PATRIMÔNIO
UM CHORO, UMA SAGA,
UMA HISTÓRIA
Andar superior do Centro Cultural Carioca: guardador de memórias de um tempo saudoso
Os caminhos para se
resgatar lembranças e
patrimônios quase
sempre não são
fáceis. Enverede por
um que trouxe de
volta memórias abandonadas.
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P
or entre as mesas do badalado
andar superior do Eldorado
ecoava o som choroso de uma
música que não tinha letra, mas
tinha nome: Carinhoso. Na
platéia, um negro elegante deu
mais uma tragada no cigarro pensando
que ali estava um novo sucesso a ser
gravado. Afinal, ele era Orlando Silva,
o Rei da Voz, e aquela suave melodia
emitida por um saxofone era perfeita.
Na verdade, ela havia sido composta
dez anos antes, mas era a primeira vez
que Orlando a ouvia. Teria letra? Não
foi difícil descobrir, pois o autor (e
intérprete naquela noite) era
Pixinguinha, seu velho amigo de
boêmia.
Em 1937, a música mais ouvida
nas rádios do Rio era Carinhoso, com
Orlando Silva. A letra, a pedido do Rei
da Voz, foi construída por João de
Barro, o Braguinha, que caprichou na
poesia para perpetuar uma das grandes
obras da música popular brasileira.
Quem garante que a história foi
mais ou menos essa é o professor da
matéria, Carlos Roquete. O Eldorado,
palco da romântica ação descrita, hoje
é conhecido como Centro Cultural
MARKETING CULTURAL - DEZEMBRO 2002
Da esquerda para a direita: Sergio Manso;
Isnard Mansoo, Fábio Manso e Mariana.
Carioca, na Praça Tiradentes, um
belíssimo prédio que se tornou feio e
caindo aos pedaços graças ao crônico
desprezo que a maioria dos brasileiros
dedica à sua memória.
Ainda bem que é da maioria, não
de todos. A expectativa de se reformar
o espaço e transformá-lo em um centro cultural que resgatasse a cultura
carioca, fez mover o interesse de quatro cavaleiros dispostos a recuperar
aquele apocalipse. Fábio Manso,
Sérgio Manso, Isnard Manso e sua
esposa Mariana Baltar - conhecida
intérprete dos bons e velhos sambas resolveram encarar a empreitada,
porém faltava aquele elemento essencial que geralmente atrapalha o caminho das boas idéias, mas que nem
sempre é obstáculo intransponível.
Pais, amigos e parentes aceitaram
colaborar com a sacolinha e o dinheiro, aquele que não existia, foi suficiente para alugar o imóvel e fazer as
obras necessárias para o espaço que
hoje é freqüentado nos dias fortes por
cerca de 300 pessoas.
Foram perto de R$ 100 mil reais
gastos para reforçar estrutura, refazer
o
telhado,
construir
uma
cozinha...num trabalho intenso que
durou quatro meses. A sacolinha foi
necessária porque conseguir apoio de
governo seria inviável e demorado e
eles tinham pressa. A única solução
era pôr a mão na massa e foi o que os
irmãos e Mariana Baltar decidiram
fazer. Sérgio, hoje, fica por conta da
sonorização e iluminação da casa;
Fábio cuida da parte burocrática e
administrativa; Isnard é o responsável
pela programação, além de dar aulas
de dança de salão na Cia. Aérea de
Dança, outro núcleo cultural comandado por eles. Mariana Baltar contribui
com sua arte e é a atração principal de
quase todas as noites. A cantora Tereza
Cristina e o Pagode da Tia Doca também se apresentam por lá.
Já que tudo estava em família, os
freqüentadores não reclamam dos
quitutes oferecidos por Dona Kika,
mãe dos Mansos. A atividade do pai,
S. Isnard, fica por conta da novidade
da casa: aos sábados, antes do show de
Mariana Baltar, são feitas projeções de
filmes antigos de 16mm e quem cuida
das projeções é ele.
O grupo agora pretende desenvolver projetos para o andar superior
(único em funcionamento) e o Térreo.
Agora, com mais calma, quem sabe
eles consigam trabalhar com algum
apoio de empresa. Tal como na nossa
matéria de Entrevista dessa edição, a
saga dos que querem fazer e fazem
continua.
u
Serviço: Centro Cultural Carioca: Rua do
Teatro, 37 - centro (ao lado do teatro João
caetano) Rio de Janeiro. Tel: (21)22429642
Há quem diga que nesse espaço já rolou uma bela gafieira
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