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FERDINAND AZEVEDO
RESGATANDO A VIDA E AS OBRAS DE
MANOEL DA COSTA LUBAMBO (1903-1943)
RECIFE, 2006
3
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Fone: (81) 2119-4160, Fax: (81) 2119-4259
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Editoração Eletrônica e
Programação Visual: Lílian Costa
Impressão: FASA GRÁFICA
Programação visual: Lílian Costa
Capa: “Quando o Estado Novo proibiu a circulação da revista
“Fronteiras”, em setembro de 1940, cujo redator foi
Manoel Lubambo, este projetou uma outra revista com o título
“Temudo”. Sempre nacionalista, Lubambo aproveitou o nome do Capitão
André Pereira Temudo, que, junto com alguns de seus
soldados, lutou à morte contra os invasores holandeses, em 1630, em
Olinda. Apesar de seu dinamismo, a revista nunca foi publicada”.
COMISSÃO EDITORIAL
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A994r Azevedo, Ferdinand
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Resgatando a vida e as obras de Manuel
Pró-reitor Comunitário
da Costa Lubambo: 1093-1943 -- Ferdinand
Azevedo. – Recife: FASA, 2006.
137 p. : il.
1. Lubambo, Manoel da Costa, 1903-1943 -Biografia. I Título.
ISBN 85-7084-081-0
4
CDU 82
Sumário
Introdução...................................................................................................7
A vida de Manoel Lubambo........................................................................8
As obras de Manoel Lubambo..................................................................26
Caráter (1926)..........................................................................................26
Distribuitismo (1927)...............................................................................31
Luis, Joaquim, Manuel (1927)...........................................................34
A propósito d’um artigo do Sr. Agripino Grieco (1927)..............................36
Chirico (1932)..........................................................................................38
Hitler e a civilização ocidental (1934)......................................................38
Ação econômica e financeira (1934).......................................................41
A propósito do último livro do Sr. Octávio de Faria (1935).......................41
O preço justo (1936)............................................................................43
Uma notícia sobre Vicente do Rego Monteiro (1936).....................49
Outros desenhos de Vicente (1936).................................................50
Notas para um estudo sobre a instituição da realeza (1936).........51
O centenário da Capela do Engenho Amaragy (1936)........................57
Uma nota retardatária sobre “Tempo e Eternidade” (1936).....................60
Contra Nassau (1936).........................................................................61
Os painéis das Batalhas dos Guararapes (1937)................................74
Olinda, sua evolução urbana (1937)...................................................75
Trechos do discurso de Manoel Lubambo ao
tomar posse na Secretaria da Fazenda (1937)......................................79
Jackson (1937).........................................................................................81
O golpe de 10 de novembro, realmente, qualquer
coisa de novo em todos os setores da vida administrativa de
Pernambuco (1938)...................................................................................82
Considerações em torno do imposto de exportação (1938)......................83
Composições fotográficas de Jorge de Lima (1938).........................84
Considerações à margem do 1º de maio (1938)....................................84
Da crise do pensamento histórico no Brasil (1938)..........................86
Caixa de Crédito Mobiliário Cooperativo
de Pernambuco (1938)..............................................................................90
5
Algumas notas sobre a pintura de Dona Fedora do Rego
Monteiro Fernandes (1938).....................................................................91
Discurso de Manoel Lubambo na Rádio Club; 10º ano da
morte de Jackson de Figueiredo (1938)....................................................92
Caixa de Crédito Mobiliária de Pernambuco (1938)................................93
Considerações em torno de “Nordeste” (1939).................................94
Exonerou-se, no dia 25 do corrente, do cargo de Secretário da
Fazenda o nosso Diretor Manoel Lubambo..............................................94
Uma enquete promovida pela Revista Chrétienté-Occident,
sobre o problema do nacionalismo (1939)........................................96
Guerra dos Mascates (1939)..............................................................97
A revolução de 1817 (1939).................................................................98
Jackson, o “Homem de arestas”, o gótico (1939)...................................100
Capitaes e grandeza nacional (1940)...............................................101
Recife, cidade holandesa ou cidade portuguesa? (1942) .................120
O humanismo financeiro de Salazar (1942)...........................................122
Fragmentos de ensaio (1943)............................................................129
O sentido de reclame da nova arte russa (1946).............................130
Considerações finais...............................................................................131
6
RESGATANDO A VIDA E AS OBRAS DE
MANOEL DA COSTA LUBAMBO (1903-1943)
Introdução
M
anoel da Costa Lubambo pode ser inserido entre o grupo de intelectuais representantes do pensamento católico conservador
dos anos 30 em Pernambuco. Suas idéias refletem, principalmente,
a mentalidade político-religiosa da época em que se acreditava estar
no passado colonial as verdadeiras origens do povo brasileiro.
Além de ter grande influência na produção intelectual dos anos
30, especialmente entre 1933-1943, Lubambo poderia, ainda, figurar
entre os grandes jornalistas de Pernambuco no século XX. Em vez
disso, sua vida breve, marcada pelas lutas em busca de soluções governamentais por uma sociedade mais justa, com argumentos muitas
vezes contundentes para sua época, por se inserir num período muito
polêmico (1930-1945), contribuiu muito para relegar a importância
de sua produção intelectual e seu valor cultural somente entre alguns
intelectuais. Para uma maior compreensão da formação político-reli7
giosa daqueles anos, a produção intelectual de Lubambo, porém,
merece mais atenção.
Os trabalhos de Lubambo estão atualmente localizados na
Biblioteca da Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica
(atualmente nas coleções Especiais da Biblioteca Central “Pe.
Mosca de Carvalho” da Universidade Católica de Pernambuco),
na Coleção da Revista Fronteiras encontrada na Biblioteca da
Arquidiocese do Olinda e Recife e no Arquivo Estadual Jordão
Emerenciano no Recife e na Biblioteca particular da sua já falecida viúva, Maria Vespertina Pinheiro Lubambo.1 A partir desses
trabalhos, pretendemos ver o que Lubambo pensava e defendia.2
Mas, primeiro, algo sobre a sua vida.
A VIDA DE MANOEL LUBAMBO
Manoel nasceu no dia 13 de setembro de 1903, em Palmares, Pernambuco. Seu pai, Benvenuto Nascimento Lubambo, trabalhava como Mestre das Oficinas Ferroviárias da Great Western,
aproximadamente desde 1892, primeiro em Paulo Afonso, depois
em Maceió, em Palmares e finalmente em Jaboatão.3 Benvenuto e
sua esposa Amêlia da Costa Lubambo tinham sete filhos (Manoel, Adalgiso, Dagmar, Doeres, Dermenzita, Derzuitti, Maria Dulce, Ducila).4 Aos nove anos, foi matriculado pelo pai no colégio
do professor Carvalho, em Jaboatão. Terminou o curso em dois
anos, mas continuou a freqüentar a escola por mais dois.5 Era um
jovem de personalidade forte, e não é surpreendente que, a essa
idade, fosse “um menino irrequieto e turbulento”.6 Em 1916, seu
pai colocou Manoel no escritório da Great Western, em Jaboatão. Nesse trabalho, recebeu a cada quinzena Cr$20,00, dos quais
8
colocou Cr$15,00 numa conta para Júlia (Bubú), empregada da
família. Este gesto é já indicativo de uma parte atraente de sua
personalidade complexa.7 Dois anos mais tarde, passou a trabalhar no Almoxarifado da Great Western.
Por intermédio do irmão, Adalgiso, que trabalhava no
mesmo escritório de João Vasconcelos, crítico literário, nasceu a
amizade entre este e Lubambo. Muito impressionado pelo jovem
Manoel de dezoito anos, Vasconcelos registrou a lembrança de
seu primeiro contato: “...com muita surpresa e encanto, que o excesso de vida revelado naquela fisionomia (Lubambo) era sobretudo, espiritual. Não havia exuberância física, só um equilíbrio
relativo à idade; mas, mentalmente, que pujança! Até hoje, ainda
não recebi outra impressão tão forte das possibilidades intrínsecas
de uma inteligência.” 8 Durante esse período, Lubambo freqüentou a Academia de Comércio. Supomos que esta é a Academia
de Recife, até 1923. Fez, também, um breve estágio na “Young
Men’s Christian Association”, mas parece que esta não o influenciou muito. 9 O crescimento de sua amizade com João Vasconcelos foi bem mais importante e já deu alguns indícios para sua
futura carreira jornalística.10
Sem muita esperança, Lubambo inscreveu-se num concurso para o Banco do Brasil. Para sua surpresa e felicidade, passou,
e o Banco o enviou para trabalhar no Ceará, em 1923. Nesses
dois anos, manteve uma correspondência rica com Vasconcelos.
As cartas revelam um Lubambo cada vez mais interessado em
literatura. Elas falam de “Machado de Assis, Sílvio Romero, Alexandre Pope, crítica moderna, Tristão de Ataíde, Afonso Arinos,
Tobias Barreto, Buffon e outros.”11 Vasconcelos ficou muito contente e impressionado em ver o desenvolvimento intelectual de
9
seu amigo, bem diferente dos tempos em que o conhecem, dos tempos trabalhando na Great Western, em Jaboatão.
Suponho que Lubambo gostou de sua transferência, em
1925, para a filial do Banco do Brasil, no Rio Branco, antigo Olho
d’Água dos Bredos, em Pernambuco. Em 1926, foi transferido, de
novo, para a filial do Banco do Brasil, no Recife. Voltou a morar
em Jaboatão, onde jogava futebol na equipe do União Sport Club
de Jaboatão. O Club apreciava bastante sua habilidade esportista.
Bom atleta, sua posição foi centro atacante. Esta página da vida de
Lubambo não é muito conhecida 12.
O ano de 1925 é importante para Lubambo, porque segundo
ele, marcou sua mudança interior. Parece que essa mudança foi tanto espiritual como intelectual e se fez lentamente. Sentiu uma atração mais forte para a Igreja e certamente a sua nova amizade com o
Pe. Antônio Paulo Ciríaco Fernandes, SJ, iria fortalecê-la. De igual
importância foi sua participação gradual no grupo que iria fundar a
Revista do Norte em 1927.13 A amizade com Vasconcelos, também,
entrou em novos caminhos. Os dois discutiam muito sobre livros e
autores ingleses, em particular, Lafcadio Hearn e o seu livro, “Out of
the East”.14 A empresa ferroviária, Great Western, estava vendendo
livros em inglês e entre eles o “Life and Letters of Lafcadio Hearn”
por Elizabeth Bisland. Isto foi uma introdução tanto para Vasconcelos como para Lubambo nos trabalhos de Hearn. “Out of the East”,
que tanto impressionou Lubambo foi uma coleção de onze artigos.
Um, que chamou uma atenção especial de Lubambo, foi “Jiujútsu” (Judô). Este artigo foi escrito por Hearn com a ajuda de Kano
Jigoro, um grande divulgador de “Jiujútso”, que foi o Presidente da
Escola “The Fifth Higher Middle School, em Kumamto, Japão, onde
Hearn trabalhava como professor de inglês.15
10
Sua carreira como jornalista começou sem muitas pretensões,
pois de fato não gostava de publicidade. José Maria de Albuquerque Melo, fundador da Revista do Norte, possibilitou sua entrada
no mundo jornalístico.16 Nela, Lubambo publicou o seu primeiro
ensaio intitulado “Caracter”, que cria boa impressão. Seu relacionamento com o grupo da Revista o convenceu para mudar sua residência para o Recife. Morou na Avenida Marquês de Olinda e depois nas
ruas da Imperatriz e na Deão Farias para facilitar sua participação
na mesma.17 Com este novo entusiasmo jornalístico, Lubambo participou de um outro jornal, “Frei Caneca”, que contava com a ajuda
financeira de Delfino Maria Marques e como o estímulo intelectual
de Joaquim Cardoso. Com a assistência de Vasconcelos, o jornal foi
editado na própria pensão onde morava Lubambo. Economicamente o jornal foi um fracasso.18 Sempre lutador, Lubambo saiu dessa
experiência negativa para lançar mais outro jornal: “Ação Pernambucana”. “Neste, Lubambo não é mais um cooperador, é o operador,
não é mais um ‘partenaire’, é o dono”.19 Em relação a esses jornais,
só encontramos um exemplar do “Frei Caneca” e dois do “Ação Pernambucana” e nada sabemos dobre a sua repercutição. Este, porém,
não é o caso do próximo jornal associado ao nome de Lubambo, o
“Fronteiras”. Com ele, Lubambo vai confirmar sua posição como
jornalista.
“Fronteiras” tem duas fases. A primeira foi de maio de 1932
a março de 1933; a segunda, e mais longa, de dezembro de 1935 a
junho de 1940.20 A historiadora Sílvia Cortez SILVA (1995) enumera
os outros que tinham influência nesta revista:21
11
Primeira página da edição inaugural de Fronteiras, Recife, v. 1, n. 1, p. 1, maio 1932
12
O chamado ‘Grupo Fronteiras’ era formado por congregados marianos do Colégio Manoel da Nóbrega, Arnóbio Tenório Wanderley, Willy Levin, Nilo Pereira, Guilherme Auler e Vicente do Rego
Monteiro, a exceção por não ser congregado.
Não há dúvidas de que “Fronteiras” estava ligado ao grupo dos Congregados da Congregação Mocidade Mariana Acadêmica (CMMA), cujo diretor foi Pe. Fernandes, porém, não sabemos
exatamente qual foi a sua participação no início, em 1932. O Pe.
Fernandes se tornou diretor da CMMA da seguinte maneira: O Pe.
Domingos Gomes, SJ, Diretor do Colégio Nóbrega do Recife, seguindo sugestões de um aluno do Colégio Antônio Vieira de Salvador, BA, que depois seria aluno do Colégio Nóbrega do Recife,
estabeleceu a “Liga para a Restauração dos Ideais”, em 1926. O Pe.
Gomes indicou Pe. Fernandes como o seu primeiro Diretor.22 Só em
1929, Pe. Fernandes iria assumir a liderança da CMMA que naquele
momento estava quase morta. Com o Pe. Fernandes, a CMMA, foi
tão transformada que atraiu homens competentes que compartilhavam as mesmas orientações religiosas e políticas. Num contexto histórico imprevisto, em 1937, o Interventor Agamenon Magalhães, por
razões políticas, iria escolher cinco deles (Manoel Lubambo, Secretário da Fazenda, Etelvino Lins, Secretário da Segurança, , Apolônio
Sales, Secretário da Agricultura, Arnóbio Tenório Wanderley, Secretário de Governo e Nilo Pereira, Secretário de Educação) para servir
no seu governo.23
Quando Lubambo foi indicado para o Ministério da Fazenda,
em 1937, trabalhava no Banco do Brasil. Bem capacitado para este
trabalho, permaneceu nele por cerca de vinte meses, saindo no dia 25
de julho de 1939. Na sua curta gestão, teve o orgulho de equilibrar o
orçamento do Estado sem deixar de atender a todas as necessidades
13
básicas. Certamente Lubambo ganhou a confiança de Magalhães,
visto que o Interventor o lhe permitiu iniciar a Caixa de Crédito Mobiliário, possibilitando crédito tanto para o setor agrícola como para
o comércio em geral.24 Ao sair do Ministério, deixou as finanças
bem arrumadas para o seu substituto José Maciel, no inverno de
1939.25
Com tanto sucesso, a sua saída parece estranha. Tudo indica
que houve divergências entre ele e Magalhães sobre a política e a
maneira autoritária e violenta desde para implementar o programa
“Liga Social Contra o Mocambo”, em julho de 1939, para eliminar
os mocambos da cidade do Recife.26 Lubambo voltou para o Banco
do Brasil, ficando responsável pela pasta de Carteiras de Câmbio.27
Foi em julho de 1939, também, que Lubambo deu uma entrevista ao representante de uma revista belga, “Chrétienté-Occident”,
intitulado “Inquérito sobre o problema do nacionalismo cristão”.
Nela, Lubambo revela sua opinião contundente tanto sobre fascismo
como sobre democracia: 28
Era grande tempo de dizer coisas como estas. Não precisamos de
modelos estrangeiros, senão naquilo que deve ser comum a todos
os regimens de ordem. O ‘fascismo’ – sem embargo do caracter épico do regimen, que banha no clima nobre e saudável da exaltação da
pátria e da família – é , em sua concepção do Estado estranho a meu
pais. Porém muito mais que estranha – exótica – é esta decantada
democracia, transplantada ao Brasil, nos flancos do liberalismo maçônico, no primeiro quartel do século XIX e à sombra da qual se
tem cometido tantos crimes contra o Brasil. A nossa tradição está
longe de ser democrática. É aristocrática e autoritária. Corporativa
também. É na defesa e na propagação destas idéias, tão caras à
melhor corrente da minha geração que Fronteiras vê seu caminho
e seu combate.
14
A última frase dessa citação define bem a finalidade da revista Fronteiras e revela uma atitude negativa sobre democracia, bastante comum não somente entre a “geração” de Lubambo, mas de
outros também durante os anos do Estado Novo no Brasil.
O ano de 1940 foi importante na vida de Lubambo porque a
Companhia Editora Nacional publicou seu livro, “Capitaes e grandeza nacional” na coleção Brasiliana, em 1940. Com este livro, Lubambo se tornou conhecido não somente no Brasil, mas fora do país
também. Deu uma conferência, sobre o livro, no Itamarty, no Rio
de Janeiro, em março de 1940, organizada pela Divisão de Cooperação Intelectual do Ministério do Exterior.29 O conhecido político e
historiador Roberto Simonsen elogiou o livro, dizendo: “É o primeiro livro que vejo escrito no Brasil, inteiramente dedicado à defesa
dos interesses das classes conservadoras e da evolução social mais
conveniente do país.”30 Mais importante foi a reação dos Estados
Unidos. William P. Everts, Presidente do The Latin American Economic Institute, sediada em Boston, Massachusetts, gostou tanto do
livro que o convidou para ser sócio do Instituto.31 Igualmente bem
impressionado foi o Professor Percy A. Martin da Universidade de
Stanford, que numa carta elogiou o trabalho de Lubambo.32 Em
Pernambuco, porém, apareceram reações negativas. José Wamberto
explica bem o contexto.33
A tese que sustenta nessa obra “Capitaes e grandeza nacional” é a
de que não temos capitais, nem onde buscá-los. Sem capitais, não
há como falar-se em elevação do trem de vida. Aí estão, também,
idéias que se antecipavam, cerca de vinte anos, à industrialização do
Nordeste. Mas – devemos reconhecer – à exceção de uns poucos
entre os quais se incluíam algumas atentas figuras do Governo, não
foi bem compreendida a mensagem de Manuel Lubambo. Ele na
verdade, deflagrava uma reação contra aquilo que a sua aguçada
sensibilidade já pressentira: a República Sindicalista que o Estado
15
Novo fixara como objetivo final. E o melhor sintoma de percepção
da verdadeira intenção de Lubambo pelo Governo foram as dificuldades dos que começaram a surgir. Recordo-me que me encontrava
no alto sertão, em Serra Talhada, quando li o artigo severo do Interventor Agamenon Magalhães contra o livro.
Tudo indica que os poderes do Estado Novo motivavam a
carta do Departamento de Imprensa e Propaganda, (DIP) assinada
pelo Diretor da Divisão de Imprensa, Jarbas de Carvalho, informando Lubambo da decisão do Departamento de não conceder o registro à revista “Fronteiras”, no dia 25 de setembro de 1940.34
Estamos de opinião de que a decisão do DIP para terminar
a vida de “Fronteiras” foi uma divisão de águas entre Lubambo
e o “Estado Novo” de Vargas. Para Lubambo, “Fronteiras” tinha
uma missão que alguns membros da Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica perceberam claramente. Estes, onze em número
(Laurindo de Oliveira e Silva, Pitágoras Ipiranga de Souza Dantas,
Nilo Pereira, Francisco Oiticica, José Inácio Cabral de Lima, Antônio Guimarães Araújo, Vital Alencar, Silvio Mesquita, Rui Marques,
Publio Dias e José Maciel), no livro, “Lembrança do III Congresso Eucarístico Nacional”, forneceram uma preciosa descrição dessa
missão, particularmente da segunda fase da revista: 35
Fronteiras na segunda fase está realizando sua obra memorável de
revisão histórica. A brusca mudança de sentido que caracterizou a
civilização post-renascentista devido à Reforma protestante, refletiu-se na ciência histórica moderna. É que a história possui uma
importância fundamental. Do ponto de vista religioso liga-se a ela
a veracidade do patrimônio sagrado do dogma. Do ponto de vista temporal e profano a ela prende-se a tradição, em torno da qual
cristalizam profundos sentimentos patrióticos. Daí a tendência a
buscar no passado, e no passado mais remoto possível, as fontes do
presente.
16
Este ‘processus’ radicando assim em profundas raízes psicológicas
realizou-se na maior parte dos países europeus. Assim é que na
Inglaterra surgiu a afirmação de já ela ser protestante desde muito
antes de Lutero, e na França, Portugal e outros países latinos acentuava-se a existência de raízes históricas para o anti-clericalismo e
para a reação contra os dogmas da Igreja. No Brasil a preocupação
seria tingir o passado com as cores do liberalismo e do anti-lusitanismo.
Em face desta obra de deformação surgiu a necessidade da revisão
que assumiu paralelamente aspetos universais. Na Inglaterra iniciou-a Belloc, em Portugal Antônio Sardinha e outros, na França,
Jean Guiraud e tantos outros. Lubambo tentou iniciá-la entre nós.
Segundo Wamberto, mesmo antes da carta do DIP, em setembro de 1940, Lubambo já estava sentindo a pressão do DIP e quando
a notícia chegou, reagiu: 36
Mas o lutador (Lubambo) não se habituava ao ostracismo jornalístico, não abdicava. Pensou, então, em um novo instrumento de luta.
Proibida a circulação de “Fronteiras”, imaginou outro mensário, de
título afirmativo quanto os outros. Chamar-se-ia “Temudo”, o herói
que a tradição aponta como tendo defendido a entrada da igreja da
Misericórdia, em Olinda, contra os holandeses, até perecer. Abaixo
do “cliché” do título, esta legenda feliz: “Pernambuco e outras Províncias, vistas do Recife e Olinda”.
Retrospectivamente, sabendo do fim da revista, não é surpreendente que, nos últimos números de “Fronteiras”, Lubambo tenha
dado bastante ênfase ao governo de Salazar, visto que ia publicar o
livro, ”O humanismo financeiro de Salazar”. Tudo isso indica um
afastamento gradual mais persistente de Lubambo do “Estado Novo”
de Vargas para o “Estado Novo” de Salazar. Uma vez publicado, o livro, como poderia ser previsto, agradou o governo português. Alem
disso, a colônia portuguesa no Recife, que tinha a oportunidade de
17
assistir à conferência de Lubambo no Gabinete Portuguesa de Leitura, em julho de 1942, registrou sua aprovação também.37 Esta atração
por Salazar não passou despercebida ao Cônsul Português no Recife,
Manuel Anselmo, um grande amigo de Lubambo. Tudo indica que,
por sua mediação, Lubambo estava sendo convidado para trabalhar a
convite do governo português. Estava fazendo todas as preparações
para a viagem, não somente para ele, mas, também, para toda a sua
numerosa família, quando, inexplicavelmente, ficou doente.38 E para
a surpresa de todo mundo, seu estado de saúde piorou tanto que foi
internado no Hospital Português e faleceu, pouco depois, no dia 14
de março de 1943. João Vasconcelos descreve como o piedoso paciente recebeu a estátua de Nossa Senhora de Fátima, levada ao seu
quarto enquanto o Pe. Francisco Bragança, SJ, assistia Lubambo nos
últimos momentos de vida.39 Deixou sua esposa Maria Vespertina
Pinheiro Lubambo, com a qual se casou em 1931 e seis filhos, Anna
Maria, José Maria, Maria Lúcia, Manoel Francisco, Maria Cristina
e Maria Izabel.40
Os médicos diagnosticavam uma doença de fígado ou uma
rotura do baço. Talvez a doença de fígado seja mais acertada, dado
o fato de que tanto o jovem Lubambo como o seu irmaõ Adalgiso
freqüentavam o Rio Una, poluído, em Palmares. Adalgiso faleceu
um ano antes de cirrose hepática contrataída nesse rio.41
A carta do Cônsul de Portugal no Recife, Manuel Anselmo,
que, em nome do Presidente de Portugal, Antônio Oliveira Salazar,
registrava suas condolências à Senhora Manuel Lubambo, indicia o
prestígio que Lubambo gozava em Portugal.42
João Vasconcelos acompanhou a carreira de Lubambo e provavelmente o conhecia melhor que todos os seus contemporâneos,
18
como evidenciam essas duas referências com que termino este breve
resumo da sua vida: 43
Mesmo por temperamento ele (Lubambo) não sabia formar posturas
cômodas, não aplainava, nem contornava. Só sabia conquistar a
golpes, como um Garcia d’Avila; abrindo ele próprio a sua picada.
Tinha personalidade viva demais e não sabia transigir, não podia
mesmo se o quisesse. E o dilema era aceitá-lo, integralmente ou rejeitá-lo. [...] Fui um dos seus raros amigos que nunca teve com ele a
mais ligeira rusga. Durante 21 anos as nossas relações de amizades
foram sempre duma perene cordialidade. Encontrando-o ainda menino e assistindo a sua maravilhosa formação mental, surpreendente
pelo vigor, pelo ímpeto quase selvagem das forças poderosas que
se harmonizavam, pude compreender, desde muito cedo, que Lubambo nunca seria um homem na multidão, que teria de ser sempre
um ser à parte. [...] Ninguém poderia separar os seus ‘defeitos’ sem
alterar a sua constituição íntima e ‘matar’ o homem extraordinário
que se chamou Manoel Lubambo. E, como era lógico, contra essas
mutilações ele sempre se insurgia vivamente, reagindo com toda a
bravura, com toda a violência. Violência saudável e consciente que
tinha a virtude de criar inimigos por toda parte e de todos os portes.
Não compreendiam que não interessava a ele a camaradagem nem
o elogio, mas apenas a aceitação. ele só buscava a realidade. Não
acreditavam nessa nobreza de sentimentos e insistiam. Nascia daí a
sua proverbial intratabilidade. Essa intratabilidade era, porém toda
afeto, o mais puro afeto, para os que o entenderam e se ligaram a
ele. Três ou quatro apenas e, entre eles, a venerável figura do padre
Antônio Fernandes, S. J. que era o seu mestre querido. O Dr. Públio
Dias e ultimamente este José Wamberto que se tornou um precioso
elemento na redação de ‘Fronteiras’. Pertenci sempre a esse pequeno grupo que dava a Lubambo todo o respeito que a sinceridade e o
desinteresse impõem, toda a admiração que a sua inteligência superior despertava, toda a estima que a sua nobreza exigia.”
e: 44
Eu creio que este homem forte e duríssimo que era Lubambo, sofria
muito porque a incompreensão das suas razões e o falso julgamento
dos seus atos o magoavam profundamente. Nunca o preocupou a
19
tenaz oposição que lhe moviam os seus inimigos que todos bem
sabem quais eram inimigos sempre de idéias. Que alguém não o
aceitasse, por estar no polo oposto, ele achava certo e até se alegrava com isso. Mais duma vez ele comentou comigo alegremente
coisas tremendas que dele escreviam seus adversários. O que ele
não perdoava eram as queixas contra ele murmuradas pelos amigos,
pelos que deviam defender as mesmas idéias e que o não compreendiam; era a irreverência de íntimos e parentes que não mostravam
o devido respeito pela suas convicções e queriam discuti-las, pelas
suas aversões ou antipatias instintivas e teimavam em contrariá-las,
que não alcançavam as razões que lhe ditavam os atos e queriam
criticá-los, combatendo-o, portanto, nos círculos do seu afeto, sem
sentir que com isto tentavam arranhar-lhe a autoridade no seio da
família.
Notas
1
2
3
4
5
6
A coleção de Revista Fronteiras no Arquivo Público Estadual
Jordão Emerenciano não está em boas condições.
Alguns consideram Lubambo como um outro Jackson Figueiredo, famoso defensor de um catolicismo militante e um dos porta-vozes do Cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra do
Rio de Janeiro. Veja: ANSELMO, Manuel. Manoel Lubambo,
a amizade luso-brasileira e a latinidade. Recife, Ciclo Cultural Luso-Brasileiro, 1943. p. 55; SILVA, Sílvia Cortez. Tempos
de Casa-Grande (1930 – 1940). Tese (Doutorado em História
Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995, p. 144.
VASCONCELOS, João. Manoel Lubambo. Recife: Tradição,
1944, p. 32.
BARROS, Anna Maria Lubambo do Rego, Entrevista concedida ao Pe. Ferdinand Azevedo, Recife, ago. 2002.
VASCONCELOS, op. cit., p. 8.
Ibid., p. 9.
20
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
Ibid., p. 31.
Ibid., p. 10.
Estevam Cruz citado em: Lembrança do III Congresso Eucarístico Nacional aos seus Irmãos do Norte e do Sul; 2-7 de
setembro, 1939. Recife: Congregação Mariana da Mocidade
Acadêmica, s/d. p. 59.
VASCONCELOS. op. cit. p. 8.
Ibid., p. 17.
Ibid., p. 13, 32-33.
Estevam Cruz citado em: Lembrança do III Congresso Eucarístico Nacional aos seus Irmãos do Norte e do Sul; 2 – 7
de setembro, 1939. Recife: Congregação Mariana da Mocidade
Acadêmica, s/d. p. 59.
Hearn nasceu na Ilha Grega de Lefkas em 1850. Seu pai foi Anglo-Irlandês e estava servindo no Exército Inglês como cirurgiãoo. Sua era grega. Quando completou seis anos, seus pais se
separaram. Ele foi educado na Irlanda. Tinha dezesseis anos, seu
pai faleceu e devido às dificuldades financeiras, teve de sair da
escola. Aos 19 anos, viajou para Cincinnati, Ohio nos Estados
Unidos. Tornou-se um jornalista. Foi às Índias Orientais e depois
ao Japão. Ensinou inglês na cidade de Matsue. Casou-se com
uma japonesa e se tornou um cidadão japonês com o nome de
Yakumo Koizumi. Ficou muito conhecido por causa de seus trabalhos literários, introduzindo a cultura japonesa para os leitores
ocidentais. Faleceu em 1904. www.LafcadioHearn.jp.
VASCONCELOS. op. cit., p. 32-33; www.Lafcadio Hearn.pj.
PEDROZZ, Cônego Alfredo Xavier. Letras Católicas em Pernambuco. Rio de Janeiro: Cruzada da Boa Imprensa, 1939. p. 118.
VASCONCELOS. op. cit., p. 35.
21
18
19
20
21
22
23
24
Ibid., p. 37.
Ibid.
A historiadora Sílvia Cortez Silva estudou “Fronteiras”, analisando as orientações ideológicas de Lubambo e de outros contribuintes da revista. Veja: SILVA, op. cit. p. 144.
SILVA, op. cit., p. 145. (Mesmo tendo uma orientação nitidamente conservadora, Fronteiras abriu suas páginas para jovens
que, no futuro, iriam se revelar progressistas, tais como Antônio
Bezerra Baltar, que escreveu sobre arquitetura e que, em 1954,
iria colaborar com o Pe. Louis Joseph Lebret, 0. P., no Estudo
sobre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste, e como Pe. Aloísio Mosca
de Carvalho, SJ, que escreveu sobre filosofia, que seria o Reitor
da Universidade Católica de Pernambuco, nos anos 1957-1965, e
que, em 1961, inaugurou o primeiro curso universitário de jornalismo no Nordeste. Veja BALTAR, Antônio Bezerra. Arquitetura. Fronteiras. Recife, ano 7, n. 11, 1938, p. 7-8; e, CARVALHO,
Aloísio Mosca, A filosofia de Maurício Blondel. Fronteiras, Recife, ano 7, n. 1-2, 1938, p. 3,13.
AZEVEDO, Ferdinand, SJ, A missão portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste 1911-1936. Recife: FASA , 1986. p.
129-32.
PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães; consolidação e crise de uma elite política. Recife: Massangana, 1984. p. 48.
Lembrança do III Congresso Eucarístico Nacional aos seus
Irmãos do Norte e do Sul; 2-7 de setembro, 1939. Recife: Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica, s/d. p. 68.
LUBAMBO, Manoel. Caixa de Crédito Mobiliário. Fronteiras,
22
ano 7, n. 9, set. 1938, p. l4-5. O governo de Magalhães favoreceu
cooperativas. Veja: PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco
de Agamenon Magalhães; consolidação e crise de uma elite política. Recife: Massangana, 1984. p. 71.
25
Ibid., p. 65-8.
26
PANDOLFI. op. cit., p. 61; AZEVEDO. op. cit., p. 150. Anos
depois da morte de Lubambo, Nilo Pereira deu este depoimento sobre a saída de Lubambo do governo de Agamenon: “Senti,
então, quanto Agamenon Magalhães admirava Lubambo, que
deixou a pasta, dignamente, por motivos pessoais. E o Dr. Agamenon me fez essa confissão: – Se Lubambo fosse vivo, eu o
nomearia novamente Secretário da Fazenda.” PEREIRA, Nilo.
Agamenon Magalhães; uma evocação pessoal. Recife: Editorial Norte-Brasileiro Ltda, 1973. p. 105.
27
Entrevista com BARROS, Anna Maria Lubambo do Rego Barros, Recife, agosto de 2002.
28
Lubambo, Manoel. Inquérito sobre o problema do nacionalismo cristão. Entrevista com Armaund Bernadini da revista
“Chrétienté –Occident”. Fronteiras. VIII, jul. 1939. p. 8-9.
29 Uma conferência do sr. Manoel Lubambo no Itamaraty. JORNAL PEQUENO, 28, mar. 1940: Capitais e Grandeza nacional;
o livro do escritor Manuel Lubambo. A Ordem, Natal, p. 1 - 2.
13, maio. 1940.
30
Tirado do panfleto de propagada sobre o livro “Capitais e grandeza nacional” da proganda da Companhia Editora Nacional, sem
data.)
31
Carta de William P. Everts ao Manuel Lubambo. Boston, Massachusetts, Arpil 28, 1941).
32
Carta do Percy A. Martin ao Manoel Lubambo, Stanford Univer23
33
34
35
36
37
38
sity, April 11, 1941.
WAMBERTO, José. Manuel Lubambo -- uma consciência em
ação. Jornal do Commercio, Recife, Caderno I, p. 13, 1, março,
1943.
Carta do Diretor da Divisão de Imprensa a Manuel Lubambo,
Rio de Janeiro, 25. set. 1940.
LEMBRANÇA DO III CONGRESSO EUCARÍSTICO
NACIONAL. Indústria Gráfica Siqueira Salles Oliveira & Cia.
Ltda., São Paulo,1939. p. 60.
WAMBERTO, op. cit. Interessante notar que a direção donovo
jornal é o próprio José Wamberto.
Humanismo financeiro de Salazar. Folha da Manhã, v. 5, n.
1.267, p. 2, 19. jun. 1942.
BARROS, Anna Maria Lubambo do Rego, Entrevista concedida ao Pe. Ferdinand Azevedo, Recife, ago. 2002. O seu amigo
José Wamberto descreveu, num artigo em 1970, seu contato com
Lubambo pouco antes de sua entrada no Hospital Português. “Na
madrugada de 7, domingo de carnaval (março, 1943), em minha
pensão, recebo um telefonema pedindo a minha presença na Rua
João Ramos, 207, no Manguinhos (onde Lubambo morava.). Ai
encontrei uma clara manifestação de que para mim, um leigo,
não passava de uma ruptura de úlcera estomacal que ele, aliás,
jamais pressentira. Volto à casa do amigo, no dia 8. Parecia melhor, pois ouvia músicas de Albeniz. Por sua insistência, sentamo-nos à mesa para o almoço, o seu último e inacabado almoço,
porque um novo sintoma, mais violento, mais alarmante, nos surpreendeu. Imediatamente fui a Boa Viagem procurar o professor
Ageu Magalhães, e na Piedade, o Pe. Antônio Fernandes. Ao
regressar, já a ambulância o levava para o Hospital Português.”
24
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41
42
43
44
WAMBERTO, José. Jornal do Commercio, Recife, Caderno I, p.
13, 1, março, 1943.
VASCONCELOS. op. cit. p. 38.
Houve outra filha que nasceu dois meses depois da norte de Lubambo, Maria de Fátima, que faleceu criança. Correspondência
de Ana Maria Lubambo do Rego Barros ao autor, em 24 de outubro de 2002, e Manuel Francisco Lubambo, Entrevista concedida ao Pe. Ferdinand Azevedo, Recife, ago. 2003.
WAMBERTO, op. cit.
Carta de Manuel Anselmo à Senhora Manuel Lubambo. Recife,
17, mar. 1943.
VASCONCELOS. op. cit., p. 53-5.
Ibid.
25
AS OBRAS DE MANOEL LUBAMBO
Oferecemos uma apresentação que resume, em ordem cronológica, os trabalhos de Lubambo encontrados em nossas pesquisas. (Não encontramos dois estudos considerados importantes pelos
seus contemporâneos, que são: “Sobre Duarte Coelho e o seu sistema de administração” e “Hierarquia”). No fim, oferecemos nossas
observações.
CARÁTER (1926)
LUBAMBO, Manoel. Carater. Tradição, ano 7, v. 6, n. 36-37, p.
103-109, out. 1943. (Todas as suas citações são deste trabalho.)
Lubambo iniciou sua vida jornalística com um trabalho intitulado “Carater”, escrito em 1926 e publicado na “Revista do Norte,”
em l926. Nele, quis descobrir e descrever o caracter do povo brasileiro e, para nós, é uma janela para ver como o jovem Lubambo
pensava, os valores que abraçava e o estilo jornalístico que usava.
Ficou intrigado ao ler o autor inglês, radicado no Japão, Lafcadio Hearn sobre “jiujútsu” (judô), o qual considerou como uma
expressão do povo japonês. Mesmo achando interessante, não deu
pistas para entender mesmo o que realmente constituiu o povo japonês. Lubambo notou um certa analogia entre a “capoeira” do Nordeste e o “jiujútsu” japonês. À primeira vista, “capoeira” cativa,
mas não oferece pistas adequadas para entender o povo brasileiro.
Por causa disso, Lubambo ironicamente vai dizer: “Há, com efeito,
qualquer coisa da ‘capoeira’ nessa história religiosa (brasileira) onde
há padres que fazem revoluções, e morrem em nome de Jesus pela
26
sua terra, e assumem, temporalmente, regências, e onde bispos são
presos” (p. 103). “Capoeira”, portanto, poderia ser interessante, mas
inadequada para definir o povo brasileiro.
Primeira página do primeiro artigo publicado por Manoel Lubambo,
reeditado pela Revista “Tradição”, num número dedicado a sua homenagem.
Recife, v. 7, n. 36-37, p. 103, out. 1943
27
Deixando “capoeira” de lado, como meio investigativo, Lubambo escolhe o idealismo “liricamente religioso” como chave para
descobrir, de fato, o povo brasileiro. Ao elogiar este idealismo “liricamente religioso”, Lubambo afirma que ele nasceu da luta dos
povos ibéricos contra a civilização árabe. A sua importância reside,
segundo ele, no fato de que o mesmo contribuiu para a força vital
dos povos ibéricos para vencer os árabes. Ainda mais interessante
é que Lubambo localizou a expressão deste idealismo “liricamente
religioso” na arte religiosa, exemplificada basicamente na arte e arquitetura barroca que os Jesuítas popularizaram durante o período
colonial.” E lamentou que o estilo barroco ficasse restrito ao período
colonial (p. 104).
Possivelmente a afirmação mais impressionante neste artigo
é a seguinte:
”Independência política não dá feição a povo nenhum” (p.
104). Então o que dá esta feição? A resposta de Lubambo é -- “religião”. E isto foi dito em 1926, quase onze anos antes da luta contra
as comemorações do Terceiro Centenário da chegada de Maurício da
Nassau, a Pernambuco, quando Lubambo diria que a resistência do
povo contra os holandeses veio da força da religião. Estas são suas
palavras: “O belo, porém, é que o espírito católico do povo não só
resistiu ao calvinista, como chegou mesmo, heroicamente, a progredir no seu fervor” (p. 104).
Entendendo sua preferência cultural, não achamos
surpreendente sua reação aos acontecimentos do século XIX no
Brasil e aos episódios em que “...há padres que fazem revoluções, e
morrem em nome de Jesus pela sua terra, e assumem, temporalmente,
regências, e onde bispos são presos...” . Esses eventos são considerados
como “capoeira”, coisas interessantes, mas, de fato, aberrantes para
28
entender o que era o povo brasileiro. Por que aberrantes? Porque
as tradições da época colonial, segundo Lubambo, não foram
respeitadas, de fato, foram destruídas. E vejamos como ele disse
isso claramente:
Entretanto, todo o belo esforço católico de conservação da tradição, um século de independência vem obliterando tristemente. Um
século de independência que é a deformação, a descaracterização,
lenta, metódica, sistemática, duma nacionalidade” (p. 105).
Além desta preferência pelo período colonial, Lubambo formalizou
sua participação no Movimento Monarquista no Recife de Guilherme Auler, oito anos mais tarde, em 1934. (Vasconcelos, João. Manoel Lubambo. Recife, Tradição, 1944. p. 60).
Lubambo continua seu argumento nesse artigo, também,
com referência à literatura brasileira: “A nossa literatura não vem
das camadas profundas das tradições do país, não é um movimento
de baixo para cima, mas de cima para baixo. É antes imposta aos
pendores naturais do povo, à sua alma, ao seu caracter mais íntimo,
por uma pequena minoria livresca, lida em francês, em italiano e em
inglês; uma minoria que não pode ser a nossa voz, uma minoria de
‘deracinés’ (p. 107).
Por fim, Lubambo fala sobre a cozinha brasileira, especificamente, a cozinha nordestina. Aqui, também, consternado, descreve:
“Ora vejam o que eu fui encontrar, no outro dia, num cardápio de
hotel, este nome horrivelmente pedregoso na quantidade de consoantes: WURST VON SCHWSIKOPF MIT PEPINO. Espantado,
indaguei do garçom que diabo era aquilo. Ele nem soube explicar;
mas eu cuido ter ouvido alguma coisa parecida com cabeça de porco,
cabeça de porco à alemã” (p. 108). O que ele elogiava, porém, era a
cozinha nordestina. Revelando sua inclinação poética, para afirmar
29
o caracter do povo brasileiro, diz: “Eu encontro em nossa cozinha
– a saborosa cozinha mestiça do nordeste–a que o côco dá um gosto
todo seu – todas aquelas virtudes de que fala Nabuco numa das suas
melhores páginas; eu encontro sentimento, tradição, culto da família, caracter, religião, nessa cozinha que a todos nos reúne, os do
nordeste, como forte laço nacional!” (p. 108).
Mais tarde, Lubambo, neste momento, um jovem de vinte e
três anos e com uma personalidade forte, iria escrever sobre outros
assuntos, mas com este artigo revela sua postura, bastante mas não
totalmente definida. O seu estilo, lógico e sistemático, é adoçado pelas suas percepções artísticas e culturais. Segundo ele, os valores do
povo brasileiro são orgânicos e vem da península ibérica, do período
colonial e todo o seu conjunto de tradições nas quais a religião seria
o ingrediente predominante. E mesmo não elaborando sua referência de que ”Independência política não dá feição a povo nenhum”,
subentendida, ao nosso ver, o que é todo aquele conjunto de influência do liberalismo e do pensamento iluminista. Para Lubambo,
esta tradição é muito abstrata, muito filosófica. Preferia coisas mais
realistas, mais práticas, com os pés no chão, enfim, mais orgânicas,
dando um caracter todo especial (isto é o objetivo do artigo) às suas
expressões literárias, artísticas e arquitetônicas. O emergente jornalista continuaria a defender agressivamente esta posição com todas
as suas consideráveis habilidades de persuasão.
30
DISTRIBUITISMO (1927)
LUBAMBO, Manoel. Distribuitismo. Frei Caneca. Recife, v. 1. n. 1,
p.3, 1, out. 1927.
Além de ser nacionalista, Lubambo, também, é regionalista.
E no artigo intitulado “Distribuitismo”, tema que foi popularizado
pelo escritores ingleses Hilaire Belloc e Gilbert Keith Chesterton
no início do século XX, defendendo não somente a importância do
pequeno proprietário, mas os valores que o mesmo representa, Lubambo valoriza o conceito de “regionalismo”, principalmente o do
Nordeste. Introduz o assunto desta maneira:
Com um vário programa de reação mental que abrange, no terreno
político ou nacional, um ideal mais restrito de pátria, pois acreditamos
na possibilidade duma pátria boa sem ser grande, artisticamente, o
regionalismo porque queremos meter em relevo os valores estéticos
do Nordeste, abraçamos no terreno social as teorias por que se bate
na Europa uma pequena minoria de gente moça chefiada por dois
velhos: Chesterton & Belloc. Abraçamos as teorias a que deram o
nome de “Distribuitismo”[....].(p. 3.)
(Para ajudar o leitor a entender o que é “Distribuitismo”, achamos
útil apresentar uma recente explicação do historiador Jay P.
Corrin. “Distribuitismo salientou a importância de propriedades
privadas amplamente distribuídas e uma restauração do controle
pelo trabalhador em comércio, agricultura e indústria seguindo
a orientação das guildas medievais. A idéia foi inspirada pela
“Rerum Novarum”, porém Distribuitismo foi além do que foi
entendido nesta encíclica. De fato, a mesma articulou um sistema
ou um planejamento social e econômico e prático que foi muito
mais completo do que qualquer outra sugestão anterior nos círculos
católicos. Como tal, foi, sem dúvida, o movimento sócio-político
mais influente no mundo cultural inglês, funcionando tanto como
inspiração e um modelo quanto como uma grande variedade de
programas econômicos e sociais.(Distribuitism emphasized the
importance of widely distributed private propietorship and a
31
restoration of worker control in commerce, agriculture, and industry
along the line of medieval guilds. The ideal was inspired by Rerum
Novarum, yet Distributism went beyond what was adumbrated
in this enclical. Ultimately it articulated a system or practical
economic and social planning that was far more complete than
anything else prodeced in Catholic circles. As such, it as arguably
the single most influential catholic sociopolitical movement in the
English-speaking world, serving both as an inspiration and a model
for a large variety of economic and social programs.) (Corrin. Jay.
P. Catholic Intellectuals and the Challenge of Democracy. Notre
Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 2002. p. 155.)
Sempre criativo, Lubambo assim desenvolveu seu artigo sobre
“Distribuitismo” assim:
A idéia do Distribuitismo lançou-a Chesterton em 1910, mas não é
tão nova quanto parece. Por Distribuitismo pode-se compreender
a idéia de dar a todo o cristão uma casa. A idéia da pequena propriedade. Ora, a pequena propriedade é coisa velha como Roma,
talvez mesmo mais velha do que Roma, ao lado dos grandes latifundiários coexistindo sempre o pequeno agricultor com sua lavoura e
sua hortaliça (vejam: “Le Capitalisme dans le monde antique”, de
G. Salvioli).
No Distribuitismo temos a única e verdadeiramente eficiente reação
individual contra a experiência russa. O grande mal do capitalismo
(aqui estão todos de acordo) é a concentração da riqueza nas mãos
dum pequeno número de magnatas felizes. Contra essa concentração
dos magnatas felizes que prega o socialismo? A concentração dum
magnata mais perigoso – o Estado – porque o Estado torna-se um
magnata frio, cujos caprichos são reduzidos a sistema. É a concentração em grande aplicada como remédio à atual concentração. Ora,
o único remédio para uma concentração é evidentemente a desconcentração. O pensamento é de Chesterton: ‘Thus the socialist says
that property is already concentrated in Trusts and Stores: the only
hope is to concentrate it further in the State. I say the only hope is to
unconcentrate it, that is, to repent and return: the only step forward
is the step backward.” (Assim, o socialista diz que a propriedade já
é concentrada nos Monopólios e Empressas; a única esperança é
32
centralizá-la ainda mais no Estado. Digo eu que a única esperança é
descentralizá-lo, isto é, penitenciar-se e voltar; o único passo para a
frente é o passo para trás.) Esse passo à retaguarda veremos já o que
significa. Significa a volta àquelas condições do viver medieval tão
profunda e estupidamente alteradas, no continente, pela intrusão do
capitalismo, e na Inglaterra pela sórdida ganância, mais própria de
judeus do que de aristocratas, dos “Lords of the mannor”; ganância
estimulada pela coroa, por uma série escandalosa de doações ilegais
de terras de uso coletivo às famílias dos grandes da corte (“De la
proprieté”, LAVELEYE, p. 3.)
Lubambo aceita a orientação de Chesterton quando diz:
Nós – os distribuistas – temos um conceito de propriedade: a continuação na terra do próprio homem, a extensão compreendida pelo
seu círculo visual. Conceito fecundo de propriedade que contém
em si o reconhecimento da liberdade do homem e dos limites do homem; e tão contrário a um tempo à anulação da posse do socialismo
como à absorção da posse do capitalismo, conceito que a Idade Média tão bem realizou. Na Idade Média a vida corria doce e com vagar. Cristãmente. Não havia ainda a chamada volúpia da velocidade
– perigosa volúpia que termina sempre com o nariz quebrado (p. 3).
Lubambo sustenta que a terra, entendida como extensão do
homem, favorece a formação das comunidades familiares e as personalidades de seus membros. Voltando ao pensamento de Chesterton,
Lubambo continua:
Nós (distribuistas) queremos para cada cristão uma casa; a pequena
propriedade rural; uma organização industrial baseada em corporações; no comércio, a vitória do pequeno comerciante sobre o atacadista. O Distribuitismo vê o indivíduo não como o capitalismo,
sujeito aos altos e aos baixos de sua capacidade de rapina, nem panoramicamente, como o socialismo, mas, mais realistamente, como
uma unidade distinta, cujos interesse é preciso considerar e destacar
independentemente dos interesse do milhão. E é no limitar a am33
bição do homem e no destacar a personalidade e os interesses do
homem que está o fundo cristão do Distribuitismo.
Nesta parte do artigo, Lubambo trata dos argumentos contra o
“Distribuitismo”. O mais importante é que o Distribuitismo com a
idéia de pequenas propriedades não pode competir com os grandes
capitalistas ou com as coletividades dos socialistas. Lubambo responde, explicando que os pequenos proprietários podem aproveitar
as vantagens do corporativismo e suas associações. Cita o exemplo do “Boerenbond” na Bélgica e os pequenos proprietários nos
Estados Unidos depois da Guerra Civil no século XIX. Contra o
argumento de que os capitalistas e socialistas facilitam as especialidades de funções, Lubambo deu uma resposta, pelo menos, curiosa,
dizendo que “Toda especialidade significa invalidez” e um homem
do campo “vale mais por dez homens”. Nesta resposta, Lubambo
valoriza surpreendentemente as qualidades do camponês.
O artigo termina abruptamente e achamos que Lubambo, mesmo sem qualquer indicação para sua continuação, iria desenvolvê-lo
noutro número do jornal. Em todo caso, Lubambo revela mais uma
vez sua inclinação pelos valores da Idade Média e o tema de “Distribuitismo” lhe oferece uma boa oportunidade para defender o seu
próprio pensamento.
LUIS, JOAQUIM, MANUEL (1927)
LUBAMBO, Manoel. Luis, Joaquim, Manuel. Frei Caneca. Recife, v. 1, n. 1, 17, p. 8, out. 1927.
No mesmo número do jornal raro de “Frei Caneca” , Lubambo
já revela sua outra paixão, a pintura. Escreve sobre três pintores:
Luis Jardim, Joaquim Cardozo e Manuel Bandeira. O que chama a
34
atenção é como Lubambo, na sua juventude, define o papel do artista. Na sua introdução nos diz:
Confundem dignidade em arte – ou exigindo temas que não firam a
pudícia dos Beranger da arte ou exigindo a técnica fóssil dos manuais – com dignidade moral. Ora, nada mais absurdo. O artista não
tem obrigação de ser nenhum “prud-homme”. o que aliás é muito
bonito num pai de família ou num vereador. não num artista. A dignidade do artista – segundo G. K Chesterton – está na sua obrigação
de conservar acordado no mundo o senso do espanto. E ninguém
fique zangado comigo si eu disser que o papel do artista não é apenas o de espantar o mundo mas escandalisar o mundo. Em arte só
uma dignidade: o escândalo.
Vamos tentar escolher as observações mais importantes de Lubambo sobre esses três artistas. Luis Jardim, cujo forte, segundo
Lubambo, é o negro, é o mais jovem dos três e o mais excêntrico.
Como todo menino brasileiro do Norte ele cresceu entre vivas sugestões negras; entre yayás gordas lustrosas ao sol e vistosas nos
seus encarnadões de chita. vendo rainhas de maracatú mais belas
com suas coroas de papelão do que rainhas de verdade; bebendo o
leite e ouvindo canções de boas mães pretas sentimentais, ouvindo
Congo, ouvindo Xangô. Daí aquele seu jeito que eu não faço senão
exaltar pelo preto. Porque no preto terá a pintura do Nordeste talvez
o seu primeiro ponto de diferenciação da pintura do Sul.
No trabalho de Joaquim Cardozo, Lubambo gosta da ingenuidade de seus desenhos. Diz o seguinte:
[...] desenha assim como um menino grande, jogando pião – à toa.
Indolentemente.
É uma qualidade que não escapa nos desenhos de Cardozo – a indolência do traço, certa volúpia no riscar peitos em bicos e ancas
de mulatas que lembra a volúpia não de quem está riscando mas
apalpando peitos e ancas de verdade.
35
Mesmo tratando principalmente de pintura, Lubambo termina
sua apreciação de Cardozo, fazendo referências à sua poesia:
É essa impressão que me dão os seus desenhos – impressão que também me
dá a sua prosa dum tão delicioso por – fazer e que me dão os seus versos.
A impressão de que estamos diante dum descrente, dum insatisfeito, dum
desconfiado da beleza. Dum agnóstico de nova espécie.
Para fazer suas apreciações sobre Manuel Bandeira, Lubambo
fez uma visita à casa do pintor. Encontrou obras de Bandeira diferentes daquelas associadas com ele, tais como “telhados românticos,
das casas grandes de engenhos, das barcaças, dos pateos e dos caes...”
Em vez disso, descobriu um Bandeira:
[...] com um verdadeiro domínio da linha e da cor, o que eu desconhecia – a linha duma ‘souplesse’ admirável em certos nús, a cor
profundamente moderna também a linha naquele preto onde não há
nenhum respeito pela perspectiva, como nos cubistas.
Um Bandeira talvez mais cerebral e menos sentimental, mais inteligentemente crítico. Mais moderno. Mas um moderno cuja marca
individual estará sempre numa qualidade pouco ou mesmo antimoderna; naquela ternura que ele derrama por telhados e fachadas, naquele traço de tão doce e forte evocação, naquilo que eu chamarei a
qualidade patética da pintura de Manuel Bandeira.
A PROPÓSITO D’UM ARTIGO DO SR. AGRIPINO GRIECO
(1927)
LUBAMBO, Manoel. A propósito d’um artigo do Sr. Agripino Grieco. Frei Caneca. Recife, v. 1, n. 1, p. 2, out. 1927.
Este é o terceiro artigo nesse número raro do jornal “Frei
Caneca” e revela mais uma vez Lubambo como um homem polivalente cultural. Desta vez, faz avaliações sobre arquitetura. Lubambo
reage a um artigo, intitulado “O Evangelho de Porcopolis”, escrito
36
por Agripino Grieco, crítico de arquitetura do Rio de Janeiro. Nele,
Grieco afirma que não gosta da “moderna arquitetura americana”
que ele chama de “besteira de quarenta andares arranhando o céo
[...]”. Lubambo escreve não para defender a arquitetura americana,
ao contrário, escreve para atacá-la, mas não como Grieco. Aqui vem
sua explicação:
Porque o sr. Agripino Grieco ataca na América justamente o que ela
tem de bom: os seus extremos de brutalidade. Ora, todo extremo
é belo. O feio é apenas o meio termo. Ele ataca a arquitetura dos
arranha-céos. Não vê que a arquitetura dos arranha-céos significa
o belo extremo d’uma arquitetura aparentemente feia; não vê que
o arranha-céo, mesmo alterando aquilo a que posso chamar o senso tradicional das ruas, ruas mais simpáticas ao homem e menos
simpáticas às rodas e ao bruhaha dos veículos, trouxe para a cidade
americana um desenvolvimento revolucionário que implica a um
tempo uma eficiência e uma estética nova: aquilo que Cardoso classificou como o desenvolvimento esférico das cidades americanas.
É sobre a crítica de Grieco à forma do “box” que Lubambo tem
algo positivo a dizer sobre a arquitetura americana:
E fala (Grieco) do box com um desdém que é apenas uma incompreensão absoluta da direção que vai tomando a civilização contemporânea -- uma civilização que reage contra a decadência próxima
procurando se revigorar na própria barbaria. Porque é preciso não
esquecer o seguinte: que o futuro da civilização está mais no Harlem, o bairro negro de Nova-York, do que na bela ordem, de que fala
o sr. Agripino Grieco, dos jardins de Versailles.
37
CHIRICO (1932)
LUBAMBO, Manoel. Chirico. Fronteiras, Recife, v. 1, n. 4 p. 5,
set. 1932.
Poucas palavras sobe “Chirico”, ao qual Lubambo deu um
subtítulo, “A nostalgia do Infinito” e cujo texto se segue integralmente:
Chirico ou a pintura que conheceu o tempo. Não o tempo do relógio das
‘Alegrias e os enigmas duma hora estranha’ -- aquela dimensão terrestre’ mas o tempo categoria do infinito. Diante das suas paisagens
em que há frio e silêncio, diante das suas estatuas que andam para
alguma parte, ou das suas fachadas em arcadas que avançam para
os planos da distância, ou das suas sombras que se alongam como
mensagens do além, ou das suas perspectivas em marcha, ou dos
seus boieiros de fabricas paradas, ou dos seus faroes, ao lado das sua
cabeças clássicas ou dos seus cavalos fantásticos -- eu sinto a premonição
da morte. Há flamulas sopradas por um vento estranho, há homens que se
dirigem ou olham para alguma parte ou dizem alguma coisa. Há sinais nos
horizontes imensos, há estatuas que pensam, há trens que partem, há velas
de veleiros, há bocas de fogo. Há sentido e há mistério. Em presença de
Chirico eu sinto o Espirito.
HITLER E A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL (1934)
LUBAMBO, Manoel. Hilter e a civilização Ocidental. Tradição,
Recife, ano 10, v. 9. n. 55, p. 135-137, mar. 1946. (Todas as suas
citações são deste trabalho.)
Neste artigo, Lubambo revela sua posição sobre Adolf Hitler
em 1934 quando o ditador gozava de grande prestígio. Supomos que
o mesmo foi, de fato, publicado em 1934 em algum lugar visto que o
editor da Revista Tradição, que começou em 1937, disse, no seu editorial, em março de 1946: “Republicamos neste número de Tradição
o artigo do nosso desditoso amigo Manuel Lubambo intitulado ‘Hi38
tler e a Civilização Ocidental’. O artigo é velho. Foi escrito quando
o ditador alemão estava em plena glória” (p. 110).
Lubambo reagiu a um artigo, escrito pelo escritor católico e
biologista Hamilton Nogueira sobre Adolf Hitler e Joseph Gobineau
no “Jornal Estado”, e o intitulou “Hitler e a civilização ocidental”
por causa da seguinte afirmação de Nogueira: “...católicos vêem no
hitlerismo uma esperança como meio humano na restauração da civilização do Ocidente” (p. 135). Nogueira, muito a favor do Hitler,
naquele momento, recebeu esta resposta enfática de Lubambo:
O artigo em questão contém, é certo, formais reservas a certas
doutrinas do movimento hitlerista, particularmente à doutrina
da superioridade da raça alemã, implícita no ‘racismo’ (e nisto
o escritor fluminense mostra-se duma moderação perfeita no seu
estudo), mas admitindo que o hitlerismo é, ou pode ser, um meio
de restauração da civilização ocidental, ele adianta um juízo que
nenhum católico informado da filosofia política de Hitler pode endossar (p. 135).
Como se isso não fosse suficiente, Lubambo acrescentou:
Na minha opinião, nenhum pais menos qualificado para salvar a
Europa, e os valores europeus, – valores de que (Hilaire) Belloc
em ‘Europe and the Faith’, o monumental livro, e (Henri) Massis
na ‘Defense de l’Occident’, mostraram a límpida filiação católica e
galo-romana – do que a Alemanha. Menos ainda a Alemanha hitleriana (p. 135).
Lubambo não foi menos enfático em relação a Joseph Gobineau – outro autor elogiado por Nogueira, e suas idéias sobre religião,
aproveitadas pelo regime nazista. Lubambo, de novo: “A Gobineau
– o homem que traiu a latinidade e que falava sempre no ‘sacerdote de Odin e Thor’ que havia em si – deve a doutrina o dogma
39
da ‘raça’...” (p. 135). Mais irritante foram as suas idéias sobre o
cristianismo. Gobineau afirmava um “cristianismo especial para a
‘superior’ raça germânica” e queria expurgar do cristianismo tudo o
que ele chamava de “infusão semítica”(p. 135). Queria um “Cristo
Ariano” e desvalorizou o Velho Testamento, dizendo que o mesmo
foi “impregnado do espírito judaico” (p. 136). Lubambo só podia
lamentar que os nazistas conseguissem vender 100.000 cópias do
livro de Gobineau, “Gênese do Século Dezenove” somente na Alemanha (p. 136).
Parece que Nogueira também tratou em um artigo, da Concordata recentemente assinada entre o Vaticano e a Alemanha. Nogueira
achava que, com isso, o Vaticano dava a aprovação ao regime nazista. Lubambo, porém, discordava e argumentava da seguinte forma:
Alias – é preciso acabar com esse erro estúpido que anda por aí
– uma Concordata nada tem a ver com o reconhecimento dos regimes dominantes nos Estados que assinam. Uma Concordata tem
sempre em vista o povo, a nação, isto é, salvação espiritual do povo,
da nação, porque é com a nação que a Igreja gosta de se entender. É
um ato puramente político. É um ato que nem sempre indica amor,
indicando, muitas vezes temor. É um pacto entre forças que se
temem. É um ‘modu vivendi’ (p. 136-137).
Lubambo termina o seu artigo, criticando a Prússia. Fez
isso, citando o escritor inglês, Gilbert Keith Chesterton: “Eu (G. K.
Chesterton) defendo um fato histórico, pelo qual milhares de ingleses
e franceses, os mais prudentes como os mais bravos, deram a sua
vida, o fato que a Prussia desviou os destinos não só da Alemanha
como da Europa” (p. 137). E continuou, dizendo que os nazistas
são: “... como selvagens que não puderam se acostumar com essa
coisa complexa que se chama civilização.” (p. 137).
40
AÇÃO ECONÔMICA E FINANCEIRA (1934)
LUBAMBO, Manoel. “Ação” Econômica e financeira. Ação Pernambucana. Recife, v. 1, n. 2, p. 3, maio, 1934.
Nesse artigo, Lubambo faz suas observações sobre duas teses apresentadas, respectivamente por Alfredo Freyre e por Cristiano
Cordeiro que se candidataram para catedrático de Economia Política provavelmente na Academia de Comércio do Recife. Ele escreve
mais favorável sobre a tese de Freyre, apesar de não concordar com
seu entusiasmo pela doutrina de Keynes. Em relação à tese de Cordeiro, é mais lacônico e irônico:
Quem conseguiu sair das 40 páginas dessa tese com uma idéia clara
do que pensa o sr. Cristiano sobre as crises, em particular, sobre a
crise atual, esse é um homem para ser felicitado. Invejamo-lhe o
craneo.
A PROPÓSITO DO ÚLTIMO LIVRO DO SR. OCTÁVIO DE
FARIA (1935)
LUBAMBO, Manoel. A propósito do último livro do Sr. Octávio de
Faria. Fronteiras, Recife, v. 4, n. 9, p. 9, dez. 1935.
Este número de “Fronteiras” é o primeiro da sua nova fase.
O jornal parou em março de 1933. O jornal mensal voltou com um
novo subtítulo, “ordem: autoridade: nação” e logo abaixo, “Letras
Arte Ciência”, sob a direção de Manoel Lubambo, e com a ajuda de
Vicente do Rego Monteiro e Guilherme Auler na redação. Seria interessante notar a razão apresentada pela direção do reaparecimento
da revista:
41
Ao editarmos novamente este mensário pretendemos fazer uma segunda tentativa no sentido de dotar o nosso Estado dum veículo,
ágil e atual das idéias de direita. O golpe extremista do dia 24 (nov.)
só veio acentuar a necessidade dum jornal desta feição. Que todos
tenham a exata noção do perigo, que ainda não passou e compreendam o alcance do nosso esforço, eis os votos de Fronteiras (Fronteiras, Recife, v. 4, n. 9, p. 12, dez. 1935).
No artigo, Lubambo discorda da crítica de poesia de Octávio
de Faria, especialmente sobre a teoria de poesia defendida por ele.
Faria é influenciado pelo filósofo Nietzche e defende uma classificação rígida sobre o que ele considera o fenômeno poético. Por
exemplo, afirma que “a alegria é incompatível com a poesia”, e “[...]
desligada do sofrimento, a poesia perde todo o seu interesse com a
sua própria razão de ser”. Para Lubambo tais afirmações limitam a
poesia demasiadamente.
Lubambo prefere um horizonte mais amplo e diz: “Quando
falo em fenômeno poético lembro-me de ‘mágica’”. Neste contexto
categorias poéticas se tornam muito flexíveis.
Faria também tem restrições sobre os pormenores da vida,
achando-os muito pobres para ser considerados tópicos dignos para
a poesia. E a resposta é umas linhas de “Pensão Familiar” de Manoel Bandeira:
Um gatinho faz pipi
Com gestos de garçon de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sae vibrando com elegância a patinha direita.
É a única criatura fina na pensãozinha burguêsa.
42
O PREÇO JUSTO (1936)
LUBAMBO, Manoel. O justo preço. In: LUBAMBO, Manoel. Olinda e outros ensaios. Tradição, Recife, 1945. p. 53-78. (A maioria
das suas citações são deste trabalho, senão seria indicada a sua fonte.)
Durante a Semana de Estudos Corporativos no Centro Dom
Vital do Recife, em 1936, Lubambo apresentou o ensaio intitulado
“O Preço Justo”. (Anselmo, Manuel. Manoel Lubambo, mestre brasileiro do futuro. IN: Manoel Lubambo, a amizade luso-brasileira e
a latinidade (duas conferências em Pernambuco). Recife, Ciclo Cultural Luso-Brasileiro, 1943. p. 59.) Ciente dos seus críticos, adotou,
logo, uma postura defensiva: “A Idéia do justo preço aparece com
tanta insistência na história que dela pelo menos – como aconteceu,
por exemplo, com o salário familiar – já não se pode dizer que é
uma criação do ‘obscurantismo’ medieval ou uma ficção de amadores economistas. Ela responde a um sentimento tão profundo no
homem – o da justiça, o da estabilidade, o da ordem – que é impossível erradicá-la do espírito humano”(p. 55). Conhecido pela sua
inclinação para idéias medievais, não é surpreendente que, neste ensaio, vai se baseaie no autor Artur Penty, que defende as pequenas e
médias empresas, evocando os sistemas de guildas da Idade Média.
(Artur J. Penty fazia parte do Guildismo: “Movimento que se desenvolve em Inglaterra no começo do século XX. Defende a união dos
trabalhadores em guildas tendo em vista a fiscalização da produção.
Influenciado por Buchez, Ketteler e Mun, mistura as idéias socialistas com algumas das propostas dos movimentos sociais cristãos e cooperativos. No plano político global, o movimento é assumidamente
pluralista, contra o Estado Servil e o soberanismo. Defende a auto43
nomia dos grupos dentro do Estado, entendido como Estado Supletivo e o conseqüente federalismo. Não deixa de propor uma espécie
de regresso ao espírito medieval, nomeadamente pelo elogio daquilo
que mais tarde será qualificado como pequena e média empresa. Tem
como principais doutrinadores Chesterton e H. Belloc. Começa em
1905, como puro movimento intelectual, principalmente pela ação
da revista New Age. Mas em 1915 desce ao terreno com a criação
da National Guilds League” (www.icsp.ult.pt). Lubambo divide este
ensaio em duas partes. Na primeira, define o que é o preço justo, e,
na segunda, o regime no qual o preço justo pode funcionar.
Para definir o que é o preço justo, é necessário, segundo Lubambo, entender dois importantes itens na sua definição: a moeda
e o valor. Citando Santo Tomás, Lubambo explica: “[...[(a moeda)
é um instrumento ou meio de troca, ‘o seu uso próprio sendo, por
isso mesmo, o seu consumo ou sua alienação segundo o que se gasta
nas trocas’. É um veículo. Segundo (Charles) Antoine, ela oferece
alguma analogia com os meios de transporte, porque uns e outros
são instrumentos da circulação’. Existem para servir às trocas” (p.
57-8). Deste entendimento, Lubambo tira duas deduções: “[...]o papel da moeda é perfeitamente limitado. Ela só funciona enquanto
está promovendo o encontro das coisas que são objeto das trocas,”
e “[...]que não se pode cobrar juros pelo dinheiro emprestado, respeitadas, bem entendido, as hipóteses conhecidas. Sto. Tomás já
dizia em conclusão à definição da moeda acima citada, que ‘é ilícito
aceitar um preço pelo uso do dinheiro emprestado – preço a que se
dá o nome de usura” (p. 59). Lubambo explica:
“Este princípio foi central no pensamento econômico da Idade-Média. Para os medievais – e Sto. Tomás foi nesse ponto o primeiro
a fixar a boa doutrina – o empréstimo duma coisa fungível não é,
44
em rigor um empréstimo, mas uma venda. Uma venda porque com
a tradição da coisa não se transfere apenas o uso, mas, com o uso,
a própria coisa; isto porque o uso do fungível acarreta necessariamente a sua destruição. Mas, sendo uma venda, o empréstimo de
dinheiro tem que se subordinar à regra comum dos contratos, ao
seu fundamento mesmo, que é a igualdade entre comprador e vendedor. Ou, em outros termos, tem que se subordinar à fixação dum
justo preço. No caso do fungível ser mercadorias o justo preço é a
devolução de mercadoria do mesmo valor que as emprestadas; no
caso de ser dinheiro, é devolução duma importância de igual valor.
(p. 59-60)
Resumindo, Lubambo diz: “..é que a moeda não ‘cresce’. Não
cresce por se mesma. Ela é segundo a palavra dos teólogos estéril”
(p. 61). Podemos perguntar como é um empréstimo no sentido comum, isto é um empréstimo bancário? Responde Lubambo: “Os
escolásticos admitiam que se poderia ‘tirar lucro do dinheiro’ (de
pecunia lucrari). Mas , como adverte George O’Brien esse lucro não
vinha da ‘pecunia’, mas da aplicação do trabalho sobre a soma. Do
braço sobre a moeda” (p. 61).
Agora Lubambo explica o segundo item, que é mais complicado: o valor. Alguns autores defendem que o valor é subjetivo, outros, que é objetivo. Lubambo segue a explicação de George Valois,
que defende ser o valor objetivo. “Se pode haver trabalho sem valor
não pode haver valor utilisável sem trabalho”(p. 63). E continua:
“Ha, como se vê, esforço e trabalho em todo o valor que o homem
tem em suas mãos, e é este esforço e este trabalho que constituem a
medida final do valor”. Assim se exprimindo, Valois está na linha do
pensamento mesmo de Sto. Tomás, que via no valor quatro elementos, todos objetivos: ‘diversitas loci vel temporis, labor, raritas’”(p.
64).
45
Tendo os dois itens do justo preço já definidos, Lubambo pode
nos dar a definição do justo preço: “O preço que, expressando o valor, considerando objetivamente, assegura o ‘uso próprio’ da moeda,
isto é, o uso da moeda como um simples veículo das trocas. O preço
sob o qual a moeda pode conservar-se praticamente ‘estéril’”(p. 64).
Elaborando ainda mais, diz: “...o preço (justo) tem uma base objetiva, que é a sua medida final. Base objetiva que abarca desde as despesas de produção, como a direção, a técnica e a mão de obra, como
as despesas relativas á remuneração do solo, dos capitais invertidos
e da concepção” (p. 65).
Uma vez definido o preço justo, Lubambo olha para o regime
de produção no qual o preço justo pode funcionar. De repente, Lubambo nos surpreende com a afirmação de que o justo preço, como
definido, não pode funcionar numa economia liberal. O ponto de
referência da definição de Lubambo para o justo preço é a Idade Média num sistema de guildas, no qual o controle da produção permitiu
que o preço justo pudesse funcionar como um regulador do mercado.
Numa economia liberal, o regulador é a lei da procura e da oferta.
Lubambo concorda com esta teoria somente em parte. Segundo ele,
o grande vilão é a falta do controle de produção (p. 66). Nas guildas,
os mestres controlavam a produção, mas num mercado livre, com
máquinas de grande capacidade de produção, sob o controle de especuladores, nem a lei da procura e da oferta funciona. Nem os chefes,
numa economia planejada, conseguem regular tudo. Lubambo cita
Max Hermant: “Quando tudo é dirigido, é necessário que os chefes
sejam sobrenaturais; se cometem o menor erro nas suas previsões,
precipitam milhões de homens num desastre”(p. 67). Se a saída é
a regulamentação, quem seria o regulador? Na Idade Média, foi a
46
Corporação ou o Município. Para o contexto histórico de Lubambo,
seria o Estado, mas ele não desenvolve esta idéia.
Visto que a superprodução, segundo Lubambo, não era conhecida na Idade Média, a Corporação não tinha que enfrentar esta dificuldade. Este fato facilitou e muito o funcionamento do preço justo.
Outra vez, Lubambo apela para a prática da Idade Media, em que a
teoria e a prática estavam muito próximas. Cita o teólogo Heinrich
von Langenstein, que explica os critérios para chegar ao preço justo:
“Os preços foram freqüentemente fixados pelas autoridades, pelas
Corporações e pela Igreja. E a regra geral era que o Príncipe devia
formar um meio termo entre um preço tão baixo a ponto de tornar
os lavradores artífices e mercadores incapazes de se manter convenientemente, e um preço tão alto que impedisse os pobres de obter
tudo necessário a vida” (p. 69). Lubambo fecha o seu argumento,
estabelecendo a relação entre a idéia corporativa e a idéia do justo
preço: “É a que há entre um órgão e a sua função” (p. 70).
Seguindo esta lógica, Lubambo afirma que a função principal
da Corporação da Idade Média foi a fixação do preço: “Foi para fixar
o justo preço – o das utilidades, o dos salários, o do dinheiro – que
o organismo corporativo foi se formando paulatinamente através da
Idade Média. Foi para tornar esse preço uma realidade, e não apenas
um ideal, que os medievais a conceberam” (p. 70). Para alcançar
isso, foi necessário controlar todos os aspetos de produção. De fato,
criou-se uma economia planejada, com limitações ainda sobre hipoteca, herança e usura. Entretanto, a agricultura fugiu do controle
da Corporação (p. 72). Tudo isso para evitar monopólios e especuladores. Evidentemente, a liberdade econômica foi sacrificada por um
bem maior – a estabilidade econômica. Lubambo elogiava bastante
os resultados desse uso do justo preço:
47
Foi entretanto, o controle admirável das finanças – exercício principalmente pela Corporação, subsidiariamente pelo Príncipe – que
permitiu a existência daquele ‘distributive State’ – de que fala (Hilaire) Belloc. Quando falo (Lubambo) em controle das finanças
quero dizer controle indireto, porque o direto é claro que só podia,
de direito, caber ao poder público. O poder público, porém, em
geral falhava a essa função disciplinadora. À Corporação competia,
então, fazer funcionar os freios necessários à sua segurança, quando
oportuno. O freio principal era o justo preço (p. 74).
Lubambo termina o ensaio assim:
Preocupados não só em distribuir a riqueza, mas em dar a essa
distribuição o caráter de fixidez necessário à maravilhosa obra de
estabilidade social e econômica que realizaram durante cerca de
três séculos, os produtores da Idade Média, com a Corporação,
organizaram o mais rudimentar e empírico, mas ao mesmo tempo
o mais rendoso, aparelho financeiro de todos os tempos. Desse
aparelho financeiro, o justo preço foi o eixo (p. 76).
Em geral, Lubambo tentava de tirar proveito das idéias medievais para o seu período histórico. Com este ensaio foge dessa
norma apesar do fato que, na sua introdução, deu a impressão de
que estava indicando que iria fazer exatamente isto. Ao contrário,
não sugere como a idéia do justo preço podia ser aproveitada no contexto da década de 1930, porém, disse enfaticamente que a mesma
não podia funcionar na economia liberal. Este trabalho, então, é um
interessante ensaio histórico da importância do justo preço na Corporação da Idade Média.
48
UMA NOTÍCIA SOBRE VICENTE DO REGO MONTEIRO
(1936)
LUBAMBO, Manoel. Uma notícia sobre Vicente do Rego Mongeiro.
Fronteiras, Recife v. 5, n. 15, p. 1-3, julho, 1936.
Compartilhando as mesmas convicções monárquicas e religiosas, Lubambo foi um grande amigo de Vicente do Rego Monteiro
e esta apreciação bastante favorável não surpreende. Suas observações sairiam na revista “Fronteiras” em 1936, e revelam familiaridade com o mundo artístico. Não poupa sua admiração por Monteiro,
descrevendo-o como
[...]um dos grandes nomes da pintura moderna. Ao lado de grandes
nomes, como Picasso, Leger, Braque e outros, participou de todo o
movimento de renovação artística de após guerra, e a sua obra está
hoje consagrada em coleções particulares e museus americanos e
europeus.
Lubambo constatou o seguinte sobre o relacionamento entre
o pintor e o então Governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti:
É por estranho que pareça o fato, num Estado que quer honrar a cultura, que o grande pintor pernambucano limita-se, em Pernambuco,
a plantar cana e fabricar cachaça num bangué de Gravatá.
Quanto à avaliação de Monteiro, Lubambo é bastante especí-
fico. Diz o seguinte:
(As obras indicadas acompanham o texto.)
A pintura de Vicente inscreve-se no néo-classicismo. Não, porém
que ele tenha sempre pintado ‘néo-clássico’ dos trabalhos reprodu49
zidos aqui não são néo-clássicos nem ‘Les Paveurs’”, nem o ‘Presépio’. Num e noutro sente-se a marca de fábrica do cubismo: o
sentido geométrico, a idéia dos sólidos volumes, o intuito formal, o
anseio de objetividade. Mas o curioso a assignalar – e isso é essencial – é que partindo do cubismo (a 100 ou 50 % dos ‘Paveurs ou da
‘Caça’, num processo de rehumanização crescente, a sua arte
só veio parar na clara pureza de linhas de ‘Femme’ à la Biche’ e de
‘Tennis’ – quadros que correspondem à sua fase definitiva e que são
caracterizadamente néo-clássicos.
Conhecendo a amizade entre Lubambo e Monteiro, é previsível sua avaliação positiva. Mais interessante é que este artigo indica
como Lubambo incorpora seu interesse e gosto pela arte no conjunto
de tantos outros como os de economia, política e história. Pesquisando os recortes de jornais deixados por Lubambo, podemos afirmar
que ele se alimentava desta apreciação pela arte, enriquecendo os
seus conhecimentos, lendo publicações sobre a mesma em francês,
italiano, inglês e espanhol.
OUTROS DESENHOS DE VICENTE (1936)
LUBAMBO, Manoel. Outros desenhos de Vicente. Fronteiras,
Recife, v. 5, n. 16, p.17, set. 1936
Neste pequeno artigo, Lubambo divulga sua apreciação de
Vicente do Rego Monteiro como ilustrador ou, como prefere designar, “iluminador” de livros. O objeto da sua avaliação positiva é do
livro “iluminado” por Monteiro intitulado, “Legendes, croyance et
Talismnas des Indiens de l’Amazone”, publicado em Paris. Tudo indica que este livro foi uma adaptação de um livro de P. L. Ducharte.
(FRONTEIRAS, Fronteiras, v. 4, n. 9, p. 12, dez. 1935.) O seguinte
parágrafo apresenta a essência do artigo:
50
O livro está cheio de bichos, de amuletos, de gênios, de potências,
de toda a massa de elementos que encheram a imaginação do índio
brasileiro. A tudo o que Vicente soube dar aguda interpretação – ou
intelectualizando cada vez mais a linha, ou alongando em ‘elans’
duma intensidade lírica o conteúdo ideal ou emocional do objeto, crença ou lenda. Na representação da prece a Ruda há uma
distensão física quase mítica e nota-se que o apolineo, olímpico e
pindárico Vicente coube sentir intensamente todo o rítmo interior e
profundo da lenda, de cujo impregrante ‘pathos’ nos deu uma interpretação em termos duma plástica soberba.
NOTAS PARA UM ESTUDO SOBRE A INSTITUIÇÃO DA
REALEZA (1936)
LUBAMBO, Manoel. Notas para um estudo sobre a instituição da
realeza. In: LUBAMBO, Manoel. Olinda e outros ensaios. Recife,
Tradição, 1945. p. 33-51. (A maioria das suas citações são deste
trabalho. As fontes das outras serão indicadas).
Manoel Lubambo se definiu como monarquista, mas não
um monarquista qualquer, e este ensaio apresenta seu fascinante
raciocínio, justificando esta opção. Sempre concreto, Lubambo diz
logo:
A minha convicção é que os regimes políticos são sempre em função dos homens que detêm o poder. Certa vez, escrevi: Não há fascismos; há o regime mussolinista, o regime hitlerista, da mesma
forma que, na Rússia dos Sovietes, houve um regime leninista e
agora há um regime estalinista, cada um dos quais traindo uma nota
pessoal que lhe é própria. Disse Mussolini certa vez que o fascismo
não era um artigo de exportação, observação que depois retificou
por questões de prestígio, mas observação profundamente verdadeira, porque para o fascismo ser um artigo de exportação seria preciso
que o Duce fosse acondicionado numa caixa e despachado para o
estrangeiro, com um volume de caramelos ou um automóvel Fiat (p.
35).
51
A sua definição sucinta de política é esta: “’Política, ciência
do possível’. Sempre um arranjo ou uma composição. Nunca as
teses se encontram com o real” (p. 36). E sua maneira de pensar
politicamente é: “Toda a vez que entramos em contato com o real
– com os fatos sociais, com as crises particularmente – é mister que
sejamos experimentais” (p. 36-37). Lubambo esclarece ainda mais
seu pensamento:
Em filosofia diz-se que o conceito não esgota o real. O mesmo, por
extensão, pode-se dizer das ideologia políticas. Não esgotam o real.
Representam aproximações, marcam uma orientação de ordem geral, servem ao corpo social, mas não o exprimem ou traduzem totalmente. Não há ‘maillot’ em política. Não há mesmo grandes
alfaiates. A política não conhece a chamada ‘haute couture’. Ela
comporta uma parte de imperfeição que me parece insuperável (p.
37).
Em seguida, Lubambo revela seus autores prediletos, Antônio Sardinha e Charles Maurras. Primeiro, Sardinha: “A Sociedade
baseia-se – como diz Sardinha – em certas ‘constantes’ que é forçoso
respeitar. A propriedade privada, a família, as exigências da nossa
vida moral, eis alguma dessas ‘constantes’”(p. 7). E depois, Maurras: “O passado além disso representa um acervo de experiências
que é preciso aproveitar. É o que recomenda Maurras: continuar
pela inteligência, a obra que nossos antepassados consumaram pela
experiência e pelo costume” (p. 37-38). Esses autores apenas ajudam Lubambo, porque ele mesmo sabe articular sua própria opção:
“Como já tenho dito, sou monarquista. Apenas, a monarquia que
defendo não é nem a representada pelo Império Brasileiro, nem a
representada pelo ‘Ancien Régime’. Nem a parlamentarista, nem a
absolutista. É uma monarquia pouco brilhante, pouco geométrica,
52
bastante rudimentar, empírica e uma: a medieval portuguesa. A dos
Reis Lavradores, das Cortes, dos Conselho e das Corporações” (p.
38).
E por que a monarquia medieval portuguesa? Outra vez, Lubambo se baseia em Sardinha:
Antônio Sardinha ensinou-nos de modo persuasivo: ‘Não olvidemos
nunca que o ‘processus’ de formação da Realeza foi um ‘processus’
histórico ou experimental que naturalmente resultou na monarquia
por um sábio aprendizado dos homens e dos séculos’. Retenhamos
logo de início esse fato central a que alude o ilustre chefe da Contra-Revolução em Portugal: o caráter experimental da formação da
Realeza. Ele é importante para a compreensão da estrutura política
do Portugal medieval – com suas liberdades, seus foros, suas leis.
Leis que respondiam tão profundamente ao temperamento nacional
português que em pleno século XIX, com o seu estúpido linearismo, quando a lembrança de instituições tão remotas já devia estar
apagada da memória da Maria-da-Fonte o grito cheio de não sei que
salubre realismo político: ’Vivam as leis velhas!’ Fosse a criação
de áridos legistas ou dum Pombal e teríamos fatalmente uma outra
forma de Realeza: possivelmente mais lógica, com certeza menos
humana e real. (Como ilustração do argumento: toda a história do
absolutismo e do liberalismo vistos em suas instituições.) (p. 38-39).
O resto do seu ensaio simplesmente vai explicar não somente
por que Lubambo entrou formalmente no Movimento Monarquista do Recife, liderado por Guilherme Auler, em 1934 (Vasconcelos,
João. Manoel Lubambo. Recife, Tradição, 1944. p. 60, nota 1.)
mas, também, e em pormenores, por que sua opção política pela monarquia medieval portuguesa.
Lubambo se interessava pela monarquia de Dom Afonso
III na qual “os três Braços do Reino, o clero, a nobreza, o povo,
encontraram, por ocasião das Cortes de Leiria (1254), o seu ponto de equilíbrio – como a ‘monarquia limitada pelas ordens’” (p.
53
40). Este fato é muito importante para Lubambo porque, seguindo
Sardinha, afirma que “...antes de Portugal aparecer como Estado, a
sociedade achava-se já (ali) organizada. O clero, por um lado, a
nobreza, por outro, finalmente o povo enquadrado nos Conselhos, à
sombra das liberdades foraleiras, eis realidades, categorias sociais,
que o Estado veio encontrar perfeitamente definidas no momento
da sua constituição” (p. 40). Os Estados, na nomenclatura medieval (clero, nobreza e povo nos seus Conselhos) existiam antes do
Estado e, evidentemente, antes da Monarquia. Lubambo argumenta
que o Rei e, conseqüentemente, a monarquia nasceu organicamente
da aclamação pelos Estados, e “... teve de aceitar a configuração do
país, respeitando-lhes os foros e as autonomias” (p. 41). Igualmente,
as “leis fundamentais”, segundo Lubambo, não foram preceitos escritos e nem formaram uma “constituição”, mas: “Saídas dos vários
condicionalismos, tanto sociais, como físicos, duma nacionalidade,
formaram, quando muito, pelo consenso seguido das gerações, a observância dos princípios vitais da coletividade – Família, Comuna e
Corporação, ou seja Sangue, Terra, Trabalho, cujo conjunto admirável (Piere-Guillaume-Frederic) Le Play designaria de “constituição
essencial” (p. 41-42).
Em cima desse quadro de instituições e de bases sociais, Lubambo continua explicando como os mesmos funcionam. Informnos a que:
Uma fórmula geral dominou o direito público medieval. ‘O Rei nos
seus Conselhos, o Povo nos seus Estados’. O que quer dizer: ao Rei
de cuidar da tarefa da governação do país, da função de distribuição
da justiça, da defesa do solo e da unidade da nação; ao Povo, de
gerir os interesses provinciais e locais. Ou por outra: ao Rei, a função política, ao Povo, administrativa. Entre o Rei e o Estado – com
elemento de informação e reajuste – as Cortes.
54
Três são, pois, as entidades a serem examinadas agora: O Rei, as
Cortes, os Braços (p. 43).
Lubambo utiliza a argumentação de seu amigo e historiador
Sebastião Pagano, que afirma:
O poder dos Reis fica acima de todos os demais poderes sociais,
porque os regula mas não fica acima da finalidade última da justiça.
A sua sacralidade e inviolabilidade não o deixa imune de se conter
diante das injustiças que poderia praticar. A isso limita-o o Direito
Natural ao qual se submete o monarca, por que se por um lado o
Direito Natural lhe justifica o poder real, por outro lado justifica,
também, o direito que ao bem comum têm as classes sociais, e é
justamente na coordenação desses direitos – um dando motivo ao
outro – que se encontra o controle das atribuições que é a aferição
das responsabilidade (p. 43-44).
Além destas limitações, há, também, aquelas das Cortes e muitas outras dos Conselhos (p. 44).
Lubambo gosta muito das Cortes e das suas funções. As Cortes
não tinham poderes legislativos e foram convocadas pelo Rei para
aconselhá-lo. Este fato permitiu a Lubambo acentuar o fato de que
as Cortes não atuaram como um parlamento e, consequentemente,
não poderiam ferir a soberania do Rei (p. 47).
As Cortes representavam os três braços do Estado: o
Clero, a Nobreza e o Povo, que incluía “[...]todos os interesses
municipais”(p. 48). O Clero era, segundo Lubambo, inicialmente o braço mais forte e forneceu muitos conselheiros ao Rei. O
Papa, por causa de sua jurisdição sobre o Clero e direitos de
suserania sobre Portugal, exerceu uma influência grande. Não
é surpreendente, pois, que as relações entre o Papado, Clero e
os Reis Portugueses nem sempre tenham sido serenas. Apesar
55
disso, o Papado e o Clero Português propiciaram atividades de
grande importância para a nação.
Lubambo cita João Lúcio de Azevedo, referente ao sistema
feudal em Portugal: “[...] os privilégios que usufruem os senhores
das terras não resultam de direito próprio, mas da cessão voluntária
do soberano” (p. 49). Continua: “O nobre ou é donatário de Couto
ou Honra, ou um simples administrador – um administrador de Distrito (o rico-homem), um administrador de Conselho (alcaide) (p.
49). Segundo Azevedo, “[...] o senhorio, quando tal era o caso não
obrigava ao serviço militar, que era remunerado. Mas isso mesmo
coactava a independência aos donatários e os colocava em posição
de subordinação” (p. 49). E finalmente, Lubambo, citando Alberto
Sampaio, nos informa “que os castelos não eram em Portugal a propriedade do Senhor. ‘Construídos pelo povo [...] os castelos ao norte
do Douro pertenciam à Coroa, isto é, ao Estado.’ Em conclusão: não
havia feudalismo em Portugal” (p. 49). Apesar deste fato, Lubambo argumenta que “a Nobreza constituía uma verdadeira ordem, em
cujos foros e privilégios a Realeza, com resultados salutares para o
regime, encontrava uma poderosíssima limitação” (p. 49-50).
Lubambo agora descreve a última entidade, o Terceiro Braço
ou o Povo e não deixa de cutucar os seus críticos, dizendo: “Pensar-se-á por acaso que na monarquia portuguesa o elemento democrático, o numero, a massa foi de alguma forma desprezada, como
quer fazer acreditar a ‘mitologia’ política liberal? O contrário disso
– eis a grande verdade que o pensamento contra-revolucionário teve
a honra de restaurar” (p. 50). O Povo foi reunido em “corporações
de ofício, em conselhos, sob o amparo dos quais pode enfrentar com
vantagem os possíveis ‘avanços’ ou usurpações dos demais poderes”
(p. 50). O Povo tinha “franquias e liberdades [...]: a) o direito de
56
imunidade e de asilo atribuído ao território do Conselho; b) as largas
garantias individuais; c) a riqueza da classe média; d) o prestígio de
que gozavam junto à pessoa do Rei as autoridades municipais”(p.
50).
Depois de todas as informações oferecidas sobre a monarquia
medieval portuguesa, Lubambo termina seu ensaio, reafirmando sua
opção política com estas palavras: “É uma monarquia desse tipo
– não uma construção do espírito, mas uma instituição humana, familiar, real – a que eu abraço”(p. 51).
O CENTENÁRIO DA CAPELA DO ENGENHO AMARAGY
Algumas notas sobre a passagem, regime econômico e tipos de senhores do velho banguê pernambucano (1936)
LUBAMBO, Manoel. O centenário da Capela do Engenho Amaragy; “Algumas notas sobre a passagem, regime econômico e tipos de
senhores do velho banguê pernambucano. Fronteiras, Recife, v. 5,
n. 10 p. 9, jan. 1936.
O título deste artigo é um trabalho, então inédito, de Renato
Phaelante. O subtítulo, “Algumas notas sobre a passagem, regime
econômico e tipos de senhores do velho banguê pernambucano”, é
de Lubambo e define bem o seu objetivo.
Em 1937, os únicos prédios existentes no Engenho Amaragy, a uns trinta quilômetros de Rio Formoso, foi a Capela de Nossa
Senhora da Conceição e a casa de farinha. Antes de falar sobre os
senhores que governavam o engenho Amaragy, Lubambo coloca
algumas reflexões sobre a paisagem histórica do engenho, particularmente, a Capela. Diz:
57
Esta salvou a paisagem, a qual emprestou esta nota fortemente humana que caracteriza propriamente uma região. Uma vez observei:
Região tem qualquer coisa de religião. Hoje, contemplando essa
ingênua Capela dos começos do século passado, com a sua intensa
projeção moral sobre a paisagem de Amaragy, percebo que, na observação, há mais do que um simples jogo de assonâncias verbais
– uma sugestão moral que está na base do conceito geográfico de
‘paisagem’ ou região’.
Baseado no trabalho já citado de Renato Phaelante, Lubambo
começa a descrever o primeiro Senhor do Engenho Amaragy, Manoel Alves da Silva, da família Alves Araújo. Manoel exemplifica
o tipo do senhor do engenho quase folclórico. Citando Phaelante,
Lubambo o apresenta assim:
A sua indumentária de todos os dias – informa Renato Phaelante
– era a mais leve e doméstica, como si todo o engenho fosse a
camarinha da Casa Grande. Vestia uma camisa de algodãosinho,
sem botões, que lhe deixa à mostra o peito e umbigo cabeludos. O
ceroulão meia coronha servia-lhe de calças. Um chapelão de palha
atolado até as orelhas deixava de fora um pedaço de trança de cabelo amarrada a ponta por um laço de fita.
E Lubambo pergunta retoricamente, “ Como enriqueceu Manoel Alves?”, e ele mesmo responde:
[...] com muita somitiquice, muita autoridade, uma tenacidade no
trabalho dum verdadeiro ‘boi cambão’ e sobretudo uma concepção
geral da vida que era uma verdadeira fábrica de dinheiro. O seu programa de administração que funcionava também como seu sistema
filosófico era: ‘Deus, Tronco, Trabalho e escravidão. Deus e Tronco – como bases da ordem moral e política. Trabalho e Escravidão
– da ordem econômica.
58
O filho de Manoel Alves, Antônio Alves da Silva foi outro
tipo do senhor de engenho.
Foi agraciado com o título de “Barão com grandezas”. A primeira medida que Silva tomou foi chamar um ‘mestre capelão’ de
Portugal visto que a Capela “não tinha um sacerdote próprio”. Este
Padre morava num dos melhores quartos do Engenho e entre suas
responsabilidades estava a de ensinar “a cartinha do a, b, c aos yôyôs
e yáyás moças.” Também nos sábados, cuidava da formação religiosa de todos os escravos do engenho. Talvez a responsabilidade
maior tenha sido a de cuidar das celebrações religiosas com suas
inúmeras procissões.
A vida social desse Senhor do Engenho, agora Barão, também
foi outra. Muitos convidados passavam em Amaragy e não faltava
o luxo para abrilhantar os eventos sociais. Um visitante especial
foi Cabral do Poço de Panelas, que, nos dias de festividades, fazia o
papel de mestre de cerimônias. Diferente de seu pai, o Barão não
residia permanentemente no Engenho, pois tinha, também, uma casa
no Recife. Esta vida dividida entre o Engenho e o Recife seria ainda
mais acentuada com o filho do Barão, Antônio Alves de Araújo, que
ganhou o título militar de “Cadete”. Lubambo explica:
Tornou-se dramático – em Cadete – o conflito entre a cidade e o
campo. Ambas as paixões subsistem nele com igual intensidade.
Sendo por temperamento um homem da cidade, o campo interessao como elemento de cultura. O eu era ‘prática’ no velho Manoel da
Silva e mesmo no Barão passou ser teoria em Cadete.
E termina seu artigo com estas reflexões econômicas:
Mas, aqui eu teria de entrar em todo um grave capítulo da história
econômica de Pernambuco – o que se assinalou pela introdução da
nova técnica da produção açucareira, trazida com os grandes ‘cen59
trais’, e a mercantilização dos velhos banguês pernambucanos. Isso
é estudo para outra ocasião. Por ora, basta dizer que Cadete – um
dos tipos que eu desejava descrever – trocou o seu nobre título de
‘Senhor’ pelo de ‘fornecedor’. Levaram-no a isso não só os imperativos da evolução econômica, mas o seu temperamento de teórico,
de progressista e de citadino.
UMA NOTA RETARDATÁRIA SOBRE “TEMPO E ETERNIDADE” (1936)
LUBAMBO, Manoel. Uma nota retardatária sobre “Tempo e eternidade”. Fronteiras, Recife, v. 5, n. 11, p. 7 e 10, fev. 1936.
Parece que Lubambo publicou, não disse onde, um artigo com
o título, “Tempo e eternidade” sobre os dois poetas Jorge de Lima
e Murillo Mendes, e um amigo seu fez-lhe uma pergunta sobre a
afirmação ali feita por Lubambo de que “Jorge era responsável pelo
tempo e Murillo pela eternidade”. “Uma nota retardatária” leva a
resposta de Lubambo.
Lubambo considera a poesia de Murillo, recém convertido ao
catolicismo, “essencialista”. Elabora: “Isto é: uma poesia despida
do que eu chamarei os seus elementos básicos. Quero dizer: sensíveis. Representativa da ânsia de imaterial que anima o poeta.”. Aqui
algumas linhas escritas por Murillo sobre sua musa para exemplificar a tese de Lubambo:
Vens da eternidade e voltas para a eternidade
Não tens ódio
Não tens amor
Não tens desejo,
Não tens fome
Não tens sede
Tens o ar frio de quem ultrapassou o mundo sensível
e resolve lhe dar um sinal da sua condescendência.
60
O contraste entre a poesia de Murillo e Lima é grande. Lubambo escreve o seguinte: “O que faz, ao contrário, a força dos poemas
de Jorge de Lima é a sua dramaticidade, a sua sensualidade, numa palavra, a sua humanidade.” E logo, apresenta algumas linhas de Lima:
Mel silvestre tirei das plantas,
Sal tirei da água, luz tirei do céu.
Escutai, meus irmãos : poesia tirei de tudo
para oferecer ao Senhor.
E mais:
Sou para procurar roteiros no mar
para me arrepender e me salvar
para anunciar como um profeta
e negar três vezes ante do galo cantar.
Com este artigo, Lubambo explica sua afirmação de que a poesia de Lima é do tempo e a de Murillo é de eternidade.
CONTRA NASSAU (1936)
LUBAMBO, Manoel. Contra Nassau, Tradição, Recife, 1944. (A
maioria das suas citações são deste trabalho. As fontes das outras
citações serão indicadas)
Lubambo escreveu “Contra Nassau” para anular as comemorações do tricentenário da chegada a Pernambuco do Conde Maurício
de Nassau, (João Maurício Van Nassau-Siegen) em 21 de janeiro de
1637, programadas pelo governo de Carlos de Lima Cavalcante. O
contexto histórico foi complexo, mas Sumaia T. Madi de Medeiros,
na sua tese de mestrado, intitulado “O uso político do mito holandês no governo de Carlos de Lima Cavalcanti” oferece informações
61
excelentes para entender a controvérsia em redor destas comemorações. Segundo Medeiros, Carlos de Lima estava querendo aproveitar o “Mito holandês” para fortalecer o seu governo, mas enfrentou
a oposição tanto dos seus adversários políticos como dos defensores
da importância da tradição Lusitânia. (Medeiros, Sumaia Terezinha
Madi de. O uso político do mito holandês no governo de Carlos de
Lima Cavalcanti. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002.
passim.) Também Gilberto Andrade nos informa que os planos preparatórios e culturais vinham sendo elaborados desde começos de
1936 e tudo indica que Cavalcante não estava querendo homenagear
Nassau como invasor , o que contaria as acusações de Lubambo.
Parece que a idéia das comemorações vinham de Mário Melo, secretário do Instituto Arqueológico e Histórico de Pernambuco. Esta
história é complexa devido à rivalidade entre Cavalcante, Melo e os
partidos pró e, particularmente, contra as comemorações. Houve um
desentendimento entre Cavalcante e Melo em torno de como programar as comemorações; aquele visando mais à participação dos negociantes e industriais, este, mais à colaboração dos agentes culturais,
literários e históricos. Para jogar mais lenha na fogeira, a notícia que
saiu nos jornais não foi uma comemoração da chegada de Nassau,
mas a comemoração do Terceiro Centenário da Invasão Holandesa.
Manchetes desta natureza simplesmente deixavam Lubambo furioso. Às suas atividades jornalísticas no Recife, juntou-se, em âmbito
nacional, o parecer negativo das comemorações nassovianas do Almirante Raul Tavares. No fim, não saíram. Lubambo e os partidários
contras venceram. (Andrade, Gilberto Osório de. Nassau, quarenta
anos depois. Ciência & Trópico, v. 8, n. 2, p. 161-176, jul./dez.,
1980). Contemporâneo desses eventos, Luiz Delgado fez este resumo lacônico:
62
Desenho de Maurício de Nassau feito por Vicente do Rego Monteiro
que iniciou o artigo “Contra Nassau”, escrito por Manuel Lubambo,
Fronteiras, Recife, v. 6, n. 21, jan. 1937
Primeiro, uma iniciativa cultural perfeitamente explicável, partindo
do Instituto Arqueológico e utilizada pelo Governo; depois um cochilo de noticiário; em terceiro lugar, uma pirraça de Mário Melo
por causa de uma frase pouco amável do Governador. No fim, a
balbúrdia, envolvendo paixões de toda espécie, impedindo que se
63
pudesse tomar pé da situação. Mesmo porque já estavam em ação
as forças que conduziam o país ao golpe de Estado de novembro
de 1937: as comemorações de Nassau seriam em janeiro do mesmo
ano. (Delgado, Luiz. Carlos de Lima Cavalcanti; um “Grande de
Pernambuco”. Recife, Companhia Editora de Pernambuco, 1975.
p. 157).
“Contra Nassau” foi publicado, em junho de 1936, na revista
“Fronteiras”, cujo editor principal foi Lubambo (Lubambo, Manoel. Fronteiras. ano V, n° 14, julho, 1936). Trabalhamos com uma
cópia da edição de 1937 (Lubambo, Manoel. Fronteiras. ano 6, n.
1, janeiro, 1936.) que é um pouco diferente, publicada pela revista
“Tradição”, em 1944, com uma introdução de Guilherme Auler. A
tendência dos amigos de Lubambo é dizer que ele foi a principal
figura na anulação das comemorações nassovianas. Que ele foi importante, não há dúvida; agora, o mais importante, é questionável.
O que impressiona é a elaboração do “Contra Nassau”. Auler diz
que Lubambo, conhecido pelos seus trabalhos jornalísticos, se desdobrou sobre documentos históricos por razões patrióticas e “Contra
Nassau”, mesmo sendo a sua primeira obra histórica, foi a melhor
(p. V-VI). Nossa preferência, porém, seria pelo livro, que veremos
depois, “Capitaes e Grandeza Nacional”, escrito, em 1940.
É possível que “Contra Nassau” seja, dos trabalhos de Lubambo, o mais analítico. Nele, estabelece logo o tom de seu argumento:
Quatro questões fundamentais dominam a discussão em torno das
projetadas comemorações nassovianas: 1) a legitimidade das comemorações a um invasor; 2) a menoridade política do Brasil, tornando
indiferente uma ou outra dominação: a portuguesa ou a holandesa;
3) a distinção entre a obra de Nassau e a obra dos flamengos; 4) as
virtudes de Nassau, tornando lícitas as comemorações (p. 1).
64
A resposta de Lubambo ao primeiro ponto é uma citação do
Almirante Raul Tavares. Basicamente, podemos resumi-la, citando
apenas a primeira frase: “Por essa doutrina que chamaremos cultural, as nações da Europa deveriam também erguer hinos a Napoleão
Bonaparte, milhões de vezes maior que esse Nasssau [...]” (p. 1).
Lubambo nada acrescenta.
O segundo ponto recebe uma resposta mais articulada de Lubambo. Distingue entre os conceitos de Nação e Estado. Baseandose no historiador Cahill (às vezes Lubambo não traz o nome completo dos autores citados), Lubambo explica que o termo “nação” é
mais orgânico, configurando um povo com a mesma língua, tradição
e cultura, enquanto o termo “estado” indica um povo politicamente
organizado e independente. Importante é que Lubambo afirma que o
patriotismo nasce da “nação” e não do “estado” (p. 3). Conseqüentemente, é incorreta a afirmação do segundo item. Uma “dominação”,
seja portuguesa ou seja holandesa, implicava duas culturas diferentes ou, como Lubambo diz, “duas formas de civilização”(p. 4). O
Brasil compartilhava da cultura portuguesa e patrioticamente lutou
contra os invasores holandeses, portanto não se tornou indiferente à
tal “dominação” entre Portugal ou Holanda (p. 3-4).
Em relação ao terceiro item, Lubambo não aceita a distinção
entre a obra de Nassau, dum estadista e “fino homem de inteligência” e a obra dos flamengos, de “invasores e opressores” como faz o
historiador Rocha Pombo (p. 4). Não questiona o fato de que Nassau foi um homem inteligente e culto. (Nassau tinha uma excelente
educação e podia falar além de alemão, sua língua nativa, holandês,
francês e podia manter uma conversa em latim. Boxer, C. R., Os
Holandeses no Brasil; 1624-1654. Trad. Dr. Olivério M. de Oliveira
Pinto. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1961, p. 95). O seu
65
objetivo é mostrar que foi um invasor e trabalhava com os traficantes
da Companhia das Índias Ocidentais (p. 5). Lubambo é taxativo:
Ora, a verdade é a seguinte: durante oito longo anos, Nassau não
fez outra coisa que trabalhar para os traficantes. Operou – e não
enganado com fez ver Rocha Pombo, mas plenamente advertido
– como um preposto dos traficantes. Encheu-se de excelentes florins com o emprego dado pelos traficantes. Encheu, por sua vez,
os traficantes com o produto da nossa riqueza e do nosso labor. Só
consigo, de regresso à Holanda, levou cerca de 2.600.000 de florins
de produtos nacionais. A venda dos bens confiscados aos brasileiros
emigrados, sob a sua administração, produziu 2.000.000 de florins
e o que se chamava ‘saque de guerra’ 2.017.478 florins. Quanto à
renda anual em tributos – segundo o próprio Nassau – se elevava a
3.000.000 de florins. Toda essa imensa riqueza, salvo os seus honorários que eram pingues (1.500 florins mensais, além de 20% sobre
os lucros que proporcionasse à Companhia, com o tráfico e a pirataria) foi convenientemente drenada para os cofres da Companhia.
Como, pois, separar a ‘obras de Nassau’ da ‘obra dos flamengos’?
Onde a distinção? (p. 5)
Para o quarto item, Lubambo tem uma resposta curta e longa.
A curta é a opinião do historiador Manoel de Oliveira Lima de que
ele (Nassau) “bebeu o leite fecundo e sensualista da Renascença”(p.
6). O resultado disso foi que Nassau trouxe com ele um número de
pintores, arquitetos, sábios e pintores a Pernambuco. O seu Palácio
de Vriburg “era um verdadeiro museu, tal a sua enorme riqueza em
quadros, em alfaias, em objetos raros: cadeiras, mesas e consolos de
marfim da Costa d’Africa, faianças de Delfi, vidros caros – coloridos, dourados gravados – de Veneza [...]” (p. 6). Lubambo reconheceu as qualidades de Nassau, mas sofisticou sua resposta, dizendo:
”Não estamos aqui diante dum problema ‘cultural’ – mas dum problema cívico e moral. A questão não é a de saber quais foram, as
66
prendas pessoais de Nassau, mas de saber quais foram , no Brasil,
as suas funções” (p. 6). Aqui, Lubambo é implacável: “Quem serve
a uma Companhia de piratas é pirata. Ora Nassau serviu, e durante
oito longos anos, a uma Companhia de piratas. Logo, é pirata” (p.
7). Esta é a resposta curta; a longa exige uma pequena introdução:
Mas agora uma outra questão: As virtudes ou as ‘realizações’ de
Nassau resistem a uma prova? Para a tese que defendo aqui – a
de que Nassau era um invasor e como tal deve ser tratado – é uma
questão secundária. Mas é tal o exagero na apreciação da figura do
Conde alemão, que a pergunta, mesmo do ponto de vista da simples
curiosidade histórica, torna-se extremamente provocante. (p. 7).
Provocante mesmo, porque Lubambo vai orquestrar sua resposta longa para destruir o que considera lendas, nada menos de
nove, referentes à passagem dos oito anos de Nassau em Pernambuco. Em grande parte, vai baseá-la nos trabalhos históricos de José
Hygino Duarte Pereira.
“Primeira lenda: a clemência e magnanimidade do guerreiro
Nassau” (p. 9). Retoricamente, Lubambo pergunta qual foi a primeira coisa feita pelo Nassau ao desembarcar em Pernambuco. A
resposta: “Desembarcando com seus 720 homens – de guerra, junta-se com os 6.100 que aqui encontrou e, depois de distribuir 6.250
pelas diferentes guarnições marcha sobre Porto Calvo, com 3.000
homens, 600 dos quais – escolhidos dentre os mais aguerridos, diz o
insuspeito Fernandes Gama – são destinados para devastar e pilhar”
(p. 9-10).
Apesar desta força, os holandeses não conseguiram capturar
Salvador e tiveram que voltar para o navios. Não alcançando seu
objetivo, as tropas assolaram o Recôncavo. Também, mesmo impedidas de entrar no Recife, devido à resistência de Vidal de Negreiros,
67
o pirata Cornelis Jol Houtbeen, auxiliado pelos tapuias, voltaram
para o Recôncavo e incendiaram os engenhos de açúcar na Bahia (p.
10). Além disso, às ordens de Nassau, envenenaram os pelouros e
untaram os projetis de toucinho rançoso”(p. 10).
Não há dúvida, Nassau liderou um exército de guerreiros.
Lubambo admite, porém, que foi um hábil administrador. Simplesmente, discordava do objetivo da sua administração, isto é: “[...] a
de eliminar as últimas resistências do país e consolidar a obra da
conquista.”(p. 11). Nassau mesmo afirma:
Soltai vossos enxames – dizia ele (Nassau) ao Conselho dos Dezenove – sobre estes novos países e dai terra aos militares licenciados:
sejam colônias nossos postos avançados e guarnições, que foi assim
que Roma subjugou o mundo... A terra populosa dará cultura florescente; esta fará maiores os negócios e, portanto mais valiosos;
e – o que é de importância capital nestas conquistas – quanto mais
prósperas e ricas – mais fortes e mais capazes de defesa (p. 11).
A “Segunda lenda: É certo que Nassau introduziu o regime
comunal no Brasil?” (p. 12). O autor desta afirmação é Estevam
Pinto. Lubambo discorda e diz que o que Nassau introduziu foi “o
regime comunal holandês, com câmara de Escabinos, composta de
flamengos e portugueses” (p. 12). Além disso, acha que Pinto esqueceu o fato de que Duarte Coelho já usufruiu do Foral de Olinda
de Dom João III, quase quatrocentos anos atrás e cuja celebração do
Quarto Centenário seria em março (1937, p. 13).
A “Terceira lenda é: a da tolerância de Nassau em matéria
religiosa” (p. 13). Lubambo atribuiu esta à maçonaria. Os argumentos
contra esta lenda são fornecidos pelos historiadores Rocha Pombo e
Fernandes Gama que afirmam que Nassau: “Baniu os frades, proibiu
o exercício público de outros cultos que não o calvanista, decretou
68
que o clero ficava independente e não devia mais obediência ao
Bispo da Bahia” (p. 13). Para os brasileiros construir Igrejas foi
necessária permissão do Sínodo. Para casamentos, “Era mister
banhos protestantes” (p. 13-14). Só ministros da religião reformada
podiam benzer engenhos (p. 14). E para terminar esta lista de
controles, Lubambo cita Robert Southey: “As ordenações relativas
à religião, indicava um espirito de intolerância que principiou a
manifestar-se à medida que os conquistadores se iam tendo por mais
seguros” (p. 14).
A “Quarta lenda: o anti-escravagismo de Nassau” (p. 14). Lubambo cita as palavras de Rocha Pombo: “Foi o Conde de Nassau o
primeiro a reconhecer a necessidade de braço escravo , sem o qual
não se faria a grande lavoura da cana. E quando se impacientou pela
posse de Angola ou de algum outro importante entreposto marítimo
na África, não se eximiu de explicar muito claro que lhe era do mais
vital interesse pôr mão segura no mercado de negros” (p. 15).
Citando outro historiador, S. Kalff, Lubambo reforça seu argumento. Inicialmente, foi decretada a liberdade dos negros, porém:
“Depois restringiram a libertação aos escravos de senhores que se
mostrassem refratários ao domínio dos intrusos. Em seguida, foi
derrogada essa mesma restrição, autorizando-se a pega de negros
...como um negócio. O Conselho Supremo chegou a contratar a
apanha de escravos que tivesse pertencido a colonos emigrados recebendo o contratante uma quantia certa por peça, moços ou velhos,
homens ou mulheres. (p. 15)
Os índios também serviam de escravos. Rocha Pombo de
novo: “Ainda se diz que os flamengos trataram os índios muito melhor do que os haviam tratado os portugueses; mas o certo é que
só cuidavam de explorar o gentio, reduzindo-o à escravidão e dis69
farçando a impiedade sob o eufemismo de servos, que eles davam
quer aos negros quer aos indígenas” (p. 15-6). Até escravos brancos
figuram nesta ladainha de escravidão. Pombo cita Barão de Studart,
“[...] de 50 brancos que, vencidos no Ceará, numa ação contra Pedro
Bas, foram enviados para Barbados, afim de serem vendidos aos ingleses” (p. 16-17).
Para terminar sua resposta à quarta lenda, Lubambo lembra
que Estevam Pinto, nassoviano, afirmou que Nassau deve ser elogiado por colonizar o Brasil com “gente limpa” com a implicação de
que os Portugueses não o fizeram, visto que o Brasil “[...] era a terra
que se podia povoar com degredados e pouca despesa do Reino”
(p. 17). Lubambo responde retoricamente: “Mas pretendeu Nassau
povoar o Brasil com gente limpa?” (p. 17). Segundo Rocha Pombo,
Nassau, de fato, pediu para vir da Holanda colonos , “....ainda que
fossem galés” (p. 17). Lubambo pergunta: “[...] galés é coisa diferente de degredados?” (p. 17).
A “Quinta lenda: Nassau deu a Pernambuco igualdade tributária para holandeses e brasileiros!” (p. 17). Logo, Lubambo escreve
que os Holandeses prometeram “conservar na colônia os mesmos
impostos que se pagavam ao Erário espanhol” (p. 17). Segundo
o testemunho de Frei Manuel Calado, mesmo que os impostos já
indicados fossem mantidos, o transporte das caixas de açúcar dos
engenhos para os navios no embarque para a Holanda, possibilitou
uma série de cobranças de tantos pequenos “impostos” que foi “[...]
necessário embarcar um morador seis caixas para lhe chegar uma
livre à Holanda” (p. 18-19). E mesmo assim, foi vendida mais barato na Holanda do que as caixas de açúcar da Companhia das Índias
Ocidentais (p. 19). O resultado foi que os brasileiros vendiam o seu
produto principal a preços muito baixos à Companhia das Índias e
70
os holandeses se tornaram senão senhores dos engenhos, certamente
senhores do açúcar.
A “Sesta lenda: a abertura dos portos ao comércio livre”. Lubambo aproveita os trabalhos de Rocha Pombo, que por sua vez cita
um historiador, cujo nome é Netshcer, que diz:
A navegação foi aberta a todos (contanto que os navios fossem os
da Companhia, ou, então sendo particulares, que saíssem do Brasil
e fossem direto à Holanda, obrigados até passar por fóra das ilhas
Britânicas). Ficava entendido ainda que cada negociante da metrópole não devia mandar para o Brasil mais que um carregamento por
ano. Os portugueses (os que tivessem reconhecido o domínio dos
intrusos) tiveram também, a liberdade de exportar seus produtos...
para a Holanda. Ai está o que os holandeses entendiam por liberdade de comércio: era o tráfico entre o Brasil e a Holanda, ainda assim
muito limitado (p. 19-20).
A “Sétima lenda: a moralidade administrativa de Nassau”. Lubambo descreveu vários exemplos de arbitrariedades administrativas de Nassau. Escolhemos apenas uma: a construção da ponte entre
Recife e Ilha de Antônio Vaz. Como Nassau financiou o projeto?
Segundo Lubambo, “Fintas, eis o recurso” (p. 25).
Para fintar o povo, ele prometeu, porém, que a passagem seria livre,
com evidentes vantagens para a população que dantes tinha que
atravessar o rio a bote. Pura conversa, porém, esse negócio de trânsito livre. Acabada a ponte, levantaram-lhe nas duas cabeças grandes portas (os arcos, já desaparecidos), põem aí soldados de guarda
e baixam uma postura determinando que todas as pessoas brancas,
que passassem, pagassem por cada cabeça duas placa à entrada, e
outras duas na outra porta. Quando voltassem, e os negros pagassem
uma placa, e os cavaleiros pagassem quatro placas, e os carros, dois
reales. A tirania foi tão grande que chegaram a proibir a passagem
por água. Mas aqui há ainda uma observação para os que falam em
igualdade tributária: e é que – segundo Frei Manoel Calado – ‘fica71
ram libres desta lei os soldados holandeses, e todos os Oficiais dos
seus Conselhos, e os mais ministros da guerra, e justiça, e governo
político. (p. 25-26)
A “Oitava lenda. O Congresso de 1640 – primeiro Parlamento
de que há notícia na América do Sul?” (p. 27). Lubambo não deu
muita importância a esse tal Parlamento, desvalorizando os seus objetivos e resultados. Considera o mesmo como uma:
[...] astúcia de Nassau, muito provavelmente soprada da Holanda, no
sentido, primeiro, de sondar o ânimo dos colonos, no que diz respeito às possibilidades de conciliação das raças, segundo, de captar-lhe
a simpatia, fortemente comprometida com a recente expulsão dos
frades – expulsão que, segundo Barleos, emocionou vivamente o
povo. Quanto aos resultados do ponto de vista da administração,
não exagero dizendo que foram nulos (p. 27-28).
Lubambo questiona a própria configuração do Parlamento: somente os dominados, brasileiros natos e portugueses foram convocados. Os dominadores, os holandeses não participaram. Lubambo,
portanto, categorizou o Parlamento como um mero “embuste” (p.
28).
Em vez de continuar para tratar da nona e última lenda, Lubambo, incluiu outra, sem número, que é atribuída a Gilberto Freyre,
um alvo predileto de Lubambo. A lenda é esta: “Nassau....o que
primeiro cuidou do problema da alimentação ligando-a à policultura” (p. 28). Lubambo entra em muitos detalhes, mas o essencial da
sua resposta é que os Portugueses, munidos de carta de sesmaria, foram orientados para plantar “mantimentos”, isto é, mandioca, batata
doce, cará, e inhame (p. 33). Além disso, criaram e cultivaram animais e plantas tais como: “ boi, cavalo, ovelha, cabra, galinha, perú,
porco, etc...... uva, cidra, laranja, limão, cana de açucar, trigo, côco,
72
manga, figueira, romeira, gengibre, arroz, melão, pepino, abóbora,
melancia, banana, etc” (p. 34).
A “Nona lenda: a de Nassau fundador do Recife”(p. 35). Lubambo indica dois aspetos de sua resposta: “Há duas faces da lenda a
considerar: a que consiste em dar Nassau como fundador da chamada Mauricéa, que era a antiga ilha de Antônio Vaz; e que dá Nassau
fundador do todo o Recife – esta constituindo versão mais grosseira,
mas tão espalhada quanto a outra. A verdade é que Nassau não fundou nem o Recife nem a própria Mauricéa” (p. 35).
Lubambo simplesmente cita os trabalhos de Sebastião Galvão,
afirmando que “o antigo bairro que responde por este nome (Recife)
não pode restar dúvida, quando é sabido que já em 1548 a ponta do
istmo já era perfeitamente habitada (p. 35). Quanto à fundação de
Mauricéa, Lubambo usa o documento que conta da queda do Recife,
em 1630, pelo holandês, almirante Lonck. Este documento mostra
uma estampa do Recife e, “No canto, à esquerda, a Ilha de Antônio
Vaz cheia de casas!”(p. 36). Um pouco mais tarde, em 1942, Lubambo vai usar este mesmo argumento no seu ensaio “Recife cidade
holandesa ou cidade portuguesa?”.
Depois de todas as suas explicações, negando as lendas sobre
Nassau, iríamos supor que Lubambo simplesmente terminaria o seu
trabalho. Mas, mais uma vez, nos surpreende. Para ele, Nassau
não trouxe nenhum benefício. Ao contrário, ele aproveitou sua passagem para “o seu alto regalo pessoal” (p. 39). Considera que os
artistas trazidos para o Brasil faziam quadros para levá-los de volta
à Holanda. E mesmo os trabalhos de saneamento do atual bairro de
Santo Antônio ou os canais feitos no bairro de São José não recebem
um parecer favorável de Lubambo porque esses melhoramentos são
‘hoje reduzidos a pó” (p. 36).
73
Lubambo, de fato, termina “Contra Nassau”, elogiando as opiniões de José Maria, Diretor da Biblioteca do Estado (Pernambuco)
sobre a arquitetura portuguesa. De nosso interesse, são as suas palavras sobre os holandeses:
De nada valeu, por outro lado, a pintura holandesa como fator de
desenvolvimento da cultura pernambucana. Toda essa pintura era
destinada a seguir viagem. Na relação dos objetos que os holandeses deixaram não há um só quadro. A pintura de cavalete tinha sido
escolhida justamente pela facilidade de transporte (p. 41).
Estas reflexões permitiram que Lubambo pudesse lançar sua
últimas palavras sobre Nassau:
Um dos fatos que dão mais o que falar a respeito de Nassau é que
ele privava da amizade de Luís XIV, a quem ofertava quadros e objetos de valor. Não sabem entretanto, dum detalhe: e é que depois
de ‘ofertar’ os quadros, o homem mandava dizer ao Rei Sol que
queria dinheiro – ‘e de contado’. Epilogo pau para os nassovianos:
o Mecenas não passava dum especulador em quadros. Dum simples
‘marchant’ (p. 43).
OS PAINÉIS DAS BATALHAS DOS GUARARAPES (1937)
LUBAMBO, Manoel. Os painéis das Batalhas dos Guararapes.
Fronteiras, Recife, v. 6, n. 21, p. 2, jan. 1937.
Neste número, a revista “Fronteiras” comemorava o primeiro
aniversário da sua segunda fase, publicando o já conhecido trabalho
de Lubambo, “Contra Nassau”, mas, desta vez, embelezado com
uma “reprodução dos painéis representativos das batalhas dos Guararapes existentes no Instituto Arqueológico Pernambucano,” feita
pelo coeditor da revista e pintor, Vicente de Rego Monteiro. Nes74
te artigo, Lubambo defende o valor tanto artístico como histórico
dos painéis contra um parecer negativo de Alfredo de Carvalho. Lubambo baseia sua opinião artística na avaliação do próprio Monteiro
e sua opinião histórica, nos pareceres dos historiadores Pereira da
Costa e Serafim Leite.
OLINDA, SUA EVOLUÇÃO URBANA (1937)
LUBAMBO, Manoel. Olinda, sua evolução urbana. In: LUBAMBO,
Manoel. Olinda e outros ensaios. Recife, Tradição, 1945. p. 1-31
(Todas as suas citações são deste trabalho).
A comemoração do Quarto Centenário do Foral de Olinda,
em 1937, incentivou Lubambo a escrever o ensaio “Olinda; sua
evolução urbana”. Sempre bem lida, Lubambo, logo, nos informa
que discorda da opinião do historiador Sérgio Buarque de Holanda,
quando este afirma que Olinda está incluída nas vilas, “[...] que só
serviam de ‘pouso’, ou de veraneio, onde os grandes proprietários
rurais só afluíam nos tempos das ‘festas’ para assistir às solenidades
religiosas e tomar parte nas cavalhadas, torneios e outras diversões
profanas” (p. 3). A curta resposta de Lubambo é: “Error,[...]”, (p.
3.) e procede demonstrando por quê. Lubambo divide seu trabalho
em duas partes. A primeira trata de uma descrição de Olinda, sua
população e a fonte de sua riqueza, enquanto a segunda explica sua
evolução (p. 4).
A população de Olinda pode ser dividida em distintas classes
sociais: “[...] a escravaria, negro ou índia, os mesteirais e mercadores, pequenos agricultores mandados vir de Viana, da Galiza, das
Canárias; por último – enquadrando-os, controlando-os, policiandoos, – os nobres....[...] (p. 7). Estes grupos, também, exerceram suas
75
funções sociais, as quais foram: nobres (militar e agrícola); plebéias
(mesteirais e mercadores); servis (escravos) (p. 7). Lubambo descreve a base comercial de Olinda: “[...] todo o comércio cifrava-se
à indústria de estravação: pau brasil, algodão, pimenta, papagaios,
peles, macacos, a que pouco depois juntava-se um verdadeiro sistema de indústria agrícola, baseado na mandioca e no produto que
constituiria a base da civilização que se ia fundar: a cana de açúcar”
(p. 8). Fato de relevância é que “[...] grande parte desses produtos
era cultivado dentro dos limites da própria Olinda”(p. 8-9).
Sem dúvida, o açúcar exerceu a liderança deste sistema comercial. Em 1542, Duarte Coelho escreve a Dom João III: “Temos
grande soma de canas plantadas” (p. 9). Em 1550, houve cinco engenhos; em 1576, vinte e três; em 1579, sessenta e seis; em 1627,
cem. Definitivamente, o açúcar fez Olinda muito rica (p. 9).
Lubambo destaca, também, o papel das ordens religiosas na
história de Olinda, tais como os Jesuítas, os Franciscanos, os Carmelitas e, um pouco mais tarde, os Beneditinos. Neste ensaio de Lubambo, as atividades dos Jesuítas receberam mais atenção devido
ao Colégio de Olinda e suas atividades religiosas e sociais. Para seu
argumento, porém, a Casa de Misericórdia tem ainda mais importância. Fundada em 1540, a Casa de Misericórdia iria revelar a riqueza,
a liberalidade e a importância cultural representada por esta instituição, das tradições portugueses trazidas para esta Nova Lusitânia,
uma expressão muito querida para Lubambo. Algumas outras Capitanias tinham Casas de Misericórdia, cujo funcionamento exigia
grandes somas, mas a de Pernambuco gastou mais ainda, alguns três
mil cruzados anualmente (p. 11). A importância da Casa de Misericórdia e os cuidados com ela, principalmente na parte financeira,
mostra que Olinda foi mais de que um “pouso”.
76
Lubambo agora começa a segunda parte de seu ensaio que é
a evolução urbana de Olinda, distribuída em três pontos: comércio,
edificação e vida social. Queria adicionar uma quarta: o espírito
público, mas lhe faltou tempo (p. 31, nota 10).
Citando Capistrano de Abreu, Lubambo descreve como “’alguns dos senhores de engenho tinham lojas e alguns dos mercadores
tinham engenhos’ – dando a entender um intercurso entre o ‘rus’ e a
‘urbs’ de relativa importância ” (p. 19). Outro fato importante, foi
a visita do Padre Visitador dos Jesuítas, Pe. Cristóvão de Gouveia
às fazendas e engenhos do interior nos dias de 14 a 16 de outubro,
período fora da época de festas. Lubambo afirma que “[...] se o levaram é porque muitos desses nobres, ou pessoas deles, residiam em
Olinda” (p. 19).
A prova mais contundente, segundo Lubambo, de que Olinda não foi um “pouso” se baseia na intensidade do seu comércio.
Naquela época, durante o ano inteiro, mais de trinta navios sempre
lançaram suas âncoras no porto e esses vieram, não somente de outras Capitanias devido ao sistema de cabotagem criado por Duarte
Coelho, mas da “Europa, do Oriente e até do Perú” (p. 20).
Utilizando a documentação de estampas, Lubambo explica o
seu segundo ponto: as edificações de Olinda:
Foi Olinda uma das primeiras cidades brasileiras – senão a primeira
– que evoluiu dos ‘tujupares’, das ‘ocas’ e das choças dos primeiros
dias da colonização para revelar preocupações de boa arquitetura.
Quando na maior parte das vilas brasileiras da época, as casas cobriram-se de sapé, Olinda já fabricava – fabricava e mesmo exportava
– boas telhas de barro cozido, modelo algarviano, e cobria-se de
sólidas casas de pedra e cal. Essas, sem podermos dizer que fossem
as primeiras do Brasil, seriam, segundo tudo indica, mais numerosas. Em 1580 – segundo Fernandes Gama – eram 700, isto é, um
77
total igual ao que possue hoje a importante cidade de Jaboatão. De
pedra e cal era a Casa-Forte de Duarte Coelho, e, pouco depois, o
Colégio dos Jesuítas. (p. 22)
Além de tudo isto, Lubambo nos lembra o Paço de Duarte
Coelho, edificado em 1535 (p. 22).
Em relação aos interiores das casas e edificações, não faltam
descrições, salientando a sua sofisticação:
As galerias, as salas e os salões, severos nos seus fraldelhins de
azulejo, tinham seus altos muros forrados com panos de Gênova e
tapeçaria flamenga, colchas da Índia e amplos anazes picados de
ouro, oscilando na sombra, eram guarnecidos de ricos mobiliários,
cadeiras de espaldar, sofás entalhados no gosto da Renascença italiana, poltronas de preciosos brocados e divans de estofo antigo, e
do tecto de tumba pendiam candelabros venezianos e lustres de
bronze cinzelado (p. 26).
Notando tudo isto, Lubambo, termima, dizendo: “...diante de
Olinda, se tem a impressão dum exercício prático de sociologia sobre o tema: plano e descrição duma cidade florescente” (p. 29).
O terceiro ponto, a vida social, utilizado para provar que
Olinda não foi um “pouso” é muito curioso. Lubambo cita as verdadeiras extravagâncias, validando a percepção de Capistrano de que
sobre Olinda do século XVI, “paira um atmosfera de kermesse, de
pageant, de irreal”. Citando o Jesuíta, Pe. Fernão Cardim, Lubambo
diz que em Olinda, há “[...] mais vaidade do que em Lisboa. Os
homens ‘são mui dado a festas.’” (p. 28). Outro indicador de extravagância são os gastos de consumo de vinho. Nada menos de que
50.000 cruzados anuais. Ainda outro símbolo de luxo são os cavalos
usados pelos Senhores de Engenho – “[...] corcéis de 200 a 300 cruzados do Algarve e Andaluzia – ricamente ajaezados;[...]” (p. 30).
78
Depois de explicar e descrever a base da riqueza de Olinda
e sua evolução urbana, Lubambo termina seu ensaio assim: “Com
esse alto padrão de vida – a sua arquitetura senhorial, o seu intenso
comércio, a sua vida social, tão brilhante, faustosa e requintada
quanto a da própria metrópole, – Olinda, no século XVI, foi mais do
que um simples ‘pouso ou tapera” (p. 30).
TRECHOS DO DISCURSO DE MANOEL LUBAMBO AO
TOMAR POSSE NA SECRETARIA DA FAZENDA (1937)
LUBAMBO, Manoel. Trechos do discurso de Manoel Lubambo
ao tomar posse da Secretaria da Fazenda. Fronteiras, Recife, v. 6,
n. 30-31, p. 12, nov./dez. 1937.
Ao ser convocado para a pasta de Secretária da Fazenda, Lubambo exercia com competência suas tarefas no Branco do Brasil no
Recife. Este discurso visa informar a seu auditório das estratégias do
seu trabalho, inclusive já prevê os projetos de sua pasta, dos quais a
Caixa de Crédito Mobiliário Cooperativo de Pernambuco seria um
exemplo. Apresentamos os trechos publicados na revista “Fronteiras”.
O corporativismo foi por muito tempo, nos dias em que iniciei os
meus estudos econômicos, o meu ‘violon d’Ingres’. Cedo vi que
a solução apontada por La-Tour-du-Pen para reparar os estragos
produzidos no domínio da economia européia, pelas doutrinas liberais, era também, solução brasileira. As peculiaridades do meio
geográfico e da formação histórica entraram como fatores de diferenciação, como flexões para mais ou para menos – e eu julgo que,
no nosso caso, para menos – mas o princípio geral seria um só: o
corporativo.
A Corporação de Ofício não é uma planta exótica na paisagem
econômica do Brasil. De existência apenas suspeitada a princípio,
sabe-se pelos estudos de modernos pesquisadores, que floresceu nos
79
centros mais populosos do Brasil colonial e se não deixou raízes
mais fundas na nossa tradição econômica e social foi devido a dois
fatores que o Sr. Oliveira Vianna – num dos capítulos penetrantes
da sua bela obra – destingue com segurança: a ação do patriarcado rural e a atonia, resultante da fraca densidade demográfica, dos
centros urbanos. Hoje, porém, a situação inverteu-se. O aparelhamento industrial, conseqüente à política protecionista inaugurada no
Império, deu uma expansão revolucionária à cidade e o problema
hoje é: atrofia rural e hipertrofia urbana. Portanto: simples tradição
peninsular nos quatro primeiros séculos, tradição morta por falta
de ambiente e de complexidade urbana, a Corporação é hoje uma
necessidade inelutável. Estamos colocados no círculo universal e é
um belo tento que o Estado Novo assigna este de ter estruturado em
bases orgânicas a carta política do regime que se inicia.
Um dos mais brilhantes discipulos da escola de Le-Play – Roger
Semichon – disse que a duração das nações está em relação com
a sua economia rural. Do esquecimento dessa verdade elementar
resultou a situação calamitosa em que se encontra a economia pernambucana, lucidamente definida pelo Dr. Agamenon Magalhães
quando disse que o nosso problema é o pauperismo, resultante da
monocultura cannavieira. A cana de açúcar – ainda hoje, segundo
o Sr. Apolônio Salles, o nosso mais rendoso produto por hectare
– figura como a nossa principal fonte de receita, mas se ela permite
o elevado ‘standard’ da vida do Estado não tem o condão de influir
nos índices de preços dos produtos importados, que são justamente
os destinados à alimentação. Donde: 1º, desnível da situação das
classes produtoras considerados entre si; 2º, desequilíbrio entre a
riqueza pública e a riqueza privada – aquela superior às potencialidades desta. Quem quiser ovos de ouro que dê às suas galinhas um
tratamento especial.
A política do Estado Novo e aqui não faço mais do que repetir o
Sr. Interventor – é uma política de aproximação entre o Estado e o
produtor. Aproximação não só fiscal, mas humana e social pois o
problema econômico não é mais do que um problema demográfico.
Estes os princípios que estão na base das idéias que trago para a
pasta da Fazenda.
80
JACKSON (1937)
LUBAMBO, Manoel. Jackson. Fronteiras, Recife, v. 6, n. 30 -31,
p. 1, nov./dez. 1937.
Lubambo escreveu esta pequena notícia, lembrando a morte de
Jackson de Figueiredo. Apresentamos a mesma na íntegra.
O sentimento que devemos cultivar em relação a Jackson é o da
gratidão. O seu catolicismo não é dos tais que só servem em teoria.
Pode ser perfeitamente traduzido em termos de ação e não vira nenhum budismo, quando colocado em face da vida. É um catolicismo
construtor, realizador, prático, sensato, fecundo. É um catolicismo
capaz
de resolver problemas. É
uma doutrina de ação e não um entorpecente.
No tempo de Jackson, o vocabulário dos católicos não se tinha comprometido com expressões suspeitas como as que vemos em curso
presentemente. ‘Liberdade intelectual sem a qual não há verdadeira
cultura’ – ‘respeito à dignidade da pessoa humana’ – esta última sob
aparências ortodoxas mal disfarçando o timbre dum puro ‘slogan’
de esquerda – eis expressões que Jackson desdenharia. As palavras de Jackson eram palavras ásperas, ascéticas, ‘fascistas’, disciplina, obediência, dever. Que importa que católicos corrompidos
pelo dicionário da ‘Liga dos Direitos do Homem’ não compreendam
o valor espiritual desse vocabulário! Religião não é uma carta de
direitos, mas uma carta de deveres. Nem a dignidade da pessoa
humana reside nas ilusórias regalias do regime liberal. A suprema
dignidade está em obedecer.
81
O GOLPE DE 10 DE NOVEMBRO, REALMENTE, QUALQUER COISA DE NOVO EM TODOS OS SETORES DA
VIDA ADMINISTRATIVA DE PERNAMBUCO (1938)
LUBAMBO, Manoel. O golpe de 10 de novembro, realmente, qualquer coisa de novo em todos os setores da vida administrativa de
Pernambuco. Fronteiras, Recife, v. 7, n. 1/2 p. 18, jan./fev. 1938.
Este artigo é uma entrevista dada por Lubambo à Agência Nacional durante uma reunião de Secretários de Fazenda no Rio de
Janeiro convocada pelo Ministro da Fazenda, Artur de Souza Costa,
no início de 1938. Em nível nacional, esta reunião foi a primeira
para coordenar as novas orientações financeiras do Estado Novo, decretado poucos meses antes. Interessante como Lubambo articula
bem seus pensamentos, dando entrevistas e esta é a primeira entre
uma série que nos ajuda bastante a entender seu pensamento, seja
sobre assuntos financeiros, seja sobre. Damos a parte central desta
entrevista que foi publicada na “Folha da Manhã” do Recife, no dia
11 de fevereiro de 1938.
A Agência Nacional pode divulgar que o problema de Pernambuco é duplo: sustentar um tipo de economia que suporte o onus da
máquina administrativa, elevada a um ‘standard’ superior às suas
forças, a solucionar o problema do ‘deficit’ da produção alimentar,
que se cifra anualmente, em cerca de cem mil contos.
[...] Isto é dar solução ao problema do que se convencionou chamar
economia do Estado e de economia da população. A solução do
primeiro caso está em assegurar a produtividade dos nossos dois
principais produtos, o açúcar e o algodão. Visando isto, o interventor já iniciou uma larga política de crédito, promovendo a irrigação
das propriedades, mediante empréstimos aos produtores, na base
de 50% das despesas [...] O problema da alimentação, foi também,
energicamente enfrentado. Não só estes problemas foram atacados,
desta forma. Os benefícios da irrigação visam, também, as pro82
priedades de culturas alimentares. Algumas outras medidas foram
postas em prática. Por exemplo: a exigência, feita a todos os produtores beneficiados, quer pelos empréstimos de cooperação, quer
pelo financiamento, por intermédio do Branco do Brasil, no sentido
de reservarem, os primeiros – dez por cento, os segundo – cinco por
cento da área de cultura principal, para os produtos de alimentação.
Grande esforço vem sendo feito, ainda no sentido de estimular a pecuária, a indústria do leite e a horticultura, e de animar os pequenos
ofícios, o artesanato, as indústrias caseiras, e desenvolver a pequena
propriedade.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO (1938)
LUBAMBO, Manoel. Considerações em torno do imposto de exportação. Fronteiras, Recife, v. 7, n. 3 p. 14, mar. 1938.
Quando Lubambo foi convidado para a pasta do Ministério da
Fazenda do Interventor Magalhães em 1937, estava trabalhando no
Banco do Brasil. Assumiu uma pasta difícil num momento turbulento da nação. Já tinha firmado o seu nome como jornalista, mas ainda
não como economista. Seu trabalho paciente e competente nesta
pasta lhe apresentaria novas oportunidades nunca antes contempladas. Este artigo que apresenta seu argumento sobre o imposto de exportação numa conferência dos Secretários da Fazenda dos Estados
do Brasil, no mês de março de 1938 no Rio de Janeiro, marca um
momento importante da vida de Lubambo. Começaram a se revelar
suas habilidades econômicas. Apresentamos uma citação que traz o
ponto central de sua apresentação sobre o imposto de exportação:
[...] tema relativo à eliminação do imposto de exportação, inscrito no
programa dos nossos trabalhos é de vital interesse para Pernambuco
e a maioria das demais unidades da federação.
83
Tributo que atravessou dois Regimes – três, se incluirmos o Colonial
– constituindo quase sempre a principal fonte das receitas estaduais,
nada aconselha a sua extinção.
[...] Esta atitude – já, por assim dizer, histórica – dos dois Regimes,
relativamente aos impostos de exportação interestaduais, representa
uma mesma compreensão do fenômeno econômico brasileiro:
compreensão realista, fundada na inexistência dum mercado interno
bastante vivaz para comportar a substituição do velho imposto de
exportação por outros quaisquer.
COMPOSIÇÕES FOTOGRÁFICAS DE JORGE DE LIMA
(1938)
LUBAMBO, Manoel. Composições fotográficas de Jorge de Lima.
Fronteiras, Recife, v. 7, n. 4 e 5, p. 3, abr/mai. 1938.
É o único exemplo que encontramos de uma apreciação de
fotos feitas por Lubambo. Aqui trata-se de quatro fotos tiradas por
Jorge de Lima que cobrem a página inteira de “Fronteiras”, cujo
tamanho é 41,5 cm por 30,5 cm. Não há texto que acompanhe. É
para olhar e apreciar mesmo.
CONSIDERAÇÕES À MARGEM DO 1º DE MAIO ( TRECHO
DE ESTUDO) (1938)
LUBAMBO, Manoel. Considerações à margem do 1º de maio (trechos de estudo). Fronteiras, Recife, v. 7, n. 4 e 5 p. 9, abr/mai.
1938.
Motivado pela Carta do Trabalho Nacional proferido por Getúlio Vargas no dia 1º de maio de 1938, quando “assinou um decreto,
determinando que fossem realizados estudos para a implantação do
salário mínimo no país, e isentando de imposto as propriedades ad84
quiridas pelos trabalhadores, através do Instituto de Previdência”.
(DULLES, John W. F. Getúlio Vargas; biografia política. Tradução
Sérgio Bath; Marisa Bath. Rio de Janeiro: Renes, 1967. p. 205.)
Lubambo publicou suas reflexões sobre os operários. É a sua mais
completa opinião sobre o assunto. É um pouco longa, mas merece
ser apresentada na íntegra.
A corporação é a ordem na produção, a justiça na oficina, o salário
vital, a alegria e a paz. Mas para se chegar até ela faz-se necessária
uma mentalidade diferente da até agora dominante, u’ma mentalidade contra-revolucionária. O clima corporativo é o dos interesses
solidários. Aí não há lugar para reinvindicações, greves, lock-out,
expansões libertárias; para a chamada política de classes. Não há
lugar para nada disso, porque a corporação é síntese e nela todos os
interesses estão automaticamente satisfeitos e defendidos. O operário deve ingressar nela, ambicionando justiça e paz. Mas nem a
justiça nem a paz são possíveis sem o reconhecimento de todas as
outras categorias sociais: a família, o município, a pátria. A produção é um fenômeno local, mas se acha tão estreitamente ligada
a outros fatores, que é também um fato estadual e nacional. Isso
é hoje um truismo. Mas o operário deve se preparar por um longo
trabalho de compreensão e disciplina, no sentido de ser sensível a
essas verdades e se mostrar razoável. O operário tem também dimensões espirituais. O artífice brasileiro sempre honrou os valores
do espírito. Eles encheram os nossos monumentos e igrejas com
as jóias do seu esforço, da sua sensibilidade e do seu fervor. As
‘raízes do Brasil,’ de que falava outro dia com emoção o Interventor Agamemnon Magalhães são obra do marceneiro, do pedreiro,
do pintor, do entalhador. O trabalho era honrado e santificado por
um alto ideal. O operário trabalhava na humildade, na obediência e
na fé. Só nesse espírito é que é possível fazer obra grandiosa. Os
artífices que enriqueceram o nosso passado com tantos monumentos eram os mesmos que se reuniam em irmandades e corporações.
Foram homens capazes de disciplina e abstração. O homens vivem
grupalmente. Chegamos ao momento histórico em que todos vão
ter iguais direitos – iguais, efetivamente e não como na liberal-de85
mocracia que repousava sobre uma falsa igualdade – mas é preciso
que o trabalhador não queira inverter as posições e estabelecer uma
primazia do proletariado. O Capital, que é trabalho acumulado, que
detém em suas mãos o espírito de empresa, a especialidade, a direção; as forças morais, o clero; os intelectuais, os artistas, pertencem
à comunhão brasileira e só haverá construção duradoura partindo-se
do respeito de todos os ‘braços’ sociais. A carta de 10 de novembro
consagrou a emancipação do trabalho. É a Carta do Trabalho Nacional. Que os operários pernambucano, porém, não caiam no clamoroso erro do capitalismo, que durante mais de um século ignora
o operário e sua família.
DA CRISE DO PENSAMENTO HISTÓRICO NO BRASIL
(1938)
LUBAMBO, Manoel. Da crise do pensamento histórico no Brasil.
In: LUBAMBO, Manoel. Olinda e outros ensaios. Recife, Tradição,
1945. p. 79-94. (A maioria das suas citações são deste trabalho. As
fontes das outras citações serão indicadas.)
Lubambo escreveu este ensaio para sua entrada no Instituto
Arqueológico de Pernambuco no dia 2 de julho de 1938. (Guilherme
Auler fez um discurso na entrada de Manoel Lubambo como sócio
no Instituto Arqueológico, Histórico de Pernambuco. Veja: Fronteiras, ano VII, n° 7, julho, 1938. p. 4.). Começa bastante saudosista,
elogiando, apreciando e defendendo o que representam os fraques
pretos dos sócios nas fotografias publicadas nos jornais da época.
Faz isto porque os mesmos fraques e seu senso de seriedade têm
servido como objetos ridículos pelas pessoas consideradas mais modernas (p. 81).
86
Lubambo, lendo a sua conferência, “Da crise do pensamento histórico
no Brasil”, no dia 02 de julho de 1938, no Instituto Arqueológico e
Histórico de Pernambuco, quando entrou como sócio efetivo.
Depois de valorizar historiadores como José Higino, Regueira Costa, Alfredo de Carvalho, Manuel de Oliveira Lima e Pereira da
Costa, Lubambo entra no seu assunto. “Ora, a crise do pensamento
histórico existe. Ela se traduz pela tendência dos que o reduziram
a essa miserável sindicância de vícios e detalhes repulsivos de que
estão cheios os últimos livros do gênero, anedotários de porcaria,
almanaques onde a preocupação do ‘líbido’ é maior do que a da his87
tória” (p. 83). Esta é uma clara referência a Gilberto Freyre, alvos
dos ataque constantes de Lubambo, e ao seu livro “Casa Grande e
Senzala”. Lubambo cita agora outro alvo predileto, Jacques Maritain, afirmando que o mesmo não valoriza a tradição, o pensamento
histórico. Sua culpabilidade é maior ainda por ser católico. Segundo
Lubambo, “catolicismo, por definição, é crença: crença na tradição,
crença no testemunho”(p. 84). Junto com Maritain, foi colocado
Paul Valery, visto que esse diz. “L’Histoire est le produit plus dangereux que la chimie de la l’intellect ait elaboré” (p. 84). Maritain
e Valery ferem o pensamento histórico, mas por razões diferentes.
Lubambo explica: “A posições em que se coloca Valery não deixa
de impressionar qualquer coisa de semelhante à de Jacques Maritain,
cujo pessimismo histórico é uma das heresias do nosso tempo. Somente para aquele, o passado não deve voltar, ao passo que para este
não pode. Da Idade-Média, por exemplo, sentencia Maritain: ‘Dans
le style héroique, ne dit-on-il pas: il a vecu pour dire, Il est mort?
Ainsi en est-il de la civilasation médieval, elle a porté son fruit” (p.
85). Dos dois, Maritain capta mais o interesse de Lubambo, principalmente o seu livro, “Humanisme Integral” (p. 87).
Lubambo argumenta que sua idéia de história e do papel da
pessoa humana nela é mais sofisticada que aquela de Maritain.Segundo Lubambo, Maritain acredita que eventos do passado não voltam
mais. Lubambo sabe disso, mas as soluções dadas pela pessoa humana para determinadas dificuldades merecem nossa atenção. Além
disso, Lubambo postula que a pessoa humana não muda e invenções
como a máquina não a modificaram. Para fortalecer o seu argumento, apela para o poeta americano (Ralph Waldo) Emerson que
disse: “I feel the eternity of man, the identity of his thoughts”.(Sinto
a eternidade do homem, a similaridade de seus pensamentos) (p. 88).
88
Lubambo acrescenta: “O que há de maravilhoso no homem é que é
sempre o mesmo através dos séculos. A máquina em nada o modificou ou alterou. Mesmo nas suas expressões de massa”(p. 88). Por
causa disso, afirma: “A experiência adquirida através dos séculos
é um capital precioso sobre o qual devemos constantemente sacar.
Não só se pode, como em muitas ocasiões se deve, voltar às fórmulas do passado”(p. 89).
Contrabalançando o pensamento de Maritain, Lubambo
cita outro filósofo francês, mais em harmonia com o seu, Joseph
Desclausais:
Não é isso o mesmo que dizer que há precisamente, na obra e na
experiência da tradição, mesmo a mais antiga, um conteúdo formal,
cuja natureza, independente das contingências da História e talvez
da Geografia, é válida para todos os temas e lugares? A lei imutável
da vida é que morremos, porém transmitindo antes vida, morrer sem
deixar nada atrás de se é morrer duas vezes. O que da História morre é o que devia morrer, necessariamente. Há, porém, Instituições
Soberanas que triunfam da morte e vencem o tempo (p. 90).
O objetivo das críticas de Lubambo é o pensamento que divorcia os fatos da realidade. Não desvaloriza o pensamento especulativo, mas não o chama de pensamento histórico. Defende um pensamento histórico porque oferece ajuda para pessoas e instituições
atuais. Assim, Lubambo organiza seus pensamentos finais deste ensaio. Vamos ver como fez:
O Brasil precisa duma geração [...] que tenha o culto do passado
e que saiba ver através dos erros, dos vícios e pecados nos nossos
maiores, o que eles fizeram de duradouro e grandioso. Tudo no Brasil está por fazer. O ‘imperialismo brasileiro’ não pode ser obra de
filósofos. Será dos homens de ação, de poetas e políticos fortemente
imbuídos de ideais e critérios históricos (p. 94).
89
Quando Lubambo entrou no Instituto Arqueológico de Pernambuco, ainda exercia o cargo de Secretário da Fazenda do governo de Agamenon Magalhães. E mesmo saindo do Secretariado não
muito depois, por causa de divergências com Agamenon, terminou
seu ensaio com referências muito positivas ao Interventor:
[...] o sr. Agamenon Magalhães vem imprimindo a sua doutrina de
governo. Os artigos que constituem a sua doutrinação diária pela
imprensa respiram um ar salubre. Neles estão presentes valores históricos. ‘Comunidade histórica’ – ‘clima histórico’ – ‘realidades
históricas’ – eis conceitos e afirmações que constituem a trama da
sua pregação doutrinária. O sr. Agamenon Magalhães, que tem o
senso da grandeza e do real, sabe que quanto mais profundamente
o regime deitar raízes no passado mais ‘chances’ terá de vencer e
durar. A restauração da nossa cultura histórica não podia ter mais
autorizado patrono (p. 94).
CAIXA DE CRÉDITO MOBILIÁRIO COOPERATIVO DE
PERNAMBUCO (1938)
LUBAMBO, Manoel. Caixa de Crédito Mobiliária Cooperativo de
Pernambuco. Fronteiras, Recife, v. 7, n. 9 p. 14-15, set. 1938.
Depois de aturar a Secretria da Fazenda por nove meses, Lubambo idealizou a Caixa de Crédito Mobiliário Cooperativo de Pernambuco. O que o motivou para a criação da Caixa foi o fato de que
Pernambuco não tinha “capitais monetários” e o Estado desejava
fornecer crédito, inicialmente, aos pequenos produtores. Lubambo
defendia que o “crédito deve ser um elemento de trabalho e não um
instrumento de exploração e de ócio”. Neste artigo muito detalhado,
Lubambo explica que tipo de instituição financeira iria ser criada
pelo Estado. Dividiu sua apresentação em cinco tópicos: 1) considerações gerais, 2) formação de capital, 3) funcionamento da caixa, 4)
90
recursos e 5) operações. A Caixa tinha duas carteiras em paralelo,
uma urbana, outra rural. A primeira atuava como banco comercial,
tanto para comerciantes como para produtores, emprestando recursos a curto prazo. A segunda atuava a prazo mais longo, de um ou
dois anos. As duas carteiras tinham que trabalhar em conjunto. Por
exemplo, a carteira urbana foi estruturada para suportar os prejuízos
da carteira rural a curto prazo. Lubambo alertou que, para seu bom
funcionamento, o técnico do Banco e a diretoria do Departamento de
Assistência às Cooperativas tinham que trabalhar juntos.
ALGUMAS NOTAS SOBRE A PINTURA DE DONA FEDORA
DO REGO MONTEIRO FERNANDES (1938)
LUBAMBO, Manoel. Algumas notas sobre a pintura de Dona Fedora do Rego Monteiro Fernandes. Fronteiras, Recife, v. 5, n. 18,
p. 16, out. 1938.
Lubambo coloca o trabalho artístico de Dona Fedora do Rego
Monteiro Fernandes na tradição urbanista pernambucana, junto com
Manuel Bandeira. Isto para distinguir os dois da outra tradição pernambucana, que é a “do paisagismo rural com o culto da natureza
pela natureza”, exemplificada por Telles Junior. Lubambo é bastante
favorável ao trabalho de Dona Fedora e enumera algumas de suas
qualidades: “[...] um senso muito brasileiro da cor; uma linha, que
eu chamaria introspectiva; uma grande e solemne dignidade. Uma
pintura liúrgica. Feita com vagar e amor.”
Conforme os cânones da pintura, Lubambo tem dificuldade
para analisar a sua técnica. Entretanto, defende-se, dizendo que “Em
Dona Fedora os problemas da cor, da forma, do espaço, se revestem,
cada um deles , duma particularidade própria, difícil sendo catalogálos, dentro duma classificação global de escola.”
91
O que interessa mais a Lubambo no trabalho de Dona Fedora
é a questão do colorido. Diz o seguinte:
Devo-me deter nessa questão do colorido. É o problema central
da pintura de Dona Fedora. É pela substância cromática, por esses
tons sensacionais, por esse senso dir-se-ia que carnavalescamente
variegado da cor, com seus azuis, seus amarelos, seus vermelhos,
sobretudo, seus vermelhos, que a sua pintura se reveste de importância e de sentido. São cores ou tons que chamam a atenção não só
pelo que têm de esquisito, como pelo que têm de ‘nacional’. Não é
uma simples volúpia pessoal da cor o que observo, É um imperativo
da raça e do sangue. É uma cor, a sua, que só se pode compreender
– não digo sentir – indo às igrejas e reparando para os azuis, os
dourados, os verdes, os vermelhos, dos retábulos, das imagens e dos
painéis. Imagens, retábulos, painéis, com o seu barroquismo e o seu
profundo sentimento brasileiro da cor. por isso é que eu posso dizer
que do ponto de vista da cultura e da ‘raça’, é o mais ‘nacional’ dos
pintores pernambucanos. E o seu caso, que é sociológico além de
pictórico, o mais sério da nossa pintura.
DISCURSO DE MANOEL LUBAMBO NA RÁDIO CLUB; 10º
ANO DA MORTE DE JACKSON DE FIGUEIREDO. (1938)
LUBAMBO, Manoel. Discurso de Manoel Lubambo no Rádio Club;
10º ano da morte de Jackson de Figueiredo. Fronteiras, Recife, v. 7,
n. 11, p. 4, nov. 1938.
A edição de “Fronteiras”, de novembro de 1938, publicou matérias especiais em comemoração do décimo aniversário da morte de
Jackson de Figueiredo. Entre elas, está este discurso que Lubambo
pronunciou na Rádio Club, o que é uma raridade. O aspecto curioso
de Lubambo é que, quando dá entrevistas, parece que se sente mais à
vontade. Um resultado disto é que revela posições e linguagem mais
combativas. Apresentamos um trecho deste discurso que exemplifica o seu estilo e conteúdo.
92
Na França, segundo observava há pouco Jean-Pierre Mexence, Jacques Maritain é homem que acusou Descartes de ‘angelista’ e hoje
é angelista, é o homem que celebrou Psichasri, Pasichari soldado,
e hoje tem medo da espada. No Brasil é este catolicismo com água
que se conhece. Catolicismo de menor esforço dos que falam mais
na palavra ‘liberdade’ do que na palavra ‘dever’; dos que enchem
o boca de ‘slogans’ de esquerda, tipo frente popular, dos que usam
como valor supremo a palavra ‘humano’, humana’; dos que falam
dos anseios da liberdade e só faltam reconstituir o ‘liberdade, igualdade, fraternidade’, fragorosamente demolido por Jackson; dos ‘pacifistas’; dos ‘gentis; dos ‘democratas cristãos’, mais democratas do
que cristãos, como diria o general Franco, dos que só se lembram
das passagens amenas dos evangelhos e pensam que quando Cristo
dizia ‘vim trazer não a paz mas a guerra’ referia-se a uma guerra de
cartucho de festim, dos ‘humanitários’, dos que são mais misericordiosos do que Deus, pois Deus condiciona o perdão dos pecados
ao arrependimento e à penitência e os nossos poetas não o condicionam nem a uma coisa nem a outra, dos que por uma miserável
sofisticação comparam Franco com Hitler, dos que são pressurosos
em acusar os crimes do nazismo e vivem a reboque da imprensa esquerdista, concedendo-lhe entrevista, toda a vez que ela acha conveniente estabelecer confusão e atacar o homens das direitas e forças
da ordem. Isto não é catolicismo; é outra coisa.
CAIXA DE CRÉDITO MOBILIÁRIO DE PERNAMBUCO
(1938)
LUBAMBO, Manoel. Caixa de Crédito Mobiliário de Pernambuco.
Fronteiras, Recife, v. 7, n. 11 p. 6, nov. 1938.
Na inauguração da Caixa de Crédito Mobiliário de Pernambuco, no dia 10 de novembro de 1938, Lubambo deu uma palestra
cujos trechos mais significativos foram publicados em “Fronteiras”.
Basicamente é uma explicação resumida desse programa social promovido pelo Interventor Agamenon Magalhães, o qual Lubambo
explicou em grandes detalhes na edição de “Fronteiras” de setembro
93
de 1938. Lubambo deu ênfase à necessidade de oferecer crédito de
valores menores aos pequenos comerciantes e agricultores que enfrentavam dificuldades. Chama esta ajuda de “crédito de exercício”,
que tanto faltava no Estado de Pernambuco.
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE “NORDESTE” (1939)
LUBAMBO, Manoel. Considerações em torno de “Nordeste”.
Fronteiras, Recife, v. 8, n. 4, p. 9, abr. 1939.
Lubambo escreve uma crítica mordaz sobre o livro “Nordeste”, de Gilberto Freyre. É uma certa ironia que o objeto de suas mais
contundentes críticas, Gilberto Freyre, também, foi muito semelhante a ele no sentido de que os dois tinham grande sensibilidade artística e estavam bem atualizados nas correntes de idéias de sua época.
Basta ver os interesses dos dois sobre arte, poesia, cultura regional e
até, sim, ecologia, pela qual, neste artigo, Lubambo não poupa críticas ferrenhas a Freyre. Também é neste artigo que Lubambo chama
Freyre de “Pornógrafo”. O artigo é curto e oferecemos duas citações
que dão o tom do mesmo. Eis a primeira:
Só agora pude ler o ‘Nordeste’ do famigerado sociólogo Sr. Gilberto Freyre. Com o seu proverbial pedantismo, o autor começa
dizendo que o ‘ensaio é uma tentativa de estudo ecológico’ para afirmar depois que se trata de estudo ‘quase impressionista’. Donde se
conclui que essa ‘ecologia (os leitores brasileiros gostam de nomes
pomposos e o autor sabe cortejar esse apetite) é uma ecologia impressionista. Imagine-se uma química, uma física, ou uma geologia
impressionista e se terá uma idéia da ‘ecologia’ do Sr. Gilberto...
A impressão que tenho de cada livro do Pornógrafo é a de livros
sem assunto.”
E a segunda:
94
“Não digo que a sociologia do Sr. Gilberto Freyre seja totalmente desprovida de interesse. Mas é uma sociologia de pitoresco, de
detalhes. Si há uma ‘petite histoire’ (a anedótica) deve haver uma
‘petite sociologie’ (que deve ser igualmente a anedótica). A do Sr.
Gilberto Freyre é deste tipo. É – repita-se – uma sociologia de detalhes. Sociologia do morcego, da cobra, do gato, da raposa, do
guará, e até do carrapato, da varejeira, do lacráu e do bicho de pé.
É só. –.”
EXONEROU-SE, NO DIA 25 DO CORRENTE, DO CARGO
DE SECRETÁRIO DA FAZENDA, O NOSSO DIRETOR M
ANOEL LUBAMBO. Fronteiras, Recife, v. 8, n. 6, suplemento
I, jul. 1939.
Este artigo não é assinado, mas foi Lubambo, que o escreveu
quando foi exonerado. Trata-se de um discurso curto em resposta ao
seu sucessor, José do Rego Maciel. Vamos reproduzi-lo na íntegra:
Sr. Secretário. – Ao passar-lhe (José do Rego Maciel) o posto em
que servi durante cerca de vinte meses e a que dei toda a minha
emoção de pernambucano, é com justificada vaidade que posso afirmar que não poderá V. Exa. dizer o que eu disse, repetindo o Barão
de Louis, ministro da Fazenda de Luis XVIII isto é que virá administrar a miséria do seu Estado.
Deixo a casa em ordem. O equilíbrio orçamentário foi duas vezes conseguido. A justiça fiscal, sob minha gestão foi dogma. O
aparelho arrecadador alcançou uma eficiência jamais atingida. A
cotação dos títulos do Estado elevou-se a cifras raramente registradas na bolsa de Recife: as apólices de 7 %, nominativas, beneficiaram-se de uma alta da ordem de Rs. 165$000, e as de 7 % ao
portador duma alta de Rs. 140$000. Neste curto período pagou-se
cerca de Rs. 6.000:000 da dívida flutuante deixada pela passada administração. O exercício de 1938 encerrou-se com um saldo de
Rs. 5.800:000$000 e nesta data, em pleno inverno, época clássica
de penúria da tesouraria, as disponibilidades nos bancos atingem a
cifra altamente expressiva de Rs. 12.000:000$000.
95
Ao transmitir-lhe o cargo, não quero fazê-lo sem felicitar a fazenda
pernambucana, na pessoa do sr. interventor federal, pela feliz escolha do nome de v. excia., em que vejo não só um dos técnicos mais
capazes do meu Estado, e um financista que sabe aliar a melhor doutrina ao tirocínio e à experiência, mas um homem que acompanhou
de perto todo o meu esforço realizador e que vem para esta Secretaria, eu o acredito, não com um espírito de reforma ou de destruição,
mas com o ânimo de afinar e retocar, numa palavra: de construir.
UMA ENQUETE PROMOVIDA PELA REVISTA CHRÉTIENTÉOCCIDENT, SOBRE O PROBLEMA DO NACIONALISMO
(Ouvido o Diretor de “Fronteiras”) (1939). Fronteiras, Recife, v.
8, n. 7, p. 9-8, jul. 1939.
Um representante da revista belga, “Chrétienté-Occident”, Armand Bernardini, fez uma entrevista, por correio, com Lubambo.
A primeira parte deste artigo traz o pensamento de Bernardini e a
segunda, um resumo das respostas de Lubambo às perguntas que lhe
foram feitas.
Este artigo não é assinado, porém supomos que o editor do
mesmo é Lubambo. Em todo caso, o editor de “Fronteiras” lista os
seguintes interesses de “Chrétienté-Occident”: “[...] nacionalismo e
outros problemas correlatos como racismo, hitlerismo, a questão
judaica [...]”
A parte final do artigo resume melhor o pensamento de Lubambo sobre a finalidade da revista “Fronteiras”:
Penso que digo o bastante sobre o programa nacionalista de ‘Fronteiras’, afirmando que esta revista é hoje no meu pais a campeã da
renovação brasileira sobre a base da história, pois que procura nos
dados da nossa tradição, quatro vezes secular, os princípios de ordem que devem informar as instituições e o regimen.
96
Aliás, o Estado Novo caminha nesse sentido, e não obstante estar
sendo trabalhado por impenitentes e insidiosas correntes de esquerda, que se aproveitam da longanimidade do presidente Vargas para
operar, este há pouco tempo denunciava os ‘ursos moscovitas’ que,
sob aparência de arautos da democracia e da liberdade, não fazem
outra coisa que destruir o que temos de mais sagrado na base de nossas instituições. No mesmo discurso, ele proclamava que os povos
não podem ser dirigidos, contrariados em suas tradições, presos a
regimens que lhes negam a história.
Era grande tempo de dizer coisas como estas. Não precisamos de
modelos estrangeiros, senão naquilo que deve ser comum a todos os
regimens de ordem. O ‘facismo’ – sem embargo do caracter épico
do regimen, que banha no clima nobre e saudável da exaltação da
pátria e da família – é , em sua concepção do Estado estranho a meu
país. Porém muito mais que estranha – exótica – é esta decantada democracia, transplantada ao Brasil, nos flancos do liberalismo
maçônico, no primeiro quartel do século XIX e à sombra da qual
se tem cometido tantos crimes contra Brasil. A nossa tradição está
longe de ser democrática. É aristocrática e autoritária. Corporativa
também. É na defesa e na propagação destas idéias, tão caras à
melhor corrente da minha geração que Fronteiras vê seu caminho
e seu combate.
GUERRA DOS MASCATES (1939)
LUBAMBO, Manoel. Guerra dos Mascates, Fronteiras, Recife,
v. 8, n. 8, p. 5, ago. 1939.
“Guerra dos Mascates” foi uma entrevista dada por Lubambo
em reação a uma polêmica iniciada por Mário Mello, Presidente do
Instituto Archeológico e Histórico de Pernambuco. Mello atribuía
aos eventos de 1710 em Pernambuco um caráter de movimento republicano. Lubambo, membro recente do mesmo Instituto, defendia
outra opinião, dando a essa briga acadêmica um tom pessoal. Mello
alegava que o Congresso Nacional de História concordava com sua
97
posição. O desfecho do assunto veio por dentro do próprio Instituto:
outro membro, Metódio Maranhão, fez conhecida a sua opinião na
“Folha da Manhã”, refutando a opinião de Mello.
Esta entrevista traz a opinião de Lubambo que, ao que tudo
indica, simplesmente concordava com a opinião de Maranhão.
Lubambo termina a entrevista assim:
Mário Melo, em conclusão à sua tese no Terceiro Congresso de história, afirmou o seguinte:
‘No tumulto das idéias em choque, era pensamento dos pernambucanos estabelecer um regimen sem rei, desligado da obediência de
Portugal, o que pode identificar-se hoje como república, de acordo
com a própria expressão da república: república independente’.
Em face do que expus, penso que posso dizer que essa conclusão
consulta à sua tendência, aos seus desejos às suas predileções ideológicas, não à verdade histórica. Essa é incompatível com romance
e desmente sem esforço as versões fáceis da história de facção...
A REVOLUÇÃO DE 1817 (1939)
LUBAMBO, Manoel. A Revolução de 1817, Fronteiras, Recife, v.
8, n. 8, p. 5, ago. 1939.
O grupo “Fronteiras”, liderado por Lubambo, estendeu sua
campanha para reapropriar a história nacional e particularmente a
de Pernambuco. O grupo considerou que a maçonaria tinha roubado
esta história, dando-lhe conotações liberais. “’A Folha da Manhã’
tinha publicado um programa da ‘Semana de Estudos Históricos’
sobre a revolução de 1817, promovida pela revista ‘Fronteiras’”.
Nessa entrevista, Lubambo fala sobre o objetivo desta “Semana”.
Achamos mais interessante a parte intitulada, “Os objetivos da ‘Semana’” que vem em seguida:
98
O que queremos é restaurar a verdadeira fisionomia da nossa história, para dar de Pernambuco a imagem que ele herdou dos nossos
maiores e não a que entende essa história facciosa. Aliás, o que
estamos fazendo constitui uma reação hoje universal. Um pouco por
toda a parte se trabalha nesse sentido: na França, com Pierre Gaxote,
Jacques Bainville, Funck-Bretano, tanto outros, na Inglaterra , com
Belloc: na Espanha com o admirável grupo de ‘Acción espanhola’, em Portugal, com Sardinha, Alfredo Pimenta, Caetano Beirão.
Infelizmente no Brasil o homem que estava destinado a fazer esse
serviço, Jackson, desapareceu. De sorte que até agora tivemos de
suportar o jugo das lojas sem reação. Como vê, porém, a mocidade
acorda e está disposta a dar bons golpes de espanador nestas teias
de aranha. O grupo que vai se encarregar das conferências é todo
de inteligências jovens e audaciosas, sem nenhum respeito pelos
‘poncifs’ do chamado ‘século estúpido’. O padre José Tavora foi
quem iniciou, no Seminário de Olinda, a reação contra o endeusamento dos ‘patriotas’ de 17. O capitão Mário Fernandes Imbiriba,
encarregado de descrever os 75 dias da revolução, é um militar que
conhece as verdadeiras linhas do civismo brasileiro.
É autor dum brilhante ‘Batalhas estéticas’ e agora mesmo a ‘Imprensa Oficial’ editou, prefaciado pelo general Lobato Filho, útil e
oportuno ‘Breviário de Instrução Moral e Cívica’. José Campello
tem uma tradição contra-revolucionária de 10 anos. Guilherme Auler é um insubornável demolidor de fetiches e Nilo Pereira desde
rapaz que escreve contra o pombalismo e o enciclopedismo. Quanto aos outros, são todos universitários e vão fazer sua estréia para
o grande público, mas desde já posso afirmar uma coisa: são inteligências inmumizadas contra o virus jacobino, o virus terrível que
às vezes se infiltra nos lombos espessos, e dotados desta preciosa:
saber pensar’.
Apesar dessas palavras esperançosas, a “Semana de Estudos
Históricos” não aconteceu.
99
JACKSON, O “HOMEM DE ARESTAS,” O GÓTICO (1939)
LUBAMBO, Manoel. Jackson, o “Homem de arestas,” o gótico.
Fronteiras, Recife, v. 8, n. 11, p. 1 e 4, nov. 1939.
Ao comemorar o décimo aniversário da morte de Jackson de
Figueiredo, Lubambo lamenta que a sua memória é mais melancólica do que animadora. Segundo ele, sua mensagem espiritual vem
definhando. Este artigo que agracia a primeira página de “Fronteiras” é curto e vamos apresentar a maior parte dele. Chama a atenção
pelo seu tom irônico, principalmente, nos comentários referentes a
Gilberto Freyre, Annibal Fernandes e “Diarios Associados”, os quais
Lambam chama de “Diarios Assalariados”.
Jackson era o que hoje se chama um ‘homem de arestas’ e isso incompatibiliza-o completamente com o espírito do nosso tempo. Ser
um ‘homem de arestas’ hoje é desejar para o seu pais um mínimo de
moralidade, de orientação, de doutrina, é não admitir que se ande
nu nas praias de banho, é não entrar em conluio com os ‘Diarios
Assalariados’, é não dar quartel à pornografia de Gilberto Freyre e
outros malandros, é denunciar o opprobioso jornalismo do meteco
Annibal Fernandes, é ter uma opinião hoje e a mesma opinião amanhã, é colocar o seu cargo a serviço das suas idéias, e não se deixar
enternecer pelos elogiozinhos soezes da seção ‘Coisas da Cidade ‘
do ‘Diario de Pernambuco, enfim é ter espirito público, ser patriota
e honesto, coisas hoje francamente ‘perimées’.
Essa a grande tragédia de Jackson: ao gótico do seu estilo ter sucedido uma arquitetura de barracões, de caravansarais, de caramanchões. Uma geração de homens bolas, de homens gelatina, de homens nada.
100
CAPITAES E GRANDEZA NACIONAL (1940)
(A ortografia usada neste livro é desatualizada. As suas citações serão transformadas na ortografia atual, mas o título permanece com a
ortografia da época. Todas as referências são do livro: LUBAMBO,
Manoel. Capitaes e Grandeza Nacional. São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1940.)
Este livro desenvolve mais amplamente um artigo de Lubambo intitulado “Por uma política de defesa dos capitais”, publicado
na “Folha da Manhã”, em primeiro de setembro de 1938, no “Diário Carioca”, do dia 13 do mesmo mês e na revista “Fronteiras”,
em setembro de 1938 (nota 1, p. 3). As críticas provocativas criadas
por sua publicação o estimularam a desenvolver o tema num livro
de nove capítulos, distribuídos em três partes. Para facilitar a nossa apresentação, seguiremos o mesma esquema, citando o título de
cada um.
Primeira Parte. Princípios duma política patrimonial.
Capítulo I. Posição do problema.
O tema do artigo que Lubambo ampliou num livro foi o seguinte (p. 3):
Os publicistas pátrios já falaram bastante em ‘reivindicações sociais’, em ‘conquistas sociais’ e mesmo, sob certo ponto de vista,
em ‘justiça social’. Já falaram talvez demais [...] Parece que chegou
o momento de tocarmos noutra tecla. Justiça social sim, mas sem
esquecimento deste outro problema, fundamental no Brasil: o da
criação e defesa dos capitais.
101
Capa do livro, “Capitaes e grandeza nacional”
Alguns católicos, preocupados com a situação social e sob a
influência de Jacques Maritain, acharam que Lubambo errou, defendendo “os capitalistas e o capital” (p. 4). De sua parte, Lubambo re102
agiu, dizendo que as obsessões deles sobre a questão social prejudicaram o seu entendimento sobre “o direito de propriedade, a que dão
o nome de ‘conceito cristão da riqueza”(p. 4). O conceito em questão
é este: “não é o direito despótico de disposição dos bens, mas o direito de usar e dispor do necessário, administrando o supérfluo em
benefício do próximo” (p. 4). Lubambo enfatiza que tal conceito foi
condenado pelos “melhores tratadistas da Igreja”. E mais, que este
entendimento faz o direito de propriedade “uma simples ‘função social’, o proprietário também um mero ‘funcionário social’. Conceito
esterilizante, burocratizante, perfeitamente de acordo com o temperamento dos que o formulam, mas de que forma distante da salubre,
vigorosa e equilibrada concepção católica da riqueza!” (p. 4). E com
o seu livro, “Capitaes e Grandeza Nacional”, Lubambo explicaria
o seu entendimento de “riqueza cristã”, de como é salutar na criação
de capitais e de como é importante para a nação.
Capítulo II. A igreja e o capital
Neste capítulo, Lubambo quer mostrar:
1, que a expressão ‘intangibilidade do capital’ é perfeitamente ortodoxa; 2, que, contra a opinião geral que equipara trabalho e capital
e dá mesmo àquele certa precedência, a melhor doutrina da Igreja
afirma a primazia do capital sobre o trabalho; 3, que o conceito de
riqueza que se atribui a Sto. Tomás não pode, de modo algum, merecer os sufrágios da Igreja, já ameaçada, graças a essas doutrinas
extravagantes[...].( p. 6)
Para Lubambo, o capital é intangível neste sentido:
Os fatores da produção são dois: capital e trabalho, aquele representado, em geral, não só as reservas de numerário que se investe
nos meios de produção, mas a inteligência, a imaginação, o interesse do dono desse numerário; este – o trabalho – representado pela
103
mão de obra, pelo esforço do operário. Ora, ambos esses fatores são
necessários para o ato de criação econômica; ambos são indispensáveis[...] Pois é neste sentido – digamos ontológico – que o capital
é intangível [...] Indispensabilidade – intangibilidade, eis termos sinônimos (p. 7).
Para fortalecer o seu argumento de que o capital tem primazia
sobre o trabalho, Lubambo cita o livro do Cardeal Jean Verdier,
“Problèmes Sociaux, réponses chrétiennes”:
É bem certo que na organização econômica atual, a propriedade privada tem a preeminência sobre o trabalho. É bom que seja assim,
dizemos desde logo. A propriedade privada dá á vida individual, á
família e finalmente ao Estado seu verdadeiro porte (allure) (p. 7).
E o Cardeal continua: “Ela ( a Igreja) lembra sempre, a título
de verdades fundamentais, que o papel do proprietário ou do patrão
é um papel preponderante [...] os lucros do patrão estendem-se ao
operário, a cujo trabalho asseguram melhores instrumentos e melhor
salário” (p. 7-8).
A intangibilidade do capital e sua primazia sobre o trabalho foram apenas uma introdução para o terceiro e mais importante ponto
do argumento de Lubambo: “o conceito cristão ou tomista da riqueza.” “Duas são as versões que correm sob o nome do conceito cristão da riqueza: a que consiste em dizer que se deve ‘dar de esmola
o supérfluo e a que consiste em afirmar que se deve ‘administrar o
supérfluo em benefício do próximo.’” (p. 8.) Para Lubambo, se um
ou outro destes fosse o conceito de riqueza, não haveria riqueza e,
certamente, não haveria economia política. O ponto central, segundo Lubambo, é que Santo Tomás fundou o direito de propriedade
sobre o interesse individual. Visto que seu argumento está radicado
104
neste ponto, Lubambo faz uma pergunta e dá a resposta inspirada em
Sto. Tomás:
Por que Sto. Tomás fundou o conceito da propriedade privada neste
interesse, nesta sobre-excitação individual, neste fecundo espirito,
digamos, de ganância, que anima o homem quando possui uma cousa como própria? Simplesmente por isto: porque a doutrina econômica cristã ou tomista, é uma doutrina de vida, é uma doutrina
cujas leis foram estabelecidas no mesmo momento que o ‘crescei e
multiplicai’: leis de crescimento, de expansão, de criação, de ‘mass
production’, digamos, humanizando o termo; e um conceito de riqueza que começasse roubando a propriedade de seus estímulos
individualistas e fazendo do ‘atelier’ de trabalho uma instituição de
beneficência (porque só estas encontram ‘administradores’ a titulo
gratuito) é uma doutrina de morte. (p. 10. As razões mais completas
de Santo Tomás: “Ficando a cada homem o direito de adquirir, possuir e administrar seus bens, assegura-se com isso: a) Mais estímulo
entre os homens e possibilidades de expansão na indústria e no progresso humano; b) Mais ordem nas coisas humanas, cuidando cada
qual daquilo que o afeta diretamente; c) Mais paz no organismo
social, podendo o Estado ficar mais desimpedido para cuidar melhor
da felicidade geral que tem o dever de proporcionar aos cidadãos”.
nota 7, p. 9.).
Ainda falta um ponto final do argumento entre Lubambo e suas
críticas: a idéia de liberdade e uso do “supérfluo.” Citando o livro de
G. O’Brien, “An essay on medieval economic teaching”, Lubambo
gosta da posição de O’Brien sobre propriedade na luz da doutrina da
liberalidade. É o seguinte:
Parece assim que poupar parte da sua renda anual para prover dificuldades futuras, seja por meio de seguro, seja por investimentos
em empresas produtivas, é um ato de liberalidade.
É importante chamar a atenção para o fato que ‘liberalitas’ consiste
em fazer um bom uso da propriedade, e não meramente distribuindo-a entre outros, como uma confusão com a palavra inglesa ‘liberalidade’ poderia levar a pensar (p. 12).
105
Para terminar este capítulo, Lubambo lança o seu último argumento:
O erro em que incorrem os católicos é quererem construir o Brasil
com máximas de justiça social. A opinião que formulamos no presente estudo é que, dada a situação de pobreza e mesmo de indigência em que nos debatemos, a distribuição dos bens de fortuna tem
que ser ainda um gesto individual; do país, não.
A Igreja fala em tese, e quando exige uma justiça social, uma política distributiva, o faz no pressuposto de que há uma riqueza que
distribuir. Quando a hipótese é a contrária a palavra deixa de ser
beneficência ou distribuição para ser: expansão, produção, trabalho
(p. 13).
Capítulo III. Grandeza nacional e capital
Depois de atender às objeções principais de suas críticas, Lubambo entra no assunto básico do livro. Quer mostrar que, sem
capital, “não há nem progresso, nem civilização” (p. 15) e cita com
gosto as palavras do Papa Leão XIII: “Não há capital sem trabalho,
e não há trabalho sem capital” (p. 15). Lubambo cita, agora, Leroy
Beaulieu que fala sobre a formação do capital em três períodos. “No
primeiro, a produção é sobretudo influenciada pela natureza [...] É a
fase dos povos pescadores, bem assim dos pastores e mesmo dos começos da Idade Moderna” (p. 17.). No “segundo período é aquele em
que uma soma considerável de capital já existe, mas onde o trabalho,
mais hábil, mais variado do que no período precedente, constitui o
principal fator da produção. Exemplos de sociedade nessa fase: as
da idade média, com os ‘mestres’, as corporações de ofícios, os mercados autárquicos, as feiras... É a idade da pequena indústria,...”(p.
17-18.). Só no terceiro, há abundância de capital:
106
[...] aquela em que, pela poupança incessante dos que se privam e
economizam, ele (capital) se acumula com rapidez crescente, onde
ainda, pela invenção e a descoberta, pelos progressos do espirito de
método e de combinação, ele tem as formas variadas [...] Assim
constituído e aglomerado em grandes massas, o capital se põe á testa do trabalho, dirige-o cada vez mais, combina-o e coordena-o em
proporções até então desconhecidas. Ele faz mover o mundo (p. 18).
Capítulo IV. Condições para a formação e fixação dos capitais
Num capítulo técnico, Lubambo descreve as condições e a manutenção dos capitais. Diz logo que “os capitais não nascem por geração espontânea: criam-se, fabricam-se” (p. 19). Eles precisam de
condições específicas tais como “segurança, liberdade, um regime
não restritivo ou impeditivo das iniciativas, mas liberal, estimulador
e mesmo protetor” (p. 19).
Sobre segurança, Lubambo segue a opinião enunciada por
Charles Maurras, que a explica assim: “na ordem da execução, o
problema político, isto é, o problema da segurança, prima todos os
outros. É inútil defender a cultura ou a economia, ou finanças duma
nação na ausência dum poder forte, capaz de estabelecer a ordem e
inspirar a confiança [...]” (p. 20).
Lubambo faz uma analogia interessante entre capitais e aves.
“Dos capitais pode-se afirmar que nada mais errático, mais nômade,
mais fluidico. Como as aves de arribação, eles são eminentemente
sensíveis e sabem procurar, nos quatro pontos cardeais, a temperatura que mais lhes convém”(p. 21). E apesar de todas as tentativas
para restringir seus padrões de vôo, governos se revelam inoperantes
para controlá-las. Lubambo estava falando na década de 1940. Em
termos de rapidez, a transferência feita via telegráfica não é tão veloz como a do computador, mas que é ligeira, é. O importante é que
107
capitais evitem ambientes que limitem a liberdade de movimento e
procurem ambientes atrativos, tais como “taxas de juros razoáveis,
moeda estável, um regime de base familiar, a herança, ônus fiscais e
encargos sociais suaves” (p. 23).
Capítulo V. A verdadeira seriação dos problemas brasileiros
Lubambo considerou este capítulo o mais importante. Recuperando
a sua opinião enunciada no início do livro, diz:
O erro capital das últimas gerações de políticos, escritores e jornalistas brasileiros está no fato de terem equacionado os nossos problemas em termos exclusivamente sociais quando o deviam ter feito
em termos doutra ordem, doutra estirpe ideológica: maior produção,
maior riqueza; medidas protetoras dos capitais, estimulo das iniciativas, do espírito pioneiro, exacerbação do ‘elan’ individualista,
incitamento do gosto da aventura, do risco. Isto é: em termos que
levam ao engrandecimento nacional (p. 44).
Foi da opinião de que as revoluções, começando em 1922 e
chegando àquela de 1930, estavam “sem outro objetivo que derrubar
um presidente de República”(p. 44-45). Estes movimentos, segundo
ele, não tinham uma justificativa doutrinária e, só depois, os seus
líderes começaram a procurar por uma. Em vez de visar a grandeza
da nação, ao contrário, optaram por “reivindicações proletárias, de
justiça social – dizem os seus corypheus, de mediocridade nacional
– dizemos nós”(p. 45). Lubambo estava ciente das dificuldades sociais, simplesmente para sua solução usava outros meios e alfinetava
os políticos de esquerda com suas ironias:
Generoso interesse pela sorte da massa obreira? Não: ninguém desconhece que a miséria, o baixo poder aquisitivo das massas é efeito
e não causa; efeito da pobreza geral do país, cuja economia marca
passo, não evolui. Mas uma verdade e comesinha nas cartilhas revolucionárias: não se pode fazer uma revolução vermelha sem uma
108
justificativa para atrair as massas trabalhadoras e convencer a opinião nacional, particularmente a arte dela que tem o direito de decisão: o exército. Daí a tática de vibrar a corda da miséria social, sob
os aspectos mais desgraçados e sombrios: o da fome, o da doença,
o da falta de casa confortável para morar, o da incultura, o da falta
de diversões [...] E isso através de palavras roubadas ao vocabulário
católico (mas de que forma mistificadas e conspurcadas!): ‘o respeito da dignidade da pessoa humana’, os ‘postulados de Leão XIII’,
‘Quadragesimo ano’, a ‘caridade’[...]. (p. 46).
Neste capítulo, Lubambo cita extensivamente publicações tanto dos sindicatos dos usineiros de Pernambuco como dos trabalhadores e critica o Diário de Pernambuco por publicar material considerado por ele tipicamente jacobino, bem como material de Giberto
Freyre, salientando a miséria do pobre (notas 55-58, p. 58).
Lubambo argumenta que as realidades sociais são graves, mas
a Nação não tem recursos para resolvê-las. É preciso produzir riquezas para dar soluções adequadas. Apela para as autoridades porém
seus pés no chão e não pregarem utopias. Segundo ele, o Brasil de
1940 não era uma Inglaterra e, primeiramente, tinha que desenvolver
e colocar sua casa em ordem, citando os livros de Roberto Simonsen,
mostrando como o Brasil é pobre:
A economia brasileira é ainda retardatária: uma economia colonial.
A nossa riqueza ‘per capita’ nos últimos quatro anos não registra
nenhum aumento. Enfim: o Brasil é um pais pobre, o Brasil está
classificado entre os países em que a criação de novos capitais é
inferior às suas obrigações financeiras (p. 65).
Citando mais autores da mesma opinião, Lubambo termina
assim:
Sem querer fazer paradoxo, podemos dizer mesmo que o problema
brasileiro é menos social do que patronal. Se quisermos levantar o
109
padrão de vida da massa obreira temos que começar pelo estímulo
do capital, pelo incitamento do espírito de empresa, pela exaltação
das virtudes individualistas. E não esqueçamos esta coisa essencial: pela admissão da legitimidade do lucro. Sem lucro, ninguém
terá a loucura de investir, de empreender, de arriscar os seus haveres. Sem lucro não haverá indústria, nem comércio. Nem haverá
também centros de trabalho. Fomentemos a riqueza, proporcionemos um clima para as indústrias e a questão social se resolverá por
si mesma (p. 74).
Depois de apresentar argumentos de ordem econômica, Lubambo oferece outro de ordem moral:
O trabalho é uma força que se emprega, o capital, uma força que se
arrisca. O trabalho, quando se emprega, busca um amparo, não só
para os dias atuais, sob a forma de salários, como para o futuro, sob
a modalidade da aposentadoria, da pensão. O capital, quando funda
uma empresa, mete-se numa aventura, da qual não raro sai arruinado e desbaratado. O capital não procede assim por motivos morais
certamente: fá-lo objetivando um lucro, a multiplicação da fortuna,
a elevação na escala social. Mas, o mesmo se dá com o operário:
quando procura um emprego o faz movido por interesses também
materiais. Estamos em presença de forças que se movem no plano
da matéria e aquela que mais se arrisca e mais rende, socialmente
falando, mais útil é e, por conseguinte, mais elevada categoria social
deve ter. Do esquecimento desta verdade não resultam prejuízos
apenas para os industriais e para a nação; resultam também para o
próprio operário, cujo interesse está na prosperidade das indústrias,
só possível num regime em que os chefes de empresa tenham esta
primazia de que vimos falando (p. 75).
Capítulo VI. Um novo individualismo.
Sempre adepto das frases contundentes, Lubambo iniciou este
capítulo com um grande desabafo:
110
Por que o capitalismo brasileiro perdeu este ‘elan’ aventureiro que
não foi um dos seus traços característicos, para se empregar em
apólices e arranha-céus? Por que os campos se despovoam? Por que
a massa dos homens capazes, em lugar de correr o seu próprio risco,
com as vantagens que as atividades livres e criadoras comportam,
preferem se candidatar a empregos públicos e sujeitar-se a uma vida
segura, mas medíocre? (p. 77).
Lubambo mesmo respondeu. As razões eram os interesses da
massa operária, as idéias socialistas e corporativistas. A inclusão
das idéias corporativistas é uma surpresa. Lubambo aceita uma solução corporativista para uma economia já feita e estruturada, mas
quando a economia está em desenvolvimento, corporativismo ou estatismo inibem o individualismo, que é essencial para tomar riscos
necessários para criar riquezas (p. 78-79). Revela um aspecto eminentemente pragmático de seu pensamento. Além disso, não copia
projetos que fizeram sucesso no exterior, ao contrário, insiste em
que o Brasil tem que alcançar seu sucesso por suas próprias idéias e
experiências.
Lubambo argumenta por um novo individualismo baseado na
força do capitalismo a fim de desenvolver a nação num contexto
brasileiro e explica:
Ora, nós imaginamos a sociedade, como obedecendo a duas ordens
de leis: às de vida orgânica, que dizem respeito, digamos, aos elementos anatômicos, à estrutura íntima, ou por outra, às instituições
cuja função é garantir a existência do corpo social; e às da vida de
relação que têm por objeto pôr essas instituições em movimento,
estabelecer contato, um comércio, entre elas. Segundo a doutrina que estabelecemos aqui (tendo em vista o caso brasileiro, bem
entendido) essas duas ordens de leis ou de fatos devem obedecer a
regimes específicos, distintos: as da vida orgânica ao regime estudado e defendido por (Pierre-Guillaume-Frédéric) Le Play, e que tem
111
por base a organização patriarcal da sociedade: tudo no Brasil – a
extensão territorial, a formação histórica do país, a necessidade de
estruturar a sociedade sobre elementos sólidos e capazes de resistir
ás forças que os solicitam à dispersão – postula um organização social desse tipo. Os fenômenos da vida de relação, a um duplo regime
em que o corporativismo divida as suas zonas de influência com o
individualismo – e isso pelas razões apontadas páginas atrás: porque o país está dividido em zonas ou indústrias ‘satisfeitas’ e zonas
ou indústrias ‘insatisfeitas’, aquelas devendo ser reguladas pelo primeiro, estas pelo segundo – o individualismo – princípio dinâmico,
criador, conquistador, por excelência. E nesse ponto temos que
nos voltar para Adam Smith, não sem sólidos motivos considero, no
nosso primeiro Império, como o inspirador da política econômica
brasileira. (p. 85) (Os termos ‘satisfeitos’ e ‘insatisfeitos’ se referem
às economias já estabelecidas ‘satisfeitas’ ou em desenvolvimento
‘insatisfeitas’).
No desenvolvimento do Brasil, a força do individualismo tinha
outras implicações. Se o individualismo gerou proprietários e riqueza, também configurou posições sociais, cargos e privilégios na
governança. Lubambo elogiou o individualismo de Duarte Coelho e
outros como ele no período colonial, mas lamentou que este esquema
de como a sociedade produziu seus líderes foi perdido na República.
A razão foi a ampliação do voto, que não mais foi um privilégio dos
proprietários, mas agora ampliado aos outros pela introdução do
sufrágio universal. Em conseqüência, a figura e símbolo forte do
individualismo, o “coronel” ia perdendo seu status. Lubambo valorizava e defendia bastante os “coronéis”, afirmando:
Não queremos de modo nenhum escandalizar, mas desde muito que
vimos perguntando de nós para conosco si interessa ao pais esta
guerra implacável ao ‘coronel’: se não consulta antes ao nosso ideal
de expansão e de grandeza a reabilitação do ‘coronel’; a volta ao
‘coronel’. Uma coincidência que devo assinalar: a guerra ao coronel embora deflagrada desde os tempos coloniais (bem entendido:
112
depois de certa época porque antes dela o coronel era um verdadeiro
‘enfant gaté’ dos governadores e capitães generais), [...] (p. 94).
Lubambo tinha muita simpatia para com os “coronéis”, dizendo até que o Brasil deve aos “coronéis” a sua “estrutura econômica,
política e social: os valores da nossa exportação, a ordem pública, a
família”(p. 95).
Quase no fim desse capítulo, Lubambo resume o seu
argumento:
O que queremos dizer é que se desejamos fomentar a nossa agricultura, alargar o nosso parque industrial, consolidar a nossa economia
e estimular a criação dos capitais indispensáveis a tudo isso – só há
um caminho: o estímulo da livre iniciativa individual, a exaltação
do espírito pioneiro, uma política de prestígio e não de diatribes e
proscrição contra as classes conservadoras, uma fiscalidade moderada, leis sociais justas mas prudentes (p. 98).
Segunda Parte. As idéias e condições que presidiram a evolução capitalista no Brasil.
Capítulo I. A doutrina patrimonial praticada pela metrópole
portuguesa
Lubambo entra agora num assunto do qual gosta imensamente, explicando as raízes da riqueza do Brasil Reino e Imperial. Quis
mostrar, também, o erro grosso dos marxistas, que pregam “esta
coisa infame que se chama o capital”(p. 103). Bastante sofisticado,
designava a “tradição capitalista” com as devidas atenuantes desta
maneira:
Atitude de reconhecimento do capital como o principal fator da produção. Atitude de estímulo e amparo das nossas principais forças
de trabalho: isto é: dos detentores dos meios de produção; dos ele113
mentos que aqui aventuraram seus haveres, sua vida, e lançaram as
bases do ‘grande Império’ sonhado por D. João III, dos continuadores desse esforço, no Brasil Reino e Império. Neste sentido pode
se falar numa tradição capitalista, aberta nos primeiros ensaios de
exploração do século XVI e prosseguida até a ‘época social’ que
nos referimos páginas atrás. Não é que na Colônia ou no Império
não se tenha dado atenção ao problema do braço: uma massa de
documentos existe que prova o carinho com que esse problema era
olhado pelas administrações da época (p. 103).
A história de Duarte Coelho como donatário de Pernambuco
permite a Lubambo afirmar seu tema predileto de como é necessário
ter legislação para permitir a criação de riqueza. Baseado no seu
estudo “Sobre Duarte Coelho e seu sistema de administração”, Lubambo diz:
“Já uma vez estudando as causas do surto formidável da civilização
olindense, patente em tantas manifestações da vida da urbs duartina, já em fins do século XVI e princípios do XVII, fomos levado
a atribuí-lo mais do que a Duarte Coelho, às idéias dominantes na
época; às largas atribuições de direito público de que se achava o
velho capitão territorial; à produção açucareária; e até ao tão infamado sistema de impostos. ‘Porque – dizíamos então – não se pense
que Duarte Coelho trouxe de Portugal apenas ferramentas, judeus,
sementes e gado. Trouxe também um quadro de instituições admiravelmente adaptadas ao mister da Colonização. Um quadro geral
de civilização. Grande capitão-mor foi certamente Duarte Coelho.
Mas pouco ou nada teria feito se não trouxesse para cá um sistema
de administração compatível com a civilização que se vinha fundar’
(p. 106-107).
Neste capítulo, Lubambo briga com o autor Alberto Torres,
que afirma: “Não há combinações jurídicas capazes de evitar o esboroamento da riqueza, quando os indivíduos não tenham sido preparados para defender os seus patrimônios”(p. 107-108). Lubambo
114
defende praticamente o contrário, que é: “os individuos preparam-se
para defender seus patrimônios, precisamente pelas combinações jurídicas. E isso não só pelo que elas representam como armas, como
instrumentos de ação ou coação externa, mas pelo que têm de pedagógico, pelas marcas que deixam, pelos hábitos que criam”(p. 108).
Nos escritos de estudiosos como Torres, Lubambo nota um
certo preconceito contra as instituições coloniais e afirma que a causa disso é “há um pretexto e uma causa. O pretexto: o estado de sujeição, de subalternidade em relação à metrópole. A causa: o fato de
lembrar uma civilização de tipo católico” (p. 108). Lubambo lembra
que, para a ciência política da época, “o que era ‘colonial’ aqui era
‘metropolitano’ em Portugal” (p. 108) e que “[...] nada tinham as instituições coloniais de humilhantes, seja para o nosso amor próprio,
seja para os foros do país” (p. 108).
Utilizando documentos de visitantes do Brasil como Mary
Graham e Henry Koster e L. F. Tolenare, Lubambo argumenta que
Pernambuco não somente tinha a segurança, mas gozava de um período de livre iniciativa, ambos necessários para a criação de riqueza
(p. 113-119).
Não há dúvida que houve liberdade de ação, às vezes, aparentemente até demais para o governo metropolitano, mas Lubambo a
defende:
“[...] os objetivos da metrópole portuguesa eram o sucesso da colonização. Para alcançar esse sucesso, num meio áspero, hostil e despoliciado, numa terra por desbravar, teve de apoiar-se no indivíduo,
na família, no clã. Teve de fazer deles os instrumentos da sua ação
povoadora e conquistadora [...]. Mas acontece que a própria prestação desses serviços, a prática dessas funções, implicava o exercício
de certo poder, de determinada fração de soberania, se assim nos
podemos exprimir. Daí a enorme extensão do poder do pater-fami115
lias no período colonial, o qual começava dentro do lar, alargava-se
pelas redondezas da casa-grande e espraiava-se pelos povoados e
vilas próximas, através da burocracia e da máquina estatal, praticamente nas suas mãos (p. 123-124).
E ainda em defesa, Lubambo cita o escritor Elysio de Carvalho:
‘Incontestavelmente, a propriedade latifundial, em que se concretizaram as pequenas porções de solo distribuídas aos imigrantes, foi
naquela época o único meio de assegurar a grande produção, sem a
qual a colonização não subsistiria, quanto mais a nação.’ Eis, portanto, a grande propriedade territorial, os imensos feudos latifundiários, reconhecidos como elementos essenciais à produção nacional,
o que é o mesmo que dizer, à criação, segurança e conservação da
nossa riqueza seja a pública, seja a privada (p. 134).
Dentro do assunto de latifundiários, Lubambo destaca o papel
do “sesmeiro” que recebeu a sesmaria do Governo:
A sesmaria era mais do que uma expressão de abastança e de riqueza; era uma expressão moral e mesmo política. O sesmeiro era
mais do que um simples proprietário: era uma ‘autoridade social’,
no melhor sentido de Le Play; pertencia à classe dos que podiam ter
acesso às funções públicas, à vereança, aos cargos de chefes de ordenanças, de capitães mores, de sargentos mores. A ele, a dignidade
e o prestígio. A ele as funções de mando (p. 135).
Lubambo trata dum outro tópico, sempre polêmico: os impostos do governo metropolitano. Os principais foram o “quinto do
ouro, dízimo das terras e do pesado, dízimo da exportação para o
estrangeiro”(p. 142). Fala de todos, menos do quinto do ouro, e argumenta que o governo deu muitas exceções, tanto que nos fins dos
século XVI o erário real era deficitário (p. 141-142). Mesmo não
concordando com o sistema mercantilista, adotado pelos poderes eu116
ropeus, Lubambo disse que nem isto impediu a criação de riqueza
no Brasil (p. 147).
Lubambo termina este capítulo, bastante desenvolvido, elogiando os métodos e medidas que Portugal utilizava no período de
colonização do Brasil. Para ele foi um maravilhoso conjunto de legislação que permitiu a criação de riqueza, no qual o individualismo
podia produzir riqueza.
Terceira Parte. Síntese da evolução capitalista no Brasil.
Capítulo I. Gênese dos capitais brasileiros (Séculos I, II e III)
Lubambo revela seu patriotismo, designando os quatro séculos
de história do Brasil como primeiro, segundo, terceiro e quarto. O
Capítulo II e último desta Terceira Parte será intitulado o quarto.
Repete, também, o seu tema principal:
Nas páginas atrás, estudou-se o conjunto de princípios e de medidas
de natureza política, a legislação, as instituições, o que se pode chamar a tradição colonial no que diz respeito à ordem da produção e
da riqueza – tradição que teve por base a máxima liberdade das classes produtoras, a segurança pública, as grandes sesmarias: um conjunto de favores, de regalias, de privilégios que permitiu a formação
da riqueza em bases e segundo um ritmo que desconcerta pelo vulto
e a rapidez. Mas se negou o fundamento econômico da formação
dessa riqueza, a existência dum mercado europeu extremamente
ávido em relação aos produtos tropicais, tais como o algodão, o
açúcar, o tabaco, o âmbar, a fertilidade do solo, a fome do ouro. Etc.
Etc. Mas sustentou-se que tudo isto foi precedido pelos códigos,
pelos costumes de trabalho, pela economia política aqui praticada
com inflexível consciência pela metrópole portuguesa. Precedido e
mesmo às vezes determinado, como prova a disparidade de desenvolvimento das primeiras capitanias, a Nova Lusitânia, primeiro,
depois a Nova Lusitânia e a Bahia, sede do Governo, tomando ambas a dianteira sobre todas as outras, dada a sua melhor ‘polícia’, o
seu melhor coeficiente de ordem, a maior soma de segurança que se
gozava nelas, comparada com o que sucedia nas outras donatárias
(p. 155-156).
117
Lubambo vai narrar os sucessos e falhas das capitanias. Onde
existiam circunstâncias para a formação de riqueza, estas capitanias
prosperaram. Os sucessos, porém, foram esplêndidos. Lubambo
cita Adam Smith, que revela: “[...] Brasil se desenvolveu a ser uma
colônia grande e poderosa.” (“[...] it (Brasil) grew up to be a great
and powerful colony” (p. 168)). E, segundo Lubambo, mesmo
chamando muita atenção, o descobrimento do ouro não escondeu o
fato de que a riqueza do Brasil foi sua agricultura (p. 169).
Neste capítulo, repete as idéias já elaboradas no seu trabalho
“Olinda: sua evolução urbana de 1937”. Termina o capítulo, dando
ênfase a que, apesar do colapso das minas do século XVIII (ou III),
segundo Lubambo, “o comercio reanima-se, os índices da produção
elevam-se, a agricultura volta a ser o centro de gravidade da economia do país” (p. 194).
Capítulo II. O século IV, época do esplendor brasileiro.
O século XIX (IV) traz muitas mudanças para o Brasil e Lubambo as descreve bem:
A economia não se desenvolve mais naquele sentido digamos ‘a
uma dimensão’ que se observa na era anterior: a vida ganha em
complexidade, os horizontes de trabalho são mais largos, o comércio desenvolve-se, a necessidade dum sistema bancário já se faz
sentir. Enfim: o sentido urbano da nossa civilização [...]sentido que
constitui hoje um tema tão inquietante, esboça-se: o campo [...]já
não exerce o seu histórico comando sobre a vida do país; a orla
litorânea é ocupada por uma população cada vez mais diferenciada: uma sociedade de citadinos, de comissários, de negociantes, de
advogados, de professores, de retóricos e de agitadores, a contrastar
em hábitos de vida, em preocupações e em ideais com a velha e robusta aristocracia de terra, até então não só responsável pelo que o
país tinha de sério, de forte, de respeitável, como pelo que ele tinha
de próprio, de característico, de ‘nacional.’ A esse processo, digamos de ordem física, vem se juntar um elemento novo: as idéias
118
do chamado ‘século das luzes’, as aspirações democráticas, o ‘art
royal’ das lojas e dos areópagos, o jacobinismo. Idéias, tendências,
formas de cultura inquietante, cuja influência se fará ao longo de
todo o período em estudo, inaugurando uma era de ‘crise’ de que
a estrutura econômica do país, atingida em seus elementos de base
ainda hoje – ou hoje sobretudo – experimenta os corrosivos efeitos.
Não se conclua, porém, daí que o país entrou logo em um período
de decadência. Longe disso: ainda sob a ação positiva dos agentes
e mesmo dos hábitos eminentemente construtivos que fizeram a
grandeza da era anterior, os índices da produção nacional não só
não conhecem colapso como chegam mesmo a subir. O processo
de enriquecimento continua e a nossa economia como que solidária
com o que se assa na Europa, vive o seu momento de maior animação renovadora, atinge mesmo, como veremos adiante, sua etapa
propriamente capitalista (p. 195-196).
Lubambo descreve as atividades comerciais e bancárias, salientando uma certa facilidade de como o Banco do Brasil iniciou e
cresceu (p. 202-205). Quando começa a falar sobre a segunda parte
do século XIX (IV), Lubambo não poupa elogios ao Barão de Mauá,
Irineu Evangelista de Souza. Em grande parte porque ele encarna perfeitamente o individualismo e dinamismo necessários para a
criação de riquezas. Mauá correu riscos, em alguns, saiu bem, em
outros não. Em todo caso, o Brasil se beneficiou de seus empreendimentos (p. 213-225). Certamente, sua atuação ajudou a expansão
continental brasileira, que Lubambo considera “um fenômeno de
ordem econômica e financeira” (p. 219).
Como o título deste capítulo indica, o século XIX (IV) foi muito significativo em criar as condições e para que pessoas como Mauá
pudessem criar riquezas para o Brasil. Lubambo termina o seu livro
assim:
Neste magnífico passado, nesta como que ‘era vitoriana’ brasileira,
só encontramos motivos para ter fé no poder de crescimento, na
119
iniciativa, nas faculdades criadoras e nas forças ‘d’avenir’ do nosso
país. Resta apenas que abandonemos o falso humanitarismo, praticado até agora, e nos inspiremos nos princípios corajosamente realistas que estão na origem destas realizações formidáveis (p. 225).
RECIFE, CIDADE HOLANDESAOU CIDADE PORTUGUESA?
(1942)
LUBAMBO, Manuel. Recife, cidade holandesa ou cidade portuguesa?, Tradição, Recife, ano 8, v. 7, n. 43/44, p. 116-122, out. 1944.
(Todas as citações são deste trabalho)
Lubambo começa este ensaio, ironicamente, perguntando: “O
recifense é capaz de saber quem foi o fundador de Roma e de Atenas,
talvez mesmo de Nínive e Babilônia, mas não sabe quem fundou a
sua cidade?” (p. 116.) Argumenta que Recife, ao contrário do que
afirma o historiador holandês, Caspar van Baerle Barlaeus, é uma cidade portuguesa e não holandesa e o seu fundador não é Maurício de
Nassau. Pretende, também, mostrar que Barlaeus estava errado em
descrever a Ilha de Antônio Vaz, antes da chegada dos holandeses,
como “uma planície, safara, inculta, despida de arvoredo e arbustos,
que por estar desaproveitada cobria-se de mato [...] ultrapassava a
credibilidade humana que se pudesse fundar ali uma cidade.” (Lubambo cita O Brasil holandês sob o Conde Maurício de Nassau,
Trad. port. Ed. do Ministério da Educação, Rio de Janeiro, s/d, p.
164; In: Lubambo. Recife cidade holandesa ou cidade portuguesa?
p. 116.) Lubambo usa os seguintes documentos: “Castrioto Lusitano” de Fr. Rafael de Jesus; o “Inventário dos prédios edificados
ou reparados até 1654; o “Relatório do Almirante Hendrick Lonck;
e “Orbe Seráfico Brasílico” de Fr. Antônio Sta. Maria Jaboatão (p.
116-117).
120
Utilizando a parte do “Castrioto Lusitano” que descreve os primeiros choques da primeira fase da invasão holandesa, apresenta informação sobre as casas, casas fortes e as ruas da povoação de Santo
Antônio, a Ilha de Antônio Vaz, onde seria construída a futura Mauricéa. O “Inventário” confirma a existência das construções descritas
pelo “Castrioto Lusitano”. O que diferenciou as casas construídas
pelos portugueses antes da invasão holandesa e as casas construídas
depois pelos próprios holandeses foi o material de construção. Os
portugueses usavam pedras enquanto os holandeses usavam tijolos
(p. 119).
Os outros dois documentos, o “Relatório” de Lonck e o “Orbe
Seráfico Brasílico” de Fr. Jaboatão são ainda mais importantes. O
“Relatório” traz uma estampa que “representa a região conquistada,
um canto dela, vê-se a Ilha de Antônio Vaz – repleta de numeroso
casario!” (p. 119) E o “Orbe Seráfico Brasílico” diz:
Teve princípio esta Povoação, juntamente com a do Recife, nela
habitavam algumas pessoas de mais posses, com a ajuda e esmolas
das quais, haviam fundado nela Convento os nossos Religiosos desde o ano de 1606, vinte e quatro antes que os holandeses se fizessem
senhores de Pernambuco (p. 119).
Disso, Lubambo tira suas conclusões: que na Ilha de Antônio
Vaz, estava o Convento de boa construção antes da chegada de Maurício de Nassau e foi usado para a fortaleza – o Forte Ernesto; que
a Povoação na Ilha de Antônio Vaz, segundo o “Orbe Seráfico Brasílico’, foi habitada por “gente de posse”; e que, segundo o mesmo
documento, “a Povoação da outra Banda” ‘teve princípio juntamente
com a do Recife” (p. 120). Isto implica que Recife “data, segundo
as crônicas, de meados do século anterior. Isto é: dum século, quase
atrás.” (p. 120).
121
O HUMANISMO FINANCEIRO DE SALAZAR (1942)
LUBAMBO, Manoel. O humanismo financeiro de Salazar. Recife, Ciclo Cultural Luso-Brasileiro, 1942. (Todas as citações são
deste trabalho)
O Cônsul de Portugal em Pernambuco, Manuel Anselmo, convidou Manoel Lubambo para dar uma conferência sobre as finanças do Primeiro Ministro de Portugal, Antônio Oliveira Salazar, no
dia 28 de maio de 1942, no Ciclo Cultural Luso-Brasileiro. Já como
admirador de Salazar, a resposta de Lubambo foi o ensaio “O humanismo financeiro de Salazar”, que expunha as suas habilidades
financeiras e salienta o humanismo de seu trabalho. Isto é facilmente percebido logo no primeiro capítulo, intitulado “O Panorama da
Obra”:
A prodigiosa carreira política de Salazar é por demais conhecida:
colocado pela ditadura de 28 de maio (1928) no posto de ministro
das Finanças, cedo a sua influência se faz sentir em todos os domínios da administração, doando-lhe o sentido da vocação portuguesa
e lançando as bases do que seria já não uma simples restauração
financeira, senão um verdadeira ressurreição nacional [...] Em um
ano, acaba com o déficit orçamentário, e o déficit era em Portugal
uma normalidade financeira e um ‘complexo’ psicológico; em dois,
paga a dívida externa; em três, saneia a moeda e estabiliza o escudo; em cinco ou seis, liquida a dívida flutuante e organiza o crédito
(p.9-10). (Depois de 1932 quando se tornou primeiro ministro, Salazar é geralmente considerado um ditador. Introduzindo uma nova
constituição em 1933, fez Portugal um estado cooperativista e autoritário)
122
Capa do livro “O humanismo financeiro de Salazar”
Este sucesso o fez muito conhecido e respeitado numa Europa
atormentada pelas convulsões econômicas e sociais, que antecederam a Segunda Guerra Mundial e que nela perduraram. Além disso,
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trouxe prestígio e respeito a uma nação que, até então, era conhecida pelas suas desastrosas decisões financeiras no período de 1910
a 1927. Depois desta visão global, Lubambo continua o que ele
chama de sua “interpretação” ou explicação da “filosofia financeira”
da obra de Salazar em três capítulos: o método, os princípios e os
objetivos (p. 14-15).
Para Lubambo, “A primeira característica do pensamento de
Salazar é uma característica de índole cartesiana: a ordem, o método, o gosto de estudo dos problemas por partes, por ordem de dificuldade: da sua solução por ordem de importância, de precedência de
urgência” (p. 17). Utilizando a obra de Salazar cujo título é “A reorganização financeira”, Lubambo nota como Salazar programou suas
diretrizes de ação: “[...] em primeiro lugar o ‘financeiro’; em segundo lugar, o ‘econômico’; por último o ‘social’” (p. 18). Esta ordem
não é de importância. Sem soluções financeiras, não há resoluções
para questões sociais. Citando Salazar de novo, nos informa: “Que
seria pois necessário resolver o problema econômico, aumentar a
produção da riqueza para que a todos possa caber maior quinhão.
Sem isto a legislação de caráter operário será quase inútil ou poucas
vantagens trará: com crise econômica não há, pode dizer-se salários
altos” (p. 21). Por causa desta hierarquia de Salazar, Lubambo o
chama homem de bom senso e complementa sua explicação em termos quase românticos:
Numa palavra: o bom senso. E aqui seria preciso abrir espaço para
discorrer sobre este bom senso de Salazar, que poderia provir do
‘Discours’, (alusão a Descartes) mas não provém. Para retraçar
a origem portuguesa e qualidade católica desse bom senso. Mas
para isso teríamos que deixar de lado o filósofo do quarto quente de
Francfort, para travar conhecimento com um tipo cultural e histórico inteiramente diverso: o ‘cristão velho’. Um daqueles autênticos
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cristãos velhos do Quatrocentos português de que nos fala Antônio
Sardinha – rudes homens mas poderosos entendimentos – que citando ‘aristotellis’ (Aristoteles com ‘A’ minúsculo!’), sustentavam
alto e bom som, sem as pieguices sentimentais nem os escrúpulos
demagógicos de hoje: ‘que os maiores na República devem reger e
governar e os meãos obedecer e ajudar e os mais baixos trabalhar e
servir’ (p. 23).
Com isto, Lubambo argumenta que Salazar não é um “teórico”
e o cita, outra vez:
Advoguei sempre a política do simples bom senso, contra a dos
grandiosos planos, tão grandiosos e tão vastos que toda a energia se
gasta a admirá-los, faltando-nos os esforços para os executarmos.
Uma política de administração tão clara e tão simples, como a pode
fazer qualquer boa dona de casa; política comesinha e modesta que
consiste em se gastar o que se tem e não despender mais do que os
próprios recursos (p. 28).
Com esta visão econômica, Lubambo diz que:
[...] as construções de Salazar têm uma comensuração humana; são
feitas segundo uma escala, um metro, que não é nem para anjos,
nem para os deuses do Olimpo: mas para os bons pescadores e plantadores de milho do Minho, para os criadores lavradores da Beira e
do Além Tejo, e até para as ‘desvairadas gentes’ de Lisboa [...] (p.
32).
E aqui Lubambo propõe que esta comensuração humana qualifica o seu trabalho financeiro como humano e explica o título: “O
humanismo financeiro de Salazar (p. 34-35).
Lubambo inicia o capítulo sobre “os princípios”, argumentando que Salazar é um economista “clássico” e não “romântico”. Um
economista romântico é aquele que faz “... rodar e emitir massas de
papel moeda com lastro em tesouros imaginários” (p. 38). Portugal
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fez isto de 1910 a 1927. Ao contrário, Salazar é um economista
“clássico” e o mesmo tem “a certeza”, “a verdade” que “exprime-se
por quatro ou cinco princípios que o sistema considera sagrados: o
equilíbrio do orçamento, a estabilidade da moeda, a imunidade da
renda Etc. Etc” (p. 40).
É bom registrar que Salazar não gostava do político liberal,
mas utilizava certos aspectos da economia liberal, tais como favorecer produção em vez de impostos altos, combater o custo de vida
com juros baixos e moeda estável, até permitiu especulação dentro
de certos limites (p. 41-44). Salazar considerava que “A finança
tem isso de particular: que é uma ciência mais experimental do que a
economia. A economia é mais ‘cósmica’, a finança mais ‘livre’. Daí
a sua margem de manobra ser mais larga e os seus princípios menos
rígidos” (p. 47).
Segundo Lubambo, o trabalho financeiro de Salazar não foi
afetado pelo regime corporativista, um sistema que o próprio Salazar
iniciou em Portugal e sua razão é: “[...] porque as finanças clássicas
têm coexistido com todos os regimes históricos”(p. 69). Com isto,
Lubambo termina este capítulo sobre “os princípios”.
O quarto e último capítulo, “Os objetivos”, é puro Lubambo.
Começa assim:
Poderei acalentar a idéia, certamente ambiciosa, de explicitar o pensamento secreto que anima a obra financeira de Salazar? Se não
laboro em grave equívoco é um pensamento digno das gerações do
Quatrocentos e do Quinhentos: reconstituir o pé-de-meia – o ‘sacro’
pé-de-meia português – e forte dos seus ‘escudos’, dos seus ‘contos’, dos seus ‘bien au soleil’, praticar a política de grande estilo,
seja na esfera interior, seja na exterior, que se está traduzindo pelo
excepcional prestígio de que Portugal goza hoje no mundo (p.
71).
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O pé-de-meia português é nada mais e nada menos do que o
patrimônio português acumulado para o investimento e Lubambo vai
historiando para confirmar seu argumento. Segundo ele, as grandes
vitórias portuguesas foram financiadas por este pé-de-meia e o objetivo da obra financeira de Salazar foi: “a defesa e a conservação desse
pé-de-meia, em que ele vê um pilar da grandeza portuguesa” (p.80).
Lubambo oferece um resumo de seu ensaio neste último capítulo:
“Percorrei os principais capítulos desta obra: o equilíbrio orçamentário, a estabilização do escudo, a restauração do crédito, a organização bancária. Um pensamento interativo – quase um estribilho
– está presente em todos eles: a defesa do patrimônio português.
Conheceis os efeitos clássicos da desvalorização da moeda, a elevação do preço das utilidades, a redução do poder de compra do
consumidor; a transferência da riqueza da mão dos credores para o
bolso dos devedores, enfim: a espoliação da fortuna privada e a fuga
dos capitais. Estabilizando um pensamento orienta Salazar: ‘Não
sacrificar mais os capitais – base, fator do progresso econômico futuro’ (p. 80-81).
O último item tratado por Lubambo é: “a política patrimonial
– a política do pé-de-meia – como diretiva do regime tributário”
(p. 83). Segundo Lubambo, Salazar foi radical no seu sistema tributário:
Contra os sistemas tributários, organizados no sentido da expropriação forçada da propriedade, objetivando essa ilusória terraplanagem
social dos códigos radicais socialistas, Salazar opõe um sistema que
é o oposto daqueles: fiscal na sua técnica, conservador e patrimonial
nos seus resultados. Um princípio de ordem geral comandará esse
sistema [...] não sacrificar mais os capitais – base, fator do progresso
econômico futuro e para os poupar chamar aos sacrifícios necessários todos os rendimentos da nação (p. 88-89).
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Lubambo faz uma comparação entre a política tributária
de Salazar e os partidos da esquerda. Estes preferem impostos
diretos, impostos sobre renda e impostos progressivos. Salazar
usa impostos indiretos e impostos proporcionais. É claro que,
às vezes, as duas políticas fazem compromissos uma com a outra, mas o que é importante é a tendência básica de cada uma
(p. 89). Lubambo acredita que a política de Salazar foi tipicamente portuguesa, visto que o português “repugna a idéia dos
impostos sobre a renda” (p. 89).
Aqui, Lubambo revela sua atitude sobre os anglo-saxões:
“São povos (anglo-saxões) que enriqueceram mais pelo acaso de
circunstâncias felizes: o carvão, a máquina a vapor, a metalurgia,
do que pela força do trabalho. Povos de padrão de vida alto. Povos que podem cultivar a chamada ‘philsophie du delassement’. Do
lazer. Da preguiça. Povos gastadores. Os portugueses, – e não só
os portugueses: os italianos, os franceses, povos cujo ‘ethos’ econômico é de outra estirpe – não: esses terão sempre como esbulho, um
roubo os impostos sobre a renda. A renda – o pé-de-meia esta coisa
sagrada” (p. 91).
Seria interessante saber o que Lubambo achava da vida de
João III que, graças às riquezas de Minas Gerais, usufruiu mais do
que sua porção do “acaso de circunstâncias felizes”).
Lubambo termina seu ensaio, salientando o aspeito humano da
obra financeira de Salazar. Apela para que outras nações pudessem
seguir seu exemplo:
O humanismo que, já hoje, inspira os regimes doutros países, e eu o
vejo no comovente esforço dum Petain, mas que resta no meio duma
Europa que se debate entre um democratismo falido e os regimes
que se erigiram para combatê-lo, entre Babitt e o Super-Homem,
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um castiço e orgulhos o fenômeno português, e em particular: salazarino (p. 94).
O mundo que Lubambo conheceu iria mudar radicalmente depois da Segunda Guerra Mundial e com sua inteligência privilegiada, seria interessante saber suas opiniões sobre tudo isto, mas seu
falecimento em 1943 torna isto impossível.
FRAGMENTOS DE ENSAIO (1943)
LUBAMBO, Manoel. Fragmento de ensaio. Tradição, Recife, ano
8, v. 6, n. 36-37, p. 150-152, out. 1943.
A edição especial de outubro de 1943 de “Tradição” em homenagem a Lubambo terminou com este ensaio. Uma introdução do
artigo, assinado por S. H., que supomos que foi Sérgio Higino, especula que o mesmo foi redigido a pedido do ex-Cônsul de Portugal no
Recife, Manoel Anselmo. Trata de Mauricio de Nassau, tema já discutido exaustivamente no trabalho “Contra Nassau”. Este pequeno
ensaio não traz nenhuma novidade, simplesmente salienta o debate
da natureza política ideológica não entre estrangeiros e brasileiros,
mas entre os brasileiros mesmo. Lubambo explica:
E entre os próprios escritores brasileiros, uns – e graças a Deus são
o maior número – fieis à tradição portuguesa, fundamento mesmo
do país, outros inclinados aos valores da ordem bátava, `a suposta
vantagem, em grau de civilização e característicos biológicos, do
invasor holandês sobre o colono português. Na origem dessa como
apostasia da tradição nacional duas causas podem ser encontradas:
a superstição reinante até pouco tempo atrás – e que foi uma das
‘marottes’ científicas mas consagradas do chamado ‘século estúpido
– da superioridade das nações nórdicas sobre os povos de origem
latina, e uma causa mais grave, mais ácida, mais profundamente inconciliável com a verdadeira tradição brasileira: o maçonismo cul129
tural, o jacobinismo, este ‘hipercriticismo’’ que o sr. Fidelino de Figueiredo chama com muito propósito de ‘forma portuguesa daquela
lenda negra com que as malevolências suscitadas pelo imperialismo
de Carlos V e Felipe II desacreditaram a civilização ibérica’ (p. 150151).
O SENTIDO DE RECLAME DA NOVA ARTE RUSSA (1946)
LUBAMBO, Manoel. O sentido de reclame da nova Arte Russa.
Tradição, Recife, v. 9, n. 57, p. 224-226, maio, 1946. (Todas as
citações são deste trabalho.)
Os editores do periódico “Tradição”, onde foi publicado este
pequeno trabalho de Lubambo não explicaram as razões de sua publicação póstuma e nem sabemos quando o mesmo foi escrito. Lubambo tinha um senso artístico, mas escreveu pouco sobre o assunto.
Além deste, temos informação sobre apenas mais outro, “Sobre as
composições fotográficas de Jorge de Lima, em “Fronteiras” VII,
nos. 4 e 5, 1938, p. 1. Merece atenção devido ao fato de que Lubambo revela mais medo da arte moderna praticada pelos Soviéticos
de que do seu poder bélico. No artigo, Lubambo focaliza em três
desenhos publicados num “velho jornal holandês” e no “The Illustrated London News” (p. 225). Ele mesmo foi “seduzido” pelas
qualidades místicas de Cristo, que foi representado nos três. Lubambo descreve:
O primeiro desses desenhos representa Cristo sentado numa arca
abaulada tinindo de dinheiro, ao lado um ricaço a quem Ele faz
agrados cheios de lábia.
O segundo, Cristo numa arrancada a frente de enorme multidão,
a cruz como bandeira. Essa multidão Ele a leva não para o céu
mas para a beira dum precipício debaixo do qual horrível garganta
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de gargola traga impiedosamente pobres operários famintos. Essa
horrível garganta de gargola deve representar o inferno capitalista
da vida nas fábricas e no sorvedouro das minas.
O terceiro, enorme cruz carregada não por Cristo mas por cristãos.
Um capitalista sombrio refestelado nessa cruz figurando um boleeiro. Um boleeiro fantástico de Hoffman. Esse capitalista rende em
sua mãos fortes rédeas a que estão presos os ditos cristãos. Alguns
desses arrastam grilhões nos pés. Cristo à frente livresinho da cruz
deixando todo o peso dela sobre os hombros dos seus cireneus serve
de guia para o capitalista. (p. 226).
Lubambo chama esta arte “moralmente proletária” porque,
segundo ele, “a moral determina a técnica”, e explica, dizendo que
esta arte “está informada do espírito e do modo de sentir da nova
casta dominante; que está subordinada a uma ‘motivação’ de cunho
nitidamente proletário; que procura desmoralizar os valores tradicionais [...]”, (Lubambo. O sentido (p. 225). O medo de Lubambo reside no poder e força transmitidos por esta arte que, de fato, divulga
a mensagem revolucionária soviética (p. 225).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o leitor pôde perceber, Lubambo tinha muitos interesses
culturais, englobando arte, arquitetura, jornalismo, poesia, história,
religião e economia. Sugerimos que o caminho melhor para compreender o seu pensamento é considerar os aspectos nacionalistas
e econômicos do período em que seu pensamento e atuação produziram grande efeito de sentido. Num cruzamento muito peculiar desses diversos campos, Lubambo enxertou nas raízes de um
nacionalismo português, monárquico anti-parlamentar e católico o
seu entendimento econômico corporativista, porém com tonalidades
surpreendentemente liberais. Esta caraterística, em tempo, o levou
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a entrar em conflito com o Estado Novo de Vargas, enquanto o mesmo, na sua versão portuguesa, cativou-o cada vez mais, apesar do
fato de que os poucos monarquistas portugueses que participaram do
governo de Salazar não exerceram papéis significativos no regime
ditatorial do Salazarismo.
Diferente da corrente do nacionalismo monárquico, anti-parlamentar e católico que surgiu na Europa, principalmente na pessoa de
Charles Maurras, que fundou “L’Action française”, cujas idéias teve
grande influência sobre Salazar, Lubambo acreditava nos poderes
duma política monetária e fiscal e isto o distinguiu dos seus contemporâneos conservadores para criar um Brasil idealizado por ele.
Lubambo nunca abandonou a orientação básica de seu pensamento, mas certamente lhe deu contornos significantes para os
de sua época. Enquanto castigava as correntes da política liberal no
Brasil, Lubambo abraçava uma teoria econômica liberal que integrava com suas inclinações corporativistas. Revela o seu senso cristão e
de justiça social nos assuntos econômicos, defendendo crédito mais
acessível aos pequenos comerciantes e produtores. Elogiava os empreendedores como o Barão de Mauá e criticava a falta de homens
de visão e ambição no Brasil no século XX. No contexto brasileiro,
ao renomear os séculos XVI a XIX para séculos I a IV no seu livro
mais importante, “Capitaes e grandeza nacional”, Lubambo deixa
transparecer o seu nacionalismo.
A pesar de ser um crítico ferrenho e nem sempre objetivo de
Gilberto Freyre, Lubambo podia ser severamente objetivo. Exemplifica isto no fim de seu estudo sobre o “preço justo” das “guildas
medievais”, tema que de antemão poderíamos supor que iria sugerir
sua atualização para o século XX. Calmamente nos informa que,
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para os tempos atuais, referindo-se, particularmente, às primeiras
décadas do século XX, o “preço justo” não poderia funcionar, sem
um controle, principalmente da produção. Para ele, com as máquinas
de produção em massa, o mecanismo do “preço justo” não tem vez.
Conforme se viu ao longo de nosso trabalho, Lubambo também
nos surpreende com seu pensamento inovador quando analisa a arte
do período, quando afirma que, às vezes, o próprio artista, através de
sua arte, precisa mesmo escandalizar os seus contemporâneos.
Inicialmente, a redação de “Fronteiras” incluiu Lubambo,
Arnóbio Vanderlei e Willy Lewein (1932-1933), depois, Lubambo
como diretor principal com a ajuda de Gilhernme Auler e Vicente do
Rego Monteiro (1935-1938), e finalmente, Lubambo sozinho (19391940). Na revista, deixou um bom número de artigos assinados. Sua
influência foi grande na orientação da revista e após ler várias contribuições claramente anti-semitas, observação já feita pela historiadora Sílvia Cortez SILVA (1995), vem a pergunta: quem, de fato,
definiu a orientação editorial? Lubambo só, ou ele com outros?
Às vezes, nos próprios artigos de Lubambo, surgiam indicações de anti-semitismo, mas, em geral não foi uma caraterística sua.
Mais difícil é explicar a orientação editorial. Pode ser devida à influência de seu bom amigo Vicente do Rego Monteiro, cujo anti-semitismo tanto racial como cultural foi notório. Outra possibilidade
poderia ser a influência monarquista e nacionalista de Charles Maurras, cujos ataques contra os Judeus faziam parte de seu pensamento
e representavam uma corrente forte nos anos 1930 na Europa, e particularmente, na França. É interessante acrescentar que estas idéias
de Maurras, divulgadas pelo seu jornal “L’Action française”, foram
condenadas pelo Papa Pio XI, em 1926, por ter usado o catolicismo
para sustentar movimentos reacionários. Apesar disso, as idéias de
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Maurras apareceram freqüentemente em “Fronteiras”. Pouco depois
que o Cardeal Eugênio Pacelli se tornou Pio XII, em 1939, o novo
Pontífice decretou a suspensão do “Interdicto” sobre “L’Action française”. Esta decisão entusiasmou “Fronteiras” e a notícia “feliz”
estava na última página, na edição de agosto de 1939, apresentada
como editorial sem assinatura. A questão que ainda nos fica, após
este trabalho, é: se “Fronteiras”, de fato, acreditava no pensamento
anti-semita de Maurras ou se este possuía um pensamento coerente
com os anseios da época, especialmente no campo reacionário, monarquista e nacionalista, sendo, então, a característica anti-semita do
seu pensamento apenas um detalhe de suas idéias sem muita importância para os produtores e leitores de “Fronteiras”? Talvez um estudo mais demorado sobre todos os editoriais de “Fronteiras” pudesse
trazer mais esclarecimentos sobre esta questão ainda não bem definida, pois, conforme sabem os estudiosos do pensamento conservador
do começo do século XX, as correntes nacionalistas e conservadoras
foram assimiladas em várias partes do mundo dentro de especificidades internas de uma realidade nacional, sendo muitas vezes atraente
por um aspecto e não por outro. Lembramos aqui o caso dos integralistas no Brasil, cujas idéias anti-semitas eram assimiladas por uns
e não por outros. Há vários motivos de adesão a estes pensamentos
conservadores nos anos 30, entre os quais temos: anti-comunismo,
anti-semitismo, anti-liberalismo. Daí, não ser possível generalizar
todas as idéias políticas e ideológicas deste período.
Em nossas pesquisas, consideramos marcante a figura de Lubambo pelas suas inclinações culturais e nacionalistas, marcando
fortemente a cultura e política de uma época. Uma apreciação perspicaz da revista “Fronteiras”, apresentada no livro “Lembrança do
III Congresso Eucarístico Nacional”, feita pelo conjunto de mem134
bros da Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica, Laurindo de
Oliveira e Silva, Pitagoras Ipiranga de Souza Dantas, Nilo Pereira,
Francisco Oiticica, José Inácio Cabral de Lima, Antônio Guimarães
Araújo, Vital Alencar, Silvio Mesquita, Rui Marques, Publio Dias e
José Maciel, explica bem as razões que, para nós, são do próprio Lubambo, mas também, compartilhadas pelo grupo “Fronteiras”, dando-nos uma amostragem da presença marcante nas décadas iniciais
do século XX de Manuel Lubambo, especialmente na produção e
circulação de “Fronteiras”, bem como pela influência desta Revista
na época, que historicamente não pode ser esquecida.
A questão com que desejamos encerrar este trabalho é muito
mais de reconhecimento do que de crítica da presença e influência
de Lubambo na cultura brasileira. À parte as questões críticas historicamente situadas sobre o pensamento conservador do início do
século XX, para nós, o que fica é a imagem de um Lubambo que
acreditava em seus sonhos e ideais, pelos quais lutou e que defendeu
energicamente, promovendo amplos debates em sua época sobre os
problemas brasileiros. Lubambo era fruto de sua época, uma época de grande efervescência do pensamento político conservador e
nacionalista. Imbuído de influências monarquistas de outras épocas
históricas, acreditava num Brasil onde poderia reinar uma cidadania
estruturada por uma cultura lusitana, católica, monárquica e na implantação de uma economia que favoreceria tanto os empreendedores como os pequenos comerciantes e proprietários. Dentro de seus
ideais, tudo indica que acreditava mais no modelo de Estado novo
proposto por Portugal, do que no implantado no Brasil por Getúlio Vargas. Para ele, este sonho seria irrealizável, daí optou por ajudar o Estado Novo na sua versão portuguesa. Sua morte imprevista
pôs fim à ampliação dessas idéias após a Segunda Guerra Mundial,
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quando o contexto mundial vê surgir novas correntes de pensamento mais coerentes com os anseios do pós-guerra. Neste momento, o
Brasil embarcava para as opções democráticas. E os católicos, influenciados pelo filósofo Jacques Maritan, defensor de outro tipo de
cidadania, voltavam-se para a defesa de outros ideais. Mas isto é
uma outra história.
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Primeira página da última edição de Fronteiras, Recife, v. 9, n. 6, p. 1, julho 1940
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