ADMINISTRAR O TEMPO É PLANEJAR A VIDA (*)
EDUARDO O C CHAVES (**)
Quem escreve sobre administração do tempo geralmente o faz, não porque seja especialista na
questão, mas, sim, porque quer aprender mais sobre o assunto. Pelo menos foi esse o meu
caso. Vou relatar aqui algumas de minhas descobertas, como roteiro para a leitura do texto
maior do qual este é um resumo (*).
1) Administrar o tempo não é uma questão de ficar contando os minutos dedicados a cada
atividade em que nos envolvemos: é uma questão de definir prioridades. Provavelmente (numa
sociedade complexa como a nossa), NUNCA vamos ter tempo para fazer tudo o que precisamos
e desejamos fazer. Administrar o tempo é ter clareza sobre o que, para nós, é mais prioritário,
dentre as várias coisas que precisamos e desejamos fazer, e tomar providências para que o
mais prioritário seja feito – com plena consciência de que o resto provavelmente nunca vai ser
feito (mas tudo bem: as coisas que compõem o resto não são prioritárias).
2) Dentre as coisas que vamos listar como prioritárias, algumas estarão na lista porque nos são
importantes, outras porque nos são urgentes. Assim, o prioritário é composto do importante e
do urgente. É razoável supor que algo que não é NEM importante NEM urgente não estará na
lista de prioridades de ninguém. E, também, que a lista de todo mundo conterá coisas que são
IMPORTANTES ao lado de coisas que são URGENTES. Não resta a menor dúvida de que as
coisas que são ao mesmo tempo importantes E urgentes devem ser feitas imediatamente, ou,
pelo menos, na primeira oportunidade. Poucas pessoas questionarão isso. O problema surge
com coisas que consideramos importantes, mas que não são tão urgentes, e com coisas que
são urgentes, mas às quais não damos muita importância.
3) Digamos que você considere importante ficar mais tempo com sua família. Por outro lado,
você tem de trabalhar x horas por dia – onde x é um número relativamente flexível, sobre o
qual você tem razoável controle. Se, para você, trabalhar é mais importante do que ficar com a
sua família, o problema está resolvido: você trabalha, mesmo que isso prejudique a convivência
familiar. Mas e se o trabalho não é mais importante para você do que a convivência familiar?
Nesse caso, provavelmente o trabalho é urgente, no sentido de que tem de ser feito, pois
doutra forma você pode ser demitido (ou perder clientes, se for autônomo ou empresário) e
pode vir a ter dificuldades para manter sua família (embora, sem trabalho, provavelmente vá
poder passar mais tempo com ela…).
4) É nesse conflito entre o importante e o urgente que a maior parte de nós se perde, e por
uma razão muito simples: algumas das tarefas que temos de realizar não são selecionadas por
nós, mas nos são impostas. Isto é: não somos donos de todo o nosso tempo. Quando
aceitamos um emprego, por exemplo, estamos, na realidade, nos comprometendo a ceder a
outrem parte do nosso tempo (e, também, o nosso esforço, a nossa capacidade, o nosso
conhecimento, etc.). Este é um problema real e de solução difícil: Não temos, em relação ao
nosso tempo, toda a autonomia que gostaríamos de ter.
5) Acontece, porém, que geralmente usamos mal o tempo que dedicamos ao trabalho (e, por
isso, temos de fazer hora extra ou trazemos trabalho para casa), ou até mesmo o tempo que
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passamos em casa. Usar mal o tempo QUER DIZER o seguinte: muitas vezes usamos o nosso
tempo para fazer o que não é nem importante nem urgente, mas apenas algo que, ou sempre
fizemos, pela força do hábito, ou, então, que nos foi solicitado e não tivemos coragem de dizer
“NÃO”.
6) Alguém me disse, quando eu era criança, que a gente nunca deveria abandonar a leitura de
um livro, por pior que ele fosse. Que bobagem! Mas até que descobri que isso era uma
bobagem, desperdicei muito tempo terminando de ler coisa intragável e que de nada me serviu
-- por causa desse malfadado conselho! Uma vez me peguei dizendo à minha família que não
poderia fazer algo (não me lembro exatamente o quê) domingo de manhã porque precisava ler
os jornais. Eu lia, religiosamente, a Folha e o Estadão (principais jornais de São Paulo) aos
domingos de manhã – e, no domingo, esses jornais são enormes. Lia por hábito. Achava que
um professor tem de se manter informado. Mas quando disse que "precisava" ler os jornais me
dei conta de que realmente não precisava lê-los. Perguntei-me o que de pior poderia me
acontecer se eu não lesse os jornais... e NADA, foi a resposta que, honestamente, tive de dar.
Se houver algo importante nos jornais provavelmente fico sabendo no noticiário da TV, ou na
VEJA (revista semanal). Mas daí me perguntei: e preciso ler a VEJA todas as semanas?
Resposta: não. Existe algo que eu prefiro ler/fazer naquelas manhãs de domingo que ganhei?
Claro, muitas coisas – PARA AS QUAIS EU ANTES NÃO TINHA TEMPO. Ganhei as horas dos
jornais, ganhei as horas da VEJA, fui ganhando uma horinha aqui outra ali, para as coisas que
eu realmente queria fazer há muito tempo e para as quais não encontrava tempo (isto é,
achava que não tinha tempo)…
7) Outras vezes não é a força do hábito que nos atrapalha, mas nossa incapacidade de dizer
“NÃO”. Recusar um pedido de alguém de quem você gosta, ou a quem admira, e que, portanto,
não gostaria de desagradar, é uma das coisas mais difíceis da vida. (Estou pressupondo aqui
que não se trata de seu chefe, que não pede, manda...) Mas nunca vamos conseguir
administrar bem o nosso tempo, i.e., as nossas prioridades, se rotineiramente dermos aos
outros (que não o nosso chefe no trabalho) o poder de determinar a nossa agenda. Admiro os
que, mesmo diante de um pedido cativante de alguém a quem amam ou respeitam, são
capazes de dizer: “Sinto muito, não posso. No momento estou dando atenção às minhas
prioridades” – e as prioridades, no caso, podem até envolver ficar descansando, sem fazer
nada, ou terminar de ler um romance cuja leitura nos é importante.
8) Administrar o tempo é ganhar autonomia sobre a sua vida, não é ficar escravo do relógio.
Administrar o tempo uma batalha constante, que tem de ser ganha todo dia. Se você quer ter a
autonomia de decidir passar mais tempo com a família, ou sem fazer nada, ou nas leituras há
tempo postergadas, você tem de ganhar esse tempo deixando de fazer outras coisas que são
menos importantes para você. Em última instância pode ser que você até tenha até de,
eventualmente, arrumar outro emprego ou outra ocupação – ou de reduzir suas horas de sono.
9) O tempo é distribuído entre as pessoas de forma bem mais democrática do que muitos dos
outros recursos de que nós dependemos (como, por exemplo, a inteligência, a capacidade de
trabalho, o dinheiro). A menos que se trate do último dia de nossas vidas, todos os dias cada
um de nós recebe exatamente 24 horas: nem mais, nem menos. O rico não recebe mais horas
no dia do que o pobre, o professor universitário recebe o mesmo número de horas que o
apedeuta; o executivo e o operário recebem quantidades de tempo exatamente idênticas a
cada dia. Entretanto, apesar desse igualitarismo (que, convenhamos, não existe em relação à
inteligência, à capacidade de trabalho, ao dinheiro), uns conseguem realizar uma grande
quantidade de coisas num dia e outros, ao final do mesmo dia, têm o sentimento de que o dia
se esvaiu e não fizeram nada. A diferença é que os primeiros percebem que o tempo, apesar de
democraticamente distribuído, é um recurso altamente perecível. Um dia perdido hoje (perdido
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no sentido de que não realizei nele o que precisaria ou desejaria realizar) não é recuperado
depois: é perdido para sempre.
10) Há os que afirmam, hoje, que o recurso mais escasso na nossa sociedade não é dinheiro,
não são matérias primas, não é energia, não é nem mesmo inteligência: é tempo. O tempo é o
luxo do século XXI. Mas tempo se ganha, ou se faz, fundamentalmente de duas maneiras:
a) deixando de fazer (ou, então, se possível, delegando) as coisas que não são nem
importantes nem urgentes;
b) concentrando as prioridades nas coisas que são importantes e/ou urgentes.
11) A questão da delegação aponta para o fato de que, apesar de o rico ter a mesma cota
diária de tempo do que o pobre, o rico tem uma enorme vantagem sobre o pobre: poder,
mediante pagamento, contratar o tempo de terceiros. O assistente, a secretária, o motorista do
carro ou o piloto do helicóptero, o mordomo, os empregados domésticos, todos eles são
contratados (em geral para cuidar das urgências) a fim de que os que os contratam possam ter
mais tempo para dedicar ao importante (importante, naturalmente, para eles). Mas mesmo os
mais pobres delegam – como, por exemplo, quando a mãe manda a menina limpar a casa ou o
pai manda o menino ir comprar alguma coisa que o pai precisa para fazer o seu trabalho.
12) Quem tem tempo não é quem não faz nada: é quem consegue administrar o tempo que
tem de modo a poder fazer aquilo que precisa e que deseja fazer. Por outro lado, ser produtivo
não é equivalente a estar ocupado. Há muitas pessoas que ficam ocupadas o dia inteiro
exatamente porque são improdutivas – não sabem onde concentrar seus esforços e, por isso,
ciscam aqui, ciscam ali, mas nunca produzem nada. Ser produtivo é, em primeiro lugar, saber
administrar o tempo, ter sentido de direção, saber aonde se vai.
13) Administrar o tempo, em última instância, é planejar estrategicamente a nossa vida. Para
isso, precisamos, em primeiro lugar, saber aonde queremos chegar (definição de objetivos):
onde quero estar, o que quero ser, daqui a 5, 10, 25, 50 anos? O segundo passo é começar a
“estrategiar”: transformar objetivos em metas (com prazos e quantificações) e decidir, em
linhas gerais, como as metas serão alcançadas. O terceiro passo é criar planos táticos: explorar
as alternativas específicas disponíveis para chegar aonde queremos chegar, escolher fontes de
financiamento (emprego, em geral, é fonte de financiamento), etc. Em quarto lugar, fazer o
que tem de ser feito: agir. Durante todo o processo, precisamos estar constantemente
avaliando os meios que estamos usando, para verificar se estão nos levando mais perto de
onde vamos querer estar ao final do processo. Se não, troquemos de meios (procuremos outro
emprego, por exemplo).
14) Mas tudo começa com uma verdade tão simples que parece uma platitude: se você não
sabe aonde quer chegar, provavelmente nunca vai chegar lá – por mais tempo que tenha.
15) Quando o nosso tempo termina, acaba a nossa vida. Não há maneira de obter mais. Por
isso, tempo é vida. Quem administra o tempo ganha vida, mesmo vivendo o mesmo tempo.
Prolongar a duração de nossa vida não é algo sobre o qual tenhamos muito controle. Aumentar
a nossa vida ganhando tempo dentro da duração que ela tem é algo, porém, que está ao
alcance de todos. Basta um pouco de esforço e determinação.
(*) Este artiguete é resumo, feito em 1998, de um livreto, Administração do Tempo, que
escrevi em 1992. O texto foi levemente revisado dez anos depois, em 2008. De tudo o que
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escrevi este é o texto que mais repercussão teve. Já foi reimpresso dezenas de vezes em
revistas, jornais e sites – e já fui chamado a dar uma dezena de entrevistas sobre o tema, até
para revistas do porte de Você S/A.
(**) Eduardo Chaves, Professor Titular aposentado da UNICAMP, onde trabalhou por mais de
32 anos, é consultor de empresas e organizações não-governamentais. Concluiu seu Ph.D. em
1972 na Universidade de Pittsburgh, em Pittsburgh, PA, EUA, na área de filosofia. Na UNICAMP
foi professor de teoria do conhecimento, filosofia política e filosofia da educação. Ele completa
65 anos em 2008, mora em Campinas e em Salto, é casado, e tem quatro filhos e sete netos.
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