FÓRUM
Sexta-feira _27 de Agosto de 2010. Diário de Notícias
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ESTADO DE DIREITO
A REPÚBLICA NO DN
Um Ministério Público democrático
PAULO PINTO
DE ALBUQUERQUE
Professor de Direito
Ministério Público é
um órgão autónomo
de administração da
justiça que não exerce
uma função judicial. A
sua actividade visa a descoberta
daverdade e arealização do direito, colaborando com o tribunal
para a realização desses fins. Na
suaactividade processual e extraprocessual, o Ministério Público
(MP) orienta-se porcritérios de legalidade e objectividade e pelasujeição às directivas, ordens a instruções previstas na lei. Nesta dupla sujeição à lei e à hierarquia
consiste aautonomiado Ministério Público.
Aconcepção constitucional do
MP põe o acento tónico no valor
centraldahierarquia, como resulta do artigo 219.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa
(CRP). Ela consagra um conceito
“forte” de hierarquia, que incluias
faculdades de avocação, substituição e devolução, e reconhece agarantiadaestabilidade nas funções
e não no processo. É este o concei-
O
CARLOS PIMENTEL/ARQUIVO DN
“O MP visa a descoberta da verdade, colaborando com o tribunal”
to constitucional de hierarquiada
magistraturado Ministério Público, e ele vale tanto parao exercício
das funções do Ministério no processo penal como fora dele. Com
efeito, o artigo 219.º, n.º 4, da CRP
foiaprovado naAssembleiaConstituinte, combase numaproposta
de José Luís Nunes, que a sustentouno seguinte argumento:“pode
acontecer que em determinado
processo de acusação o Estado en-
tenda que a acusação deve ser
conferidanão àquele delegado do
Ministério Público em concreto
que exerce as funções normais,
mas aumoutro que lhe dámelhores garantias de competência”. Como diz Figueiredo Dias, há que
afastaro“espectro de umapolítica
de personalização das funções de
prossecução”.
Por outro lado, a hierarquia do
Ministério Público é também
uma garantia constitucional dos
cidadãos e reflecte um direito fundamental, o direito à reclamação
hierárquica. O direito à reclamação hierárquica é parte integrante do direito constitucional de
acesso àjustiça. Apróprianatureza do Ministério Público, de uma
magistraturavinculadaao direito
e à lei, impõe que se reconheça
o direito do cidadão afectado pelas decisões do MP proferidas no
inquérito fazer ouvir as suas razões diante do superiorhierárquico do magistrado que proferiu a
decisão reclamadae, simultaneamente, o deverdo superiorhierárquico ouvir as razões do cidadão
reclamante.
Enfim, toda a hierarquia do
Ministério Público deve estar
subordinadaà“definição” dapolíticacriminalpelos órgãos de soberania, nos termos do artigo 219.º,
n.º 1, da CRP. Este preceito tem
dois propósitos fundamentais:
centrar no Ministério Público a
execução da política criminal democraticamente estabelecida, isto
é, estabelecida com discussão
pública no seio dos órgãos de soberania, e vincular as opções do
Ministério Público, no exercício
dos seus poderes processuais,
àobservânciade critérios de política criminal objectivos, em obediência última ao princípio constitucional daigualdade: Nas palavras incisivas de Rui Pereira, “a
autonomia técnica não pode pôr
em causaaigualdade”.
O CONVIDADO
O Estado e os magistrados do MP
FRANCLIM PEREIRA
Presidente da Direcção Nacional
da Associação Justiça para Todos
os últimos dias, aAssociação Justiça paraTodos (AJpT) veio defender publicamente que
o PGRdeveriasereleito
pelos magistrados do MP, ao invés
de ser nomeado pelo PR, sob propostado Governo.
Esta proposta assenta em duas
premissas: primeiro, na necessária autonomia e independência
que o MP deve de terrelativamente ao poder político, condição es-
N
sencialparaque possaexercerple- ou, muito embora confiando, por
namente as suas competências; qualquerrazão que importaexplipor outro lado, na (reconhecida) carnão lhe confere o direito de esconfiança que é depositada nos colher o seu representante, reserseus magistrados (os agentes do vando parasi tal competência.
Compreendo também que a
MP são magistrados responsádoisanosdotérminusdomandato
veis… art.º 219.º n.º 4 CRP).
Estranhamente, a nossa pro- doPGR,algunsnotáveisjuristasda
postaencontrouinesperadas opo- nossa praça tenham já a legítima
sições, sob o argumento de que expectativade sobre eles fazerreseria pernicioso entregar tal“po- caira“escolha”dasucessãodePintoMonteiro,equepor
der” aos magistrados
esse motivo vejamna
do MP.
nossa proposta um
Ou seja, o Estado
inesperadoobstáculo
confia no MP o sufiataldesejo, eque, por
ciente paralhe entreO que é
isso mesmo, se insurgar a liderança da inimportante
jamdeformatão veevestigação emPortué termos uma
mente, quase irraciogal, mas não confia
justiça mais célere” nal, sobre ela.
no MP para decidir
A verdade é que,
quanto à sua própria
embora respeite tais
liderança!
Isto faz-nos questionar: ou, ambições, creio que ninguémterá
efectivamente, o Estado não con- dúvidas de que elas são neste profianos magistrados do MP, e se isso cesso totalmentesecundárias relaé verdade deve dizê-lo e porquê, tivamente ao problemaprincipal.
“
O que importaé, antes de mais,
resolver agrave crise que se instalouno seio do MP e que, porarrasto contagioutodaajustiçaemPortugal, criando sobre ela um clima
de suspeição, de parcialidade e de
discricionariedade que fazperigar
acredibilidade do próprio sistema
judicial.
O que importa é que, o PGR,
quando perante casos com forte
componente política, não esteja
permanentemente condicionado
nas suas decisões, sejam elas por
acção ou por omissão, e isso dificilmente se conseguirá enquanto
este continuar a ser “proposto”
pelo Governo.
O que é efectivamente importante é termos uma justiça mais
célere, menos condicionada, concentrada somente no que tem de
fazer, aplicar a justiça da forma
mais justapossível.
Tudo o resto, nestamatéria, é ou
deveriasertotalmente secundário.
PorLuísNaves
FALTAM
39 dias
27 de Agosto de 1910
Antecipação
das eleições
legislativas
Aprimeirapáginado DN de dia28
de Agosto de 1910 é espectacular.
Nelaconstam 30 imagens de candidatos a deputados. As eleições
legislativas foram nesse domingo
deVerão, e, porisso, pelaprimeira
vez, não cumprimos aregradestas
crónicas, que resumem o que
aconteceu no dia anterior ao da
edição.
No jornalhaviahistórias do dia,
nomeadamentesobreacanhoneira Tejo, queencalharanasexta-feira, no meio do nevoeiro. Os estragos no navio eram arrepiantes,
mas não houve vítimas. Curiosamente, umadas figuras no friso de
notáveis candidatos erao comandante da canhoneira que quase
naufragara, comandante Guilherme Ivens Ferraz, daoposição.
Quase todos os candidatos adeputado que surgem nas imagens
tinham nomes de ruas actuais, alguns deles até de avenida, e todos
(num total de 30) usavam bigode
ou barba. Nenhum estava de cara
rapada. Sete eram militares e três
futuros presidentes daRepública.
Os partidos monárquicos apresentavam-se divididos entre governamentais e dissidentes dacoligação eleitoral, que surge nas notícias como “a oposição”. Em
Lisboae no Porto, os republicanos
e socialistas apresentavam-se separados.
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