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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
Maikiely Herath
O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO E A INICIATIVA PRIVADA NA SOCIEDADE DE RISCO COM
ENFOQUE NO DESENVOLVIMENTO E NA GESTÃO AMBIENTAL
Santa Cruz do Sul, dezembro de 2009
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Maikiely Herath
O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO E A INICIATIVA PRIVADA NA SOCIEDADE DE RISCO COM
ENFOQUE NO DESENVOLVIMENTO E NA GESTÃO AMBIENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado, Área de
Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas,
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Direito.
Orientador: Prof. Pós-Dr. Clóvis Gorczevski
Santa Cruz do Sul, dezembro de 2009
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Maikiely Herath
O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO E A INICIATIVA PRIVADA NA SOCIEDADE DE RISCO COM
ENFOQUE NO DESENVOLVIMENTO E NA GESTÃO AMBIENTAL
Esta Dissertação foi submetida ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e
Doutorado, Área de Concentração em Direitos Sociais e
Políticas Públicas, Linha de Pesquisa Constitucionalismo
Contemporâneo, da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Direito.
Pós-Dr. Clóvis Gorczevski
Professor Orientador
Pós-Dr. Jorge Renato dos Reis
Dr. Álvaro Sanchez Bravo
3
Com muito amor e eterna gratidão, aos meus pais Loreno e
Marlene, ao meu grande amor Jader Henrique e à minha
pequena Roberta, por todo respeito, compreensão, paciência,
auxílio e carinho durante toda essa árdua, porém prazerosa
trajetória.
Com muita saudade, admiração e carinho, ao meu grande e
eterno Mestre e amigo João Telmo Vieira (in memorian), por ter
apresentado a apaixonante e preocupante matéria do meio
ambiente e acreditado na insaciável vontade de aprendizado
desta que chamava de “mulher pós-moderna”.
Com muita satisfação e carinho, ao meu Orientador, Clóvis
Gorczevski, pela amizade e por ter me acolhido de braços
abertos mesmo na reta final dessa caminhada.
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RESUMO
O presente trabalho versa sobre o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e a iniciativa privada na sociedade de risco com enfoque
no desenvolvimento e na gestão ambiental. Buscou-se através do método de
abordagem hipotético-dedutivo uma reflexão crítico-teórica, inserida no contexto da
atual sociedade de risco globalizada e capitalista, analisar os institutos da Gestão
Empresarial Ambiental e da Certificação Ambiental da Norma ABNT/NBR ISO
14001:2004, como instrumentos eficazes para a observância e promoção, pela
iniciativa privada, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal brasileira de 1988, e do
ideal do desenvolvimento sustentável, transformando-os, desta forma, em possíveis
ferramentas para a concretização dos princípios e fundamentos da República
Federativa do Brasil, o que vincula o presente trabalho diretamente à linha de
pesquisa do Programa Constitucionalismo Contemporâneo.
Palavras-chave: Meio ambiente. Sociedade de risco. Desenvolvimento. Gestão
Empresarial Ambiental.
5
RESUMEN
El presente trabajo versa sobre el derecho fundamental al medio ambiente
ecológicamente equilibrado y la iniciativa privada en la sociedad de riesgo con
enfoque en el desarrollo y en la gestión empresarial ambiental. Se intentó – a través
del método de abordaje hipotético-deductivo y una reflexión crítico-teórica, integrada
en el contexto de la actual sociedad de riesgo globalizada y capitalista – , analizar
los institutos de la Gestión Empresarial Ambiental y de la Certificación Ambiental de
la Norma ABNT/NBR ISO 14001:2004, como instrumentos eficaces para la
observancia y promoción, por la iniciativa privada, del derecho fundamental al medio
ambiente ecológicamente equilibrado, previsto en el artículo 225 de la Constitución
Federal brasileña de 1988, y del ideal del desarrollo sustentavel, transformándolos,
de esta forma, en posibles herramientas para la concreción de los principios y
fundamentos de la República Federativa del Brasil, lo que vincula el presente trabajo
a la línea de investigación del Programa Constitucionalismo Contemporáneo.
Palabras-clave: Medio ambiente. Sociedad de riesgo. Desarrollo. Gestión
Empresarial Ambiental.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………… 07
1 O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL ..………………………………………………………………………….11
1. 1 O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental
e o antropocentrismo alargado na Constituição Federal de 1988 …………………...11
1. 2 Fritjof Capra e o paradigma da ecologia profunda e a visão sistêmica ..……... 23
1. 3 A sociedade de risco e a alternativa da racionalidade ambiental ……..………. 36
2 A ORDEM ECONÔMICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 – O PRIMADO DO
DIREITO INTERNACIONAL …………………………………………………………….. 50
2. 1 Globalização e desenvolvimento ………………………………………………….. 50
2. 2 O Princípio Constitucional do Desenvolvimento Sustentável como primado
do Direito Internacional …………………………………………………………………... 63
2. 3 A ordem econômica, a iniciativa privada e a função social da empresa
na Constituição Federal brasileira de 1988 e na legislação nacional esparsa ……. 76
3 GESTÃO EMPRESARIAL AMBIENTAL, A NORMA ABNT/NRB ISO 14001:
2004, E A CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL ……………………………………………... 93
3. 1 Gestão Ecológica e Gestão Empresarial Ambiental …………………………….. 93
3. 2 A Norma ABNT/NBR ISO 14001:2004 e o Sistema de Gestão Ambiental……105
3. 3 Auditoria e Certificação Ambiental…………………………………………………118
CONCLUSÃO...………………………………………………………………………….. 132
REFERÊNCIAS …………………………………………………………………………. 137
7
INTRODUÇÃO
A era da massiva industrialização e da globalização trouxe progresso
tecnológico e científico, ampliou e tornou instantâneas as redes de comunicação,
encurtou os tempos e os espaços e surgiu como promessa tentadora de melhorias e
inclusões, mas também trouxe a chamada sociedade dos riscos esperados, embora
não calculados e ausentes de projetos para revertê-los ou controlá-los. Refletiu na
incerteza sobre a existência e a prática pelos múltiplos agentes promotores e
detentores do poder de um desenvolvimento real ou mesmo da sustentabilidade dos
recursos naturais, deixando à mostra a constância de latentes exclusões de todos os
gêneros e a crise ambiental em proporções já catastróficas, pois é notório que o
estágio atual em que vivemos é de grandes preocupações apenas com o progresso
econômico e por conseqüência, a degradação ambiental começa a ultrapassar os
limites de sustentabilidade dos recursos naturais, que hoje começamos a ter
consciência da finitude.
A relevância da presente pesquisa decorre de outra visão a ser apresentada
quanto à participação da iniciativa privada global capitalista como uma ferramenta
possível para a concretização de direitos humanos fundamentais.
Mediante
a
voluntária
adesão
às
regras
de
procedimentos-padrão
internacional, criadas pelo mercado capitalista globalizado (no caso concreto à
ABNT/NBR ISO 14001:2004), além de inserirem-se, as empresas e indústrias de
forma mais competitiva no mercado global podem estar se valendo de instrumento
eficaz para a consecução das determinações constitucionais pertinentes a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsto na Constituição Federal de
1988, art. (artigo) 225, transformando-as, desta forma, em possíveis ferramentas
para a concretização dos princípios e fundamentos da República Federativa
brasileira.
Permitir-se-á, então, pensar na possibilidade de a iniciativa privada,
representada aqui pelas empresas e as indústrias, através de ferramentas criadas
pelo próprio mercado capitalista internacional e que, portanto, independem da
ingerência direta do Estado, conseqüentemente sem participação ou investimentos
8
públicos, atender a exigência constitucional de observância e promoção do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, talvez fomentando,
inclusive, direitos humanos sociais constitucionalmente previstos.
Tal ação seria reflexo da adesão a normas internacionais consensuais e
voluntárias para padronização de modelos de fabricação, comércio e sistema de
gerenciamentos, que objetivam à promoção do comércio internacional através da
harmonização das normas, possivelmente, gerando uma padronização universal de
atendimento de ordem social e que dizem-se comprometidas a promover o
desenvolvimento sustentável através também da preservação ambiental, temas
centrais de todas as discussões políticas e acadêmicas da modernidade, criando um
despertar para o futuro das gerações vindouras, ideal último dos Estados modernos.
Ressalte-se que o tema encontra-se delimitado com aspectos transdisciplinares
e assim, como não poderia deixar de ser, o mote central apresenta-se adequado à
linha de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo, de onde retira as teorias e
informações que o estruturam para a busca da análise e reflexão à cerca da atuação
dos agentes multinacionais de poder do capitalismo, a iniciativa privada, numa
possível fomentação de direitos humanos fundamentais.
O presente trabalho exige, pois, incursões no direito constitucional, direito
ambiental, na ecologia e mesmo na economia, demonstrando a necessidade de
atenção e discussão do tema, dos diversos valores institucionais e sociais existentes
sobre o desenvolvimento versus o progresso econômico. Traz à baila os institutos da
gestão e da certificação ambiental como possíveis ferramentas para a conciliação
entre a preservação ambiental e o desenvolvimento, tendo sempre presentes os
paradoxos do ideal da sustentabilidade e o primado do Direito Internacional e
Princípio Constitucional brasileiro do desenvolvimento sustentável, e ao fazer tais
ligações, o referido trabalho se projeta como instrumento adequado àqueles
pretendidos pela linha de pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo.
Para o desenvolvimento da presente pesquisa, utilizou-se o método hipotéticodedutivo, que também pode ser chamado de crítico, falseável ou da tentativa e erro
proposto por Karl Raymund Popper.
9
O trabalho em pauta divide-se em três capítulos que se inter-relacionam e
desdobram-se em sub-capítulos, com o fito de analisar a possibilidade de, através
da Certificação Ambiental e do Sistema de Gestão Ambiental, ambos da Norma
ABNT/NBR ISO 14001:2004, regras de procedimentos-padrão internacional criadas
pelo mercado capitalista globalizado e de adesão voluntária, a iniciativa privada
obter instrumentos eficazes para observar e promover o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição Federal de
1988, e dispor de uma ferramenta para a concretização dos princípios e
fundamentos da República Federativa do Brasil.
No primeiro capítulo, denominado “O meio ambiente ecologicamente
equilibrado como direito fundamental”, aborda-se o tema do meio ambiente
caracterizando-o e delimitando-o como direito humano e fundamental, sob o aspecto
do equilíbrio ecológico, trazendo o enfoque do nominado antropocentrismo alargado
na Constituição Federal de 1988; comparando-o com o conceito ampliado de
ecologia, a partir da breve análise das teorias da ecologia profunda e sistêmica;
contextualizando-o na chamada sociedade de risco; e trazendo como alternativa
uma racionalidade ambiental.
No segundo capítulo, chamado “A ordem econômica e o desenvolvimento
sustentável na Constituição Federal Brasileira de 1988 – o primado do Direito
Internacional” delimita-se a globalização em suas possíveis origens, reflexos sociais,
ambientais e econômicos, suas formas e características atuais, analisando-se suas
constantes inclusões e
exclusões dos mais variados gêneros
frente
ao
desenvolvimento. Aborda-se também o primado do Direito Internacional e Princípio
Constitucional do desenvolvimento sustentável como a conciliação de dois direitos
fundamentais constitucionalmente previstos na atual Constituição Federal, quais
sejam, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento, esse
último como resultado e objeto de múltiplos acordos internacionais. Aborda-se
também nesse capítulo a ordem econômica conforme prevista na atual Constituição
Federal, a iniciativa privada e os moldes normativos que possibilitariam se falar
numa função social da empresa.
10
Já o terceiro capítulo, intitulado “Gestão Empresarial Ambiental, a Norma
ABNT/NBR ISO 14001:2004, e a Certificação Ambiental” tematiza brevemente a
Gestão Ecológica, comparando-a com a Gestão Empresarial Ambiental, a Norma
ABNT/NBR ISO 14001:2004 e seu Sistema de Gestão Ambiental, através da análise
dos
seus
procedimentos
de
auditoria,
requisitos,
instrumentalização
e
operacionalização, até a Certificação Ambiental.
Portanto, objetiva-se, mais especificamente, verificar e analisar se há uma
possível relação de fomentação, e sua eficácia, de uma política de meio ambiente
ecologicamente equilibrado, no Brasil, de acordo com a previsão da Constituição
Federal brasileira de 1988, pela iniciativa privada, através do Sistema de Gestão
Ambiental e da Certificação Ambiental da Norma ABNT/NBR ISO 14001:2004.
A problemática do trabalho está em analisar se estaria a iniciativa privada
através da gestão e da certificação ambiental da Norma ABNT/NBR ISO 14001
promovendo uma política de meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme
rege a Constituição Federal Brasileira de 1988.
De posse de tais premissas, o enfoque pretendido circunstanciará a respeito do
prisma constitucional e normativo tanto nacional quanto internacional, utilizando-se
de variados contornos teóricos e de seus imbricamentos para a contextualização,
realizada de forma sintética, mas basilar ao propósito. O tema é amplo e complexo e
a condução do seu debate, prescinde, inquestionavelmente, de uma profunda
alteração de racionalidade.
O referencial bibliográfico empregado no decorrer da pesquisa presta-se, como
corolário desse molde, a importância não só da fundamentação do meio ambiente e
do desenvolvimento, porém, sobretudo, à uma provável necessidade de observância
e promoção desses, inclusive também pela iniciativa privada, mesmo em uma
economia capitalista globalizada.
11
1 O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
1. 1 O meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental e o antropocentrismo alargado na Constituição Federal de 1988
A palavra Umwelt, “meio ambiente”, foi utilizada primordialmente pelo biólogo,
pioneiro da ecologia, Báltico Jakob Von Uexküll, em 19091 e tal termo vem sendo
criticado pela doutrina2 3 que argumenta tratar-se de uma redundância característica
do vício de linguagem: pleonasmo, tendo em vista que há na expressão uma
repetição de idéias com o mesmo sentido objetivando ênfase, pois meio é o que está
no centro de algo e ambiente é o lugar onde habitam seres vivos, estando assim o
termo ambiente contido no conceito de meio, no entanto, em que pese as críticas, a
expressão foi adotada tanto pela Constituição Federal brasileira, quanto pela
legislação esparsa nacional e é amplamente aceita pela sociedade acadêmica e
pela população em geral no Brasil.
Conceituar o termo meio ambiente não é tarefa singela, mas em um primeiro
momento e de forma breve, podemos dizer que o meio ambiente é o local onde os
seres vivos habitam e da mesma forma os seres que habitam esse meio (meio físico
e biótico), incluindo tanto os seres bióticos (flora e fauna), quanto os abióticos
(estados físicos e químicos), formando um conjunto harmonioso que se interrelaciona de forma mútua e proporciona condições primordiais para a existência da
vida considerada como um todo. Nesse sentido a Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, no artigo 3º, inciso I, traz o conceito de meio
ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”4.
1
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 43.
2
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.69.
3
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.
69.
4
Art. 3º- Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; [...]. Brasil. Lei nº. 6.938, de 31
12
Essa previsão legal, nas palavras de Leite, demonstra que o legislador
brasileiro escolheu uma conceituação que realça a “interação e a interdependência
entre o homem e a natureza”, e “é nesse aspecto que se denota a proteção jurídica
do meio ambiente com um bem unitário”.5
É valendo-se dessa referida visão de integração e interação entre homem e
natureza e, por conseqüência, das variadas áreas do saber, que é possível se ter
uma noção mais ampliada do que seja então o meio ambiente. Compartilhando do
pensamento de Vieira, não se presta a designar um objeto em específico, mas uma
“relação de interdependência” a qual é verificável inegavelmente pela relação que se
estabelece entre homem e natureza, não havendo como separá-los em razão da
impossibilidade da existência material do homem sem a natureza, que necessita
constantemente dessa para sobreviver: “o meio ambiente é conceito que deriva do
homem, e a ele está relacionado; entretanto, depende da natureza”.6
Quanto à expressão “ecossistema”, é hoje definida como uma comunidade de
organismos e suas interações ambientais físicas como uma unidade ecológica, e
serviu para estruturar todo o pensamento ecológico e promover uma “abordagem
sistêmica de ecologia”. Como qualquer sistema, também o ecossistema é um
conjunto de partes ou de subsistemas em interações, que são os organismos ou
seres vivos de diversas espécies, inclusive seres humanos e elementos do ambiente
físico ou abiótico, tais como ar, água, relevo, solo, temperatura, luz, pressão
atmosférica, dentre outros. Também nesse contexto, há que se reconhecer que os
organismos e o ambiente físico são interdependentes, influenciam-se mutuamente e
atuam como uma totalidade. 7
de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 28 nov. 2009.
5
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 78.
6
VIEIRA, Paulo Freire. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania. In: VIOLA, Eduardo (Org.). Meio
ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.
p. 49.
7
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 43.
13
Partindo-se de uma breve análise dos dispositivos legais trazidos na atual
Constituição Federal brasileira sobre o meio ambiente, é possível considerá-lo como
a interação do conjunto dos elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho,
que propiciem a vida em desenvolvimento equilibrado, dividindo-se, portanto, em: a)
meio ambiente natural, composto da atmosfera, águas interiores, superficiais e
subterrâneas, mar territorial, estuários, solo, subsolo, fauna, flora, elementos da
biosfera, patrimônio genético e zona costeira (art. 225 da CF – Constituição Federal
brasileira)8; b) meio ambiente artificial, composto de equipamentos urbanos, edifícios
comunitários (arts. 21, XX9, 18210 e seguintes e 225 da CF); c) meio ambiente
cultural, integrado pelos bens de natureza material e imaterial, conjuntos urbanos e
sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico (arts. 215 e 216 da CF11); e d) meio ambiente do trabalho, que
engloba a proteção do homem em seu local de trabalho, observando às normas de
segurança (arts. 200, VII e VIII12, e 7º, XXII13, ambos da CF).
Na órbita internacional, a Declaração de Estocolmo de 1972 foi a primeira a
proclamar o “direito humano ao meio ambiente”. O Princípio primeiro de Estocolmo,
segundo Leite, significou em âmbito internacional “um reconhecimento do direito do
ser humano a um bem jurídico fundamental, o meio ambiente ecologicamente
8
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. BRASIL. Constituição (1988).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
9
Art. 21 - Compete à União: [...] XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos; [...]. Ibidem.
10
Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. [...]. Ibidem.
11
Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. [...]
Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de
expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, arqueológico,
ecológico e científico. [...]. Ibidem.
12
Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]
VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias
e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele
compreendido o trabalho. Ibidem.
13
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social: [...] XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança; [...]. Ibidem.
14
equilibrado e a qualidade de vida” e também pactuou “um comprometimento de
todos a preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as gerações
presentes e futuras”.14 15
Os problemas ambientais englobam vários aspectos que não são apenas
voltados ao meio ambiente natural e aos recursos naturais, envolvendo questões
vinculadas aos direitos humanos como moradia, condições de vida, trabalho e
saúde. É esta percepção das implicações globais que levam em consideração os
aspectos multidimensionais dos problemas ambientais, inclusive os aspectos
humanos, o que permitiu a vinculação do direito ambiental aos direitos humanos, de
acordo com o que reconhece a Declaração de Estocolmo de 1972, a ponto não ser
possível negar-se que se trata de um direito humano16:
É inerente ao ser humano o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, havendo uma implícita e forte ligação entre direitos humanos e
meio ambiente. Tal conduz ao seguinte questionamento: quando se viola o
direito ao meio ambiente, também se violam direitos humanos? A resposta a
tal questionamento não é unânime, apesar da tendência de reconhecimento
de uma profunda relação entre direitos humanos e o direito ao meio
ambiente saudável.
Não há dúvidas que são direitos intimamente ligados e dependem um do
outro para serem efetivados. Uma violação de qualquer desses direitos,
necessariamente, invade o outro, constituindo um duplo desequilíbrio:
ambiental e humano. O desequilíbrio ambiental é sempre mais grave,
17
constituindo-se assim, violação aos direitos humanos.
14
Nos seguintes termos, em seu Princípio primeiro: “O homem tem o direito fundamental à liberdade,
à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita
levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse
meio para as gerações presentes e futuras”; tal princípio apenas confirmou uma tendência em direção
a nova fase do meio ambiente humano, vez que o pensamento progrediu da visão limitada da
proteção da natureza e conservação dos recursos naturais para uma visão ampliada que põe em
debate a má utilização dos recursos naturais pelos seres humanos. Prevê também o Princípio
segundo da Declaração que “os recursos naturais da terra, incluindo o ar, a água, a terra, a flora, a
fauna e especialmente mostras representativas dos ecossistemas naturais, devem preservar-se em
benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenação,
segundo convenha”. DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO (1972). Declaração de Conferência de ONU
no Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de 1972. Disponível em: <http://www.mma.gov.br>.
Acesso em: 28 nov. 2009.
15
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 86.
16
OLIVEIRA, Sílvia Menicucci de. Desenvolvimento sustentável na perspectiva da implementação dos
Direitos Humanos (1986-1992). In: ALMEIDA, C. A. de; PERRONE-MOISÉS, C. (Coord.). Direito
Internacional dos Direitos Humanos: instrumentos básicos. São Paulo: Atlas Jurídico, 2002. p. 93.
17
RITT, C. F.; CAGLIARI, C. T. S. Meio ambiente: um direito humano fundamental. In: GORCZEVSKI,
Clóvis (Org.). Direitos Humanos, Educação e Meio Ambiente. Porto Alegre: Evangraf, 2007. p. 201.
15
O reconhecimento internacional do meio ambiente equilibrado como Direito
Humano teve seus reflexos no âmbito nacional, permitindo o surgimento de
elementos suficientes para o reconhecimento de um Direito Fundamental ao meio
ambiente. Diante desse contexto, a atual Constituição Federal brasileira passou a
prever, sendo a primeira em âmbito nacional, um tópico próprio sobre o meio
ambiente: o Capítulo VI, no qual preceitua em seu artigo 225 que “todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Esse artigo constitucional é considerado previsão legal do Direito Fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, trazendo implícito o direito à vida e a
dignidade da pessoa humana. Há que se ter em mente que a vida em si mesma e
também o ideal de uma vida digna estão atrelados a idéia de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado; do mesmo modo reflete o reconhecimento de um
vínculo indissolúvel entre o Estado e a sociedade civil como solidariamente
responsáveis na garantia desse Direito Fundamental, o que é inovador, segundo
Morato: “Essa vinculação de interesses públicos e privados redunda em verdadeira
noção de solidariedade em torno de um bem comum”. 18 19
Mesmo não se encontrando inserido no catálogo do art. 5º da Constituição
Federal de 1988, que integra o capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos
e prevê os direitos fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é considerado um Direito Constitucional materialmente Fundamental.
18
Cumpre esclarecer que o presente trabalho utiliza-se da distinção doutrinária entre as expressões
“direitos fundamentais” e “direitos humanos” que, embora muitas vezes são tidos como sinônimos,
são tratados de forma distinta pela doutrina que delimita a expressão “direitos fundamentais” como
espécie do gênero “direitos humanos”. “A expressão ‘direitos fundamentais’ é utilizada como definição
daqueles direitos humanos previstos nas constituições nacionais, enquanto ‘direitos humanos’ define
os direitos do homem previstos em tratados internacionais, ainda que não estejam positivados na
constituição de determinados países, mas que possuem caráter supranacional, a exemplo da
Declaração Européia de Direitos do Homem de 1948, da Declaração Européia de Direitos do Homem
de 1951 e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, entre outros acordos de
validade internacional”. REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais nas relações interprivadas: breves considerações. In.____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos
Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 5. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.
p. 1498. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Vol. IV. 2.ed. Coimbra: Coimbra, 1993. p.
52. Nesse mesmo sentido: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 3. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 33.
19
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 88.
16
Isso é aceitável devido à previsão expressa da possibilidade de ampliação do
referido catálogo, que se trata da chamada “abertura material” do rol dos direitos e
garantias fundamentais, possível com base no parágrafo segundo do referido artigo
5º da Constituição Federal, o qual dispõe que os direitos e garantias expressos na
Constituição Federal brasileira não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, bem como dos tratados internacionais em que o Brasil
seja parte.20 21
Nesse sentido é que o princípio da dignidade da pessoa humana deve servir
como “diretriz material” para a identificação dos direitos fundamentais implícitos que
se encontrem em outros dispositivos constitucionais, já que é inegável que o meio
ambiente equilibrado é requisito, meio e também fim da vida digna. Nas palavras de
Sarlet, a dignidade da pessoa humana é como um “superprincípio” que atribui
sentido próprio à hermenêutica constitucional da contemporaneidade, unidade ao
sistema jurídico e “racionalidade ética”. É assim o princípio supremo da ordem
hierárquica normativa que irradia sua “força normativa” para todo o ordenamento
jurídico, conferindo-lhe um sentido axiológico22
23
, servindo, por conseguinte, de
indicador dos direitos fundamentais implícitos.
20
A construção de um conceito material e/ou formal dos Direitos Fundamentais perpassa pela análise
do alcance do § 2º, do art. 5º, CF/88. Segundo Alexy, trazido por Sarlet, a fundamentalidade formal
encontra-se vinculada ao direito constitucional positivo e resulta de alguns aspectos: situarem-se no
ápice do ordenamento jurídico, submetidos aos limites formais e materiais da reforma constitucional e
serem normas diretamente aplicáveis e que vinculam de forma imediata entidades públicas e
privadas (art. 5º, § 1º, CF/88). A fundamentalidade material decorre de serem elementos constitutivos
da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura social e estatal, ou seja,
somente a análise do conteúdo permite tal caracterização, pelo “conteúdo e significado”, sendo que
uma construção de conceito material de Direitos Fundamentais, segundo Sarlet, somente será
exitosa se considerar a ordem de valores dominante e as circunstâncias sociais, políticas,
econômicas e culturais de uma determinada ordem constitucional. SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 69/82.
21
“Assim, pode-se afirmar da existência de direitos fundamentais não constantes do catálogo do texto
constitucional do Estado, face à textura aberta dos direitos fundamentais que permite à constituição
incorporar, além dos direitos formais, positivados, novos direitos fundamentais, os denominados
direitos materiais, em razão da evolução da realidade social, política e jurídica de determinado
Estado.
Dessa forma, têm-se os direitos fundamentais formais que, por disposição legislativa, constam do
catálogo constitucional e os direitos fundamentais materiais, que em razão de sua importância no que
tange a proteção e salvaguarda da pessoa humana, são equiparados aos direitos fundamentais
formais, os quais, por sua vez, também são materiais, face à sua eficácia jurídica”. REIS, Jorge
Renato dos. Os direitos fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares.
In.____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7.
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2034-2035.
22
Ao menos indiretamente os Direitos Fundamentais radicam no princípio da dignidade da pessoa
humana e formam um sistema aberto e flexível com caráter compromissário, assim como a
Constituição Federal. Uma relativa unidade de conteúdo, o princípio da aplicabilidade imediata das
17
Cumpre observar também quanto ao artigo 225 da CF/88 (Constituição Federal
brasileira de 1988), que esse preceitua que “todos têm direito” ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e impõe na seqüência do texto constitucional deveres ao
Estado e à coletividade como um todo, o que não deixa dúvidas sobre a
fundamentabilidade do referido direito do homem. É, portanto, direito humano,
materialmente fundamental e indisponível, assim como a dignidade da pessoa
humana, pois são intrínsecos24:
A nossa realidade tem relação direta com a questão ambiental, pois está
inserido nos direitos humanos, entendido como direito à qualidade de vida.
Não pode ser esquecida que a proteção dos direitos humanos é
fundamental, do contrário, está-se condenando a humanidade a viver numa
realidade de egoísmo, violência e total degradação ao meio ambiente. (…)
A relação entre os direitos humanos e os direitos ambientais se baseia
principalmente em dois aspectos:
1) a proteção do meio ambiente pode ser concebida como um meio para
conseguir o cumprimento dos direitos humanos, levando-se em conta que
um meio ambiente destruído contribui diretamente para a violação dos
direitos humanos à vida, saúde, bem-estar.
2) os direitos ambientais dependem do exercício dos direitos humanos para
terem eficácia. Através do direito à informação, liberdade de expressão,
tutela judicial, participação política no Estado que vivem, os indivíduos
25
poderão reivindicar direitos ambientais.
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possui um
caráter difuso e transindividual, no sentido de que seus titulares são indeterminados,
visto que é direito e dever de “todos”, vinculando tanto a atuação do Poder Público
quanto a dos particulares, o que também demonstra a já mencionada
responsabilidade compartilhada.
Quanto à vinculação Estatal leciona Filho:
A norma do art. 225 vincula juridicamente a atuação do Legislativo, do
Executivo e do Judiciário. A possibilidade de controle jurisdicional da
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, a proteção reforçada (cláusula pétrea), são
elementos que permitem identificar um sistema de Direitos Fundamentais caracterizado por sua
autonomia relativa e abertura no âmbito do sistema constitucional que integra. SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.
69/82.
23
REIS, Jorge Renato dos. Os direitos fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre
particulares. In.____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2037.
24
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 86-87.
25
RITT, C. F.; CAGLIARI, C. T. S. Meio ambiente: um direito humano fundamental. In: GORCZEVSKI,
Clóvis (Org.). Direitos Humanos, Educação e Meio Ambiente. Porto Alegre: Evangraf, 2007. p. 200201.
18
realização do direito ao ambiente deixa claro que se trata de um direito
fundamental. A respeito, afora o controle de constitucionalidade da
normalização infraconstitucional sobre o ambiente, deve-se acrescentar que
a Constituição prevê o procedimento da ação civil pública e da ação popular
para a realização do direito ao ambiente. Aliás, para afastar qualquer
controvérsia contra o reconhecimento do direito ao ambiente como direito
fundamental, a disposição do art. 5º, LXXIII, da Constituição – integrante do
Título que trata dos direitos e garantias fundamentais – contém norma
segundo a qual qualquer cidadão tem o direito de propor ação popular para
26
anular ato lesivo ao ambiente. (grifado no original)
A vinculação da sociedade ocorre tanto por seus indivíduos considerados
separadamente bem como por seus grupos de representação social e econômica,
tais como: as empresas e as indústrias. É a chamada “vinculação dos particulares
aos direitos fundamentais nas relações interprivadas” que, segundo Reis, há
inclusive certo consenso no fato de que determinados direitos fundamentais “devem”
ter vinculação aos particulares nas “relações jurídicas interprivadas”, ademais o
próprio art. 225 da Constituição Federal de 1988 é expresso e categórico em dizer
que “todos” são responsáveis por um meio ambiente ecologicamente equilibrado.27
Nesse contexto e diante da noção de responsabilidade compartilhada, pode-se
dizer que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é, em um só tempo,
direito subjetivo da personalidade de caráter primordialmente público e elemento da
ordem objetiva. Configura-se um direito subjetivo da personalidade o fato de que
26
FILHO, Anízio Pires Gavião. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do advogado,
2005. p. 37.
27
No entanto, segue Reis argumentando que não está pacificada a forma como deve ocorrer tal
vinculação. “Portanto, mesmo em Portugal, onde há a previsão constitucional da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais, perdura o questionamento a respeito da forma como ocorre
essa vinculação. No Brasil, e mesmo nos demais países onde não existe qualquer previsão na
Constituição, maiores, ainda, são as dúvidas a respeito dessa vinculação, sendo acrescida à
discussão portuguesa a questão da existência ou não dessa vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais”. Dentre os que advogam existir uma vinculação, alguns defendem a vinculação de
forma direta (imediata) e outros de forma indireta (mediata). De forma breve, pode-se dizer que a
teoria da vinculação indireta, majoritária, surgiu na Alemanha, em 1956, com Günter Dürig e teve
como posterior defensor Konrad Hesse e de acordo com essa corrente, os direitos fundamentais
integram uma ordem objetiva de valores, que irradia sobre todo o ordenamento jurídico e essa
eficácia quanto a sua dimensão jurídica, se realizaria, na ausência de normas jurídico-privadas,
indiretamente, através da “interpretação e integração das ‘cláusulas gerais’ e conceitos
indeterminados ao direito privado à luz dos direitos fundamentais”. Também a teoria que defende a
vinculação direta iniciou na Alemanha, no ano de 1950, com Hans Carl Nipperdey e essa corrente
prega que “em razão de os direitos fundamentais constituírem normas de valor válidas para toda a
ordem jurídica, o que caracteriza o princípio da unidade da ordem jurídica, e, em razão da força
normativa da Constituição, não é possível ao direito privado estar isento desse sistema, excluído da
ordem constitucional”. Há ainda a teoria dos deveres de proteção, vertente da teoria da incidência
indireta. REIS, Jorge Renato dos. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nas
relações interprivadas: breves considerações. In.____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas
Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 5. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p.1497-1512.
19
todos podem pleitear o direito de defesa contra atos lesivos ao ambiente e, como
elemento da ordem objetiva expressando incumbências, fica a cargo do Estado e
também da sociedade como um todo, visando assegurar a todos a realização do
direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.28
Levando-se em consideração a previsão constitucional de que “todos” têm
direito e também dever para com o meio ambiente, é relevante o entendimento de
Leite ao dizer que não deve ser o meio ambiente considerado um patrimônio público,
e sim um bem pertencente à coletividade, dado que é de interesse público, afeto à
coletividade e intergeracional, em razão de que a preservação do meio ambiente
deve ser concretizada por toda a coletividade e pelo Estado, não se restringindo
apenas a benefícios atuais, a benefícios que se estendam inclusive às gerações
futuras29:
hoje a defesa do meio ambiente está relacionada a um interesse
intergeracional e com necessidade de um desenvolvimento sustentável,
destinado a preservar os recursos naturais para as gerações futuras,
fazendo que a proteção antropocêntrica do passado perca fôlego, pois está
em jogo não apenas o interesse da geração atual. Assim sendo, este novo
paradigma de proteção ambiental, com vistas às gerações futuras,
pressiona um condicionamento humano, político e coletivo mais contencioso
30
com relação às necessidades ambientais.
Em que pese a classificação feita por Leite de “intergeracional”, Sarlet leciona
que, embora o direito ao meio ambiente equilibrado não esteja previsto dentre os
direitos e garantias fundamentais abarcados na atual Constituição Federal,
considera-se direito fundamental de terceira geração em razão da sua titularidade
coletiva31:
28
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 88-89.
29
Idem. Sociedade de Risco e Estado. In: ______; CANOTILHO, J. J. G. (Org.). Direito Constitucional
Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 142/147.
30
______; AYALA, P. de A. Novas tendências e possibilidades do Direito Ambiental no Brasil. In:
______; Wolkmer, A. C. (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma visão
básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 211.
31
No que tange a classificação por gerações, seguida por Sarlet, os Direitos Humanos foram
classificados levando-se em conta um processo de evolução desses direitos no decorrer do tempo, e
consoante as necessidade sociais, sendo que essas classificações não são estanques no sentido de
que as “gerações” se inter-relacionam e se complementam seguindo, como se mencionou, uma
seqüência evolutiva. A classificação divide-os em direitos de primeira geração, ou ainda, direitos de
liberdade, que incluem os direitos civis e políticos, os de segunda geração, ou de igualdade, que são
os direitos econômicos, sociais e culturais e os de terceira geração, de solidariedade ou fraternidade
que surgem durante e após a Segunda Guerra Mundial e estão consubstanciados na Carta das
Nações Unidas, de 1945 e em outras convenções internacionais. Neste mesmo sentido posiciona-se
20
A nota distintiva destes direitos de terceira dimensão reside basicamente na
sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se
revela a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e
qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimensão
32
individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção.
Diante da classificação como intergeracional e a necessária inclusão da
proteção ambiental também para as gerações futuras, Leite argumenta que tal visão
reflete nada mais que uma perda de espaço da visão antropocêntrica clássica, do
passado, em detrimento de um novo paradigma mais ampliado de proteção
ambiental que induz a um condicionamento tanto humano quanto político e da
coletividade voltado às necessidades do meio ambiente.33
Tendo em vista essa visão ampliada de meio ambiente como “o conjunto de
relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas” trazida pela
atual Constituição Federal, Leite afirma que ela tem adotado o chamado
“antropocentrismo alargado”, vez que considera o meio ambiente como um bem
abstrato de uso comum do povo que possui valor intrínseco, atribuindo-lhe caráter
de “macrobem”, numa visão difusa, visto que estabelece
uma visão ampla de ambiente não restringindo a realidade ambiental a
mero conjunto de bens materiais (flores, lagos, rios) sujeitos ao regime
jurídico privado, ou mesmo público stricto sensu; pelo contrário, confere-lhe
caráter de unicidade e de titularidade difusa. Nesta perspectiva difusa de
macrobem, o ambiente passa a possuir um valor intrínseco. Se todos são
titulares e necessitam do bem ambiental para a sua dignidade, o ambiente
deixa de ser visto como entidades singulares concretas (árvores, animais,
lagos) que dependam, para a sua preservação, de sujeitos determinados,
passando a ser concebido como um bem abstrato de valor intrínseco – pois
seu valor não está diretamente ligado a ninguém isoladamente -, sendo
necessário, contudo, para que se possa atingir a própria qualidade de vida
humana. Trata-se da proteção da natureza levando em conta a necessidade
do sistema ecológico, mesmo sendo este pouco conhecido pela ciência e
34
pela cognição humana. (grifado no original)
Fernandez-Largo sustentando que “las generaciones de derechos son acumulativas y designan sólo
el diverso momento histórico en que han aflorado a la conciencia y a las leyes”. SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1996. p. 76-77. FERNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbito y
desarrollo. Salamanca: San Esteban, 2002. p. 271.
32
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p. 57.
33
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Direito Ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Revista,
atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 55.
34
______, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: _____; CANOTILHO, J. J. G.
(Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 141.
21
Assim, para Leite, a Constituição adota um “certo antropocentrismo”, sem
restringir o meio ambiente a uma simples concepção econômica ou mesmo de mera
subalternidade direta aos interesses dos seres humanos, no entanto, essa
autonomia conferida ao meio ambiente pelo texto ainda é bastante distinta da
defendida pela ecologia profunda como veremos.
Ainda valendo-se do autor, pode-se afirmar que essa visão de “macrobem”
também foi observada pelo legislador infraconstitucional que se posicionou da
mesma forma quando passou a considerar como meio ambiente “o conjunto de
relações e interações”, no conceito trazido pela Lei nº. 6.938/1981, em seu artigo 3º,
I, já citado no texto.
Tal contexto, novamente permite falar em uma responsabilidade social
compartida perante o meio ambiente, executável pelo Estado e pela coletividade,
impondo-se verdadeira solidariedade e comunhão de interesses entre o meio
ambiente e o homem, como condição de existência de ambos, tanto que é preciso
encarar
que
o
proprietário,
público
ou
privado,
não
pode
mais
dispor
irresponsavelmente e ilimitadamente do meio ambiente ecologicamente equilibrado
em razão justamente dessa previsão constitucional como macrobem de todos
35
,
como direito e dever de todos.
Por derradeiro, certo é que em todo e qualquer conceito que se queira adotar
meio ambiente engloba tanto o homem quanto a natureza com todos os seus
elementos, e tendo em vista ser o meio ambiente um bem difuso, inegável se pensar
que qualquer dano ao meio ambiente implicará em dano à coletividade humana, no
entanto, esse entendimento, de acordo com Leite, conduz a uma “noção genérica de
meio ambiente”: não é possível se conceituar distante de uma visão de cunho
antropocêntrico, posto que a sua proteção jurídica é dependente da atuação
humana. Essa visão antropocêntrica deve ser alinhada com outros elementos e
menos centrada no homem, de modo a permitir inclusive uma reflexão de valores,
diante da proteção ambiental globalizada e diante do contexto global que se
apresenta.
35
LEITE, J. R. M; AYALA, P. de A. Novas tendências e possibilidades do Direito Ambiental no Brasil.
In: ______; Wolkmer, A. C. (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma visão
básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 212.
22
O autor, tendo em mente essa noção genérica de meio ambiente, ressalta
algumas preocupações centrais e valores que devem conduzir a conduta
antropocêntrica em relação ao meio ambiente:
1. o ser humano pertence a um todo maior, que é complexo, articulado e
interdependente;
2. a natureza é finita e pode ser degradada pela utilização perdulária de
seus recursos naturais;
3. o ser humano não domina a natureza, mas tem de buscar caminhos para
uma convivência pacífica entre ela e sua produção, sob pena de extermínio
da espécie humana;
4. a luta pela convivência harmônica com o meio ambiente não é somente
responsabilidade de alguns grupos “preservacionistas”, mas missão política,
ética e jurídica de todos os cidadãos que tenham consciência da destruição
que o ser humano está realizando em nome da produtividade e do
36
progresso.
Propõe então não um “biocentrismo”, mas “uma superação do modelo
derrogado do homem como senhor e destruidor dos recursos naturais”. A idéia do
passado, arraigada entre nós, onde o “homem domina e submete a natureza à
exploração ilimitada”, perdeu o seu sustento, tanto que com o desenvolvimento da
ecologia restou demonstrado que a intervenção humana destrói os recursos naturais
não renováveis e também acarreta perigo à estruturação e ao equilíbrio do próprio
ser humano no planeta Terra. “Trata-se de um alargamento dessa visão que acentua
a responsabilidade do homem pela natureza e justifica a atuação deste como
guardião da biosfera”, fazendo surgir uma “solidariedade de interesses” entre o
homem e a comunidade biótica a qual pertence, constatando-se mais uma vez que a
responsabilidade social para com o meio ambiente deve ser executada tanto pelo
Estado como pela coletividade:
Nessa proposta há uma ruptura com a existência de dois universos
distantes, o homem e o natural, e avança-se no sentido da interação destes.
Abandonam-se as idéias de separação, dominação e submissão e busca-se
uma interação entre os universos distintos e a ação humana. (…) Essa
proposta visa, de maneira adversa, a abranger também a tutela do meio
ambiente, independentemente da sua utilidade direta, e busca a
preservação da capacidade funcional do patrimônio natural, com ideais
37
éticos de colaboração e interação.
Segundo
Ost,
proteger a
natureza
restringindo
eventuais subtrações
excessivas e reduzindo as emissões nocivas, é simultaneamente trabalhar para a
36
LEITE, J. R. M.; AYALA, P. de A. Direito Ambiental na sociedade de risco. 2. Ed. Revista,
atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 53.
37
Ibidem, p. 54/56.
23
recuperação dos equilíbrios ecológicos e para a proteção dos interesses humanos e
sobre a visão menos antropocêntrica:
Passo ao passo, o direito faz, assim, a aprendizagem do ponto de vista
global. Num século, a evolução é significativa, conduzindo de uma posição
estreitamente antropocêntrica a uma maior tomada de consideração da
lógica natural em si mesma; evolução que é, também, a do ponto de vista
local para o ponto de vista planetário, e do ponto de vista concreto e
particular (tal flor, tal animal) para a exigência abstrata (por detrás da flor ou
do animal, o patrimônio genético). Se nos primeiros tempos da proteção da
natureza, o legislador se preocupava exclusivamente com tal espécie ou tal
espaço, beneficiado dos favores do público (critério simultaneamente
antropocêntrico, local e particular), chegamos hoje a proteção dos objetos
infinitamente mais abstratos e mais englobantes, como o clima e a
38
biodiversidade.
Diante da previsão constitucional do art. 225, é inegável que o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é um direito humano fundamental, calcado no princípio
maior da dignidade da pessoa humana, que necessita e deve ser respeitado e
promovido pelo Estado, indivíduos, grupos sociais e econômicos, que também
precisam, não apenas em razão da previsão legal, mas da própria condição de
existência da raça humana, ter consciência e promover esse novo paradigma,
antropocêntrico alargado, como quer Leite, ou da ecologia profunda, como se verá
no próximo tópico, onde homem e natureza são vistos como integralizados e
interligados, mutuamente dependentes. Deixar de ter esta visão diminuta dos
recursos naturais: apenas de “instrumentos de exploração” do homem para o seu
constante crescimento econômico e visualizá-lo como um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, como condição de desenvolvimento em seu sentindo
mais amplo.
1. 2 Fritjof Capra e o paradigma da ecologia profunda e a visão sistêmica
Numa concepção mais ampliada e profunda da expressão “meio ambiente”,
encontra-se o termo “ecologia”. A palavra provém do grego oikos que significa “lar”
ou “casa” e possibilita definir-se como o estudo do Lar Terra, o estudo das relações
que interligam todos os membros da terra, ou ainda a “ciência do habitat”. A ciência
ecológica emergiu da escola organísmica de biologia no século XIX e foi introduzida
em 1866 por Ernest Haeckel, biólogo alemão, discípulo de Darwin, que a definiu
38
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1997. p. 112.
24
como “a ciência das relações entre o organismo e o mundo externo circunvizinho” 39,
ou ainda, “a ciência das relações dos organismos com o mundo exterior, no qual nos
podemos reconhecer como factores da luta pela existência” (grifei). Segundo Ost,
Haeckel incluiu tanto características físicas quanto químicas do habitat no seu
conceito, características climáticas, da qualidade da água, a natureza do solo e o
conjunto de relações favoráveis entre os organismos, de modo que duas idéias
essenciais acabam por fundamentar o paradigma ecológico, quais sejam, a
globalidade e a processualidade. Quanto à globalidade, a ecologia prega que tudo é
sistema na natureza: “não se pode negar que é sobre um fundo de globalidade
(segundo o modelo gestaltista) que é necessário interpretar as figuras da ecologia
local”. Quanto à processualidade, está deixa evidente a interação constante, a idéia
de redes interligadas, pondo em destaque as muitas, mútuas e constantes trocas
físicas,
químicas,
energéticas,
biológicas,
estabelecidas
nos
e
entre
os
ecossistemas, visando à mantença da integralidade, da diversidade e a evolução.
Caracteriza-se também pela sua complexidade que acaba por engendrar
inevitavelmente a idéia de incerteza, também presente, assim como as idéias de
irreversibilidade e necessário equilíbrio. Mas alerta que é também a idéia de
processualidade, da dinâmica dos fenômenos naturais, que nos traz a falsa idéia de
reversibilidade
da
natureza,
pois
estamos
acostumados
a
visualizar
as
representações cíclicas de trocas naturais que aparecem estampadas em todos os
manuais de ecologia e livros de biologia, e essa imagem de certeza de ciclos nos
passa a falsa e tranqüilizadora idéia da reversibilidade da natureza, e é apenas a
partir do momento que tomamos consciência da verdadeira irreversibilidade dos
recursos naturais que entra em jogo as idéias de incerteza e necessário equilíbrio. 40
A ecologia em suma é “a ciência que estuda a natureza como um todo,
estabelecendo as inter-relações entre os seres vivos e o meio em que vivem” tendo
a expressão uso corrente apenas na década de 1970, com a divulgação dos
desastres ambientais pela imprensa41. Cumpre referir que inicialmente, nos estudos
da ecologia, prevalecia uma abordagem chamada auto-ecológica, ou seja, sem a
inclusão do homem.
39
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 43.
40
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1997. p. 105/114.
41
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 26.
25
A “ecologia profunda” ou deep ecology é uma escola filosófica fundada pelo
norueguês Arne Naess, no início da década de 70, como distinção à “ecologia rasa”
que para ele é antropocêntrica, humanista, ou centralizada no ser humano,
atribuindo à natureza apenas valor instrumental. O antropocentrismo tinha o homem
como a “medida de todas as coisas”, era fonte do pensamento, do valor e seu
próprio fim último42.
Denominada também de “visão ecológica” desde que se tenha em mente a
aplicação do termo “ecologia” em um sentido muito amplo, a ecologia profunda não
separa os seres humanos do meio ambiente natural, visualizando o mundo como
uma “rede de fenômenos” fundamentalmente interconectados e interdependentes,
como “um todo integrado”. Reconhecendo, assim, a relação de interdependência
que há entre todos os fenômenos e o fato de que indivíduos e sociedade encontramse “encaixados nos processos cíclicos da natureza” e são dependentes desse
processo. “A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos
e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida”. Para
Naess, trazido por Capra, a essência da ecologia profunda consiste em formular
questões mais profundas 43, diga-se até, espirituais 44.
Capra também chama a percepção da ecologia profunda de uma “percepção
espiritual” ou mesmo “religiosa”, pois é consistente com a “filosofia perene das
tradições espirituais” no sentido, “apenas”, de uma “percepção mais além”, de algo
muito maior do que aquilo que podemos visualizar ou mesmo tocar, ou seja,
compondo a ecologia “todos” os seres vivos, os elementos químicos e físicos, as
energias e suas interações que integram o planeta Terra.
Traz Ost como “caminho” e também características basilares da ecologia
profunda a passagem da objetivação à subjetivação da natureza, a substituição do
42
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1997. p. 178.
43
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 25-26.
44
OST, op. cit., p. 183.
26
antropocentrismo pelo biocentrismo, o desaparecimento do individualismo em prol
do holismo e a substituição do dualismo moderno pelo rigoroso monismo.45
É tido como um novo paradigma que busca uma visão holística e
espiritualizada de mundo onde homem e natureza não são distintos, no entanto,
Capra refere que “holístico” e “ecológico” possuem significados diferentes e que,
portanto, ecológico é o termo mais apropriado em se tratando da escola filosófica da
“ecologia profunda”.46
A ecologia profunda põe em questionamento profundo as nossas percepções
de mundo e maneira de pensar, nossos fundamentos e valores, nossas atuações
para com os demais indivíduos, com a sociedade como um todo, com o capital, a
ciência, a tecnologia, as empresas e indústrias e, é claro, com a natureza.
Refere Capra que a escola da ecologia profunda fornece elementos filosóficos
e espirituais suficientes para um estilo de vida ecologicamente correto. No entanto,
não se atem detidamente a esclarecer quais as atitudes e pensamentos, os padrões
culturais da sociedade, que resultaram no atual estado de crise ambiental, cabendo
tal tarefa as escolas filosóficas chamadas de “ecologia social”. Essas escolas têm
em comum o reconhecimento da vigência entre nós e ao longo de toda a história da
humanidade socialmente e economicamente organizada de um padrão social e
econômico do “sistema do dominador”, padrão este que é antiecológico por ser
desencadeador das mais variadas dominações, discriminações e explorações, tanto
da natureza quanto dos próprios seres humanos.
No entender do autor, os valores e pensamentos de uma visão ecológica
profunda devem ser “ecocêntricos”, ao contrário do que evidencia nos pensamentos
e valores da cultura industrial ocidental que não mantêm um equilíbrio entre as
45
É também partindo da análise dessas bases que Ost formula certa crítica a escola filosófica da
Deep Ecolgy quanto a “má dialéctica” da escola, “incapaz de gerir as diferenças, no próprio momento
em que estabelece as relações, e esta “confusão” gera dois erros aparentemente opostos e
solidários, quais sejam, o naturalismo e o antropomorfismo. Em razão do primeiro a natureza se
projeta na cultura que ela acaba por absorver completamente e em razão do segundo o homem
projeta sobre a natureza a sua visão das coisas, uma visão datada e localizada. OST, François. A
natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. p. 209-211.
46
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 25-26.
27
tendências de auto-afirmação e de integração, essenciais em todo sistema vivo.
Acabam por enfatizar excessivamente as primeiras, priorizando o racional, a análise,
o reducionismo e a linearidade, ao invés da integração, intuição, síntese, holismo e a
não-linearidade dos “ciclos da vida”. Quanto aos valores, também priorizam a autoafirmação, a expansão, a competição, a quantidade e a dominação, ao invés da
integração, da conservação, da cooperação, da qualidade e da parceria.
Esses valores e pensamentos antropocêntricos inegavelmente deixam a
mostra a sociedade consumista e competitiva em que vivemos. Com isso a
qualidade e a necessidade, aqui entendida como o vitalmente necessário, perdem
espaço constantemente para a quantidade, a dominação, o consumismo
exacerbado, a infinita insatisfação econômica e o desejo de “poder”, reflexos diretos
de nossa estrutura social onde a hierarquia está sempre presente e é idolatrada e
desejada.
A ecologia profunda torna necessário o surgimento de uma nova ética, com
novos valores e pensamentos, que vislumbrem a rede de interdependências que há
entre todas as comunidades de seres vivos, urgente nas ciências, nas tecnologias e
nas indústrias, que nada mais fazem do que refletir, em seus fundamentos, nossos
próprios valores e pensamentos:
Com os físicos projetando sistemas de armamentos que ameaçam eliminar
a vida do planeta, com os químicos contaminando o meio ambiente global,
com os biólogos pondo à solta tipos novos e desconhecidos de
microorganismos sem saber as conseqüências, com psicólogos e outros
cientistas torturando animais em nome do progresso científico – com todas
essas atividades em andamento, parece da máxima urgência introduzir
47
padrões “ecoéticos” na ciência. (grifado no original)
Segue o autor argumentando que o vínculo entre uma percepção ecológica do
mundo e uma atuação ecológica concreta por nós é uma conexão de cunho
psicológico, que se dará pela concepção, pela percepção do “eu ecológico”. Por
conseqüência, que ao contrário da lógica, perceberemos que somos parte da
natureza, de uma rede de vida e assim nos sentiremos inclinados a cuidar dela para
nos cuidarmos.
47
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 28.
28
Esse novo paradigma da ecologia profunda põe em questionamento e acaba
por resultar na superação da metáfora cartesiana, do paradigma mecanicista, de que
o ser humano é uma máquina perfeita e a física é modelo e fonte para as demais
ciências e que, por conseqüência, através dela tudo se explica. Ocorre uma tensão
que se funda entre as partes e o todo, já que a metáfora mecanicista enfatiza as
partes e a ecológica enfatiza o todo. Tal enfoque, a partir das ciências do século XX,
passou a ser conhecido como “sistêmico”, num sentido científico mais técnico
possível, segundo Capra, e que deriva de um “pensamento sistêmico”.
O pensamento sistêmico surgiu, conforme Capra, na primeira metade do
século passado, em especial na década de 20 e teve como pioneiros os biólogos,
que concebiam os organismos vivos como um todo integrado, e posteriormente a
psicologia da Gestalt e a nova ciência ecológica que influenciou consideravelmente
a física quântica. A idéia de universo orgânico foi substituída pela visão de mundo
como máquina a partir das descobertas de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e
Newton. Foi Descartes quem criou o chamado pensamento analítico, a visão
mecanicista até mesmo dos seres vivos, que parte da análise das partes
individualmente consideradas para se conceber o todo, no entanto, as ciências do
século XX despertaram para a idéia de que os sistemas não podem ser
compreendidos pela análise, pelo isolamento, pois mesmo as partes apenas podem
ser compreendidas quando integradas no seu todo mais amplo, a partir da
“organização” do todo, no “contexto”.
A ecologia profunda “reconhece a interdependência fundamental de todos os
fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos
encaixados nos processos cíclicos da natureza” e deles somos dependentes; a
ciência da ecologia agregou ao pensamento sistêmico as idéias de comunidade e
rede:
Sabemos hoje que, em sua maior parte, os organismos não são apenas
membros de comunidades ecológicas, mas também são, eles mesmos,
complexos ecossistemas contendo uma multidão de organismos menores,
dotados de uma considerável autonomia, e que, não obstante, estão
harmoniosamente integrados no funcionamento do todo. Portanto, há três
tipos de sistemas vivos – organismos, partes de organismos e comunidades
de organismos – sendo todos eles totalidades integradas cujas
29
propriedades essenciais surgem das interações e da interdependência de
48
suas partes.
Essa idéia dos sistemas vivos como redes traz uma nova percepção para as
hierarquias da natureza, ou seja, a ausência de hierarquia refletida na linearidade e
a percepção da “teia da vida”:
Desde que os sistemas vivos, em todos os níveis, são redes, devemos
visualizar a teia da vida como sistemas vivos (redes) interagindo à maneira
de rede com outros sistemas (redes). Por exemplo, podemos descrever
esquematicamente um ecossistema como uma rede com alguns nodos.
Cada nodo representa um organismo, o que significa que cada nodo,
quando amplificado, aparece, ele mesmo, como uma rede. Cada nodo na
nova rede pode representar um órgão, o qual, por sua vez, aparecerá como
49
uma rede quando amplificado, e assim por diante.
Diante desse enfoque de “redes”, incontestável se torna a aceitação de que
não há então hierarquia na natureza, apenas redes interconectadas, “aninhadas
dentro de outras redes”.
Quanto ao significado da idéia de sistema e de pensamento sistêmico,
transcrevem-se as observações de Capra:
O bioquímico Lawrence Henderson foi influente no seu uso pioneiro do
termo “sistema” para denotar tanto organismos vivos como sistemas sociais.
Dessa época em diante, um sistema passou a significar um todo integrado
cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, e
“pensamento sistêmico”, a compreensão de um fenômeno dentro do
contexto de um todo maior. Esse é, de fato, o significado raiz da palavra
“sistema”, que deriva do grego synhistanai (“colocar junto”). Entender as
coisas sistematicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um
50
contexto, estabelecer a natureza das suas relações. (grifado no original)
O pensamento sistêmico já havia sido referido e utilizado por vários cientistas,
mas apenas na década de 40 do século XX surge com o biólogo de Viena Ludwig
Von Bertalanffy a chamada “teoria geral dos sistemas”, substituindo os fundamentos
cartesianos, mecanicistas da ciência pelo holismo o qual tem como objeto a
“formulação de princípios válidos para os ‘sistemas’ em geral, qualquer que seja a
natureza dos elementos que os compõe e as relações ou ‘forças’ existentes entre
eles”:
48
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 25/44.
49
Ibidem, p. 44-45.
50
Ibidem, p. 39.
30
A teoria geral dos sistemas portanto é uma ciência geral da ‘totalidade’, que
até agora era considerada um conceito vago, nebuloso e semimetafísico.
Em forma elaborada seria uma disciplina lógico-matemática, em si mesma,
puramente formal mas aplicável às várias ciências empíricas. Para as
ciências que tratam de ‘todos organizados’ teria uma significação
semelhante a que tem a teoria das possibilidades para as ciências que se
51
ocupam de ‘acontecimentos casuais’. (destacado no original)
O pensamento sistêmico consiste em uma compreensão contextual do objeto
em foco, em contraposição com o procedimento científico analítico, paradigma da
ciência clássica ou, para usar a terminologia de Thomas Kuhn, da chamada “ciência
normal”52. Pode-se dizer, como o fez Bertalanffy, que o problema abordado na teoria
dos sistemas diz respeito justamente às limitações do procedimento analítico na
ciência:
A necessidade resultou do fato do esquema mecanicista das séries causais
isoláveis e do tratamento por partes ter se mostrado insuficiente para
atender aos problemas teóricos, especialmente nas ciências bio-sociais, e
53
aos problemas práticos propostos pela moderna tecnologia.
Nessa linha de entendimento, ganham ênfase na compreensão sistêmica as
noções de inter-relação e de totalidade. Os elementos que compõem um sistema
estão inter-relacionados de diferentes maneiras e, em virtude disso, constituem uma
totalidade
com
características
próprias,
que
emergem
das
inter-relações
mencionadas.
Diante dessa perspectiva ecológica, Capra contextualiza de uma forma simples
e para nós plenamente visível e aceitável, que nenhum organismo sobrevive de
forma isolada:
Não existe nenhum organismo individual que viva em isolamento. Os
animais dependem da fotossíntese das plantas para ter atendidas as suas
necessidades energéticas; as plantas dependem do dióxido de carbono
produzido pelos animais, bem como do nitrogênio fixado pelas bactérias em
51
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas: a ciência que está revolucionando a
administração e o planejamento na área do governo, dos negócios, na indústria e na solução dos
problemas humanos. Tradução de Francisco M. Guimarães. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1975. p.
61.
52
“Neste ensaio, ‘ciência normal’ significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais
realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por
alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática
posterior.” KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. trad. Beatriz Vianna Boeira e
Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 29.
53
BERTALANFFY, op. cit., p. 29.
31
suas raízes; e todos juntos, vegetais, animais e microorganismos, regulam
54
toda a biosfera e mantêm as condições propícias à preservação da vida.
No entanto, as noções de totalidade e de inter-relação não esgotam os traços
característicos de um sistema. É preciso agregar-lhes a idéia de organização, dando
ênfase para o aspecto organizacional na concepção sistêmica, citam-se as palavras
de Morin:
A organização, conceito ausente na maioria das definições do sistema,
estava até agora como que sufocada entre a idéia de totalidade e a idéia de
inter-relações, sendo que ela liga a idéia de totalidade à de inter-relações,
tornando as três noções indissociáveis. A partir daí, pode-se conceber o
sistema como unidade global organizada de inter-relações entre elementos,
55
ações ou indivíduos. (grifado no original)
Em conformidade com as definições sobre a teoria sistêmica apresentadas,
pode-se enumerar alguns critérios fundamentais do pensamento sistêmico. Segundo
Capra, um desses critérios é a mudança de foco das partes para o todo,
compreendendo-se que a totalidade formada pelo sistema apresenta propriedades
que são características do todo, não podendo ser reduzidas às propriedades das
partes menores. 56
Ainda, conforme o mesmo autor, existem diversos níveis sistêmicos: há
possibilidade da ocorrência de sistemas dentro de sistemas e também com variados
graus de complexidade. Este fato demonstra a importância do elemento subjetivo na
análise sistêmica, pois, em certa medida, a percepção de sistemas “maiores” ou
“menores”, mais ou menos abrangentes, depende da ação do observador, trazendo
a necessidade de um estudo epistemológico57 na descrição dos fenômenos
sistêmicos.
54
CAPRA. Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. 4. ed. Tradução de
Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Cultrix, 2005. p. 23.
55
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre:
Sulina, 2005. p. 132. Na mesma obra, o autor constrói um conceito de organização, que se transcreve
aqui para uma melhor compreensão de seu pensamento: “O que é a organização? Primeira definição:
a organização é o encadeamento de relações entre componentes ou indivíduos que produz uma
unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou
indivíduos. A organização liga de maneira inter-relacional os elementos ou acontecimentos ou
indivíduos diversos que desde então se tornam os componentes de um todo. Ela assegura
solidariedade e solidez relativa a estas ligações, assegurando então ao sistema uma certa
possibilidade de duração apesar das perturbações aleatórias. A organização, portanto: transforma,
produz, religa, mantém.” (p. 133)
56
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 46.
57
Aqui se entende epistemologia como a ciência que tem por objeto de análise o próprio
conhecimento e seus processos de construção.
32
Ao contrário do pensamento analítico, que busca a simplificação e o isolamento
do objeto de estudo, a análise sistêmica desvela a existência de uma complexidade
crescente nos diversos fenômenos abordados. O feixe de luz sistêmico ilumina todas
as arestas relegadas à escuridão pelo procedimento analítico, descortinando
conexões antes não alcançadas (ou escamoteadas) pela percepção científica.
Aqui é importante a noção de “complexidade de base” trazida por Morin que,
ligando a idéia de sistema à de complexidade, reconstrói sua noção de sistema,
entendendo-a como a “unidade da complexidade”, in verbis:
a noção de sistema não é nem simples nem absoluta; ela comporta, na sua
unidade, relatividade, dualidade, multiplicidade, cisão, antagonismo; o
problema de sua inteligibilidade abre uma problemática da
complexidade.[...]
O sistema é o conceito complexo de base porque ele não é redutível a
unidades elementares, a conceitos simples, a leis gerais. O sistema é a
unidade de complexidade. É o conceito de base, pois ele pode se
desenvolver em sistemas de sistemas de sistemas, em que aparecerão as
máquinas naturais e os seres vivos. Estas máquinas, estes seres vivos, são
também sistemas, mas eles já são outra coisa. Nosso objetivo não é fazer
um sistemismo reducionista. Utilizaremos universalmente nossa concepção
do sistema, não como palavra-chave da totalidade, mas como raiz da
58
complexidade. (grifado no original)
São critérios identificadores de todo os sistemas vivos propostos por Capra:
padrão autopoiético59 (auto-reprodução), estrutura dissipativa (sistema aberto,
afastado do equilíbrio, perpassado por fluxos de matéria e energia que criam uma
constante realimentação) e cognição (incorporação de padrões autopoiéticos em
estruturas dissipativas, significando também uma interação com o meio ambiente, ou
“acoplamento estrutural”).
Conforme a síntese formulada por Capra:
Compreender a natureza da vida a partir de um ponto de vista sistêmico
significa identificar um conjunto de critérios gerais por cujo intermédio
58
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre:
Sulina, 2005. p 187.
59
A respeito da caracterização dos seres vivos como organizações autopoiéticas, citem-se as
palavras de Maturana e Varela: “Cuando hablamos de los seres vivos ya estamos suponiendo que
hay algo en común entre ellos, de otra manera no los pondríamos dentro de la misma clase que
designamos con el nombre: vivo. Lo que no está dicho, sin embargo, es cuál es esa organización que
los define como clase. Nuestra proposición es que los seres vivos se caracterizan porque,
literalmente, se producen continuamente a sí mismos, lo que indicamos al llamar a la organización
que los define, organización autopoiética.” (grifado no original) MATURANA, H.; VARELA, F. El árbol
del conocimiento. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, 1996. p. 25.
33
podemos fazer uma clara distinção entre sistemas vivos e não-vivos. Ao
longo de toda a história da biologia, muitos critérios foram sugeridos, mas
todos eles acabavam se revelando falhos de uma maneira ou de outra. No
entanto, as recentes formulações de modelos de auto-organização e a
matemática da complexidade indicam que hoje é possível identificar tais
critérios. A idéia-chave da minha síntese consiste em expressar esses
critérios em termos das três dimensões conceituais: padrão, estrutura e
processo.
Em resumo, proponho entender a autopoiese, tal como é definida por
Maturana e Varela, como o padrão da vida (isto é, o padrão de organização
dos sistemas vivos); a estrutura dissipativa, tal como é definida por
Prigogine, como a estrutura dos sistemas vivos; e a cognição, tal como foi
definida inicialmente por Gregory Bateson e mais plenamente por Maturana
60
e Varela, como o processo da vida.
Em que pesem as achegas teóricas fornecidas pela teoria sistêmica, cumpre
referir que a mesma não pode se tornar aquilo que inicialmente visou a combater:
um procedimento reducionista do conhecimento; e a advertência é elaborada por
Morin:
É preciso ir rumo ao sistema-problema, não rumo ao sistema-solução. Meu
propósito não é empreender uma leitura sistêmica do universo; não é
recortar, classificar, hierarquizar os diferentes tipos de sistema, desde os
sistemas físicos até o sistema homo. Meu propósito é mudar o olhar sobre
todas as coisas, da física ao homo. Não dissolver o ser, a existência, a vida
no sistema, mas compreender o ser, a existência, a vida, com a ajuda,
também, do sistema. Quer dizer, primeiramente, colocar em todas as coisas
o acento circunflexo! É o que eu tentei indicar: a complexidade na base, a
61
complexidade no comando. (grifado no original)
O arcabouço teórico fornecido pela teoria dos sistemas pode ser aplicado a
diversos campos do conhecimento, inclusive no campo das atividades empresariais.
De acordo com os critérios fornecidos por Capra, é imprescindível conceber-se
também a empresa/indústria como um sistema vivo, integrante de um único
ecossistema, com segmentos de complexidade e variação extremamente ricos, que
constante e mutuamente interagem. Com essa mudança de percepção ocasionada
pela ecologia profunda e pelo pensamento sistêmico, a relação entre a empresa, os
indivíduos e o meio ambiente, pode ser pensada em termos sustentáveis e a partir
de uma gestão ecológica.
Como essa mudança está relacionada a nossa percepção da natureza, do
organismo humano e da sociedade, acaba refletindo em nossa percepção sobre
60
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 135.
61
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre:
Sulina, 2005. p. 190.
34
“uma organização de negócios”. “As empresas são sistemas vivos, cuja
compreensão não é possível apenas pelo prisma econômico”. E sendo um sistema
vivo a empresa não pode ser “rigidamente controlada” através de uma intervenção
direta, mas pode ser “influenciada” através da transmissão de “orientações e
emissões de impulsos”, conforme prega a chamada “administração sistêmica”.62
Segundo o pensamento sistêmico e ecológico, os conceitos de “paradigma” e
“cultura empresarial” encontram-se ligados de forma íntima: podendo-se definir o
paradigma social como uma “constelação de conceitos, valores, percepções e
práticas compartilhados por uma comunidade, compondo uma visão particular da
realidade”, base sobre a qual a sociedade é organizada; a “cultura empresarial”
também é um conjunto de idéias, valores, normas e modos de conduta, que foi
aceito e adotado por certa empresa mediante um consenso, com caráter “distintivo e
inconfundível da organização”.
Tendo em mente os elementos-chaves do pensamento sistêmico e da ecologia
profunda, ampliar e redefinir a cultura empresarial de forma a refletir o paradigma da
ecologia profunda perpassa inclusive pela “mudança de crescimento para a
sustentabilidade”. No âmbito empresarial, o exemplo mais relevante da mudança
das idéias de expansão para conservação, de quantidade para qualidade, é a
mudança nos critérios fundamentais do “sucesso” empresarial, do mero crescimento
econômico para a sustentabilidade ecológica. A busca a qualquer custo do
crescimento econômico, sem restrições, é o principal motivo da destruição ambiental
global. Em que pese “o crescimento, naturalmente, seja uma característica de toda
vida”, no “mundo vivo”, não possui apenas um significado quantitativo, de modo que
a interiorização da visão sistêmica e da ecologia profunda no conceito de empresa e,
por conseqüência no próprio âmbito de atuação da empresa, acaba por resultar em
uma “restrição do crescimento econômico” diante da introdução da idéia de
“sustentabilidade como critério fundamental de todas as atividades de negócios”,
pois o que persiste em um sistema vivo ao longo do tempo, diante desse contexto, é
o seu “padrão de organização”, a “teia de relações que define o sistema como um
62
CALLENBACH, Ernest. et al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement: Guia do Instituto
Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de Carmen Youssef.
São Paulo: Cultrix, 2001. p. 88.
35
todo integrado” e tal padrão é a essência verdadeira do sistema, uma característica
de ordem qualitativa.63
Levando essa linha de raciocínio mais adiante, percebe-se que uma visão
ecologicamente sustentável da atividade empresarial não é uma alternativa, mas
uma necessidade para a própria existência da mesma, de seus elementos
constitutivos, do meio ambiente e da vida como um todo. Adotar o pensamento
sistêmico e ecológico na empresa não implica em se negar o desenvolvimento,
porém adaptar-se a um desenvolvimento com prioridades qualitativas, é claro, ao
invés de prioridades apenas quantitativas e econômicas, e várias possibilidades
podem ser geradas:
As empresas podem fixar um prazo – dois anos, por exemplo – dentro do
qual deixarão de produzir e receber embalagens. As empresas – quer sejam
fabricantes de pesticidas agrícolas tóxicos exportados para o mundo
subdesenvolvido, ou de vestidos com lantejoulas à base de petróleo, fruto
da exploração do trabalho de crianças em troca de pagas irrisórias – podem
traçar estratégias de investimento em pesquisas para desenvolver
substitutos, adotar outros produtos e práticas, ou preparar sua gradual
retirada do ramo em que atuam dentro de determinado prazo, se não for
64
possível encontrar outras soluções.
A leitura dessas possibilidades trazidas pelo autor já deixam latente a
necessidade de novos pensamentos e valores na sociedade, de novos conceitos,
novos paradigmas, frente ao novo contexto social que se apresenta. Quando se
pensa, por exemplo, na referida “retirada gradual da empresa do mercado”, a reação
imediata é da inviabilidade dessa hipótese, reação dita “normal” a qualquer indivíduo
que tenha uma visão antropocêntrica e que não visualize os ecossistemas como um
todo integrado e interdependentes, entretanto, é necessário se ter presente que
numa sociedade de risco, onde o risco é esperado, não calculado e muito menos
evitado como se abordará no próximo tópico, crescer economicamente sem
respeitar os limites da biosfera é uma utopia.
Da mesma forma, a própria macroeconomia é vista pelo pensamento sistémico
e pela visão ecológica profunda como um subsistema aberto da biosfera,
plenamente dependente dela e, por ser finita a biosfera, é correto afirmar que o
63
CALLENBACH, Ernest. et. al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement: Guia do Instituto
Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de Carmen Youssef.
São Paulo: Cultrix, 2001. p. 99/102.
64
Ibidem, p. 89.
36
subsistema econômico não pode violar e destruir indefinidamente o ambiente
natural. De modo que se o subsistema economia ultrapassar os limites sustentáveis
dos ecossistemas vivos, acabará por romper com os processos de manutenção da
vida no planeta terra, devendo-se assim ter sempre presente as noções de interrelação e de totalidade trazidas pela concepção sistêmica, inclusive em se tratando
das mútuas e constantes relações, que resultam em variados fluxos de energia
existentes entre o meio ambiente e as empresas e indústrias considerados também
organismos vivos integrantes da “teia da vida”.
1. 3 A sociedade de risco e a alternativa da racionalidade ambiental
Diante das constantes e mútuas interações entre homem e natureza até agora
expostas no presente trabalho, é possível afirmar-se que os problemas ambientais
provocados pelos seres humanos decorrem do uso do meio ambiente para obter os
recursos necessários à produção de bens e serviços. De igual forma, dos despejos
de materiais e energias não aproveitados no meio ambiente, no entanto, nem
sempre essa relação resultou na degradação ambiental.
Buscando as raízes históricas, comumente a Revolução Industrial é apontada
como marco importante na intensificação dos problemas ambientais, não que antes
não houvesse tais problemas, mas a possibilidade e facilidade em se encontrar
novas áreas para a obtenção dos recursos ocultavam a gravidade do problema. Leff
discorre que foi nos anos 1960 que a crise ambiental se tornou evidente, quando
deixou à mostra a irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e
de consumo, e marcou os limites do crescimento econômico65. Fato é que a era
industrial alterou a maneira de produzir a degradação ambiental trazendo técnicas
produtivas intensivas em material e energia com vistas a atender mercados de
grandes dimensões. Conseqüentemente a escala de exploração de recursos e de
descargas de resíduos cresceu a tal ponto que passou a ameaçar a possibilidade de
subsistência de muitos povos na atualidade e das gerações futuras. A maneira como
a produção e o consumo estão sendo realizados, desde então, exige recursos e
65
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 134.
37
gera resíduos, ambos em quantidades vultosas, que já ameaçam a capacidade de
suporte do próprio planeta Terra.
Nesse contexto, é que emerge a chamada “sociedade de risco”, cujo conceito
designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, onde os riscos
sociais, políticos, econômicos e individuais, “tendem cada vez mais a escapar das
instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial” 66. É a chamada
Teoria da Sociedade de Risco, característica da fase posterior ao período industrial
clássico e representada pelo reconhecimento do esgotamento do modelo de
produção e pela consciência do risco permanente de desastres e catástrofes, devido
ao uso irrestrito do meio ambiente tanto pela apropriação e expansão demográfica,
quanto pela mercantilização e o capitalismo selvagem: “A sociedade de risco é
aquela que, em função de seu contínuo crescimento econômico, pode sofrer a
qualquer tempo as conseqüências de uma catástrofe ambiental”. Há, portanto,
consciência dos riscos, mas não há políticas de gestão, pois a sociedade moderna
criou um modelo de desenvolvimento complexo e avançado, mas não criou meios
capazes de conter e regrar o desenvolvimento67.
Beck distingue duas fases na sociedade de risco:
primeiro, um estágio em que os efeitos e as auto-ameaças são
sistematicamente produzidos, mas não se tornam questões públicas ou o
centro de conflitos políticos. Aqui, o auto conceito da sociedade industrial
ainda predomina, tanto multiplicando como “legitimando” as ameaças
produzidas por tomadas de decisão, como “riscos residuais” (a “sociedade
de risco residual”).
Segundo, uma situação completamente diferente surge quando os perigos
da sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos,
tanto políticos como privados. Nesse caso, as instituições da sociedade
industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças que não
conseguem controlar. O que acontece aqui é que alguns aspectos da
sociedade industrial tornam-se social e politicamente problemáticos. Por um
lado, a sociedade ainda toma decisões e realiza ações segundo o padrão
da velha sociedade industrial, mas, por outro, as organizações de interesse,
o sistema judicial e a política são obscurecidos por debates e conflitos que
68
se originam do dinamismo da sociedade de risco. (grifado no original)
66
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In:
_____;GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social
moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p.
15.
67
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: ______; CANOTILHO, J. J. G.
(Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 131-132.
68
BECK, op. cit., p. 15-17.
38
Continua o autor salientando que na “sociedade de risco” os atritos quanto à
distribuição dos bens, representados pela renda, empregos e o seguro social, que
era o conflito da sociedade industrial clássica, passam a serem encobertos por
problemas decorrentes da distribuição dos “malefícios” “decodificados como conflitos
de responsabilidade distributiva”. Isso irrompe acerca da forma como os riscos da
produção dos bens “podem ser distribuídos, evitados, controlados e legitimados”.
Para o estudo do elemento “risco” nas sociedades, faz-se importante buscar
uma depuração de seu significado frente a outros fenômenos correlatos. Aqui se
adota a lição de Beck, no sentido de que o risco está relacionado à indústria, ao
processo de tomada de decisões cujo foco é a ponderação das vantagens técnicocientíficas e oportunidades envolvidas:
Human dramas – plagues, famines and natural disasters, the looming power
of god and demons – may or may not quantifiably equal the destructive
potential of modern mega-technologies in hazardousness. They differ
essentially from ‘risks’ in my sense since they are not based on decisions,
or, more specifically, decisions that focus on techno-economic advantages
and opportunities and accept hazards as simply the dark side of progress.
This is my first point: risks presume industrial, that is, techno-economic,
decisions and considerations of utility. They differ from ‘war damage’ by their
‘normal birth’, or, more precisely, their ‘peaceful origin’ in the centers of
rationality and prosperity with the blessings of the guarantors of law and
order. They differ from pre-industrial natural disasters by their origin in
decision-making, which is of course conducted never by individuals but by
69
entire organizations and political groups.
A compreensão dos perigos trazidos pelo avanço tecnológico não é tarefa fácil
em um mundo marcado pela complexidade e por múltiplas contingências. Existem
dificuldades desde a identificação de responsáveis até a percepção das intricadas
ligações entre os diversos tipos de poluições e perigos. São desafios como esses
que colocam os riscos tecnologicamente induzidos num campo de operação fora da
69
BECK, Ulrich. World risk society. Cambridge: Polity Press, 1999. p. 50. Tradução livre: “Dramas
humanos – pragas, fomes e desastres naturais, as manifestações de poder de deuses e demônios –
podem ou não igualar quantificavelmente o potencial destrutivo das modernas mega-tecnologias em
periculosidade. Eles diferem essencialmente dos ‘riscos’ em meu entender desde que eles não estão
baseados em decisões, ou, mais especificamente, decisões que focam sobre vantagens e
oportunidades técnico-econômicas e aceitam perigos como simplesmente o lado obscuro do
progresso. Este é meu primeiro ponto: riscos presumem decisões industriais, isto é, técnoeconômicas, e considerações de utilidade. Eles diferem de ‘dano da guerra’ por seu ‘nascimento
normal’, ou, mais precisamente, sua ‘origem pacífica’ em centros de racionalidade e prosperidade
com as bênçãos dos garantidores de lei e ordem. Eles diferem dos desastres naturais pré-industriais
por sua origem em tomadas de decisão, que são é lógico conduzidas nunca por indivíduos, mas por
organizações inteiras e grupos políticos”.
39
capacidade de percepção humana. Aqui é possível falar de uma “expropriação do
entendimento” ocasionada pelos riscos globais, que torna a vida insegura:
This is even more true because, second, a significant number of
technologically induced hazards, such as those associated with chemical
pollution, atomic radiation and genetically modified organisms, are
characterized by an inaccessibility to the human senses. They operate
outside the capacity of (unaided) human perception. Every-day life is ‘blind’
in relation to hazards which threaten life and thus depends in its inner
decisions on experts and counter-experts. Not only the potential harm but
70
this ‘expropriation of the senses’ by global risks makes life insecure.
Um entendimento mais abrangente sobre os perigos e riscos da sociedade
industrial desenvolvida é ainda mais problemático devido à atuação de algumas de
suas
instituições
(políticas,
jurídicas,
científicas,
etc.),
com
sua
atuação
“normalizadora” dos perigos não calculados. Compõe-se uma vasta gama de
instrumentos que Beck chama de uma “simbólica política de desintoxificação”:
Precisely because of their explosiveness in social and political space,
hazards remain distorted objects, ambiguous, interpretable, resembling
modern mythological creatures, which now appear to be an earth-worm, now
again a dragon, depending on perspective and the state of interests. The
ambiguity of risks also has its basis in the revolutions which their official
unambiguity had to provoke. The institutions of developed industrial society
– politics, law, engineering sciences, industrial concerns – accordingly
command a broad arsenal for ‘normalizing’ non-calculable hazards. They
can be underestimated, compared out of existence or made anonymous
causally and legally. These instruments of a symbolic politics of
detoxification enjoy correspondingly great significance and popularity (this is
71
shown by Fischer, 1989).
70
BECK, Ulrich. World risk society. Cambridge: Polity Press, 1999. p. 55. Tradução livre: “Isto é ainda
mais verdadeiro porque, segundo, um número significativo de perigos induzidos tecnologicamente,
como aqueles associados com poluição química, radiação atômica e organismos geneticamente
modificados, são caracterizados por uma inacessibilidade aos sentidos humanos. Eles operam fora
da capacidade de percepção humana (não auxiliada). A vida quotidiana é ‘cega’ em relação aos
perigos que ameaçam a vida e assim depende em suas decisões internas de especialistas e contraespecialistas. Não somente a ameaça potencial, mas esta ‘expropriação dos sentidos’ pelos riscos
globais faz a vida insegura”.
71
Ibidem, p. 57. Tradução livre: “Precisamente devido a sua explosividade no espaço social e político,
perigos continuam objetos distorcidos, ambíguos, interpretáveis, relembrando criaturas mitológicas
modernas, que agora parecem ser uma minhoca, já agora um dragão, dependendo da perspectiva e
do estado de interesses. A ambiguidade dos riscos também tem suas bases nas revoluções que sua
não ambiguidade oficial teve de provocar. As instituições da sociedade industrial desenvolvida –
política, direito, engenharia, companhias industriais – dessa forma comandam um largo arsenal para
‘normalizar’ perigos não calculados. Eles podem ser subestimados, ter sua existência negada ou
feitos anônimos causalmente e legalmente. Estes instrumentos de uma simbólica política de
desintoxicação desfrutam correspondentemente de grande significado e popularidade (isto é
mostrado por Fischer, 1989)”.
40
Discorrendo sobre as questões surgidas na sociedade de risco (políticas,
estruturas sociais, conflitos), o autor menciona o “sentido democrático” de seus
perigos:
Nuclear contamination, however, is egalitarian and in that sense
‘democratic’. Nitrates in the ground water do not stop at the general
director’s water tap (see Beck, 1992: ch. 1).
All suffering, all misery, all violence inflicted by people on other people to this
point recognized the category of the Other – workers, Jews, blacks, asylumseekers, dissidents, and so forth – and those apparently unaffected could
retreat behind this category. The ‘end of the Other’, the end of all our
carefully cultivated opportunities for distancing ourselves, is what we have
become able to experience with the advent of nuclear and chemical
contamination. Misery can be marginalized, but that is no longer true of
hazards in the age of nuclear, chemical and genetic technology. It is there
that the peculiar and novel political force of those threats lies. Their power is
the power of threat, which eliminates all the protective zones and social
72
differentiations within and between nation-states. (grifado no original)
A sociedade industrial produziu uma democracia criticável no que concerne às
mudanças tecnológicas, com centralização de suas deliberações nos mecanismos
institucionais de tomada de decisão. Em face dessa constatação, e com o intuito de
proporcionar a retomada da “autonomia do próprio julgamento”, Beck propõe a
“extensão ecológica da democracia”:
The ecological extension of democracy then means: playing off the concert
of voices and powers, the development of the independence of politics, law,
the public sphere and daily life against the dangerous and false security of a
‘society conceived in the abstract’.
My suggestion contains two interlocking principles: first, carrying out a
division of powers and, second, the creation of a public sphere. Only a
strong, competent public debate, ‘armed’ with scientific arguments, is
capable of separating the scientific wheat from the chaff and allowing the
institutions for directing technology – politics and law – to reconquer the
73
power of their own judgment.
72
BECK, Ulrich. World risk society. Cambridge: Polity Press, 1999. p. 62. Tradução livre:
“Contaminação nuclear, entretanto, é igualitária e naquele sentido ‘democrático’. Nitratos no lençol
freático não param na torneira de água dos diretores gerais (ver Beck, 1992: cap. 1).
Todo sofrimento, toda miséria, toda violência infligida por pessoas sobre outras pessoas a este ponto
reconheceram a categoria do Outro – trabalhadores, Judeus, negros, exilados, dissidentes, e outros –
e aqueles aparentemente não afetados podem se esconder atrás desta categoria. O ‘fim do Outro’, o
fim de todas nossas oportunidades de distanciamento de nós mesmos cuidadosamente cultivadas, é
o que nós nos tornamos aptos a experimentar com o advento da contaminação nuclear e química.
Miséria pode ser marginalizada, mas isto não é mais verdade dos riscos na era da tecnologia nuclear,
química e genética. É neste ponto que a força política peculiar e nova daquelas ameaças engana.
Seu poder é o poder da ameaça, que elimina todas as zonas protetivas e diferenciações sociais
dentro e entre estados-nação.” (grifado no original)
73
Ibidem, p. 70. Tradução livre: “A extensão ecológica da democracia então significa: eliminação do
acordo de vozes e poderes, o desenvolvimento da independência de políticas, direito, a esfera
pública e vida diária contra a perigosa e falsa segurança de uma ‘sociedade concebida em abstrato’.
Minha sugestão contém dois princípios interligados: primeiro, realizar uma divisão de poderes e,
segundo, a criação de uma esfera pública. Somente um debate público forte, competente, ‘armado’
41
Para Beck, “perigo é sempre uma construção cognitiva e social” e é por tal
motivo que as sociedades modernas são constantemente confrontadas com suas
próprias bases e limites até que não haja modificação, nem reflexo sobre seus
efeitos dando continuidade a uma política similar. O conceito de sociedade de risco
transforma notável e sistemicamente três áreas:
Primeiro, há o relacionamento da sociedade industrial moderna com os
recursos da natureza e da cultura, sobre cuja existência ela é construída,
mas que estão sendo dissipados no surgimento de uma modernização
amplamente estabelecida. Isto se aplica à natureza não humana e à cultura
humana em geral, assim como os modos de vida culturais específicos (por
exemplo, a família nuclear e a ordem baseada na diferença entre os sexos)
e aos recursos de trabalho social) por exemplo, o trabalho doméstico da
esposa, que convencionalmente não tem sido reconhecido como trabalho,
ainda que tenha sido ele, em primeiro lugar, que possibilitou o trabalho
assalariado do marido).
Segundo, há um relacionamento da sociedade com as ameaças e os
problemas produzidos por ela, que por seu lado excedem as bases das
idéias sociais de segurança.
Terceiro, as fontes de significado coletivas e específicas de grupo (por
exemplo, consciência de classe ou crença no progresso) na cultura da
sociedade industrial estão sofrendo de exaustão, desintegração e
74
desencantamento.
Questiona ainda o autor sobre a nova imprevisão e desordem fabricadas:
sofrerão oposição segundo o padrão do controle racional instrumental – ou
seja, recorrendo às velhas ofertas da sociedade industrial (mais tecnologia,
mercado, governo etc.)? Ou estão tendo início aqui um repensar e uma
nova maneira de agir, que aceitam e afirmam a ambivalência – mas, então,
com conseqüências de longo alcance para todas as áreas da ação social?
Em correspondência ao eixo teórico, pode-se chamar o primeiro de linear e
75
o segundo de reflexivo. (grifo do autor)
A realidade em que vivemos é categoricamente trazida por Beck quando afirma
que “em virtude de sua dinâmica independente e de seus sucessos, a sociedade
industrial está escorregando para uma terra de ninguém, de ameaças sem
garantia”.76
com argumentos científicos, é capaz de separar o joio do trigo científico e liberar as instituições para
direcionando tecnologia – política e direito – reconquistar o poder de seu próprio julgamento.”
74
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: _____;
GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social
moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p.
17-18.
75
Ibidem, p. 23.
76
Ibidem, p. 24.
42
Ainda observa Beck:
The phase of risk society politics which is beginning to make itself heard
today in the arena of disarmament and detente in the East-West relationship
can no longer be understood nationally, but only internationally, because the
social mechanics of risk situations disregards the nation-state and its
77
alliance systems.
Por derradeiro, o que se espera nos dias de hoje é que os indivíduos acabem
dominando as “oportunidades arriscadas”, contudo em razão da complexidade da
atual sociedade moderna, não sejam capazes de tomar as “decisões necessárias
em uma base bem fundamentada e responsável”, levando em conta as prováveis
conseqüências. Reconhecer a imprevisibilidade das ameaças resultantes do
desenvolvimento “técnico-industrial” em uma sociedade de risco requer “autoreflexão” das bases da “coesão social”, bem como a verificação das “convenções e
dos fundamentos predominantes da ‘racionalidade’”. A sociedade de risco em seu
“autoconceito” torna-se ao mesmo tempo tema e problema para si, ou seja, reflexiva.
Nesse sentido, Beck propõe uma modernização reflexiva que, para ele, significa
uma “reforma da racionalidade que faz justiça à ambivalência histórica a priori em
uma modernidade que está abolindo suas próprias categorias de ordenação”:
Não se trata de uma racionalidade em excesso, mas de uma chocante
ausência de racionalidade, da irracionalidade predominante, que explica a
doença da modernidade industrial. Ela pode ser curada – quem sabe
totalmente – não por uma retirada, mas apenas por uma radicalização da
racionalidade, que vai absorver a incerteza reprimida. Mesmo aqueles que
não apreciam este remédio da civilização, que acham seu gosto
desagradável, simplesmente porque não gostam dos curandeiros da
civilização, talvez sejam capazes de compreender que este modo
brincalhão de lidar com as fontes terrenas da certeza, esta experiência de
tipos de racionalidade, está apenas reduzindo o que há muito vem se
78
firmando vigorosamente como uma experiência concreta da civilização.
Leff também leciona que outra racionalidade se faz necessária. A crise
ambiental
serviu
para
deixar
exposta
a
insustentabilidade
ecológica
da
“racionalidade econômica”, de modo que a crise dos recursos acabou por deslocar a
natureza do mero campo de “reflexão filosófica e da contemplação estética” para
77
BECK, Ulrich. World risk society. Cambridge: Polity Press, 1999. p. 65. Tradução livre: “A fase das
políticas da sociedade de risco que está começando a se fazer ouvida hoje na arena do
desarmamento e aproximação no relacionamento Leste-Oeste não pode mais ser entendida
nacionalmente, mas apenas internacionalmente, porque as mecânicas sociais das situações de risco
desconsideram o Estado-nação e seus sistemas de alianças”.
78
Idem. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: _____; GIDDENS,
A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução
de Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. p.19/47.
43
reintegrá-la no processo econômico. É a degradação ecológica, segundo o autor, a
“marca de uma crise de civilização”, de uma modernidade embasada na
racionalidade meramente econômica e científica como valores supremos da
civilização humana, negando a natureza como “fonte de riqueza, suporte de
significações sociais e raiz da co-evolução ecológico-cultural”:
Se uma argumentação fundamentada e coerente, assim como a realidade
evidente, mostram que nem a eficácia do mercado, nem a norma ecológica,
nem uma moral conservacionista, nem uma solução tecnológica são
capazes de reverter a degradação entrópica, a concentração de poder e a
desigualdade social geradas pela racionalidade econômica, então é
necessário apresentar a possibilidade de outra racionalidade, capaz de
integrar os valores da diversidade cultural, os potenciais da natureza, a
eqüidade e a democracia como valores que sustentam a convivência social
e como princípios de uma nova racionalidade produtiva, em sintonia com os
79
propósitos da sustentabilidade.
A racionalidade ambiental perpassa por uma “cultura ecológica” que pode ser
definida como um sistema de valores ambientais para reorientar comportamentos
individuais e coletivos quanto as práticas de uso dos recursos naturais e
energéticos. Isso promove certa vigilância dos agentes sociais sobre os impactos
ambientais e os riscos ecológicos, bem como a organização da sociedade pela
defesa dos direitos ambientais e a participação social na autogestão de seus
recursos naturais, de tal forma que os valores que conduzem os processos sociais a
uma gestão ambiental do desenvolvimento são definidos através de racionalidades
culturais originárias das formas de “organização produtiva e estilos étnicos das
sociedades tradicionais, povos indígenas e comunidades camponesas”. Ocorre que
com a superexploração da natureza que gerou uma pressão crescente sobre o
equilíbrio dos ecossistemas, bem como sobre a sua capacidade de renovação e
produtividade também transformou e, ao mesmo tempo, destruiu as práticas de
produção de povos e civilizações que durante milênios tiveram uma prática
sustentável dos recursos naturais. A natureza e a cultura não possuem valores
contabilizáveis na racionalidade econômica onde a economia tem como fatores
fundamentais da produção o Capital e o Trabalho80. A racionalidade econômica,
segundo Leff, apenas explora a natureza e o trabalhador, possui caráter
79
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luiz
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 223-227.
80
Idem. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e
desenvolvimento sustentável. Tradução de Jorge Esteves da Silva. Blumenau: Edifurb, 2000. p. 123124.
44
concentrador de poder, acaba por segregar a sociedade, alienar o indivíduo e
subordinar os valores humanos ao interesse econômico e instrumental. É radical a
crítica ecológica a tal racionalidade e se origina da “constatação de que o processo
econômico implica um processo de transformação de massa e energia regido pela
segunda lei da termodinâmica, que decreta um inelutável processo de degradação
entrópica”, já que a economia acabou por promover um crescimento sem limites.
Partindo-se de uma análise da termodinâmica, tal produção não é nada além de um
“processo irreversível de degradação entrópica, de transformação de baixa em alta
entropia”:
O conceito de entropia enfrenta a racionalidade econômica quando
apresenta um limite ao crescimento econômico e à legalidade do mercado,
ao mesmo tempo que estabelece um vínculo com as leis da natureza que
constituem as condições – físico-biológicas, termodinâmicas e ecológicas –
para uma economia sustentável. […] A entropia surge, assim, como uma lei81
limite que a natureza impõe a expansão do processo econômico.
No entanto, a nova racionalidade proposta não emerge apenas da
confrontação com a racionalidade econômica82, e sim com o todo social, a ordem
jurídica e o poder estatal, fazendo surgir a necessidade de interiorização do saber
ambiental nas ciências naturais e sociais, na tentativa de se construir um
conhecimento integrativo das multicausalidades e relações de interdependência
entre os processos de ordem natural e social, construindo uma racionalidade
produtiva calcada no desenvolvimento sustentável e levando em conta a
complexidade e os métodos de investigação dos sistemas complexos. Trata-se de
uma racionalidade social aberta tanto para a diversidade quanto para a
complexidade e que consiste em um processo político e social de produção teórica e
de transformação social. A proposta aborda as relações entre as instituições, as
81
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 227/174.
82
O autor traz mais algumas contraposições entre a racionalidade econômica e a racionalidade
ambiental: “a primeira tenta medir (e dessa maneira controlar) os valores da diversidade cultural e
biológica, os processos de longo prazo, as diferenças sociais e a distribuição ecológica através da
contabilidade econômica. A segunda incorpora os valores culturais diversos atribuídos à natureza e a
incompatibilidade dos processos ecológicos dos quais dependem a resiliência, os equilíbrios e a
produtividade dos ecossistemas complexos e da biodiversidade, assim como dos processos culturais
e tecnológicos dos quais depende a sustentabilidade do processo econômico. A primeira busca
regular os princípios ecológicos, incorporando as condições ecológicas e culturais à ordem
econômica estabelecida. A segunda se enraíza na racionalidade das sociedades locais e suas
economias de autosubsistência, fundadas mais nos valores tradicionais de culturas diversas e em
suas identidades próprias, que dão sentido a produção com a natureza. Nessa perspectiva, a
sustentabilidade se constrói como um processo marcado por uma dispersão de interesses sociais que
plasmam o campo da ecologia política dentro de projetos culturais diversos.” Ibidem, p. 264-265.
45
organizações, as práticas e os movimentos sociais, avançando a seara de conflitos
do ambiental e atingindo as formas de percepção, o acesso e o uso dos recursos
naturais, bem como a questão da qualidade de vida.
Criar uma racionalidade ambiental e um desenvolvimento alternativo implica
agregar valores ecológicos ao nosso cotidiano, ao mercado, ao ordenamento jurídico
e às políticas públicas:
A incorporação dos valores do ambiente na ética individual, nos direitos
humanos e nas normas jurídicas que orientam e sancionam o
comportamento dos atores econômicos e sociais; a socialização do acesso
e a apropriação da natureza; a democratização dos processos produtivos e
do poder político; as reformas do Estado que lhe permitam mediar a
resolução de conflitos de interesse em torno da propriedade e
aproveitamento dos recursos e que favoreçam a gestão participativa e
descentralizada dos recursos naturais; as transformações institucionais que
permitam uma administração transversal do desenvolvimento; a integração
interdisciplinar do conhecimento e da formação profissional e a abertura de
83
um diálogo entre ciências e saberes não científicos.
A racionalidade ambiental se constrói a partir da articulação dos quatro níveis
de racionalidade distintos por Max Weber, de acordo com Leff, sendo o primeiro a
racionalidade material ou substantiva que estabelece o sistema de valores os quais
regulamentam comportamentos sociais e ações para a racionalidade social
fundamentada em “princípios teóricos (saber ambiental), materiais (racionalidade
ecológica) e éticos (racionalidade axiológica) da sustentabilidade”; a segunda
racionalidade é a teórica e constrói conceitos articuladores dos valores da
racionalidade substantiva com os processos materiais sustentadores dela: a
“racionalidade teórica ambiental dá suporte à construção de outra racionalidade
produtiva, fundada no potencial ecológico e nas significações culturais de cada
região e de diferentes comunidades”; a terceira racionalidade é a técnica ou
instrumental que produz vínculos de função e operação entre os objetivos sociais e
as bases materiais do desenvolvimento sustentável por meio de ações coerentes
com os princípios da racionalidade material, criando meios eficazes; e uma quarta
racionalidade chamada cultural, compreendida como um sistema de significações
que “conforma as identidades diferenciadas de formações culturais diversas, que dá
coerência e integridade a suas práticas simbólicas, sociais e produtivas”, o que
implica dizer que tal racionalidade não se sustenta apenas em princípios de ética
83
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 241.
46
conservacionista, mas em valores de princípios produtivos coerentes com “uma nova
teoria da produção” que exige mecanismos eficazes para alimentar e orientar os
“avanços e aplicações da ciência e da tecnologia”.84
A racionalidade ambiental substantiva agrega valores à ordem social, tais
como:
1)
O direito de todos os seres humanos ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades, a um ambiente são e produtivo e ao desfrute da vida em
harmonia com o seu meio ambiente.
2)
Os direitos dos povos à autogestão de seus recursos ambientais para
satisfazer suas necessidades e orientar suas aspirações a partir de
diferentes valores culturais, contextos ecológicos e condições econômicas.
3)
A preservação da base de recursos naturais e dos equilíbrios
ecológicos do planeta como condição para um desenvolvimento sustentável
e sustentado, que satisfaça as necessidades atuais das populações e
preserve seu potencial para as gerações futuras.
4)
A avaliação do património de recursos naturais e culturais da
humanidade, incluindo o valor da diversidade biológica, a heterogeneidade
cultural e a pluralidade política.
5)
A abertura da globalização econômica para uma diversidade de
estilos de desenvolvimento sustentável, fundados nas condições ecológicas
e culturais da cada região e de cada localidade.
6)
A eliminação da pobreza e da miséria extrema, a satisfação das
necessidades básicas e a melhora da qualidade de vida da população,
incluindo a qualidade do ambiente, os recursos naturais e as práticas
produtivas.
7)
A prevenção de catástrofes ecológicas, da destruição dos recursos
naturais e da contaminação ambiental.
8)
A elaboração de um pensamento complexo que permita articular os
diferentes processos que constituem a complexidade ambiental,
compreender as sinergias dos processos socioambientais e sustentar um
manejo integrado da natureza.
9)
A distribuição da riqueza e do poder através da descentralização
económica e da gestão participativa e democrática dos recursos naturais.
10)
O fortalecimento da capacidade de autogestão das comunidades e a
autodeterminação tecnológica dos povos, com a produção de tecnologias
85
ecologicamente adequadas e culturalmente apropriáveis.
Com a racionalidade ambiental técnica se estabelece “meios” tais como as
ecotécnicas e as chamadas “tecnologias limpas”, políticas ambientais com seus
instrumentos legais e arranjos institucionais, bem como movimentos ambientalistas,
conforme traz o autor. Já a racionalidade ambiental cultural vincula o princípio da
diversidade cultural e a sua concretização em organizações culturais específicas,
conduzindo a um “diálogo de saberes”, entre os saberes enraizados nas identidades
culturais e os saberes que levam em conta a ética, a técnica e o direito e “fortalecem
84
WEBER, 1983, apud LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza.
Tradução de Luis Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 254-255/264.
85
Ibidem, p. 256-257.
47
as identidades e capacidades locais”. Implica em uma “desconstrução da cultura
dominante e hegemônica” para que se incorpore valores decorrentes de uma
“cultura ecológica e ambiental”, também aberta ao encontro de valores de outras
culturas e a uma “política de interculturalidade”, que para o autor não se apresenta
isenta de contradições e antagonismos.86
O diálogo de saberes é um campo de debate formulado a partir do
reconhecimento dos saberes (autóctones, tradicionais, locais) que “aportam” suas
experiências e que são agregadas ao conhecimento científico e especializado,
todavia o dissenso e a ruptura aparecem como “uma via homogênea para a
sustentabilidade”, pois é a abertura para a diversidade que romperá com a
hegemonia de uma lógica única, cujas visões alternativas e racionalidades diversas
seriam canalizadas para uma racionalidade comunicativa, convergente a um “futuro
comum”. O saber ambiental não vem completar a falta de conhecimento das
ciências nem possui o propósito de retotalizar e reunificar o conhecimento, pois o
ambiente, segundo Leff, é a irremediável falta de conhecimento das ciências:
É a exterioridade do saber ambiental que questiona o encerramento do
conhecimento objetivador, que, ao forçar a unificação do saber, gera o
fracionamento das ciências e o deslocamento do saber. O saber ambiental
é o ator dissidente do projeto epistemológico totalitário das ciências.
A sustentabilidade aparece no horizonte dessa desconstrução da história,
mas não poderá formular-se como um objetivo a ser alcançado por via da
racionalidade cognosciva e instrumental. A sustentabilidade não é
solucionável a partir do conhecimento (da gestão científica, da
interdisciplinaridade ou da prospecção tecnológica). A construção de um
futuro sustentável é um campo aberto ao possível, gerado no encontro de
outridades em um diálogo de saberes, capaz de acolher visões e negociar
87
interesses contrapostos na apropriação da natureza.
Esse diálogo de saberes ocorre em uma racionalidade ambiental que acaba
por conduzir à “desconstrução da globalização totalitária do mercado” para dar lugar
a construção de sociedades sustentáveis a partir das suas diferentes formas de
“significação da natureza”. No entanto, a sustentabilidade não é a ecologização do
planeta e encontra-se muito além dos consensos unificadores dos “mundos de vida”
conduzidos por uma racionalidade comunicativa para o futuro comum, visto que o
diálogo dos saberes desativa a violência exercida pela “homogeneização forçada do
86
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 260.
87
Ibidem, p. 375.
48
mundo diverso, pela submissão de vontades e visões diferenciadas a um discurso
universal sobre a natureza e o ‘desenvolvimento sustentável’” (grifado no original) e
pela sujeição a um sistema lógico, ecológico e econômico que retira substância do
ser na tentativa de submetê-lo ao poder de uma lógica maior de economização da
natureza, do homem e da cultura.88
Os princípios da racionalidade ambiental em verdade definem um conceito de
produtividade sustentável, construindo espaços de produção sustentável calcados
na capacidade ecológica de sustentação da base dos recursos naturais de cada
região e localidade e nas racionalidades culturais dos seus habitantes. Segundo o
autor, os conceitos de “produtividade ecotecnológica e racionalidade ambiental”
possibilitam
construir
um
processo
produtivo
que
integra
três
níveis
de
produtividade, quais sejam, ecológica, tecnológica e cultural, pois “todo sistema de
recursos naturais é definido culturalmente” e é através da cultura que são definidas
“as práticas de uso do solo e os padrões de aproveitamento dos recursos naturais”:
A preservação das identidades éticas e dos valores tradicionais das
culturas, o arraigamento a suas terras e seus territórios étnicos constituem
suportes para a conservação de biodiversidade – do equilíbrio, da resiliência
e da complexidade dos ecossistemas -, estabelecendo-se como condição
de sustentabilidade da sua produtividade. A solidariedade, a coesão interna
e a autonomia das comunidades indígenas e camponesas são fonte de
motivação das populações rurais e base de sua atividade criativa, inovadora
e produtiva, de sua capacidade de mudança e adaptação, de seu potencial
para incorporar elementos da ciência e da tecnologia modernas às suas
práticas tradicionais, que contribuem para incrementar e estabilizar a
89
produtividade ecotecnológica de um território.
Uma organização ecossistêmica e cultural dos recursos permite novos
potenciais orientadores de inovadoras formas organizacionais tanto do social quanto
da produtividade e transcende novas “forças produtivas” pela redistribuição da
população dentro do espaço geográfico, da “reorganização e relocalização das
atividades produtivas e da atividade autogestionária da sociedade”. Tal processo
resulta na modificação da qualidade e da quantidade dos bens, a distribuição social
da riqueza pela descentralização das atividades econômicas, a conservação e
“incremento da produtividade sustentável dos ecossistemas e das formas de
apropriação e manejo do patrimônio cultural dos povos”. Com isso abre-se a
88
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 377-379.
89
Ibidem, p. 428-430.
49
possibilidade de um novo paradigma de produção fundado nos princípios da
“produtividade ecotecnológica ressignificada e normatizada pelos valores e as
formas de organização cultural” e sustentado na manutenção de determinadas
estruturas funcionais básicas dos ecossistemas, das quais são dependentes a sua
fertilidade e a sua estabilidade, ou seja, o seu potencial produtivo a longo prazo e a
capacidade de regeneração dos seus recursos. No entanto, o autor admite, de certo
modo, ser a construção de uma racionalidade ambiental a realização de uma utopia,
até porque, o saber ambiental não se justifica pela certeza dos seus postulados e
por sua correspondência com a realidade, sendo o seu sentido mais forte o que
estabelece justamente com a utopia, como pensamento que permite e gera a
construção de outros mundos possíveis e novas realidades sociais, “abrindo o cerco
do conhecimento consabido” (grifado no original) e “emerge debatendo-se e
avançando através da racionalidade capitalista que se plasma na esfera econômica,
tecnológica, política e cultural do regime civilizatório hegemônico e dominante”90:
é um processo transformador de formações ideológicas, práticas
institucionais, funções governamentais, normas jurídicas, valores culturais,
padrões tecnológicos e comportamentos sociais inseridos em um campo de
forças no qual se manifestam os interesses de classes, grupos e indivíduos,
que dificultam ou mobilizam as mudanças históricas para construir essa
nova racionalidade social.
Nesse atual contexto global de sociedade de risco um novo pensamento e
novos valores ecológicos vislumbrando a vida como uma “teia” diante da concepção
sistêmica e com o fulcro de atingir o desenvolvimento e a sustentabilidade, com toda
certeza também passa pela cultura ecológica e por uma racionalidade ambiental.
Presente a “teia da vida”, o próximo capítulo abordará os imbricamentos que
permeiam e inter-relacionam os temas da globalização, livre iniciativa privada,
progresso
econômico
e
o
desenvolvimento
sustentável,
bem
como
desenvolvimento em sentido ampliado.
90
LEEF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 262/382/432.
o
50
2 A ORDEM ECONÔMICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 – O PRIMADO DO DIREITO
INTERNACIONAL
2. 1 Globalização e desenvolvimento
O que chamamos na atualidade de globalização, segundo Morin, resultou de
um processo iniciado com a conquista das Américas e a expansão de domínio do
ocidente europeu sobre o planeta. A primeira modernização no início do século XVI
foi a “globalização dos micróbios”, quando os micróbios originários da Europa, tais
como a tuberculose dentre outras doenças, chegaram às Américas no decorrer dos
anos, e os micróbios americanos, como a sífilis, foram parar na Europa sendo essa
a “primeira unificação mundial danosa para todos”. Caracteriza-se em um processo
de “múltiplos eixos”, no entender do autor, porém com dois eixos principais e
antagônicos: o primeiro refere-se à escravização dos povos conquistados,
colonizados e dos negros “comercializados”, sendo a dominação da Europa
ocidental no século XIX, sobretudo, uma dominação da Inglaterra na Índia, na Ásia,
no Canadá, em vários pontos do planeta, e tal dominação se alterou no século XX,
século de globalização e de duas grandes guerras mundiais:
Depois da última guerra mundial começa o processo de descolonização ou
a emancipação relativa dos povos dominados. E, ao final dos últimos dez
anos, com a derrubada do Muro de Berlim e o fracasso do império soviético,
tem-se a hegemonia, sobretudo a partir do centro norte-americano, do
mercado mundial, com a dominação tecnológica e econômica do
91
Ocidente.
Negando o primeiro eixo, a segunda globalização é um processo minoritário,
uma “autocrítica minoritária” e que se inicia no “coração das nações dominadoras”:
Este momento de autocrítica, de relativização de si mesmo culmina no
século XX com as concepções do antropólogo francês Lévi-Strauss. Ele
disse que as culturas pequenas, mais antigas, chamadas primitivas, têm
virtudes e qualidade humanas. […]
Considera-se também que os analfabetos não são pessoas sem cultura,
mas que têm a cultura oral, tradicional, velha, muito antiga, como também
sábia. Cada cultura tem verdades, conhecimentos, sabedoria, como
92
também ilusões, equívocos.
91
MORIN, Edgar. As duas globalizações: complexidade e comunicação: uma pedagogia do presente.
Coleção comunicação 13. 2. ed. Sulina: Porto Alegre, 2002. p. 39/40.
92
Ibidem, p. 40-41.
51
O movimento de segunda globalização, que respeita e volta seus olhos para
“os outros”, preserva idéias dos direitos humanos da revolução francesa, idéias de
humanismo, idéias “antiescravagistas”, com a reação dos internacionalismos do
século passado e início deste. O que há de inovador, segundo Morin, nesses
fenômenos do final do século XX até os dias de hoje, são as manifestações da
cidadania planetária como a Anistia Internacional nos países ocidentais, a Survival
International, o Greenpeace, havendo fenômenos de mestiçagem, mas que não são
fenômenos de homogeneização. Assim, existem duas globalizações “ligadas e
antagônicas” e fenômenos “quase ambivalentes”, em razão do processo de
desenvolvimento das comunicações. São ambivalentes porque o desenvolvimento
das comunicações nos últimos anos tem mostrado-se um “fenômeno notável”, com
múltiplos efeitos positivos que permitem “comunicar, entender e intercambiar
informações”, todavia, alerta Morin que não se deve confundir comunicação com
compreensão, até porque atualmente a globalização é uma época histórica onde se
possui acesso a muitas comunicações. Existe pouca compreensão do que se está
comunicando ou mesmo do que se quer comunicar, o que reflete um problema
basilar no mundo da comunicação: “não basta multiplicar as formas de
comunicação, também é preciso a compreensão”.93
Também reconhece Capra que, no decorrer da última década do século XX,
iniciou um mundo estruturado por novas tecnologias e estruturas sociais, nova
economia, nova cultura e com a expansão mundial das grandes empresas; e ao
contrário do que se pregava, não trouxe boas novas às minorias e teve reflexo
negativo direto e em grande escala no meio ambiente:
Com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em meados da
década de 1990, a globalização econômica, caracterizada pelo "livre
comércio", foi exaltada pelos grandes empresários e políticos como uma
nova ordem que viria beneficiar todas as nações, gerando uma expansão
econômica mundial cujos frutos acabariam chegando a todas as pessoas,
até às mais pobres. Entretanto, um número cada vez maior de
ambientalistas e ativistas de movimentos sociais logo percebeu que as
novas regras econômicas estabelecidas pela OMC eram manifestamente
insustentáveis e estavam gerando um sem-número de conseqüências
tétricas, todas elas ligadas entre si - desintegração social, o fim da
democracia, uma deterioração mais rápida e extensa do meio ambiente, o
93
MORIN, Edgar. As duas globalizações: complexidade e comunicação: uma pedagogia do presente.
Coleção comunicação 13. 2. ed. Sulina: Porto Alegre, 2002. p.42- 43.
52
surgimento e a disseminação de novas doenças e uma pobreza e alienação
94
cada vez maiores.
Nas palavras de Castells, a globalização é um processo onde as atividades
decisivas em determinado âmbito de ação, tais como a economia, os meios de
comunicação, a tecnologia, a gestão do ambiente e o crime organizado funcionam
como unidade em tempo real em todo o planeta, e a base do processo de
globalização econômica é a “informacionalização da sociedade”, que ocorreu a partir
da revolução tecnológica que se constituiu como o novo paradigma na década de 70
do século XX. A “exitosa perestroyka do capitalismo”, associada a “fracassada
reestruturação do estatismo”, resultou na última década na construção de um
sistema econômico mundialmente articulado, operante com regras cada vez mais
homogêneas entre as empresas e os territórios. Iniciava uma era de “magnífica
inovação tecnológica” e da expansão mundial das grandes empresas, também
chamada por Castells de "sociedade de redes", que acabou consolidando com o fim
do comunismo soviético em 1980. É o mundo organizado em regras econômicas
comuns, mas, em tempo, também ressalta o autor que nem tudo é global. Na prática
a maioria do emprego, da atividade econômica, da experiência humana e da
comunicação simbólica é apenas local e regional e as instituições estatais continuam
sendo as instituições políticas dominantes e serão no futuro, entretanto, os
processos de estrutura da economia, da tecnologia e da comunicação estão cada
vez mais globalizados.95
Nesse contexto globalizado, diz o autor que ainda que o Estado continue como
um importante agente na indução e promoção do desenvolvimento, a sua principal
atuação é “receber e processar os sinais do sistema global interconectado”
adaptando-os às possibilidades locais do Estado, relegando os riscos, investimentos
e criação de riqueza ou pobreza às empresas privadas, de acordo com a capacidade
e competência delas. Pois justamente, na maior parte do mundo, a novidade é o fato
dos mercados serem suficientemente capazes de garantir o funcionamento e o
crescimento da economia, o Estado acabou por tornar-se, assim, “redundante ou
94
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo
Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 141.
95
CASTELLS, Manuel. Para o Estado-rede: globalização econômica e instituições políticas na era da
informação. Tradução de Noêmia Espíndola. In: PEREIRA, L. C. B.; WILHEIM, J.; SOLA, L. (Org.).
Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: UNESP, 1999. p. 149.
53
ineficiente” nesse setor, tanto que o autor ressalta que a privatização é a
constatação de que subsidiar produtos, dirigentes de empresas ou grupos de
trabalhadores é “fonte de privilégio social” e não “mecanismo de criação de
riqueza”.96 O “Estado-rede” se caracteriza então por compartilhar sua autoridade,
sua capacidade institucional de impor decisões através de várias instituições. O
funcionamento em rede, assegurando descentralização e coordenação na mesma
organização complexa, é privilégio da era da informação e o grau de eficiência das
administrações estatais de diferentes hierarquias dependerá, em boa medida, de
sua capacidade para processar informação e assegurar o processo de decisão
compartilhada. O Estado-rede de Castells é o Estado da era da informação, e
deveria se prestar ao que prega o autor, “a política” que possibilitaria a gestão
cotidiana das tensões entre o local e o global.
É uma nova fase pela qual está passando o sistema capitalista mundial97 e,
segundo Capra, sua ascensão ocorreu através de um processo característico de
todas as organizações humanas, “o jogo de ações e reações entre as estruturas
projetadas e as estruturas emergentes”. Para o autor, o desenvolvimento da rede de
informática, dos computadores e a Internet, associados a grandes turbulências
sociais tais como o movimento pelos direitos civis no sul dos Estados Unidos, o
movimento pela liberdade de expressão no campus de Berkeley, a Primavera de
Praga e a revolta dos estudantes de Paris em maio de 1968, fez surgir uma
"contracultura" baseada no questionamento das autoridades, na liberdade e no
poder do indivíduo, bem como na expansão da consciência espiritual e social. Na
década de 1970, o modelo de economia capitalista chamado de Keynesiano, que
era baseado em um contrato social entre o capital e o trabalho e controle de ciclos
econômicos pelo Estado, começou a ruir, já que tal modelo não levava em
consideração os tratados econômicos internacionais, pois concentrava-se apenas na
economia interna, sendo que a rede global de comércio não parava de ascender e
era evidente o poder das empresas multinacionais. Tais questões estavam sendo
ignoradas pelos Keynesianos, assim como os custos sociais e ambientais das
96
CASTELLS, Manuel. Para o Estado-rede: globalização econômica e instituições políticas na era da
informação. Tradução de Noêmia Espíndola. In: PEREIRA, L. C. B.; WILHEIM, J.; SOLA, L. (Org.).
Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: UNESP, 1999. p. 153/156.
97
VARGAS, Paulo Rogério. O insustentável discurso da sustentabilidade. In: BECKER, Dinizar
Fermino (Org.). Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade? 4. ed. Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2002. p. 213.
54
atividades econômicas, situação que acabou por piorar com a crise do petróleo, a
inflação e o desemprego. Em reação a tal crise houve uma reestruturação do
capitalismo pelas empresas e governos do ocidente que foi marcado pela
“desregulamentação e liberalização do mercado financeiro” o que refletiu de forma
positiva em alguns lugares do mundo, todavia muito negativa em outros. Essa
reestruturação impôs uma economia comum aos “países da nova economia global”
através dos bancos centrais e do Fundo Monetário Internacional. Medidas que
claramente resultaram das novas tecnologias da informática e da comunicação
surgidas na época.98
Assim, as molas propulsoras da globalização foram a tecnologia da informática
e a expansão das redes de comunicação, essa segunda conseqüência óbvia da
primeira, condições que permitiram que o local se tornasse global em questão de
segundos, deixando que o capital “girasse ao vivo”, já que se tornou virtual,
movimentando-se em tempo real nas redes financeiras internacionais.
Refere Capra que a globalização econômica foi forjada pelo grupo econômico
do G7 (grupo que reúne os países mais industrializados e desenvolvidos
economicamente do mundo), tendo como objetivo: a nova economia e o aumento do
valor das ações, uma vez que esse podia variar independente de haver lucro real ou
não pela empresa, em função de uma "expectativa de mercado". No entanto, o valor
de mercado de empresas sólidas e produtivas diminuiu bruscamente causando a
ruína das mesmas e o desemprego:
O processo de globalização econômica foi elaborado intencionalmente
pelos grandes países capitalistas (o chamado "G-7"), as principais
empresas multinacionais e as instituições financeiras globais - entre as
quais destacam-se o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e a Organização Mundial do Comércio (OMC) - criadas expressamente para
esse fim.
Entretanto, o processo não tem sido um mar de rosas. Quando as redes
financeiras globais alcançaram um certo grau de complexidade, suas
interconexões não-lineares geraram anéis de realimentação rápida e deram
origem a muitos fenômenos emergentes inesperados. A economia que
resultou disso é tão complexa e turbulenta que não pode ser analisada
99
pelas teorias econômicas convencionais. (grifado no original)
98
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo
Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 144-148.
99
Ibidem, p. 150.
55
Para Bauman a globalização é o destino irremediável do mundo: causa de
felicidade para alguns e de infelicidade para outros. A globalização tanto divide
quanto une: inclui ao mesmo tempo em que exclui. Quando alguns se tornam
globais e outros “locais”, em um mundo em que os globais ditam as regras do jogo e
os “locais” são subjugados. Ser local é sinônimo de degradação social, exclusão e
privações, o que marca o caráter dual da sociedade contemporânea:
Em suma, liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana e a
perpetuação da comunidade. Surge uma nova assimetria entre a natureza
extraterritorial do poder e a contínua territorialidade da “vida como um todo”
– assimetria que o poder agora desarraigado, capaz de se mudar de
repente ou sem aviso, é livre para explorar e abandonar às conseqüências
100
dessa exploração. (grifado no original)
Denuncia, com ênfase, que cada vez mais se tornam distantes as elites
globalizadas extraterritoriais e o restante da população mais localizada. As
empresas pertencem aos acionistas, e a eles é dado o direito de colocá-las onde
melhor lhes convier. Aos demais – presos na localidade – cabe a função de
reorganizarem suas vidas através da perda de mais uma possibilidade de trabalho.
Esta possibilidade de mobilização dá poder e é cobiçada. As pessoas que investem,
as que têm capital, dinheiro, parecem perder a obrigação com a vida cotidiana e com
a comunidade.101
O Informe Lugano, que teve como objetivo identificar as “mazelas” as quais
cercam o sistema capitalista, examinar o rombo da economia mundial e recomendar
estratégias, medidas concretas e orientações visando aumentar ao máximo a
probabilidade de que prevaleça o sistema capitalista no livre mercado, reconhece
haver sérias dúvidas de que nas próximas décadas um sistema político-econômico
alternativo poderá competir razoavelmente com a economia de mercado global,
entretanto, parte da premissa de que um sistema liberal capitalista baseado no
mercado e globalizado não deve limitar-se a seguir sendo a regra se não “triunfar”
no século XXI, pois considera que um sistema econômico baseado na liberdade
individual é que garantirá outras liberdades e valores. A natureza seria o maior
obstáculo para o futuro do sistema livre de mercado, não podendo ser tratada como
100
BAUMAN, Zigmund. Globalização: as conseqüência humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 16.
101
Ibidem, p. 16-17.
56
adversário, no entanto, os economistas teóricos da era global estão cegos do perigo
ecológico, comportando-se assim: quanto menos se sabe, melhor.102
Capra aplica a teoria sistêmica na análise do fenômeno “globalização” que
consistiria em uma “meta-rede global de interações tecnológicas e humanas
complexas, envolvendo múltiplos anéis e elos de realimentação que são operantes
longe do equilíbrio e produtores de uma variedade infinita de fenômenos
emergentes”, no entanto, não manifesta a “meta-rede” a estabilidade que apresenta
“a vida”. “Os circuitos de informação da economia global funcionam numa tal rapidez
e recorrem a uma tal multiplicidade de fontes que estão constantemente a reagir a
um dilúvio de informações” que resulta da perda de controle do sistema. Só que,
neste caso, não há a seleção natural, resultando na fragmentação e individualização
do trabalho, no “sucateamento das instituições e leis de bem-estar social”, refletido
numa “exclusão social”, e desgaste ilimitado da biosfera e da vida humana, e a
infinita expansão do planeta finito irá resultar em uma catástrofe. Todo o sistema
vivo necessita de estabilidade, de equilíbrio, e essa nova economia acaba causando
impactos ambientais não apenas por suas operações, mas também pela eliminação
das leis de proteção ambiental em prol de um “livre comércio”, o que denota a
insustentabilidade social e ambiental do sistema nas bases que se encontra,
necessitando uma urgente reestruturação.103
Não restam dúvidas de que a globalização só fez aumentar a exclusão social
e a degradação ambiental, aumentando sensivelmente a quantidade de resíduos
gerados pelo processo constante, acelerado e de mais baixo custo possível da
produção das grandes indústrias, as quais, na maioria das vezes, violam todas as
regras ambientais. E, ainda, atuam sem qualquer programa de gestão e pelo
consumismo desenfreado da imensidão de produtos com tecnologias sempre
inovadoras que constantemente chegam ao mercado e também constantemente se
tornam obsoletos, contudo mesmo que a produção pareça não ter limites em razão
da constante inovação dos produtos e tecnologias, há um limite e esse limite
encontra-se na biosfera.
102
GEORGE, Susan. Informe Lugano. Traducción de Berna Wang. 3. ed. Barcelona: Icaria, 2001. p.
21-23.
103
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo
Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 151-167.
57
Ao contrário da racionalidade ambiental trazida por Leff, discorre esse que a
estratégia discursiva da globalização justamente se converte em um “tumor
semiótico e gera a metástase do pensamento crítico”, dissolvendo a natural
contradição, a alteridade, a diferença e a alternativa, para oferecer em seus
“excrementos retóricos uma revisão do mundo como expressão do capital”, sendo o
meio ambiente reapropriado pela economia que fragmenta e recodifica a natureza
como meros elementos do sistema, do capital globalizado e da ecologia
generalizada, legitimando, através do discurso do desenvolvimento sustentável, a
apropriação dos recursos naturais e ambientais que não são internalizados pelo
sistema econômico:
Através dessa operação simbólica, a biodiversidade é definida como
patrimônio comum da humanidade, as comunidades do Terceiro Mundo
como um capital humano e seus saberes como recursos patenteáveis por
um regime de direitos de propriedade intelectual. O discurso da globalização
aparece assim como um olhar guloso mais do que como uma visão
holística; em lugar de aglutinar e dar integridade à natureza e à cultura,
fragmenta-as como partes constitutivas do desenvolvimento sustentado
para globalizar racionalmente o planeta e o mundo sob o princípio unitário
do mercado. Essa operação simbólica submete todas as ordens do ser aos
ditames de uma razão global e universal. Dessa forma, prepara as
condições ideológicas para a capitalização da natureza e a redução do
104
ambiente à razão econômica.
E segue o autor:
Nesse sentido, o processo de globalização – os crescentes intercâmbios
comerciais, as telecomunicações eletrônicas com a interconexão imediata
de pessoas e fluxos financeiros que parecem eliminar a dimensão espacial
e temporal da vida, a planetarização do aquecimento da atmosfera e,
inclusive, a aceleração das migrações e das mestiçagens culturais – foi
mobilizado e sobredeterminado pelo domínio da racionalidade econômica
sobre os demais processos de globalização. A hipereconomização do
mundo induz a homogeneização dos padrões de produção e consumo, e
atenta contra um projeto de sustentabilidade global fundado na diversidade
ecológica e cultural do planeta. […]
Os impactos ecológicos gerados pela globalização econômica estão, por
sua vez, afetando formas ancestrais de convivência e de manejo
sustentável da natureza. Dessa maneira, os desastres “naturais” se
converteram nos últimos anos em um “motivo de força maior” que tem
obrigado as comunidades indígenas e camponesas a abandonar suas
105
práticas milenares […]. (grifado no original)
104
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 143
105
Ibidem, p. 146/154.
58
Assim é que a globalização econômica para o autor é insustentável, pois
desvaloriza a natureza e “desterritorializa e desenraiza a cultura de seu lugar”
(grifado no original), e
ao mesmo tempo que apregoa reconhecimento às diferenças étnicas,
apresenta uma estratégia para convertê-las ao credo das leis supremas do
mercado e para recodificá-las em termos de valores econômicos. Mesmo
tendo incorporado o princípio de eqüidade ao imperativo da
sustentabilidade, as políticas de desenvolvimento sustentado incrementam
as desigualdades sociais ao induzir uma estratégia de assimilação e
extermínio do ambiente e da diversidade cultural como o absolutamente
106
outro da racionalidade econômica.
Visível é a crítica de Leff ao chamado discurso do desenvolvimento sustentável
e à globalização, que entende serem insustentáveis. Como lembra Veiga, o conceito
de desenvolvimento freqüentemente é tratado como sinônimo de crescimento
econômico e quantificado pelo chamado Produto Interno Bruto per capita, contudo,
outro enfoque não tão “economicista” e liberal é possível107. Não há que se confundir
desenvolvimento com progresso. Esse apenas implica em uma renda real maior per
capita, e o que se deve buscar e esperar das instituições econômicas em se
tratando de promoção de bem-estar social é mais que um simples desenvolvimento
quantitativo aferível através do Produto Nacional Bruto ou mesmo das rendas
individualmente consideradas108.Embora seja importante meio de expansão das
liberdades gozáveis pela sociedade, “as liberdades” dependem também de outros
fatores determinantes, tais como as disposições sociais e os direitos civis. Da obra
Desenvolvimento como liberdade depreende-se que o grande promotor do
desenvolvimento é a liberdade e, para combater os problemas enfrentados a
liberdade individual deve ser considerada como um comprometimento social, sendo
sua expansão tida como o principal fim e o principal meio de desenvolvimento que
consiste, precisamente, na eliminação de privações da liberdade, que são limites às
escolhas e oportunidades das pessoas em exercerem de forma ponderada sua
“condição de agente”. Requer assim, o desenvolvimento, uma renovação das
principais fontes de privação da liberdade, quais sejam: pobreza, tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, somada a negligência
106
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 161.
107
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro:
Garamond, 2005. p. 17.
108
CLARK, John Maurice. Instituições econômicas e bem-estar social. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 250.
59
dos serviços públicos e a intolerância ou interferência dos Estados repressores. A
liberdade é primordial para o desenvolvimento por duas razões de acordo com a
referida obra, uma avaliatória, pois a avaliação do progresso deve ser feita através
da avaliação do aumento das liberdades individuais e outra de eficácia, já que a
realização do pleno desenvolvimento depende da livre condição de agente dos
indivíduos.109
Neste mesmo sentido, leciona Varella que a variação conceitual da expressão
“desenvolvimento” passa a depender, no direito internacional, da lógica trabalhada,
seja ela liberal ou política e social. Numa lógica liberal, é ligado ao volume de trocas
e ao crescimento do Produto Nacional Bruto e, em uma lógica política e social, é
medido pela expansão das liberdades, tais como o acesso à saúde e educação,
proteção do meio ambiente e democracia, e é essa visão que torna apropriável o
discurso do desenvolvimento pelos defensores dos direitos humanos:
Os acordos internacionais sobre os direitos humanos são marcados pela
necessidade de promover o desenvolvimento como uma solução à pobreza
e como garantidor da igualdade e da liberdade. O meio ambiente em si é
considerado nestes tratados como um direito humano, sobretudo nas
culturas mais antropocêntricas. Assim, ocorre uma união dos conceitos dos
direitos humanos (finalidade) com os conceitos do direito ambiental
(condicionalidades), e do desenvolvimento econômico (crescimento
econômico), que dão origem ao conceito de desenvolvimento. Quanto mais
existem liberdades para os indivíduos, mais há desenvolvimento, e
podemos afirmar que esta é a real base do direito internacional de hoje,
Econômico e Ambiental. [...]
É por todas essas razões que o desenvolvimento consiste em uma
extensão real das liberdades e que a democracia é o elemento chave do
110
desenvolvimento.
Ainda conforme Varella é observável que a proteção do meio ambiente tornouse elemento fundamental do processo de desenvolvimento sustentável, tanto que se
considera que toda forma de crescimento não-sustentável contribui para a redução
das liberdades, portanto, nenhuma forma de crescimento não-sustentável é em
verdade um desenvolvimento. Os elementos mais importantes não são levados em
conta pelos atuais índices, e são eles, dentre outros, as condições de vida material,
coesão social, cultura e meio ambiente, o que explicaria o porquê de os principais
109
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão
técnica de Ricardo Doninelli Mendes. 5. impressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17.
110
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
40.
60
programas de desenvolvimento não conseguirem promover a qualidade de vida de
inúmeras populações.
Furtado refere que o atual crescimento econômico se funda apenas na
preservação de privilégios a elites na satisfação de seu “afã de modernização”, e
segue:
já o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente.
Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente para
preparar um modelo futuro para a massa da população. Mas quando o
projeto social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa
111
população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento.
(grifado no original)
Em Sachs, o desenvolvimento seria o processo histórico de apropriação
universal dos povos da totalidade dos direitos humanos, tanto individuais quanto
coletivos, “negativos (liberdade contra)” e “positivos (liberdade a favor)”, “significando
três gerações de direitos: políticos, cívicos e civis; sociais, econômicos e culturais; e
os coletivos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à cidade”. Traz alguns critérios
que envolvem a sustentabilidade: a) social, referindo-se a uma razoável
hegemoneidade social, distribuição justa de renda, emprego pleno ou autonomia
com qualidade de vida e igualdade de acesso a recursos e serviços sociais; b)
cultural, representando equilíbrio entre respeito pela tradição e inovação,
“capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e
endógeno” e a combinação entre autoconfiança e abertura mundial; c) ecológico,
implicando a “preservação do potencial do capital natureza na sua produção de
recursos renováveis” e limitação do uso de recursos não-renováveis; d) ambiental,
significando “respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos ecossistemas
naturais; e) territorial, refletido nas “configurações urbanas e rurais balanceadas”, na
“melhoria do ambiente urbano”, “superação das disparidades inter-regionais” e na
“estratégia de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente
frágeis”; f) econômico: “desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado”,
“segurança alimentar”, capacidade contínua de modernização dos instrumentos de
produção e razoável autonomia na pesquisa científica e tecnológica, inclusão
soberana na economia internacional; g) política nacional, representada pela
111
FURTADO, Celso. Os desafios da nova geração. In: Revista de Economia Política. Vol. 24, n. 4
(96) outubro-dezembro 2004. ISSN 0101-3157. p. 484. Disponível em: <http://www.enap.gov.br>. p. 484.
Acesso em: 12 mar. 2009.
61
“democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos”, no
desenvolvimento da capacidade estatal em implementar projeto nacional aliado a
empreendedores e em uma razoável coesão social; h) política internacional,
“eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU (Organização das Nações
Unidas)”, “pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, baseado no princípio de
igualdade”, “controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de
negócios”, “controle institucional efetivo da aplicação do Princípio da Precaução na
gestão do meio ambiente e dos recursos naturais”, prevenção das mudanças globais
negativas e proteção da diversidade biológica, bem como a gestão do patrimônio
global como uma herança de todos, e o “sistema efetivo de cooperação científica e
tecnológica internacional e eliminação parcial do caráter de commodity da ciência e
tecnologia” como herança de todos.112
Para Capra, é a sustentabilidade ecológica elemento essencial dos valores
embasadores de uma mudança da globalização:
Por isso, várias ONGs, institutos de pesquisa e centros de ensino
pertencentes à nova sociedade civil global escolheram a sustentabilidade
como o tema específico de seus esforços. Com efeito, a criação de
113
comunidades sustentáveis é o maior desafio dos nossos tempos.
Em Leff, a sustentabilidade, diversa do desenvolvimento sustentável, surge
como uma “fratura da razão modernizadora”, que conduz a uma racionalidade
produtiva fundada no potencial ecológico da biosfera e nos sentidos civilizatórios da
diversidade cultural. E, ainda, está enraizada em bases ecológicas, identidades
culturais e territórios de vida e desdobra-se no espaço social, onde os atores sociais
exercem seu “poder de controle da degradação ambiental e mobilizam potenciais
ambientais em projetos autogerenciados para satisfazer as necessidades e
aspirações” que a globalização econômica não cumpre. Aparece como um critério
normativo para a reconstrução da ordem econômica, sendo condição tanto para a
sobrevivência humana, quanto para um desenvolvimento durável. Alcançar os
objetivos da sustentabilidade e da eqüidade implica em desconstruir a racionalidade
econômica e construir uma racionalidade ambiental fundada no “princípio da
112
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável: idéias sustentáveis. Tradução de
José Lins Albuquerque Filho. 4.ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 65-66/85-88.
113
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo
Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 237.
62
produtividade neguentrópica”. Os desafios da sustentabilidade e da democracia,
bem como da entropia e da outridade acabam por romper com o pensamento
homogêneo da globalização, deslocando-o para as singularidades locais e levando a
construção de uma racionalidade ambiental que acolha as diferentes matizes da
racionalidade cultural, aceitando sua relatividade e incomensurabilidade114:
A crise ambiental marca o limite do logocentrismo, da vontade de unidade e
universalidade da ciência, do pensamento único e unidimensional, da
racionalidade entre fins e meios, da produtividade econômica e da eficiência
tecnológica, do equivalente universal como medida de todas as coisas, que
sob o signo monetário e a lógica do mercado recodificaram o mundo e os
mundos de vida em termos de valores de mercado intercambiáveis e
transacionáveis. A emancipação dessa racionalidade se formula como
libertação da hipereconomicização do mundo. Isso implicaria ressignificar a
liberdade, a igualdade e a fraternidade como princípios de uma moral
política que acabou sendo cooptada pelo liberalismo econômico e político
[…] para renomeá-los na perspectiva de uma política da insubordinação e
da emancipação, da eqüidade na diversidade, da solidariedade entre seres
humanos com culturas, visões e interesses coletivos, diversos e
115
diferenciados.
No que tange ao ideal de desenvolvimento sustentável, discorre Valle que:
Com a difusão do conceito de desenvolvimento sustentável se reconhece,
agora, que uma economia sadia não se sustenta sem um meio ambiente
também sadio. Reciprocamente, entretanto, internalizar os custos
ambientais nos custos de produção e serviços, mas ao mesmo tempo
compensar, mediante uma adequada gestão ambiental, esses acréscimos
pela ecoeficiência e racionalização da produção. Afirmar que a proteção
ambiental implica necessariamente aumento de custos dos produtos e
116
serviços é uma falácia na maioria dos casos.
Nesta linha, Ferreira refere que o maior desafio do desenvolvimento
sustentável envolve inúmeros “obstáculos” a serem ultrapassados:
As questões desdobram-se; por exemplo, preservar o ambiente, muitas
vezes significa não produzir determinados produtos, ou incorrer em custos
extremamente altos para produzi-los sem afetar o ambiente, tornando-os
com isso caros, sem condições de serem adquiridos pelo consumidor final.
Um produto cujo preço não seja competitivo corre o risco de levar uma
empresa à falência, e isso geraria desemprego e todas as conseqüências
117
sociais inerentes a essa situação.
114
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 134/154-160.
115
Ibidem, p. 337-338.
116
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 31.
117
FERREIRA, Aracéli Cristina de Souza. Contabilidade ambiental: uma informação para o
desenvolvimento sustentável – inclui Certificado de Carbono. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 33.
63
Como se pode perceber tanto a sustentabilidade quanto o desenvolvimento
sustentável são desafios atuais de necessário enfrentamento, de tomada de
consciência pela sociedade civil e empresarial, de que está ocorrendo lentamente
uma inversão de paradigma: para haver desenvolvimento será necessário preservar,
manter o meio ambiente em equilíbrio, porque a liberdade e o meio ambiente são os
únicos bens que podem garantir o constante desenvolvimento.
Si la naturaleza no es limitada, se sigue que ese uso libre debe ser regulado
por la razón humana, de modo que se controle el uso de la naturaleza sin
provocar su destrcción. Se impone un uso programado de bienes que son
limitados.
La destrucción de la natureza es uma injusticia, pues la vida humana
necesita imprescindiblemente de la naturaleza, por lo cual todo abuso em
este orden se traduce en un descenso de la calidad de la vida humana. El
dominio sobre la naturaleza debe ser un dominio “político” que llamban los
antiguos, es decir, un dominio respetuoso con el orden y a la obligación de
aprovechar inteligentemente sus bienes. Solo si se conserva y cuida la
naturaleza, ésta sirve a todos los hombres. El hombre domina la naturaleza
como un gestor o administrador inteligente, que dispone las cosas de modo
118
que se le saque el máximo rendimento sin destrirla. (grifado no original)
Valendo-se da doutrina de Fernandez-Largo, mostra-se necessário que
comecemos a pensar em um uso limitado e na gestão dos recursos naturais, bem
como nas formas de promoção e expansão das liberdades para atingir o
desenvolvimento sustentável, como quer alguns, ou mesmo a sustentabilidade.
2. 2 O Princípio Constitucional do Desenvolvimento Sustentável como
primado do Direito Internacional
O princípio do desenvolvimento sustentável no ordenamento jurídico brasileiro
decorre da leitura dos arts. 170, VI119 e 225, parágrafo 1.º, V120, da Constituição
Federal, bem como da Lei n.º 6.938/81, quando aborda os objetivos da Política
118
FERNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. Los derechos humanos: âmbito y desarrollo. Salamanca:
San Esteban, 2002. p. 292.
119
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; (…). BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br . Acesso em:
28 nov. 2009.
120
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) V – controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e
o meio ambiente; (…). Ibidem.
64
Nacional do Meio Ambiente, em seus arts. 4º e 5º
121
. Não há consenso sobre o seu
conceito, mas mais comumente desenvolvimento sustentável significa poder atender
às necessidades da geração atual sem comprometer o direito de as gerações
futuras atenderem suas próprias necessidades. Definição essa que acaba por
envolver tanto os conceitos de necessidade quanto de limitação, ou seja, deve o
desenvolvimento sustentável assegurar as necessidades econômicas, sociais e
ambientais sem que haja compromisso futuro de qualquer delas. Nesse contexto,
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações é idéia que resulta
de alterações sociais em nível estrutural e não visa impedir o crescimento
econômico, mas sim determinar que as atividades sejam desenvolvidas utilizando
todos os meios possibilitadores da menor degradação possível. Ao mesmo tempo, o
desenvolvimento sustentável tem sido um conceito operacional utilizado para a
construção do direito internacional econômico que visa originariamente o
desenvolvimento das nações. É possível notar-se, nesse âmbito internacional, que o
conjunto de normas jurídicas voltadas ao desenvolvimento, emanadas desde a
Segunda Guerra Mundial originam-se de dois conjuntos normativos diferentes, o
direito internacional econômico e o direito internacional ambiental, que ao contrário
de serem homogêneos, estão dispersos e trilham caminhos distintos. 122
De acordo com Varella, o princípio do desenvolvimento sustentável resulta da
fusão de dois grandes princípios: o direito “ao” desenvolvimento e à preservação
ambiental. O primeiro originário do direito internacional econômico strictu sensu, ou
seja, de cada um ou de cada país se desenvolver, especificamente do direito “do”
desenvolvimento, ramo específico do Direito, originado dos movimentos de
independência após a Segunda Guerra Mundial e composto de normas e princípios
asseguradores de condições mais favoráveis para o desenvolvimento dos países da
121
Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico; (…)
Art. 5º - As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e planos,
destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios
e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da qualidade ambiental e manutenção do
equilíbrio ecológico, observados os princípios estabelecidos no art. 2º desta Lei.
Parágrafo único. As atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância
com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente. BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de
1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 nov.
2009.
122
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
3-4.
65
metade Sul. O conceito de desenvolvimento foi construído no início em torno do puro
crescimento econômico e, numa segunda fase, como sinônimo da expansão de
liberdades. O direito do desenvolvimento, do qual se originou o direito ao
desenvolvimento, foi defendido pelos países do Sul contra as posições dos países
do Norte, salvo poucas exceções, figurando o direito internacional econômico como
principal lócus de formulação jurídica. Teve inúmeras repercussões concretas até os
anos de 1980, quando tais normas, diretamente ligadas às doutrinas socialistas,
foram dissolvidas pelo avanço das teorias do neoliberalismo e pelo retorno da
crença de que um sistema livre de mercado, sem regras compensadoras, seria
capaz de promover o desenvolvimento internacional. Apoiava-se o direito do
desenvolvimento sobre princípios que possibilitavam aos países do Sul serem
competitivos nos mercados com os países do Norte, tais como: não-reciprocidade,
desigualdade compensadora e criação de sistema geral de preferências. Tais
princípios refletiam que os países do Sul não eram obrigados a aceitar as mesmas
obrigações jurídicas relacionadas ao livre comércio, estabelecidas em acordos
internacionais, possuindo inclusive os países do Sul melhores condições de acesso
aos mercados, direito à ajuda financeira e à transferência de tecnologia, visando a
promoção do desenvolvimento e o fim da desigualdade entre Norte e Sul.
A relação entre desenvolvimento e direito internacional alcançou proporções
consideráveis com a nova ordem econômica internacional e resultou no
direito do desenvolvimento. Contudo, a inserção definitiva do
desenvolvimento no campo dos direitos humanos verifica-se, após avanços
dos esforços dos órgãos de direitos humanos e da Assembléia Geral das
Nações Unidas, com a adoção da Declaração sobre Direito ao
Desenvolvimento em 1986, mediante a Resolução nº. 41/128, a qual
123
estabeleceu que o direito ao desenvolvimento é um direito humano.
Já o direito internacional ambiental, durante muito tempo considerado
antinômico ao desenvolvimento, principalmente pela metade Sul, consagrou os
princípios do direito ao desenvolvimento a partir da Conferência de Estocolmo, em
1972, e a partir das convenções-quadro dos anos 1990, assim é o direito ao
desenvolvimento em si mesmo na atualidade e é quase que inexistente no direito
123
OLIVEIRA, Sílvia Menicucci de. Desenvolvimento sustentável na perspectiva da implementação
dos Direitos Humanos (1986-1992). In: ALMEIDA, C. A. de; MOISÉS, C., P.; Direito Internacional dos
Direitos Humanos: instrumentos básicos. São Paulo: Atlas Jurídico, 2002. p. 93-94.
66
internacional econômico, mas continua a consolidar-se e a ascender em âmbito de
direito internacional ambiental.124
Conforme Varella, a Carta de Havana de 1946 foi a primeira rodada de
negociações do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércios – General
Agreement on Tariffs and Trade). Ela já possuía um conceito de desenvolvimento
limitado exclusivamente ao crescimento econômico que inicialmente aparece em
todos os documentos deste cunho como único capaz de proporcionar melhoria do
nível de vida. Nesta mesma linha, seguem a Conferência de Bandoeng em 1955 que
representou a primeira manifestação coletiva dos países descolonizados, a
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) de
1964, que acabou por contribuir substancialmente para a mudança da relação de
forças entre Sul-Norte, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) em 1965, resultando todos esses documentos, ao final dos anos 60 em um
conjunto de princípios universais não realizados. Relata ainda que em 1974 surge a
“Nova Ordem Econômica Internacional”, a NOEI, orientada para os países do Sul,
visando favorecer “ao” seu desenvolvimento, resultando em três documentos
importantes, dentre outros: a Declaração sobre a Nova Ordem Econômica
Internacional, o Programa de Ação e a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos
dos Estados. Conforme se pode depreender do texto da norma, “todo o sistema
capitalista seria favorável aos países ricos, em particular a divisão internacional do
trabalho e a repartição desigual do progresso técnico”, o que resultou numa enorme
diferença entre os índices de desenvolvimento das duas metades. A Declaração
sobre o Progresso Social e o Desenvolvimento é um dos primeiros documentos com
fulcro a integrar o social no conceito de desenvolvimento, era contrária aos
monopólios das transnacionais e trazia, além dos princípios compensadores, o
princípio da soberania sobre os recursos naturais.
Segue o autor discorrendo que com a Rodada de Tóquio, em 1979, se
consolida finalmente, no direito internacional, um texto concreto em favor da metade
Sul, com a eliminação de obstáculos ao mercado, a fixação de melhor tratamento
aos produtos de interesse para comércio indispensável e a não-fixação de novas
124
6.
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
67
barreiras tarifárias e não tarifárias. No entanto, em que pese todas essas
realizações, a partir dos anos 80, com a ascensão do neoliberalismo os juristas
começam a se pronunciar sobre o valor não-cogente dessas resoluções, tornandoas letra morta e consolidando-as como “soft norms”. Isso o que acaba por causar o
desaparecimento do direito “do” desenvolvimento que tem como marco final o Ato de
Marraqueche de 1994 que acaba por reduzir sensivelmente as preferências
concedidas aos países do Sul, continuando ele, no entanto, a evoluir no âmbito do
direito internacional do meio ambiente através da noção de desenvolvimento
sustentável.
O direito internacional ambiental inicialmente impulsionou-se pelos países do
Norte, ao contrário do que ocorreu com o direito internacional do desenvolvimento.
Nasce de forma complexa e desordenada, e segue construindo-se sem qualquer
coordenação no âmbito internacional:
Vários fatores contribuem para essa complexidade: em primeiro lugar, não é
possível identificar diretamente o nível de cogência contido nas normas ou
uma hierarquia. Em seguida, as normas de nível e características diferentes
são produzidas por várias fontes, comportando diferentes esferas de
eficácia e se acumulando na regulamentação de um mesmo tema. Além do
mais, a lógica da regulação, às vezes antropocêntrica, às vezes biocêntrica,
contribui para a formação de um direito de difícil predeterminação. Enfim,
não existe instituição coordenadora, mas uma pletora de instituições que
regulam vários acordos internacionais de modo heterogêneo. Tudo isso
forma um direito cuja prática é delicada, sobretudo em países menos
125
preparados.
E segue discorrendo sobre o caráter não-cogente dessas normas:
Primeiramente, é importante notar a irregularidade da formação desse
direito. Normas mais cogentes e soft norms se misturam, em uma evolução
irregular que acontece tanto nos níveis nacionais quanto internacionais, sem
sucessão temporal lógica. [...]
Em seguida, esse nível de obrigatoriedade das normas geralmente não
pode ser identificado de modo fácil, sendo, sobretudo, o comportamento dos
Estados contratantes que vai determinar o nível de eficácia e
obrigatoriedade da cada norma jurídica, o que contribui para a incerteza e,
126
portanto, para a insegurança jurídica. (grifado no original)
125
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
23-24.
126
Ibidem, p. 24.
68
É considerado ainda reflexo da expansão do direito internacional moderno que
trata de problemas comuns, típico do período de globalização jurídica. Teve início no
final dos anos 60 e início dos 70, tomando proporções mundiais nos anos 80:
Muitos fatores contribuíram para a formação e consolidação do Direito
Ambiental: as taxas de aumento elevadas da população mundial,
conseqüência da melhoria das condições sanitárias; o desenvolvimento das
ciências médicas, depois da Segunda Guerra Mundial; a utilização maciça
de recursos ambientais, em decorrência da destruição de vários
ecossistemas em muitos lugares do mundo, mas principalmente nos países
do Norte; os primeiros grandes acidentes com efeitos imediatos, como a
destruição em massa de certos ambientes; a chegada do homem à Lua,
quando a humanidade pôde ver a Terra como uma estrutura frágil, a partir
de um ponto de observação exterior; as modalidades de simulação de
impacto, que deram uma visão catastrófica do futuro da humanidade,
anunciando o esgotamento de certos recursos biológicos e energéticos para
o fim do século ou para um futuro próximo, entre outros.
É neste contexto que vimos emergir teorias que trazem limites ao
crescimento econômico a qualquer preço e incentivam a redefinição dos
127
conceitos de desenvolvimento.
Relata ainda, que a partir dos anos 70, os países escandinavos e a Alemanha
tornam-se precursores na criação do Ministério do Meio Ambiente, seguidos dos
Estados Unidos da América e da Inglaterra; ocorre também a expansão da formação
de convenções-quadro, como a Convenção de Estocolmo, a Convenção da
Diversidade Biológica e a Convenção das Mudanças Climáticas que tratavam de
variados assuntos tendo como núcleo de pertinência comum o desenvolvimento
sustentável, o que as vinculava do ponto de vista ecológico, mas as isolava umas
das outras do ponto de vista jurídico. É salutar salientar ainda nesta época a pressão
desenvolvida pelas Organizações Não-Governamentais no sentido da expansão da
proteção ambiental como valor comum.
Não há, portanto, coordenação entre estes acordos ambientais que acabam
sendo elaborados conforme as necessidades e concordâncias políticas dos Estados
e essa heterogeneidade acaba por contribuir para o aumento da eficácia do direito
internacional ambiental no plano ambiental e também para o seu crescimento,
surgindo dessa diversidade e flexibilidade a sua possibilidade de expansão.
Tamanho era o descaso e mesmo ignorância sobre a necessidade de
preservação ambiental para fins do desenvolvimento sustentável que alguns países
127
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004, p.
22-23.
69
como o Brasil absurdamente relutavam (e outros mais absurdamente ainda
continuam relutando) as pressões e acordos ambientais:
Ainda que atualmente os países do Sul aceitem bem o direito ambiental, no
início das discussões sobre a proteção da natureza a realidade era outra. A
pressão em favor dos limites ambientais pedidos aos países do Sul era vista
como um instrumento utilizado pelo Norte para bloquear o desenvolvimento
econômico dos países emergentes; atitude esta refletida nos discursos dos
diplomatas do Sul, que se opunham à questão ambiental e defendiam o
mesmo direito de destruir a natureza que tinham usufruído os países do
Norte durante as épocas de maior desenvolvimento econômico. Embora
não se possa dizer que essa era a posição geral de todos os países do Sul,
pode-se afirmar que era, nos países mais representativos, como o Brasil, a
Índia e a China.[...]
O representante brasileiro na reunião preparatória para a Conferência de
Estocolmo, organizada em Founex, teria declarado, por exemplo, que o
Brasil era grande o suficiente para receber todas as indústrias poluidoras do
128
planeta.
A preocupação com a questão ambiental iniciou institucional e globalmente
com a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, resultado
da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, onde se proclamou pela primeira vez ser o direito ao meio ambiente um
direito humano fundamental, como sendo uma questão fundamental que atinge o
bem-estar de todos os povos e o desenvolvimento econômico de todo o mundo.
Assentaram-se princípios como o de que o homem tem direito fundamental à
liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio
ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bemestar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as
gerações presentes e futuras.
É nesta época que surge o “ecodesenvolvimento” e que se inicia a construção
do direito internacional ao meio ambiente nos moldes atuais unindo-se dois
conceitos: o meio ambiente e o desenvolvimento. Esta foi a primeira vez que os
problemas políticos, sociais e econômicos do meio ambiente global foram discutidos
em um fórum intergovernamental visando ações corretivas efetivas. 129 O conceito
normativo básico de desenvolvimento sustentável que emergiu da Conferência de
Estocolmo foi designado na época como “abordagem do ecodesenvolvimento” e
apenas posteriormente passou a utilizar a denominação que conhecemos
128
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
30.
129
Ibidem, p. 31-33.
70
atualmente. De acordo com Maurice Strong, Secretário Geral da Conferência, citado
por Dias, o desenvolvimento sustentável será alcançado quando três critérios
básicos forem observados de forma simultânea: eqüidade social, prudência
ecológica e eficiência econômica.130
Na seqüência foram publicados outros documentos de igual importância dando
maior base científica ao conceito do desenvolvimento sustentável, tais como o WWF
(World Wildlife Fund), O PNUMA (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas)
e a UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), em 1980, que
publicaram a “estratégia mundial da conservação”. Este trabalho conjunto do
PNUMA e aliado a importantes Organizações Não-Governamentais “foi essencial
para a expansão do PNUMA e para a consolidação do desenvolvimento sustentável
enquanto conceito-chave da agenda internacional”.131 O documento elaborado por
tais instituições definiu sustentabilidade como “uma característica de um processo
ou estado que pode manter-se indefinidamente”.132
Em 1983, o Relatório de Bruntland, ou Relatório Nosso Futuro Comum, trouxe
as conclusões da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das
Nações Unidas, reconheceu o direito humano fundamental ao meio ambiente: “todos
os seres humanos têm o direito fundamental a um meio ambiente adequado para
sua saúde e bem-estar”. Foi o primeiro relatório a trazer problemas de todo o
Planeta Terra, englobando numa perspectiva ambiental toda atividade humana que
afeta os elementos básicos possibilitadores da vida no planeta e trouxe uma
definição mais elaborada do conceito de desenvolvimento sustentável. Enfatizou que
a pobreza era incompatível como o desenvolvimento sustentável e indicou a
necessidade de uma política ambiental como parte integrante do processo de
desenvolvimento e não mais apenas uma mera responsabilidade setorial
fragmentada. Reunia as principais teorias que demonstravam a possibilidade de um
desenvolvimento sustentável, no âmbito das Nações Unidas, sobretudo junto às
agências mais vinculadas ao comércio, tais como o Banco Mundial, que
posteriormente criou uma divisão encarregada de assuntos do meio ambiente,
130
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas, 2008. p. 30.
131
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. São Paulo: Del Rey, 2004. p.
33.
132
DIAS, op. cit., p. 31.
71
considerando-o elemento importante a ser levantado no financiamento de projetos
de desenvolvimento. 133
Em 1990, a Resolução 41, de 6 de março de 1990, intitulada, Direitos Humanos
e o Meio Ambiente, resultado da Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas, afirmou sua preocupação com o aumento da degradação ambiental,
ressaltando a relação entre a preservação do meio ambiente e a promoção dos
direitos humanos:
Desde então, o tema passou a ser especificamente analisado no seio das
Nações Unidas, focando-se na consideração das seguintes questões:
preocupação universal com a escala, a seriedade e a complexidade dos
problemas ambientais; necessidade de medidas nacionais, regionais e
internacionais apropriadas para solucionar tais problemas; relação íntima
entre os direitos humanos e o meio ambiente, ou seja, algumas violações de
direitos humanos são causas ou fatores de degradação ambiental e a
deterioração do meio ambiente, por sua vez, afeta o gozo dos direitos
humanos; a atenção maior aos problemas ambientais que afetam os direitos
134
humanos.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), conhecida também com Cúpula da Terra, Rio 92 ou Eco-92, foi
realizada no Rio de Janeiro com representantes de 179 países que discutiram
durante
14
dias
os
problemas
ambientais
globais
e
estabeleceram
o
desenvolvimento sustentável como uma das metas a serem alcançadas pelos
governos e sociedade. Resultou em cinco documentos básicos: a declaração do Rio
de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Declaração de princípios
para a gestão sustentável das florestas; o Convênio sobre a Diversidade Biológica; o
Convênio sobre as Mudanças Climáticas; e o Programa das Nações Unidas para o
século XXI, conhecido como Agenda 21.135 A Declaração do Rio sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1992 postulou, dentre outros princípios, o de que os
seres humanos são o centro das preocupações em termos de desenvolvimento e
possuem direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza,
postulou, no Princípio 3, que o direito ao desenvolvimento sustentável deve ser
realizado de modo a satisfazer equivalentemente as necessidades relativas ao
133
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas, 2008. p. 31.
134
OLIVEIRA, Sílvia Menicucci de. Desenvolvimento sustentável na perspectiva da implementação
dos Direitos Humanos (1986-1992). In: ALMEIDA, C. A. de; MOISÉS, C., P.; Direito Internacional dos
Direitos Humanos: instrumentos básicos. São Paulo: Atlas Jurídico, 2002. p. 93.
135
DIAS, op. cit., p. 33-34.
72
desenvolvimento e ao meio ambiente das gerações presentes e futuras; e a Agenda
21 refletiu o consenso mundial e o compromisso dos Estados sobre o
desenvolvimento e a cooperação na esfera do meio ambiente: é um processo
participativo que envolve o poder público, o setor privado e a sociedade civil, para a
elaboração de uma agenda de compromissos, ações e metas, para transformar o
desenvolvimento de uma região (Agenda 21 Local), de um país (Agenda 21
Brasileira) e até mesmo do mundo todo (Agenda 21 Global), com base nos
princípios da sustentabilidade da Vida. Em outras palavras, nesse contexto,
sustentabilidade refere-se a proteger o meio ambiente, valorizar a diversidade
cultural, promover a justiça e a melhoria da qualidade de vida para todos, da
geração atual e das gerações futuras e orientar as atividades econômicas e geração
de renda para essas finalidades. No que concerne às empresas, no Capítulo 31, o
item 1 reconhece:
O comércio e a indústria, inclusive as empresas transnacionais,
desempenham um papel crucial no desenvolvimento econômico e social de
um país. Um regime de políticas estáveis possibilita e estimula o comércio e
a indústria a funcionar de forma responsável e eficiente e a implementar
políticas de longo prazo. A prosperidade constante, objetivo fundamental do
processo de desenvolvimento, é principalmente o resultado das atividades
do comércio e da indústria. As empresas comerciais, grandes e pequenas,
formais e informais, proporcionam oportunidades importantes de
136
intercâmbio, emprego e subsistência.
Leciona Oliveira que a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente serviu para
especificar o dever de cooperação para erradicação da pobreza como requisito ao
desenvolvimento sustentável e consagrou o princípio das responsabilidades
comuns, mas diferenciadas, de modo que os Estados devem cooperar com o
espírito de solidariedade dos ecossistemas da Terra, levando em consideração o
fato de que eles contribuem em proporções distintas com a degradação. Também o
princípio da precaução restou consagrado, segundo o qual, quem contamina deve
suportar os custos da contaminação, bem como o princípio de avaliação do impacto
ambiental.
Segundo a autora, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena
1993 trata da relação entre desenvolvimento, meio ambiente e direitos humanos,
tanto que depois de reafirmar os princípios da Declaração sobre Direito e
136
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas, 2008. p. 34.
73
Desenvolvimento, estabelece, no parágrafo 11 da Parte I, que o direito ao
desenvolvimento deve ser realizado de forma a satisfazer eqüitativamente às
necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras:
na Segunda Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos
Humanos, em Viena, em 1993, um novo consenso surgiu. A declaração
adotada nessa ocasião reafirmou: o direito ao desenvolvimento, como
estabelecido na Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento, como um
direito universal e inalienável, é uma parte integral dos direitos humanos
fundamentais. Esse consenso significou um comprometimento da
comunidade internacional em relação à obrigação de cooperação para
realização desses direitos. O direito ao desenvolvimento surgiu, assim,
como direito humano que integrou direitos econômicos, sociais e culturais
com direitos civis e políticos, resgatando a consideração imediatamente
posterior à Segunda Guerra Mundial. […]
Uma análise da Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento conduz a
algumas conclusões. Primeiramente, o direito ao desenvolvimento é um
direito humano. O direito humano ao desenvolvimento é um direito a um
processo particular de desenvolvimento no qual todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais podem ser plenamente realizados, o que significa
que ele combina todos os direitos humanos, englobados em ambos os
pactos internacionais, e cada um dos direitos precisa ser exercido com
liberdade. O significado de exercer esses direitos com liberdade implica:
participação livre, efetiva e plena de todos os indivíduos envolvidos no
processo de tomada de decisões e de implementação das mesmas, com
oportunidades iguais de acesso aos recursos para desenvolvimento e
recebimento de justa contribuição dos benefícios de desenvolvimento.
Finalmente, o direito confere obrigação inequívoca aos titulares de deveres:
indivíduos na comunidade, Estados em nível nacional e Estados em nível
internacional. Nesse particular, os Estados têm responsabilidade primordial
de ajudar a realizar o processo de desenvolvimento por meio de políticas
apropriadas de desenvolvimento, enquanto os demais Estados e agências
internacionais possuem a obrigação de cooperar para facilitar a realização
137
do processo de desenvolvimento. (grifado no original)
Em 1997, durante sessões extraordinárias da Assembléia Geral da ONU
(Organização das Nações Unidas), em Nova York, realizou-se a Cúpula da Terra,
conhecida como Rio+5, objetivando analisar a execução do Programa 21, aprovado
pela Cúpula de 1992. Houve um período de intensas deliberações ocorridas em
razão das divergências entre os Estados sobre a forma como se financiaria o
desenvolvimento sustentável a nível mundial e obtiveram-se alguns acordos: em
adotar objetivos juridicamente vinculantes para reduzir a emissão dos gases do
efeito estufa, os quais são causadores da mudança climática; de avançar com mais
vigor para modalidades sustentáveis de produção, distribuição e utilização de
137
OLIVEIRA, Sílvia Menicucci de. Desenvolvimento sustentável na perspectiva da implementação
dos Direitos Humanos (1986-1992). In: ALMEIDA, C. A. de; MOISÉS, C., P.; Direito Internacional dos
Direitos Humanos: instrumentos básicos. São Paulo: Atlas Jurídico, 2002. p. 95-96.
74
energia; focar a erradicação da pobreza como requisito prévio do desenvolvimento
sustentável.138
Segue o autor referindo que também em 1997, em Kyoto, foi realizada a
terceira Conferência das Partes tendo como principal resultado o Protocolo de
Kyoto, segundo o qual os países industrializados deveriam cortar as emissões para
baixo dos níveis de 1990. O acordo foi assinado por 84 países, mas sua entrada em
vigor dependia da ratificação por 55 países, que correspondem a 55% das emissões
de gases que provocam o efeito estufa. O Protocolo entrou em vigor em 16 de
fevereiro de 2005 e estabelecia uma meta média de cerca de 5% de redução das
emissões de gases de efeito estufa nos países industrializados, a qual deverá ser
atingida, individual ou conjuntamente, no período entre 2008 e 2012, metas
inferiores às esperadas por cientistas e ambientalistas139.
O desenvolvimento sustentável, diante desse contexto, não é propriamente um
princípio específico, porém um conjunto de regras implícitas e expressas realizadas
em nível internacional, ditas consagradoras dos princípios típicos do direito do
desenvolvimento conciliados com os direitos fundamentais de um meio ambiente
equilibrado e da vida digna.140
Para Leff, as estratégias de “ecodesenvolvimento”, emergentes na década de
60 com a chamada economia ecológica, acabaram se “enredado nas malhas da
teoria de sistemas com a qual procuravam reintegrar ao sistema econômico um
conjunto de variáveis”, tais como o crescimento populacional, mudança tecnológica
e de “condições ambientais”, como os processos ecológicos e a degradação
ambiental. Entretanto, essa visão sistêmica e pragmática restou carente de uma
base teórica sólida para a construção de um novo paradigma produtivo e “velou o
potencial dos saberes culturais e dos movimentos sociais pela apropriação da
natureza na transparência das práticas da planificação ambiental”. Nos anos de
1980, perderam espaço para o discurso do desenvolvimento sustentável, mais
138
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas, 2008. p. 34.
139
PANORAMA ECOLOGIA. Blog da seção de ecologia da revista eletrônica Consciência.net.
Disponível em: <http://panoramaecologia.blogspot.com>. Acesso em: 19 out. 2009.
140
No mesmo sentido da doutrina de SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de
Laura Teixeira Motta. Revisão técnica de Ricardo Doninelli Mendes. 5. impressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
75
acentuadamente com o “Informe Brundtland”, onde se formulou a definição do
desenvolvimento sustentável como processo para satisfazer necessidades atuais
sem comprometer as gerações futuras. Esse discurso visou estabelecer um espaço
comum para uma política de consenso capaz de integrar os diversos países, povos
e classes sociais que “plasmam o campo conflitivo da apropriação da natureza”, no
entanto, critica o autor:
A ambivalência do discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável se
expressa já na polissemia do termo sustainablility, que integra dois
significados: o primeiro, traduzível como sustentabilidade, implica a
incorporação das condições ecológicas – renovabilidade da natureza,
diluição de contaminadores, dispersão de dejetos – do processo econômico;
o segundo, que se traduz como desenvolvimento sustentado, implica a
perdurabilidade no tempo do progresso econômico. Se a crise ambiental é
produto da negação das bases naturais nas quais se sustenta o processo
econômico, então a sustentabilidade ecológica aparece como condição da
sustentabilidade temporal do processo econômico. No entanto, o discurso
do desenvolvimento sustentado chegou a afirmar o propósito de tornar
sustentável o crescimento econômico através dos mecanismos do mercado,
atribuindo valores econômicos e direitos de propriedade aos recursos e
serviços ambientais, mas não oferece uma justificação rigorosa sobre a
capacidade do sistema econômico para incorporar as condições ecológicas
e sociais (sustentabilidade, eqüidade, justiça, democracia) deste processo
141
através da capitalização da natureza. (grifado no original)
Os anos 80, segundo o autor, anunciaram através desse discurso neoliberal, o
desaparecimento da contradição entre ambiente e crescimento. Ao contrário da
sustentabilidade, o discurso do desenvolvimento sustentável acabou por promover o
crescimento econômico negando as condições ecológicas e termodinâmicas que
determinam limites e possibilidades de uma economia sustentável e também a
internalização dos custos ambientais e a instrumentalização do homem, da cultura e
da natureza como capital. Aparece como um “simulacro que nega os limites do
crescimento para afirmar a corrida desenfreada em direção à morte entrópica do
planeta”. Reflete uma mania de crescimento ilimitado; uma compulsão ao consumo
que ao contrário da escassez da economia, ultrapassa a ideologia do progresso,
sendo um dilema da própria racionalidade econômica. As “estratégias de sedução e
de simulação do discurso do desenvolvimento sustentado constituem o mecanismo
extra-econômico por excelência da pós-modernidade para manter o domínio” sobre
homem e natureza. Essas mesmas estratégias resultam em seu “pecado capital”,
141
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 136-137
76
sua “gula infinita e insaciável”, fechando as portas para a desconstrução da ordem
econômica antiecológica e impedindo uma nova ordem social, conduzida pela
sustentabilidade ecológica, pela democracia participativa e pela racionalidade
ambiental. Numa linguagem neoclássica, pode ser conceituado como “uma
contribuição igualitária do valor que os diferentes fatores da produção adquirem no
mercado”:
As políticas do desenvolvimento sustentado procuram conciliar os lados
opostos contrários da dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o
crescimento econômico. A tecnologia seria o meio instrumental que poderia
reverter os efeitos da degradação entrópica nos processos de produção,
distribuição e consumo de mercadorias […]. O discurso do crescimento
sustentado ergue uma cortina de fumaça que mascara as causas da crise
142
ecológica.
Em que pese o “mimetismo retórico” gerado pelo discurso do desenvolvimento
sustentável, para Leff, ele carece de qualquer rigor, deixando evidentes suas
contradições, não possibilitando um sentido conceitual e praxeológico que unificasse
as múltiplas “vias de transição para a sustentabilidade”. Insustentável ou não, o
discurso do desenvolvimento sustentável difundiu-se e tornou-se parte tanto do
discurso oficial quanto da linguagem popular, tanto que previsto no atual texto
constitucional que exige sua observância e promoção inclusive pela iniciativa
privada, o que será trabalhado mais detidamente no tópico que segue.
2. 3 A ordem econômica, a iniciativa privada e a função social da empresa
na Constituição Federal brasileira de 1988 e na legislação nacional esparsa
Contextualizando brevemente, a economia surge a partir do momento em que
os povos e nações criaram modos variados de produção que refletiam em diversas
maneiras de apropriação dos recursos naturais. Primeiramente eram economias de
subsistência e com o passar dos anos e a evolução das sociedades em estruturas
cada vez mais hierarquizadas, geraram-se excedentes concentrados nas classes
dominantes. Posteriormente, com o transporte naval, houve o incremento do
comércio no auge do capitalismo mercantil que tinha como fundamento a exploração
da natureza dos recursos em abundância dos territórios conquistados pela
142
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 139-144.
77
monarquia européia e, no auge do capitalismo industrial, deu-se espaço ao
intercâmbio desequilibrado de mercadorias naturais e tecnológicas, chegando a
atual intervenção biotecnológica e capitalização da natureza. Com a generalização
do intercâmbio mercantil surge mundialmente a “ordem econômica” e no século
XVIII a economia passou a guiar a ordem humana:
A ciência econômica nasce dentro de uma visão mecanicista que
fundamenta o paradigma científico da modernidade, que assim é estendido
ao campo da produção. A economia emerge como ciência da classificação
racional de recursos escassos e do equilíbrio dos fatores da produção:
capital, trabalho e esse fator “residual” – a ciência e a tecnologia – em que
repousa a elevação da produtividade e que se converteu na força produtiva
143
predominante.
O correto entendimento da ordem econômica, no contexto da Constituição
Federal brasileira de 1988, exige uma interpretação sistemática das normas
constitucionais, tendo os artigos 170 e 174144 como seus verdadeiros “vetores”.145 É
consenso na doutrina de direito econômico a idéia de que a ordem econômica
definida pelo legislador constituinte para o país acolhe como sistema econômico o
capitalista146, no entanto, possui ao mesmo tempo “organicidade convergente à
construção de um modelo de bem-estar social, no que guarda coerência com a
Constituição total brasileira – A Constituição dirigente de 1988”147. Pode-se dizer,
valendo-se de Grau, que a ordem econômica na Constituição Federal de 1988 milita
na harmonização entre o capitalismo, nesse contexto representado pela iniciativa
privada, e a construção de uma sociedade igualitária. Tal união é viabilizada pela
possibilidade de intervenção estatal na economia, tendo em vista que a ordem
econômica constitucional rejeita a economia liberal e o princípio da auto-regulação
da economia.
143
LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luis
Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006. p. 171-172.
144
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
145
CARVALHO, Pedro Jorge da Rocha. A intervenção do estado na economia e a imunidade
recíproca. In: POMPEU, Gina Marcílio (Org.). Estado, Constituição e Economia. Fortaleza: Fundação
Edson Queiroz: Universidade de Fortaleza, 2008. p. 316.
146
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 11. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 312.
147
CARVALHO, op. cit., p. 316-317.
78
Dispõe o artigo 170 da Constituição Federal brasileira de 1988, que prevê os
princípios gerais da atividade econômica, no Capítulo da Ordem Econômica e
Financeira, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional, da
propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da
defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços, e de seus
processos de elaboração e prestação, da redução das desigualdades regionais e
sociais, da busca do pleno emprego e do tratamento favorecido para empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e
administração no Brasil. É, ainda, segundo o parágrafo único do artigo, assegurado
a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressos em lei.
Também preceitua o Título I da atual Constituição Federal, que traz os
princípios fundamentais que norteiam a República Federativa do Brasil, em seu art.
1º, que essa se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Na mesma linha o art.
3º, pertencente ao mesmo título, diz que constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária,
garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir
as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ainda,
o inciso XXIII, do art. 5º determina que a propriedade atenda a sua função social.
A atual Constituição Federal brasileira de 1988 retomou a idéia de função
social e dessa forma acabou colocando em questão a função social do próprio
direito que inicialmente foi perquirida por Bobbio, que afirmou a função promocional
do direito na sociedade contemporânea, partindo da premissa de que o direito não
deveria ser analisado de forma estruturalista, apenas preocupando-se em saber
como o direito é produzido, mas sim deveria ser analisado de uma forma
funcionalista, visando saber para que o direito serve, e assim deveria ser definido
79
como forma de controle e também de direção social148, até porque os fins sociais
são próprios do direito, que é um conjunto de normas para tornar possível a
sociabilidade humana, devendo-se encontrar nas próprias normas o seu fim, que
nunca deve ser anti-social.149
Nesse contexto, valendo-se de Silva, pode-se dizer ainda que os princípios da
autonomia privada e da função social são princípios gerais do direito obrigacional a
partir do novo Código Civil, assim como os princípios da boa-fé objetiva e do
equilíbrio, aplicáveis a todas as obrigações independentemente da origem, mas
apenas os dois primeiros possuem função eminentemente funcionalizante,
resultando na atual “visão funcionalizada da relação obrigacional”, do que
necessariamente decorrem os contratos empresarias e as próprias empresas e
indústrias e suas constantes interações com o mercado e a sociedade. 150
Contextualizando historicamente e de forma breve, o chamado Estado Liberal
(século XIX) tinha como “telos” a liberdade individual, e o Estado era visto como o
adversário de tal liberdade, tendo deveres de abstenção frente a essas liberdades.
Dois eram os sistemas na proteção da liberdade humana, vigendo na relação entre
Estado e indivíduo, a Constituição; e entre os indivíduos o Direito Civil o qual tinha
como centro a autonomia privada com pilares na propriedade, no contrato e direitos
econômicos relacionados, isso refletiu nas Constituições brasileiras de 1824 e 1891,
mas Sarmento salienta que tal fase teve existência incerta no Brasil.151A autonomia
privada era o princípio reitor em se tratando de liberdades e representava a
liberdade negocial, ou seja, a ampla liberdade de contratar, liberdade de escolher o
que contratar, com quem contratar e como contratar”152, e por conseqüência vigia o
princípio do Pacta Sun Servanda, que representava a obrigatoriedade do contrato.
148
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri-SP:
Manole, 2007. p. 53/101.
149
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. In:
Revista Jurídica da UniFil, Ano II, número 2, 2005, ISSN 1807.1627. p. 69. Disponível em:
<http://www.unifil.br>. Acesso em: 27 out. 2009.
150
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p. 102.
151
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris.
2004. p. 22/30.
152
REIS, Jorge Renato dos. Os direitos fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre
particulares. In: ______; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2043-2045.
80
Sobre o sistema da iniciativa privada discorre Clark:
O sistema da iniciativa privada desalojou o sistema medieval de técnicas
relativamente estáticas e posições sócio-econômicas consagradas pelo
hábito, graças a um sistema de técnicas em rápida evolução, no qual a
posição pessoal (com a possível exceção da aristocracia rural) está à mercê
de uma infatigável concorrência. Tinha a sua teoria que a concorrência pôs
o comércio a serviço do povo, em sua capacidade de consumidor, o que é
razoavelmente verdadeiro quanto ao fornecimento físico, embora a
publicidade seja bastante mais do que uma servidora obediente e os
padrões de gosto, ideais e morais sejam modelados por agências nas quais
temos poucas razões para confiar semelhante liderança social. Nesses
primeiros tempos do individualismo dominante, as pessoas, em sua
capacidade de trabalhadores, não eram assim tão bem servidas – para nos
153
exprimirmos em termos moderados. (conforme o original)
O paradigma social surgiu na fase da industrialização massiva, base do
capitalismo selvagem e do liberalismo econômico. Com a democratização política
iniciou o Estado do Bem-Estar Social e alguns direitos determinando prestações
estatais, visando à garantia das condições mínimas de vida. A preocupação com o
bem-estar social refletiu no direito privado através da ampliação das normas de
ordem pública e positivação dos direitos sociais e econômicos e com o excesso de
publicização e a economia capitalista, onde a ameaça aos direitos humanos partia
dos próprios homens, fez-se necessário condicionar também os agentes privados ao
respeito aos direitos fundamentais. Na década de 70, começou a crise no Welfare
State; o Estado não conseguia manter todas as garantias de ordem social
prometidas, acentuando-se tal crise com a globalização econômica, nas décadas
finais do século XX. As decisões começaram a concentrarem-se nos oligopólios,
bancos globais e poucos governos nacionais dominantes que buscavam o retorno
do estado mínimo. 154
Com o Estado Social houve uma redefinição da autonomia privada. O núcleo
do Estado e do Direito voltou-se à pessoa humana e com conseqüentes limitações
expressas da autonomia privada, limitando-a em razão da igual autonomia dos
demais, para a sua própria proteção, bem como das inter-relações dos direitos
fundamentais entre eles, passando a autonomia privada a englobar tanto o sentido
153
CLARK, John Maurice. Instituições econômicas e bem-estar social. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 235.
154
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris.
2004. p. 32-44.
81
patrimonial, caracterizada pela liberdade de negociar, quanto a não patrimonial
vinculada à proteção da dignidade da pessoa humana, ou seja, ser autônoma com
relação às decisões para a própria vida. 155
O neoliberalismo conjugando com o conservadorismo no campo social e o
liberalismo no campo econômico, surgiu preconizando a redução do Estado e dos
gastos sociais. Elaborado na primeira metade do século XX, pregava que a
intervenção estatal na esfera privada implicaria na redistribuição de riquezas, o que
oprimiria a liberdade individual, causando exclusão social mais acentuada que a do
liberalismo. Tornaram-se, os Estados, reféns do capital internacional. Os agentes
econômicos acabaram por criar um direito comum, a chamada Lex Mercatória.156
Neste contexto, o constitucionalismo moderno, no século XX, promoveu um retorno
aos valores compartilhados pela comunidade, em dado momento e lugar, que se
materializavam em princípios constitucionais expressos ou implícitos, que possuíam
normatividade e davam unidade e harmonia ao sistema jurídico, condicionando,
ainda, a atividade do intérprete. A abertura constitucional aos valores se dá pela
releitura dos princípios da separação dos poderes, do Estado Democrático de
Direito, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da solidariedade e da
reserva de justiça157. O desafio do Estado Democrático de Direito, segundo Ferreira
está exatamente em “efetivar a ordem econômica respeitando suas funções”158.
Com o decorrer dos anos o sistema da iniciativa privada, segundo Clark, não
pôde mais ser caracterizado como competitivo e fiel às leis econômicas que visavam
à realização de um equilíbrio competitivo, em razão de uma economia indeterminada
de grupos organizados, onde as forças da concorrência atuavam no setor dos
negócios, só que de forma “intermitente e desigual”:
155
REIS, Jorge Renato dos. Os direitos fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre
particulares. In: _____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2043-2045.
156
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris.
2004. p. 45-47.
157
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional
brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In:__ (Org.). A nova interpretação
constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
p. 28.
158
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista
Jurídica da UniFil, Ano II, número 2, 2005, ISSN 1807.1627. p. 73. Disponível em:
<http://www.unifil.br>. Acesso em: 27 out. 2009.
82
É indeterminada porque esses grupos têm agora mais poder do que fora
preconizado pela teoria original do laissez faire. Esses poderes rivais dos
negócios, mão-de-obra, agricultura e outros, ameaçam o sistema livre,
colocando-o frente a frente com a alternativa da coerção ou do caos, se os
poderes existente forem usados irresponsàvelmente e sem limite. Talvez
seja um assunto secundário terem eles arruinado a exatidão rigorosa
daquelas fórmulas com que os economistas definiam os resultados que os
ajustamentos econômicos tendem naturalmente a apresentar e que eram
designados como “princípios econômicos”. Trouxeram para o primeiro plano
um princípio econômico dominante que mal era conhecido no século XIX: o
princípio de que o grau de liberdade que pode persistir é determinado e
medido pelo grau de responsabilidade com que é exercido o poder
econômico grupal. Talvez isto seja um princípio moral, mas acredito que
seja também uma declaração de causa e efeito objetivos, tendo tanto direito
a uma posição científica quanto muitas “leis econômicas” tradicionais. O
interesse próprio e irresponsável já não pode ser aceito como base
satisfatória para um sistema econômico pelas pessoas que sabem o que
159
está acontecendo no mundo em que vivem. (de acordo com o original)
No âmbito jurídico, a autonomia privada na atualidade deve ser compreendida
levando-se em conta os arts. 1º, inciso III (que prevê a dignidade da pessoa humana
como fundamento da República Federativa do Brasil) e 170 da Constituição Federal.
A dignidade da pessoa humana tem como corolário a proteção ao livre
desenvolvimento da personalidade e afastar ou limitar a extremos a autonomia
privada seria o mesmo que privar o indivíduo de se “auto-regrar”, o que é contrário
aos princípios constitucionais. No entanto, como visto, a ordem econômica brasileira
se funda sobre a livre iniciativa, o que garante para a autonomia privada um “papel
central no domínio econômico”. Assim o art. 170 conecta a autonomia privada com a
livre iniciativa, bem como com os demais princípios constitucionais como “a função
social da propriedade, a defesa do consumidor ou a defesa do meio ambiente”. Em
razão de tais postulados, a autonomia privada deve ser compreendida atualmente
como o “espaço de competência normativa do sujeito privado, a servir de base à
atuação privada”, exigindo ser compreendida de modo funcional tanto em se
tratando do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa
humana quanto do âmbito econômico.160
Diante da chamada “filtragem constitucional”, permitida pelos parágrafos 1º e 2º
do art. 5º da Constituição Federal tanto as normas constitucionais quanto todo o
ordenamento jurídico passou a assumir uma necessária consciência de que o direito
159
CLARK, John Maurice. Instituições econômicas e bem-estar social. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p. 234-235.
160
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p. 105-106.
83
à vida digna é que deve orientar todas as formas de atuação tanto do Estado quanto
da iniciativa privada e da propriedade privada, bem como no campo da tutela do
meio ambiente, já que se trata de valor supremo a quaisquer considerações, seja de
desenvolvimento, seja de respeito ao direito de propriedade ou mesmo da livre
iniciativa privada.161
A supremacia da constituição, no contexto brasileiro, frente às relações
privadas é, segundo Sarmento, uma escolha de ideologia, levando em consideração
as peculiaridades da Constituição de 1988 que está voltada à dignidade da pessoa
humana, à justiça material e a igualdade substantiva. Assim é que tal constituição
marcou o reencontro entre a sociedade brasileira, o Direito e a democracia,
prevendo amplos e variados direitos consonantes com a tendência internacional e
erigiu-os a cláusulas pétreas. O reconhecimento do princípio da dignidade da
pessoa humana no ápice do ordenamento vai acarretar a “consagração da primazia
dos valores existenciais da pessoa humana” sobre o patrimonialismo. A proteção à
autonomia privada decorrente da Constituição Federal é heterogênea, devendo os
direitos patrimoniais serem protegidos apenas como meios para a concretização de
valores ligados à realização existencial do indivíduo e à defesa de interesses
socialmente relevantes; a autonomia negocial foi, por derradeiro, relativizada pela
Constituição Federal, em razão da preocupação constitucional com a igualdade
material e a solidariedade, e instrumentalizada em favor da proteção da dignidade
da pessoa humana e da justiça social.162 É a chamada “despatrimonialização”.
Ocorre que a idéia na qual se baseia a atual ordem constitucional do nosso país
trata do personalismo, que considera o ser humano como valor em si mesmo e tal
personalização não se mostra incompatível com a socialização do Direito Privado,
configurando uma causa do processo e, em razão dela, a solidariedade passa a
adquirir valor jurídico. Nesse contexto, a autonomia privada ainda continua refletindo
a emanação da liberdade, mas começa e ser ponderada com preocupações sociais.
161
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) § 1º- As normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. BRASIL. Constituição
(1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
162
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris.
2004. p. 214/220.
84
Em que pese a autonomia privada, quanto ao seu status normativo, seja
também direito fundamental constitucionalmente assegurado, que pode ser extraído
da livre iniciativa prevista nos arts. 1º, IV163, e 170, caput, da CF/88164, que envolve a
liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e também a liberdade de
contrato, passou a ter necessariamente de observar a dignidade da pessoa humana
e a preservação do meio ambiente, tendo como limites justamente a mantença
saudável e equilibrada do mesmo.
Ocorre que a qualidade do meio ambiente se transformou em um patrimônio,
cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram imperativo não apenas
do Poder Público. Embora se saiba não haver hierarquia entre princípios, numa
ponderação de valores, não há que se questionar sobre a prevalência do direito
fundamental humano ao meio ambiente equilibrado, que deverá sempre prevalecer
sobre o direito fundamental da iniciativa privada. Já que um dos limitadores da
autonomia privada previsto em âmbito constitucional e no novo Código Civil é a
função social, deve ser considerada legítima a livre iniciativa quando exercida no
interesse da justiça social e ilegítima quando exercida objetivando apenas lucro e
desenvolvimento do empresário. A iniciativa econômica pública, embora sujeita a
outros condicionamentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja,
quando se destina a assegurar a todos existência digna, nos termos dos ditames da
justiça social.165
Essa compreensão não parte apenas do Poder Público, sendo que este
efetivamente o faz de forma legítima nos termos legais, quer regulando a liberdade
de indústria e comércio, em alguns casos, impondo necessidade de autorização ou
permissão para determinado tipo de atividade econômica, ou mesmo regulando a
liberdade de contratar, em especial, no que tange às relações de trabalho e também
163
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...]. BRASIL. Constituição
(1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
164
REIS, Jorge Renato dos. Os direitos fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre
particulares. In:_____; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios
contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 2043-2045.
165
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 770.
85
quanto à fixação de preços, além de intervenção direta na produção e
comercialização de certos bens.
Como a proteção do ecossistema meio ambiente também faz parte do ideal de
desenvolvimento nacional previsto no artigo 3º da Constituição Federal de 1988,
deve-se entender que tal desenvolvimento, com base no artigo 170, implica
desenvolvimento ambiental, econômico e conseqüentemente social, não devendo a
atividade industrial do homem se opor à natureza. Quer a Constituição, assim, um
desenvolvimento sustentável, que requer dentre outras atitudes administrar a
natureza de maneira responsável, integrando a ela a gestão, também responsável,
da empresa ou indústria166; estando desconformes as atividades decorrentes da
iniciativa privada que violem a proteção do meio ambiente, não levando em conta a
mantença da qualidade do mesmo, a propriedade privada, base da ordem
econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social elementar à sua
garantia constitucional.
Traz o artigo 170 da Constituição Federal, portanto, a questão da
responsabilidade compartilhada em razão do bem ambiental ser tratado como bem
de interesse comum da coletividade, dependendo sua proteção da responsabilidade
compartilhada entre o Estado e a coletividade, o que implica a obrigação da
coletividade ter o exercício do direito de propriedade limitado pela obrigação de
determinadas abstenções que evitam excessos, em razão da necessidade de
enquadramento do direito aos limites impostos, pois, como dito, são participes da
coletividade responsável pela preservação ambiental.167
A função social da propriedade prevista na Constituição Federal, no inciso XXII,
do art. 5º, implica dizer que apenas é assegurado o direito fundamental da
propriedade quando este é exercido e usufruído conforme a função social que lhe é
atribuída pela própria Constituição Federal, nos arts. 182, 183, 184 e 186168 e tal
funcionalidade deve se estender as empresas e indústrias.169
166
BACKER, Paul de. Gestão ambiental: a administração verde. Tradução de Heloísa Martins Costa.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995. p. 1.
167
BACKER, Paul de. Gestão ambiental: a administração verde. Tradução de Heloísa Martins Costa.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995. p. 142.
168
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
86
Também com a vigência da Lei n.° 10.406/02, que instituiu o Novo Código Civil
(CC), foram positivados diversos princípios antes inexpressivos e o caráter privatista,
individual e eminentemente patrimonial do antigo Código Civil foi substituído de vez
pela socialidade, coletividade, eticidade e dignidade do atual Código. Em outras
palavras, a antiga preferência à proteção patrimonial individual foi renovada pela
supremacia do indivíduo, de seu valor na sociedade. O Código Civil rompeu com a
tradição da teoria do ato jurídico, recepcionando em sua parte geral a teoria do
negócio jurídico e ao revogar a parte geral do Código Comercial deu espaço a teoria
da empresa, ao invés de referir-se ao comerciante.
Segundo Ulhoa, empresa é a “atividade econômica organizada” para a
produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, sendo uma atividade a empresa
não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa, não se confundindo
com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa). 170 A
empresa não é, portanto, propriedade do empresário, sendo em verdade sujeito de
direito, que age por vontade própria (CC, art. 47171), responsável pessoalmente
pelos seus atos (CC, art. 1.022172) por seus empregados (CC, art. 932, inc. III173) e
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.(…) § 2º - A propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento
racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. BRASIL. Constituição
(1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 de nov. 2009.
169
SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão
com a solidariedade social. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 135.
170
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: de acordo com o novo Código Civil e
alterações da LSA. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 19.
171
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus
poderes definidos no ato constitutivo. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código
Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
172
Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de
administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer
administrador. Ibidem.
87
pela sociedade. De tal releitura, depreende-se que a função social da empresa se
relaciona com o direito pessoal, obrigacional e não com o direito real de propriedade.
O Novo Código Civil não conceitua “empresa”, mas traz a denominação
empresário no art. 966174, como sendo aquele que “exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou
serviços”. Partindo de um foco sócio-funcional de promoção e respeito aos Direitos e
Garantias Fundamentais, é possível se afirmar que o empresário deve ser um
agente e promotor social; é o dirigente da empresa e deve exercer sua atividade
econômica balizado pelos princípios sociais e individuais, consciente da sua função
social e, por conseqüência, ambiental, que está englobada na função social.
A empresa é importante agente social, dotado de relevante poder social e
econômico, sendo sua função social e ambiental uma obrigação que incide na sua
atividade, no exercício da atividade empresarial, ou seja, o lucro já não pode mais
ser elevado à prioridade máxima em prejuízo dos interesses privados ou coletivos.
No ordenamento jurídico infraconstitucional nacional, a função social da
empresa apareceu primeiramente na Lei das Sociedades Anônimas (Lei n.°
6.404/76), em seu art. 116, parágrafo único, quando fala que o acionista controlador
deve usar o poder objetivando fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua
“função social”, tendo deveres e responsabilidades para com os acionistas da
empresa, os trabalhadores e a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender. Também o art. 154 prevê que o administrador
deve exercer suas atribuições legais e estatutárias conferidas para lograr os fins e
no interesse da empresa, satisfazendo as exigências do bem público e da função
social da empresa e seu parágrafo 4º dispõe que o conselho da Administração ou a
diretoria podem autorizar a práticas de atos gratuitos razoáveis em benefício dos
173
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (…) III – o empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão
dele;(…). Ibidem.
174
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Ibidem.
88
empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas
responsabilidades sociais.175
Posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor reconheceu a função
social da empresa ao estabelecer finalidades sociais e a obrigação de promover a
proteção ao meio ambiente através do art. 51176.
O próprio Código Civil de 2002 acabou por estabelecer a necessidade de uma
função social da propriedade e dos contratos, mas não prevê a função social da
empresa. Necessário compreender que toda sociedade surge de um contrato e este
deve atender a um fim social. Segundo o art. 421, é possível se concluir que essa
função também deve estar refletida nos ideais da empresa. Nessa mesma linha o
art. 422 prevê a observância dos princípios da boa-fé e da probidade. O art. 927 do
mesmo diploma foi o primeiro dispositivo a regular diretamente a responsabilidade
civil, o que deixa evidente uma conseqüência da compreensão social do dever de
indenizar e dispõe acerca da responsabilidade por ato ilícito, dentre outras
hipóteses, o exercício do direito que exceda os seus fins sociais e econômicos,
conforme o art. 187:177
175
Art. 116. (…) Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para
com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que
atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr
os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da
empresa. (…) § 4º O Conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos
gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa,
tendo em vista as suas responsabilidades sociais. BRASIL. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20
nov. 2009.
176
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que: (…) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade; (…) XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em
desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; (…). BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de
1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
177
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
89
A função social se atribui a especial virtude de incluir, como elemento de
necessária atenção jurídica, preocupações com terceiros não membros da
relação, o que inegavelmente vai ao encontro das aspirações de uma
178
sociedade que se pretende mais solidária.
De acordo com Silva, o princípio da função social não possui uma feição
dogmática clara, muito menos um similar no âmbito do direito comparado, mas
reflete os desenvolvimentos históricos resultantes a partir do século XIX e, na
tentativa de estabelecer um perfil conceitual, entende-se que determina a
observância das conseqüências sociais das relações obrigacionais, partindo do
pressuposto da compreensão de que direitos e faculdades individuais “não são
imiscíveis às necessidades sociais, dado que o indivíduo só pode construir a sua
vida em sociedade”. A inclusão da função social se apresenta tanto no plano da
eficácia, já que os artigos 421 e 187 do Código Civil remetem ao “exercício”, quanto
no plano da validade, a partir do art. 2.035179, segundo o qual “nenhuma convenção
prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por
este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”, mas o
campo mais apropriado é do controle dos efeitos, “dados objetivos relacionados às
conseqüências de atos concretos”, de modo que na execução dos contratos, devese escolher a que promova melhores benefícios no âmbito social, tais como a
proteção do meio ambiente e a geração de empregos:
Muito embora esse efeito seja de difícil aplicação voluntária pelas partes, é
inegável que ele pode ser trazido ao caso concreto pelo Poder Público, seja
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. BRASIL.
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
177
SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão
com a solidariedade social. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 107.
177
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em
vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus
efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção
prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código
para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. BRASIL. op. cit.
90
em atos de licenciamento, seja em atos regulatórios, seja ainda quando da
180
interpretação do negócio jurídico pelo juiz.
Pode-se dizer que a empresa atinge a função social quando observa a
solidariedade (art. 3°, inciso I, CF), promove a justiça e a inclusão social (art. 170,
caput, CF), promove e observa a livre iniciativa (art. 170, caput e art. 1°, inciso IV,
ambos da CF), oportuniza o trabalho (art. 6º, CF181), a busca pelo pleno emprego
(art. 170, inciso VIII, CF), observa os preceitos legais que permitem reduzir as
desigualdades sociais (art. 170, inciso VII, CF), o valor social do trabalho (art. 1°,
inciso IV, CF), promove e respeita a dignidade da pessoa humana tanto dos
trabalhadores quanto da comunidade bem como dos consumidores (art. 1°, inciso III,
CF) e observa os valores ambientais, colaborando com a promoção e mantença do
meio ambiente equilibrado que é dever de todos (Código de Defesa do Consumidor,
art. 51, inciso XIV e art. 225, CF).
Ferreira elenca ainda alguns princípios norteadores da função social da
empresa, quais sejam: o princípio da dignidade empresarial, da moralidade
empresarial e da boa-fé empresarial.182
De acordo com Dias, o conceito de responsabilidade social empresarial na
prática promove um comportamento empresarial que acaba por integrar elementos
sociais e ambientais, que não precisam estar necessariamente contidos na
legislação, mas que venham a atender as expectativas sociais em relação à
empresa. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
(UNCTAD) considera que
a responsabilidade social vai além da filantropia. Na maioria das definições
se descreve como as medidas constitutivas pelas quais as empresas
integram preocupações da sociedade em suas políticas e operações
comerciais, em particular; preocupações ambientais, econômicas e sociais.
180
SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão
com a solidariedade social. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 114.
181
Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
dessa Constituição. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 29 nov. 2009.
182
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função social e função ética da empresa. Revista
Jurídica da UniFil, Ano II, número 2, 2005, ISSN 1807.1627. p. 78. <http://www.unifil.br>. Acesso em:
27 out. 2009.
91
A observância da lei é o requisito mínimo que deverão de cumprir as
183
empresas.
Também na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável (Rio+10) restou
definido como responsabilidade social empresarial o compromisso da empresa de
contribuir com o desenvolvimento econômico sustentável, trabalhando com os
empregados, as suas famílias, comunidade local e a sociedade em geral para a
melhora da qualidade de vida.
Para Dias, a função social da empresa implica um novo papel da empresa na
sociedade que vai além do âmbito econômico. Ela é vista cada vez mais como um
sistema social organizado de relações múltiplas, não podendo mais orientar-se
apenas por resultados, mas também pelo seu significado social, devendo atuar de
acordo com uma responsabilidade social concretizável através do respeito e
promoção dos direitos humanos, dentre eles, a preservação do meio ambiente
natural.
Como reflexo de uma visão sistêmica trazida pelo Informe Lugano, a economia
também deve ser compreendida como os outros sistemas físicos, tal como o corpo
humano, dentro do contexto da segunda lei da termodinâmica, qual seja, a entropia
que é referida como lei-limite da natureza. A economia encontra-se inserida em um
mundo físico e finito e não o contrário, e também transforma todos os fluxos de
energia e materiais em bens e serviços, liberando na biosfera os seus resíduos, a
contaminação e o calor - a entropia, que gera esse processo, ou seja, a economia é
um sistema aberto que atua dentro de um sistema fechado, visto que possui uma
atuação com independência da natureza.184
Essas novas características, pensamentos e previsões legais fazem com que
as empresas necessitem perceber seu papel no contexto social, além do contexto
econômico e, já que são agentes de poder como o Estado, faz-se necessário
atuações positivas, ampliadoras das liberdades individuais, tais como o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a dignidade humana e profissional dos
183
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: Responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 154.
184
GEORGE, Susan. Informe Lugano. Traducción de Berna Wang. 3. ed. Barcelona: Icaria, 2001. p.
23/25.
92
empregados, seus dependentes e comunidade como um todo e diante dessa
necessidade é que trazemos alternativas de gestão empresarial, visando realizar a
função social da empresa e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
93
3 GESTÃO EMPRESARIAL AMBIENTAL, A NORMA ABNT/NRB ISO
14001:2004, E A CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL
3. 1 Gestão Ecológica e Gestão Empresarial Ambiental
Toda e qualquer organização, sendo ela grande ou pequena, pública ou
privada, de qualquer setor da economia, acaba gerando inúmeros “aspectos
ambientais”, uns em elevadas quantidades, outros em nível bastante crítico,
causando impactos significativos aos meios: ar, solo e água e na saúde das
pessoas. Implantar uma administração ecológica ou uma gestão ambiental, visando
a adaptação das empresas e indústrias às atuais exigências constitucionais, legais,
de mercado e da atual sociedade consciente de suas responsabilidades sociais,
gerando o menor dano possível ao meio ambiente e a própria sociedade, parece
questão de sobrevivência até mesmo para a empresa.185
As “novas gerações” aprendem desde a pré-escola a necessidade de preservar
o planeta terra e transmitem a idéia às suas famílias, ademais, poucos não são os
movimentos de conscientização ambiental. Por conseguinte acaba refletindo na
exigência do próprio cidadão consumidor que cada vez mais se interessa em saber
a procedência e o processo industrial pelo qual passa o produto que consome ou o
serviço que lhe é prestado. Tal conscientização também implica não negarmos o
fato de que muitas vezes, muito mais que uma consciência ecológica da empresa e
da indústria está apenas presente uma estratégia de marketing.
Assim, é inegável que a “consciência ecológica” das empresas tem aflorado
tanto por pressões contínuas do Poder Público quanto pela opinião pública e pelos
consumidores bem como por uma possível melhoria da imagem da empresa junto a
determinados mercados, o que reflete no aumento dos seus benefícios e
principalmente a entrada no mercado internacional.186
185
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 9-11.
186
DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: Responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 155-156.
94
Marketing,
mero
cumprimento
de
exigência
para
atuar no
mercado
internacional ou mesmo consciência ecológica, o certo é que o meio ambiente, como
sistema complexo que é, em constante e mútua interação com os demais sistemas
complexos, dentre eles as empresas e indústrias, apenas pode ser compreendido
por meio de uma abordagem interdisciplinar. Nas palavras de Backer, necessita-se
mais do que nunca, no contexto atual onde começamos a sentir mais diretamente os
reflexos da nossa “destruição ambiental”, assumir responsabilidades sociais,
dispondo de ferramentas de diagnóstico para poder avaliar a situação, o contexto, e
depois com um pouco de “imaginação” criar uma estratégia ecológica ou
ambiental.187
Segundo Backer, existem quatro grandes categorias de poluidores, quais
sejam, a indústria, que “produz resíduos sólidos, efluentes líquidos, gás de
emanação e provoca acidentes que geralmente deterioram de maneira permanente
os locais”; os serviços, que “produzem resíduos sólidos (meios de transportes,
computadores, meios de comunicação); efluentes líquidos (turismo de verão) e gás
de emanação (auto-estradas); a distribuição, que produz resíduos sólidos através
das embalagens e objetos utilizados, acidentes tais como incêndios em locais de
armazenagem com emanação tóxica, efluentes líquidos gerados pela limpeza e
fumaça resultante da incineração; ainda, temos as famílias que geram resíduos
sólidos, efluentes líquidos, fumaças e, como bem refere o autor, “montanhas de
produtos consumidos”.
Contextualizando historicamente foi apenas a partir da década de 1980 que
despertou entre os países europeus a consciência de que os danos ambientais
“cotidianos” poderiam ser reduzidos através de práticas de negócios ecologicamente
corretas. Antes desse período, a proteção ambiental era tida como “uma questão
marginal, custosa e muito indesejável, a ser evitada; em geral, seus opositores
argumentavam que ela diminuiria a vantagem competitiva da empresa” e essa era
uma reação de cunho defensivo com o objetivo de diminuir e mesmo evitar os
pedidos de indenização por danos ambientais. Três foram as vertentes que
moldaram o cenário político na Alemanha na década de 80 do século passado,
187
BACKER, Paul de. Gestão ambiental: a administração verde. Tradução de Heloísa Martins Costa.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995, p. 9/11.
95
transmitiram as idéias às empresas de que os gastos com a proteção ambiental era
um investimento e uma “cooperação altamente produtiva” e deram origem aos
“produtos e serviços ‘eco-favoráveis’”:
- O rápido aumento da conscientização ambiental entre a população
em geral, o que teve um efeito significativo sobre as preferências do
consumidor, juntamente com a ascensão de um vigoroso movimento
ecológico
- O surgimento do protesto tecnológico, dirigido principalmente contra
a energia nuclear e outras megatecnologias, como nova forma de
protesto político
- A ascensão do Partido Verde e o êxito em introduzir temas
188
ecológicos críticos no diálogo político e no processo legislativo.
Segue ressaltando Callembach que nos Estados Unidos já, em 1960, foi criada
a Agência de Proteção Ambiental, aprovada a Lei do Ar puro e a Lei da Água pura e,
na década de 70, a Fundação de Conservação iniciou negociações com defensores
do meio ambiente e empresas, para tratar dos conflitos legislativos. Nos anos 80
houve um declínio da “limpeza ambiental”, dos financiamentos de programas e das
punições às empresas poluidoras, mas em contrapartida elas começaram a adotar
métodos ambientais para economizar e aumentar as vendas. Houve igualmente a
ascensão dos grupos de ativismo ambiental que passaram a influenciar a política
das empresas que começaram com atitudes, como: a separação do lixo para
reciclagem até a criação de lojas especializadas em produtos “verdes”.
Para ele, a administração ou gestão ecológica (ecomanagement) amplia o
conceito de administração e é diversa da administração ambiental que implica em
uma “abordagem defensiva e reativa, exemplificada pelos esforços ambientais
reativos e pela auditoria de cumprimento”; já a administração ecológica desenvolvida
na Alemanha e aprimorada pelo Elmwood Institute visa minimizar o impacto
ambiental e social das empresas através de uma abordagem ativa e criativa,
tornando todas as operações da empresa o mais ecologicamente correta possível.
Partindo da premissa de que tal como os problemas ecológicos são sistêmicos, a
compreensão e solução desses requerem um pensamento sistêmico, holístico, ou
ecológico, tal como a escola da ecologia profunda trazida no capítulo primeiro desse
trabalho: “o impacto ecológico das operações de uma empresa não terá uma
188
CALLENBACH, Ernest et al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement: Guia do Instituto
Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de Carmen Youssef.
São Paulo: Cultrix, 2001. p. 24-25.
96
melhoria significativa enquanto a empresa não passar por uma mudança radical em
sua cultura empresarial”.
O Instituto Elmwood foi fundado por Fritjof Capra em 1984 e dedica-se a
promover instruções básicas em ecologia, focando três componentes: o pensamento
sistêmico, conhecimento dos princípios da ecologia e prática dos valores ecológicos.
A meta do instituto é fazer da instrução básica em ecologia o princípio norteador
central da educação, dos negócios e da política em geral.189
O sistema abrangente de administração de cunho ecológico mais bemsucedido foi desenvolvido por Georg Winter, chamado “sistema integrado de
administração com consciência ecológica”, ou “modelo Winter”, filosofia que tem
implícita a idéia de sustentabilidade. Winter refere seis motivos pelos quais
administradores ou empresários que se querem responsáveis devem implementar
os preceitos de uma “administração com consciência ecológica”: a sobrevivência
humana (“sem uma economia com consciência ecológica, a sobrevivência humana
estará ameaçada”), o consenso público (“sem empresas com consciência ecológica,
não haverá consenso entre o povo e a comunidade de negócios”), a oportunidade de
mercado (a falta de consciência ecológica implica em “perda de oportunidades em
mercados em rápido crescimento”), a redução de riscos (“sem administração com
consciência ecológica, as empresas correm o risco de responsabilização por danos
ambientais”), a redução de custos (“sem administração com consciência ecológica,
serão perdidas numerosas oportunidades de reduzir custos”) e a integridade pessoal
(“sem administração com consciência ecológica, tanto os administradores como os
empregados terão a sensação de falta de integridade pessoal”, não se identificando
com o próprio trabalho). Traz também seis princípios essenciais para o sucesso da
empresa administrada ecologicamente: qualidade (a qualidade do produto é elevada
quando produzido “de forma ambientalmente benigna, e se puder ser usado e
descartado sem causar danos ambientais”, no entanto, aqui cabe ressaltar que o
objetivo seria minimizar os danos, pois toda atividade industrial acarreta dano
ambiental), criatividade (“a criatividade da força de trabalho de uma empresa é
intesificada quando as condições de trabalho respeitam as necessidades biológicas
189
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 179.
97
humanas”), humanidade (se há senso de responsabilidade para com todos os seres
vivos, há um “clima” geral de humanidade no trabalho), lucratividade (que pode
aumentar com a adoção de “inovações ecológicas redutoras de custo e pela
exploração de oportunidades de mercado de produtos de apelo ecológico”),
continuidade (para que haja a continuidade da empresa é importante evitar riscos de
responsabilização decorrentes da legislação ambiental e riscos de mercado em
razão da decaída de vendas dos produtos danosos ao meio ambiente) e lealdade
(dos funcionários ao país e demais cidadãos). Engloba ainda “três elementos-chave”
característicos das estratégias de uma administração com consciência ecológica:
inovação (aqui no sentido de “inovações eco-favoráveis” e conservadoras de
recursos para o gerenciamento ecológico e tais inovações tanto diminuem o impacto
ambiental acarretado pela empresa quanto trazem vantagens ao consumidor,
gerando economias de custo e vantagens competitivas), “cooperação entre os
agentes do ciclo completo da vida de um produto” (desde a matéria prima até
produção, uso e descarte) e comunicação (ao contrário do que ocorre com as
estratégias tradicionais de administração onde comunicação e relações públicas são
marketing, na administração com consciência ecológica a comunicação é estratégia
global em razão da “crise de confiança que afeta as empresas individualmente e
setores inteiros”).190
A administração ambiental é severamente criticada pelo Elmwood Institute, que
a vê como uma visão reduzida dos ecossistemas, pois vale-se do paradigma
mecanicista, da visão antropocêntrica, ideologia voltada ao crescimento econômico,
em oposição a sustentabilidade ecológica, ideal da gestão ecológica profunda191, e
se vincula a idéia de “resolver os problemas ambientais em benefício da empresa”
apenas, carecendo de ética:
Ela carece de uma dimensão ética, e suas principais motivações são a
observância das leis e a melhoria da imagem da empresa. O gerenciamento
ecológico, ao contrário, é motivado por uma ética ecológica e por uma
190
WINTER, 1987 apud CALLENBACH, Ernest et al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement:
Guia do Instituto Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de
Carmen Youssef. São Paulo: Cultrix, 2001. p. 35-38.
191
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 18.
98
preocupação com o bem-estar das futuras gerações. Seu ponto de partida é
192
uma mudança de valores na cultura empresarial.
Em que pese a crítica trazida à administração ambiental, o presente trabalho
também se propõe ao breve estudo da gestão ambiental que, nas palavras de Sell,
consiste em gerir, controlar e também guiar os processos de produção de bens e de
prestação de serviços com o fulcro de preservar o ambiente físico e a integridade
física e psicoemocional das pessoas e a reduzir o consumo e o desperdício de
material, energia e trabalho, o que segundo ele reflete na redução de “aspectos e
impactos” gerados por produtos ao longo de todo o ciclo de vida do produto e por
todos os processos que se envolve, com medidas técnicas e de organização. 193
Foi apenas em 1994 que o movimento internacional de responsabilidade social
teve maior visibilidade e reconhecimento, tendo surgido a organização norteamericana denominada Business for Social Responsibility (BSR) que logo alcançou
repercussão mundial. Em 1998, em torno de 60 representantes de grupos variados
de interesse de cinco continentes reunidos no Conselho Organizacional Mundial
para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) lançaram os pilares do conceito de
responsabilidade social corporativa (RSC), na Holanda, tendo como foco a
promoção da atuação ética da organização, movimento ao qual se engajaram
algumas organizações brasileiras tais como a “Natura, Aracruz Celulose, Grupo
Votorantin, Calçados Azaléia e Bradesco”, dentre outras.194
Como já visto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito
humano e fundamental que deve ser observado e promovido por “todos”, tanto pelo
Estado, através de políticas públicas de proteção ambiental, quanto pelos indivíduos
e nestes inclui-se a iniciativa privada, os empreendimentos através do que se pode
chamar de uma auto-responsabilização, usando as palavras de Sell:
A proteção ambiental – como dever do Estado somente – tem resultado em
muito trabalho para este e isso com pouca eficiência ambiental, pois as
192
CALLENBACH, Ernest et al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement: Guia do Instituto
Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de Carmen Youssef.
São Paulo: Cultrix, 2001. p. 89
193
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 13.
194
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 17-18.
99
organizações sujeitas à legislação tentam cumpri-la, sobretudo, com
medidas de fim de tubo, como o tratamento e a disposição correta de seus
resíduos, nem sequer cogitando tomar ações mais eficazes, como a
melhoria tecnológica de produtos e processos. Então, a proteção ambiental
deve ser também dever da economia; com a auto-responsabilização, cada
organização faz mais em prol do meio ambiente do que cumprir a
legislação. Desse dever da economia, surgem acordos entre as empresas
de um setor e entre empresas e seus fornecedores com o objetivo de
melhorar o desempenho ambiental de cada uma delas. O desempenho
ambiental é expresso por resultados mensuráveis da gestão ambiental,
evidenciando o controle que a organização tem sobre seus aspectos
195
ambientais.
A gestão ambiental pode iniciar pela atitude individual de um funcionário ou um
grupo deles, a partir de uma coleta seletiva de lixo na empresa, de uma escala ou
revezamento para o transporte dos funcionários, do tipo “carona”, por exemplo, ou
mesmo na opção pela não utilização de copos plásticos descartáveis. Tais
mudanças podem acabar resultando numa mudança cultural ambiental de toda a
empresa. Em outros casos, a iniciativa pode partir da própria direção da empresa,
vindo a tornar-se um programa institucional, abrangendo não apenas uma unidade,
mas várias fábricas e escritórios do mesmo grupo:196
Como a gestão ambiental abarca processos, produtos e serviços de
qualquer tipo, ela é necessária em toda empresa, em hospitais, clínicas, e
laboratórios, farmácias e drogarias, bancos e seguradoras, creches, escolas
e universidades, supermercados, shopping centres e lojas, padarias e
confeitarias, bares e restaurantes, oficinas e borracharias, serralharias e
marcenarias e também em condomínios horizontais ou verticais, comerciais
ou residenciais. Como todos geram aspectos, todos têm responsabilidade
para com eles; todos devem tratar seus resíduos de forma ambientalmente
correta, além de procurar reduzir a geração deles. A redução do consumo
197
de materiais e energia é igualmente imprescindível.
O processo de gestão ambiental considera todas as variáveis de um processo
de gestão, tais como o planejamento, o estabelecimento de políticas, um plano de
ação, a alocação de recursos, a determinação das responsabilidades, decisão,
coordenação, controle, dentre outros, visando o desenvolvimento sustentável do
empreendimento.
195
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 15.
196
FERREIRA, Aracéli Cristina de Souza. Contabilidade ambiental: uma informação para o
desenvolvimento sustentável – inclui Certificado de Carbono. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 30-31.
197
SELL, op. cit., p. 14.
100
Para Valle, a gestão das questões ambientais em uma empresa já é
reconhecida como função organizacional independente e necessária, com
características próprias que a diferenciam das funções de segurança, das relações
industriais, das relações públicas, da qualidade e demais com que interage. Com a
disseminação de conceitos como “Garantia da Qualidade” e “Responsabilidade
Social”, a gestão ambiental começa a ocupar posição destacada dentre as funções
organizacionais, não apenas pela contribuição positiva dada a imagem da empresa,
mas pelos efeitos danosos que o mau desempenho ambiental pode vir a causar a
essa imagem. Em razão disso, a qualidade ambiental se tornou parte dos valores
cultivados na organização e desempenha imprescindível papel na estruturação e
manutenção da imagem da mesma. É assim função gerencial abrangendo todos os
setores da organização e também tarefa contínua. 198
Continua referindo que a gestão ambiental em uma organização inserida no
mercado aberto, característica dos tempos atuais, faz com que o empresário tenha
certas indagações sobre o custo desse gerenciamento e sobre a oportunidade de
investir recursos, normalmente escassos, na preservação ambiental. A razão por tal
indagação surge da tradição de se “contabilizar na rubrica meio ambiente” somente
os custos decorrentes do tratamento de afluentes, transporte dos resíduos,
pagamento de multas, dentre outros. “As reduções nos custos de energia, água,
matérias-primas e outros, alcançadas por meio de uma boa gestão ambiental são,
tradicionalmente, lançadas a crédito de outros setores da empresa” especialmente
os de produção e compras.
Na economia clássica, os fatores de produção eram a terra, o trabalho e o
capital, mas com o século XX abstraíram-se os fatores “excedentes”, quais sejam,
terra, tendo em vista que os recursos naturais eram vistos como infinitos, e o
trabalho, pois havia mão-de-obra abundante e barata, passando a visão
“neoclássica da economia” a visualizar o desenvolvimento como que exclusivamente
resultante do fator capital, dos investimentos: “na verdade, uma relação pendular
entre produção e consumo, em um sistema completamente fechado”.199
198
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 67-68.
MÉRICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução à economia ecológica. 2. ed. Blumenau: Edifurb,
2002. p. 19.
199
101
Recentemente é identificável até um novo fator denominado por alguns como
fortalecedor da competitividade das organizações que trabalham com a gestão
ambiental. O custo de produção tem de ser compatível com o preço de venda que o
mercado globalizado aceita, não se podendo mais trabalhar apenas com custos
estimados, acrescidos do lucro desejado que era expresso por um “confortável”
percentual adicionado aos custos, chegando-se ao preço de venda desejado, ou
seja, a equação era: custos + lucros = preço de venda. Com a globalização, os
mercados abertos e o global sourcing, a equação prevalecente e que necessita,
segundo alguns, ser bem administrada com vistas a assegurar a sobrevivência da
empresa, tem o preço de venda determinado pela própria globalização, resultando
na equação: preço de venda – custos = lucro, e nesta nova equação o meio
ambiente pode vir a contribuir positivamente para:
- melhorar o preço de venda dos produtos e serviços que utilizem em seu
marketing a imagem ambiental como fator de valorização;
- reduzir os custos de produção pela gestão correta dos insumos e
matérias-primas, por meio de programas de conservação de energia, reuso
da água, redução da geração de resíduos (que são, quase sempre,
desperdícios de materiais), eliminando acidentes, adotando em suma, os
princípios da ecoeficiência.
Desse modo, a gestão ambiental pode contribuir favoravelmente para
viabilizar linhas de produtos que estariam condenadas do ponto de vista
200
econômico.
Negligenciar a crise ambiental, ignorando os benefícios diretos do capital
natural, condição de sobrevivência humana, bem como os efeitos negativos gerados
no meio ambiente pelo processo de produção e seus resíduos gerados, “beira a
insanidade” para Mérico, pois o processo produtivo precisa se adequar aos limites
impostos pela biosfera. A internalização dos custos ambientais no processo de
produção, visando contabilizar os impactos de cada atividade, é uma excelente
“ferramenta” na melhoria de alocação de recursos econômicos, depende da correta
identificação dos impactos e de sua valorização econômica, no entanto, logo salienta
o autor, que não há como internalizar toda a “externalidade generalizada”, o que
resta evidente quando se observa que não há uma dimensão macroeconômica da
questão ambiental, tendo em vista tratar-se a macroeconomia de um subsistema
aberto da biosfera e dependente dela. Estamos em uma era onde o capital natural é
o fator limitante do desenvolvimento econômico, mas fato é que a limitação biofísica
sustentável como limite para a economia de mercado, resultará na mudança dos
200
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 68.
102
preços que refletirão os novos limites impostos, devendo tais preços refletir a
chamada “escala ótima” da economia, no entanto, ainda há externalidades
irreversíveis e que devem ser evitadas. A “escala ótima” será atendida quando não
for retirado dos ecossitemas mais que a sua capacidade de regeneração e quando
não se devolver aos ecossistemas mais que a sua capacidade de absorção, o que
reflete a definição de sustentabilidade para o autor. 201
Não temos aqui a ingenuidade de pensar que a empresa irá preservar o meio
ambiente sem pensar no mercado e é sob essa perspectiva que a empresa irá
decidir o processo produtivo a ser adotado. As preocupações ambientais dos
empresários são influenciadas por três grandes conjuntos de forças que interagem
reciprocamente: o governo, a sociedade e o mercado. As questões ambientais
passaram a ter reflexos importantes sobre a competitividade dos países e suas
empresas, devido aos profundos impactos das leis ambientais no comércio
internacional.
A intensificação no processo de abertura comercial, expondo os produtores
com diferenças assumidas de custos ambientais e sociais a uma concorrência
acelerada e de proporção mundial, tem se mostrado uma grande força de pressão
de regulamentação e mesmo de auto-regulamentação socioambiental, tanto que “os
produtos com custos sociais e ambientais baixos, devido a uma regulação frouxa ou
ausente, estariam praticando dumping social e ambiental, comparativamente aos
que operam sob legislações mais rigorosas”:
O surgimento de iniciativas voluntárias de auto-regulamentação se deve em
grande parte às dificuldades de proteção de mercados nacionais por meio
de barreiras comerciais após o Tratado de Marrakesh de 1994, que
encerrou a Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais no
âmbito do Gatt e criou a Organização Mundial do Comércio (OMC). Uma
das conseqüências esperadas da adoção generalizada dessas iniciativas é
o nivelamento dos custos de produção entre empresas produtoras de bens
similares situadas em países diferentes com diferentes exigências legais
202
com respeito às questões socioambientais.
Outro tipo de pressão sofrida se dá por parte dos investidores que desejam
reduzir os riscos dos seus investimentos. Também o setor de seguros exige que as
201
MÉRICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução à economia ecológica. 2. ed. Blumenau: Edifurb,
2002. p. 19-21.
202
BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 100.
103
empresas melhorem seus desempenhos ambientais, visto que os sinistros
ambientais podem atingir proporções vultosas. A população também exerce pressão
a partir da tomada de consciência dos problemas ambientais procurando consumir
produtos e serviços ambientalmente corretos, que possuam os chamados “selos
verdes” ou que sejam Certificadas, o que além de adequar a empresa aos padrões
estabelecidos na proteção ambiental servem como uma questão de marketing, que
neste caso deve ser reflexo do trinômio qualidade, produtividade e competitividade:
quando se fala de qualidade, produtividade e competitividade, está-se
falando do uso racional dos recursos, da diminuição do desperdício, do uso
mais eficiente dos recursos colocados à disposição da empresa para a
obtenção de maiores lucros, que só serão possíveis com menores custos,
melhor preço e vendas compatíveis. O somatório desses fatores não é
incompatível com uma gestão voltada para o desenvolvimento sustentável;
203
pelo contrário, é fundamental [...].
Nesta linha anda Ferreira quando fala que, ao se tratar de desenvolvimento
sustentável, a responsabilidade normalmente recai sobre o governo e as empresas,
pouco se falando sobre a parcela que compete ao cidadão:
O que as empresas produzem é demanda da necessidade de consumidores
por produtos específicos para essas necessidades. Contudo, no atual
estágio de desenvolvimento de nossa cidade, o conceito de necessidade do
consumidor extrapola sua subsistência e adentra em campos que estimulam
esse consumo além da questão do viver bem. [...] Contemplar os custos do
meio ambiente no processo produtivo é contemplar o que os ambientalistas
consideram o Princípio do Poluidor Pagador, e também pode ser uma forma
204
de reordenar o consumo excessivo.
Merece ainda ser destacado, segundo Valle, que com a gestão ambiental
possibilita uma “sinergia” com os demais sistemas de gestão já implantados ou que
possam vir a ser implantados na empresa:
Organizações conscientes das mudanças que terão de introduzir em suas
atitudes empresariais para se manterem competitivas tendem a adotar uma
visão holística que reúne os temas qualidade, meio ambiente, segurança,
saúde, ética e responsabilidade social. Cada um desses temas já é objeto
de normas internacionais de gestão e procedimentos de auditoria que
justificam sua abordagem em conjunto, o que possibilita reduzir os custos
da implantação e de operação dos respectivos sistemas. Além das normas
ISO 9000 e ISO 14000, bem conhecidas, já estão em vigor as normas
203
FERREIRA, Aracéli Cristina de Souza. Contabilidade ambiental: uma informação para o
desenvolvimento sustentável – inclui Certificado de Carbono. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 36.
204
Ibidem, p. 21-22.
104
OHSAS 18000, para a gestão da segurança e da saúde, e a norma SA
205
8000, para a gestão da responsabilidade social da empresa.
O termo Gestão Empresarial Ambiental pode assim ser entendido como
diretrizes e atividades administrativas e operacionais realizadas tendo o objetivo de
obter efeitos positivos sobre o meio ambiente, quer reduzindo ou mesmo eliminando
os danos ou problemas causados pelas ações humanas, quer evitando que eles
surjam. A gestão ambiental pode proporcionar como benefícios estratégicos a
melhoria da imagem institucional, a renovação do portfolio dos produtos, o aumento
na produtividade, maior comprometimento dos funcionários e melhores relações de
trabalho, criatividade e abertura de novos desafios, melhores relações com
autoridades públicas, comunidade e grupos ambientais ativistas, acesso assegurado
a mercados externos e maior facilidade para cumprir os padrões ambientais
determinados pela legislação. O ciclo da atuação da gestão ambiental, para que
gere eficácia, deve cobrir desde a fase de concepção, desenvolvimento e
funcionamento do produto ou serviço até a eliminação efetiva dos resíduos gerados
pela empresa depois de implantado e durante o período de seu funcionamento:
A gestão ambiental deve também contribuir para a melhoria contínua das
condições ambientais, de segurança e saúde ocupacional de todos os seus
colaboradores e para um relacionamento sadio com os segmentos da
206
sociedade que interagem com o empreendimento e a organização.
A gestão ambiental pode ter como objetivo a obtenção de selos e certificados a
serem utilizados na competição nos mercados de interesse, tais como os produtos
alimentícios, que precisam de alguns selos ambientais, de qualidade e de segurança
alimentar para entrarem em mercados na Europa, Ásia, América do Norte, etc.
Backer constrói as determinantes de seu trabalho em defesa da gestão
ambiental ancorado no fato de que:
Não existe dicotomia entre o ecossistema natural e o ecossistema industrial.
A atividade industrial do homem não deve se opor à natureza, pois dela é
parte integrante, ela a molda desde o começo e desde o começo é por ela
moldada.
Assim sendo, querer proteger ou defender a natureza tem menos sentido do
que querer administrá-la de maneira responsável e, a partir daí, querer
integrar nela a gestão responsável da empresa. […]
205
206
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 68-69.
Ibidem, p. 68-69.
105
Em uma empresa acontece o mesmo que com a floresta ou com o mar. De
tanto querer defendê-la ou atacá-la, de tanto querer criar confronto entre um
ecossistema industrial e um ecossistema natural, irrefletidamente
esquecemos que se trata do mesmo ecossistema, que, a partir de agora,
207
deve ser administrado de maneira responsável.
Diante
desse
contexto,
Peter
Senge
lucidamente
sustenta
que
“as
organizações que sobreviverão e florescerão são as voltadas para o futuro – as que
são capazes de assimilar informações novas, adaptar, mudar. Em essência,
capazes de aprender.” Em razão de não se saber os desafios futuros das empresas,
acredita que o sucesso dessas está exatamente na capacidade das pessoas que as
compõe e do conjunto em si em assimilar cinco tecnologias, quais sejam,
“pensamento sistêmico, domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilhada e
aprendizagem em equipe”, habilidades que capacitam a equipe a prever e reagir a
condições em rápida mudança.208
No próximo tópico analisaremos a alternativa de gestão empresarial ambiental
trazida pelas Normas da série ISO 14000 visando o desenvolvimento sustentável.
3. 2 A Norma ABNT/NBR ISO 14001:2004 e o Sistema de Gestão Ambiental
As questões relacionadas com o meio ambiente até pouco tempo eram
tratadas no campo da regulamentação técnica, através da definição de padrões e
limites de emissões que deviam ser respeitados pelos geradores dos impactos
ambientais. Os esforços realizados visando a normalização por diversos países se
restringiam quase sempre nos métodos de ensaio e de amostragem que
permitissem avaliar o atendimento aos padrões e limites definidos em lei. Outras
iniciativas se deram visando a identificação e promoção de produtos não causadores
de impactos ambientais danosos em alguns países e de forma isolada resultando na
criação dos chamados “selos verdes”, que eram símbolos ou rótulos ecológicos,
assim como o “Anjo Azul”, introduzido na Alemanha em 1978. Apenas, no final do
século passado, iniciou o desenvolvimento voluntário de normas técnicas destinadas
a padronização de produtos e serviços por parte dos setores industriais e de
207
BACKER, Paul de. Gestão ambiental: administração verde. Tradução de Heloísa Martins Costa.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995. p. 1-2.
208
SENGE, 1990 apud CALLENBACH, Ernest et al. Gerenciamento ecológico: EcoManagement:
Guia do Instituto Elmwood de Auditoria Ecológica e Negócios Sustentáveis. 10. ed. Tradução de
Carmen Youssef. São Paulo: Cultrix, 2001. p. 33.
106
serviços. Em razão do desenvolvimento e sofisticação das atividades de comércio e
indústria, bem como da crescente regulamentação das atividades ambientalmente
impactantes impondo inúmeros critérios e padrões de desempenho, tem-se
ampliado o espaço das atividades de normatização técnica e é a partir da década de
90 que a normalização técnica de atividades com aspectos ambientais inicia uma
nova fase de desenvolvimento de normas para sistemas e instrumentos de gestão
ambiental:
Essa nova tendência tem origem em fatores co-relacionados: (i) o estágio
de maturação atingido por vários programas de auto-avaliação e gestão
ambiental desenvolvidos pelas empresas multinacionais; (ii) o
desenvolvimento de vários princípios e códigos de prática ambiental por
parte de organizações industriais e comerciais nacionais e internacionais,
destinados sobretudo a articular uma ética ambiental entre as empresas e
demonstrar ao público em geral o compromisso da comunidade empresarial
com uma melhora contínua dos aspectos ambientais de suas atividades; e,
principalmente no caso da auditoria ambiental, (iii) a existência de um
entendimento geral sobre os conceitos, princípios e procedimentos básicos
da auditoria ambiental e das qualificações técnicas ao seu exercício, após
209
vinte anos de evolução, principalmente nos Estados Unidos.
As iniciativas privadas empresariais de auto-regulamentação podem ser
consideradas como acordos voluntários entre as empresas e a sociedade, podendo,
esses acordos, serem do tipo comprometimentos unilaterais ou contratos privados,
conforme
denominação
da
OCDE
(Organização
para
a
Cooperação
e
Desenvolvimento Econômico). Os contratos privados são firmados entre uma
empresa ou um grupo delas e os que sofrem prejuízo ou dano decorrentes da
atuação da empresa. As iniciativas privadas de caráter unilateral podem ser de três
tipos: a) ação isolada da empresa que espontaneamente busca tratar dos problemas
ambientais de modo mais rigoroso do que a legislação a qual se submete; b)
acordos criados por um grupo de empresas, associação de empresas ou entidade
representante, que envolvem questões específicas do setor; c) é constituído pelas
iniciativas de entidades independentes, como a “Câmara de Comércio Internacional
(ICC) e a Organização Internacional para Padronozações (ISO)” e “são de caráter
geral, podendo ser adotadas por empresas de qualquer setor, tamanho e local”. Os
dois últimos tipos (b e c) apresentam-se como “programas e modelos de gestão
209
SALES, Rodrigo. Auditoria ambiental: aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2001. p. 54.
107
ambiental, códigos de conduta e normas ambientais de caráter voluntário” e a
adesão às propostas depende apenas da vontade unilateral das empresas.210
A ISO - “International Organization for Standardization”, com sede em Genebra,
na Suíça, foi fundada em 1946, e é uma organização não-governamental que
congrega mais de 150 países, inclusive o Brasil, com um membro por país.
Apresenta como objetivo o desenvolvimento de normas internacionais consensuais e
voluntárias para modelos de fabricação, comunicação, comércio e sistema de
gerenciamentos que tem como missão promover o comércio internacional através da
harmonização de suas normas. Cada país membro possui um representante, e no
Brasil, o representante é a ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas.211Está
a ISO estruturada em aproximadamente 180 comitês técnicos, cada um
especializado em realizar minutas de normas em área particular. A ISO desenvolve
normas em todos os setores industriais, salvo nos relacionados à engenharia elétrica
e eletrônica, que são desenvolvidas pela International Electrotechnical commission
(IEC), igualmente sediada em Genebra e que possui mais de 40 países-membros212.
Segundo Assumpção, essa nova abordagem, que pode ser dita como uma
abordagem sistêmica das atividades que se relacionam com o meio ambiente,
iniciou pela British Standards Institution (BSI), em 1992, com a homologação da
norma BS 7750, que introduziu procedimentos para estabelecer um Sistema de
Gestão Ambiental nas organizações, sendo que a sua versão de 1994 é que serviu
de base para a elaboração da ISO 14001. A norma BS 7750 estabelece, por sua
vez, um paralelo ambiental com a norma britânica de gestão de qualidade BS 5750,
que serviu de base para a elaboração das normas internacionais da série ISO 9000
de Gestão da Qualidade e Garantia da Qualidade.213
Conforme o autor, depois da publicação da BS 7750 pelo Reino Unido,
proliferaram-se as normas de sistemas de gestão ambiental de âmbito nacional,
210
BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 80-81.
211
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 25.
212
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 203/205.
213
ASSUMPÇÃO, op. cit., p. 26.
108
como as da Espanha, França, África do Sul, dentre outros. Em razão dessas
diferenças regionais e mesmo da quantidade de normas, algumas não possuíam
requerimentos em comum ou mesmo possuíam requisitos contraditórios, sendo
necessária então, para evitar complicações no comércio internacional, a elaboração
de uma única norma ambiental padrão de aceitação nacional.
Visando a padronização das normas nacionais, diz o autor que em 1993 a
União Européia adotou o Sistema de Gerenciamento e Auditoria Ambiental (EMAS –
Eco-Management and Audit Scheme). Diferente da BS 7750 e da ISO 14001, foi
elaborada
especificamente
para
as
indústrias
e
pode
ser
implantada
voluntariamente.
Apenas em janeiro de 1993, a ISO criou o Comitê Técnico 207 (TC 207), para
administrar o desenvolvimento das normas ambientais. Esta iniciativa foi diretamente
estimulada pelo secretariado da ECO 92 já durante o encontro no Rio de Janeiro.
Em março do mesmo ano, o Conselho de Normas do Canadá (SCC –
Standartization Council of Canadá), através da Associação Canadense de Normas
(CSA – Canadian Standards Association), assume o secretariado do TC 207 e no
mês de junho ocorre o primeiro plenário em Toronto, encontro em que foi
desenvolvido um plano de trabalho que incluiu a criação de seis subcomitês técnicos
(SC1: Gerenciamento Ambiental; SC2: Auditoria Ambiental; SC3: Rotulagem
Ambiental; SC4: Avaliação de Desempenho Ambiental; SC5: Análise de Ciclo de
Vida; SC6: Termos e Definições) e dezoito Grupos de Trabalho. Nos dois anos
seguintes, os grupos de trabalho reuniram-se por quatro vezes ao ano e no encontro
plenário de junho de 1995, em Oslo, na Noruega, seis documentos alcançaram nível
de projeto de norma internacional que assegurassem uma abordagem sistêmica à
gestão ambiental e possibilitasse a certificação ambiental de organizações e de
produtos.
E, no ano de 1995, muitas organizações desenvolveram e implementaram
SGA’s (Sistemas de Gestão Ambiental), utilizando como base os projetos de
normas, complementados por documentos base tais como BSI 7750 e as
regulamentações voluntárias do Plano de Ecogestão e Auditoria da Comunidade
Européia.
109
A nova série de normas recebeu a designação de ISO 14000, e assim como a
ISO 9000 é aplicável tanto as atividades industriais quanto às atividades extrativas,
comerciais,
de
prestação
de
serviços,
agroindustriais
e
até
organismos
governamentais, visando à melhoria contínua, mas sem a previsão expressa na lei
de índices e valores mínimos:
As normas ISO 14000 são voluntárias e não prevêem a imposição de limites
próprios para medição da poluição, padronização de produtos, níveis de
desempenho, etc. São concebidas como um sistema orientado para
aprimorar o desempenho da organização por intermédio da melhoria
contínua de sua gestão ambiental, sem a pretensão de impor índices e
214
valores mínimos.
Foi em junho de 1996 que houve a homologação da primeira ISO 14001 e no
Brasil a homologação da versão da norma ABNT/NBR ISO 14001 “Sistema da
gestão ambiental; Especificações e Diretrizes para uso” ocorreu em outubro. Em
2004, dezembro, houve a homologação da segunda versão 215 que visa apenas o
esclarecimento da primeira edição, auxiliando a entendê-la e leva em conta as
disposições da ABNT/NBR ISO 9001: 2000, na tentativa de aumentar a
compatibilidade entre as duas normas em benefício dos seus usuários.216
A norma brasileira foi desenvolvida pela ABNT, fórum de normalização, e sob a
responsabilidade dos Comitês Brasileiros (CB) e, para sua homologação, houve
votação nacional entre os associados da ABNT e partes interessadas. O Brasil teve
boa e rápida aceitação ao desenvolvimento das normas ISO 14000 e instituiu a
Comissão Técnica de Certificação Ambiental em 1995, que desenvolveu uma série
de normas e procedimentos para a instituição de um Sistema Brasileiro de
Certificação Ambiental. A partir de então, o Brasil possui uma estrutura de
credenciamentos de organismos de certificação de gestão ambiental conforme a
norma ISO 14001, credenciamento que é realizado pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). As Normas da série
ISO mantêm a mesma numeração no Brasil, apenas precedida do designativo NBR
da ABNT. O programa de certificação da ABNT para sistemas de gestão ambiental é
destinado a qualquer tipo de organização, de acordo com os critérios estabelecidos
214
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 136.
ASSUNPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 27
216
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. V.
215
110
pela norma ABNT/NBR ISO 14001. São avaliados aspectos gerenciais como a
política ambiental, os aspectos e impactos ambientais relacionados à produção,
legislação ambiental pertinente, programas ambientais, comunicação com partes
interessadas, treinamento e auditorias internas, conforme roteiro da ABNT. Cabe
destacar ainda que todas as normas da ISO estão disponíveis no site
www.iso.org.217
Relata Valle, que através da ISO 14000, as normas ambientais acabam por
ultrapassar as barreiras nacionais e colocam a gestão ambiental em igual patamar
da gestão de qualidade, criando condições para o êxito da empresa que exporta e
disputa sua posição em um mercado globalizado.218
Nas palavras do autor, a norma ISO 14000 tem como objetivo central um
sistema de gestão ambiental apresentando como escopo auxiliar a organização no
cumprimento de seus compromissos assumidos em prol da preservação ambiental e
como objetivos decorrentes, cria sistemas de certificação para as organizações e
seus produtos e serviços. Isso possibilita uma distinção das empresas que observam
a legislação ambiental e cumprem os princípios do desenvolvimento sustentável. No
entanto, há que se ressaltar que a norma da série não substitui a legislação
ambiental vigente no local onde se encontra a organização, pelo contrário, acabam
por reforçá-la, pois exige o seu cumprimento integral.
A série ISO 14000 abrange normas sobre auditorias ambientais, avaliação do
desempenho ambiental, rotulagem ambiental, análise do ciclo de vida do produto e
aspectos ambientais nos produtos.219
No que tange a ISO 14001, o seu escopo “indica que o desenvolvimento de
sua elaboração foi fundamentado na “Motivação Ambiental”, que é baseada na linha
de três correntes de pensamento:
217
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 205-206.
218
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 136137.
219
NASCIMENTO, op. cit., p. 206-208.
111
- Preocupação crescente com as Questões Ambientais com foco no
“Desenvolvimento Sustentável”;
- Desenvolvimento das Políticas Econômicas, e
- Evolução das Legislações Ambientais que, com o passar dos anos, foram
se tornando mais restritivas e exigentes.
Além dessas tendências, também ocorria o fato de que empresas, ou por
iniciativa própria ou decorrente de alguma exigência, tinham interesse em
220
demonstrar um “Desempenho Ambiental Correto”. (grifado no original)
A norma ISO 14001 foi elaborada para que os Sistemas de Gestão, “através
delas desenvolvidos, sejam estruturados e integrados às demais atividades da
organização e que devam ser regulamente avaliados através de Auditorias
Ambientais”:
Ou seja, não se deve enfocar unicamente o gerenciamento dos aspectos
ambientais de determinada organização para se obter uma certificação
ambiental baseada na referida norma; deve-se, sim, desenvolver um
sistema de gestão ambiental englobado nos diversos fundamentos da
organização, tais como os resultados financeiros, o atendimento aos
objetivos e a definição das prioridades organizacionais com vistas nos
221
resultados globais e outros.
Define a norma ISO 14001, em seu corpo o Sistema de Gestão Ambiental
(SGA) como sendo a parte de um sistema da gestão de uma organização utilizada
para desenvolver e implementar sua política ambiental e gerenciar seus aspectos
ambientais, sendo os aspectos ambientais os elementos das atividades ou produtos
e os serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente,
definindo como meio ambiente, que é definido como a circunvizinhança em que uma
organização opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres
humanos e suas inter-relações e como política ambiental as intenções e princípios
gerais de uma organização em relação ao seu desempenho ambiental, conforme
formalmente expresso pela Alta Administração. Ainda, nesse contexto, deve-se
entender por organização, de acordo com a Norma, a empresa, corporação, firma
empreendimento, autoridade ou instituição, parte ou mesmo uma combinação
desses, incorporada ou não, pública ou privada, que tenha funções e administração
própria e para as organizações que tenham mais de uma unidade operacional, uma
única unidade operacional pode ser definida como uma organização. 222
220
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 27.
221
Ibidem, p. 28.
222
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. 2-3.
112
Quanto à política ambiental,
a ser definida pela alta administração, expressa a motivação da organização
para a proteção ambiental e suas prioridades e seus objetivos nessa área.
Nessa definição, devem ser consideradas exigências e opiniões dos grupos
de interesse, bem como todas as leis e normas ambientais aplicáveis, uma
vez que o cumprimento da legislação constitui requisito mínimo de um SGA.
E o SGA pode ser visto como um instrumento gerencial para introduzir e
223
executar a política ambiental na organização.
De acordo com a própria ISO 14001: 2004, as normas de gestão ambiental têm
por objetivo promover as organizações de elementos de sistema da gestão
ambiental, eficaz integrável, a outros requisitos da gestão e auxiliá-las a atingir seus
objetivos ambientais e econômicos. “Não se pretende que estas Normas, tais como
outras Normas, sejam utilizadas para criar barreiras comerciais não-tarifárias, nem
para ampliar ou alterar as obrigações legais” da organização. A finalidade geral da
Norma é “equilibrar a proteção ambiental e a prevenção de poluição com as
necessidades socioeconômicas”. Muitos dos requisitos podem ser abordados de
forma simultânea e reapreciados a qualquer tempo.224
A norma possui uma sistemática fundamentada no princípio do ciclo do PDCA
(Plan-Do-Check-Act – planejar, executar, verificar, agir) ou também chamado da
“Melhoria Contínua”, que inicia com a criação de uma Política Ambiental declarada,
seguindo-se de um planejamento e da implementação de um SGA, para, após
possuir uma avaliação do sistema e se encerrar na “Análise Crítica” da alta
administração, o ciclo se repetir indefinidamente.
De acordo com o texto da norma, o PDCA pode ser descrito de forma breve
compreendendo-se “planejar” como o estabelecimento de objetivos e processos
necessários para atingir os resultados em concordância com a política ambiental da
organização; “executar”, como implementar os processos; “verificar”, no sentido de
monitorar e medir os processos em conformidade com a política ambiental,
223
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 20.
224
NBR ISO 14001, op cit., p. V.
113
objetivos, metas, requisitos legais e outros, e relatar os resultados; e “agir” para a
melhoria contínua do desempenho do sistema da gestão ambiental.225
Essa sistemática deve ser com certa periodicidade verificada por auditorias
externas com a apresentação dos resultados a terceiros. Outro objetivo principal é
colaborar com o alcance das metas econômicas da organização, ou seja, “um SGA
não deve ser visto isoladamente dentro de uma organização”, pois “faz parte
integrante dela e deve ser visto como parte de um todo interdependente”.226
A visão sistêmica da ISO relaciona-se com a referida modelagem de PDCA que
tem como objetivo assegurar que os elementos do SGA sejam sistematicamente
identificados, monitorados e controlados. Ao empregar essa modelagem que
envolve os vários elementos da norma, chega-se a evolução do SGA por melhorias
contínuas.
A ISO 14001 conceitua melhoria contínua como sendo o processo recorrente
de se avançar com o SGA com o propósito de atingir o aprimoramento do
desempenho ambiental geral, coerente com a política ambiental da organização.227
Assim, a ISO 14001 é a única da série que possibilita a obtenção de
certificação ambiental, visto que descreve requisitos a serem cumpridos com
posterior verificação e avaliação, ao contrário das demais que somente apresentam
diretrizes, orientações e atitudes a serem adotadas, no entanto, não implica dizer
que a empresa já tenha atingido o melhor desempenho ambiental possível, nem que
esteja utilizando as melhores tecnologias disponíveis, pois a ISO não exige tais
requisitos.228
Pode ser aplicada em qualquer tipo e porte de empresa, e em diferentes tipos
de condições tanto sob o aspecto geográfico quanto social ou cultural. Tem como
225
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. VI.
226
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 28.
227
NBR ISO 14001, op. cit., p. 2.
228
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 206.
114
principal fundamento o comprometimento de todas as pessoas dos diversos níveis e
funções hierárquicas da organização, em especial a alta administração 229 que deve
deixar bem claro, através de uma comunicação eficaz e eficiente aos demais setores
da organização a política ambiental adotada.
A base de contexto é o comprometimento expresso na Política Ambiental
visando atender a legislação, os regulamentos aplicáveis, tais como: normas
técnicas, normas internas, convenções coletivas, exigências mercadológicas ou de
consumidor, dentre outras, e a melhoria contínua.
A organização também pode utilizar a Norma ISO 14001 no âmbito interno da
empresa, apenas para fins de “auto-declaração” e como cláusula nos contratos da
organização, nestes termos, aliás, a norma ISO 14004 se destina ao uso interno e
serve como guia para o estabelecimento e implementação de seu SGA, não
ensejando a certificação.230
A ISO 14001 traz “recomendações” que visam o desenvolvimento sustentável
através da conciliação entre a preservação ambiental e o aspecto econômico, não
determinando requisitos absolutos para o desempenho ambiental, ou seja, não
garantindo “resultados ambientais ótimos” e não abordando requisitos relativos à
Gestão da Segurança do Trabalhador e da Saúde Ocupacional.
É aplicável às organizações que desejam: a) estabelecer, implementar, manter
ou mesmo aprimorar um SGA; b) garantir-se da plena conformidade com a Política
Ambiental definida e mesmo demonstrar essa conformidade a terceiros quando: b.
1) fazer uma auto-avaliação ou autodeclaração; b. 2) buscar confirmação de sua
conformidade por partes que tenham interesse na organização, tais como clientes; b.
3) buscar confirmação de sua autodeclaração por meio de uma organização externa,
e b. 4) buscar a certificação ou registro de seu SGA em uma Organização externa
de Certificação.231
229
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 28.
230
NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. da C.; MELLO, M. C. A. de. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. p. 206.
231
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. 1.
115
As atividades mais importantes de um SGA são de cunho gerencial visto que
se trata de planejar, organizar, controlar, analisar e avaliar, decidir estrategicamente
sobre investimentos, etc. O instrumento gerencial SGA assegura o alcance de
objetivos ambientais definidos a um determinado período, desde que o ciclo PDCA
seja executado completamente:
Com um SGA, as organizações devem estar em condições de controlar os
aspectos e impactos ambientais de suas atividades e reduzi-los sistemática
e paulatinamente, para assim melhorar o seu desempenho ambiental, que
pode ser expresso qualitativa e quantitativamente pelos aspectos. As
medidas necessárias incluem a segregação, o tratamento e a disposição de
resíduos; a reciclagem de insumos e materiais; melhorias na operação;
modificação nos processos; e modificação nos produtos. A modificação de
produtos e processos pode requerer a introdução de novas tecnologias,
tecnologias mais eficientes, mais limpas. Em alguns casos, só um salto
tecnológico, um novo princípio de funcionamento pode reduzir
232
significativamente os aspectos e impactos ambientais.
De acordo com o anexo A da ISO 14001: 2004, são requisitos gerais da norma
que a organização estabeleça uma política ambiental apropriada, que: identifique os
aspectos ambientais decorrentes das atividades passadas, existentes ou planejadas
da organização, produtos e serviços, para determinar os impactos ambientais
significativos; identifique os requisitos legais aplicáveis e outros requisitos subscritos
pela organização; identifique prioridades e estabeleça objetivos e metas ambientais
apropriados; estabeleça uma estrutura e programas para implementar a política e
atingir objetivos e metas; facilite as atividades de planejamento, controle,
monitoramento, ação preventiva e corretiva, auditoria e análise, de forma a
assegurar que a política seja obedecida e que o SGA permaneça apropriado sendo
capaz de adaptar-se à mudança de circunstâncias.233
Os princípios fundamentais da norma a serem seguidos pelo SGA são: a) autoresponsabilização; b) responsabilidade da direção; e c) a melhoria contínua.
Da melhoria contínua do desempenho ambiental resultaram os requisitos
básicos e obrigatórios do SGA da norma ABNT/NBR ISO 14001:2004: a) avaliação
dos efeitos ambientais das atividades da organização; b) identificação de toda a
legislação ambiental pertinente, tal como leis, normas, resoluções, etc. em âmbito
232
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 20.
233
NBR ISO 14001, op. cit., p. 11.
116
Federal, Estadual e Municipal, além dos contratos governamentais, licenças de
instalação e operação, acordos com órgãos ambientais, acordos do setor, com
clientes, com ONGs (Organizações não-governamentais), visto que esse é o
requisito mínimo de um SGA; c) definição e perseguição de objetivos ambientais
com ações e programas ambientais continuados, principalmente voltados à
prevenção da poluição; d) condições organizacionais, de recursos e de pessoal
adequadas a atingir os objetivos estabelecidos; e, e) auditorias periódicas e
avaliação pela alta administração para julgar a validade do SGA e sua adequação
para melhoria contínua do desempenho ambiental.
De acordo com a ISO 14001 são elementos estruturais do SGA: a) a política
ambiental; b) o planejamento; c) a implementação e operação; d) a verificação; e, e)
análise pela administração; e são esses elementos que se inter-relacionam e
também compõe o PDCA.
Para que se inicie a fase de estruturação e implementação do SGA, é
necessário dispor de recursos humanos, financeiros, infra-estrutura e tecnologia. “As
competências podem ser desenvolvidas na organização em programas de educação
ambiental e treinamento”. Os recursos devem ser assegurados e as funções,
responsabilidades e autoridades determinados, comunicados e documentados.
Estes requisitos encontram-se, na norma, no bloco implementação e operação que
têm ainda como requisito de seus responsáveis, a documentação. E quanto a esse
momento de implementação e operação do SGA, segundo Sell, as perguntas a
serem respondidas pelos responsáveis são:
(1) Como interagir os diferentes sistemas de gestão na organização e os
documentos correspondentes de modo a evitar o excesso de documentos,
custos desnecessários e animosidade? (2) Como estruturar o manual de
gestão que incluiu a gestão ambiental? (3) Que tipos de documentos serão
necessários (procedimentos gerais, específicos, instruções de apoio, listas
auxiliares,...) para a gestão ambiental eficaz? Faz-se necessário responder
a essas perguntas para a própria estruturação do SGA. Contudo,
dificilmente se pode decidir tudo isso logo no início; é recomendável
conhecer antes todos os requisitos da norma, os sistemas de gestão já
praticados na organização, a sua estrutura organizacional e a situação
ambiental atual, para, então, - num vai-e-vem, quase que por tentativa e
234
erro – ir respondendo às perguntas formuladas.
234
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 30-31
117
Nos termos do anexo A da Norma é recomendável que a organização que não
possua um SGA estabeleça inicialmente a sua presente situação com relação ao
meio ambiente através de uma análise que deverá ter como objetivo considerar
todos os aspectos ambientais da organização, como base para estabelecer o SGA.
É recomendável também que tal análise cubra quatro áreas principais, quais sejam:
identificação de aspectos ambientais, incluindo aqueles associados às condições
normais de operação e condições anormais, incluindo partida e parada, situações de
emergência e acidentes; identificação de requisitos legais aplicáveis e outros
subscritos pela organização; exame de todas as práticas e procedimentos da gestão
ambiental existentes, incluindo aqueles associados com as atividades de aquisição e
de contratação de serviços; avaliação de situações de emergência e acidentes
anteriores. As ferramentas e métodos para a realização da análise podem incluir
listas de verificação, entrevistas, inspeções e medições diretas, resultados de
auditorias anteriores ou outras análises, dependendo da natureza da atividade.235
Salienta o anexo A da Norma que em que pese não exista uma abordagem
única para se identificar os aspectos ambientais, a abordagem poderia considerar,
por exemplo: as emissões atmosféricas; os lançamentos em corpos d’água;
lançamentos no solo; uso de matérias-primas e recursos naturais; uso da energia;
energia emitida, por exemplo, calor, radiação, vibração; resíduos e subprodutos;
atributos físicos, por exemplo, tamanho, forma, cor, aparência. Além desses
aspectos que a organização pode controlar diretamente, também deve considerar os
aspectos que possa influenciar, tais como aqueles associados a bens e serviços por
ela utilizados, e produtos e serviços que ela forneça. Recomenda-se ainda que
sejam considerados aspectos associados às atividades, produtos e serviços da
organização, tais como: projeto e desenvolvimento; processo de fabricação;
embalagem e transporte; desempenho ambiental e práticas de prestadores de
serviços e fornecedores; gerenciamento de resíduos; extração e distribuição de
matérias-primas e recursos naturais; distribuição, uso e fim da vida de produtos; e
vida selvagem e biodiversidade.236
235
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. 11-12.
236
Ibidem, p. 13.
118
Ainda, de acordo com a Norma, a organização necessita identificar os
requisitos legais que são aplicáveis aos seus aspectos ambientais, que podem
incluir: dentre outros, os requisitos legais nacionais e internacionais; requisitos legais
estaduais/municipais/departamentais; requisitos legais do governo local; acordos
com autoridades públicas; acordos com clientes; diretrizes de natureza nãoregulamentar; princípios voluntários ou códigos de prática. Ou seja, poucos não são
os requisitos e parâmetros legais a serem observados quando da implementação e
operação de um SGA.
O item final abordará a auditoria e a certificação ambiental decorrentes do
SGA.
3. 3 Auditoria e Certificação Ambiental
É com a auditoria ambiental que a empresa irá obter um “reflexo” da sua
situação ambiental global quanto ao cumprimento dos requisitos legais e outros e ao
compromisso de melhoria contínua. Segundo a ABNT/NBR ISO 14001:2004, a
auditoria é “o processo sistemático e documentado de verificação executado para
obter e avaliar, de forma objetiva, evidências de auditoria para determinar se as
atividades, eventos, sistemas de gestão e condições ambientais especificados ou se
as informações relacionadas a estes estão em conformidade com os critérios de
auditoria, e também comunicar os resultados deste processo ao cliente”.237Além de
sistemático e documentado deve ser independente com relação à organização, tanto
que em se tratando de pequenas empresas a ISO 14001 versão 2004 refere que a
independência pode ser demonstrada pela isenção de responsabilidade em relação
à atividade que está sendo auditada, pois a seleção de auditores e a condução das
auditorias devem assegurar objetividade e imparcialidade do processo de
auditoria.238
Na auditoria do SGA de uma empresa, a empresa, “dona” do SGA, é cliente, é
objeto da auditoria. Os critérios dela resultam de políticas, práticas, procedimentos
ou requisitos aos quais o SGA deve atender. As evidências são informações,
237
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 25-26.
238
NBR ISO 14001, op. cit., p. 3/9
119
registros,
declarações
e
a
verificação
do
SGA,
detectando
sua
correta
implementação e operação, maturidade e deficiências. A auditoria pode ser feita por
auditores internos ou externos e visar apenas à verificação do funcionamento do
SGA e detecção de inconformidades para melhorias contínuas, ou a auditoria pode
ser feita pelo próprio SGA, por auditores externos, devidamente qualificados e
credenciados e com o objetivo de submetê-lo a uma verificação competente, objetiva
e independente, com vistas a sua certificação.239
De acordo com a Norma, a organização deve assegurar que as auditorias
internas do SGA sejam conduzidas em intervalos planejados para fornecer
informações à administração sobre os resultados das auditorias e determinar se o
sistema de gestão ambiental está em conformidade com os arranjos planejados para
a gestão ambiental, incluindo-se os requisitos da própria Norma e se foi
adequadamente implementado e se permanece observado.240
Determina ainda que os programas de auditoria devem ser planejados,
estabelecidos, implementados e mantidos pela organização, levando-se em
consideração a importância ambiental das operações pertinentes, bem como os
resultados das auditorias realizadas anteriormente. Os procedimentos de auditoria
devem
ser
estabelecidos,
implementados
e
mantidos
para
tratar
das
responsabilidades e requisitos com o intuito de planejar e conduzir as auditorias,
relatar os resultados e manter registros associados e tratar da determinação dos
critérios de auditoria, escopo, freqüência e métodos.
A justificativa e finalidade da auditoria, segundo Sell, estão no fato de que a
alta administração da organização necessita avaliar a “pertinência, eficácia e aptidão
do SGA”, se atende os requisitos ambientais legais e outros aplicáveis, (o que é
testado por amostragem), a consecução dos objetivos e metas ambientais bem
como para continuar “girando o ciclo do PDCA” na gestão ambiental. “Fazem-se
auditorias internas para constatar, o mais rápido possível, os pontos fracos do SGA,
para, então, eliminá-los”. A auditoria interna quando feita por pessoas da própria
239
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 85.
240
NBR ISO 14001: Sistema de gestão ambiental – Requisitos com orientações para uso. Rio de
Janeiro: ABNT, 2004. p. 9.
120
organização e especialmente treinadas para isso, torna-se menos onerosa que a
externa e expõe menos as falhas remanescentes da gestão ambiental da
organização ao público. 241
Nessa fase em que a organização se submete a auditoria ambiental, cabe a ela
comprovar sua conformidade com os padrões de qualidade e ambientais exigidos
pela legislação nacional, estadual e local, bem como pelos manuais de qualidade
criados e utilizados pela própria organização auditada.
De acordo com o estudo de caso publicado pela UNEP/IEO, 1989, denominado
“UNEP´s Industry and Environment Office”, trazido por Donaire, entre as atividades
que são usualmente auditadas, incluem-se as seguintes: política, responsabilidades
e organização das tarefas; planejamento, acompanhamento e relatório das ações;
treinamento e conscientização do pessoal; relações externas com os órgãos
públicos e comunidade; adequação aos padrões legais; planejamento de
emergência e funcionalidade; fontes de poluição e sua minimização; tratamento da
poluição e acompanhamento das descargas; economia de recursos; manutenção
adequada; uso do solo.
Entende o autor que conforme as normas da ABNT para a Auditoria Ambiental
se realizar é fundamental existir informações suficientes sobre o objeto da auditoria,
recursos adequados para apoiar o processo e cooperação adequada por parte do
auditado.
Escreve ainda que as recomendações da ISO 14010, que descrevem os
princípios gerais da metodologia de auditoria ambiental, vão desde os objetivos
definidos entre cliente e responsável pela auditoria, formação dos membros da
equipe de auditores, confiabilidade e sigilo do processo, sistematização do processo,
constatações de campo, análise dos resultados até o relatório final.242
Cada auditoria pode se concentrar em partes ambientalmente relevantes da
organização. Os itens de verificação e critérios a serem observados na avaliação
241
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 79-80.
242
DONAIRE, Denis. Gestão Ambiental na Empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas: 1999, p. 123-128.
121
derivam dos requisitos da ABNT/NBR ISO 14001, bem como do que foi planejado na
fase de estruturação e implementação do sistema. As conclusões baseiam-se em
evidências de amostragem coletadas por entrevistas, exames de documentos,
observação das atividades e condições, medições, ensaios, dentre outros.243
Cabe frisar que como a ISO 14001 exige conformação com todas as leis
ambientais aplicáveis, como pré-requisito essencial para certificar a organização,
essa certificação se restringe ao local físico definido, valendo, portanto, para o
estabelecimento que esteja instalado naquele local e fica vinculada ao cumprimento
de legislação deste mesmo local.
A ABNT/NBR ISO 14011 dispõe sobre as diretrizes para a auditoria
ambiental, os procedimentos de auditoria e a auditoria de sistemas de gestão
ambiental. De acordo com tal norma, é recomendado que a auditoria de SGA tenha
objetivos definidos, como por exemplo avaliar o SGA de uma organização quando
existir o desejo de estabelecer uma relação contratual com um potencial
fornecedor.244 Salienta Donaire que a Norma estabelece procedimentos de auditoria
para todos os tipos e portes de organizações que operam um SGA.245
Refere também que a Câmara de Comércio Internacional (ICC), em 1989,
adotou alguns passos básicos para a execução da auditoria ambiental na empresa,
que foram desenvolvidos pela Canadian Naranda Corporation, e divide a auditoria
em três partes: Atividades Pré-Auditoria, Atividades de campo e Atividades PósAuditoria. Tais partes são identificáveis no processo estabelecido pela ISO 14011.
Quanto às atividades de pré-auditoria, diz que elas se iniciam com a descrição da
amplitude e dos limites da auditoria, as atividades a serem auditadas, a localização,
a duração, os recursos humanos e financeiros, análise da documentação do SGA,
atribuições, seleção dos documentos a serem utilizados e terminam na formatação
do Plano de Auditoria. As atividades de campo se iniciam com uma reunião de
abertura onde são apresentados os participantes, os auditores e os auditados e são
explicados os critérios utilizados e o Plano de Auditoria. Na seqüência são
243
SELL, Ingeborg. Guia de implementação e operação de sistemas de gestão ambiental. Blumenau:
Edifurb, 2006. p. 80.
244
NBR ISO 14011: Diretrizes para auditoria ambiental – Procedimentos de auditoria – Auditoria de
sistemas de gestão ambiental. Rio de Janeiro: ABNT, 1996. p. 3.
245
DONAIRE, Denis. Gestão Ambiental na Empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas: 1999. p. 124-129.
122
desenvolvidas as atividades de coleta dos dados que serão posteriormente
analisados e avaliados em relatório preliminar a ser apresentado em reunião de
encerramento com os participantes. As atividades pós-auditoria se referem ao
relatório final, sua distribuição e a retenção dos documentos. A Norma não prevê a
execução de um plano de ação baseado nas constatações feitas e no
acompanhamento da execução, o que normalmente deve ser etapa posterior a
execução da auditoria.
Coube a ISO 14012 estabelecer critérios para a qualificação dos auditores
ambientais, dissertando sobre quais devem ser seus conhecimentos, habilidades e
atitudes, e como deve ser desenvolvido seu treinamento para a função.
Importante item para a auditoria ambiental também é o licenciamento
ambiental que será solicitado pelo auditor logo no início da auditoria, pois o estudo
do impacto ambiental faz parte do processo de implantação e operação de um SGA
e da auditoria ambiental. A Resolução 237/1997 do CONAMA (Conselho Nacional
sobre o Meio Ambiente) é a legislação nacional que trata do tema, definindo os
conceitos sobre licenciamento, características, detalhes, prazos, quais as empresas
necessitam receber licenciamento ambiental, dentre outras informações.
Para determinados empreendimentos e atividades que sejam considerados
possuidores de efetivo, potencial e significativo risco de agressão ao meio ambiente,
além do licenciamento ambiental, antes mesmo do início da instalação do
empreendimento ou atividade, é necessário a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), conforme o art. 3º da
Resolução 237/1997.246
247
No Brasil, a Lei 6.938/81 relacionou a avaliação de
impacto ambiental e o licenciamento dentre os instrumentos de política pública e a
246
Art. 3º - A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetivas ou
potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de
impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual darse-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a
regulamentação.
Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não
é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos
ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento. CONSELHO NACIONAL DO MEIO
AMBIENTE. Resolução 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a regulamentação do
licenciamento ambiental. Disponível em: <http://www.mma.gov.br>. Acesso em: 29 nov. 2009.
247
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 235.
123
exigência do EIA e do RIMA e foi estabelecida em 1986 pela Resolução 001 do
CONAMA que determinou as diretrizes gerais para o uso e a implementação da
Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Tal resolução estabelece que o EIA/RIMA
deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar habilitada que será responsável
tecnicamente pelos resultados apresentados, e que não poderá ter dependência
direta ou mesmo indireta com o proponente do projeto.248O Relatório de Impacto
Ambiental terá como objeto justamente o Estudo prévio do Impacto Ambiental que é
um “instrumento para prever e avaliar os impactos negativos de um projeto sobre o
ambiente físico, biótico e social”, bem como identificar quais os meios e alternativas
possíveis para se evitar tais impactos antes da instalação do projeto249.
Importante esclarecer que a Resolução 001/1986 do CONAMA considera
impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente afetam a saúde, a
segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota;
as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos
ambientais.250
Quanto ao licenciamento ambiental, é definido pela Resolução 237/97, art. 1º,
I, como um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente
licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e
atividades
utilizadoras
de
recursos
ambientais,
consideradas
efetivas
ou
potencialmente poluidoras, ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar
degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as
normas técnicas aplicáveis ao caso.251O licenciamento é de competência das três
esferas públicas do Estado (e conforme o art. 6º da Resolução 237/97 são
competentes também os Municípios, além dos Estados e a Federação252) e se dará
248
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 67.
249
BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 250.
250
DIAS, op. cit., p. 62.
251
BARBIERI, op. cit., p. 256.
252
Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos
Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e
atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por
124
em função do âmbito de abrangência do impacto ambiental, do tipo de atividade que
executam e do setor econômico ao qual pertencem, ou seja, dependendo do
impacto produzido pela empresa ou atividade será competente uma ou outra esfera
pública para a concessão das licenças:
Uma indústria química, por exemplo, poderá contaminar mais o ambiente do
que uma fábrica de móveis, muito embora essa gradação do impacto seja
bastante relativa, pois empreendimentos que aparentemente não causam
modificações significativas no meio ambiente, a ponto de afetar o bem-estar
da população local, podem causar danos irreparáveis a espécimes de flora
e da fauna. Nesse caso, o interesse maior é dado pela necessidade de
253
preservação da biodiversidade global.
No Brasil, o Estudo prévio de Impacto Ambiental apenas foi introduzido na
legislação brasileira, em 1980, na lei sobre zoneamento industrial (Lei n.º 7.803) que
tornou obrigatória a apresentação do EIA para a localização de pólos petroquímicos,
cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares. Atualmente, para as áreas
críticas de poluição, é exigência constitucional prevista no art. 225, § 1º, inciso V254,
da Constituição Federal de 1988, o que já foi reproduzido pelas Constituições
Estaduais e por algumas Leis Orgânicas Municipais, mas a Carta brasileira foi a
primeira do mundo a inscrever a obrigatoriedade do estudo no âmbito
constitucional.255
A Resolução 237/1997 do CONAMA, em seu art. 8º prevê as licenças
ambientais
necessárias
ao
empreendimento
que
possa
causar
“impactos
ambientais”, podendo elas ser expedidas de forma isolada ou separadamente, quais
sejam, Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
A
licença
prévia
é
concedida
na
fase
preliminar
do
planejamento
do
empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a
viabilidade e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem
instrumento legal ou convênio. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução 237, de 19
de dezembro de 1997. Dispõe sobre a regulamentação do licenciamento ambiental. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br>. Acesso em: 29 nov. 2009.
253
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 63.
254
Art. 225.Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público: […] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade; […]. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2009.
255
DIAS, op. cit., p. 64/68.
125
atendidos nas próximas fases de implementação. A licença de instalação autoriza a
instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações
constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de
controle ambiental e demais condicionantes, das quais constituem motivo
determinante. A licença de operação autoriza a operação da atividade ou
empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das
licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes
determinados para a operação.
Realizados todos os procedimentos necessários e exigidos pelo SGA e
estando de acordo, a empresa poderá obter a certificação do SGA. A obtenção e
mantença da certificação do SGA é, para a organização, mais uma maneira de
evidenciar responsabilidade ambiental frente aos grupos de interesse. A certificação
do sistema de gestão ambiental não é compulsória a adesão ao sistema, podendo
esta ser almejada desde o início da estruturação e implementação, no entanto, faz
mais sentido iniciar com o planejamento da certificação depois de o sistema estar
totalmente implantado e as tarefas sendo executadas corretamente, com a
documentação em ordem, vez que é um processo que exige muitos recursos e a
idéia da organização que adere ao SGA, com certeza, não é ver o processo
frustrado:
Toda empresa que adotar essa nova abordagem sistêmica e proativa,
pleiteando sua Certificação Ambiental, estará atingindo, dessa forma, o que
se convencionou chamar de ecoeficiência, isto é, estará produzindo bens e
serviços melhores ao mesmo tempo que reduz o uso de recursos e a
256
geração de poluentes.
Conforme a Certificação de Sistemas de Gestão, PE 004.10, de setembro de
2009, que estabelece o processo específico de concessão, manutenção e
renovação da certificação de sistemas de gestão em conformidade com a
ABNT/NBR ISO 14001, a organização interessada deve solicitar tal certificado e
fornecer as informações necessárias para que a ABNT possa elaborar a proposta
técnico-comercial e o contrato de certificação, preenchendo o questionário de
avaliação preliminar. Havendo concordância ele é assinado e enviado para a ABNT.
A Gerência de Certificação de Sistemas de Gestão recebe a proposta e o contrato
256
VALLE, Cyro Eyer do. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. São Paulo: Senac, 2004. p. 149.
126
assinado, analisa e registra a abertura do processo no sistema operacional,
solicitando a documentação requerida na proposta.
A auditoria de certificação ocorre em duas fases, podendo a ABNT realizar uma
pré-auditoria caso seja de interesse da candidata. A auditoria da fase 1 é realizada
para auditar a documentação do sistema de gestão do cliente; avaliar a localização
da organização e as condições específicas do local e discutir com o pessoal da
organização determinando o grau de preparação para a auditoria de fase 2; analisar
a situação e compreensão do cliente quanto aos requisitos da norma, em especial
com relação à identificação de aspectos-chaves ou significativos de desempenho, de
processos, de objetivos e da operação do sistema de gestão, para coletar
informações necessárias em relação ao escopo do sistema de gestão, processos e
localização da organização, aspectos legais e regulamentares relacionados e o
respectivo cumprimento, por exemplo, aspectos de qualidade, ambientais e legais da
operação do cliente, riscos associados, dentre outros; analisar a alocação de
recursos para a fase 2 e acordar os detalhes dessa; permitir o planejamento dessa a
partir de um entendimento do sistema de gestão do cliente e seu funcionamento no
local, no contexto dos possíveis aspectos significativos; e ainda, avaliar se as
auditorias internas e a análise crítica pela administração estão sendo planejadas e
realizadas e se o nível de implementação do sistema de gestão comprova que a
organização está pronta para a fase 2. A auditoria de fase 1 deve ser realizada nas
instalações do cliente, via de regra. Depois de realizada, o auditor líder envia para a
Gerência de Certificação de Sistema de Gestão um Relatório de Atividade Técnica
com as constatações pertinentes e a Gerência envia cópia do relatório à
organização. A auditoria de fase 2 tem o objetivo de avaliar a implementação,
incluindo a eficácia, do sistema de gestão do cliente e deve ocorrer no local do
cliente e incluir, no mínimo, as informações e evidências sobre conformidade com
todos os requisitos da norma aplicável do sistema de gestão ou outro documento
normativo, o sistema de gestão do cliente e seu desempenho quanto à conformidade
legal, controle operacional dos processos do cliente, auditoria interna e análise
crítica pela direção, responsabilidade da direção pelas políticas do cliente, ligações
entre os requisitos normativos, política, objetivos e metas de desempenho
(coerentes com as expectativas da norma aplicável de sistema de gestão ou em
outro
documento
normativo),
quaisquer
requisitos
legais
aplicáveis,
127
responsabilidades, competência do pessoal, operações, procedimentos, dados de
desempenho e constatações e conclusões de auditoria interna. 257
São estabelecidos um Relatório de Atividade Técnica e um Plano de Atividade
Técnica para cada auditoria incluindo dentre outros requisitos a atividade a ser
auditada e o tempo de duração. A equipe auditora elaborará as conclusões da
auditoria que deverá conter, no mínimo, relatórios de auditoria, comentários sobre as
não-conformidades e, onde aplicável, a correção e ações corretivas tomadas pelo
cliente, confirmação das informações fornecidas à ABNT e uma recomendação de
conceder ou não a certificação, juntamente com quaisquer condições e
observações. Quanto as não-conformidades pode a organização realizar ações
corretivas e enviar as ações realizadas para a correção à Gerência, que programa a
realização de uma auditoria extraordinária. Ao final, a Gerência encaminha todo o
processo para a ABNT/CTC que analisa o relatório e recomenda ou não a
concessão da certificação, sendo a própria Gerência quem decide se a empresa
será certificada ou não. Para a manutenção da certificação são realizadas auditorias
de manutenção no local, sendo a atividade de manutenção efetuada pela ABNT. As
auditorias de manutenção podem ser semestrais ou anuais, conforme contratado, e
a Gerência mantém a certificação com base na demonstração de que o cliente
continua a satisfazer os requisitos da norma de referência do sistema de
gestão.258No Brasil, um organismo credenciado para dar Certificação de ISO 14001
é uma organização de terceira parte credenciada pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) 259.
Quanto à renovação da certificação, ela é realizada após um período de três
anos e se dará com base na auditoria de renovação que tem como propósito
confirmar a conformidade e a eficácia contínuas do sistema de gestão como um todo
e sua contínua relevância e aplicabilidade ao escopo de certificação. É realizada
conforme a auditoria da fase 2. Deve ser realizada antes do vencimento do
257
ABNT. Associação brasileira de normas técnicas. Apresenta informações gerais sobre a
instituição. Disponível em: <http://www.abnt.org.br>. Acesso em: 03 nov. 2009.
258
Ibidem.
259
BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 182.
128
certificado e o prazo máximo de validade da certificação é de três anos e não haverá
prorrogação de tal prazo.260
Nem toda organização precisa da certificação de seu SGA, visto que demanda
muitos recursos, assim é que uma pequena empresa, por exemplo, pode implantar
um SGA desenvolvendo políticas e práticas ambientalmente corretas e se beneficiar
disso, fazendo sua parte constitucionalmente prevista da preservação ambiental e
promovendo o desenvolvimento sustentável sem para tanto necessitar de uma
certificação, que será opção dela. Portanto, às micros e pequenas empresas
prestadoras de serviços, pode ser mais conveniente, por exemplo, obter certificados,
menções, reconhecimentos de órgãos ambientais locais ou do estado, ou mesmo de
organizações não-governamentais comprometidas com o meio ambiente.261
Através do SGA e da Certificação, a empresa ou indústria assume um
compromisso de melhoria contínua do seu desempenho ambiental por meio das
atribuições que assume com a elaboração e publicação da política ambiental. A
gestão ambiental deve evoluir visando a melhoria da ecoeficiência bem como para a
prática de projetos de produtos e serviços ambientalmente mais corretos e, melhorar
a ecoeficiência, significa aumentar a eficiência na utilização dos recursos materiais,
econômicos e humano, objetivando sempre a geração de produtos e serviços úteis e
ambientalmente corretos, voltados ao desenvolvimento sustentável, e não a geração
de riscos ambientais e resíduos sólidos.
Segundo Assumpção, são vantagens indicadas pela maioria das unidades
ambientalmente certificadas: a) acesso a novos mercados e melhoria na
competitividade empresarial; b) melhoria na performance do desempenho ambiental
da organização e atendimento a legislação; c) facilidade na identificação de causas
de problemas e seus solucionamentos; d) evitar desperdícios e redução de custos;
e) redução e eliminação de riscos e responsabilidade ambientais; f) melhoria na
imagem e na relação com os funcionários, clientes, fornecedores, vizinhos,
fiscalização ambiental e outros detentores de interesses; g) acesso a capital de
baixo custo, menores impostos e seguros mais baratos. No entanto, gera alguns
260
ABNT. Associação brasileira de normas técnicas. Apresenta informações gerais sobre a
instituição. Disponível em: <http://www.abnt.org.br>. Acesso em: 03 nov. 2009.
261
Ibidem.
129
custos, tais como maior tempo de funcionários no gerenciamento do SGA, a
necessidade de eventuais assessoramentos de especialistas externos e o
treinamento do pessoal para adaptação e fundamentação de conceitos.262
Dias também discorre sobre alguns “estímulos” para a adoção de métodos de
gestão, enumerando como estímulos que considera “internos”, a necessidade de
redução de custos, incremento na qualidade do produto, melhoria da imagem da
empresa,
necessidade
de
inovação,
aumento
da
responsabilidade
social,
sensibilização do pessoal interno, e como estímulos que chama de “externos”, refere
a demanda do mercado, a concorrência, o poder público e a legislação ambiental, o
meio sociocultural, as certificações ambientais e os fornecedores. Quanto à
demanda de mercado, diz que muitas corporações não querem assumir os
problemas ambientais dos fornecedores e exigem demonstrações claras de que os
processos internos e produtos não afetam o meio ambiente e nessas situações é
que as empresas que possuem uma certificação ambiental de acordo com a ISO
14001saem ganhando e acabam formando uma cadeia de fornecedores com
orientação ambiental correta, como é o caso da Mercedez-Bens, Gradiente, 3M,
Cosipa e Usiminas263. No que tange a legislação ambiental, está em ritmo constante
o controle dos governos sobre as questões ambientais e, através da Gestão
Ambiental e da Certificação, as empresas além de tomarem total conhecimento das
normas ambientais atuais, ainda necessitam prever a legislação futura de seus
países e dos países para os quais exportam, visando uma adaptação e garantindo a
competição no mercado internacional:
Em pesquisa realizada junto aos empresários brasileiros, a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) constatou que a regulamentação ambiental
ainda é um dos fatores mais fortes para que as empresas adotem medidas
gerenciais voltadas para a gestão ambiental. […] atender ao regulamento
ambiental (45,2%) e atender a exigências para licenciamento (37,8%)
ocupam respectivamente o 1º e o 3º lugares nas preocupações dos
264
empresários.
262
ASSUMPÇÃO, Luiz Fernando Joly. Sistema de Gestão Ambiental: Manual Prático para
implementação de SGA e Cerificação ISO 14001/2004. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 53-60.
263
TACHIZAWA, Takeshy. Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa: estratégias de
negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo: Atlas, 2002. p.25.
264
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 58.
130
As empresas são responsáveis por seus produtos e serviços durante todo o
ciclo de vida dos mesmos, inclusive também no momento de descarte pelo
consumidor, tal como ocorre com as baterias de celulares, pilhas, embalagens de
agrotóxicos, dentre outros, situações em que o produtor deve assumir o
compromisso de recuperar ou dar a destinação correta ao material descartado após
o uso, descarte que deveria ser feito sempre nos pontos de coleta disponibilizados
pelas próprias empresas, questão que em se tratando de uma empresa Certificada
deve ser atendida.
Também os princípios ambientais do “poluidor-pagador”, da prevenção e da
precaução são observados pelas empresas que possuem o SGA ou a Certificação
pela ISO 14001. O princípio do poluidor-pagador impõe ao Estado o dever de
estabelecer um tributo a ser pago pelo agente poluidor, destinado a tratar da
poluição, possuindo objetivo tanto fiscal quanto extrafiscal, quando induz um
comportamento preventivo ou mesmo de reparação265 pelos agentes privados266.
Além da internalização dos custos, o primeiro princípio também é visto como forma
de se “abolir os direitos adquiridos em matéria de contaminação”, no sentido de que
uma empresa licenciada deve ser monitorada com frequência e adequar-se aos
padrões tecnológicos e ambientais sob pena de cassação da licença e também da
certificação. Quanto aos princípios da prevenção e da precaução, diante da Teoria
da Sociedade de Risco, a prevenção é um mecanismo para a gestão no sentido de
se inibir os riscos concretos ou potenciais e a precaução desempenha uma função
antecipatória, cautelar, em face do risco de dano abstrato. Exemplos típicos de
atuação preventiva são o EIA, o licenciamento e a própria ISO 14001, uma vez que
a partir do momento que toda a cadeia produtiva e mesmo a destinação final dos
produtos e serviços são avaliados e estruturados visando o menor impacto
ambiental possível, está a empresa agindo de forma a prevenir e se precaver de
possíveis danos ambientais. 267
As Certificações em muitos casos também se evidenciam em selos de
qualidade ambiental, se tornando um estímulo externo forte para as empresas, uma
265
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In:_____; CANOTILHO, J. J. G. (Org.).
Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p.182.
266
BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 68.
267
LEITE, op. cit., p. 172-173/183.
131
vez que clientes de países desenvolvidos, na grande maioria dos casos, exigem
uma certificação reconhecida em nível internacional, como a Certificação da ISO
14001. Nesse sentido que os selos ecológicos muitas vezes são apenas concedidos
às empresas que possuem uma Certificação de nível Internacional e são emitidos
por entidades, organizações comerciais ou não governamentais, reconhecendo que
o produto observou e cumpriu determinados padrões ambientais previamente
estabelecidos. A adesão a tais selos também é voluntária e eles estão estabelecidos
mais em países desenvolvidos e com consumidores com certa consciência
ecológica, tais como a França com o selo NF Environment, de 1989, o Canadá, com
o selo Ecological Choice, de 1988, a Alemanha, com o selo Blue Angel, de 1977 e
os EUA, em que pese a falta de consciência ecológica do governo estadual, com o
selo Green Seal, de 1990.268
No atual contexto de sociedade de risco, frente a certeza da limitação dos
recursos naturais e já escassez de alguns, começa-se a tomar consciência da
necessidade de um novo paradigma, de uma nova racionalidade, de uma visão
sistêmica do universo como um todo. A Certificação Ambiental pela ABNT/NBR ISO
14001:2004 pode ser vista como um entre muitos instrumentos para a abordagem
dos problemas ambientais em nível empresarial e, desde que bem implantado e
operado, o SGA fará com que a empresa faça sua parte em prol do desenvolvimento
sustentável, cumpra com a sua função social e com a determinação constitucional
de
promover
e
observar
o
meio
ambiente
ecologicamente
equilibrado,
responsabilidade que é de todos, melhorando continuamente o seu desempenho e
papel ambiental, social e até mesmo econômico, “impactos” que a sociedade e o
meio ambiente necessitam sentir.
268
DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2008. p. 60.
132
CONCLUSÃO
Depreende-se do presente trabalho que o meio ambiente deve ser
compreendido a partir de uma visão sistêmica e ecológica, assim entendido como o
meio físico e biótico em que vivemos, compreendendo a flora, a fauna, os estados
físicos e químicos, o conjunto dos elementos artificiais, culturais e do trabalho, bem
como o conjunto de condições, leis, influências e interações que permitem, regem e
abrigam a vida em suas múltiplas formas, compreendendo também as suas múltiplas
e constantes interações e inter-relações, pois todo sistema vivo é integrante de um
único ecossistema, com segmentos de complexidade e variação extremamente
ricos, que constante e mutuamente interagem como se fosse uma teia ou mesmo
redes interconectadas. Tal conceito também decorre da conciliação com a leitura
dos dispositivos legais e constitucionais nacionais que evidenciam a adoção de um
“antropocentrismo alargado”, atribuindo-lhe caráter de macrobem. Dessa forma é
que também devem ser visualizadas as empresas e as indústrias, como seres
dotados de vida e complexos, que mantêm múltiplas e constantes interações com os
demais seres vivos, com a sociedade como um todo, com os recursos naturais dos
quais dependem a sua produção e sobrevivência no mercado, não sendo mais
possível pensá-las apenas pelo prisma econômico.
No aspecto do equilíbrio, é inegável que o meio ambiente seja considerado
direito humano no âmbito da legislação internacional, em razão de sua direta
vinculação com a vida humana, e fundamental no espaço nacional, o que decorre da
leitura do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 que reza que “todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. É direito constitucional materialmente fundamental decorrente do
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, embora não esteja previsto
no catálogo dos direitos e garantias fundamentais do art. 5º do referido diploma
constitucional.
Ainda tendo em mente a teoria sistêmica que visualiza as empresas e
indústrias como organismos vivos, bem como o reconhecimento internacional e a
133
exigência constitucional de que “todos” têm o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações, é que não há como se excluir esses agentes promotores de
poder da responsabilidade compartilhada que impõe a idéia de solidariedade e
comunhão de interesses sobre esse direito fundamental transindividual, estando
vinculados, seja de forma direta ou mesmo indireta, aos direitos fundamentais,
devendo promovê-los, respeitá-los e preservá-los, mesmo que seja também a
iniciativa privada um direito fundamental.
Necessário se reconhecer que são as constantes e mútuas interações entre
meio ambiente e seres humanos, em razão do uso do meio ambiente para obter os
recursos necessários à produção de bens e serviços e dos despejos de materiais e
energias não aproveitados no meio ambiente, que resultam na degradação
ambiental e atual crise ambiental acentuada, ainda mais quando essa relação
resulta no uso ilimitado e irresponsável dos recursos naturais, o que é visível no
contexto atual.
A globalização, embora tenha “unido mundos”, trazido enormes avanços
científicos que salvam vidas antes desenganadas e “tecnologia de ponta” que
permite a comunicação em todo o mundo em tempo real, não trouxe benefícios ao
meio ambiente, muito pelo contrário, além das múltiplas exclusões que causou no
contexto social, acelerou o processo de degradação ambiental e refletiu em uma
sociedade de risco onde, em razão dessa acelerada cientificidade e tecnologia, do
consumismo desenfreado, do insaciável desejo de poder e ter, tem-se cada vez
mais consciência dos riscos produzidos e sofridos, no entanto, não se tem
“tecnologia de ponta” ou mesmo cientificidade suficiente para evitá-los ou que dirá
contorná-los. Estamos vivendo em uma era global e capitalista onde na busca do
constante progresso econômico todos os dias assumimos os riscos de causarmos
uma catástrofe ambiental; convivemos com esse “pesadelo”, mas pouco fazemos,
ou melhor, em muitas das situações nem sabemos o que poderá ser feito para
contornar tal contexto e nos mantermos vivos no planeta terra, já que há que se ter
presente que a existência, a sobrevivência humana, depende da sobrevivência dos
demais organismos vivos, pois não somos independentes com relação ao meio, bem
134
pelo contrário, dependemos constantemente dos recursos naturais, vigendo a
máxima já conhecida popularmente de que “ninguém sobrevive sozinho”.
É visível que a atual economia capitalista globalizada busca o constante
progresso econômico através da expansão constante e a qualquer custo, da
tecnologia e da ciência, o que caracteriza um processo muito diverso do real
desenvolvimento compreendido em seu sentido mais amplo. Progresso e
desenvolvimento não se confundem. Ao contrário dessa economia que quantifica o
que chama de desenvolvimento através do Produto Interno Bruto (PIB), para que
haja o verdadeiro desenvolvimento em seu sentido mais amplo, é necessário a
expansão e a promoção das liberdades sociais e individuais; não se está negando o
desenvolvimento econômico, ou mesmo a necessidade de recursos financeiros, mas
está-se evidenciando a necessidade de uma renovação das principais fontes de
privação das liberdades, tais como a tirania, a carência de oportunidades, a
destituição social sistemática e a negligência dos serviços públicos. Ainda, diversa
do desenvolvimento em seu sentido mais amplo é a idéia de sustentabilidade,
fundada em uma racionalidade ambiental com bases ecológicas e no princípio da
produtividade neguentrópica, e que perpassa por uma nova teoria da produção,
novos valores sociais, pela desconstrução da cultura hegemônica e dominante que
valoriza o diferente, pelo uso de tecnologias limpas e pelo diálogo dos muitos e
diferentes saberes, tanto populares quanto científicos e tecnológicos.
Também o chamado desenvolvimento sustentável é conceito diverso de
desenvolvimento amplo, de progresso e de sustentabilidade. É tido como o primado
do Direito Internacional porque resulta do conjunto de regras implícitas e expressas
realizadas em nível internacional, auto denominadas consagradoras e conciliadoras
dos princípios do direito do desenvolvimento e dos direitos fundamentais de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e da vida digna, ou seja, procura preservar o
meio ambiente mantendo o desenvolvimento e o progresso econômico. Sua
nacionalização refletiu no Princípio Constitucional do Desenvolvimento Sustentável
que significa poder atender às necessidades da geração atual sem comprometer o
direito de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades que
decorre da fusão de dois princípios constitucionais, o do direito ao desenvolvimento
e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
135
Além da visão sistêmica e ecológica e do art. 225, a Constituição Federal
brasileira de 1988, bem como a legislação nacional esparsa, possuem inúmeras
disposições legais que permitem se pensar em uma função social das empresas e
das indústrias, de igual forma na vinculação desses entes privados aos direitos
fundamentais, e na obrigação de respeitarem e promoverem direitos sociais e o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tanto que a
própria ordem econômica constitucional atual milita pela harmonização entre o
capitalismo, a iniciativa privada e o desenvolvimento social e pessoal, quando prevê
como princípios gerais da atividade econômica, no seu art. 170, a propriedade
privada, a função social da propriedade, e a defesa do meio ambiente, dentre outros.
A empresa é atividade econômica organizada e agente dotado de relevante
poder de promoção social e econômica que não pode mais servir apenas como
arrecadador de poder hierárquico e lucro, e frente a essa consciência, que floresce
sozinha ou muitas vezes por coação legal, é que a Gestão Empresarial Ambiental,
entendida como diretrizes e atividades administrativas e operacionais realizadas
objetivando efeitos positivos sobre o meio ambiente, desponta como instrumento
eficaz dessa necessária promoção social e preservação ambiental, em que pese as
críticas feitas pela radical Gestão Ecológica.
As Normas da série ISO (Organização Internacional para Padronizações),
representadas no Brasil pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), são
regras de procedimentos-padrão internacional de adesão voluntária criadas pelo
próprio mercado capitalista globalizado e ausentes da ingerência e intervenção
estatal. A ABNT/NBR ISO 14001 define o Sistema de Gestão Ambiental como parte
do sistema da gestão de uma organização que pode conduzir a concessão da
chamada “Certificação Ambiental” e, embora não se possa negar que a adesão
“voluntária” também decorra de uma questão de marketing da empresa, já que cada
vez mais há consumidores conscientes da degradação ambiental e preocupados
com a “vida” dos produtos e fornecedores comprometidos com as empresas com
quem mantêm negociações, bem como o fato de que apenas podem se lançar no
mercado internacional as empresas e indústrias que possuem a Certificação
Ambiental pela série ISO. Em que pese também essas Normas não prevejam
índices ou valores mínimos que devam ser atendidos e observados para fins da
136
gestão ambiental e de sua melhoria contínua, nem mesmo padrões ótimos de
preservação ambiental, salvo melhor juízo, trata-se de um processo sério, imparcial,
criterioso e documentado que objetiva reduzir os impactos ambientais e a adesão
“voluntária” mostra-se como um possível instrumento eficaz na fomentação e
observância do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
previsto no art. 225 da Constituição Federal de 1988, na promoção e observância
dos direitos sociais e princípios basilares da República Federativa do Brasil, tais
como o desenvolvimento sustentável e a função social da empresa. São inúmeras
as exigências a serem cumpridas e verificadas quando das auditorias para
implementação e manutenção de um Sistema de Gestão Ambiental e durante todo o
ciclo de vida dos produtos e serviços, inclusive sendo necessária a realização do
estudo de impacto ambiental e a obtenção e mantença regular das licenças
ambientais, institutos também exigidos pelo atual ordenamento constitucional com o
fulcro de um meio ambiente ecologicamente equilibrado que cabe a “todos”
promover.
É perceptível que tais Normas visam cumprir com o primado do Direito
Internacional do desenvolvimento sustentável, e quem sabe não sejam instrumentos
suficientemente eficazes em se tratando de promover um desenvolvimento em
sentido amplo, com a promoção das mais variadas liberdades ou mesmo em
promover a sustentabilidade de raiz ecológica, no entanto, o desenvolvimento
sustentável é Princípio Constitucional brasileiro que decorre da leitura do próprio art.
225 da Constituição Federal de 1988 que prevê o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente correto.
Portanto, aderindo “voluntariamente” a essas Normas de padronização para o
mercado internacional, criadas pelo próprio mercado capitalista global, a iniciativa
privada estará dispondo de ferramentas eficazes para conciliar, de acordo com a
nossa atual previsão e exigência constitucional, o crescimento econômico, o
desenvolvimento e a preservação do meio ambiente e da vida digna para as
presentes e futuras gerações, pois estará observando e fomentando tanto os direitos
fundamentais ao desenvolvimento e a iniciativa privada quanto ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e a vida digna.
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