TRABALHO
Ginecologista contesta crença sobre
violência sexual
Carlos Henrique da Mota
“Muitos autores destacam enfaticamente que a violência sexual no Brasil é doméstica.
Porém, em meu estudo, os números foram conflitantes com os da
literatura, pois evidenciamos que
quase 90% das mulheres atendidas não conheciam o seu agressor. E que o local onde a abordagem e a violência ocorreram foi a
rua”, afirmou o professor Carlos
Tadayuki Oshikata durante a palestra “Violência Sexual na Mulher”, proferida na 35a Semana
Médica realizada em 30 de setembro na Univás. Oshikata, ginecologista e obstetra, é professor
adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia e de Fisioterapia da Puc-Campinas, além
de médico responsável pelo Ambulatório de Violência Sexual às
Mulheres, do Centro de Atenção
Integrada à Saúde da Mulher
(Caism), da Unicamp. Em entrevista ao Primeira Página, ale falou sobre sua tese de mestrado e
das conseqüências que a violência sexual traz às mulheres.
Primeira Página - Em sua dissertação de mestrado ”Violência
contra a mulher: Quem cala consente”, o senhor contesta dados
da literatura. Como foi essa experiência?
Carlos Tadayuki – Nós sabemos
através de inúmeros trabalhos
que a violência sexual acontece
principalmente em ambiente doméstico, onde o mal é crônico, ou
seja, o espaço em que a mulher
ou a menina sofre várias violências em suas vidas. Porém o que
acontece com essas pessoas que
sofrem violência doméstica? Elas
pouco denunciam, e denunciando menos os casos que chegam
ao médico propriamente dito vão
parecer menores do que os casos de gente adulta que sofre
violência urbana. As mulheres
que sofrem violência na rua têm
mais coragem de denunciar o es8
Por que a violência contra a mulher é um sério problema de saúde pública ?
A violência sexual hoje é considerada um caso de saúde pública porque tem aumentado cada
vez mais o número de denúncias.
Ou seja, o numero de denuncias
leva a um aumento significativo
no atendimento médico.
Oshikata durante palestra na 35a Semana Médica, na Univás
tupro do que aquela menininha
ou aquela mãe que viu a filha sendo estuprada dentro de casa. Porque na grande maioria das vezes
existe um vínculo sentimental,
hierárquico ou o medo de represália entre a pessoa que agride e
a pessoa que é agredida.
Que conseqüências a violência
sexual traz para a vida das mulheres que sofrem este tipo de
agressão?
Aproximadamente 50% das mulheres que sofrem violência sexual vão sofrer alguns distúrbios
ou trauma psicológico. O trauma
psicológico é dividido em duas
fases: a aguda e a crônica. A fase
aguda é aquela em que a mulher
está traumatizada, depressiva,
com insônia. Ela desenvolve um
sentimento suicida que geralmente se prolonga por dois meses
ainda depois do estupro. Após
esses meses, a mulher entra numa
fase de cronificação, que é chamada de fase de reorganização,
onde o médico tem que fazer a
psicoterapia na paciente. Ela tem
que fazer um trabalho psicológico para que ela não se cronifique.
Essa cronificação significa depressão e, muitas vezes, suicídio,
drogatização e prostituição.
Qual a sua avaliação sobre os
traumas existentes na violência
contra a mulher ?
O trauma físico, obviamente, é um
tipo de agressão que envolve
arma de fogo ou arma branca.
Então, existem ainda casos de
tiro, estrangulamento, facada, ou
seja, como qualquer outro tipo
de agressão. Na grande maioria
das vezes os traumas físicos são
leves. Porém, quando os traumas
são graves o agressor está querendo matar a vítima para que não
seja reconhecido futuramente.
Além dos traumas físicos, a mulher sofre o trauma psicológico,
que normalmente segue um quadro de depressão se não for tratado adequadamente. Um dia
essa mulher pode se tornar uma
prostituta, pode se drogar ou
pode se tornar uma alcoólatra
entre outras possibilidades. Só o
fato de ter sido violentada e não
ter tido um suporte psicológico
já abre caminho para tais problemas.
O que as mulheres devem fazer
e onde elas podem procurar ajuda ?
Inicialmente, a vítima de violência sexual precisa de um tratamento médico. O primeiro atendimento médico é decisivo para que se
possa fazer prevenção de gravidez e contra doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a
Aids. Para a eficácia no atendimento, a mulher deve procurar o
pronto socorro, de preferência
nos três primeiros dias após o
acontecimento. O anticoncepcional de emergência, por exemplo, tem 97% de eficiência quando ministrado em até 24 horas
após a ocorrência do estupro; e
o coquetel contra a Aids não terá
ação após 72 horas. Depois que
a mulher estiver mais calma, ela
deve procurar a polícia. Vale lembrar que a mulher tem até cinco
anos para fazer a denúncia do
abuso.
O Caism é pioneiro no Brasil,
além de possuir um atendimento
diferenciado. O que é necessário para ter esse atendimento no
resto do país ?
A primeira coisa que precisa ser
feita é uma mobilização da sociedade, dos profissionais da saúde e principalmente dos educadores. Além da união desses três
segmentos, é preciso montar excelentes ambulatórios. Fator muito importante é que, necessariamente, não é preciso movimentar
muitos recursos para que nasça
ou seja montado um ambulatório
com essas especificidades.
PRIMEIRA PÁGINA, Novembro de 2004
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