seleção e análise da amostra das cadeiras foi também desenvolvida.
O método utilizado foi o heurístico-semiótico. Heurístico, por assegurar
a identificação das possibilidades dos esquemas criativos em face de um
determinado problema; semiótico, por ser proposto como meio de análise,
interpretação e síntese.
Esta estratégia de ação foi por demais importante, pois possibilitou
reconhecer (e confirmar) a função prioritária a que o objeto se propõe. A
função predominante foi determinada entre as funções práticas, estéticas e
simbólicas inerentes ao objeto de design (LÖBACH, 2001) 2.
De posse dos objetos escolhidos foi possível analisá-los no intuito
de se depreender a(s) função(ões) prioritária(s) para eles pressupostas.
Para uma análise mais aprofundada, foram selecionados um ou dois
exemplos de cada um dos sete períodos. Possíveis exceções às tendências
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dominantes de cada momento histórico foram também consideradas como
forma de perceber sincronicamente as correlações entre eles. Seminários
coletivos de discussão foram realizados para a difusão das atividades
individuais desenvolvidas pelos bolsistas.
A relevância deste trabalho surge na medida em que se investiga
como a aparência do objeto de estudo – a cadeira – decorre das funções
para ele pressupostas. Procurou-se, por sua vez, apreender (por meio das
análises) o caminho trilhado por um receptor informado, identificando
como a forma da cadeira – que é decorrente das normas estéticas vigentes
a cada momento histórico – induz, sugere, incita etc. as suas possibilidades
de uso. Assim, ao trazer o pólo das reflexões para a dialética entre criação
e recepção, o estudo das relações entre forma/função/uso(s) possíveis
introduz um novo tipo de abordagem no contexto da problemática
investigada.
A estrutura do trabalho compreende a análise das leis estéticas de
cada período investigado, reconhecendo as prerrogativas que influenciam
a configuração do nosso objeto de estudo. Dado o limite estabelecido do
número de páginas, será apresentado o estudo de caso de apenas uma
cadeira, escolhida por representar o momento atual 3. Neste exame,
foi possível perceber, de forma clara, as ligações estabelecidas entre a
produção e o consumo, ficando evidente que é por meio do projeto que se
fundam as possibilidades de significação.
3. As normas estéticas e suas prerrogativas
De acordo com Quarante (1992, p.148), os móveis são testemunhos
íntimos de nossa maneira de viver e de trabalhar, de nossa integração
social e de nossa qualidade de vida. Assim, consideraremos que a cadeira,
como objeto do mobiliário, possui uma relação íntima com o usuário,
podendo ser utilizada como indicador da evolução da tecnologia e das
transformações sociais.
Com base na análise das leis estéticas de cada momento histórico,
identificaremos, a seguir, as prerrogativas que influenciam a configuração
da cadeira. Admite-se que tais prerrogativas são influenciadas por normas
vigentes (econômicas, sociais, ambientais, culturais, etc.), que constituem
e delimitam o objeto a ser consumido, e que, em linhas gerais, determinam
a dominância nos modos de produção e nos materiais empregados na
feitura do objeto.
3. 1. O movimento de artes e ofícios (1850-1900)
O movimento Arts and Crafts, ou Artes e Ofícios, surge na
Inglaterra como reação ideológica aos efeitos da industrialização do século
XIX e ao Historicismo. Este movimento pretendia melhorar o desenho e
a qualidade na produção de artigos industriais e artesanais. Para tanto,
pregava a necessidade de educar a sociedade para as artes visuais e assim
influenciar seu modo de vida. As cadeiras possuíam modelo funcional
feito com materiais naturais. Com o uso da talha e dos encaixes, eram
construídas de forma tradicional. Ou seja, decoração e estrutura fundemse para dar ao objeto sua característica de integrar as marcas da construção
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à aparência.
Como acrescentam SPARKE et al. (1987, p. 12-14), o objeto devia
adaptar-se à função para a qual havia sido criado. Logo, o estilo proposto
representava uma busca por materializar a união entre forma, função
e decoração. As configurações dos objetos eram simples, utilizandose de motivos lineares e orgânicos. As formas naturais foram também
uma importante fonte de inspiração e de criação. O movimento sofreu
influência principal da filosofia cristã através do modelo gótico e possuía
ligação com a ideologia socialista.
Buscava-se essencialmente recuperar o antigo, dominando o uso de
métodos tradicionais (SPARKE et al., 1987, p.18). Criado para melhorar
a estética dos produtos industriais e valorizar o artesanato, o movimento
pretendia influenciar o gosto popular.
A cadeira apresentada na Figura 1 simboliza o ideal do movimento
Artes e Ofícios, destacando-se por sua simplicidade e sua austeridade. É
um móvel popular construído para o interior doméstico, com preocupação
em relação à qualidade dos materiais empregados e com a harmonia entre
a forma e o mecanismo de produção.
O nosso objeto de estudo possuía, no contexto deste movimento,
prioritariamente uma função prática.
3. 2. A arte nouveau (1890-1905)
O Art Nouveau, que surgiu na França, pretendia suavizar a
artificialidade dos materiais através da inspiração na natureza. Visava
romper com os modelos do passado e buscava uma estetização da vida de
modo geral. Segundo Bomfim (1995, p.72), o ornamento decorativo é a
característica formal mais importante deste momento. Ademais, as formas
orgânicas e assimétricas da natureza são seu modelo.
Apesar de se difundir em diferentes países, para Bomfim (1995,
p.73-74), o Art Nouveau teve uma linguagem estética uniforme, ainda
que com significados diferentes. Não obstante tenha tentado unir arte e
indústria, manteve-se na esfera do artesanato artístico.
Como pode ser visto em Sparke et al. (1987, p.40-41), a fabricação
dos objetos dava-se principalmente através da manufatura e a produção
tendia a valorizar as características de cada material como ferro, madeira,
vidro, pedras semi-preciosas, marfim e metais coloridos. São marcantes
as influências celtas e orientais com grande vocabulário linear, como
também a rica ornamentação de motivos orgânicos e abstratos vindos
principalmente da flora e fauna.
De acordo com Bayeux (1997, p. 85), os ornamentos faziam parte
da expressão do conjunto e adquiriam uma razão de ser do ponto de vista
plástico, construtivo e funcional. Móveis e imóveis eram projetados na
busca da síntese entre forma e função / beleza e utilidade.
A cadeira da Figura 2 é um exemplo de mobiliário do movimento
Art Nouveau. Mantendo a idéia de fidelidade à natureza dos materiais,
esta cadeira aparece em sua cor natural exaltando esteticamente a beleza
da madeira e do couro. O encosto usa formas fluidas e dinâmicas que
lembram flores, folhas ou corações estilizados.
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Figura 1:
Cadeira Sussex (1864-1865), Ford
Madox Brown (para Morris &
Co.).
Material: madeira torneada ebonizada com assento de verga.
Fonte: FIELL, 2001, p.55.
Figura 2:
Cadeira (1900), Hector Guimard.
Material: estrutura de pereira
entalhada com assento e costas de
couro trabalhado.
Fonte: FIELL, 2001, p.74.
Consideramos que, neste período, a cadeira possuía a função
estética como principal. Esta é destacada pela forma e indica sua função.
Como salienta Bomfim (1987, p.76), domina a função estética como
manto da função prática.
3. 3. A estética da máquina (1900-1930)
A chamada estética da máquina trata-se da utilização de uma forma
moderna, simples e geométrica nos produtos para facilitar a produção
industrial. Surge, como se referem Sparke et al. (1987, p. 76), na tendência
de injetar arte na indústria. Evidencia-se uma clara redução das coisas a
seus componentes básicos. É patente a inspiração em motivos que utilizam
a roda como metáfora (SPARKE et al., 1987, p. 78).
Motivos estruturais aliados aos decorativos como influências
japonesas, matemáticas e do minimalismo dariam também, ainda de acordo
com Sparke et al. (1987, p. 72-77), as características de configuração dos
objetos.
O novo conceito de espaço que flui entre as partes vem da arquitetura,
as cadeiras passam a ser adaptadas ao ambiente arquitetônico. Cria-se
uma concepção “...universalista, cosmopolita e tecnicista da produção”
(RIBEIRO, 1985, p. 74).
A produção das cadeiras começa a manifestar a preocupação com
o
conforto
e a postura ao sentar-se. Há também a utilização de cadeiras
Figura 3:
reclináveis
que
propiciam variações de postura. Como pode ser visto em
Cadeira modelo No. B33 (1927Fiell
(2001,
p.156-166),
são usados materiais como tubos de metal cromado,
1928), Marcel Breuer.
aço,
vidro,
couro
negro,
madeira lacada, lona, verga trançada, palhinha,
Material: estrutura de aço tubular
molas
e
tiras
elásticas.
Conforme
Sparke et al. (1987, p. 88), são usadas
cromado, assento e costas em tecido
também
“cores
básicas”
e
“o
mínimo
de elementos visuais”.
“Eisengarn” ou couro.
A
Bauhaus
(1919
-1933),
que
significa “casa de construção”, foi
Fonte: FIELL, 2001, p.166
criada dentro do programa alemão para reerguer e reabilitar o país políticosocialmente após a Primeira Guerra Mundial. Com fortes influências do
movimento de artes e ofícios, difundiu a estética da máquina através
do uso da organização racional na definição da estrutura do objeto e na
produção do mesmo.
De acordo com Sparke et al. (1987, 95-96), a Bauhaus busca uma
“definição objetiva da forma” com a criação de modelos standard 4 que
deveriam primar pela qualidade e durabilidade. Em conformidade aos
princípios de estandardização surgiam projetos para a produção em série
e intercâmbio de peças.
A confecção da cadeira mostrada na Figura 3 orientava-se em relação
às necessidades do usuário, preocupando-se com a configuração funcional.
O projeto foi feito para a produção em série e efetivamente tornou-se um
dos produtos mais vendidos pela Bauhaus. O usuário encontrou nesta
cadeira formas simples e austeras na busca pela modernidade e benefícios
da tecnologia.
Juntamente com a preocupação prática existe a questão estética, a produção
do objeto não está ligada a critérios funcionais puros, a nova configuração dos
objetos implica uma atenção em relação à sua aparência. Como comenta Löbach
(2001, p.84-88), a configuração prático-funcional dos produtos industriais da
Bauhaus baseava-se em teorias estéticas. Esta teoria estética, a da redução das
formas aos elementos básicos, é favorecida pela forte cooperação com a indústria
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e com uma informação mais direcionada para o usuário, unindo, portanto, as
funções estéticas às funções práticas.
Assim, apesar de a vocação na concepção dos objetos tender à
utilização da técnica como forma de alcançar a função prática, a função
estética se mantém também como esteio e paradigma para a produção.
3. 4. A arte decorativa (1925-1939)
A Arte Decorativa teve inspirações nos “Ballets Russos de
Diaghilev”, nas cores brilhantes do fauvismo e nos desenhos de moda
de Paul Poiret. Como acrescentam Sparke et al. (1987, p.100-102), são
marcantes também as influências egípcias como a descoberta da tumba de
Tutankamom (1923), a arte africana primitiva, a cultura americana do jazz
e os motivos astecas e indígenas. Outras influências foram as vestimentas
árabes e orientais, a assimetria dos cubistas e os motivos geométricos
de Mackintosh, K. Moser e J. Hoffman. Havia uma profusão de padrões
pitorescos e cores brilhantes, utilizados na decoração em geral. O estilo art
deco varia do idioma altamente decorativo da década de 20, caminhando
para o “funcionalismo” da década de 30. Sobressai na França, pela criação
de peças inovadoras para o mercado de luxo. Na Inglaterra, surgem artigos
produzidos em série para um público menos abastado.
Destaca-se também nos Estados Unidos. O espírito otimista
norte-americano exerceu seu fascínio através de veículos como o cinema
hollywoodiano e a arquitetura de arranha-céus (SPARKE et al., 1987,
p.101) simbolizando “... opulencia, poder e optimismo” (1987, p. 118).
No estilo art deco predominam as cores fortes, as justaposições
geométricas e dinâmicas, assim como as superfícies reluzentes. Para Sparke
et al. (1987, p.126), tais características representam o espírito da época,
que expressava ação positiva, velocidade e estilo. Em suas produções, é
marcante a referência à natureza, apresentada de modo estilizado por meio
de desenhos geométricos e abstratos.
Enfim: “El Art Deco es um ejercicio de diseño total, que mezcla
materiales exóticos con plásticos y niquelados, infundiendo drama
en gigantescos proyectos arquitectónicos y un curioso encanto en los
artículos domésticos y los accesorios” (SPARK et al.,1987, p.126).
A cadeira da Figura 4 é exemplo do mobiliário característico do
estilo art deco, mais precisamente da década de vinte. Destaca-se o uso
de formas geométricas estofadas com uma aparência volumosa, sugerindo
comodidade e gosto requintado.
Na arte decorativa, a ênfase é dada ao aspecto do conforto e do luxo.
A simbologia dos móveis sugere a ostentação, procurando representar os
sonhos da sociedade da época.
Ainda não de modo generalizado, inicia-se a busca por inserir
o público em um contexto de consumo, caminhando na perspectiva de
atender os seus desejos e aspirações. Com normas estéticas que refletem a
representação dos valores dos indivíduos da sociedade, dão-se os primeiros
passos para a dominância de uma função simbólica.
3. 5. O estilo aerodinâmico (1935-1955)
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Figura 4:
Cadeira modelo No. MF 158
(1928), Pierre Chareau.
Material: estrutura de faia folheada
a plátano, estofo coberto de tecido e
pés de cobre prateados.
Fonte: FIELL, 2001, p.196
Enquanto os funcionalistas visavam decompor as coisas em
partes no intuito de depois poder conectá-las e intercambiá-las, o estilo
aerodinâmico, conforme Sparke et al. (1987, p.134), buscava um todo
integrado sem fissuras, cobrindo suas partes móveis através de formas
bulbosas e afiladas.
No estilo aerodinâmico, os desenhos eram inspirados no modelo
atômico, nas estruturas cristalinas e moleculares que possibilitaram padrões
aleatórios como também no expressionismo abstrato (SPARKE et al.,
1987, p.138). Deste modo, as normas estéticas incluiriam a representação
do progresso tecnológico e a aparência como fatores de venda.
Aparece o Styling que pregava um desenho para a indústria. Surge
nos Estados Unidos após a crise que se inicia em 1929. A indústria passa
a orientar sua produção a partir de muitos modelos de pouca duração,
tornando o objeto superficialmente atrativo e deixando de lado as exigências
de simplicidade construtiva e funcional (MALDONADO, 1977: 48-49).
Com o aumento do poder econômico da população surge, de
acordo com Sparke et al. (1987, p.132), um mercado consumista feito
para as massas. Há uma busca pela descobertas de novos materiais e ligas,
o que acaba por influenciar também a configuração das cadeiras.
Resultante principalmente de inovações no uso dos materiais
como a madeira contra-placada moldada, a cadeira da Figura 5 é exemplo
do mobiliário escandinavo do período aerodinâmico. Embora possuísse
características mais humanistas do que a tendência geral desse movimento,
este tipo de mobiliário foi bastante utilizado até a década de cinqüenta.
A partir da segunda metade da década de cinqüenta, o consumismo
se acentua na vida cotidiana. O design se torna um fator proeminente. Os
produtos adquiridos passam a comunicar “valores de estilo de vida”. Dentro
da discussão a respeito do “bom design”, alguns países tentaram seguir
seus valores tradicionais artesanais, mas não tiveram êxito em relação ao
público. O design tornou-se cada vez mais internacional como um “estilo
Figura 5:
Cadeira modelo No. 31 (1931-1932), em si mesmo”, aliado naturalmente ao “estilo de vida” da época. Começa
a surgir o modelo pluralista do design e, nos âmbitos nacionais, cada vez
Alvar Aalto.
mais
se acentua a diferença entre estilo oficial e de massas (SPARKE et
Material: estrutura de bétula
al.,
1987,
p.161).
laminada e maciça, assento
Nesse
período vislumbra-se a dominância no valor de troca dos
de contraplacado arqueado e
produtos
e,
nesta
perspectiva, reforça-se a tendência ao predomínio da
envernizado.
função
simbólica.
Em
vez de se ter (como no caso do funcionalismo) a forma
Fonte: FIELL, 2001, p.219
adaptada à função, neste momento, já se pode admitir uma vocação pela
dissimulação da função prática, em que (paradoxalmente) a funcionalidade
passa a se adaptar à forma. Assim, não se pode desconsiderar a função
estética, utilizada para gerar objetos de forte apelo visual com intenção
de venda.
3. 6. O movimento pop (1955-1975)
O movimento pop é marcado por uma vigorosa cultura de massas
e pelo consumismo, vindos originalmente do estilo de vida norteamericano.
Conhecida como a era da abundância, neste período a sociedade
de consumo se expande consideravelmente. Sparke et al. (1987, p.165)
referem este momento como os anos da “cocacolonização”, dada a
influência da cultura americana no mundo. Firma-se o período da chamada
“obsolescência premeditada”.
Solidifica-se afinal o “estilo de massas”. Conforme Sparke et al.
(1987, p.165), este período é bem mais pluralista e representa a decadência
da filosofia funcionalista. Inicia-se uma fragmentação de mercado
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
e predomina uma cultura eclética e a ética do “usar e tirar”. Jovens e
mulheres ascendem ao mercado. Neste momento, o simbolismo dos
objetos sedimenta-se como forma de suscitar a satisfação das necessidades
a curto prazo.
As normas estéticas são caracterizadas pela busca de novidade
estilística, liberdade de criação e utilização de fontes distintas, dizem
Sparke et al. (1987, p.164-167). Ademais, a procura por novidades traz
consigo o providencial desgaste dos produtos e seu desuso constante.
Sobressaem o efêmero e o descartável.
A cadeira da Figura 6 de simples fabricação e baixo custo de
produção é ideal para representar o consumismo e o “usar e jogar fora”
dessa época. Seu material é barato e descartável, sua aparência com
formas curvilíneas, cores vibrantes e padrões animados são características
do movimento pop. É fácil de transportar e montar.
A configuração das cadeiras destaca o uso de formas vindas
de estilos passados e também a utilização de formas que buscam sua
inspiração na vida cotidiana. Muitas vezes, a aparência das cadeiras
apresenta características escultóricas.
Para Sparke et al. (1987, p.166), as principais influências são
ligadas à juventude e à mistura de estilos passados adaptados aos
novos. Outras influências importantes são o psicodelismo, o imaginário
tecnológico, futurista e espacial, a cultura oriental, os objetos eletrônicos,
os quadrinhos e a publicidade.
Os objetos tinham a função de representar a maneira de ser de
uma pessoa ou de um grupo. Mesmo atitudes ou estilos contestatórios
deste consumismo também acabavam por ter sua função principal ligada à
simbologia. É clara a dominância da função simbólica. O usuário encontra
nos produtos a satisfação dos seus desejos e a possibilidade de se inserir
no contexto social. Tudo isto é garantido por uma promissora segmentação
de mercado e por um estilo de massas fomentador do consumo.
3. 7. A era do consumo midiático (desde 1975 até os dias atuais)
Dando continuidade ao período anterior, as formas e marcas dos
objetos de design e moda possuem, conforme Quarante (1992, p.130132), a qualidade de simbolizar as características e peculiaridades de seu
consumidor. As cadeiras como objetos do mobiliário ajudam a conformar
o ambiente dos indivíduos da sociedade do consumo midiático. Neste
momento, elas fazem parte de um sistema de valores; adquirem cada vez
mais uma função específica e, assim, uma maior diferenciação. Nessa
época, o design dito “pós - moderno” explora principalmente a relação
simbólica entre usuário/objeto através de produtos que comunicam
significados e vocações, tendendo a valorizar o indivíduo, suas expectativas
e particularidades.
Esse tipo de design não se afasta totalmente das influências
bauhausianas. Inspira-se em sua estética, propondo releituras como forma
de discutir a célebre fórmula “menos é mais”. De acordo com Sparke et
al. (1987, p.193), surgem novos estilos decorativos aproveitando novas
técnicas de fabricação.
O mobiliário doméstico é caracterizado por uma pluralidade de
gostos com diversas tendências artísticas como, por exemplo, o retro.
Prevalece o gosto pela incongruência, pelo humor e pelo ecletismo
de estilos. Como referem Sparke et al. (1987, p.192-196), a tecnologia,
a praticidade, a versatilidade, a aparência e a liberdade inventiva são
características determinantes. Também os materiais tornam-se menos
dispendiosos e a estética industrial busca, de certa forma, ser mais
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Figura 6:
Cadeira Spotty (1963), Peter
Murdoch.
Material: cartão laminado coberto
de polietileno.
Fonte: FIELL, 2001, p.465.
humana.
A função estética juntamente com a simbólica torna-se fator
essencial de propaganda e venda do produto. Todavia, na vocação por
alcançar variados consumidores, o simbolismo se vale da estética e tornase o elemento principal e imprescindível na geração de novas demandas.
Como diz Bomfim (1995, p.115): “A linguagem estética do design pósmoderno é principalmente portadora de mensagens simbólicas”. Continua
o autor: “... o Pós-Modermo é um meio para a super-codificação do objeto
– a forma segue a fantasia.”
Logo, a função estética se torna explícita.
No contraponto ao estilo moderno, prevalecem, conforme Bomfim
(1987, p.117): a ironia, a citação de diferentes formas do passado, o
contraste, a banalização de valores, a valorização do banal.
O design no século XXI encontra, portanto, novas formas de unir e
harmonizar a aparência e a utilização de novos materiais. Ele proporciona
qualidade de produção, garantindo o acesso de variados públicos a produtos
cada vez mais diferenciados. Todavia, não se descola da prerrogativa de
evocar o consumo com base em distintas e sutis estratégias de venda.
Figura 7:
Cadeira Zabro (1984), Alessandro
Mendini
Construção em madeira lacada,
decoração pintada à mão, braços
estofados a couro.
Fonte: FIELL, 2001, p. 551.
4. Estudo de caso: a Cadeira Zabro (1984) / Alessandro
Mendini
Na cadeira Zabro, de Alessandro Mendini (ver Figura 7),
privilegia-se um enfoque estilístico e artístico. Representam-se algumas
características importantes do design “pós-moderno” como a fantasia, a
simbologia, a mistura de referências, a liberdade de criação do designer e
o interesse por técnicas artesanais mostrando as marcas artísticas de seus
criadores. Feita com materiais naturais e de forma artesanal, a estrutura da
cadeira Zabro é relativamente simples e demonstra uma construção pouco
convencional. Nota-se a separação das formas geométricas em dois blocos
e o realce da bidimensionalidade da superfície do encosto, realizado em
pinturas feitas à mão que possuem influências de desenhos modernistas e
da arte decorativa.
Nesta cadeira, Mendini contrapõe decoração superficial às
referências de simplicidade estrutural do design modernista considerado
como “bom design”. Em suas obras tentava demonstrar que, entre outras
coisas, o conteúdo intelectual de um designer pode nascer somente da
decoração aplicada (FIELL, 2001, p. 537). Esta cadeira é um dos modelos
do design anti-racional que não foi feita para a produção industrial,
sendo considerada como objeto no mercado de arte. Representa um
questionamento do papel do design na indústria, do consumismo e do
capitalismo, mas se afasta do enfoque democrático proporcionado pela
produção em ampla escala.
Trata-se de um produto auto-referencial em que o designer tenta
dissimular a função para ele pressuposta, a de sentar-se. Nesta perspectiva,
curiosamente convive entre ser objeto de deleite e ser um objeto de uso.
5. Conclusões
A análise das leis estéticas de cada período nos possibilitou
reconhecer as prerrogativas que influenciam a configuração da cadeira.
Com base nestes princípios e de posse das amostras de objetos
identificaram-se as especificidades que condicionam e determinam a
aparência do objeto.
As manifestações de um dado período histórico conduzem a uma
primazia de princípios, que indicam uma orientação estética dominante.
Uma primazia de função não exclui as outras funções que o objeto
desempenha. Em cada momento, podem coexistir objetos com funções
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prioritárias distintas da tendência dominante, caracterizando exceções
estabelecidas em sincronia com o passado, ou mesmo, antecipando futuras
vocações.
Ao longo do processo de evolução do design, valores e estilos
são agregados aos modos de vida dos indivíduos e, nesta perspectiva,
propomos uma hierarquia de funções para cada momento estudo: 1. Artes
e ofícios: prática/ estética / simbólica; 2. Art Nouveau: estética/ prática/
simbólica; 3. Estética da máquina: prática/ estética/ simbólica; 4. Arte
decorativa: simbólica/ prática/ estética; 5. Aerodinamismo: simbólica/
estética/ prática; 6. Movimento pop: simbólica/ estética/ prática; 7.
Consumo midiático: simbólica/ estética/ prática.
Assim, pode-se perceber uma crescente tendência à predominância
do valor simbólico na definição do produto. Esta simbologia visa atender
os desejos, as necessidades e as expectativas dos usuários. Em última
instância, dada a intenção de gradativamente considerar-se o receptor
como alvo, como agente articulador de significados possíveis, concluise que a aparência da cadeira, decorrente das funções para ela propostas,
indica e sugere possibilidades de uso distintas.
Referências Bibliográficas
BAYEUX, Glória. O móvel da casa brasileira. São Paulo: Museu da
Casa Brasileira, 1997.
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RIBEIRO, Hélcio Pupo. Artes Industriais. Bauru: Jalovi, 1985.
SPARKE, Penny et al. Diseño: história en imagenes. Madrid: Hermann
Blume, 1987.
(Footnotes)
1
Para Löbach (2001, p.183), estas normas dizem respeito a valores estéticos aceitos por uma maioria
preponderante de uma sociedade.
2
Conforme Löbach (2001, p.68), a todo produto industrial é inerente uma aparência sensorialmente
perceptível que define uma dada função estética. A esta se juntam a função prática, a função simbólica,
ou ambas. Necessariamente, uma das funções terá prevalência sobre as outras. A função estética
diz respeito à configuração dos produtos de acordo com as condições perceptivas do homem. A
função prática está relacionada aos aspectos fisiológicos de uso. E a função simbólica é determinada
pelos aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso. Entendemos, assim, que a hierarquia das
funções a serem desempenhadas pelo objeto pode, portanto, condicionar a sua configuração e seu
conseqüente uso.
Para cada período, será mostrado um exemplo significativo do objeto como forma de
referendar as dominâncias das funções.
3
4
Segundo o conceito de standard, o objeto não deve submeter-se a manipulações ulteriores que
melhorem ou modifiquem o seu aspecto. Neste caso, o objeto industrial deve ser concebido como
acabado no próprio ato de sua produção (DORFLES, 1991, p. 17).
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
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Os modos de configuração da cadeira Resumo Abstract