A INSTRUÇÃO PÚBLICA E O IMPÉRIO BRASILEIRO NO DISCURSO DE PIRES DE ALMEIDA (1889) MELO, Cristiane Silva [email protected] FLORINDO, Rosileide S. M. [email protected] MACHADO, Maria Cristina Gomes (Orientadora) [email protected] Universidade Estadual de Maringá História e Historiografia da Educação Introdução Este trabalho aborda discussões acerca do discurso de Pires de Almeida (1843-1913) sobre o desenvolvimento da instrução pública no Brasil no período imperial (1822-1889). Objetiva-se apresentar as contribuições de Pires de Almeida para o campo da historiografia da educação, a partir da descrição de sua obra “História da Instrução Pública no Brasil” (1889), bem como identificar a concepção do autor sobre a situação da educação nacional no século XIX e as ações do Estado para a ampliação e manutenção do ensino no país. A obra “História da Instrução Pública no Brasil” é considerada a primeira obra produzida no Brasil, editada em 1889, com a finalidade de organizar e sistematizar uma história da educação brasileira, trata-se, portanto, de um importante material de pesquisa, tem sido, na contemporaneidade, objeto de análise por estudiosos da educação, como nos expressa os trabalhos de Gondra (1996), Vidal e Faria Filho (2003), Nunes (1995), Machado (2003), Kuhlmann Jr. (1999) e Godoy (2007). A obra de Pires de Almeida (1889) contempla informações sobre o ensino no Brasil no período de 1500 a 1889. Nela encontramos, sobretudo, dados detalhados sobre o ensino primário e secundário na época em que o Estado imperial esteve a frente da determinação de leis e parâmetros para a organização do ensino. Por intermédio da leitura de “História da Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 1 Instrução Pública no Brasil” é possível perceber os aspectos teóricos que permearam a escrita de uma memória social da história da educação brasileira no final do século XIX, além de conhecer o pensamento educacional de Pires de Almeida, um respeitado intelectual naquele momento incumbido de registrar e perenizar informações sobre a educação nacional a serem divulgadas nas conferências pedagógicas internacionais, almejavam-se propagar uma imagem positiva do desenvolvimento da educação no Brasil e a obra em questão contribuiu com esse intento. A seguir, apresentam-se notas biográficas de Pires de Almeida, aspectos da obra “História da Instrução Pública no Brasil”, e discussões sobre estado e educação no período imperial brasileiro na perspectiva desse autor. Pires de Almeida e a Obra “História da Instrução Pública no Brasil” (1889) José Ricardo Pires de Almeida nasceu em 07 de dezembro de 1843 na cidade do Rio de Janeiro. Estudou três anos de Direito em São Paulo, cursou medicina, formando-se em 1871 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ele exerceu atividades de comissário vacinador, adjunto da Inspetoria-Geral de Higiene e arquivista de Câmara Municipal. Colaborou em diversos jornais como a Província de São Paulo, Futuro, Correio Paulistano, Diário do Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio. Faleceu, aos 70 anos, em 24 de setembro de 1913. (GONDRA, 2003). Pires de Almeida escreveu em Francês a obra História da Instrução Pública no Brasil (Histoire de L’Instruction Publique au Brésil (1500-1889): Histoire et Legislation), durante cerca de cem anos esta obra não obteve intensa circulação no país, foi publicada em português apenas em 1989, traduzida por Antônio Chizzotti. Almeida (1889) dedicou a obra ao Sr. Gastão de Orleans, conde D’Eu, que foi marechal do Exército Brasileiro. Na introdução o autor aborda discussões sobre a atuação dos jesuítas na educação nacional e as contribuições de D. João no desenvolvimento da cultura e instrução brasileira. No livro encontra-se o capítulo A Instrução Pública no Brasil - depois da Independência até os nossos dias, que se subdivide em dois momentos: 1ª Época Da Independência ao Ato Adicional, neste momento há uma parte voltada à Instrução Primária e outra parte à Instrução Secundária, e 2ª Época Do Ato Adicional até os dias de hoje, momento subdivido em 1º Período – 1834 a 1856 Instrução Primária, 1º Período – 1834 a 1856 Instrução Secundária, e 2º Período De 1857 até nossos Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 2 dias (1889) Instrução Primária e Secundária, nesta última parte há o item A instrução Pública sob os sucessores do Ministro João Alfredo Correa de Oliveira. No final da obra está anexado o relatório de Antônio Gonçalves Dias, de 1852, que aborda dados sobre a instrução pública nas províncias do norte do país. Este relatório, bem como outros documentos de cunho legislativo e estatístico, foi utilizado pelo autor para a fundamentação da obra. História da Instrução Pública no Brasil apresenta de maneira ordenada informações sobre a situação e organização do ensino na sociedade brasileira. Nessa obra estão expostas tabelas de dados e um levantamento das escolas públicas do Império e das despesas do estado imperial no custeamento do ensino. O autor baseia-se no conteúdo de documentos, relatórios, cartas, registros e leis na constituição de suas discussões. Para Pires de Almeida, a escrita do livro, na década de 1880, viria a contribuir na produção de um referencial significativo a respeito da educação brasileira e da participação do governo imperial no progresso do ensino no país. Ele considerava que naquele momento estava em falta um material que apresentasse os índices de desenvolvimento do ensino nacional, as informações sobre a instrução brasileira precisavam ser propagadas em outros países, era preciso que reconhecessem o Brasil como um país que se colocava em condições de igualdade, aos países mais desenvolvidos, em matéria de investimentos na educação. Desse modo, justificou: A idéia de escrever um livro e publicá-lo numa língua universalmente conhecida [francês] nasceu do legítimo sentimento de orgulho nacional, como também do patriótico desejo de suprir uma sensível lacuna existente nos livros dos escritores que se ocuparam do estado da instrução em diferentes países do globo. Quase todos, com efeito, passaram em silêncio o mais importante, mais vasto, mais rico e populoso estado da América do Sul – o Brasil. Suas obras nos informam exatamente sobre os negócios da instrução pública nos principados de Lippe e de Waldeck e até da Sérvia, mas se calam sobre o grande império, cujo soberano é conhecido e estimado pelo mundo inteiro. (ALMEIDA, 1989, p. 17). Essa intencionalidade expressa nas palavras de Pires de Almeida, levaram alguns estudiosos da obra, como Clarice Nunes (1995), a chamar a atenção dos leitores para o fato de a obra possuir certo comprometimento em relação ao seu conteúdo. É preciso considerar a obra em seu contexto de produção, foi encomendada pelo governo para expressar uma imagem positiva do país a ser divulgada no exterior, em época final do regime imperial. O Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 3 discurso de Pires de Almeida enaltece as ações do Estado em torno da manutenção do ensino nacional e destaca o Brasil com um dos países da América do sul que mais investia no campo da instrução. Foi o desejo de tornar visível o Estado “mais importante, mais vasto, mais rico e populoso da América do Sul”, em contraposição à “pretensa superioridade” da República Platina, presente nos livros dos escritores internacionais da Monarquia no Brasil, que o motivou para a empreitada de escrever 1102 páginas (na edição original). Nelas, munido de despachos, relatórios ministeriais, correspondências, avisos, requerimentos, cartasrégias, alvarás, registros diversos, além de inúmeros quadros estatísticos, procura derrubar o preconceito contra o Império e oferecer uma espécie de fotografia da educação brasileira. Nesse sentido, Instruction Publique au Brésil é uma obra visceralmente comprometida, apesar da afirmação positivista da imparcialidade, da busca da verdade e da sua revelação nos fatos. (NUNES, 1995, p. 53) Gondra (2003), por sua vez, nos apresenta a reflexão de que a obra no Brasil, no momento de sua publicação original, não se tornou acessível. Na época foi consultada por poucas pessoas, seu conteúdo representa em especial a expressão da elite, tendo sido elaborada na perspectiva de apresentação dos “grandes” contribuintes do “progresso” da educação brasileira, expressa, sobretudo, a voz do Estado e o discurso da ordem monárquica vigente. [...] Trata-se, portanto, de uma peça de propaganda do regime imperial escrita de um determinado lugar (o da elite branca e letrada), para outra elite (leitora de francês), isto é, para poucos leitores, uma vez que os índices de analfabetismo da população em geral eram superiores a 80%. Dentre os alfabetizados, deduzimos que o número de leitores em francês deveria ser, certamente, ainda bem menor. [...] Aqui se percebe que o discurso registrado pelo autor (e do autor) é o discurso da ordem vigente. Um discurso marcado pela divulgação dos fatos e homens do Império em seus grandes esforços para civilizar e construir o Estado pelo viés da instrução. O discurso do autor procura representar, assim, o discurso do Estado Imperial. É a voz do dono (do Estado) registrada pelo dono da voz (aqueles que estão autorizados a registrá-la). Uma voz ecoa na outra e toma a forma de escrita. Assim sendo, contribui para reforçar a ordem monárquica. (GONDRA, 2003, p. 646) Tais características não retiram o mérito da obra em relação a importância de seu conteúdo. A obra consiste num relevante material para a análise da situação e organização da educação brasileira ao longo do século XIX. Contribui na compreensão das condições Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 4 históricas, políticas e sociais que gestaram gradualmente o processo de implementação do ensino sob a intervenção da ação do estado, no período imperial. Considerações sobre o Estado Imperial e a Educação no Discurso de Pires de Almeida (1889) O Brasil tornara-se independente de Portugal em 7 de setembro de 1822, a partir de então instaurou-se a necessidade da organização do país como Estado havendo a promulgação de uma constituição própria, para isso foi convocada a ação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1823. A necessidade de uma legislação especial sobre a instrução pública foi colocada em questão, cabendo à Comissão de Instrução Pública da Assembleia Nacional Constituinte a tarefa de fixar diretrizes constitucionais para essa legislação. (SAVIANI, 2012). A Constituição outorgada em 1824 esteve em vigência em todo o período imperial, em relação ao ensino destacava a gratuidade da educação para todos os cidadãos. A Assembleia Legislativa aprovou a primeira lei da instrução pública do Império do Brasil em 15 de outubro de 1827, nesta ficara estabelecido que em todas as cidades, vilas e lugares populosos haveria escolas de primeiras letras necessárias (NASCIMENTO, 2012). Com o Ato Adicional de 1834 as escolas primárias e secundárias tornou-se responsabilidade das províncias, no decorrer do século XIX o poder público buscou normatizar a criação, organização e funcionamento de escolas. (SAVIANI, 2006). Almeida (1889) considerou que a educação fora valorizada desde a chegada da família real no Brasil. Na perspectiva do autor, a vinda da família real para o Brasil consistiu num grande marco da história da civilização nacional, D. João VI realizou importantes eventos na área da instrução pública, dentre eles, a criação de instituições de ensino e a nomeação de professores, em especial na área do ensino superior, desse modo, as ações desenvolvidas pelo monarca contribuíram no desenvolvimento social e nacionalista no início do Império. A chegada de D. João VI ao Brasil mudou completamente as condições do país, sob todos os aspectos e, com a abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, começa verdadeiramente a constituição da nacionalidade brasileira, nacionalidade proclamada em dezembro de 1815 e reconhecida, pouco tempo depois, por todas as potências da Europa. Restringindo-nos à instrução pública somente, recordaremos que o governo de D. João VI, no Brasil, criou, em 1808, no Mosteiro de São Bento, uma Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 5 Academia de Marinha, destinada à instrução dos jovens que abraçassem a carreira marítima; estabeleceu uma Escola Anatômica, Cirúrgica e de Medicina, em 1809, e fundou diversas escolas em diferentes lugares. Fizeram-se, neste mesmo ano, diversas nomeações de professores de Latim, que eram, geralmente, escolhidos e indicados pelo Clero; o bispo assinava o diploma de sua nomeação e eram instalados pelo Senado da Câmara. Elevouse também o número de mestres encarregados de ensinar a ler, escrever e contar. (ALMEIDA, 1989, p. 41-42, grifos nossos). Segundo Pires de Almeida, muitas foram as ações de D. João VI para o progresso da sociedade brasileira. A chegada da família real no Brasil provocou impacto na cultura e economia nacional: [...] à Dom João que se deve a fundação da Academia de Belas-Artes, organizada pelos artistas franceses, especialmente chamados ao Rio de Janeiro para sua fundação. [...] O Museu Nacional, data de 1818, sua criação foi a feliz ideia de Antônio de Araújo, Conde de barca, realizada por D. João VI, depois da morte deste ministro. Houve, enfim, um recrudescimento das fundações de escolas e começou-se a construção de escolas para meninas. [...] O rei institui em 1819 doze bolsas para os estudantes pobres que se destinassem ao estudo de Ciências médicas e cirúrgicas, na escola do Rio de Janeiro. [...] Quando o príncipe D. João se transferiu para o Brasil com toda a corte, os altos funcionários etc., transferiu também a Academia de Ensino da Marinha. [...] a Academia Militar Real do Rio de Janeiro foi fundada em 1810 [...] foi desta Academia Militar que saíram a Escola Militar atual, a Escola Politécnica e a Escola de Tiro de Campo Grande. [...] Uma cadeira de Economia Política foi criada no mesmo ano [1808] [...] Outras duas Escolas de Comércio, foram criadas por Decreto [...] A biblioteca Pública, já citada, aberta em 1814 [...] A fundação da imprensa real [...] O Jardim Botânico, apreciado pelos estrangeiros como um dos atrativos do Rio de janeiro, deve também sua existência á D. João VI [...] O Museu, fundado por D. João VI em 06 de junho de 1818 [entre outros]. (ALMEIDA, 1989, p. 43 – 48). Para Almeida, no Brasil houve três reinados, o reinado de D. João VI foi a base para a constituição do Império brasileiro, priorizou a civilização e a constituição de uma nação com ideologia própria de formação do cidadão nacional. A instrução pública contribuía nesse processo de formação para a cidadania, por isso foi incentivada, sendo alvo de medidas para seu avanço na sociedade. Os historiadores nacionais só começaram realmente nossa história, como um povo reconhecido, tendo seu lugar no concerto das nações, em 1822 e sempre dizem, ao falar no reino de D. João VI, no Brasil, foi dos mais notáveis e frutuosos e ocupará um importante lugar na história do país. Esta exclusão sistemática não tem razão de ser. Não há brasileiro esclarecido que Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 6 não admita D. João VI como o verdadeiro fundador do Império do Brasil, sob um outro título, é verdade, mas que não diminui em nada o mérito do vigoroso impulso que este monarca soube dar à civilização do país. Até D. João VI, o brasileiro não existia, era apenas um português nascido numa colônia; se quisesse instruir-se, chegar a ser alguma coisa, precisava ir a Portugal. Sob o governo paternal deste soberano, o brasileiro não se fez mais dependente do português, tornou-se cidadão do reino do Brasil; seu rei era o mesmo que o de Portugal mas seu governo era outro, suas instituições diferentes. Seus funcionários, cada vez mais, tornaram-se unicamente brasileiro. Constatamos esta tendência firmar-se nos assuntos da instrução pública, mas o mesmo acontecia em todos os ramos da administração. (ALMEIDA, 1989, p. 50-51). Pires de Almeida alegou, que no decorrer do Império, embora não houvesse muitas escolas relacionadas à instrução agrícola, percebia-se que o estado não havia ficado indiferente à questão agrícola, reconhecia a importância da educação para a economia nacional. O autor, em sua obra, registrou problemas existentes que dificultavam a qualidade da oferta da educação, sendo um deles a existência de diversas leis diferentes e desarticuladas nas províncias, que desconsideravam padrões comuns de organização. Faria Filho (2000) destaca que no início do Império houve diversas leis provinciais que tornavam obrigatória a frequência da população livre à escola, mas havia limites políticos e culturais para a universalização do ensino na sociedade, dentre eles a baixa capacidade de investimentos das províncias, que em certos casos empregavam mais de 1/4 de seus recursos na instrução e obtinham poucos resultados. Na perspectiva de Pires de Almeida, a incoerência de leis e a falta de inspeção escolares nas províncias prejudicavam ainda mais uma organização unificada no ensino no território brasileiro. Nesse excelente trabalho apreciável sob todos os aspectos, o ilustre poeta faz observar quanto é deplorável a diversidade de legislação, de província a província, a respeito da instrução pública. Umas matérias ensinadas são insuficientes; noutra, a multiplicidade e a má escolha dos livros escolares prejudicam os estudos; em outra parte, os programas estão mal organizados; e em geral, há insuficiência de inspeção que, às vezes, falta inteiramente. Em quase todos os lugares as escolas são freqüentadas de modo irregular. (ALMEIDA, 1989, p. 86). Por outro lado, Pires de Almeida via com entusiasmo as tentativas de reformas no ensino por intermédio da legislação. Em sua obra destaca que a partir da década de 1840 notase uma maior preocupação com a organização do ensino primário no país. Nessa época, por Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 7 exemplo, foram definidos critérios para a contratação de professores por meio de concursos. O sistema de ensino primário naquele momento se apresentava desarticulado, situação herdada em especial da descentralização e regionalização da organização do ensino, bem como da existência de diversas instituições educativas particulares com programação próprias. Sendo assim, para diminuir tais problemas, o governo nomeou em 1847 uma comissão de pessoas para conhecer e subvencionar os estabelecimentos de ensino particulares. Vejamos o relato do autor sobre este assunto: Começou-se desde 1845 a se ocupar da instrução primária; um decreto de 10 de dezembro determinou as condições do concurso para as vagas de institutores, para o município da capital. Uma lei de 18 de setembro do mesmo ano autorizara o governo a criar adjuntos aos institutores da mesma cidade, e a fazer as despesas necessárias para o aluguel e o material das escolas. Estas medidas insuficientes não poderiam dar todos os bons resultados que o imperador desejou ver produzir. O sistema pecava pela base; era necessário trazer a ordem ao caos, nascido de medidas tomadas em diversas épocas, sob o impulso do momento, sem ligação entre elas, sem plano prévio. Por isso, o governo nomeou em 1847 uma comissão de cidadãos, escolhidos entre os mais distintos e lhe deu a tarefa de visitar não só as escolas públicas para conhecerem exatamente o seu estado, mas também visitar os estabelecimentos particulares. Era a primeira vez que o Estado se intrometia no ensino privado, além de autorizações que concedia. Esta última parte da autorização ministerial deu lugar a polêmicas muito vivas nos jornais, que viam nisso uma grave transgressão da lei. Sustentava-se que o governo não tinha nada a ver com a instrução particular, quando na realidade a moralidade pública exigia há tempo esta intervenção; porque, chegara-se a tal ponto que cada um podia abrir o curso que lhe aprouvesse, sem informar qualquer autoridade seja policial, administrativa ou municipal, e havia institutores ou professores que afligiam aos seus discípulos punições muito rigorosas. (ALMEIDA, 1989, p. 81). Pires de Almeida considerou que a instrução pública havia progredido no período imperial. O Estado contribuiu para o desenvolvimento do ensino primário, secundário e superior na sociedade brasileira. Na obra História da Instrução Pública no Brasil o autor apresenta quadros sobre as matrículas de alunos nas diversas províncias, apontando as nacionalidades desses alunos nas instituições de ensino. Apresenta quadros por província, escolas e estabelecimentos de instrução pública e particular no Brasil, conforme os dados mais recentes da época. Nestes quadros são especificadas a natureza das escolas e os estabelecimentos em cada província (Amazonas, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Alagoas e Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 8 Paraíba, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul, Município neutro, São Paulo e Santa Catarina, Bahia e Pernambuco, Minas Gerais, Espírito Santo e Sergipe, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás). Informações como: a data dos dados, a população, superfície da província, proporção dos alunos em relação à instrução, receita da província, precedem a apresentação dos quadros. O autor destaca a quantidade de escolas referentes à instrução primária, secundária e superior, sendo estas públicas; particulares; particulares subvencionadas; Asilo; Liceu; escola normal; Seminário; profissional; escolas de meninos; entre outras. Pires de Almeida destaca a existência de escolas para meninos, meninas ou mistas, define a quantidade de alunos meninos e meninas matriculados e a soma, em mil réis e francos, destinada para o custeamento desses ensinos bem como a proporção do total das receitas do país. Em sua obra, o autor apresenta dados comparativos das despesas com a instrução pública de cada província e do município neutro entre o período de 1874 a 1890, em réis e franco. Expõe uma tabela demonstrativa das despesas feitas pelo Estado com os estabelecimentos de instrução pública, secundária e superior, na qual especifica as fontes de despesas como: instrução primária e secundária, Colégio D. Pedro II, Escola Normal, Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola Politécnica, Asilo de Crianças Abandonadas, Academia de Belas Artes, Liceu de Artes e Ofícios, professores primários à serviço da catequese dos índios e missionários professores, instrução de crianças nascidas de mães escravas, das diversas colônias “orfonológicas”, entre outras. Na obra o autor compara a extensão de regiões brasileiras com a de países europeus e da América Latina, conclui que o Brasil é um dos países da América Latina mais adiantado em relação à instrução pública, leva em consideração a extensão do Brasil em relação aos países da Europa para definir que o Brasil investia na educação. Comenta que o Brasil não ocupava uma posição desprivilegiada comparada a de alguns países da Europa e da América Latina, com exceção do Chile e da República Argentina, em relação a educação. Pires de Almeida apresenta o dispêndio, em francos, com a instrução pública, por habitantes, em diversos países, bem como a proporção das despesas com a instrução em relação ao valor das receitas, nos principais países da Europa e da América, como Inglaterra, Alemanha e Bélgica, Itália e Portugal, e conclui que o Brasil investia na educação mais que alguns países da Europa: Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 9 Os números que apresentamos [...] provam eloquentemente o que procuramos demonstrar neste livro: 1º que o Brasil não está atrasado em relação à instrução pública; 2º que chegará logo a ocupar o primeiro plano intelectual entre as nações sul americanas, se os dispêndios com a instrução seguirem a progressão constada nos quadros, a partir do exercício de 18741875. (ALMEIDA, 1989, p. 302) Em História da Instrução Pública no Brasil, Pires de Almeida anunciou atos de Ministros do Império que contribuíram para a reforma do ensino no município neutro, discutiu as ações do Conselheiro Paulino José Soares de Souza, que, segundo sua opinião, empenhou-se para dar impulso ao ensino nacional, na proposta de projetos e ações para a instrução pública. Paulino José Soares de Souza apresentou em 6 de agosto de 1880 à Câmara dos Deputados um projeto de lei relativo à instrução, era partidário da instrução primária obrigatória, esta ação foi elogiada por Pires de Almeida, que o define como um dos maiores colaboradores no progresso da instrução pública. O autor comenta sobre as ações, “de fazer o bem”, do Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira, que contribuiu na organização das Conferências Pedagógicas, fundadas por uma decisão ministerial de 30 de agosto de 1873. Pires de Almeida dispõe de vários parágrafos para discutir sobre o ministério do Conselheiro Leôncio de Carvalho, autor do Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. Carvalho entendia que “o futuro da nação dependia da difusão das luzes no meio das massas”, a primeira medida proposta por ele é a da liberdade do ensino, sendo esta considerada a base sólida sobre a qual se devia estabelecer a educação nacional. Na obra, Almeida também destaca e elogia as ações do Conselheiro Thomaz Coelho D’Almeida, Ministro da Guerra, que reorganizou o ensino militar, técnico e literário, criando mais escolas e instituindo o Colégio Militar, fundado pelo decreto de 13 de março de 1869, instalado no Rio de Janeiro. Pires de Almeida, em sua obra, também comenta sobre a existência de associações particulares que se ocupavam com a manutenção da instrução popular, como a Imperial Sociedade Amante da Instrução. O autor cita que havia pessoas que colaboravam com a doação de valores para o ensino, destaca a existência da ajuda de benfeitores para custear a compra de casas e mobiliar edifícios escolares, mas enfatiza, sobretudo, a atuação do Estado na propagação de maiores condições de acesso aos diferentes graus de ensino com destaque na definição de leis e criação de instituições escolares para a ampliação e organização do ensino nacional. Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 10 Considerações finais Pires de Almeida apresentou a história da educação brasileira de maneira linear e evolutiva, evocando os importantes atos do governo imperial para a organização e custeamento do ensino no período de 1822 a 1889. No discurso do autor a educação aparece como importante, ele considera que na sociedade os Ministros do Império dispôs de esforços para provocar mudanças substancialmente, em especial na legislação do ensino, que repercutissem em modificações de sistemas de ensino insuficientes nas diferentes províncias do país. O autor enfatiza que o estado identificou e solucionou problemas no campo da educação. Foram criadas escolas, estabelecidas leis, instituído o método de ensino mútuo, entre outros feitos, com vistas a ampliação e modernização do ensino nacional. O país estava atento à educação e via neste elemento condições para o seu progresso. Reiteramos a importância da obra História da Instrução Pública no Brasil no campo da historiografia da educação brasileira. O conteúdo desse material nos permite identificar o panorama do desenvolvimento da educação no decorrer do período imperial, para maior compreensão da obra, e do discurso enfatizado pelo autor, é preciso que a obra seja investigada a partir dos aspectos sociais e políticos que influenciaram a sua produção. Pires de Almeida relata que no império brasileiro houve melhorias na área da instrução pública. Em sua perspectiva, nota-se um avanço na educação no período de modo a assegurar ao Brasil a condição de um dos países que mais investiu no setor educacional no século XIX. Embora houve as iniciativas do Estado e de Ministros do Império para o desenvolvimento da instrução nacional, enunciadas por Pires de Almeida, sabe-se que diversas reformas e projetos de reformas não tiveram aplicação prática no decorrer do Império, certos investimentos expressaram-se como insuficientes para a solução de problemas encontrados particularmente nas diferentes províncias, a descentralização do ensino e a existência de leis isoladas foram alguns aspectos que dificultaram o maior avanço das condições de oferta da educação. No final do império há registros de problemas como falta de prédios escolares, falta de professores qualificados e baixo direcionamento de verbas para o ensino, que persistiam na sociedade brasileira. Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 11 REFERÊNCIAS ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legislação. Tradução de Antonio Chizzotti. 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