A INSTRUÇÃO PÚBLICA E O IMPÉRIO BRASILEIRO NO DISCURSO
DE PIRES DE ALMEIDA (1889)
MELO, Cristiane Silva
[email protected]
FLORINDO, Rosileide S. M.
[email protected]
MACHADO, Maria Cristina Gomes (Orientadora)
[email protected]
Universidade Estadual de Maringá
História e Historiografia da Educação
Introdução
Este trabalho aborda discussões acerca do discurso de Pires de Almeida (1843-1913)
sobre o desenvolvimento da instrução pública no Brasil no período imperial (1822-1889).
Objetiva-se apresentar as contribuições de Pires de Almeida para o campo da historiografia da
educação, a partir da descrição de sua obra “História da Instrução Pública no Brasil” (1889),
bem como identificar a concepção do autor sobre a situação da educação nacional no século
XIX e as ações do Estado para a ampliação e manutenção do ensino no país. A obra “História
da Instrução Pública no Brasil” é considerada a primeira obra produzida no Brasil, editada
em 1889, com a finalidade de organizar e sistematizar uma história da educação brasileira,
trata-se, portanto, de um importante material de pesquisa, tem sido, na contemporaneidade,
objeto de análise por estudiosos da educação, como nos expressa os trabalhos de Gondra
(1996), Vidal e Faria Filho (2003), Nunes (1995), Machado (2003), Kuhlmann Jr. (1999) e
Godoy (2007).
A obra de Pires de Almeida (1889) contempla informações sobre o ensino no Brasil no
período de 1500 a 1889. Nela encontramos, sobretudo, dados detalhados sobre o ensino
primário e secundário na época em que o Estado imperial esteve a frente da determinação de
leis e parâmetros para a organização do ensino. Por intermédio da leitura de “História da
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
1
Instrução Pública no Brasil” é possível perceber os aspectos teóricos que permearam a escrita
de uma memória social da história da educação brasileira no final do século XIX, além de
conhecer o pensamento educacional de Pires de Almeida, um respeitado intelectual naquele
momento incumbido de registrar e perenizar informações sobre a educação nacional a serem
divulgadas nas conferências pedagógicas internacionais, almejavam-se propagar uma imagem
positiva do desenvolvimento da educação no Brasil e a obra em questão contribuiu com esse
intento. A seguir, apresentam-se notas biográficas de Pires de Almeida, aspectos da obra
“História da Instrução Pública no Brasil”, e discussões sobre estado e educação no período
imperial brasileiro na perspectiva desse autor.
Pires de Almeida e a Obra “História da Instrução Pública no Brasil” (1889)
José Ricardo Pires de Almeida nasceu em 07 de dezembro de 1843 na cidade do Rio
de Janeiro. Estudou três anos de Direito em São Paulo, cursou medicina, formando-se em
1871 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ele exerceu atividades de comissário
vacinador, adjunto da Inspetoria-Geral de Higiene e arquivista de Câmara Municipal.
Colaborou em diversos jornais como a Província de São Paulo, Futuro, Correio Paulistano,
Diário do Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio. Faleceu, aos 70 anos, em
24 de setembro de 1913. (GONDRA, 2003).
Pires de Almeida escreveu em Francês a obra História da Instrução Pública no Brasil
(Histoire de L’Instruction Publique au Brésil (1500-1889): Histoire et Legislation), durante
cerca de cem anos esta obra não obteve intensa circulação no país, foi publicada em português
apenas em 1989, traduzida por Antônio Chizzotti. Almeida (1889) dedicou a obra ao Sr.
Gastão de Orleans, conde D’Eu, que foi marechal do Exército Brasileiro. Na introdução o
autor aborda discussões sobre a atuação dos jesuítas na educação nacional e as contribuições
de D. João no desenvolvimento da cultura e instrução brasileira. No livro encontra-se o
capítulo A Instrução Pública no Brasil - depois da Independência até os nossos dias, que se
subdivide em dois momentos: 1ª Época Da Independência ao Ato Adicional, neste momento
há uma parte voltada à Instrução Primária e outra parte à Instrução Secundária, e 2ª Época Do
Ato Adicional até os dias de hoje, momento subdivido em 1º Período – 1834 a 1856 Instrução
Primária, 1º Período – 1834 a 1856 Instrução Secundária, e 2º Período De 1857 até nossos
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
2
dias (1889) Instrução Primária e Secundária, nesta última parte há o item A instrução
Pública sob os sucessores do Ministro João Alfredo Correa de Oliveira. No final da obra está
anexado o relatório de Antônio Gonçalves Dias, de 1852, que aborda dados sobre a instrução
pública nas províncias do norte do país. Este relatório, bem como outros documentos de
cunho legislativo e estatístico, foi utilizado pelo autor para a fundamentação da obra.
História da Instrução Pública no Brasil apresenta de maneira ordenada informações
sobre a situação e organização do ensino na sociedade brasileira. Nessa obra estão expostas
tabelas de dados e um levantamento das escolas públicas do Império e das despesas do estado
imperial no custeamento do ensino. O autor baseia-se no conteúdo de documentos, relatórios,
cartas, registros e leis na constituição de suas discussões.
Para Pires de Almeida, a escrita do livro, na década de 1880, viria a contribuir na
produção de um referencial significativo a respeito da educação brasileira e da participação do
governo imperial no progresso do ensino no país. Ele considerava que naquele momento
estava em falta um material que apresentasse os índices de desenvolvimento do ensino
nacional, as informações sobre a instrução brasileira precisavam ser propagadas em outros
países, era preciso que reconhecessem o Brasil como um país que se colocava em condições
de igualdade, aos países mais desenvolvidos, em matéria de investimentos na educação. Desse
modo, justificou:
A idéia de escrever um livro e publicá-lo numa língua universalmente
conhecida [francês] nasceu do legítimo sentimento de orgulho nacional,
como também do patriótico desejo de suprir uma sensível lacuna existente
nos livros dos escritores que se ocuparam do estado da instrução em
diferentes países do globo. Quase todos, com efeito, passaram em silêncio o
mais importante, mais vasto, mais rico e populoso estado da América do Sul
– o Brasil. Suas obras nos informam exatamente sobre os negócios da
instrução pública nos principados de Lippe e de Waldeck e até da Sérvia,
mas se calam sobre o grande império, cujo soberano é conhecido e estimado
pelo mundo inteiro. (ALMEIDA, 1989, p. 17).
Essa intencionalidade expressa nas palavras de Pires de Almeida, levaram alguns
estudiosos da obra, como Clarice Nunes (1995), a chamar a atenção dos leitores para o fato de
a obra possuir certo comprometimento em relação ao seu conteúdo. É preciso considerar a
obra em seu contexto de produção, foi encomendada pelo governo para expressar uma
imagem positiva do país a ser divulgada no exterior, em época final do regime imperial. O
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
3
discurso de Pires de Almeida enaltece as ações do Estado em torno da manutenção do ensino
nacional e destaca o Brasil com um dos países da América do sul que mais investia no campo
da instrução.
Foi o desejo de tornar visível o Estado “mais importante, mais vasto, mais
rico e populoso da América do Sul”, em contraposição à “pretensa
superioridade” da República Platina, presente nos livros dos escritores
internacionais da Monarquia no Brasil, que o motivou para a empreitada de
escrever 1102 páginas (na edição original). Nelas, munido de despachos,
relatórios ministeriais, correspondências, avisos, requerimentos, cartasrégias, alvarás, registros diversos, além de inúmeros quadros estatísticos,
procura derrubar o preconceito contra o Império e oferecer uma espécie de
fotografia da educação brasileira. Nesse sentido, Instruction Publique au
Brésil é uma obra visceralmente comprometida, apesar da afirmação
positivista da imparcialidade, da busca da verdade e da sua revelação nos
fatos. (NUNES, 1995, p. 53)
Gondra (2003), por sua vez, nos apresenta a reflexão de que a obra no Brasil, no
momento de sua publicação original, não se tornou acessível. Na época foi consultada por
poucas pessoas, seu conteúdo representa em especial a expressão da elite, tendo sido
elaborada na perspectiva de apresentação dos “grandes” contribuintes do “progresso” da
educação brasileira, expressa, sobretudo, a voz do Estado e o discurso da ordem monárquica
vigente.
[...] Trata-se, portanto, de uma peça de propaganda do regime imperial
escrita de um determinado lugar (o da elite branca e letrada), para outra elite
(leitora de francês), isto é, para poucos leitores, uma vez que os índices de
analfabetismo da população em geral eram superiores a 80%. Dentre os
alfabetizados, deduzimos que o número de leitores em francês deveria ser,
certamente, ainda bem menor. [...] Aqui se percebe que o discurso registrado
pelo autor (e do autor) é o discurso da ordem vigente. Um discurso marcado
pela divulgação dos fatos e homens do Império em seus grandes esforços
para civilizar e construir o Estado pelo viés da instrução. O discurso do autor
procura representar, assim, o discurso do Estado Imperial. É a voz do dono
(do Estado) registrada pelo dono da voz (aqueles que estão autorizados a
registrá-la). Uma voz ecoa na outra e toma a forma de escrita. Assim sendo,
contribui para reforçar a ordem monárquica. (GONDRA, 2003, p. 646)
Tais características não retiram o mérito da obra em relação a importância de seu
conteúdo. A obra consiste num relevante material para a análise da situação e organização da
educação brasileira ao longo do século XIX. Contribui na compreensão das condições
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
4
históricas, políticas e sociais que gestaram gradualmente o processo de implementação do
ensino sob a intervenção da ação do estado, no período imperial.
Considerações sobre o Estado Imperial e a Educação no Discurso de Pires de Almeida
(1889)
O Brasil tornara-se independente de Portugal em 7 de setembro de 1822, a partir de então
instaurou-se a necessidade da organização do país como Estado havendo a promulgação de
uma constituição própria, para isso foi convocada a ação da Assembleia Nacional
Constituinte, em 1823. A necessidade de uma legislação especial sobre a instrução pública foi
colocada em questão, cabendo à Comissão de Instrução Pública da Assembleia Nacional
Constituinte a tarefa de fixar diretrizes constitucionais para essa legislação. (SAVIANI,
2012). A Constituição outorgada em 1824 esteve em vigência em todo o período imperial, em
relação ao ensino destacava a gratuidade da educação para todos os cidadãos. A Assembleia
Legislativa aprovou a primeira lei da instrução pública do Império do Brasil em 15 de outubro
de 1827, nesta ficara estabelecido que em todas as cidades, vilas e lugares populosos haveria
escolas de primeiras letras necessárias (NASCIMENTO, 2012). Com o Ato Adicional de
1834 as escolas primárias e secundárias tornou-se responsabilidade das províncias, no
decorrer do século XIX o poder público buscou normatizar a criação, organização e
funcionamento de escolas. (SAVIANI, 2006).
Almeida (1889) considerou que a educação fora valorizada desde a chegada da família
real no Brasil. Na perspectiva do autor, a vinda da família real para o Brasil consistiu num
grande marco da história da civilização nacional, D. João VI realizou importantes eventos na
área da instrução pública, dentre eles, a criação de instituições de ensino e a nomeação de
professores, em especial na área do ensino superior, desse modo, as ações desenvolvidas pelo
monarca contribuíram no desenvolvimento social e nacionalista no início do Império.
A chegada de D. João VI ao Brasil mudou completamente as condições do
país, sob todos os aspectos e, com a abertura dos portos brasileiros ao
comércio internacional, começa verdadeiramente a constituição da
nacionalidade brasileira, nacionalidade proclamada em dezembro de 1815 e
reconhecida, pouco tempo depois, por todas as potências da Europa.
Restringindo-nos à instrução pública somente, recordaremos que o governo
de D. João VI, no Brasil, criou, em 1808, no Mosteiro de São Bento, uma
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
5
Academia de Marinha, destinada à instrução dos jovens que abraçassem a
carreira marítima; estabeleceu uma Escola Anatômica, Cirúrgica e de
Medicina, em 1809, e fundou diversas escolas em diferentes lugares.
Fizeram-se, neste mesmo ano, diversas nomeações de professores de Latim,
que eram, geralmente, escolhidos e indicados pelo Clero; o bispo assinava o
diploma de sua nomeação e eram instalados pelo Senado da Câmara. Elevouse também o número de mestres encarregados de ensinar a ler, escrever e
contar. (ALMEIDA, 1989, p. 41-42, grifos nossos).
Segundo Pires de Almeida, muitas foram as ações de D. João VI para o progresso da
sociedade brasileira. A chegada da família real no Brasil provocou impacto na cultura e
economia nacional:
[...] à Dom João que se deve a fundação da Academia de Belas-Artes,
organizada pelos artistas franceses, especialmente chamados ao Rio de
Janeiro para sua fundação. [...] O Museu Nacional, data de 1818, sua criação
foi a feliz ideia de Antônio de Araújo, Conde de barca, realizada por D. João
VI, depois da morte deste ministro. Houve, enfim, um recrudescimento das
fundações de escolas e começou-se a construção de escolas para meninas.
[...] O rei institui em 1819 doze bolsas para os estudantes pobres que se
destinassem ao estudo de Ciências médicas e cirúrgicas, na escola do Rio de
Janeiro. [...] Quando o príncipe D. João se transferiu para o Brasil com toda
a corte, os altos funcionários etc., transferiu também a Academia de Ensino
da Marinha. [...] a Academia Militar Real do Rio de Janeiro foi fundada em
1810 [...] foi desta Academia Militar que saíram a Escola Militar atual, a
Escola Politécnica e a Escola de Tiro de Campo Grande. [...] Uma cadeira de
Economia Política foi criada no mesmo ano [1808] [...] Outras duas Escolas
de Comércio, foram criadas por Decreto [...] A biblioteca Pública, já citada,
aberta em 1814 [...] A fundação da imprensa real [...] O Jardim Botânico,
apreciado pelos estrangeiros como um dos atrativos do Rio de janeiro, deve
também sua existência á D. João VI [...] O Museu, fundado por D. João VI
em 06 de junho de 1818 [entre outros]. (ALMEIDA, 1989, p. 43 – 48).
Para Almeida, no Brasil houve três reinados, o reinado de D. João VI foi a base para a
constituição do Império brasileiro, priorizou a civilização e a constituição de uma nação com
ideologia própria de formação do cidadão nacional. A instrução pública contribuía nesse
processo de formação para a cidadania, por isso foi incentivada, sendo alvo de medidas para
seu avanço na sociedade.
Os historiadores nacionais só começaram realmente nossa história, como um
povo reconhecido, tendo seu lugar no concerto das nações, em 1822 e
sempre dizem, ao falar no reino de D. João VI, no Brasil, foi dos mais
notáveis e frutuosos e ocupará um importante lugar na história do país. Esta
exclusão sistemática não tem razão de ser. Não há brasileiro esclarecido que
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
6
não admita D. João VI como o verdadeiro fundador do Império do Brasil,
sob um outro título, é verdade, mas que não diminui em nada o mérito do
vigoroso impulso que este monarca soube dar à civilização do país. Até D.
João VI, o brasileiro não existia, era apenas um português nascido numa
colônia; se quisesse instruir-se, chegar a ser alguma coisa, precisava ir a
Portugal. Sob o governo paternal deste soberano, o brasileiro não se fez mais
dependente do português, tornou-se cidadão do reino do Brasil; seu rei era o
mesmo que o de Portugal mas seu governo era outro, suas instituições
diferentes. Seus funcionários, cada vez mais, tornaram-se unicamente
brasileiro. Constatamos esta tendência firmar-se nos assuntos da instrução
pública, mas o mesmo acontecia em todos os ramos da administração.
(ALMEIDA, 1989, p. 50-51).
Pires de Almeida alegou, que no decorrer do Império, embora não houvesse muitas
escolas relacionadas à instrução agrícola, percebia-se que o estado não havia ficado
indiferente à questão agrícola, reconhecia a importância da educação para a economia
nacional. O autor, em sua obra, registrou problemas existentes que dificultavam a qualidade
da oferta da educação, sendo um deles a existência de diversas leis diferentes e desarticuladas
nas províncias, que desconsideravam padrões comuns de organização. Faria Filho (2000)
destaca que no início do Império houve diversas leis provinciais que tornavam obrigatória a
frequência da população livre à escola, mas havia limites políticos e culturais para a
universalização do ensino na sociedade, dentre eles a baixa capacidade de investimentos das
províncias, que em certos casos empregavam mais de 1/4 de seus recursos na instrução e
obtinham poucos resultados. Na perspectiva de Pires de Almeida, a incoerência de leis e a
falta de inspeção escolares nas províncias prejudicavam ainda mais uma organização
unificada no ensino no território brasileiro.
Nesse excelente trabalho apreciável sob todos os aspectos, o ilustre poeta faz
observar quanto é deplorável a diversidade de legislação, de província a
província, a respeito da instrução pública. Umas matérias ensinadas são
insuficientes; noutra, a multiplicidade e a má escolha dos livros escolares
prejudicam os estudos; em outra parte, os programas estão mal organizados;
e em geral, há insuficiência de inspeção que, às vezes, falta inteiramente. Em
quase todos os lugares as escolas são freqüentadas de modo irregular.
(ALMEIDA, 1989, p. 86).
Por outro lado, Pires de Almeida via com entusiasmo as tentativas de reformas no
ensino por intermédio da legislação. Em sua obra destaca que a partir da década de 1840 notase uma maior preocupação com a organização do ensino primário no país. Nessa época, por
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
7
exemplo, foram definidos critérios para a contratação de professores por meio de concursos.
O sistema de ensino primário naquele momento se apresentava desarticulado, situação
herdada em especial da descentralização e regionalização da organização do ensino, bem
como da existência de diversas instituições educativas particulares com programação próprias.
Sendo assim, para diminuir tais problemas, o governo nomeou em 1847 uma comissão de
pessoas para conhecer e subvencionar os estabelecimentos de ensino particulares. Vejamos o
relato do autor sobre este assunto:
Começou-se desde 1845 a se ocupar da instrução primária; um decreto de 10
de dezembro determinou as condições do concurso para as vagas de
institutores, para o município da capital. Uma lei de 18 de setembro do
mesmo ano autorizara o governo a criar adjuntos aos institutores da mesma
cidade, e a fazer as despesas necessárias para o aluguel e o material das
escolas.
Estas medidas insuficientes não poderiam dar todos os bons resultados que o
imperador desejou ver produzir. O sistema pecava pela base; era necessário
trazer a ordem ao caos, nascido de medidas tomadas em diversas épocas, sob
o impulso do momento, sem ligação entre elas, sem plano prévio.
Por isso, o governo nomeou em 1847 uma comissão de cidadãos, escolhidos
entre os mais distintos e lhe deu a tarefa de visitar não só as escolas públicas
para conhecerem exatamente o seu estado, mas também visitar os
estabelecimentos particulares. Era a primeira vez que o Estado se intrometia
no ensino privado, além de autorizações que concedia. Esta última parte da
autorização ministerial deu lugar a polêmicas muito vivas nos jornais, que
viam nisso uma grave transgressão da lei. Sustentava-se que o governo não
tinha nada a ver com a instrução particular, quando na realidade a
moralidade pública exigia há tempo esta intervenção; porque, chegara-se a
tal ponto que cada um podia abrir o curso que lhe aprouvesse, sem informar
qualquer autoridade seja policial, administrativa ou municipal, e havia
institutores ou professores que afligiam aos seus discípulos punições muito
rigorosas. (ALMEIDA, 1989, p. 81).
Pires de Almeida considerou que a instrução pública havia progredido no período
imperial. O Estado contribuiu para o desenvolvimento do ensino primário, secundário e
superior na sociedade brasileira. Na obra História da Instrução Pública no Brasil o autor
apresenta quadros sobre as matrículas de alunos nas diversas províncias, apontando as
nacionalidades desses alunos nas instituições de ensino. Apresenta quadros por província,
escolas e estabelecimentos de instrução pública e particular no Brasil, conforme os dados
mais recentes da época. Nestes quadros são especificadas a natureza das escolas e os
estabelecimentos em cada província (Amazonas, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Alagoas e
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
8
Paraíba, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, Município neutro, São
Paulo e Santa Catarina, Bahia e Pernambuco, Minas Gerais, Espírito Santo e Sergipe, Rio
Grande do Sul, Paraná e Goiás). Informações como: a data dos dados, a população, superfície
da província, proporção dos alunos em relação à instrução, receita da província, precedem a
apresentação dos quadros. O autor destaca a quantidade de escolas referentes à instrução
primária,
secundária
e
superior,
sendo
estas
públicas;
particulares;
particulares
subvencionadas; Asilo; Liceu; escola normal; Seminário; profissional; escolas de meninos;
entre outras. Pires de Almeida destaca a existência de escolas para meninos, meninas ou
mistas, define a quantidade de alunos meninos e meninas matriculados e a soma, em mil réis e
francos, destinada para o custeamento desses ensinos bem como a proporção do total das
receitas do país.
Em sua obra, o autor apresenta dados comparativos das despesas com a instrução
pública de cada província e do município neutro entre o período de 1874 a 1890, em réis e
franco. Expõe uma tabela demonstrativa das despesas feitas pelo Estado com os
estabelecimentos de instrução pública, secundária e superior, na qual especifica as fontes de
despesas como: instrução primária e secundária, Colégio D. Pedro II, Escola Normal,
Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola Politécnica, Asilo de Crianças
Abandonadas, Academia de Belas Artes, Liceu de Artes e Ofícios, professores primários à
serviço da catequese dos índios e missionários professores, instrução de crianças nascidas de
mães escravas, das diversas colônias “orfonológicas”, entre outras.
Na obra o autor compara a extensão de regiões brasileiras com a de países europeus e
da América Latina, conclui que o Brasil é um dos países da América Latina mais adiantado
em relação à instrução pública, leva em consideração a extensão do Brasil em relação aos
países da Europa para definir que o Brasil investia na educação. Comenta que o Brasil não
ocupava uma posição desprivilegiada comparada a de alguns países da Europa e da América
Latina, com exceção do Chile e da República Argentina, em relação a educação. Pires de
Almeida apresenta o dispêndio, em francos, com a instrução pública, por habitantes, em
diversos países, bem como a proporção das despesas com a instrução em relação ao valor das
receitas, nos principais países da Europa e da América, como Inglaterra, Alemanha e Bélgica,
Itália e Portugal, e conclui que o Brasil investia na educação mais que alguns países da
Europa:
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
9
Os números que apresentamos [...] provam eloquentemente o que
procuramos demonstrar neste livro: 1º que o Brasil não está atrasado em
relação à instrução pública; 2º que chegará logo a ocupar o primeiro plano
intelectual entre as nações sul americanas, se os dispêndios com a instrução
seguirem a progressão constada nos quadros, a partir do exercício de 18741875. (ALMEIDA, 1989, p. 302)
Em História da Instrução Pública no Brasil, Pires de Almeida anunciou atos de
Ministros do Império que contribuíram para a reforma do ensino no município neutro,
discutiu as ações do Conselheiro Paulino José Soares de Souza, que, segundo sua opinião,
empenhou-se para dar impulso ao ensino nacional, na proposta de projetos e ações para a
instrução pública. Paulino José Soares de Souza apresentou em 6 de agosto de 1880 à Câmara
dos Deputados um projeto de lei relativo à instrução, era partidário da instrução primária
obrigatória, esta ação foi elogiada por Pires de Almeida, que o define como um dos maiores
colaboradores no progresso da instrução pública. O autor comenta sobre as ações, “de fazer o
bem”, do Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira, que contribuiu na organização das
Conferências Pedagógicas, fundadas por uma decisão ministerial de 30 de agosto de 1873.
Pires de Almeida dispõe de vários parágrafos para discutir sobre o ministério do
Conselheiro Leôncio de Carvalho, autor do Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879.
Carvalho entendia que “o futuro da nação dependia da difusão das luzes no meio das massas”,
a primeira medida proposta por ele é a da liberdade do ensino, sendo esta considerada a base
sólida sobre a qual se devia estabelecer a educação nacional. Na obra, Almeida também
destaca e elogia as ações do Conselheiro Thomaz Coelho D’Almeida, Ministro da Guerra, que
reorganizou o ensino militar, técnico e literário, criando mais escolas e instituindo o Colégio
Militar, fundado pelo decreto de 13 de março de 1869, instalado no Rio de Janeiro.
Pires de Almeida, em sua obra, também comenta sobre a existência de associações
particulares que se ocupavam com a manutenção da instrução popular, como a Imperial
Sociedade Amante da Instrução. O autor cita que havia pessoas que colaboravam com a
doação de valores para o ensino, destaca a existência da ajuda de benfeitores para custear a
compra de casas e mobiliar edifícios escolares, mas enfatiza, sobretudo, a atuação do Estado
na propagação de maiores condições de acesso aos diferentes graus de ensino com destaque
na definição de leis e criação de instituições escolares para a ampliação e organização do
ensino nacional.
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
10
Considerações finais
Pires de Almeida apresentou a história da educação brasileira de maneira linear e
evolutiva, evocando os importantes atos do governo imperial para a organização e
custeamento do ensino no período de 1822 a 1889. No discurso do autor a educação aparece
como importante, ele considera que na sociedade os Ministros do Império dispôs de esforços
para provocar mudanças substancialmente, em especial na legislação do ensino, que
repercutissem em modificações de sistemas de ensino insuficientes nas diferentes províncias
do país. O autor enfatiza que o estado identificou e solucionou problemas no campo da
educação. Foram criadas escolas, estabelecidas leis, instituído o método de ensino mútuo,
entre outros feitos, com vistas a ampliação e modernização do ensino nacional. O país estava
atento à educação e via neste elemento condições para o seu progresso.
Reiteramos a importância da obra História da Instrução Pública no Brasil no campo
da historiografia da educação brasileira. O conteúdo desse material nos permite identificar o
panorama do desenvolvimento da educação no decorrer do período imperial, para maior
compreensão da obra, e do discurso enfatizado pelo autor, é preciso que a obra seja
investigada a partir dos aspectos sociais e políticos que influenciaram a sua produção.
Pires de Almeida relata que no império brasileiro houve melhorias na área da instrução
pública. Em sua perspectiva, nota-se um avanço na educação no período de modo a assegurar
ao Brasil a condição de um dos países que mais investiu no setor educacional no século XIX.
Embora houve as iniciativas do Estado e de Ministros do Império para o desenvolvimento da
instrução nacional, enunciadas por Pires de Almeida, sabe-se que diversas reformas e projetos
de reformas não tiveram aplicação prática no decorrer do Império, certos investimentos
expressaram-se como insuficientes para a solução de problemas encontrados particularmente
nas diferentes províncias, a descentralização do ensino e a existência de leis isoladas foram
alguns aspectos que dificultaram o maior avanço das condições de oferta da educação. No
final do império há registros de problemas como falta de prédios escolares, falta de
professores qualificados e baixo direcionamento de verbas para o ensino, que persistiam na
sociedade brasileira.
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
11
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil (1500-1889):
história e legislação. Tradução de Antonio Chizzotti. São Paulo: Educ.; Brasília: Inep/MEC,
1989.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A instrução elementar no século XIX. In: LOPES,
Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos
de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 135-150.
GONDRA, José Gonçalves. José Ricardo Pires de Almeida. In: BRITTO, Jader de Medeiros;
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque (Orgs.). Dicionário dos educadores no Brasil:
da Colônia aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. p. 643-647.
GONDRA, José Gonçalves. Sem Deus nem Rei? O Positivismo na escrita da educação
brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, INEP, vol. 77, n. 185, p.
169 – 190, jan. / abr., 1996.
KUHLMANN JR., Moysés. Raízes da historiografia educacional brasileira (1881-1922).
Cadernos de Pesquisa, n. 106, p. 159-171, mar., 1999.
MACHADO, Maria Cristina Gomes. Uma reflexão sobre o surgimento das instituições
escolares no Brasil no século XIX. Revista Histedbr on line, Campinas: n. 11, set. de 2003.
Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis11/rev11.html. Acesso
em: 05/05/2012.
NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. O Império e as primeiras tentativas de organização da
educação nacional. In: Navegando na História da Educação Brasileira (HISTEDBR).
Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_imperial_intro.html.
Acesso em 04/10/2012.
NUNES, Clarice. A instrução pública e a primeira história sistematizada da educação
brasileira. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, nº 93, p. 51 – 59, maio, 1995.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia e política educacional no império brasileiro. Disponível
em: http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/489DermevalSaviani.pdf. Acesso em:
04/10/2012.
________. O Legado Educacional do “longo século XX” brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval
at all. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2006.
p.10- 55.
VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. História da Educação no
Brasil: a constituição histórica do campo (1880-1970). Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 23, nº 45, pp. 37-70, 2003.
Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012
12
Download

a instrução pública e o império brasileiro no discurso de pires de