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Campinas, 5 a 18 de outubro de 2015
Fotos: Antoninho Perri
Poética das águas
Ivanir foi percebendo que tudo no lago
gerava elementos visuais e possibilidades
que ela nunca tinha imaginado, nem na
escultura, nem na gravura. As pesquisas
fotográficas passaram por processos de
composição e impressão. Foram se desdobrando as fotos em sequência que compõem o livro de artista de sua última exposição, que remete a folhas de papel sendo
rodadas no cilindro de uma impressora
para fine arts.
Das bordas Ivanir passou a observar
uma série de resíduos que havia no lago.
Coisas insignificantes, até estranhas, mas
cheias de “possibilidades inventivas”
como ela relata. “Penas, gravetos, folhas,
pétalas, casca de ovo, galhos. Achava aquilo tudo desconcertante pelo acúmulo de
elementos de tão diferentes formas, cores,
tudo misturado pela água e pelo vento e
comecei a registrar todos os resíduos do
lago. Daí surgiu a série ‘Resíduos: água e
tempo’. Porque os resíduos vão se transformar, como é o ciclo de um ecossistema.
Ele se retrorealimenta”.
As imagens do ensaio ganharam uma
tonalidade sépia. Para a artista trata-se de
lembrar a pintura rupestre, algo que está
impresso no tempo, envelhecido na terra.
Foi então que a artista decidiu organizar
miniaturas das fotos expostas no chão da
galeria sobre uma grande área coberta de
areia e gesso peneirados. “Todas juntas,
impregnadas naquela superfície”.
Tudo que foi criado tem um dedo de
tecnologia que Ivanir tanto desconhece.
“Vou no que é mais simples: a captura da
imagem pelo clicar da câmera; o uso de
uma boa lente que me dá o zoom necessário de toda a superfície da água do lago
e seu entorno; e um programa de computador com poucos recursos, no qual pesquiso caminhos com a imagem e suas relações com a memória gráfica e processos
advindos de linguagens anteriormente utilizadas. Faço transposições que eu chamo
‘poéticas e criativas’ entre a realidade e o
meu universo artístico”.
PATRÍCIA LAURETTI
[email protected]
ara alguns moradores, um lago
perto de casa não quer dizer
nada, além de um espaço verde
que pouco será utilizado. Para
outros, pode ser aproveitado como
área de lazer, para fazer boas caminhadas.
Para Ivanir Cozeniosque, um lago perto de
casa, na região de Cotia, na Grande São
Paulo, é uma fonte inesgotável de ideias.
Há cinco anos, a artista visual e professora do Instituto de Artes (IA) da Unicamp
mantém um ritual. Sempre que possível,
depois do café da manhã, máquina fotográfica em punho, cinco minutos de caminhada, lá está ela no lugar que passou a ser
matéria-prima para mais de 15 mil imagens que a artista registrou, manipulou,
inventou e que, como um rio, desembocam
em exposições individuais e coletivas.
A escultora e gravurista Ivanir, com
formação em arquitetura e, por que não,
fotógrafa, é dessas pessoas que têm uma
fixação. Em outros tempos já tinha se
encantado com as formas orgânicas. De
montanhas de areias, modelava vazios que
preenchia com gesso. Fez infinitas esculturas que nortearam sua tese de doutorado.
Toda essa obstinação virou lago. Passou
a ser o que ela chama de “a poética das
águas”. Sua produção artística agora se dá
em torno desse lago especificamente. “É
onde moro. Tem a água, a natureza, aves
silvestres, a mata, o céu. Um lugar tão diferente de tudo no nosso cotidiano porque
não é uma sala de aula, nem uma avenida,
muito menos uma loja; mas um lugar onde
os reinos vegetal, animal e mineral coexistem. Ali, me integro”.
O trabalho começou com fotografias
das bordas, ou extremidades do lago. “Em
vez de captar a materialidade das coisas
eu captava o imaterial refletido na água e
o movimento da água, a ondulação, o vento, uma água mais calma ou mais turbulenta, alterando a visualidade do que vem
da borda”. Nas imagens do movimento das
águas congelado pela fotografia, a artista
enxergou encavos da xilogravura. E nesse
instante lembrou-se até mesmo da cor da
tinta preta tipográfica que usava para a impressão na gravura.
“Uso a fotografia, mas é o olhar de uma
memória gráfica que está emergindo nessas imagens. Acredito que o artista tem
uma memória visual, o olhar treinado captando aquilo que é importante no teu trabalho, no seu universo poético”.
SERVIÇO
A artista e professora
Ivanir Cozeniosque e
algumas de suas obras:
lago como inspiração
Exposição: “Bordas: Poéticas das
Águas”
Artista: Ivanir Cozeniosque
Quando: de 8 a 30 de outubro
Local: Centro Cultural da Casa do
Lago da Unicamp
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