ANAIS DO VI FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES E
II CONGRESSO NACIONAL EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE
ISSN 2176-7033
28 a 30 de novembro de 2013
UFS–Itabaiana/SE, Brasil.
AS QUESTÕES DE GÊNERO EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS 1
Beatriz Rodrigues Lino dos Santos (UESB)2
Lorruan Alves dos Santos (UESB)3
Marcos Lopes de Souza (UESB)4
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da educação no Brasil, os materiais didáticos, sobretudo os livros
escolares, tornaram-se subsídios extremamente relevantes para a prática educativa dos professores
em virtude da sua fácil aquisição por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do
Ministério da Educação (MEC) e por apresentarem os conteúdos das diferentes áreas do
conhecimento de maneira mais simplificada facilitando a abordagem dos professores.
Apesar da importância dos livros didáticos, em se tratando daqueles da disciplina de
Ciências as pesquisas realizadas desde os anos 1970 evidenciaram várias problemáticas nesses
materiais tais como: erros conceituais; reforço de estereótipos e preconceitos sociais, étnico-raciais,
de gênero e sexualidade; ausência de contextualização em relação ao Brasil; concepções
estigmatizadas sobre a ciência e o ambiente; poucas discussões sobre a história da ciência;
predominância de atividades memorísticas e pouco problematizadoras; fragmentação do
conhecimento; apresentação da natureza como fonte inesgotável de recursos; olhar antropocêntrico
sobre a natureza e ausência de uma abordagem filogenética (AMARAL; MEGID NETO, 1997; MEGID
NETO; FRACALANZA, 2003).
Essas e outras questões relacionadas ao livro didático influenciaram a inclusão de um
processo de avaliação desses materiais, a partir de 1996, no PNLD. Atualmente, a avaliação é feita
com a publicação de um edital apresentando as características imprescindíveis dos livros didáticos a
serem adquiridos pelo MEC e determinando os prazos para apresentação das obras pelas empresas
detentoras de direitos autorais. As obras inscritas passam por um processo de avaliação e as
aprovadas são apresentadas aos professores de todo o Brasil mediante o Guia dos Livros Didáticos.
1
Este trabalho é resultado do Projeto de Pesquisa “O que dizem os livros didáticos de Ciências sobre as identidades de gênero
e sexuais?” financiado internamente pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
2
Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB (2011-2012). Licenciada
em Pedagogia pela UESB, campus de Jequié. Participante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero e Sexualidades – Email: [email protected].
3
Bolsista de Iniciação Científica da FAPESB (2012-2014). Graduando do curso de Fisioterapia da UESB, campus de Jequié.
Participante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero e Sexualidades – E-mail: [email protected].
4
Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas. Mestre e Doutor em Educação - Universidade Federal de São Carlos. Docente
do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação de Professores da UESB - Coordenador do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Gênero e Sexualidades – UESB – E-mail: [email protected].
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Cada escola cadastrada no MEC faz a escolha do livro que deseja receber para o trabalho em sala de
aula.
Fracalanza (2005) ressalta a importância de uma melhor divulgação das pesquisas
desenvolvidas com livros didáticos para conhecimento dos autores dessas obras e a realização de
novas pesquisas sobre este material didático. Entende-se que os(as) professores(as) da educação
básica também devem ter acesso a tais pesquisas para melhor compreensão e observação no
momento de escolha dos materiais didáticos.
Em se tratando das questões de gênero nos livros escolares de Ciências dos anos iniciais do
ensino fundamental, pesquisas como de Marques e Ribeiro (2006); Martins e Hoffmann (2007) e
Soares e Bordini (2009) constataram: maior visibilidade do homem em relação à mulher; presença
maior de meninos do que meninas realizando atividades práticas e experimentais; as meninas são
mais associadas às atividades domésticas, ações ligadas ao cuidado de crianças ou falando ao
telefone e os meninos são veiculados às ações como jogar bola, brincar nas poças d`água, cuidando
dos animais ou andando de bicicleta; as meninas usam, sobretudo, vestidos e saias com tons claros,
sendo que em algumas há pequenas estampas florais e os meninos vestem camisetas e bermudas,
predominantemente, azuis, verdes ou brancas.
Diante do relatado, é importante verificar se os livros didáticos de Ciências dos anos finais
do ensino fundamental também têm reforçado os estereótipos e as hierarquizações de gênero ou
promovido rupturas nestas questões. Assim sendo, este trabalho objetivou identificar e analisar
como as questões de gênero estão configuradas nas imagens veiculadas em livros didáticos de
Ciências dos anos finais do ensino fundamental e verificar se esses materiais se constituem como
livros que auxiliam no combate ao sexismo.
REVISÃO DE LITERATURA
Discutir sobre gênero é perceber que existem demarcações do feminino e do masculino
construídas histórica e culturalmente ao longo de nossas vidas, entendendo, portanto que em nossa
cultura gênero é visto de forma binária (ou se é homem ou mulher), dicotômica (ser mulher é o
oposto de ser homem) e desigual (o homem é colocado em ações que são vistas como superiores as
das mulheres).
Sobre tais questões do homem e da mulher, Beauvoir (1970) faz uma reflexão importante:
A história mostrou-nos que os homens sempre detiveram todos os poderes
concretos; desde os primeiros tempos do patriarcado, julgaram útil manter a
mulher em estado de dependência; seus códigos estabeleceram-se contra ela; e
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assim foi que ela se constituiu concretamente como Outro. Esta condição servia os
interesses dos homens, mas convinha também a suas pretensões ontológicas e
morais (BEAUVOIR, 1970, p. 179).
Baseando-se nestas ideias, compreende-se que ao longo do tempo o poder esteve
centralizado no homem e, portanto, as ações a ele atribuídas eram tomadas como mais importantes
e de maior prestígio do que aquelas relacionadas às mulheres. Dessa forma, a cultura empoderou
algumas ações e outras não.
Esse pensamento do homem como ser superior e a mulher como o “outro” foi engendrado
com base nas questões biológicas. Segundo Louro (2004), o discurso em uma visão estritamente
biológica é reiterado socialmente, baseado no pensamento de que ao nascermos temos um sexo prédefinido (fêmea ou macho) e a partir daí, necessariamente, ganhamos um gênero (feminino ou
masculino), e consecutivamente a nossa sexualidade será heterossexual, no qual o homem (ativo)
focará o seu desejo na mulher, passiva e submissa, e tudo que escape dessa norma é
automaticamente censurável e questionado.
Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de compreender e
atribuir sentido a esses processos, elas e eles costumam concordar que não é o
momento do nascimento e da nomeação de um corpo como macho ou como
fêmea que faz deste um sujeito masculino ou feminino. A construção do gênero e
da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente
(LOURO, 2008, p. 18).
Ao se falar de gênero, pretende-se desestabilizar a ideia de que aquilo que se espera do
homem e da mulher; do masculino e do feminino é algo “natural”. Ser homem e ser mulher são
construções sociais, culturais, econômicas e políticas. Todavia, tradicionalmente, foram delimitados
aspectos e papéis exclusivamente dos homens e das mulheres e quando se escapa disso, questionase a identidade de gênero da pessoa.
Historicamente, são atribuídas as mulheres, por exemplo, o cuidado dos filhos e a educação
das crianças. Ao homem, todavia, cobra-se o papel de “provedor”, ou seja, aquele que manterá
financeiramente o lar. Espera-se que as mulheres sejam frágeis, delicadas, submissas, fiéis e passivasreceptivas; já em relação aos homens é esperado que sejam fortes, independentes, dominantes,
autoritários, inteligentes e rudes. Essas atribuições não foram designadas naturalmente, mas
construídas socialmente (SARDENBERG; MACEDO, 2008).
Com esses olhares, constroem-se padrões sociais ao entender que o menino deve vestir
azul e a menina rosa, ou quando o menino brinca de bola e a menina de boneca. Tais concepções só
enquadram o indivíduo em um lugar onde não é permitido transitar entre um gênero e outro, ou até
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mesmo entre o desejo de ter um corpo e ter outro, dessa maneira, aquele ou aquela que fogem da
normatização são vistos como anormais ou, nas palavras de Butler (2000), como abjetos.
Percebe-se que as discussões sobre gênero estão marcadas por um processo de
preconceito e discriminação, em que a sociedade demarca o indivíduo em um processo de
normatização e normalização. Contribuindo para as reflexões, Louro (2000) afirma que:
Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma
interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de
referência. Nada há de simples ou de estável nisso tudo, pois essas múltiplas
identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes ou
até contraditórias. Somos sujeitos de muitas identidades. Essas múltiplas
identidades sociais podem ser, também, provisoriamente atraentes e, depois, nos
parecerem descartáveis; elas podem ser, então, rejeitadas e abandonadas. Somos
sujeitos de identidades transitórias e contingentes. Portanto, as identidades
sexuais e de gênero (como todas as identidades sociais) têm o caráter
fragmentado, instável, histórico e plural, afirmado pelos teóricos e teóricas
culturais (LOURO, 2000, p. 6).
Além da delimitação desses papéis, as relações de gênero são permeadas pelo poder
conferindo historicamente ao homem uma posição dominante em relação à mulher. Esse
entendimento de superioridade do homem tem gerado desigualdades de gênero e,
consequentemente, violência contra as mulheres. Felipe (2008) reuniu dados de pesquisa, os quais
evidenciaram que 43% das mulheres já sofreram alguma violência e na maior parte dos casos, os
maridos, os parceiros e os ex-companheiros são os agressores. Essa violência gera dor, sofrimento e
medo sendo que muitas mulheres não conseguem denunciar os homens que lhes agride.
Diante do exposto, destaca-se aqui a importância de se tratar sobre a diversidade de
gênero em todos os espaços, inclusive nas escolas. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) é relevante que os educadores não tenham pensamentos rígidos e normativos, e que os
educadores consigam questionar os padrões estabelecidos pela sociedade e apontar rumos para as
transformações dos padrões da cultura e da sociedade (BRASIL, 1997).
Para que o professor desenvolva um trabalho significativo com as questões de gênero é
necessário que o material didático disponível na escola o auxilie em sua tarefa. Assim sendo,
percebemos a necessidade de se trabalhar com as questões de gênero nos livros didáticos de
Ciências para analisar e constatar como estão sendo tais discussões em sala de aula, pois é a partir
daí que quebramos paradigmas e escapamos das compreensões tão formais referentes ao gênero.
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METODOLOGIA
Considerando a importância de se compreender as expressões de gênero nos livros
didáticos de Ciências, esta investigação pautou-se na abordagem qualitativa, a qual se preocupa em
entender as relações intersubjetivas do mundo. É a partir dela que se pode compreender o universo
dos significados, dos valores, crenças e atitudes relacionados à realidade social. Esta abordagem
pauta-se na análise das visões de mundo e ações que as pessoas constroem e desenvolvem sobre os
mais variados aspectos do mundo (MINAYO, 1994).
Como a pesquisa está baseada na teoria pós-estruturalista, parte-se do pressuposto de que
é preciso visualizar as ideias e as multiplicidades das expressões de gênero, expandindo assim um
novo olhar para as os conhecimentos conceituais e as imagens nos livros didáticos de ciências nos
anos finais.
Nesta pesquisa foram analisadas setes coleções de livros didáticos de Ciências adotadas
pelas escolas municipais e estaduais da cidade de Jequié-Bahia para o triênio 2011-2013. As coleções
analisadas foram: C1) Ciências - Carlos Barros e Wilson Paulino, Editora: Ática; C2) Ciências Naturais –
Olga Santana, Anibal Fonseca e Erica Mozena, Editora: Saraiva; C3) Ciências: natureza & cotidiano –
José Trivellato, Silvia Trivellato, Marcelo Motokane, Júlio Foschini Lisboa, Carlos Kantor, Editora FTD;
C4) Ciências Projeto Radix – Leonel Delvai Favalli, Karina Alessandra Pessôa e Elisangela Andrade
Angelo, Editora: Scipione; C5) Ciências naturais: aprendendo com o cotidiano – Eduardo Leite do
Canto, Editora Moderna; C6) Ciências – Fernando Gewandsznajder e C7) Ciências Integradas – Jenner
Procópio de Alvarenga, José Luiz Pedersoli, Moacir Assis d’Assunção Filho, Wellington Caldeira
Gomes, Editora: Positivo. Cada coleção tinha quatro livros (6° ano ao 9° ano).
Foi analisado o número de imagens de mulheres, homens e de mulheres/homens presentes
nos livros e também atividades/ações associadas às imagens de mulheres e de homens utilizando-se
de cinco categorias: a) ações cotidianas – correspondendo aquelas atividades realizadas no dia-a-dia
como, por exemplo, comer, vestir-se, dormir, conversar etc.; b) atividades físicas e/ou esportivas –
para aquelas ações que estavam envolvidas com algum esporte ou atividade física: futebol, vôlei,
basquete, corrida, caminhada etc.; c) ocupação/trabalho/atividade estudantil – atividades ligadas a
alguma ocupação, trabalho e também às ações relacionadas aos estudantes, como por exemplo,
cientista, pedreiro(a), empregado(a) doméstico(a), empresário(a), professor(a), médico(a); d)
esquemas corporais ou exemplificação – correspondendo a esquemas do corpo humano ou de
partes dele (cabeça, tronco, sistema respiratório etc.) e figuras para exemplificar características
específicas ou determinadas doenças ou anomalias; e) brincadeiras/diversão/lazer – ações ligadas às
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brincadeiras, sobretudo de crianças e adolescentes, como gangorra, escorregador, ciranda etc. ou
atividades de diversão e alegrias.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
No que diz respeito ao número de imagens de homens e mulheres nos livros didáticos, das
sete coleções analisadas constatou-se a presença maior de homens (60,2%) em relação à de
mulheres (23,2%) e de mulheres e homens (16,6%). A coleção 6 (Ciências) foi a que apresentou maior
número relativo de imagens de homens (69,3%) e a 3(Ciências Naturais e cotidiano) o menor número
relativo de mulheres com 16,5%. A coleção 5 (Ciências Naturais: aprendendo com o cotidiano) foi a
que apresentou menor número relativo de imagens de homens (54,6%), em relação às demais e mais
ilustrações de mulheres (27,2%).
No trabalho de Moro (2001) verificando uma coleção de livro de ciências do ensino
fundamental II (série Carlos Barros), 80,2% das imagens eram de homens e apenas 19,8% de
mulheres. Soares e Bordini (2009) analisaram quatro coleções didáticas de ciências dos anos iniciais
do ensino fundamental e constataram que 68,4% das ilustrações eram homens. Comparando-se
esses trabalhos, observa-se que embora exista uma predominância de ilustrações de homens, houve
um aumento nas imagens das mulheres e também de ilustrações com os dois gêneros quando
comparado a outros trabalhos.
Considerando as cinco categorias de atividades associadas às imagens, nos livros analisados
observou-se uma predominância de ações cotidianas (45,6%), seguido por atividades de
ocupação/trabalho/atividade estudantil (30,6%), esquemas corporais ou exemplificações (12%),
atividades físicas e esportivas (6,2%), e brincadeiras (5,5%). Em todas as categorias havia mais
imagens de homens do que de mulheres.
Em relação às ações cotidianas, houve 357 imagens de homens, 205 de mulheres e 144
com mulheres e homens. Comparando o número absoluto de mulheres relacionadas às ações
cotidianas com outras atividades, constatou-se que nos livros de Ciências, as mulheres estão mais
presentes em ações triviais do dia-a-dia do que em seu trabalho ou em atividades esportivas e
mesmo em brincadeiras.
No caso dos homens predominaram aquelas associadas à demonstração de força física e
envolvendo movimento tais como: empurrando carro, carrinho de mão, sofá ou tonel (ex. Coleção 7,
Livro 3, p. 212); puxando objeto; levantando peso ou pegando água no poço. Nota-se a maior
presença de atividades relacionadas às habilidades do homem para força física, o que foi pouco
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evidenciado com as mulheres. Uma exceção foi uma menina empurrando uma mesa (ex. Coleção 2,
Livro 4, p. 177).
Porém, há ações que não estão associadas culturalmente a homens ou mulheres como
descartar materiais no lixo, alimentar-se ou adoecer. Ressalta-se, mesmo em número reduzido, a
presença de imagens distanciadas de alguns papéis impostos culturalmente para o homem como a
de um pai abraçando sua filha e seu filho (ex. Coleção 1, Livro 4, p. 60) em uma demonstração de
carinho dele para com as crianças, um homem trocando fralda de uma criança, um homem lavando
louça e de um homem cozinhando (ex. Coleção 7, Livro 1, p. 206). De certa forma, essas imagens
passam a contribuir para a desconstrução de identidades fixas e estáveis e apresentam outras
possibilidades para o masculino incluindo a paternidade e a realização de tarefas domésticas.
Já nas ações cotidianas das mulheres observou-se a predominância de atividades ligadas ao
estado de doença, alimentação, arrumando o cabelo (ex. Coleção 4, Livro 1, p. 158), conversando
com outra mulher, sentada e grávida. Muitas das ações cotidianas das mulheres estão relacionadas à
fala, ao educar, à gestação, ao cuidado e à demonstração de carinho como: conversas com outra
mulher ou ao telefone (ex. Coleção 6, Livro 3, p. 234), ensinando a plantar árvores, lavando as mãos,
passando protetor solar, uma gestante mostrando a barriga.
A concepção de que a mulher tem maior habilidade verbal e, portanto, para falar e se
comunicar está atrelada às pesquisas sobre a teoria da lateralização dos hemisférios cerebrais, a qual
considera as diferenciações estruturais e cognitivas entre os hemisférios cerebrais dos homens e das
mulheres. Nessa visão, os homens seriam mais propensos em cálculos em virtude de sua visão
espacial e as mulheres às aptidões verbais (GOY; McEWEN, 1980 citado por MORO, 2001). Além
disso, há um pensamento do “ser mulher” atrelado à dimensão biológica do ser mãe, aquela que
gera, amamenta e cria filhos(as).
Evidencia-se também a presença ainda de imagens associando às mulheres aos afazeres
domésticos como cozinhar e arrumar um varal de roupas, reafirmando a ideia de que o lugar da
mulher é o privado, o do cuidado do lar como se a organização doméstico-familiar fosse um papel
natural delas e não deles, cabendo ao homem “prover” a casa ou, no máximo, executar ações que
envolvam habilidades físicas, mas não de cuidado (SARDENBERG; MACEDO, 2008).
Houve também atividades não atreladas especificamente a homens e mulheres como:
cuidar da horta e alimentando-se. Em linhas gerais, observa-se que a maior parte das imagens
envolvendo as ações cotidianas diferencia homens e mulheres em pólos opostos e assimétricos (em
que a mulher é colocada em condição e posição social de subordinação ao homem) apesar de
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algumas rupturas já se iniciarem nesses materiais didáticos como na Coleção 4, Livro 4, p. 25 em que
mostra a imagem de uma mulher varrendo a calçada e de um homem lavando os pratos.
Sobre ocupação/trabalho/atividade estudantil houve 351 imagens de homens, 73 de
mulheres e 51 com mulheres e homens. Nota-se de antemão a diferença substancial entre o número
de imagens de homens em relação às mulheres, neste caso, reforça um olhar de que o homem deve
estar mais associado à ocupação profissional do que as mulheres, já que estas ainda devem ser vistas
como donas-de-casa.
As principais ocupações dos homens foram: cientista, lavrador, estudante, pedreiro,
médico, astronauta, garimpeiro. São atividades relacionadas à intelectualidade e às habilidades
físicas (força física e coragem) reafirmando estereótipos socioculturais relacionados ao masculino.
No caso das mulheres predominou médica, professora, estudante e cientista, evidenciando,
por outro lado, um distanciamento dos padrões profissionais esperados para as mulheres em se
tratando da última profissão mencionada. Nas ilustrações de ocupação envolvendo homens e
mulheres observou-se a predominância das seguintes imagens: enfermeira com paciente – homem,
professora com estudante – meninos e meninas e médica com paciente – homem. Nota-se que
nessas imagens a mulher exerce profissões tidas como do cuidado e do educar, indo ao encontro de
outras pesquisas como a de Martins e Hoffmann (2007) em que se constatou nos livros de Ciências
dos primeiros anos do ensino fundamental, a presença de ilustrações de mulheres exercendo
profissões como professora, enfermeira e dentistas. Sardenberg e Macedo (2008) reafirmam as
ocupações nas áreas educacionais e de saúde como majoritariamente “femininas” evidenciando uma
divisão sexual do trabalho. Porém, é importante destacar ilustrações com mulheres em profissões
que fogem aos padrões como a de uma mulher em uma fábrica de concreto no Uzbequistão (Coleção
1, Livro 1, p. 101).
Quando havia figuras de estudantes realizando experiências, a maioria era homem (Coleção
6, Livro 4, p. 217) em comparação com as mulheres reforçando a ideia de que a mulher tem pouca ou
nenhuma habilidade para o desenvolvimento de atividades científicas. No trabalho de Marques e
Ribeiro (2006) com livros didáticos de Ciências dos anos iniciais do ensino fundamental também foi
verificado uma presença maior de meninos realizando experiências quando comparado com as
meninas.
A presença de poucas mulheres realizando experiências científicas não contribui para o
incentivo e, consequentemente, para a inclusão de mulheres nas áreas científicas. Conforme Moro
(2001), ao longo de sua história, a ciência esteve dirigida por homens, brancos, de classe média e
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alta, ocidentais e judaico-cristãos com uma concepção de ciência pautada na tradição positivista e
reducionista, considerando a separação de sujeito e objeto e no seu distanciamento; a busca de uma
“verdade” científica e a neutralidade da ciência. Essa mesma ciência, com base na existência de um
número menor de mulheres cientistas, defendeu, durante muito tempo, a inferioridade biológica do
intelecto da mulher, inclusive sua menor capacidade de exercer atividades científicas ao invés de
questionar a influências das condições sociais e culturais que excluíam as mulheres do exercício da
pesquisa científica.
No que diz respeito às atividades físicas e esportivas houve 27 imagens de mulheres, 60 de
homens e 09 com mulheres e homens. Nas ilustrações com homens predominaram: futebol,
nadador, ciclista, alpinismo e atletismo e halterofilista (como ex. Coleção 4, Livro 4, p. 167). Nota-se
ainda uma predominância de esportes nomeados “masculinos” como futebol, natação e
levantamento de peso. No caso das mulheres predominaram atividades de ginástica, nadadora,
basquete e atlestismo. Também permaneceram atividades clássicas para as mulheres,
especialmente, a ideia de realizar exercícios aeróbicos, embora um livro retrate uma jogadora de
futebol (Coleção 1, Livro 3, p. 185) e outro, uma halterofilista (Coleção 7, Livro 3, p. 31).
Em relação aos esportes tidos para homens e aqueles para mulheres, destaca-se que
durante muito tempo, construiu-se um pensamento de que o corpo feminino era frágil, enfraquecido
quando comparado com o corpo dos homens, dessa forma, os homens foram colocados em uma
posição em serem bons nos esportes e fortes corporalmente e aqueles que não eram bem sucedidos
nas atividades esportivas eram questionados em relação à sua masculinidade. As mulheres eram
vistas como fisicamente menos capazes que os homens, ou seja, eram vistas como “homens
diminuídos”. Nas palavras de Louro (1997), consagrou-se o pensamento de que o feminino é visto
como um desvio elaborado a partir do masculino.
Em se tratando dos esquemas corporais, prevaleceu o corpo do homem com 119 imagens
em detrimento da mulher com 38 imagens e 29 imagens com mulheres e homens. Os principais
esquemas do corpo do homem se tratavam de sistemas, órgãos ou tecidos do corpo humano (ex.
sistema respiratório), relação do homem com doenças (ancilostomose e ciclo da Taenia),
reconstituição do homem primitivo e exemplificações. Houve menos esquemas utilizando-se o corpo
da mulher, estes se tratavam da relação com doenças, partes dos sistemas (exibição da coluna
vertebral, Coleção 4, Livro 3, p. 154) ou exemplificações (mulher albina e com Síndrome de Down).
Ressalta-se que o corpo da mulher foi pensado, construído e estudado como sendo o
“outro”, já que a referência ou o padrão era o corpo masculino. Até o final do século XVIII, a medicina
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só admitia a existência do corpo do homem (SCHWENGBER, 2004). Dessa forma, os livros embora
incluam a mulher em alguns esquemas ainda apresentam resquícios dessa visão onde apenas o corpo
do homem era o modelo, por outro lado, houve mudanças já que os esquemas trazem o corpo da
mulher, algo anteriormente restrito apenas ao sistema reprodutor.
Nas ilustrações de esquemas corporais com mulheres e homens prevaleceram aquelas
relacionadas aos sistemas ou corpo humano, exemplificações (ex. homem gigante, gêmeos fraternos
e pigmentação da pele), o heredograma e árvore filogenética (Coleção 4, Livro 2, p. 43).
Já as brincadeiras ou atividades de lazer, houve 45 ilustrações com homens, 16 com
mulheres e 25 com homens e mulheres. Para os homens enfatizaram aquelas ditas de meninos como
cabo de guerra, brincar na praia, além da gangorra (ex. Coleção 2, Livro 4, p. 23).
As brincadeiras das meninas eram nadar na piscina e brincar no parque (ex. Coleção 4, Livro
3, p. 206). Essas diferenças ressaltam a ideia de que somente os meninos podem brincar de cabo de
guerra já que possuem “maior” força física ou se divertir num lugar mais livre e aberto como praia e
cachoeira, diferente das meninas cujas brincadeiras eram em espaços delimitados, fechados e de
possível controle como piscina ou parque. No trabalho de Soares e Bordini (2009) também foi
descrito na análise das imagens nos livros didáticos de Ciências que os meninos têm ações que
favorecem a sua autonomia como jogar bola na rua, brincar nas poças de água e andar de pés
descalços.
Nota-se, portanto, uma rigidez e vigilância com os corpos femininos enquanto aos corpos
masculinos é dada uma liberdade sem ser questionada.
Um exemplo é o modo como os espaços são distribuídos: os abertos, como a
quadra de esportes, são reservados especialmente aos meninos. Enquanto os mais
fechados, menores e de fácil controle, às meninas; lugares onde não se permitem
gritos e correria são preferencialmente das meninas; para os meninos, um espaço
onde possam fluir a agressividade, a forca física etc. (TEIXEIRA; MAGNABOSCO,
2010, p. 21-22).
Naquelas ilustrações que havia homens e mulheres houve uma diversificação: brincando na
piscina, gangorra, telefone sem fio, montanha russa e praia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas gerais, nos livros didáticos de Ciências descritos e analisados observaram-se
algumas mudanças, pois houve um aumento no número de imagens de mulheres quando comparado
com trabalhos anteriores, além do que, no que tange as representações de gênero, embora
predominem alguns padrões reforçando a oposição dicotômica e binária feminino-masculino e de
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submissão-dominação, nota-se a presença de outras possibilidades de arranjos da masculinidade e
feminilidade questionando alguns essencialismos ao evidenciar, por exemplo, o homem cuidando da
criança ou lavando a louça e a mulher como cientista ou jogando futebol ou praticando musculação.
REFERÊNCIAS
AMARAL, I. A.; MEGID NETO, J. Qualidade do Livro Didático de Ciências: o que define e quem define?
Revista Ciência e Ensino, Campinas, n. 2, p. 13-14, 1997.
BEAUVOIR. S. O segundo sexo: fatos e mitos. 4ª Ed. São Paulo: 1970.
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AS QUESTÕES DE GÊNERO EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS1