Claudio Galvão
A DESFOLHAR SAUDADES
Uma biografia de Tonheca Dantas
1998
Cem anos do nascimento de Felinto Lúcio Dantas
Cem anos do nascimento de Luís da Câmara Cascudo
Cem anos do nascimento do poeta Edinor Avelino
Cem anos que Tonheca partiu de Carnaúba dos Dantas
1999
Quarto centenário da fundação de Natal
2013
Centenário da valsa Royal Cinema
Coordenação Gráfica: Valmir Araújo
Capa: Gilvam Lira
Fotos do texto: Claudio Galvão
Digitação: Claudio Galvão
Revisão: Claudio Galvão/Angélica Sousa
Editoração Eletrônica: Edenildo Simões/Alane
Lobato/Claudio Machado
Digitação Eletrônica das partituras musicais: Claudio Galvão
Desenho da capa e aquarelas do texto: Gilvam Lira
D192d
Galvão, Claudio
A Desfolhar Saudades - Uma biografia
de Tonheca Dantas / Claudio Galvão.
Natal (RN): Departamento Estadual de
Imprensa/Gráfica Santa Maria, 1998.
n° de páginas: 258
.
1. Dantas, Antonio Pedro, 1870-1940
Biografia 2. Dantas, Antonio Pedro, 18701940 - Músico. 3. Tonheca Dantas, pseud. de
Dantas, Antônio Pedro. I. Título.
FJA/BPCC 98-15
CDD
927
fcbs
Esta publicação em formato eletrônico contou
com o apoio do
Grupo Vila
Cooperativa da Música Potiguar
Prefeitura do Natal
Programa Djalma Maranhão
Para a redação deste livro, o autor pesquisou em velhos
jornais, acervos públicos e arquivos de instituições militares.
Foram entrevistados familiares do compositor, pessoas
que o conheceram pessoalmente e outras que ouviram contar
fatos a seu respeito.
Para a transcrição desses fatos, procurou-se respeitar o
conteúdo das informações incluindo-se – no máximo – um ou
outro diálogo.
A vasta gama de fatos que são relatados,
principalmente no interior do Estado, confirmam a
popularidade e a constante lembrança que ainda se guarda de
Tonheca Dantas.
FELINTO LÚCIO DANTAS
(Carnaúba dos Dantas, 23 de março de 1898 – 11 de setembro de
1986), Seridoense, glória da música do Rio Grande do Norte, em
homenagem pelo seu centenário de nascimento.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO/DEDICATÓRIA...................................... 8
LIVRO PARA SE OUVIR COM PRAZER ......................... 11
AS RAÍZES SERTANEJAS................................................... 14
UMA FAMÍLIA DE MÚSICOS .......................................... 224
UMA INFÂNCIA FELIZ ....................................................... 31
OPTANDO PELA MÚSICA ................................................ 366
COMEÇANDO EM NATAL ................................................. 41
MUDANÇAS DE VIDA........................................................ 477
RUMO AO SUL .................................................................... 499
RUMO AO NORTE .............................................................. 511
BELÉM DO PARÁ ............................................................... 544
ORGANIZANDO A VIDA ................................................... 566
PROCURANDO TRABALHO ............................................ 588
RENOVANDO AS ESPERANÇAS ..................................... 644
O DESTINO MOSTRA OS CAMINHOS .......................... 688
SUBMETENDO-SE A NOVO CONCURSO ....................... 71
MÚSICO DA BANDA DO CORPO DE BOMBEIROS.... 755
INAUGURAÇÃO DO NOVO QUARTEL ......................... 822
TROPEÇOS E INCENTIVOS ............................................. 888
ADEUS À LIBERDADE... ..................................................... 91
NOTÍCIAS DO SERTÃO .................................................... 944
TOCANDO PARA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA .. 100
UMA SURPRESA INESPERADA ...................................... 103
DESPEDINDO-SE DE BELÉM .......................................... 105
DE VOLTA À TERRINHA ................................................. 109
ALAGOA GRANDE ............................................................. 113
VOLTANDO A NATAL ....................................................... 120
MAIS CONFUSÃO COM MULHERES ............................ 126
NOVAS MUDANÇAS .......................................................... 128
TOCANDO A VIDA ............................................................. 133
A VALSA “ROYAL CINEMA” .......................................... 136
A VERDADE SOBRE A ORIGEM DE ROYAL CINEMA
................................................................................................. 138
O GOVERNO FERREIRA CHAVES ................................ 142
PROFESSOR DE PROFESSORES .................................... 146
SUCESSO EM SANTANA DO MATOS ............................ 150
MAIS UM CASAMENTO.................................................... 154
VOLTANDO AO SERTÃO ................................................. 163
OUTRA VEZ EM ALAGOA GRANDE ............................. 169
NA CIDADE DE PARAÍBA ................................................ 173
RETORNANDO A NATAL ................................................. 180
DE VOLTA À POLÍCIA MILITAR ................................... 182
LEVANDO A VIDA.............................................................. 189
TERMINANDO A MISSÃO ................................................ 191
ADEUS AO SERTÃO........................................................... 198
PROBLEMAS COM A SAÚDE .......................................... 200
AS NOTAS FINAIS .............................................................. 203
PATRONO DA ACADEMIA .............................................. 209
POEMAS EM HOMENAGEM A TONHECA DANTAS. 211
COMPOSIÇÕES DE TONHECA DANTAS QUE
RECEBERAM (OU PARA A QUAIS FORAM FEITAS)
LETRAS................................................................................. 220
A VALSA “ROYAL CINEMA” .......................................... 225
D I S C O G R A F I A ...................................................... 243
BIBLIOGRAFIA ................................................................... 244
INFORMANTES E COLABORADORES ....................... 2487
ARQUIVOS CONSULTADOS ............................................ 250
QUADRO DAS COMPOSIÇÕES DE TONHECA DANTAS
................................................................................................. 244
ROYAL CINEMA: PARTITURA PARA PIANO ............ 244
ROYAL CINEMA: TRANSCRIÇÃO PARA VIOLÃO ... 244
Apresentação/Dedicatória
C
omo é de praxe quando se publica um livro, faço eu,
também, a minha página de dedicatórias. Além das costumeiras duas ou três linhas no meio de uma página, optei
por algo um pouco mais longo, fundindo a dedicatória à também
costumeira apresentação, onde possa justificar o porquê de minha
atenção para com o músico e compositor Antônio Pedro Dantas – o
conhecidíssimo Tonheca Dantas.
Ainda muito criança, eu era levado por meu pai para ouvir
(e ver) retretas que periodicamente se apresentavam nas praças da
cidade. Restavam ainda alguns coretos, e neles, uma banda de música
se apresentava periodicamente para tocar.
Lembro-me claramente de um certo fim de tarde quando,
num intervalo de uma retreta – no hoje demolido coreto da praça
Pedro Velho – meu pai me levou para ver os instrumentos de perto.
Eu, decerto, havia demonstrado a minha admiração especial por um
deles: os pratos metálicos... Ali estava eu, então, no meio do
palanque, “apresentado” a Monteiro, o pratilheiro da banda da Polícia
Militar. Moreno, gordo, bigode, face larga e lustrosa, Monteiro bateu
os pratos algumas vezes para satisfazer a minha curiosidade. Lembrome de sua fisionomia simpática como se o tivesse visto ontem. Foi
ele o primeiro músico que conheci na vida...
Anos depois, morei durante muito tempo em uma velha casa
na Rua Vigário Bartolomeu, hoje demolida, em frente à loja maçônica
“Evolução II” – bela fachada de prédio também demolido e
reconstruído “moderno” depois.
Ali, à noite, nas festas da instituição, a Banda da Polícia
Militar se postava na calçada tocando valsas e dobrados
inesquecíveis.
No interior de nossa casa, tínhamos a presença do rádio e o
som da Rádio Educadora de Natal que, naquele tempo, tocava quase
que exclusivamente música brasileira e se dava ao luxo de transmitir
músicas ditas “clássicas”, orientando e educando o ouvido de seus
sintonizadores.
Um dia, tocou no rádio uma gravação da valsa Royal
Cinema. Minha mãe, para minha surpresa, começou a chorar.
Perguntei, então, por que ela estava chorando e ela me respondeu:
– Saudades...
– Saudades de quê? – Voltei a perguntar. E ela:
– Não sei...
Não sei explicar, mas quando ouço Royal Cinema, também
sinto saudades. Saudades de quê, não sei; mas sinto.
Muito tempo depois, tive o prazer de fazer boa amizade com
um músico ex-componente da Banda da Polícia Militar – o Major
Enéas de Araújo – que havia sido contemporâneo de Tonheca Dantas.
Admirador do velho músico, “seu” Enéas referia-se a ele com
emoção, destacando suas qualidades artísticas e profissionais. Sua
descrição concorda com a do meu pai – que também conheceu
Tonheca Dantas: era um homem modesto, simples, de aparência
humilde, apesar de seu valor.
Pouco antes de seu falecimento, o Major Enéas de Araújo
me presenteou com um velho caderno onde havia organizado
anotações sobre a vida de Tonheca Dantas. Nesse manuscrito, tive o
roteiro para este trabalho e, através dele, pude localizar os filhos do
compositor - Antônia Dantas da Silva e Antônio Pedro Dantas Filho –
que me forneceram a maior parte das informações aqui contidas.
9
Assim, antes de todas as outras muitas pessoas entrevistadas
e dos numerosos arquivos pesquisados, devo à minha mãe, Claudina
Pinto Galvão, ao meu pai, Augusto Carlos Galvão, e ao meu prezado
amigo Major Enéas de Araújo, a motivação inicial para a realização
deste trabalho. Por esta razão, este livro é dedicado às suas memórias.
Durante o trabalho e ao conhecer melhor a vida de Tonheca
Dantas, senti a certeza de que estava lidando com um personagem
que, além de ser um dos mais importantes nomes de nossa história
artística, é, sem dúvida, o mais querido compositor do Estado do Rio
Grande do Norte.
Ao escrever este trabalho, um tanto quanto preocupado com
a memória do velho Tonheca estive eu – e muito, a desfolhar
saudades...
Claudio
10
■
Livro para se ouvir com prazer
Tarcísio Gurgel
Tonheca. A lembrança mais remota que tenho desse
vocábulo nada eufônico, que serviu para nomear o mais popular
músico do Estado, provém da infância e me leva de volta à grande
sala de jantar da minha casa, em Mossoró. Ali ficávamos, todos, à
noitinha, na expectativa do pai sair do banheiro para que fosse
servida a sopa e o café com pão nosso de cada dia. Havia sempre
alguém, da enorme família, que o velho hospedava: ora, da
avelinada, que chegava de Areia Branca, ora da gurgelada do sertão
mais a oeste. Se dessa última região chegava o meu tio Tião,
proprietário de uma Boa Vista, onde a doce tia Lourdes pontificava,
junto vinha a possibilidade sempre excitante de que ele pegasse o
violão do espevitado do Kiko para dedilhar três, quatro frases
musicais de uma composição que, desde então, toca indefinidamente
em minha memória. Era com Royal Cinema que aquele tio desfrutava
dos seus dois minutos de glória indiscutível. E o curioso é que ele
não sabia tocar toda a música – não que eu me lembre. Mas, que
ficávamos todos emocionados, disso não tenho a menor dúvida.
A quem mais e a quantos terá conseguido a música de
Tonheca Dantas emocionar, é impossível saber. Mas, agora,
podemos acompanhar sua trajetória, até tornar-se um referencial
para a cultura potiguar no tempo que lhe foi reservado viver, se
lemos este livro de Claudio Galvão.
Pela mão segura deste escritor, o qual já revelou ao país a
importância de um músico que o Rio Grande do Norte com sua
caprichosa ignorância teima em continuar esnobando, (falo de
Oswaldo de Souza, cuja biografia Claudio conseguiu publicar pela
11
Funarte) temos um Tonheca redivivo, irrequieto, revelando
incontestável talento, sempre disposto a recomeçar, após cada
tropeço que o destino lhe reservava, e capaz de produzir situações
insólitas, tais como: atropelar regulamentos militares, normas
rígidas de serviço público, sisudez de autoridades que amoleciam
com os acordes das suas músicas.
E ora estamos com ele no roçado, na remota infância,
pastoreando cabras e ouvindo o som bucólico da sua flauta de talo de
mamoeiro; ora acompanhamos com ansiedade o resultado de um
concurso mandado realizar pelo Governador Ferreira Chaves,
apenas para provar que Tonheca era o melhor; ora o vemos
machucado por um casamento infeliz, ou o acompanhamos
incansavelmente pelos muitos lugares por onde andou, sempre
espalhando a magia de sua música.
Que bonita não seria a tranquila cidadezinha do Natal, de
cuja vida em sociedade Claudio nos dá boas descrições, onde
Tonheca se destacou com o seu talento! Quão românticas não deviam
ser as sessões de cinema na sala de exibições que ele decidiu
homenagear (sala onde se destacava, aliás, com o seu clarinete)
batizando com o nome da mesma, sua música mais famosa ... Aquela
mesma do meu virtuose familiar... Música, aliás, de controvertida
origem, pois que Tonheca a teria dedicado a outras pessoas em
outras originais situações...
Belo é este livro de Claudio Galvão que nos coloca em
contato com um tempo retrouvée, denotando notável esforço de
pesquisa. Se algo há para lamentar (e não me tomem por espírito de
porco, tanto que estou feliz com o livro) é a ausência de um disco
que, acompanhando o volume, contivesse uma seleção das músicas
do biografado, tarefa que poderia ter sido executada pelo autor com
a sua reconhecida competência. Não se trata de achar que o atual
resgate é parcial. Mas, ouvir um solo de Royal Cinema durante a
leitura desse livro seria como consagrar esse esforço de pesquisa
calcado no talento e na sensibilidade típicos de Claudio Galvão.
Quem sabe alguma empresa e/ou instituição com dirigente
sensível lhe encomenda esta outra obra enriquecedora?
12
13
AS RAÍZES SERTANEJAS
N
o coração do Seridó norte-rio-grandense, em pleno semiárido subtropical, estende-se uma vasta paisagem de
caatinga, castigada pela inclemência das estiagens
constantes, onde florescem plantas arbustivas e rasteiras que se
entremeiam entre os caules agressivos dos cardeiros e as verdes copas
dos juazeiros, emoldurada pelas silhuetas íngremes de pedregosas
serras, serrotes e cabeços.
Em meio dela, desliza, sinuoso, o rio Carnaúba. Quando o
clima permite e as incertas chuvas chegam ao sertão, correm por ali
inúmeros riachos, ressuscitando a vegetação e possibilitando a vida
animal.
Antes da chegada do homem branco, ali habitavam os
Janduís, Canindés e Pegas, indígenas tapuias da nação Tarairiú.
Muito cedo, a região foi visitada pelo europeu ávido de
riquezas e aventuras. Quando Portugal fez a primeira demarcação de
terras do Riacho de Carnaúbas, em 11 de abril de 1613, já muitos
brancos comprovaram possuir terras no local. A colonização,
entretanto, verifica-se com maior intensidade a partir do século
XVIII, vinda do Sul através do sertão paraibano, quando maior
número de colonos chegaram à região, na ocasião já sem a oposição
natural de seus legítimos proprietários – os tapuias Tarairiús – pois
foram criminosa e impiedosamente chacinados pelos “civilizados e
cristãos” componentes do Terço dos Paulistas, provenientes da
14
capitania de São Paulo e comandados por Domingos Jorge Velho.1
Partes da terra foram sendo adquiridas na região. A primeira
delas, denominada à época “Riacho das Carnaúbas”, tornou-se
propriedade de Luiz Quaresma Dourado, que era “ajudante de
Infantaria Paga” da Paraíba. Por falecimento deste, passaram, por
herança, ao Tenente Braz Ferreira Maciel. Em 1776, uma parte
daquela terra – o riacho Carnaúba – foi vendida ao coronel Caetano
Dantas Correa. Entre os anos 1779 e 1780, um filho homônimo do
coronel instalou a fazenda Carnaúba, onde residiu depois de seu
casamento com Luzia Maria do Espírito Santo. O assentamento
daquela fazenda atraiu os outros irmãos Dantas Correa para as terras
às margens do rio Carnaúba.2
Falecendo Luzia e deixando numerosa prole, Caetano
casou-se com Maria da Paz do Nascimento, com quem teve mais
filhos. Com o falecimento de Caetano em 1830, a viúva Maria da Paz
e os filhos dão continuidade aos trabalhos da fazenda Carnaúba.
Vários sítios já se situavam ao redor da fazenda, como os sítios
Carnaúba, Carnaúba Nova, Várzea de Carnaúba, Sítio Carnaúba. A
fazenda-mãe – Fazenda Carnaúba – extinguiu-se com o falecimento
de Maria Paes, em 1872.
Já em 1863, o Sítio Carnaúba, de propriedade de Antônio
Dantas de Maria e Hermínia Maria da Conceição, era instalado no
local em que hoje se encontra a cidade de Carnaúba dos Dantas. Por
este motivo, Antônio Dantas de Maria é considerado o verdadeiro
fundador da cidade. Foi ele que obteve, em 1897, a autorização para
a realização de uma feira no lugar e o responsável pela doação de um
terreno, em suas terras, para a construção da capela de São José,
acrescentando dinheiro e material de construção para a obra.
1 A VERDADE, edição de março de 1997: “Massacre de índios agora é comprovado depois de
307 anos”, entrevista com o historiador Helder Alexandre de Medeiros Macedo ao repórter
Arlindo Freire. Foi o mesmo Domingos Jorge Velho que dizimou o quilombo dos Palmares, em
Alagoas.
2 Carnaúba, topônimo indígena, alterado, de Caraná-yba, Caraná-uba, - a palmeira, árvore
Caraná. Conf. Dantas, D. José Adelino, O CORONEL DE MILÍCIAS CAETANO DANTAS
CORREA, pag. 46, sem indicação de data e editora.
15
Falecendo em 30 de abril de 1898, a capela foi inaugurada somente
em 19 de março de 1900. Este dia é ultimamente considerado como a
data da fundação da cidade de Carnaúba dos Dantas.3
Em meados do século passado, o Sítio Carnaúba de Baixo
distava cerca de dois quilômetros de um povoado devoto de São José,
que mais tarde tomaria a denominação de Carnaúba dos Dantas. Seu
proprietário, João José Dantas, era agricultor, criador, coronel da
Guarda Nacional, gozava de bastante prestígio no lugar, havendo
exercido as funções de Juiz Distrital4 no Acari e, no ano de 1866,
dirigiu a demarcação das terras da Data de Carnaúba.5
Descendia dos antigos povoadores da região.6 Sua mãe,
Maria Joaquina da Conceição, era filha de Caetano Dantas Correa (o
2o) e Luzia Maria do Espírito Santo, neta, portanto, de Caetano
Dantas Correa (o 1o), que adquiriu, em 1776, a parte de terra
correspondente à futura fazenda Carnaúba, conforme foi visto
anteriormente.7
Do lado paterno, a tradição oral guardou fatos ponteados de
lances novelescos.
Manoel Hipólito do Sacramento era de origem judaica e
nascido em Goianinha. Acusados de heresias, os judeus ali residentes
foram perseguidos e expurgados do local, havendo Manoel Hipólito,
aos 12 anos de idade, escapado da morte e fugido em direção ao
sertão.
Chegando à região do Inharé (atual Santa Cruz), trabalhava
numa fazenda e era maltratado pelo proprietário.
Passando pelo local, Caetano Dantas (o 2o, conhecido como
3 Dados informativos recolhidos de CARNAÚBA DOS DANTAS, livro inédito de Helder
Alexandre de Medeiros Macedo. Veja-se ainda Dantas, D. José Adelino. O CORONEL DE
MILÍCIAS CAETANO DANTAS CORREA.
4 Função atribuída por indicação local, não necessitando de formação jurídica superior.
5 Data: denominação, no período colonial, para os terrenos “dados” por uma autoridade.
Particípio passado do verbo latino dare = dada = data.
6 Veja-se a genealogia anexa a este livro.
7 Maiores detalhes sobre os velhos personagens seridoenses em Dantas, D. José Adelino,
HOMENS E FATOS DO SERIDÓ ANTIGO, sem indicação de data e editora.
16
Caetaninho), que se deslocava para compra de mantimentos,
simpatizou com o menino e, certamente sabendo da história dos
maus-tratos, convidou-o para ir para sua propriedade no Seridó.
Temendo uma represália do patrão, Manoel Hipólito fugiu escondido
na carga de mantimentos e Caetaninho o tomou como filho adotivo.
Em seu novo lar, Manoel Hipólito foi instruído no
catolicismo, batizado e integrado na família.
Tudo ia muito bem até que, anos depois, Caetaninho soube
do romance entre o filho de criação e a sua filha legítima, Maria
Joaquina.
Tragicamente, como era muito comum na época, mandou
um escravo cavar uma cova mortuária num lugar distante e para lá
levou a filha. Junto à sepultura aberta, ameaçou matá-la e enterrá-la
ali mesmo se não renunciasse ao namoro com Manoel Hipólito. Para
a surpresa do pai, Maria Joaquina declarou preferir morrer a viver
sem o seu amor. Caetaninho, decerto comovido pela segurança dos
sentimentos da filha, resolveu esquecer o seu tresloucado plano e
realizou o casamento dos dois.8
O matrimônio foi realizado às 10 horas do dia 3 de julho de
1804, na fazenda Carnaúba, oficiado pelo padre Francisco de Brito
Guerra. Pelo registro do casamento, sabe-se que Manoel Hipólito era
filho legítimo de Pantalião de Aguiar, já falecido na ocasião, e de Ana
Maria de Santa Helena, sendo natural da freguesia de Goianinha.9
Do casamento de Manoel Hipólito do Sacramento e Maria
Joaquina da Conceição, nasceram “apenas” dezesseis filhos; João
José era o quarto deles.
Não foi possível localizar-se a data do nascimento de João
8 Medeiros Filho, Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ, 1981, pag. 187. Diz a tradição
oral da região, que estes fatos da vida de Manoel Hipólito foram por ele descritos em um caderno
que, após seu falecimento, passou por várias mãos, até se perder por ação do mofo proveniente
da umidade de um período de fortes chuvas. Tais informações foram passadas a Olavo Medeiros
Filho pelo músico seridoense, maestro Felinto Lúcio Dantas.
9 Medeiros Filho, Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ, 1981, pag. 186.
17
José Dantas, mas é certo que nasceu antes de 1811, pois este foi o ano
do nascimento do irmão que veio depois dele. Casou-se por volta de
1850, ano em que construiu a casa do Sítio Carnaúba de Baixo. Sua
esposa, Ignez Manoela da Conceição, era, entretanto, impossibilitada
fisicamente de ter filhos. Não era pouco comum, naqueles tempos, ter
o dono da casa filhos com uma ou mais de suas escravas. O fato,
estimulado pela tradição machista sertaneja, era sempre
intencionalmente “ignorado” pela esposa que, muitas vezes, achava
natural e masculino aquele comportamento do “senhor seu marido.”
Na casa do Sítio Carnaúba, aconteceu, também, fato
semelhante. A esterilidade da dona da casa foi compensada pela saúde
da escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo, que deu ao
patrão oito filhos, garantindo a sua descendência e proporcionando os
braços fortes de que necessitava para o duro trabalho nos campos
sertanejos.
Pelo testamento constante do inventário de Ignez Manoela
da Conceição10, sabe-se que havia nascido na Vila do Príncipe (Caicó)
e era filha de Felipe de Araújo Pereira e Josefa Maria do Espírito
Santo. Sua mãe era irmã da mãe de seu marido; eram primos
legítimos, portanto.
Não há dúvida de que os filhos de João José e Vicência
nasceram durante a vida de Ignez Manoela. Seu segundo filho, José
Venâncio, nasceu em 1854, dezessete anos, portanto, antes do
falecimento da esposa de seu pai.
O testamento de Ignez Manoela está datado de 28 de março
de 1859. Era decerto analfabeta, como era comum às mulheres da
época, pois o documento foi assinado a rogo, por outra pessoa.
Faleceu em 1 de fevereiro de 1871 e foi sepultada, conforme sua
expressa vontade, no cemitério de Acari. Pela leitura de seu
inventário, datado de 2 de março de 1871, verifica-se que deixou seus
bens para o marido e mais nove sobrinhas pobres, além de uma
10 Arquivo do 1º Cartório Judiciário de Acari, maço 5, n° 188, datado de 2 de março de 1871.
18
afilhada. Possuía 112 mil réis em dinheiro, “bens de ouro” (poucas
joias de pequeno valor), “bens de prata” (algumas colheres), “bens
móveis” (um oratório e oito imagens, além de mais alguns objetos
domésticos) e mais alguns “bens móveis de casa” (móveis
domésticos).
Quanto ao gado, deixou seis cabeças de gado cavalar e
cento e cinquenta e duas de gado vacum.
Para que se tenha ideia da extensão de suas terras, segue-se a
relação e medidas de suas propriedades: duzentas e trinta braças de
terra no Sítio Carnaúba, com duas casas e muitos coqueiros; mais
oitenta braças de terra no mesmo Sítio Carnaúba; quatro partes de
terra na Volta do Rio, com cento e onze, cento e quinze, sessenta e
duas e dez braças, respectivamente; trinta e quatro braças no Sítio
Rajada, com uma casinha ruim; trinta mil réis de terra no Sítio Bico
d’Arara; trinta mil réis de terra no Sítio Quinquê; mil réis de terra nos
fundos do Sítio Boa Vista; e uma casa de tijolo em Acari.
Por esses dados, pode-se avaliar o nível econômico da
família que, mesmo possuindo bens imóveis de valor, não era
possuidora de dinheiro em espécie, não podendo, portanto, ser
considerada uma família rica. Ser dono de terras no sertão daqueles
tempos poderia significar poder e não riqueza.11
Falecendo a esposa em 1 de fevereiro de 1871, o TenenteCoronel (da Guarda Nacional) João José Dantas contraiu novas
núpcias com Vicência Maria do Espírito Santo, a mãe de seus oito
filhos: Pedro Carlos, José Venâncio, João Pedro, Manoel Nicolau,
Antônio Pedro, Francisca Urçulina, Maria Clara e Luís Felipe – seis
homens para a agricultura e duas mulheres para as lides domésticas.
Em 23 de novembro de 1897, João José datou e assinou o
seu testamento. É provável que reconhecesse estar irremediavelmente
11 A maior parte dos fatos referentes aos ascendentes de Tonheca Dantas foram colhidos do
livro RAÍZES DE UMA CARNAÚBA SERIDOENSE, (1995), inédito de Helder Alexandre
Medeiros de Macedo.
19
doente, pois o inventário de seus bens, feito após seu falecimento, está
datado do mesmo ano. Viveu ainda cerca de um mês depois de feito o
testamento, falecendo, certamente, em dezembro.
Foi sepultado no cemitério de Acari, na catacumba em que
foi enterrado o cadáver de minha finada mulher Dona Ignez Manoela
da Anunciação.12
Desejou um enterro com solenidade compatível com as
minhas forças, tudo conforme o rito da Igreja Católica, sem dispensar
a “visita de cova” no 30° dia, nem que por minha alma se mande dizer
uma Capella de Missas, para o que o meu herdeiro ou testamenteiros
distribuirá a quantia necessária.
Quanto à família, declarou: fui casado com Dona Ignez
Manoela da Anunciação, que faleceu sem que deixasse filhos, ficando
eu sem descendentes legítimos ou ascendentes, e que depois tive de
Vicência Maria do Espírito Santo, com quem ultimamente casei-me
religiosamente, os seguintes filhos: Pedro Carlos de Maria, José
Venâncio de Maria, Manoel Nicolau Dantas, João Pedro Dantas,
Luís Felipe Dautas, Antônio Pedro Dantas, Francisca Urçulina da
Conceição e Maria Clara do Monte-Falco, já falecida, de quem
existem os seguintes filhos: André, Antônio, Maria, Francisca,
Vicência, Ana e Ignez pela cuja, não devendo em quantia alguma, que
seja, instituo pelo presente, meus universais herdeiros, a minha
referida mulher Vicência Maria do Espírito Santo a quem deixo a
casa do Sítio Carnaúba e mais trinta braças de terras no lugar da
mesma, e aos meus referidos filhos as demais terras do mesmo Sitio
Carnaúba, com todas as suas benfeitorias, bem como as partes de
terras que possuo na Data do Bico, que serão partilhadas entre os
mesmos, com a devida igualdade. 13
Examinando-se o inventário de seus bens, um detalhe
singelo deve ser, inicialmente, destacado: o primeiro bem arrolado é
12 Houve um erro na redação do testamento: a esposa se chamava Ignez Manoela da Conceição
e não “da Anunciação.”
13 Arquivo do 1º Cartório Judiciário de Acari, maço 8, n° 391.
20
um santuário pequeno com oito imagens pequenas , o mesmo que,
constando do inventário de sua primeira esposa, foi para ele deixado e
que ele, certamente, conservou como lembrança dela, enquanto viveu.
Da grande lista de objetos deixados por Ignez Manoela,
apenas está relacionada uma mesa velha. Houve sensível queda de
suas posses, pois estão apenas relacionados dois cavalos e treze
cabeças de gado vacum.
Quanto aos bens de raiz, verifica-se que ainda possuía 58
braças de terra. Para Vicência, ficou, como está previsto no
testamento, a casa do Sítio Carnaúba e mais trinta braças de terra.
Restaram apenas vinte e oito braças de terra para dividir com 7
filhos (a filha mais nova, Maria Clara do Monte-Falco, havia
falecido) e mais 7 netos (filhos de Maria Clara). Assim, muito
pouco ficou para seus herdeiros.
Vicência morou na casa do Sítio Carnaúba até o seu
falecimento. Da velha casa, só ficaram restos de tijolos e telhas
espalhados pelo chão, no local onde tantos sonhos e emoções
vividas foram rudemente apagados pela força implacável do tempo.
21
JOSÉ VENÂNCIO DANTAS, irmão de Tonheca, que lhe
ensinou as primeiras noções de música. (Foto do museu de
Carnaúba dos Dantas).
22
Local onde existia o “Sitio Carnaúba de Baixo”, em que nasceu
Tonheca Dantas.
23
UMA FAMÍLIA DE MÚSICOS
A
dura vida sertaneja exigia de todos esforço permanente e
dedicação constante ao trabalho. Isso não embruteceu os
filhos do coronel João José Dantas, pois demonstraram,
quase todos, tendência e talento para a arte musical.
A mais antiga referência que se tem da atividade musical da
região está ligada ao nome de Manuel Bezerra de Araújo Galvão, do
Ingá, que por volta de 1880, mantinha, na cidade do Acari, uma banda
com cerca de dez a vinte componentes. Ele próprio tocava violino no
coro da igreja de Nossa Senhora da Guia e percorria as vilas e
fazendas da região ensinando música. Na banda que criou, ocupava,
além da regência, o lugar de 1o saxofone. É, certamente, a banda mais
antiga do local, sendo o nome de Manuel considerado como o
primeiro regente de bandas do Acari. Originário de tradicionais
famílias seridoenses, era irmão dos “coronéis” Silvino Bezerra, José
Bezerra, João Bezerra e Cipriano Bezerra Santa Rosa. Exerceu,
também, a liderança política em Serra Negra, havendo falecido em
Acari, no ano de 1922.14 O seu filho Francisco, que foi seu aluno,
14 Documento datilografado intitulado “O PRIMEIRO MESTRE DE MÚSICA DO ACARI FOI
MEU AVÔ MANOEL BEZERRA DE ARAÚJO GALVÃO”, escrito por Manoel Bezerra de
Araújo Galvão Neto, apelidado “Coquinho” e datado de 10 de julho de 1983, quando completou
92 anos.
24
tocava violão e flauta.15
A atividade musical dos filhos de João José Dantas começou
com José Venâncio, o mais velho. Tocava requinta e violino, além de
reger a pequena “Filarmônica”, única no local e elemento
indispensável nas solenidades religiosas e festas. Possuidor de boa
voz de baixo, cantava e tocava nas igrejas, sendo figura popularíssima
em toda a região.16 Segundo a tradição, José Venâncio teria recebido
os primeiros ensinamentos musicais de Manoel Fernandes de Araújo
Galvão, que regia, em Caicó, a Banda de Música “4 de Maio”.
Documentos cartoriais de 1889 já o tratam como “artista”. Deve-se a
ele o estímulo à música, a iniciação e o ensino daquela arte a todos os
músicos dali. Foram seus alunos os seus primos, irmãos Manoel
Lúcio, Pedro Lúcio e Felinto Lúcio Dantas, e os seus próprios irmãos,
Pedro Carlos, Manoel Nicolau, João Pedro, Luís Felipe e Antônio
Pedro Dantas.17
Antônio Pedro era tratado em família pelo carinhoso apelido
de Tonheca e assim seria conhecido em todo o Estado e fora dele.
Quinto filho da família, nasceu no mesmo Sítio Carnaúba de Baixo,
onde viram a luz todos os irmãos, no dia 13 de junho de 1870.18
15 Santa Rosa, Jayme da Nóbrega, ACARI, FUNDAÇÃO, HISTÓRIA E
DESENVOLVIMENTO. 1974, pg. 100.
16 José Venâncio Dantas (1854-1926) casou duas vezes. Do primeiro matrimônio com Josefa
Francelina de Medeiros, nascida em Carnaúba, teve os seguintes filhos: Maria Dorotéa, Auta
Marfisa, Inês Francisca, Pedro Venâncio e Ana Maria. Casou em segundas núpcias com
Francisca Cavalcanti de Albuquerque, nascida em Jardim do Seridó, e teve os filhos: Alzira, João
Venâncio, Genésio,Teolinda, José Venâncio Filho, Gilberto, Francisca c Bertoldo. (Informação
do Sr. José Venâncio Neto.)
17 O musicista Felinto Lúcio Dantas comentou, em 1978, em presença do escritor Olavo
Medeiros Filho, que a veia musical da família era originária de Manoel Hipólito do Sacramento.
A ausência de fontes impossibilita uma informação mais substancial sobre a atividade musical
dos seus ancestrais.
18 Nos livros de assentamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte consta a data de 1889
e, nos mesmos livros da Polícia Militar da Paraíba, a data de 1883. Os livros n° 2 e 3, de registro
de batismo. da paróquia de Acari acham-se extraviados, o que impede a confirmação da data de
seu nascimento e o livro de batismos dos anos de 1899 a 1909 estão muito danificados,
impossibilitando o manuseio. Entretanto, em entrevista concedida ao pesquisador Gumercindo
Saraiva, publicada na Tribuna do Norte de 26 de maio e 2 de novembro de 1974, Tonheca
afirma: Nasci a 13 de junho de 1870, no dia do santo casamenteiro, por isso tomei o seu nome.
Seus familiares, entretanto, consideram a data de seu nascimento o 18 de junho.
25
Foram padrinhos de batismo os seus tios Joaquim José e sua esposa,
Josefa Maria do Espírito Santo.
Sua infância foi passada no sítio onde nasceu. Teve o
aprendizado das primeiras letras que era possível ter no meio em que
vivia. Aprendeu, depois, o que se ensinava nas escolas da região. Já
aos sete anos de idade, iniciava-se nas duras lides do sertão,
apanhando algodão com os irmãos nas terras de seu pai e nos sítios
das imediações.
O maior acontecimento para aquelas pessoas simples, que
viviam em locais distantes e de difícil acesso e comunicação, eram as
festas da padroeira de Acari – a cidade maior da região – à qual se
vinculava Carnaúba dos Dantas. Todos os anos, João José levava os
filhos para assistirem aos festejos, onde tocava a banda organizada por
José Venâncio, o mais velho dos irmãos. Muito criança ainda,
Tonheca aguardou o dia em que o pai achasse que ele já poderia ir,
juntamente com os irmãos mais velhos.
Um dia, chegou a sua vez. Não foi pequeno o
deslumbramento do menino ao ver e ouvir, pela primeira vez, a banda
de música em frente à matriz. Maior ainda deve ter sido o seu espanto
ao ver que tocavam ali os seus irmãos Pedro Carlos, Manoel Nicolau e
João Pedro. E ficou mais admirado ainda de ver, à frente da banda,
José Venâncio, fazendo gestos que ele nunca tinha visto alguém fazer
e demonstrando ter autoridade sobre os músicos.
Inquieto e curioso, o menino soltou-se da mão do pai e se
aproximou para ver mais de perto. José Venâncio nem notou a sua
presença, tão concentrado estava em uns papéis sobre uma estante de
música e nos estranhos movimentos que fazia com os braços. Os
outros irmãos, cada qual no seu instrumento, não tiravam a vista dos
seus papéis. O menino Tonheca observava curiosamente cada um,
concentrado nos detalhes dos brilhantes instrumentos de metal, do
corpo preto cheio de chaves prateadas dos clarinetes, do cadenciado
26
bater dos bombos, caixas claras e pratos e do curioso roncar dos
contrabaixos. E tudo numa maravilhosa combinação de sons que o
prendia, cada vez mais.
Então, era isso! Era para isso que os irmãos tinham aqueles
instrumentos guardados em umas maletas pretas. Era para tocar assim
que José Venâncio, Pedro Carlos, Manoel Nicolau e João Pedro se
reuniam em casa depois da janta, conversavam, discutiam, tocavam
separados e depois, todos juntos.
Tonheca notou que cada instrumento tinha um som
diferente, mas, aqueles pretinhos com as chaves prateadas eram os
que ele mais gostava. Os sons que eles transmitiam pareciam penetrarlhe a sensibilidade, produzindo uma agradável sensação. Mas, se os
irmãos tocavam na banda, por que ele não poderia tocar também?
Depois da festa, o retorno ao sítio, na garupa do cavalo do
pai, picada adentro. O menino não ouvia o canto dos grilos nem o piar
da coruja, pois em sua cabeça ainda ressoavam os sons daquele
instrumento preto com chaves prateadas, modulando ora grave e
triste, ora estridente e alegre.
Balançando-se na rede, o ranger da corrente no armador
parecia cantar como os clarinetes da banda.
No outro dia pela manhã, tinha a sua decisão tomada.
Levantou-se cedo e esperou José Venâncio voltar do curral.
– Zeca, eu quero aprender a tocar aquele instrumento preto...
aquele, daqueles “negócios” brancos...
– Você gostou do clarinete, Tonheca? Pois eu vou lhe dar
uma coisa.
E voltou com uma espécie de caderno, já bem velhinho e
usado.
– Taí, depois da janta, eu vou ensinar umas coisas a você.
Tonheca abriu, ansioso, o caderno que o irmão lhe dava.
Estava escrito: “Solphege Complete”, de Rodolphe, e tinha uns
desenhos muito engraçados, umas cabecinhas, ora pretas, ora vazadas
e presas numa haste, distribuídas por cima de umas linhas. O que seria
27
aquilo? O que aquilo tinha a ver com a música que ele ouvira e queria
aprender a tocar?
Depois do café, José Venâncio sentou-se num tamborete no
alpendre e mostrou a Tonheca o que aquilo significava.
– Mas, e o clarinete?
– Clarinete só depois que você souber estas coisas. Sem isso,
não se pode aprender a tocar nenhum instrumento.
Passaram-se os dias e o menino aprendia tudo com rapidez e
já começava a cantar os exercícios do método. Todos os dias,
perguntava quando começaria a pegar no clarinete.
Um dia, o irmão veio para a aula com um clarinete na mão.
Tonheca quase pulou de alegria. Afinal, iria começar a tocar.
Recebeu, nervoso, o instrumento com que tanto sonhava.
José Venâncio ensinou a empunhá-lo e como abrir e fechar os furos e
as chaves de prata. Depois, como soprar na palheta, emitindo
cuidadosamente o ar, para produzir um som bonito de se ouvir.
– Pronto, agora vamos pro roçado e depois você vai treinar
essas posições.
José Venâncio saiu para o trabalho e Tonheca levou o
instrumento para guardar.
Certo dia, João José voltou do trabalho mais cedo, cansado e
aborrecido com a seca daquele ano. Ao se aproximar da casa, ouviu o
som de um clarinete tocando notas soltas. Quem seria, se todos ainda
estavam no roçado?
Abriu a porta do quarto e encontrou Tonheca concentrado no
instrumento, teimando em tirar notas limpas, sem aqueles apitos tão
comuns aos principiantes.
João José sempre gostara de música e incentivara os filhos
mais velhos a tocar, mas não queria que Tonheca se metesse com
música; sonhara outro futuro melhor e menos espinhoso para o filho.
E - ainda mais - deixou de ir trabalhar no roçado para ficar tocando.
– Olhe aqui, Tonheca; eu não tenho você para ser tocador
como seus irmãos e seus primos, que só pensam em música. Seja a
28
última vez que você deixa de ir para o trabalho para ficar em casa
tocando clarinete. O que bota o homem pra frente é o trabalho, é o
roçado, é plantar algodão, milho, feijão... é o gado gordo no curral. Se
música desse camisa a cristão, Carnaúba dos Dantas seria as minas
do Rei Salomão. 19
19 Conforme entrevista de Tonheca Dantas concedida ao pesquisador Gumercindo Saraiva,
publicada no jornal Tribuna do Norte, de 26 de maio e 2 de novembro de 1974. Como se pode
deduzir daquelas palavras proferidas pelo pai de Tonheca, por volta da década de 1880,
Carnaúba dos Dantas já era identificada como uma cidade de músicos.
29
30
UMA INFÂNCIA FELIZ
D
esde muito cedo, o menino Tonheca era destacado para a
linha de frente do trabalho, responsabilizado pela
fiscalização dos trabalhadores.
Seguindo o seu impulso natural, aproveitava aqueles
momentos na solidão dos campos sertanejos para praticar um pouco
de música. Levava escondido debaixo do chapéu um papel com a
lição que o irmão José Venâncio passara e, cortando um canudo de
mamoeiro, fazia nele furos no mesmo lugar dos furos de uma
clarineta. Sentado à sombra de um pereiro, decorava as posições dos
dedos que produziam os diferentes sons, enquanto os trabalhadores
limpavam o mato ferindo o chão pedregoso e ressequido, como que
marcando o compasso para aquela aula original.
Com pouco tempo, já se apoderava dos segredos do
clarinete, e aprendia, ainda com o irmão, os cantos sacros
indispensáveis às festas da igreja. José Venâncio tocava também
violino e possuía bela voz de baixo. Pedro Carlos era considerado a
melhor voz daquelas bandas.20 Por este caminho, intensificou-se a sua
integração com a música, vivenciando-a ainda mais ao atender o
convite para cantar nas igrejas em comemorações religiosas. Esta
atividade, importante e prestigiosa nas pequenas cidades do interior,
duraria até a chegada da adolescência, quando, por motivos
20 Informações de Felinto Lúcio Dantas, em entrevista concedida ao autor, em 23 de abril de
1982.
31
biológicos próprios da idade, mudou a voz e perdeu o registro de
tenor, perdendo, também, o lugar que ocupava no coro das igrejas.
Naquela fase, fez muitas amizades com os garotos de sua
idade. Na cidade de Serra Negra, conheceu João da Cruz Cavalcanti,
que, por uma dessas manobras do destino, iria reencontrar, tempos
depois, em uma situação muito especial.
A paixão pela música levou o menino Tonheca a
experimentar diversos instrumentos, desde as flautinhas de taboca
compradas na feira de Carnaúba dos Dantas e que deliciaram a
infância de muita gente, até instrumentos de verdade, conseguidos por
empréstimo. Assim, da escala do clarinete, passou para a família dos
saxofones, começando com os instrumentos de palheta dupla.
Experimentou, depois, e descobriu os segredos dos instrumentos de
bocal, começando com o pistom e passando pelos trombones e
bombardinos. Até mesmo a exigente flauta cedeu à sua curiosidade.
De posse dos conhecimentos necessários, foi admitido na
Banda de Música de Carnaúba dos Dantas, organizada pelo irmão
José Venâncio e que tinha como membros João Pedro, Manoel
Nicolau e Pedro Carlos, além de outros primos, como Francisco
Justino, José Maria, e os irmãos Enéas e Manoel Hipólito Dantas.
Participar de uma banda de música é atividade de muito
destaque em uma pequena cidade do interior. Uma das mais
importantes missões da banda era tocar nos ofícios religiosos da festa
de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Acari. Enquanto durava o
novenário, lá estavam os pequenos músicos, compenetrados em sua
tarefa, a se prepararem com afinco. À noitinha, o mestre Venâncio
punha o seu pessoal em forma, afinava os instrumentos e dava o sinal
para começar a música. Então, ao som de um vibrante dobrado, os
rapazes desciam a rua passando pela igrejinha setecentista de Nossa
Senhora da Guia, uma das joias da arquitetura colonial do Estado, daí
rumando em direção à matriz.
Garbosos e disciplinados, quepes de militar, farda
engomada, botões lustrosos e botinas pretas, a rapaziada marchava
32
enquanto metais, madeiras e bombos enchiam os ares, atraindo a
todos para as calçadas para vê-los passar, seguidos pela meninada
admirada e barulhenta. Na frente da igreja, barracas, carrosséis,
bandeiras, vendedores ambulantes de comidas regionais e girândolas
de fogos de artifício completavam o quadro. Até o dia 15 de agosto, a
festa dominava a cidade e a banda de música era a sua atração maior.
Depois, passado aquele período, a cidade voltava à sua vida tranquila
e às suas noites silenciosas. A banda, porém, não parava por muito
tempo as suas atividades, pois era chamada para tocar nas recepções,
visitas de pessoas ilustres, festas escolares e cívicas.
Na passagem de um circo pela cidade, lá estava também a
banda a tocar nos entremezes e, nos casamentos nas fazendas, não
podia faltar uma boa música.
As cidades vizinhas disputavam a “música” para suas festas
também. Da festa de São José, padroeiro de Carnaúba dos Dantas, em
19 de março, para as paróquias dos arredores da região do Seridó e até
para as cidades próximas do Estado da Paraíba, estavam sempre
sendo convidados, e o jovem Tonheca começava a se destacar,
reconhecido pela competência com que tocava o seu clarinete.
Entusiasmado com o prestígio de sua arte e animado pelo
dinheirinho que recebia, Tonheca passou a investir em outro tipo de
conjunto musical, organizando um grupo com violões, cavaquinhos e
percussão – ele na clarineta – para animar as festas populares, bailes e
forrós. Naquela oportunidade, a atividade musical ia se tornando
profissional para ele, e assim seria no decorrer de sua vida: sempre
presente, essencial e indispensável.
33
Banda de Música em Acari, fins do século passado (1890). Tonheca,
com cerca de 20 anos, é o quarto sentado da esquerda para direita,
tendo na mão um trompete. Vizinho a ele, está José Venâncio, com
uma requinta e, junto à sua perna direita, uma garrafa com um copo
sobre a boca... Note-se o rigor do vestuário e os cavaleiros portando
lanças.
34
O jovem Tonheca Dantas, detalhe da foto anterior.
35
OPTANDO PELA MÚSICA
A
sua fama de bom músico lhe fez surgir uma nova
oportunidade. Pessoas influentes da cidade de Acari o
chamam para organizar uma banda: de instrumentista, o
rapaz se torna mestre. Atirou-se ao projeto com entusiasmo. A
determinação da comunidade local fez logo vir do Recife o
instrumental, novinho e brilhando, fascinante para os olhos dos jovens
candidatos que disputavam um lugar na futura banda.
Os preparativos começaram com o ensino da teoria musical
seguida do solfejo – o exercício de cantar a música escrita. Depois,
aqueles alunos que mais se destacavam e apresentavam maior
tendência para a música recebiam cada um o seu instrumento, guiados
pelas suas preferências e pela indicação do mestre. Nem todos
chegavam ao ponto máximo, que era tocar na banda. Todos,
entretanto, recebiam e fixavam em seus espíritos jovens os benefícios
educativos daquela atividade, crescendo em disciplina, socialização,
sensibilidade, optassem ou não por se profissionalizarem em música.
De escolas como aquela, onde tanto quanto música recebia-se
educação e civismo, participavam muitos jovens da cidade, ricos ou
pobres, sem preferências ou restrições. Entre os alunos do jovem
Tonheca, estavam os primos Felix21 e Silvino22, o primeiro no
21 Felix Bezerra de Araújo Galvão (1884 - 1994) desembargador, ex-presidente do Tribunal de
Justiça do Estado do RN.
22 O desembargador Silvino Bezerra Neto (1887 - 1969) relata suas experiências nos estudos
36
bombardino e o segundo na flauta, que mesmo não exercendo
futuramente a música como profissão, muito dela aproveitaram na
formação de seu caráter.
Desde o começo de sua aprendizagem musical, Tonheca
observara que, quando estudava ao clarinete, saíam-lhe frases
musicais muito agradáveis ao ouvido e que ele nunca ouvira antes.
Seriam aquelas melodias uma criação sua? O jovem musicista
entrava, então, em contato com um novo e fascinante mundo, que lhe
haveria de proporcionar emoções as mais numerosas. Organizar
aquelas melodias, dando-lhes uma sequência lógica e agradável, era
compor uma peça musical. As frases musicais iam saindo do clarinete
ou se formavam em seu pensamento, primeiro timidamente, depois,
com mais frequência e liberdade. Agora, era passá-las para a pauta
musical, tentar escrever a melodia que havia criado. Começaram a
tomar forma dobrados, polcas, valsas, hinos, maxixes... O prazer de
tocar a própria obra estimulava a novas tentativas e, a cada nova
experiência, mais gosto e prazer tomava pelo que fazia. Do músico
solista e regente, nascia o compositor. O contato com as partituras de
regente, onde a parte de todos os instrumentos está organizadamente
disposta, sugeriu-lhe que ele seria também capaz de fazer algo
semelhante. E passou para a prática, distribuindo a melodia para todos
os instrumentos, variando vozes, destacando ornamentos, enfatizando
efeitos nos sons graves e combinando diversos sons num resultado
esperado. Depois de feita a primeira vez, agora seria instrumentar
sempre, pois, quanto mais fizesse, mais aprendia e mais sentia que
precisava aprender. Ainda muito jovem, tentou instrumentar de uma
forma mais completa e mais rica, liberando-se do esquema simples
das valsas e dobrados. Concebeu e instrumentou a fantasia “Delírio”,
peça de porte mais pesado, montada em ritmos e andamentos variados
preparatórios para a Banda de Música de Acari em conferência realizada no Instituto Histórico e
Geográfico do RN como 2º vice-presidente daquela entidade, na sessão comemorativa do 95°
aniversário de nascimento de Tonheca Dantas, publicada na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, volumes LXVHI-LXIX -1976/1976. Quatro poemas de sua
autoria, onde rememora seus tempos de aluno de Tonheca, estão inseridos no final deste livro.
37
e contemplando o clarinete solista com a possibilidade de mostrar a
sua técnica em uma das suas primeiras composições conhecidas.
Agora, não havia outro caminho a seguir; estava definitivamente
ligado à música e sem ela a sua vida teria pouco sentido.
Já rapaz formado e prestigiado pela atividade de músico e
mestre, o jovem começou a ser alvo das preferências das moças
casadouras da região. Foi numa daquelas tocatas que o mestre da
banda sentiu o olhar de uma jovem que o fitava insistente. O destino o
levou a encontrá-la nos intrincados caminhos do amor. Em pouco
tempo, Tonheca e Rosa de Lima se uniam em casamento.23
Tudo foi às mil maravilhas até o nascimento da filha Auta.
Depois, problemas começaram a surgir. Um dia, aconteceu o duro
golpe: Rosa de Lima havia fugido com outro, levando consigo a filha
ainda criança. Sensibilidade de artista, Tonheca sofreu muito mais
aquele revés do destino.
Aquele fim de ano de 1897 foi terrivelmente seco e o
sertanejo não viu no céu e nos seus indicadores tradicionais os sinais
da chuva benfazeja. Janeiro de 1898 chegou escaldante, torrando os
campos e matando o gado.
O sertanejo buscou socorro em outros lugares e a atividade
econômica decaiu vertiginosamente. Tudo sofreu a maléfica
influência da terrível seca. Até a banda de música de Acari. Tocar
com alegria em meio a tanta tristeza? Os jovens músicos, originários
da zona rural, sentiram-se desestimulados e muitos tiveram que
acompanhar os pais na triste opção da retirada. O paraíso do sertão se
transformou em verdadeiro inferno; a fome e a morte rondavam,
ameaçadores, e poucos se conformavam em ficar e esperar pela chuva
incerta.
Era muito para Tonheca Dantas.
— Com a sua arte não lhe faltará uma colocação no Batalhão
23 Não foi possível localizar a data exata do primeiro casamento de Tonheca, mas deve ter-se
realizado antes de 1897, pois na relação dos herdeiros constante do inventário de seu pai, datado
daquele ano, seu nome aparece como casado.
38
de Segurança, na capital, aconselhavam os mais velhos.
Triste e acabrunhado, alvo de comentários e chacotas dos
invejosos, Tonheca decidiu: seria melhor viver num lugar onde não
conhecesse ninguém, longe da seca e de Carnaúba dos Dantas, cujo
ambiente lhe fazia ressurgir lembranças dolorosas.
Natal era, então, o seu destino.
Decidido o que fazer, a primeira providência foi munir-se de
uma necessária recomendação. Apelou para o seu amigo e compadre
Manoel Augusto Bezerra de Araújo Galvão, deputado estadual e pai
do menino Silvino, seu aluno de flauta.
Ficou combinado que o compadre, na próxima viagem a
Natal, falaria diretamente com o governador, o que realmente fez. O
Governador Ferreira Chaves24 recebeu o pedido com simpatia, pois se
achava vago o lugar de mestre da Banda do Batalhão de Segurança25.
Com a possibilidade do emprego, Tonheca pôs o pé na
estrada. Foram longos dias em lombo de cavalo pelas estradas secas e
poeirentas, pernoitando em casas de humildes camponeses que
encontrava pelo caminho. De quando em quando, o verde de um
juazeiro oferecia uma sombra amiga, amenizando a parada e dando
repouso aos animais. Depois que começou a descer a serra do Doutor,
o verde aos poucos despontou da galharia seca e agressiva; o sertão
havia ficado para trás e a alegria que brotava das plantas se
comunicava aos passantes.
Mais alguns dias e chegaria a Natal.
24 Joaquim FERREIRA CHAVES (1852-1937) Primeiro governador a ser eleito depois da
proclamação da República, governou o Estado nos períodos de 1896 a 1900 e de 1914 a 1920.
25 Era assim intitulada a Polícia Militar do RN àquela época
39
40
COMEÇANDO EM NATAL
O
quartel do Batalhão de Segurança se localizava na
Esplanada Silva Jardim, prédio à esquina da Rua Frei
Miguelinho.26 Era um local privilegiado naqueles tempos,
quando a Ribeira era o bairro mais importante da cidade.
Tonheca chegou muito cedo ao quartel, certo de que iria
assumir logo a colocação. Ali, alguém lhe comunicou que havia um
outro candidato originário de Acari, também recomendado pelo
governador, a pedido de um político daquela cidade. Para resolver o
problema, o próprio governador sugeriu realizar um concurso, que
isentaria a escolha de qualquer critério de proteção, entregando o
lugar a quem apresentasse maior competência.
O comandante Lins Caldas27 chegou ao alojamento da banda
com mais alguns oficiais e chamou os candidatos. O primeiro
chamado foi João Mamede, natural de Acari; recebeu a partitura que
lhe cabia tocar e, indagado sobre que instrumento preferia, escolheu o
trombone.
O músico acariense executou com exatidão e limpeza a
26 No momento da redação deste trabalho o prédio ainda existia, embora com a fachada alterada.
Mantem a estrutura que parece própria a um quartel: dependências em torno a um pátio central.
É ocupado pelas sedes de diversos sindicatos. Foi construído no local onde havia a casa em que
nasceu o padre Miguelinho.
27 Manoel Lins Caldas Sobrinho (1854 -1921). Comandou a Polícia Militar do RN nos períodos
de 14 de julho a 15 de setembro de 1893; de 14 de abril a 7 de novembro de 1894; e de 14 de
janeiro de 1895 a 22 de dezembro de 1913. Foi para reserva com a patente de Tenente-Coronel.
Wanderley, Rômulo. HISTÓRIA DO BATALHÃO DE SEGURANÇA.
41
peça que lhe foi distribuída, demonstrando suficientes conhecimentos
de música.
Em seguida, foi a vez de Tonheca. O comandante lhe
entregou uma partitura diferente da primeira e perguntou ao candidato
qual o instrumento que iria escolher.
– “Qualquer um...” respondeu. “O Sr. diga qual o que quer.”
Os membros da comissão se entreolharam, surpresos com a
audácia daquele sertanejo moreno e franzino, e resolveram pôr a prova
seus conhecimentos mandando que fosse tocando a peça nos diversos
instrumentos da banda.
Tonheca não teve dúvidas; pôs a música na estante e abriu a
caixa da clarineta. Experimentou a palheta e tocou a peça sem
hesitações. Depois, guardou o instrumento e apanhou um sax- tenor.
Experimentou umas escalas e tocou. Deixando os instrumentos de
palheta, pediu um trompete, instrumento de bocal, e tocou tudo com o
mesmo desembaraço. Depois, foi a vez da flauta, instrumento de
embocadura e afinação diferentes dos que antes usara. Quando ia
pedir um bombardino, os membros da comissão mandaram parar,
dizendo já ser suficiente.
O resultado publicado informou o que a comissão decidiu: o
candidato João Mamede havia tocado muito bem um só instrumento,
enquanto Antônio Pedro Dantas tocara bem todos os instrumentos e
isso era mais do que o necessário para um regente, que deveria
conhecer todos os instrumentos da banda. Estava aprovado Tonheca.
Conforme consta nos livros de assentamentos do Batalhão
de Segurança, a 30 de maio contractou-se como mestre de muzica,
por tres anos, conforme fez publico a Ordem do Dia Regimental n°
580, de 30 de maio de 1898.28 Os documentos comprovavam o que
dizia a tradição oral: Tonheca ingressara no corpo policial
diretamente na função de mestre da banda, sem passar pelos
estágios iniciais da carreira.
Em 1898, o efetivo do corpo policial do Estado era de 394
28 Livro 2º dos praças da 1ª Companhia. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte,
Natal.
42
membros, entre oficiais e praças. A banda de música era composta
por vinte membros, dez soldados de 1a classe e mais dez de 2a,
além do mestre e de um contramestre. Os vencimentos de Tonheca
como mestre da banda de música eram de 115$000 (cento e quinze
mil réis) mensais. Para efeito de comparação, considere- se que a
mais alta patente, um Tenente-Coronel, recebia 350$000, e um
soldado 55$000. A situação econômica do mestre era, portanto,
bastante favorável. O pessoal da banda tinha os seguintes
vencimentos: músicos de 1a classe, 75$000; de 2a classe, 70$000.29
Podia parecer um sonho, mas era verdade. O rapaz
modesto e tímido, o sertanejo que nunca havia saído de seu Seridó,
alcançava um posto disputado e prestigiado, graças unicamente à
sua competência pessoal. O menino que regia pequenas bandas e
conjuntos interioranos tinha agora em suas mãos a batuta da banda
mais importante do Estado e uma grande responsabilidade pela
frente. Mais prestígio e consideração iria ter quando começou a
ensaiar e fazer tocar peças musicais de sua autoria. Seus dobrados,
marchas e valsas o consagraram entre os seus colegas e
subordinados, como também nas retretas e tocatas apresentadas
pela banda. A sua fantasia “Delírio” mostrou a todos que ele não
era um simples músico, mas um compositor que possuía recursos
técnicos os mais diversos. Sempre que a banda tocava “Delírio”, o
mestre e autor da peça sentia o problema da necessidade de ter um
bom primeiro clarinete para as difíceis partes de solo que ele
concebera. Quando era ele que estava entre os músicos, a melodia
saía fluidamente e sem tropeços, mas estando na regência... Foi
quando apareceu João Roberto, natural de Vila Nova; clarinetista
de mão cheia, o músico deixava o compositor tranquilo de que a
sua obra seria bem interpretada, casando perfeitamente a melodia
com a técnica.
Da pequena Carnaúba dos Dantas, Tonheca se situava
agora no coração da capital de seu Estado. A um quarteirão do
29 Lei Estadual n° 116, de 11 de agosto de 1898.
43
quartel, estava a Rua Tarquínio de Souza30, onde se encontravam
belas casas residenciais pertencentes a pessoas ricas e o principal
centro comercial da cidade. Ali estavam dois dos três hotéis da
cidade, o “Gelly” e o “Brasil”; duas das quatro farmácias: o
estabelecimento de Victor José de Medeiros e a Drogaria Tinoco;
casas importadoras e exportadoras, como Galvão e Cia. e Angelo
Roselli (ramo de fazendas), Alves e Cia. e Fabrício e Cia. (molhados,
algodão e açúcar); e lojas de fazendas e miudezas, como Meireles e
Irmão, Melo e Cia., Machado Silva e Cia., e José Lucas da Costa. Ali
se encontravam, também, a ourivesaria e relojoaria de José Hypolito
da Silva e a padaria de Lobato e Cia. Estavam também localizadas, na
Rua Tarquínio de Souza, repartições federais como a Capitania do
Porto, a Alfândega, a Saúde do Porto e o Melhoramentos do Porto.31
Naquela rua, nos espaçosos armazéns, depósitos de
mercadorias que davam as costas para o rio Potengi, inúmeras
associações culturais faziam encenar peças teatrais, pois, somente
àquele ano de 1898, o Governo do Estado iniciava a construção do
futuro Teatro Carlos Gomes. No meio da quadra, abria-se a Praça
Marechal Deodoro, à beira do cais também chamado Cais Deodoro.32
Um edifício, entretanto, completava a importância daquela
rua: o palácio do Governo, que, desde 1869, estava ali instalado.
Prédio imponente, o mais caro e o mais alto da cidade, há nove anos
antes, se ouviram no seu interior as discussões dos políticos que, sob
comando de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, proclamaram a
república no Rio Grande do Norte.
Senhores elegantes, de fraque e chapéu-coco, botinas com
polainas e relógio na algibeira, passavam, circunspectos, com suas
bengalas de castão de ouro. Elegantes casais, senhoras de saia-balão e
30 Mais tarde Rua do Comércio e atualmente Rua Chile.
31 Dados publicados no “Almanak do Rio Grande do Norte”. Natal, 1897.
32 Denominado, depois, Cais Pedro de Barros e hoje, cais Tavares de Lira. A atual Avenida
Tavares de Lira não existia, não havendo passagem em direção à igreja do Bom Jesus das Dores.
A Rua Tarquínio de Souza se prolongava até a Travessa Aureliano, na época denominada
Travessa Medeiros, desembocando no alagado que seria, mais tarde, a Praça Augusto Severo.
44
botinas de verniz protegiam-se do sol com sombrinhas japonesas e
acompanhavam os filhos à obrigação da missa dominical na igreja do
Bom Jesus das Dores33; rapazes de paletó, gravata e colarinho alto,
meninos vestidos de marinheiro; mocinhas e meninas com as cinturas
apertadas, meias de algodão e vestidos na metade da perna,
acompanhadas por diligentes serviçais, compenetradas pretas de alvos
vestidos, ex-escravas ou filhas delas, remanescentes de um costume
há pouco abolido. À noite, quando apenas o pálido reflexo dos
lampiões era acrescido pelo clarão da lua cheia, grupos de seresteiros,
liderados por Lourival Açucena, Heronides de França e Antônio Elias
de França, percorriam a rua cantando versos sentimentais de Segundo
Wanderley, Ferreira Itajubá, Olympio Baptista Filho, Auta de Souza,
acompanhados de dolentes violões.
Era por esse ambiente que circulava, admirado e feliz, o
jovem Tonheca Dantas, aos 28 anos de idade, radiante por seu bom
emprego, o primeiro de uma série de outros.
33 Naquele tempo, esta igreja possuía bela fachada estilo rococó, lamentavelmente destruída
para ser substituída por simplória e inexpressiva cobertura de azulejos.
45
Batalhão de Segurança no inicio do século. Note-se a banda de
música em frente ao prédio. Quem sabe se Tonheca Dantas não
estaria aí na ocasião?... Foto de um cartão postal pertencente ao
arquivo do Diário de Natal.
46
MUDANÇAS DE VIDA
M
uito pouco tempo passou Tonheca Dantas na regência
da Banda do Batalhão de Segurança. O período em que
permaneceu à frente daquela função coincide com o
início da apresentação regular de retretas em Natal, que passaram a
se verificar quase semanalmente e sempre realizadas em frente ao
palácio do governo, na principal rua da cidade, a atual Rua Chile.
Com a saída de Tonheca, as retretas praticamente desaparecem,
voltando a ser apresentadas anos depois e, mesmo assim, muito
espaçadamente34. Voltaria, anos mais tarde. Dos três anos
previstos, esteve no posto apenas oito meses e três dias, pois em 3
de fevereiro foi excluído com baixa do serviço por ordem superior,
conforme fez publico a Ordem do Dia Regimental n° 72835.
Não se sabe ao certo o motivo que levou o jovem e bem
sucedido mestre de banda a deixar o posto que lhe rendia bom
ordenado e prestígio na cidade. É bem provável que o falecimento de
seu pai, ocorrido em fins de 1897, tenha motivado ou precipitado a
sua decisão, pois, pouco tempo após o acontecimento, Tonheca viajou
a Carnaúba dos Dantas para participar do inventário e, decerto, vender
a parte que lhe coube em terra e animais.
Não foi possível saber-se nada da vida de Tonheca nos
quatro anos seguintes. É possível que tenha permanecido em
34 Conforme noticiário dos jornais da época.
35 Livro 2o dos Praças da 1ª Cia. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.
47
Carnaúba dos Dantas e tentado se reengajar nas atividades locais.
A vida entre os irmãos e parentes em sua cidade
certamente já não parecia a mesma que vivera outrora, antes da
experiência numa cidade maior. O que se pagava pelo trabalho era
modesto em relação ao seu valor profissional. A cidade lhe parecia
pequena para ele que havia crescido e evoluído.
Os dias passavam lentos e sem novidades. Um dia,
chegou o 31 de dezembro e o século XIX deu lugar ao século XX.
Por que não mudar, ele também?
De posse de algum dinheiro, tinha uma ideia a lhe
martelar a cabeça: já que vencera facilmente em Natal, por que não
tentar a vida no Rio de Janeiro? Muitos de seus conterrâneos que
se mudaram para o sul escreviam para seus parentes relatando a
facilidade de trabalho bem pago na capital do país. Então, já
demonstrando a faceta de seu comportamento que era a de “não
esquentar lugar”, levou à prática a decisão. Muniu-se de cartas de
apresentação, mais uma vez, do Dr. Manoel Augusto de Araújo
Galvão e, também, do coronel Clementino Monteiro de Faria, pai
do jovem Juvenal Lamartine de Faria, que se formara em Recife
naquele ano de 1897 e já era Juiz de Direito de Acari.
Mais uma vez, despediu-se do seu sertão. Agora, deveria
atravessar o Seridó e o Estado da Paraíba para, chegando a
Cabedelo, esperar um navio que o levasse à capital da República.
Assim, pela segunda vez, deixou a sua terra para buscar novos
horizontes no sul do país.
48
RUMO AO SUL
A
longa viagem pelos sertões não era novidade para ele. O
verão continuava rigoroso naqueles começos de 1903.
Cansativos percursos, pousadas em casas pelo caminho até
que uma cidade maior possibilitasse uma permanência mais longa
para o repouso merecido e reanimador.
A viagem já estava por demais cansativa quando uma cidade
apareceu por entre as colinas atapetadas de verde. Estava chegando a
Alagoa Grande, próspera cidade paraibana, rica pela agricultura e
comércio de algodão, cana e agave. Ótimo lugar para uma parada
mais prolongada.
Naquela oportunidade, Tonheca aproveitou para ganhar
algum dinheiro e montou sua aula de música. Muitos jovens, atraídos
pelas tocatas de seu clarinete, buscavam o jovem professor para se
iniciarem na arte dos sons. Durante o tempo em que ali passou, fez
boas amizades e descobriu futuros talentos que se dedicariam à
música, entre eles, um jovem estudante chamado Elysio Sobreira,
nascido na vizinha cidade de Esperança e que demonstrava talento
pelas atividades musicais de que participava, organizando e dirigindo
conjuntos musicais em Campina Grande. Aproveitando a presença do
professor, Elysio começou a estudar flauta, baseado nos
conhecimentos musicais que já possuía. Tonheca, mais velho cinco
anos, faria com ele boa amizade, alicerçada na convivência
proporcionada pelo cultivo da música. O futuro reservaria para o
49
amigo caminhos diferentes, mas ainda haveriam de se encontrar,
tempos depois.
É muito provável que Tonheca, nessa oportunidade, tenha
feito amizade com o Juiz e chefe político local, Dr. Francisco
Peregrino de Albuquerque Montenegro, homem de prestígio e de
posses. Um dos seus filhos menores, Severino Nóbrega Montenegro,
conhecido na família por “Biló”, em 1903, tinha 7 anos de idade.
O professor ia muito bem com seus alunos até que apareceu
Olívia. O fogo da paixão que ele pensava ter adormecido pelos tristes
acontecimentos de Carnaúba dos Dantas, que culminaram com o
desenlace infeliz de seu casamento, de novo reacendeu e reviveu.
Foram momentos de grande arrebatamento e felicidade mas o viajante
teria que seguir o seu destino. Como os marinheiros, que têm um
amor em cada porto, Olívia teria que ser esquecida quando viessem os
próximos sorrisos na próxima cidade. Despediu-se dos alunos, pois
estes já tinham condições de caminharem sozinhos, e rumou ao seu
destino.
Chegando a Cabedelo, porto da cidade de Parahyba,36 capital
do Estado do mesmo nome, ocorreu uma mudança brusca e inesperada
nos planos do jovem músico. Havia dois navios no porto, um para o
sul e outro para o norte. Tonheca preferiu rumar em destino ao Pará.
Não se sabe ao certo o que motivou tal decisão. Certamente que não
foi sem um motivo forte. A Amazônia vivia naqueles começos de
século a fase áurea da borracha, que trazia benefícios a todos os
setores da vida da região, muito especialmente à cultura. É bem
provável que algum conhecido lhe tenha falado da riqueza do Pará e
das oportunidades que havia para os bons músicos. Assim, Tonheca
tomou o rumo do norte.
36 Parahyba se tornaria João Pessoa, mediante lei sancionada a 4 de setembro de 1930.
50
RUMO AO NORTE
O
pequeno navio levantou âncora e zarpou rumo ao norte
levando sonhos e esperanças e, decerto, dúvidas e
incertezas.
No dia seguinte, passava em frente à costa do seu Estado e
de longe avistou a pequenina Natal, enquadrada pela moldura branca
das dunas, a curva graciosa do rio Potengi e a silhueta pesada do
velho forte dos Reis Magos. Lançando âncora na entrada do rio, o
navio aguardou os passageiros de Natal que chegavam em barcos,
borrifados pelos respingos do mar trazidos pelo vento. Em seguida,
rumou ao norte, sempre parando em cada porto, o que quebrava a
monotonia da viagem, vendo-se sempre céu e mar à direita e, à
esquerda, a verde silhueta da costa encravada na imensidão branca
das praias selvagens, das quais não se podia afastar.
Dias depois, deixou o oceano e penetrou nas águas barrentas
do rio Guajará, que banha Belém. A cidade foi aos poucos se
aproximando e o sol da manhã tropical parecia sorrir, refletido nas
belas fachadas dos casarões antigos.
Muita gente no porto, pessoas aguardando para embarcar e
esperando amigos e parentes que chegavam. Grandes navios apitavam
e expeliam fumaça das longas chaminés. Era intenso o movimento de
navios-gaiola, canoas e barcaças de pesca. Em terra, o burburinho dos
vendedores de comidas, bebidas e frutas regionais completava o
quadro alegre, como que saudando o viajante que chegava.
Tonheca desceu do navio sem conhecer ninguém em Belém;
51
trazia apenas uma mala pobre e quase vazia, mas o coração cheio de
sonhos e esperanças. Era o dia 3 de maio de 1903.
52
53
BELÉM DO PARÁ
B
elém do Pará era uma das mais evoluídas capitais brasileiras
no campo musical. Tivera grande movimento artístico no
século XVIII e mais ainda no século XIX, financiado pela
riqueza decorrente da exploração da borracha. Marco decisivo para tal
desenvolvimento foi a inauguração do Teatro da Paz, a 15 de
fevereiro de 1878, possibilitando a apresentação de inúmeras
companhias de ópera, vindas diretamente da Europa. Orquestras e
corais compostos por elementos locais e visitantes levavam a arte
musical aos mais variados públicos.
As bandas de música militares disputavam as preferências
populares. A banda do corpo policial já existia desde 1853 e a do
Corpo de Bombeiros, embora criada em 1890, somente em 1900
começava a se organizar e destacar. Naquele momento, eram comuns
as apresentações em retretas nos coretos das praças públicas.
Fato decisivo para o prestígio de Belém na área musical foi
a primeira chegada, em 1881, do maestro Carlos Gomes, que vinha
obter o aplauso geral das plateias italianas como compositor de
óperas. Trazido pelo maestro paraense José Cândido da Gama
Malcher, o maestro voltaria, pela segunda vez, em maio de 1895, para
dirigir o então Conservatório de Música, criado no ano anterior, e ali
ensinar contraponto e composição. Já bastante doente à sua chegada,
viria a falecer ali mesmo em Belém, a 16 de setembro de 1896. O
conservatório, que passou a se intitular Instituto Carlos Gomes, teve
54
intensa atividade sob a direção do maestro Menelau Campos,
realizando concertos sinfônicos até o ano de 1905, quando encerrou
suas atividades.
Foi este o ambiente musical encontrado por Tonheca Dantas
ao chegar em Belém. Aquela cidade iria ter com Natal um
considerável intercâmbio artístico. Para Belém, mandou Natal, em
1880, o futuro pianista Paulino Chaves – com 4 meses de idade e
acompanhando a família - que iria se tornar famoso e só voltaria, de
passagem, à cidade onde nasceu, em 1908, para alguns concertos.
Muitos outros músicos norte rio-grandenses exerciam a atividade
musical na capital do Pará, entre eles os flautistas Manoel Prudêncio
Petit, Antônio Paulino (Tota) de Andrade e o violonista João SantaCruz.
Do Pará, veio para Natal o italiano Giuseppi Cironi,
fagotista, para breve passagem em 1898. Em 1903, chegaria o maestro
Luigi Maria Smido, que, por duas oportunidades, residiu em Natal. O
violinista Joaquim Gonzaga aqui esteve em 1902, voltando em 1908,
para integrar o corpo docente da primeira escola de música de Natal.
No mesmo ano, apresentou-se o barítono paraense Corbiniano Vilaça.
Entre 1905 e 1915, estavam em Natal o violoncelista Alfredo Andrade
e o violinista Armando Lameira. Outro violinista, José Marsicano, era
carioca, mas veio para Natal via Belém, o mesmo acontecendo aos
espanhóis, pianista Marcelino Gonzalez e o clarinetista José Bernardo
Borrajo. Participaram, todos eles, do movimento musical
empreendido na capital potiguar durante o segundo período
administrativo (de 1908 a 1914) do Governador Alberto Maranhão.
Se de Natal para Belém iria, ainda muito criança, e
juntamente com os pais para ali transferidos, o futuro pianista Paulino
Chaves de Belém, para Natal viria, em 1930, acompanhando o pai
natalense e a mãe paraense, o futuro pianista Oriano de Almeida.
55
ORGANIZANDO A VIDA
N
ão foi difícil encontrar um alojamento barato ali mesmo
perto do porto; a pensão de “seu” Maneco português poderia
não ser das mais confortáveis, mas era onde podia deixar a
bagagem, comer e repousar das andanças pela cidade.
Logo se familiarizou com a bela capital. Belém era
governada no momento pelo Intendente37 Antônio José de Lemos.38
Suas amplas avenidas arborizadas com frondosas mangueiras foram,
aos poucos, tornando-se familiares. A beleza dos edifícios construídos
com o farto dinheiro advindo da exploração da borracha lhe encantava
a vista, assim como a grandiosidade dos prédios do governo do
Estado e da Intendência Municipal, a primorosa decoração da Mansão
Bolonha, as residências da Avenida Nazaré... tudo era novo e
fascinante para o rapaz chegado de um Estado pobre e empobrecido
pela constância das secas. No meio de uma bela praça, erguia-se,
monumental, o Teatro da Paz; tinha quase a sua idade e era um dos
mais belos e imponentes do país. Ali, companhias musicais e teatrais
nacionais e estrangeiras da melhor qualidade se apresentavam para
uma plateia requintada e exigente. Seria muito tocar num Teatro
como aquele?
Nas suas andanças pela cidade, deparou com as obras de
construção da basílica de Nazaré, enorme, grandiosa, chocante para
37 Cargo equivalente a prefeito, nos começos do regime republicano no Brasil.
38 Intendente Municipal de Belém, nos períodos de 1897 a 1911, ininterruptamente.
56
quem foi menino pobre em cidade do interior.
Edifício bonito mesmo e familiar a Tonheca era o Mercado
Municipal, vizinho ao porto, conhecido como o Ver-o-Peso, perto de
onde se hospedara. Era o mercado do peixe, tendo em frente o
mercado da carne. No interior do prédio, as estruturas eram feitas de
ferro trabalhado, importadas da França. Os delicados ornamentos das
divisórias e uma elegante escadaria mais pareciam uma renda
nordestina feita no duro ferro. Do lado de fora, barracas com cobertura
de lona colorida ofereciam sucos e massas de frutas regionais, de
deliciosos e estranhos sabores. Comidas igualmente deliciosas, feitas,
principalmente, à base dos peixes dos rios amazônicos, estavam à
disposição, oferecendo opções baratas e fartas. Era um mundo atraente
e bem diverso do distante sertão nordestino.
Ali, no burburinho do pátio do mercado, onde tudo se
comprava e vendia, fez as primeiras amizades com os barqueiros que
chegavam, trazendo e levando mercadorias. Ao saberem de sua
habilidade musical, muitos lhe traziam versos para que musicasse, o
que lhe garantia uma pequena renda; inesperada, mas bem-vinda para
quem já estava quase sem dinheiro, pois o emprego, que foi sonhado
fácil e completo, estava demorando demais a chegar.
57
PROCURANDO TRABALHO
U
m dia, em uma de suas andanças pela cidade e já meio
desiludido de conseguir o desejado emprego, passou por uma
luxuosa mansão que, profusamente iluminada, dava a
impressão de preparar-se para uma grande festa. Enquanto Tonheca
observava da calçada o movimento das pessoas elegantes que
chegavam, ouviu-se o som de uma banda de música que se
aproximava. Um pouco mais e a Banda de Música da Polícia Militar
fazia alto frente à casa elegante. Ouviam-se discursos e aplausos
dentro da casa e a banda, formada no jardim, intercalava com um
dobrado ou uma bela valsa. Tonheca a tudo observava com grande
admiração, notando a alta qualidade dos músicos do conjunto. Então,
foi chegando aquela saudade dos seus tempos de menino na banda do
irmão José Venâncio, na sua pequena Carnaúba dos Dantas, tão
distante dali. Recordou os tempos em que regia a Banda do Batalhão
de Segurança, em Natal, e imaginou como soaria bem a sua valsa
“Delírio” numa banda completa assim.
Uma pessoa veio do interior da casa e disse algo ao mestre.
Este, por sua vez, falou para os músicos, e todos, organizadamente,
entraram na casa, deixando seus instrumentos na área junto ao jardim.
Curioso, Tonheca entrou no jardim e deu para observar que os
músicos estavam sendo servidos no interior da casa. Olhou aquele
instrumental novinho, reluzente nos metais e fascinante no escuro
ébano dos clarinetes, bordados pelo desenho prateado das numerosas
58
chaves.
Há quanto tempo que Tonheca não soprava um clarinete...
Aqueles instrumentos estavam ali, deitados sobre os bancos, imóveis e
convidativos. Tonheca sentiu uma vontade louca de experimentar um
daqueles clarinetes, mas, refreou o desejo, voltando para o portão. No
entanto, sua alma de músico falava alto dentro dele e o impulso
irresistível de dar uma sopradinha só num daqueles instrumentos era
maior do que a sua força de vontade. Resolveu apenas examinar sem
soprar.
Voltou e apanhou um daqueles instrumentos. A gostosa
sensação da madeira perfeitamente polida e o contato frio das chaves
de prata acariciaram as mãos do músico. Era demais a tentação!
Tonheca experimentou a palheta e não resistiu; tocou um longo Lá do
diapasão. O jardim estava deserto e os músicos comiam e bebiam lá
dentro. Então, soltou o Mi grave, longo e expressivo, e foi subindo
cromaticamente pelo registro médio até o Dó da segunda linha
suplementar superior; em seguida, alcançou com segurança e afinação
o Dó agudíssimo. Uma breve respiração e foi descendo, saboreando
nota por nota, sentindo cada som vibrar bem dentro de seu coração.
Então, pousou cuidadosamente o clarinete sobre o banco e voltou para
a calçada, a esperar que a banda retornasse para sua tocata.
Enquanto isto, no interior da mansão, os músicos eram
servidos e não deram importância àquelas escalas vindas do jardim.
Mas, o mestre que conhecia a todos e via que todos estavam ali, ficou
cismado com o que ouvira e que só poderia ter vindo de um dos seus
músicos melhores. Pediu, então, ao contramestre para ir até o jardim,
verificar se tinha alguém por lá.
O contramestre chegou ao jardim e não viu ninguém; apenas
um homem na calçada, trajado modestamente. Voltou e relatou ao
mestre que, terminado o lanche, já retornava com os músicos para o
jardim. Então, pediu ao contramestre que chamasse o homem que
estava na calçada.
Tonheca entrou, meio desconfiado. O mestre perguntou:
59
– Foi o senhor que tocou no clarinete, enquanto nós
estávamos lá dentro?
– É ... o senhor me desculpe, mas é que eu sopro um
clarinetezinho e não resisti à tentação de experimentar um instrumento
assim, tão moderno...
– Tocar clarinetezinho não; o senhor é músico de muita
experiência. Eu ouvi que o senhor percorreu toda a escala do
instrumento, muito seguro e afinado. O senhor não é daqui, não?
Nesse momento, aproximou-se do grupo um jovem
elegantemente vestido que, postando-se junto ao mestre, escutou toda
a conversa entre os dois. Tonheca contava ao mestre a história de sua
viagem ao Pará e que estava em Belém tentando, sem êxito, uma
colocação como músico. Falou, também, na sua experiência e nas
músicas que já havia composto. O jovem que ouvia a conversa fez
algumas perguntas a Tonheca e, por fim, indagou:
– O senhor poderia comparecer amanhã a meu escritório
para falarmos de um trabalho?
Então, o jovem tirou da carteira uma cédula de 100 mil réis
e um seu cartão de visitas, entregando-os ao admirado músico, que
pouco compreendia o que se passava.
Tonheca voltou para a pensão, sentindo que a sua sorte
começava a mudar. Ao chegar, contou o que acontecera a “seu”
Maneco português, que ao ver o cartão de visita, arregalou os olhos:
– Doutor Sílvio Chermont? Tu falaste com o Dr. Sílvio
Chermont? Mas, ele pertence a uma das famílias mais importantes do
Pará! Estás com a vida feita se ele te proteger. Ora, vamos nós
comemorar que tu mereces!
E desceu da prateleira uma garrafa de vinho, que foi tomada
em meio a exclamações do português, que não parava de admirar a
boa sorte do seu hóspede.
No dia seguinte, Tonheca compareceu ao escritório do Dr.
Sílvio Chermont, à Rua Dr. Gentil Bittencourt. Vestiu a roupa melhor
que possuía, mas se sentia mal vestido, frente ao pessoal que
trabalhava ali. Logo o Dr. Chermont o recebeu e foi logo lhe
60
perguntando:
– O senhor seria capaz de compor uma valsa para eu dar de
presente no dia do aniversário de minha noiva? Ela é louca por música
e estuda piano, então, eu gostaria de lhe fazer uma surpresa.
– Eu não sei se posso fazer uma coisa de seu gosto...
– Não pense assim. Escreva a valsa e traga quando estiver
pronta.
E lhe entregou uma nota de 500 mil réis, um bom
adiantamento para uma encomenda como aquela.
Tonheca voltou ligeiro para a pensão. Terminado o jantar,
recolheu-se ao seu quarto, apanhou papel de música e sentou- se à
velha mesa. Pelo caminho, quando voltava para a pensão, na sua
cabeça, já se arrumavam algumas melodias, que procurava assobiar
para não esquecer. No jantar, enquanto o português contava histórias
de sua terra, uma ou outra frase musical aparecia, limpa e sonora em
seu pensamento, fazendo com que o compositor apressasse o fim da
refeição, ao sentir as “dores do parto” da criação a lhe perturbarem a
emoção.
Sentado, olhos fechados, procurava concentrar-se. Saiu a
primeira frase, uma melodia ascendente no tom de Dó maior que,
explorando o registro grave do clarinete, faria belo efeito. Agora, a
melodia exigia uma rápida modulação para Ré maior e uma passagem
de um compasso apenas em Mi bemol maior, para, em seguida,
retornar ao Dó maior e encerrar a primeira parte. Tonheca solfejou o
que havia escrito; ficara bonito... pena que não tivesse um clarinete
para experimentar.
Agora, vamos para a segunda parte, que deve ser em Lá
menor, relativo do tom da primeira parte. Aqui, caberia melhor uma
parte tanto melódica quanto movimentada, dançante... própria para ser
dançada por aquela gente nobre da casa dos Chermont. À medida que
a melodia se armava em sua cabeça, a caneta mergulhava e saía,
ligeira, do tinteiro, às vezes borrando o papel pela pressa e ansiedade
do compositor.
61
Faltava a terceira parte, para encerrar o trabalho. Ficaria
bem se ela fosse melódica como a primeira parte e ritmada como a
segunda. Um Fá maior, quem sabe... Que tal começar com... Dó, Fá,
Lá. E a melodia começava a sair, completando a terceira parte. Pronto,
a melodia estava completa. Agora, vamos logo fazer o arranjo para
banda, armar a “grade” para o regente e distribuir as partes de cada
instrumento. Para começar, é preciso pensar musicalmente, imaginar
como a melodia ficará sendo tocada por este e aquele instrumento e
como soará sendo tocada por vários instrumentos combinados. Muita
prática, conhecimento da tessitura de cada instrumento e muita
concentração eram exigidos nessa etapa da composição.
Tonheca olhou para a janela do quarto e notou que a
madrugada já despontava. Terminara a valsa de uma só arrancada e as
partes para a banda já estavam prontas para serem experimentadas. E
agora... e se ele não gostasse? E se a noiva dele não gostasse? A sorte
estava lançada. Agora, dormir um pouco e levar a valsa para o regente
da banda. E adormeceu, com a melodia ainda soando em seus
ouvidos.
Cansado do esforço da noite anterior, Tonheca dormiu até
mais tarde. Tomou um café ligeiro e foi procurar o regente da banda
da Polícia Militar, para lhe mostrar o trabalho. O mestre o recebeu em
sua casa. Tonheca pediu um clarinete e solou a melodia da valsa, ele
próprio ouvindo pela primeira vez. O maestro gostou muito do
trabalho e ficou com as partes para ensaiar, combinando se
encontrarem no aniversário da noiva do Dr. Chermont.
Dias depois, Tonheca recebia um recado para comparecer à
residência dos Chermont, no dia do aniversário da noiva do Dr.
Sílvio. Com o dinheiro recebido em adiantamento, o compositor
pagara umas contas já velhas e comprou uma roupa nova, para se
apresentar condignamente na residência do seu padrinho.
Chegando à mansão, um conjunto musical já tocava para os
presentes, que dançavam pelo vasto salão. O Dr. Sílvio falou aos
presentes que queria fazer uma surpresa à sua noiva, por isso
62
encomendara uma bonita valsa que todos iriam ouvir em primeira
audição. E pediu ao autor para tocar a música.
Tonheca sugeriu que o próprio maestro da banda regesse,
mas o Dr. Chermont, entregando-lhe a batuta, pediu que ele mesmo
regesse, já que era o autor da música. O sertanejo quase desaparece de
tão encabulado. Por fim, dominando mais a emoção, assumiu o
comando do conjunto e iniciou a execução da valsa.
Todos ouviram, em silêncio, a primeira parte e sua
repetição: o seu caráter lírico, algo triste e saudoso que logo prendeu a
atenção de todos. Na segunda parte, o Dr. Chermont tomou a noiva
pelo braço e começaram a dançar. Logo, todos o acompanharam e
dançavam com entusiasmo a bela valsa. Ao terminar, aplausos gerais,
e o sertanejo era apresentado a toda aquela gente chique que lhe dava
os parabéns e elogiava a beleza da valsa.39
Terminada a festa, Tonheca voltou para a pensão
assobiando a nova composição, cujo título seria escolhido pelo agora
proprietário da música. Sentia que tinha vivido uma grande noite e
estava certo de que a sua arte de sertanejo, modesto e despretensioso,
havia conquistado as emoções de toda aquela gente educada e
acostumada a ouvir boa música.
39 Este fato aqui apresentado foi relatado pelo Sr. José Rodrigues Dias, em escrito de próprio
punho c datado de 18 de novembro de 1959. Tonheca Dantas e ele foram colegas na Banda da
Polícia Militar do RN, quando lhe contou o fato acontecido em Belém. O manuscrito estava em
poder do Sr. Abel Rodrigues de Carvalho, passando, atualmente, para a posse do Sr. Pedro
Arbués Dantas, residente em Currais Novos. Segundo o informante, a valsa composta em Belém
é a mesma que Tonheca venderia outra vez, tempos depois, e que tomaria, em Natal, o título dc
Royal Cinema. Consultado o Dr. Victorino Coutinho Chermont de Miranda, residente no Rio de
Janeiro e autor do livro A FAMÍLIA CHERMONT - MEMÓRIA HISTÓRICA E
GENEALÓGICA, declarou ao autor não conhecer os acontecimentos aqui relatados. Entretanto,
detalhes do fato foram fornecidos e confirmados pela Sra. Antônia Dantas da Silva, filha de
Tonheca.
63
RENOVANDO AS ESPERANÇAS
ias depois, já quase desiludido do sonho, cansado de
procurar e com as reservas de dinheiro a ponto de se
acabarem, Tonheca sentou-se num banco da praça do Largo
da Pólvora. Um travo de desgosto se somava à saudade de
sua terra, e recordava os rudes chapadões pedregosos do
sertão do Seridó quando viu aproximar-se alguém cuja
fisionomia lhe parecia familiar:
– Tonheca, você por aqui!
Com surpresa e alegria, identificou o amigo João da Cruz
Cavalcanti, que conhecera em Serra Negra desde os tempos de
menino cantor de festas de igreja e que há muito tempo não via.
Tonheca logo lhe contou suas aventuras e desventuras e a dificuldade
em que se encontrava no momento.
O amigo João da Cruz estava bem, casara-se no Rio Grande
do Norte e a sua esposa tivera, há pouco tempo, a primeira gestação,
que lhe deu dois gêmeos. Havia se engajado como soldado no Corpo
de Bombeiros do Município de Belém e estava muito feliz, tão feliz
que se prontificou em ajudar o conterrâneo em tudo o que pudesse,
convidando-o a aparecer por lá naquele mesmo dia.
Tonheca começou a sentir o começo de um grande alívio.
Afinal, parecia que as dificuldades iriam começar a terminar, graças a
Deus e ao amigo João da Cruz.
De posse do endereço, logo encontrou a casa do amigo,
enxugou o suor do rosto com um lenço e bateu palmas à porta com
D
64
um “Oh de casa!”, no bom estilo sertanejo. Atendeu uma moça
bonita, que pareceu muito surpresa em vê-lo.
– Espere aí que eu vou chamar minha irmã - disse, entrando
sem abrir a porta.
Muito tempo depois, Ana Florentina contou o que disse à
irmã:
– Mana, deixaram a porta do cemitério aberta e tem um
cadáver chamando aí fora!
Maximina, esposa do amigo, veio atender. Tonheca sentouse no sofá da sala modesta, já um pouco mais livre do peso da
insegurança, e esperou a chegada do amigo.
João da Cruz chegou na hora combinada e apresentou o
amigo à família. Maximina, sua esposa, teve dois gêmeos, Júlio e
Julião, nascidos em 5 de julho daquele ano de 1903. Ela mandou
buscar a sua sogra, dona Luiza Ermelinda da Silva, para “pegar”40 as
crianças. Com a sogra, vieram três irmãs solteiras: Ana Florentina,
com 18 anos - aquela que recebeu Tonheca ao chegar - Generosa
Apolônia, com 15 e Francisca dos Prazeres (Santinha), com 13 anos.
Depois da janta, João da Cruz botou as cadeiras na calçada
para conversar com o amigo, aproveitando um pouco da brisa gostosa
que soprava. E foi contando a sua história.
– Eu sentei praça no Batalhão de Segurança em Natal, sendo
destacado para São José de Mipibu. Depois de algum tempo lá, o
Sargento Pastel me chamou e disse que devia me casar, pois não era
bom um soldado do Batalhão de Segurança ser solteiro. Eu respondi
que não conhecia nenhuma moça no lugar. Ele, então, me disse: “Não
se incomode que eu vou dar um jeito nisso. Conheço um senhor de
nome Manoel Valentim Marques da Silva, carpinteiro de profissão,
homem honrado e trabalhador, que tem umas filhas solteiras. Eu vou
pedir uma em casamento para você. Prepare-se que hoje nós vamos à
casa dele.”
40 “Pegar”, no sentido de fazer o parto. Júlio faleceu em Belém, aos 9 anos de idade e Julião
faleceu em Natal em 1988, aos 85 anos.
65
– À noitinha, fomos à casa do carpinteiro e o Sargento Pastel
falou o assunto ao hoje meu sogro. Ele mandou chamar as quatro
filhas solteiras, colocou as moças na minha frente e disse que eu
escolhesse aquela com quem eu queria casar. Eu escolhi Maximina, a
mais velha. As outras três são as que estão aqui em casa agora. O pai
dela disse que só voltasse com quinze dias, para casar. Nada de
namoro nem noivado. Casei-me e sou feliz. Depois, andaram me
falando das vantagens daqui. Então, eu pedi baixa, peguei um navio e
vim para Belém. Entrei no Corpo de Bombeiros, mandei buscar a
mulher e aqui estamos. Quando ela chegou ao tempo de dar à luz, eu
mandei buscar minha sogra e ela veio com as outras filhas. O resto é o
que você está vendo.
Tonheca voltou para a pensão um pouco mais animado e
sentiu uma certa inveja do amigo que estava feliz, casado, tinha a sua
casa e seu dinheiro certo como soldado do Corpo de Bombeiros. Uma
tristeza grande foi-lhe chegando com a lembrança de Rosa de Lima. E
a sua filha, por onde andaria com a mãe?
66
Fachada do Quartel Municipal do Corpo de Bombeiros de Belém do
Pará, onde serviu Tonheca Dantas.
67
O DESTINO MOSTRA OS CAMINHOS
C
erto dia, passando por uma igreja da cidade, verificou que
estava havendo uma cerimônia fúnebre, com a presença de
duas bandas de música. Atraído pela música, Tonheca foi-se
chegando, aproximou-se de uma das bandas e, aproveitando uma
pausa, perguntou a um dos componentes:
– Que banda é esta?
– Do Corpo de Bombeiros, respondeu o músico.
– Tem alguma vaga? - continuou.
– Tem, a de 1o clarinete.
– Eu queria falar com o mestre...
– Ele está de férias.
– Sabe onde ele mora?
De posse do endereço, Tonheca pegou um velho bonde
puxado a burros e saiu em procura da casa do responsável pela banda
dos bombeiros.
O mestre atendeu. Era um jovem simpático, mas reservado.
Estava com 35 anos e há 5 anos estava à frente da banda dos
bombeiros. Tonheca, dois anos mais velho, fora regente em Natal aos
28 anos e, na ocasião, buscava um lugar de músico.
– Queria saber se o senhor tem vaga na banda dos
bombeiros...
– Tenho, sim. Qual o seu instrumento?
– Trompete, respondeu Tonheca, fazendo-se de matreiro e
imaginando que o mestre poderia tentar despistá-lo, negando a
existência da vaga.
68
– Ah, se fosse clarinete... A vaga é de clarinete...
– Pois eu toco clarinete também e queria me candidatar.
– Então me procure no quartel ainda agora de manhã.
Tonheca apressou-se em voltar ao quartel, com o
pressentimento de que as coisas iam começar a se arranjar e logo
procurou o bombeiro conterrâneo.
Logo ao chegar, uma agradável surpresa: a fachada do
prédio do quartel do Corpo de Bombeiros. Recentemente construída,
a elegante edificação era mais uma dentre os formosos prédios da
cidade e, ao contrário das pesadas e sóbrias construções que são o
comum dos quartéis, aquela fachada era uma bela exceção, pela graça
e delicadeza dos seus ornamentos.
O sentinela encaminhou-o para o comandante da guarda e
este mandou chamar o soldado João da Cruz. Enquanto esperava,
Tonheca contemplava o amplo pátio, onde estacionavam algumas
modernas viaturas e aparelhos contra incêndios. O prédio dispunha
de, além do térreo, um segundo andar. No extremo do pátio interno,
estavam as cavalariças. Na parte interna, o edifício não estava
concluído e algumas partes ainda estavam em construção.
João da Cruz ouviu o que Tonheca lhe contou e ficou muito
contente com a possibilidade de ter o amigo como colega de trabalho.
Enquanto esperavam pelo regente, aproveitou para explicar algumas
coisas.
– Está vendo este prédio aí em frente? É o Conservatório de
Música. Isso interessa a você, que é músico. Aí era onde ensinava o
maestro Carlos Gomes, até o seu falecimento.41
Notando a curiosidade do amigo pelo edifício do quartel,
continuou:
– O Corpo de Bombeiros aqui de Belém existe desde 1882;
era apenas uma Companhia e o comandante veio do Rio de Janeiro,
da “corte”, como se dizia na época. Em 1891, passou a Corpo de
Bombeiros e depois, foi integrado à Força Pública do Estado. Então,
41 Prédio ocupado, atualmente, pela Academia Paraense de Letras, localizado à Rua João Diogo.
69
em 1894, uma lei extinguiu o Corpo. Em março de 1898, o atual
Intendente, senador Antônio José de Lemos, transferiu a corporação
do Estado para o Município e o pessoal veio se instalar neste local.
Antes, a gente se aquartelava no prédio do 4o Batalhão de Artilharia,
um prédio grande que você deve ter passado na porta, quando vinha
para cá, aí na Praça Saldanha Marinho.42
Enquanto levava o amigo ao local dos ensaios da banda,
continuava a falar sobre a sua corporação:
– Nós viemos para aqui no ano passado, em 1902, e a
reforma do prédio estava em andamento. Como você está vendo,
ainda falta muita coisa para terminar.
João da Cruz deixou Tonheca no salão da banda de música e
lhe desejou boa sorte.
– Você não tem por que se preocupar. Já passou em
concurso em Natal e foi até mestre da banda do Batalhão de
Segurança. Isto aqui vai ser fácil para você.
Pouco depois, chegava o regente da banda e mandou entrar o
candidato.
42 Atual Praça da Bandeira.
70
SUBMETENDO-SE A NOVO CONCURSO
M
estreava a banda o alferes Cincinato Ferreira de Souza43,
maranhense, conterrâneo e parente do Intendente Lemos.
Chegara a Belém aos 22 anos, em 1890 e estava à frente
do conjunto, com muito zelo e competência, desde a sua organização,
no ano de 1898.44
Tonheca entrou no amplo salão de ensaios. Diversos
músicos estavam no local, grupos conversavam, outros faziam a
manutenção de seus instrumentos e outros ensaiavam
individualmente. O mestre apontou para uma cadeira onde estava um
clarinete e, junto, uma estante de música, dizendo que podia sentar-se
e experimentar o instrumento. Era sua obrigação ser rigoroso na
seleção, afinal, a Banda do Corpo de Bombeiros tinha elevado
conceito na cidade e os músicos que a compunham – muitos deles
estrangeiros – eram da melhor qualidade. Alguém que não tivesse
condições de tocar as músicas do seu repertório só atrapalharia e
prejudicaria o trabalho dos outros.
Os músicos presentes pararam suas atividades, notando que
um candidato ia ser examinado. O seu aspecto não era de quem fosse
bom em música; franzino e moreno, jeito meio encabulado, parecia
mais um iniciante em busca de um primeiro emprego; seria
43 Cincinato Ferreira de Souza, (São Luís, MA, 1868 - Belém, 1959) Autor de valsas, hinos,
marchas e dobrados, destacou-se na composição de músicas para o teatro. Era professor de
música, regente e hábil orquestrador.
44 Maiores detalhes sobre o mestre Cincinato em SALLES, Vicente, “MÚSICA E MÚSICOS
DO PARÁ”.
71
certamente mais um dos quantos pensavam estar à altura de entrarem
para a banda e eram reprovados sem apelação. Então, ficaram a
observar, na certeza de verem mais um pretendente escorregar e cair,
vítima das implacáveis armadilhas da música.
Já fazia bastante tempo que Tonheca não pegava num
clarinete. Devia estar com os dedos meio “enferrujados” e os lábios
deveriam ter perdido um pouco da embocadura. Tentou tirar algumas
notas, mas verificou que a palheta estava desregulada. Aos poucos,
foi adaptando o instrumento ao seu jeito próprio e fazendo algumas
escalas e arpejos, para “esquentar.”
Julgando que o candidato já estava preparado, o mestre
entregou-lhe uma página de música, um dobrado espanhol, cheio de
notinhas pretas indicando o andamento rápido da execução. Diversos
outros recursos musicais embelezavam a melodia, mas tornavam
ainda mais difícil o trabalho do executante. Era um solo de clarinete,
daqueles que derrubam com maior facilidade quem não tiver o
preparo suficiente, provocando topadas e gaguejado na execução.
Tonheca colocou a partitura na estante e, mal examinara dois
compassos, o mestre se pôs à sua frente, levantou a batuta e deu sinal
para iniciar a tocar. Regendo a execução, apressava e diminuía o
andamento, para sentir se o candidato obedecia ao seu comando.
Tocada a primeira e a segunda partes, ia iniciar o trio quando
o mestre parou de reger e bateu com a batuta na estante. Tonheca
sentiu um frio na espinha.
– Pode parar. Estou satisfeito. O sr. está aprovado.
Os componentes da banda vieram, sorridentes,
cumprimentá-lo, e comentavam que a peça era difícil. Seus futuros
colegas haveriam de tornar-se, muitos deles, seus amigos. Com mais
um concurso ganho, Antônio Pedro Dantas iria se tornar soldado
músico do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. Suas dificuldades
parece que iriam terminar.
Ainda havia algumas etapas a ultrapassar. O mestre se
dirigira ao seu birô e escrevia algo em um papel. Terminando, chamou
72
Tonheca e disse:
– Pronto, Sr. Antônio, estou pedindo a sua inclusão como 2o
clarinete da banda.
Segundo clarinete e não primeiro! Aquilo soou para
Tonheca como se fosse um susto. Afinal, ele fizera concurso para 1o
clarinete. Foi, então, que lhe surgiu a ideia de tentar um recurso
decisivo.
– O Sr. me desculpe, mas de 2o eu não aceito, pois tenho
garantida uma vaga de 1o na Brigada Militar.
E aguardou o efeito da mentira.
O mestre pensou um pouco e disse:
– Na verdade, eu estava querendo a vaga de 1o para
promover um 2o clarinetista mais antigo. Mas, o concurso foi feito
para 1o e eu estou pedindo a sua inclusão. E mostrou o papel em que
escrevia, onde pedia a inclusão de Tonheca como 1o clarinetista.
73
74
MÚSICO DA BANDA DO CORPO DE
BOMBEIROS
E
ra o dia 15 de junho de 1903. A Ordem do Dia do Comando
n° 125 publicou que Tonheca Dantas foi incluído no estado
efetivo do corpo e Estado Menor desta secção, por se ter
alistado voluntariamente para servir por quatro anos como músico de
1aclasse, de acordo com o regulamento em vigor.45 No livro de
assentamentos do Corpo de Bombeiros, consta seu nome como
Antônio Pedro Dantas Tonheca, anexando o apelido Tonheca ao
nome próprio.
Chegara em 3 de maio e esperara exatamente quarenta e
quatro dias para a grande oportunidade.
Procedidos os trâmites burocráticos necessários, Tonheca
recebeu fardamento e compareceu ao primeiro expediente. Eram
cinco os uniformes dos praças do Corpo de Bombeiros. Além do
uniforme simples de serviço, eram os demais cuidadosamente
projetados, demonstrando o esmero que se tinha pela elegância e
distinção do soldado. Para se ter uma ideia, considere-se o 1o
uniforme, que se compunha de capacete de metal, com penacho,
dólmã de canhão (extremidade da manga) azul turquesa com dragonas
(galão com franjas, usado sobre os ombros) de metal prateado com
canotilho (fio prateado em forma de canudinho), e alamares (galão de
fio metálico que guarnece a abotoadura da túnica), calça de
45 Livro de Assentamentos de Praças n° 1, da 1ª Secção do Corpo de Bombeiros Municipal,
Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará.
75
azul-turquesa com galão de metal prateado, cinturão de couro
envernizado de branco, com ferragens prateadas, sabre, botinas e
polainas. Este parecia ser o uniforme para as grandes solenidades. Já
o 2o uniforme tinha capacete branco com penachos, dólmã sem
alamares (com dragonas de metal com canotilho, quando cm
formaturas ou cumprimentos, e com platinas de casimira encarnada,
quando em serviço interno ou passeio), calça de pano mescla com
cadarço ou casimira branca, o mesmo cinturão de couro envernizado
de branco com ferragens prateadas, sabre, botinas com polainas ou
coturnos (calçado de sola grossa e cano até a metade da perna).46 Este
2o uniforme era usado pelo praça quando se deslocava livremente pela
cidade. Imagine-se o nosso Tonheca, assim elegantemente vestido,
transitando pelas ruas de Belém...
Embora a banda fosse composta de músicos de 1a, 2a e 3a
classe, o novo componente entrou como 1a classe - onde se
colocavam, em geral, os músicos de maior competência - incluindose, assim, entre os primeiros clarinetes.
Com um mês de trabalho, o mestre o encarregou da função
de afinador da banda, atribuição que é dada apenas a músicos da
confiança do regente. Assim, antes que o mestre chegasse para o
ensaio, Tonheca teria que verificar, naipe por naipe, se todos os
instrumentos estavam soando igualmente pelo diapasão. A prática que
possuía antes de seguir para Belém, lhe assegurava muita
familiaridade com a música, desde a organização e regência de
pequenos conjuntos no interior, até a sua aprovação em concurso para
o Batalhão de Segurança, onde exerceu a regência de um conjunto
maior. Já naqueles tempos, compunha e fazia arranjos para banda de
música e tocava todos daquele conjunto, o que lhe permitia a exata e
equilibrada distribuição dos sons entre os diversos timbres dos
diferentes instrumentos.
46 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da
Intendência Municipal. Belém, 1905.
76
Ao conhecer-lhe o currículo e havendo comprovado os seus
conhecimentos, o mestre Cincinato lhe entregou, por isso, a
incumbência da afinação da banda. Isso significa, também, que
Tonheca exercia, com toda a certeza, a função de clarinetista solista,
ou seja, o 1o entre os primeiros clarinetes do conjunto. Isso confirma a
sua reconhecida competência no domínio do seu instrumento
predileto.
A Banda de Músicos do Corpo de Bombeiros Municipal de
Belém se compunha, naquele ano de 1903, de 45 figurantes, na
grande maioria profissionais competentes e experimentados. Eram 25
músicos de 1a classe, 15 de 2a e 5 de 3a. Em 1900, o conjunto se
compunha de apenas 21 figurantes e, mesmo assim, destacou-se na
participação dos concertos comemorativos do quarto centenário do
descobrimento do Brasil, utilizando o novo instrumental
recentemente adquirido.
Além da presença obrigatória nas solenidades internas do
quartel, a banda gozava do maior apreço da população pelas tocatas
que realizava nos coretos das principais praças da cidade. O próprio
intendente municipal e sua família eram das mais constantes
presenças. É preciso lembrar que, a audição de música naquela época
só era possível ao vivo. Os gramofones, inventados no final do século
passado, ainda eram deficientes, sua aquisição era difícil e os discos
só seriam fabricados no Brasil a partir de 1903.
Animado com a popularidade da banda e prevendo os lucros
políticos que obteria, o Intendente Lemos resolveu trocar o
instrumental que adquirira em 1900, importando da Europa novos
instrumentos. Esse instrumental, todo de primeira ordem, permitirá
que a música do Corpo seja, alternadamente, banda ou filarmônica,
à vontade. 47
47 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos). Belém,
1904, pag. 72-74.
77
Papel de destaque no conceito gozado pela banda era
exercido pelo seu regente, através de um trabalho dedicado e
consciente. Naquele ano de 1903, o maestro Cincinato Ferreira de
Souza vivia momentos de grande popularidade, graças ao sucesso da
revista “Tacacá”, com libreto de Euclides Ferreira, que ele musicara
com muito êxito. A revista, que focalizava os costumes paraenses, foi
levada à cena sessenta vezes consecutivas em Belém.48
No começo de 1904, chegou o novo instrumental importado
da Alemanha. Eram 54 instrumentos da melhor qualidade e iriam
melhorar ainda mais o desempenho de quem os manejava. A partir
daquela data, a banda se compunha de uma flauta em Dó, um flautim
em Mi bemol, sete clarinetes em Si bemol, um oboé em Dó, duas
requintas em Mi bemol, dois pistons em Si bemol, um bugie, dois
contrabaixos em Mi bemol, dois contrabaixos em Dó, dois
contrabaixos de corda, duas trompas em Mi bemol, quatro trombones
em Dó, dois saxofones barítonos em Si bemol, dois bombardinos em
Dó, um saxofone soprano, um saxofone tenor, um saxofone barítono,
um clarone em Si bemol, um bombo em Dó, uma caixa de guerra, um
par de pratos, um triângulo, um par de castanholas e um tantã. Alguns
instrumentos, além do número de executantes, garantiam a
eventualidade de um defeito ou necessidade de manutenção.
Primoroso concerto foi cuidadosamente preparado e
apresentado ao público na Praça Batista Campos, no dia 14 de
fevereiro, para inaugurar os novos instrumentos. Era, também, o
momento da inauguração do novo pavilhão49 daquela praça,
denominado Primeiro de Dezembro. Numerosa assistência lotava os
arredores, festejando a ocasião com um alegre carnaval. Em posição
especial, estavam autoridades e seus familiares, entre elas o
Intendente Antônio José Lemos, que, se sempre dedicara ao Corpo de
48 Conforme noticiário de A República. Veja-se, ainda, Salles, Vicente, “SOCIEDADES DE
EUTERPE”. A revista “Tacacá” foi encenada em Natal, pela Companhia Apolônia Pinto, em
julho de 1907, no Teatro Carlos Gomes.
49 Locais cobertos para apresentações musicais, no Nordeste denominados “coretos.”
78
Bombeiros as melhores atenções, a partir daquele momento em que a
estreia da nova banda se fazia de maneira auspiciosa, teve muitos
motivos para se orgulhar da corporação.
Animado com os êxitos obtidos pelos concertos eventuais da
banda de música, o Intendente Lemos resolveu que os mesmos
deveriam ser levados a público em dia e hora certos. Assim,
determinou em 18 de novembro de 1904, que a banda deveria
apresentar concertos públicos no pavilhão da Praça Baptista Campos,
todos os domingos, das 17 às 22 horas.50 A cidade tinha, dessa forma,
fixado o momento adequado para seu momento de lazer e cultura.
Em 22 de dezembro, o Alferes Cincinato Ferreira de Souza
era promovido a Tenente. O Intendente Lemos sancionava projeto de
lei onde se justificava que a maior parte da população de Belém, se
não quase toda, não se cansa de aplaudir com entusiasmo a bela e
disciplinada banda do Corpo de Bombeiros, por ocasião dos
concertos que periodicamente dá nesta capital. Continuando em suas
justificativas, diz mais o projeto de lei, referindo-se à banda e seu
regente: Esse melhoramento de que goza o Município é devido, não
somente à boa vontade e esforços constantemente empregados pelo
Sr. Intendente nesse sentido; mas também à dedicação, às aptidões do
alferes diretor da mesma banda, o qual, com grande trabalho e
enorme sacrifício, tem feito, em pouco tempo, que essa banda seja
considerada uma das primeiras do Brasil. 51
Os componentes da banda tinham da autoridade municipal o
melhor conceito. Em seu relatório referente ao ano de 1904,
pronunciava-se: Em vista do grande valor daqueles professores,
dotei-os, conforme já foi dito mais acima, de um ótimo instrumental
moderno, que contribui de modo notável para o brilhantismo dos
concertos municipais, já executando como banda, já como
filarmônica.
50 Salles, Vicente, op. cit.
51 Projeto de lei apresentado ao Conselho Municipal de Belém pelo vogal Ignacio Nogueira,
transcrito parcialmente em “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio
José de Lemos) Arquivo da Intendência Municipal, Belém, 1905, pag. 84.
79
Composta de 45 figuras, na sua totalidade habilíssimos
profissionais, a banda tem o seu repertório constantemente
reformado e aumentado com as produções dos mais reputados
autores. 52
Além das músicas próprias para banda de música, como
hinos, marchas e dobrados, a banda do Corpo de Bombeiros tocava,
efetivamente, peças da melhor qualidade do repertório internacional,
especialmente trechos selecionados de óperas, o que evidenciava o
elevado nível de sua atuação.53
Durante o ano de 1905, continua o bom trabalho da banda.
O Intendente Lemos não esconde a sua satisfação: Devido aos
esforços de seu diretor, tenente Cincinato Ferreira de Souza, pôde
a banda de música do Corpo Municipal de Bombeiros melhorar
ainda as suas condições, durante o ano, sendo os seus concertos
muitíssimo apreciados pelo público. O instrumental é dos mais
aperfeiçoados e à organização dos respectivos programas preside
um critério estético dos mais seguros. Em 1905, deu a banda de
música 72 concertos públicos, além dos particulares 54
52 Idem, pag. 84.
53 Informações do Sr. Mário Quintano Dragon, (aos 96 anos em outubro de 1996) ao autor, exintegrante da Banda do Corpo de Bombeiros, incluído na corporação em 1917. Não conheceu
Tonheca.
54 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da
Intendência Municipal. Belém, 1906.
80
O novo quartel do Corpo Municipal de Bombeiros de Belém,
inaugurado em 1904. Notem-se os veículos movidos a tração
animal. A banda, com a presença de Tonheca Dantas, está formada
na calçada do prédio.
81
INAUGURAÇÃO DO NOVO QUARTEL
C
oncluídas as reformas, foi inaugurado em 24 de fevereiro
daquele ano de 1904, o novo quartel da Rua João Diogo. Do
acanhado edifício do século passado, onde as viaturas
estacionavam em plena rua, nada lembrava a espaçosa construção.
Às oito horas, já estavam presentes o Governador do Estado,
Dr. Augusto Montenegro, o Intendente Municipal, Senador Antônio
José de Lemos, e numerosas autoridades. O vigário geral do bispado,
monsenhor João Ferreira de Andrade Muniz, deu a benção ao prédio.
Em seguida, o Intendente Lemos declarou inauguradas as instalações.
Foi feita uma visita às várias dependências e lida e assinada uma ata.
Enquanto se realizava a cerimônia no edifício principal, os
bombeiros se reuniam, desde as 4 horas da manhã, em frente ao
prédio da sucursal, à Rua 22 de junho.55 Às 8 horas e 30 minutos, o
comandante do Corpo, Tenente-Coronel Francisco Feliciano Barbosa,
deu voz de marcha e o desfile foi iniciado. Tomaram a direção do
novo quartel as duas bombas manuais, carros de pessoal, carros de
transporte de oficiais, carro da escada girante, ambulância e guarnição
de padiolas.
À frente de todos, a banda de música abria caminho e atraía
as atenções. Durante o desfile, foram tocadas as peças: “Pro Patria
Semper”, Sans Peur”, “Destro”, “Our Marines”, “Lutzow’s Wild
Chase”, “Trot de Cavalerie”, e “Venize la Belle”.
Partindo dali, a corporação cruzou a Avenida
Independência, Avenida Nazaré, Praça da República, Rua Riachuelo,
55
Atual Rua Alcindo Cacella.
82
Travessa Frutuoso Guimarães, Praça Visconde do Rio Branco, Rua
Quinze de Novembro, Praça Independência, Avenida Dezesseis de
Novembro. Já próximo ao seu objetivo, passou pelo prédio da
Intendência Municipal e, em frente ao quartel da Brigada Militar,
recebeu a continência da tropa formada em sua homenagem.
Faltavam 5 minutos para as 10 horas quando a corporação
fez alto, no pátio central do novo quartel, sob os aplausos dos
presentes. O comandante dirigiu-se às autoridades, cumprimentando o
governador e o intendente.
Em seguida, foi realizado um exercício simulado de aviso de
incêndio. Os bombeiros, que haviam desfilado em uniforme de
prontidão de incêndio – capacete preto, túnica e calça de brim cáqui,
coturnos e cinto ginástico com machadinha – lançaram-se de seus
alojamentos no primeiro andar, deslizando pelas colunas de ferro. Em
poucos segundos, os cavalos estavam atrelados às viaturas e todos se
apresentavam prontos para sair em missão.
Terminado o exercício por volta das 10 horas e 15 minutos,
retiraram-se as autoridades, recebendo as continências de praxe.56
Tonheca e seus companheiros estavam, enfim, alojados em
casa nova.
O ano de 1904 ainda trouxe boas novas para o Corpo de
Bombeiros. Na noite de 26 de novembro, durante uma visita do
Intendente Lemos, foi inaugurada a luz elétrica no prédio. A novidade
chamou a atenção geral e o intendente comentou, em seu relatório
anual, que a ela assistiu compacta massa de curiosos. 57
Enquanto tudo era progresso no Pará e a riqueza proveniente
da extração da borracha permitia a realização de tantos
melhoramentos, no Nordeste distante, a situação era bem diferente.
Rigorosa seca assolava o sertão naquele ano. Cerca de quinze mil
56 ”O MUNICÍPIO DE BELÉM” 1905, op. cit. pag. 84.
57 As realizações administrativas do Intendente Antônio José de Lemos estão relacionadas e
comentadas nus sete grossos volumes fartamente ilustrados de seus relatórios, sob título “O
MUNICÍPIO DE BELÉM”. O 1º volume, publicado em 1902, refere-se ao período de 1897 a
1901, e o último saiu em 1909.
83
flagelados invadiram Natal, acentuando o ambiente de desolação e
tristeza em que vivia a cidade. O Governo do Estado, carente dos
recursos necessários para uma ação mais decisiva, recorria ao
expediente de mandar embarcar levas de flagelados para localidades
do sul do País e, principalmente, do norte. Assim, muitos navios
desembarcaram os que fugiam da seca em portos dos Estados do
Norte, destinando-os à pesada luta da extração da borracha e
lançando-os no ambiente hostil da floresta amazônica, para eles
agressiva e em tudo diferente do meio em que viviam. As cartas que
chegavam relatavam os fatos dolorosos que Tonheca, nascido e criado
no sertão, conhecia bem de perto.
Para compensar as más notícias, informaram que no dia 24
de março, o Governador Alberto Maranhão havia inaugurado o Teatro
Carlos Gomes. Tonheca ainda estava em Natal quando, em 1898,
começou a construção na campina alagada do bairro da Ribeira.
Informaram, também, que o Teatro tinha uma orquestra bem razoável,
formada por elementos locais e alguns de fora. Estava lá o clarinetista
espanhol José Bernardo Borrajo58 e a regência da orquestra estava a
cargo do maestro italiano Luigi Maria Smido59, havendo ambos
trabalhado antes em Belém.
Consolava a distância da terra, a boa situação que gozava e o
bom trabalho que poderia fazer na banda. Escreveram- lhe de Natal,
dizendo que Banda do Batalhão de Segurança tinha um mestre, um
contramestre e vinte componentes. Em Belém, sendo um dos quarenta
e cinco participantes de sua banda, sentia bem a diferença entre os
dois ambientes musicais.
E as condições para se fazer boa música sempre
aumentavam. Em 1906, foi contratado o maestro Emilio Bossi, como
auxiliar do regente, e mais alguns bons músicos espanhóis vieram
58 José Bernardo Borrajo (Ponte-Vedra, Espanha, 1880 - Belém, 1938), casou em Natal com
Maria Marcolina Botelho e tiveram dez filhos, todos nascidos em Natal.
59 Luigi Maria Smido (Itália?-Rio de Janeiro, 1943), esteve em Natal entre 1903 a 1908 e em
1922, por alguns meses.
84
.
reforçar o conjunto. Naquele ano, foram apresentados sessenta e três
concertos, sendo vinte e sete públicos e trinta e seis particulares.60
60 Salles, Vicente, op. cit.
85
Banda de Música do Corpo Municipal de Bombeiros de Belém, Pará,
em 1906.
86
Detalhe da foto anterior. O clarinetista é, provavelmente, Tonheca
Dantas. A identificação não foi possível mesmo aos seus familiares.
87
TROPEÇOS E INCENTIVOS
O
músico do Corpo de Bombeiros era um bombeiro como outro
qualquer e não estava dispensado de entrar em ação, sempre
que se evidenciasse um incêndio em qualquer parte da
cidade. Ao toque de alarme, todos os praças que se alojavam no andar
superior do prédio lançavam-se às colunas de ferro e rapidamente
desciam ao pátio, de onde as viaturas puxadas a cavalo partiam em
missão. Na ocasião de um grande incêndio acontecido no prédio da
firma Frank da Costa e Cia., em 1902, todos os músicos participaram
das atividades, demonstrando bravura e entusiasmo. Durante a ação,
faleceram cinco componentes da banda, três deles espanhóis.
Reverenciando os falecidos no cumprimento do dever, duas placas
comemorativas foram afixadas nas paredes do pátio interno do quartel
e o mestre Cincinato compôs, em sua homenagem, a marcha fúnebre
“Vítimas do Dever”.
Na noite de 26 de dezembro daquele ano, o alarme soou e
todos se precipitaram em direção aos carros. Tonheca não esteve
presente na ação. Por isso, foi multado em seu vencimento, na quantia
de cinco mil réis, por ter faltado ao toque de alarme, na noite de
vinte e seis.
Idêntico fato se verificou em 22 de janeiro de 1905 e nova
falta ao toque de incêndio. Desta vez, o comandante agiu com mais
rigor e Tonheca A vinte e três, ficou detido no quartel até segunda
ordem por ter faltado ao toque de incêndio no dia vinte e dois. Foi
posto em liberdade no dia 24.
88
Uma repreensão por não ter procedido regularmente por
ocasião do ensaio da banda encerra suas anotações no livro n° 1.61
Esses pequenos incidentes, comuns à vida de qualquer
militar, não parecem haver atingido o seu conceito profissional na
corporação. Tanto é que, em 27 de junho de 1907, foi mandado
engajar por mais 2 anos, de acordo com o regulamento em vigor, a
contar de 15, visto ter terminado nesta data os quatro anos a que se
obrigou a servir, conforme fez público, a Ordem do Dia regimental
número 141. 62
Se por duas vezes foi punido pela sua ausência durante o
combate a incêndios, no dia 4 de agosto de 1908, foi louvado pelo
Exmo. Sr. Senador Intendente, pela bravura e disciplina com que se
houve no serviço de extinção de incêndio em a noite de 26 de julho no
mercado municipal, conforme fez público o detalhe da Intendência
transcrito na ordem do dia regimental n° 164. 63
A Ordem do Dia regimental n° 180, de 25 de agosto do
mesmo ano, publica que Tonheca foi louvado pelo Sr. Tenente
Coronel Comandante pelo acurado asseio e luzimento nos uniformes,
assim como destreza e garbo militar nas evoluções por ocasião do
exercício de infantaria a fogo, realizado em frente ao quartel da
sucursal, à travessa 22 de Junho, em a tarde de 22.64
Seu conceito como conhecedor de música levou-o a ensinar
particularmente, como tinha feito muitas vezes em seu Estado.
Paciente e perseverante, ficou sendo conhecido como bom professor.
Alunos particulares lhe garantiam uma renda extra ao salário de
músico da banda. Muitas moças, filhas de ricas famílias, estudaram
com ele. Sua fama de bom professor levou o comandante da
corporação a contratá-lo para ensinar à sua filha. Para aquela moça,
61 Livro de Assentamentos de Praças n° 1, da 1ª Secção do Corpo de Bombeiros Municipal,
Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém.
62 Livro de Assentamentos de Praças n° 2, da 1ª Secção do Corpo dc Bombeiros Municipal,
Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém.
63 Idem.
64 Idem.
89
compôs e harmonizou para piano a valsa “Iolanda”, e com o Tenente Coronel Francisco Feliciano Barbosa manteve uma boa amizade
firmada pelo seu conceito de bom profissional.
A vida corria tranquila para o sertanejo distanciado de suas
origens, porém vivendo bem em terras estranhas. Mas, já se
ambientara satisfatoriamente aos usos e costumes locais e não
dispensava uma boa porção do gostoso açaí como sobremesa, nem
uma saborosa cuia de tacacá tomada em pé, à saída do quartel, junto à
barraca onde o líquido fervia e recendia o perfume do jambu e da
pimenta.
A convite de outros músicos, participou de um evento no
Teatro da Paz.
A saudade do seu sertão só era amenizada com a chegada de
uma carta, quando um navio vindo do sul atracava no porto. A solidão
era amenizada pelos encontros com os amigos e pelas visitas às
alegres moradoras da Rua do Riachuelo...
90
ADEUS À LIBERDADE...
Q
uem estava muito satisfeito com o sucesso do conterrâneo era
o amigo João da Cruz. De vez em quando, depois do jantar,
Tonheca aparecia para uma palestra. Desfeita a mesa, vinham
moças da vizinhança para o passatempo de um joguinho de sueca.
Tonheca sempre foi muito hábil no traçado das cartas, dava- se muito
bem com elas e com as moças, também. “Solteiro” e ganhando bem,
era um bom partido para as jovens em idade de casar. Gentil e
maneiroso, dava respeitosa atenção a todas até que – e já estava
demorando – surge o primeiro mexerico: uma das vizinhas foi dizer a
dona Luiza Ermelinda, sogra de João da Cruz:
– Ana está namorando com “seu” Tonheca!
Interrogada pela mãe, Ana Florentina negou o fato, que não
era mesmo verdadeiro. Continuou o “disse-me-disse” e Ana, gênio
forte e determinado, novamente interrogada pela mãe, acabou por
dizer:
– Quer saber de uma coisa, não estou namorando ele não,
mas vou namorar só para deixarem de falar!
E contou tudo a Tonheca. Com pouco tempo, estavam os
dois de namoro firme e já pensando em casamento.
Casaram Antônio Pedro Dantas e Ana Florentina da Silva,
no religioso apenas, em 22 de novembro de 1906. Residindo em uma
casa da Rua dos Tamoios, ali viram nascer a primeira e única filha do
casal, Antônia, em 25 de agosto de 1907.
Prestigiado como músico e professor e vivendo
91
razoavelmente bem de finanças, Tonheca compôs diversas peças
musicais. Algumas de suas composições foram impressas na
Alemanha e eram vendidas nas casas de música da cidade, como a
livraria da esquina Rua Conselheiro Furtado com 14 de abril; entre
elas, as valsas para piano “Louca por Amor” e “Amor Constante”,
dedicadas a Ana Florentina. Daquele período, são diversas valsas
instrumentadas para banda de música, entre elas “Melodia do
Bosque”65
Tonheca teria participado de uma encenação, no Teatro da
Paz, intitulada “A Morte do Cisne”. Não foi possível obter-se maiores
informações sobre o fato.66
Belém continuava crescendo e se desenvolvendo. O
transporte mais comum para as pessoas abastadas eram as carruagens,
tracionadas por cavalos, mas já começavam a aparecer os primeiros
automóveis. Em 15 de agosto de 1907, os velhos bondes puxados a
burros foram substituídos por veículos movidos a eletricidade.
Naquele dia, diversos bondes percorreram as suas linhas, sob os
aplausos populares, conduzindo autoridades e – como não podia
deixar de ser – o pai da iniciativa, o Intendente Lemos.
Responsável por inúmeras melhorias na cidade, o Intendente
Lemos era, naturalmente, muito sensível às homenagens que se lhe
prestassem. O seu aniversário – 17 de dezembro – era festivamente
comemorado por seus amigos, correligionários e, também,
bajuladores. Naquela data, em 1908, Tonheca teve de acordar mais
cedo que de costume; a Banda do Corpo de Bombeiros, que tantas
atenções recebia do intendente, iria prestar homenagem ao seu
65 Não é conhecida, por enquanto, a produção musical de Tonheca, no período em que esteve
em Belém. As músicas originárias da antiga Banda do Corpo de Bombeiros estão guardadas no
Arquivo da Polícia Militar do Estado do Pará e as precárias condições de sua organização não
permitem, no momento, nenhuma pesquisa. Pelo grande número de pacotes lacrados, é bem
possível poder-se encontrar, futuramente, no meio deles, composições de Tonheca.
66 Informação de sua filha, Antônia Dantas. Pesquisa realizada pelo autor em novembro de 1996
no Teatro da Paz, em Belém, não logrou resultados: os arquivos daquele teatro estão
incompletos, faltando programas e outros documentos da época.
92
benfeitor. Às 4 horas da manhã, estavam todos formados na atual
Avenida Gentil Bittencourt, em frente à casa de Lemos, para oferecerlhe uma alvorada musical. Mesmo sendo muito cedo, já muita gente
se postava nos arredores. O Tenente Cincinato ergue a batuta e foi
executado “Orpheo all’Inferno”, de Auber e “Zanefla”, fantasia
também de Auber e “Reminicenze”, de Donizetti. Enquanto outros
conjuntos continuavam as homenagens, a Banda do Corpo de
Bombeiros retornava ao quartel.67
67 Roque, Carlos, ANTÔNIO LEMOS E SUA ÉPOCA - HISTÓRIA POLÍTICA DO PARÁ.
Belém, 1996.
93
NOTÍCIAS DO SERTÃO
A
s notícias do êxito de Tonheca chegavam por carta à sua
pequena Carnaúba dos Dantas. Certo dia, ao chegar do
trabalho, encontrou em sua casa alguém que o esperava.
Maleta de madeira recoberta de couro amarelo com brochas graúdas
e aspecto de cansado, reconheceu o primo Manoel Hipólito Dantas
Filho, a quem todos chamavam de “Fumaça”.68 Depois dos abraços e
das notícias da família e da terra, o primo disse a que vinha.
– As coisas estão ruins por lá e eu queria ver se você
arranjava uma colocação para mim.
“Fumaça” era um trompetista de muito boa qualidade,
remanescente da banda do irmão José Venâncio, dos velhos tempos de
Carnaúba dos Dantas e antigo colega de Tonheca. Atraído pelas
notícias do primo, vinha tentar a vida em Belém. Depois do jantar,
“Fumaça” contou a Tonheca parte de sua história:
“Resolvi tentar a vida por aí. Comecei a apanhar algodão
para ver se tirava o dinheiro da passagem, mas enquanto um apanhava
dez quilos, eu só apanhava dois. Músico é meio sem jeito para essas
coisas...”
E Tonheca ria com os “causos” do primo e as coisas da
terra...
68 Manoel Hipólito Dantas Filho foi músico, por duas vezes, da Banda da Polícia Militar do Rio
Grande do Norte. Irmão do igualmente músico militar Enéas Hipólito Dantas, era filho de
Manoel Hipólito Dantas e Ana Rosalina Dantas.
94
– Foi então que Joel Luz me emprestou vinte mil réis para
eu comprar uma passagem para São Paulo. Peguei um navio cargueiro
que ia cheio de algodão para o sul. Quando ele parou em Vitória para
descarregar, eu desci e fui dar uma volta por ali. Escutei uma banda
tocando e me cheguei até lá. Quando terminou o ensaio, perguntei ao
mestre se tinha vaga para músico de primeira estante. O mestre olhou
para mim admirado, talvez desconfiado porque eu não estava bem
vestido como ele e os músicos dele... Aí, perguntou:
– E o senhor é músico de primeira estante? Então, vamos
ver... Qual é o seu instrumento?
Então, pegou uma parte de uma música, daquelas, sabe? Só
tinha notinha preta... Eu dei uma afinada no trompete e disse a ele:
– Pode reger.
Quando eu terminei, ele disse:
– Achei bom.
Então, eu disse a ele:
– Pois eu não achei bom, não.
– Por que?
– Porque o senhor regeu muito devagar!...69
Tonheca quase não para de rir com a “presepada” do primo
“Fumaça”.
Combinaram ir ao ensaio da banda no outro dia de manhã.
No dia seguinte, logo cedo, estavam os dois no salão de
ensaio da Banda de Música do Corpo de Bombeiros. A sorte parece
que protegia “Fumaça”, pois chegou o pessoal de um circo
procurando músicos para tocarem na orquestra. Tonheca piscou o
olho para “Fumaça”.
– É aqui que você vai entrar.
À noite, já estavam os dois primos e mais outros músicos se
preparando para o ensaio da orquestra do circo. Um pequeno
problema para o primo “Fumaça”: não havia vaga para trompete, o
69 Fato relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas.
95
seu instrumento. Mas, o seridoense não era de se apertar com pouca
coisa e aceitou tocar a trompa de harmonia, instrumento que nunca
havia visto. Enquanto o maestro distribuía as partes e dava instruções,
“Fumaça” ia experimentando a trompa e, baseando-se no mecanismo
de pistons do seu trompete, foi tirando as notas da escala.
Começa o ensaio; o maestro ergue a batuta e dá início à
execução. Foi quando o trombone começou a errar. Vendo que não ia
conseguir nada com ele, o regente perguntou:
– Tem alguém que possa assumir a parte de trombone?
– Eu, disse “Fumaça”, levantando-se de um pulo. E recebeu
o trombone, feliz por livrar-se da trompa.
Os músicos começaram a olhar para ele com desconfiança e
o bombardino disse para o colega do lado, em tom de voz para ser
ouvido por todos:
– Esse “cabra” é muito “imperoso”!
O maestro reiniciou o ensaio e, desta vez, foi o trompete que
começou a errar.
– Tem alguém aí que possa assumir o trompete?
– Eu, levantou-se, outra vez “Fumaça”, agora mais feliz por
haver chegado ao seu instrumento. Outra vez, o bombardino não
conteve a sua crítica:
– Mas esse “cabra” é muito danado de imperoso!
Terminado o ensaio, o maestro estava satisfeito com o
desempenho dos músicos, Tonheca estava fazendo uns “extras” e o
primo “Fumaça” empregado, graças à sua habilidade e desinibição.
Ao voltarem para casa, “Fumaça” comentou com Tonheca a
impertinência do colega do bombardino:
–Tonheca, vamos escrever uma música para derrubar aquele
bombardino. As outras partes a gente faz tudo fácil e a do bombardino
a gente faz o mais difícil que puder...
Tonheca topou a brincadeira e os dois foram logo
imaginando o que fazer. Antes de dormir, já estava a música
distribuída pelos instrumentos e a parte do bombardino cheia de notas
96
de rápida execução, síncopas, quiálteras, tercinas, sextinas e escalas,
exigindo muita destreza para executá-la. Terminado o trabalho, foram
os dois dormir, antegozando o que iria acontecer no dia seguinte.
Na hora do ensaio, “Fumaça” dirigiu-se ao maestro:
– Mestre, nós fizemos esse maxixe dedicado ao senhor...
– Ah, muito obrigado... vamos experimentar para ver como
ele soa.
Distribuiu as partes e sinalizou para iniciar.
Tudo corria bem para todos, mas, o bombardino, conforme
esperavam os primos, começou a se atrapalhar, gaguejar e a se irritar,
até que pediu para parar e disse:
– Maestro, esta parte de bombardino foi feita de propósito
para me derrubar, pois eles têm raiva de mim. Essa música não tem
quem toque certo...”
Era o que “Fumaça” estava esperando:
– Pois me dê aí o bombardino...
O maestro recomeçou o ensaio e “Fumaça” tocou aquela
trapalhada de notas sem erro. Ao terminarem, todos aplaudiram e o
bombardinista não se continha de raiva. Então, o maestro completou:
– A música é bonita mas falta o título...
– O título é: “Sou imperoso porque posso”, disse Manoel
Hypolito Filho, de peito lavado. Todos riram e fizeram, depois, as
pazes.70
70 Fato igualmente relatado por Francisco Rafael Dantas
97
Pátio central do Quartel do Corpo de Bombeiros Municipal de Belém
do Pará, em 1904, visto dos fundos para a entrada. O prédio mantém,
atualmente, a mesma estrutura.
98
Pátio central do Quartel do Corpo de Bombeiros Municipal de Belém
do Pará, em 1904, visto da entrada.
99
TOCANDO PARA O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
U
m fato de grande repercussão movimentou a cidade de
Belém: a visita do Presidente Afonso Pena.
Entre os meses de maio a agosto daquele ano de 1906,
depois de escolhido Presidente da República em eleições realizadas a
1º de março, Afonso Pena realizou visitas aos diversos Estados da
federação. Em Natal, chegou na noite de 11 de junho, vindo em trem
especial e recebido festivamente na estação da Praça Augusto Severo.
Entre as diversas atividades do Presidente em Natal,
destacou-se a inauguração, no dia 13, do trecho de linha férrea ligando
Natal a Ceará-Mirim. A comitiva presidencial teve de atravessar o
Potengi em baleeiras e, na outra margem, tomar o trem na estação da
Casa da Coroa,71 de onde partiu para aquela cidade.
Ao retornar, o Presidente foi levado diretamente ao navio
Maranhão que, ancorado no porto, aguardava a comitiva para
deslocar-se rumo ao norte, o que se verificou na manhã do dia
seguinte.
Governava o Rio Grande do Norte, desde 1904, o Dr.
Augusto Tavares de Lira, que a convite do Presidente eleito, assumiu
o cargo de Ministro da Justiça e Negócios Interiores no dia da posse,
em 15 de novembro, deixando no governo do Estado o Dr. Antônio
José de Melo e Souza.
71 As ruínas da velha estação de trens ainda podem ser vistas, no lado norte do rio Potengi.
100
No dia 1o de julho, o paquete “Maranhão”, conduzindo a
comitiva presidencial, fundeou no Guajará. No trapiche do Lloyd
Brasileiro, estavam as autoridades paraenses. Em seguida, Afonso
Pena desfilou pela cidade, num cortejo de quarenta carruagens.
No dia seguinte, depois de assistir à missa na catedral, o
cortejo se dirigiu ao palácio da Intendência, onde estava formada a
guarda de honra do Corpo de Bombeiros e respectiva banda. Tonheca,
vestindo elegantemente o 1o uniforme, iria ver de perto, pela primeira
vez, um Presidente da República. Deve ter pensado que aquele era um
momento muito importante para um sertanejo simples como ele.
Enfim, chegou a comitiva. À banda marcial, cabiam os
toques de continência. O Presidente desceu da carruagem e a banda
dos bombeiros executou o Hino Nacional. Depois, dirigiu-se ao
interior do edifício, enquanto a banda tocava dobrados e marchas.
À noite, concertos pelas bandas de música da cidade, entre
elas o Corpo de Bombeiros, no pavilhão ao lado do palacete Costa.
Na oportunidade, foi executada a marcha “Afonso Pena”, da autoria
do mestre Cincinato Ferreira de Souza.
O desempenho da banda dos bombeiros foi notado
positivamente pelo Presidente, tanto que assim se pronunciou o
Intendente Lemos, em seu relatório: Um dos mais belos concertos
públicos foi o realizado em julho último, por ocasião da visita do
exmo. sr. dr. Affonso Penna, então Presidente eleito da República,
tendo sua excia. se dignado de elogiar a correta interpretação dada
pela banda ao programa.72
Depois, foi a vez da visita ao prédio do Corpo de Bombeiros
e, novamente, a banda foi o ponto alto das homenagens. O Presidente
percorreu todo o edifício, inclusive as baias. Em seguida, um incêndio
simulado demonstrou a eficiência do trabalho dos bombeiros.
Tonheca, compenetrado e orgulhoso de sua corporação, caprichava no
72 “O MUNICÍPIO DE BELÉM” (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da
Intendência Municipal, Belém, 1907.
101
seu clarinete as melodias que eram tocadas em homenagem ao
visitante ilustre.
Outra vez, Tonheca iria tocar, junto a seus companheiros,
para o Presidente da República. Na noite do dia 3, a companhia Loyd
Brasileiro, proprietária do navio “Maranhão”, que conduzia a
comitiva presidencial, ofereceu um banquete ao Governador do
Estado. A partir das 7 horas, ali se achava a fina flor da sociedade
paraense. Em um dos luxuosos salões do navio, a Banda de Música do
Corpo de Bombeiros reinou absoluta, tocando um selecionado
repertório, próprio para a ocasião. Quem sabe o que passou pela
cabeça de Tonheca Dantas... Ali, bem perto, estava o Presidente da
República e um mundo de gente rica e autoridades. Mas o seu
clarinete era o mesmo dos velhos tempos de menino, quando se
iniciava na bandinha do irmão José Venâncio, lá na sua distante
Carnaúba dos Dantas. Que diriam os irmãos Pedro Carlos, Manoel
Nicolau, João Pedro e Luís Felipe... e os primos Manoel, Pedro e
Felinto Lúcio, que tocavam na Banda de Carnaúba, se o vissem
naquele uniforme elegante, tocando para o Presidente da República?
102
UMA SURPRESA INESPERADA
T
udo ia muito bem com Tonheca em Belém. Até comprara um
violoncelo e já começava a se exercitar no instrumento,
pensando em fazer alguma experiência na área das cordas, ele
que tocava todos os instrumentos de sopro da banda de música.
A vida particular do casal ia muito bem, até que um
acontecimento imprevisto veio quebrar a paz reinante. Certo dia,
alguém bateu à porta e Ana foi atender:
– Está lá fora uma mulher com uma criança nos braços e
querendo falar com você.
Tonheca estranhou a visita, pois não esperava ninguém,
mas foi ver de quem se tratava. Ana, curiosa, acompanhou o marido
até a sala.
A mulher o olhou com uma expressão de amargura. Tonheca
empalideceu e nada disse.
– Eu vim trazer a sua filha. Não tenho condições de criá-la...
você tem uma casa e pode dar a ela o lar que eu não posso dar...
E foi colocando a menina nos braços de Tonheca, que
estava imóvel, paralisado pela surpresa. Ana se adiantou e recebeu a
criança.
– A senhora entre...
– Não, muito obrigada...
Ana, pela surpresa do marido, não precisou nem mesmo
perguntar se conhecia a mulher e se era verdade o que dizia. Concluiu
que não havia outra alternativa senão acreditar.
103
– Olívia, você chegou quando? Gaguejou Tonheca.
– Cuide bem da sua filha... você pode dar educação a ela –
disse, entregando-lhe a criança. E, sem nada mais dizer, cruzou a
porta e afastou-se. Outra mulher a esperava na calçada. Olívia
rapidamente sumiu na esquina da rua.
Tonheca e Ana Florentina se olhavam sem nada dizerem.
– Eu conheci esta mulher em Alagoa Grande, quando vinha
para cá. Eu estava sozinho, você sabe, né... Não podia imaginar que...
– Agora, esta inocente não tem culpa de nada e alguém tem
que tomar conta dela, respondeu a esposa.
Tonheca sentou-se, ainda pálido de emoção.
– Não se incomode não que eu crio ela. Antônia tem quase a
mesma idade dela e o que eu fizer para uma faço para a outra.
Tonheca olhava para a criança alva, de cabelos alourados,
que dormia nos braços da esposa sem compreender o drama de que
era, inocentemente, causadora.
– Vou preparar um mingau para ela.
Ana Florentina criou Marfisa com as mesmas atenções que
dispensava à sua filha Antônia. O destino ainda iria tecer muita trama
na vida do casal.
104
DESPEDINDO-SE DE BELÉM
E
m 24 de setembro de 1908, Tonheca recebeu noventa dias de
licença para tratamento de saúde. Não foi possível saber-se o
que aconteceu com ele, mas é provável que tenha tido uma
grave enfermidade, pois em 4 de janeiro do ano seguinte, teve a sua
licença prorrogada por mais dois meses. O Livro de Assentamentos
do quartel não informa mais outros acontecimentos e, em 18 de março
de 1909, foi excluído do estado efetivo do Corpo e Estado Menor
desta secção, com baixa do serviço sem declaração de motivo,
conforme fez público a ordem do dia regimental n° 62.73
Não se sabe ao certo que motivos não declarados no quartel
levaram Tonheca Dantas a deixar a cidade de Belém, onde havia se
dado tão bem e gozava de bom conceito. Sabe-se que se correspondia
com vários amigos e que, através de uma carta, recebeu um convite
para mestrear uma banda em Alagoa Grande, na Paraíba. É bem
provável que os seus contatos naquela cidade do agreste paraibano
tenham sido os amigos que fizera na ocasião de sua passagem por lá
em 1903, entre eles o Juiz e chefe político local, Dr. Francisco
Peregrino de Albuquerque Montenegro. Assim, no começo de 1910,
vendeu móveis, tudo o que não podia levar – até o violoncelo por
duzentos mil réis – e retornou a Natal. A proposta recebida da Paraíba
certamente lhe oferecia alguma vantagem, pois lá se tratava de
mestrear uma banda, enquanto no Pará ele fora, durante muito tempo,
73 Livro de assentamento dos praças. 1ª sessão, livro 2º. Arquivo do Quartel do Corpo de
Bombeiros de Belém.
105
um simples soldado e – tudo indica m – não havia possibilidade de
promoção. É possível também imaginar-se o quanto tinha pesado
naquela decisão as saudades da terra, dos familiares, suas raízes
sertanejas, tudo certamente muito presente e muito ativo na sua alma
sensível de artista.
É bem provável que outros motivos tenham influenciado
Tonheca na sua decisão. A verdade é que a situação de Belém em
1909 não era a mesma de quando ele chegou. A situação econômica
do Estado do Pará havia mudado, pois a riqueza da extração da
borracha entrara em decadência. Como se sabe, a borracha era nativa
nas matas da Amazônia e a sua colheita fazia-se de forma rudimentar,
exigindo muito esforço e mão de obra. Outros países iniciaram
processos modernos de plantio e extração e já estavam produzindo em
maior quantidade e a melhores preços. O resultado foi desastroso para
os Estados do norte. A queda da arrecadação levou a Intendência de
Belém a reduzir suas despesas; o “tempo das vacas gordas” havia
passado. A arrecadação caíra quase pela metade, de 1900 para 1901.
Entre julho de 1907 e junho de 1908, houve uma queda de cerca de
quatro mil contos de réis. O Governador Augusto Montenegro
ordenou severas medidas de economia e, como sempre acontece, as
atividades consideradas não essenciais são as que mais sofrem. Para
que se tenha uma ideia da situação, considere-se que, entre outras
medidas, o governador dispensou 400 praças da Brigada (Polícia)
Militar, suprimindo inclusive a sua banda, e extinguiu o
Conservatório Carlos Gomes.74
A crise atingiu, então, a própria banda dos bombeiros, que
antes só vivera momentos de progresso: em 18 de dezembro de 1908,
o seu efetivo é reduzido de quarenta e cinco para trinta e três músicos!
No campo político, velhos problemas se agravavam. O
Intendente Antônio José de Lemos estava à frente do governo
municipal há quatorze anos, para o qual fora conduzido por cinco
74 Rocque, Carlos, op. cit.
106
vezes consecutivas; era um vigoroso administrador, responsável por
obras numerosas e importantes, mas teve, como qualquer governante,
os seus pontos vulneráveis. Como presidente do Partido Republicano,
viu crescer o fogo da oposição, sustentando uma feroz batalha contra
seus adversários políticos e severos críticos, através dos jornais.
Desde muito tempo, um grave radicalismo caracterizava a política
local. Partia de ambas as partes, mas a prepotência dos “lemistas”,
baseados na força do poder, era mais pesada e mais alardeada pelos
jornais oposicionistas.
Em fevereiro de 1909, Augusto Montenegro deixava o
governo do Estado, assumindo o cargo José Coelho, que restringiria o
poder do velho intendente e passaria a hostilizá-lo livremente. O
retorno a Belém, mais tarde, de outro líder de oposição, Lauro Sodré,
reforçaria as hostes da oposição.
Tonheca já viajara de volta quando, em dezembro de 1910, a
cidade de Belém foi palco dos mais graves e violentos episódios. A
pretexto de se recusarem a utilizar recipientes apropriados para a
coleta do lixo e pagamento da respectiva taxa de serviços, o povo,
atiçado pela oposição, iniciou quebra-quebras pelas ruas. A situação
levou o Intendente Lemos a renunciar em 12 de junho de 1911 e se
refugiar na Europa, saindo da cidade sob as vaias do povo que antes o
endeusava.
O segundo semestre de 1911 marcaria, radicalmente, a
interrupção de um trabalho cultural realizado com entusiasmo e
dedicação. Aproveitando-se da ausência do Intendente Lemos e,
decerto, procurando atingi-lo mais profundamente, o governo editou
ato extinguindo, em 25 de agosto, por medida de economia, a banda
do Corpo de Bombeiros. Para completar, o mestre, Tenente Cincinato
Ferreira de Souza, era reformado em 30 de dezembro. Tais medidas,
por mais bem intencionadas que fossem, não deixavam de
transparecer os antigos ranços e o revanchismo do momento.
Retomando Lemos no ano seguinte, a presença do velho
intendente reavivaria os antigos ódios. O seu jornal “A Província do
107
Pará” denunciou uma manobra da oposição, que simularia um
atentado ao chefe Lauro Sodré. O jornal oposicionista “A Capital”
denunciou o atentado como verdadeiro. Na verdade, em uma
manifestação popular, um homem foi morto, sob a acusação de tentar
assassinar Lauro Sodré. Nova revolução tomou conta da cidade, e o
jornal lemista “A Província do Pará” sofreu tiroteio e foi incendiado.
Em seguida, ataca-se, saqueia-se e se incendeia a casa de Lemos, que
arrastado à rua, sofreu os maiores vexames. Doente e humilhado, o
outrora todo-poderoso intendente retirou- se, aos setenta anos, para o
Rio de Janeiro, onde faleceu em 12 de outubro de 1913.
Tonheca parecia que estava prevendo os acontecimentos e
voltou para o seu Estado, sem ver o declínio e fim de um trabalho
artístico de grande qualidade, do qual tão prazerosamente
participara.75
75 Os fatos relativos á História paraense aqui relatados foram baseados em informações contidas
em “ANTÔNIO LEMOS E SUA EPOCA”, obra citada.
108
DE VOLTA À TERRINHA
R
ecentemente chegado a Natal, buscou amparo e sustentação
econômica na corporação à qual servira, há dez anos atrás. O
livro de assentamentos de sua unidade fornece poucas
informações sobre aquele período. Através dele, sabe-se que em 25 de
agosto de 1910, contractou-se neste btl. por 3 anos, para servir como
músico de 1a classe. Foi o presente que deu à filha Antônia no dia em
que completou 3 anos.
Está anotado, também, que Tonheca Dantas foi elogiado
pela sua conduta na parada de 7 de setembro e, outra vez, pela
conduta na parada realizada quando da ascensão do Presidente
Hermes da Fonseca, em 15 de novembro. Em 22 daquele mesmo mês,
lê-se: Excluído com baixa do Serviço, por ordem do Exmo. Sr.
Governador do Estado, conforme ordem do dia n° 108. 76 Passara no
Batalhão de Segurança apenas 90 dias.
Já desde os seus últimos dias em Belém que Tonheca se
correspondia com os amigos que deixara em Alagoa Grande. É
provável que, sentindo que as coisas não iam bem na banda dos
bombeiros, já se articulasse para uma mudança para aquela cidade
paraibana. O breve período no Batalhão de Segurança pode ser
explicado como uma fase de espera, enquanto não tinha as coisas
certas pela Paraíba. Tanto é que, ao desligar-se do velho Batalhão,
76 Livro 3º da 1ª Companhia de Praças. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte,
Natal.
109
viajou, pouco tempo depois, para Alagoa Grande.
Durante o breve tempo que passara de volta a Natal,
evidenciaram-se duas facetas do seu comportamento. A primeira, sua
instabilidade e insatisfação pessoal. Estava sempre em busca de novas
situações de vida e ficaria conhecido por “não esquentar lugar” por
muito tempo.
A outra, bem encadeada à primeira, era a sua instabilidade
emocional no que se referia ao sexo feminino. Desde cedo,
manifestou-se mulherengo e o pai havia observado isto quando
começou a engrossar a voz, ainda em Carnaúba dos Dantas, e
concluindo que havia mulher aparecendo no caminho.
Já em Belém, fizera das suas, e agora em Natal, as coisas
estavam mais fáceis. Ali, no bairro da Ribeira, na atual Rua Ferreira
Chaves, moravam gentis senhoritas que recebiam demoradas visitas
de cavalheiros os mais diversos. Bem perto, estava a Tatajubeira,77
enorme e antiga árvore, junto à qual se realizava uma feira
permanente e se podia comprar comidas regionais, como tapioca,
grudes, cuscuz, bolo-preto, sendo também ponto de encontro de
“pândegos”, como eram chamados os boêmios naqueles tempos.
Tonheca sempre arranjava tempo livre para aparecer por
aquelas bandas, juntando-se aos muitos frequentadores para conversas
sem compromisso, uma ou mais cervejas e algumas incursões no
terreno do amor. Do seu relacionamento com as mulheres do local,
passou a procurar com mais frequência por Maria Leopoldina e, ao
que tudo indica, ligara-se a ela emocionalmente.
A esposa Ana Florentina, com seus aguçados sentidos
femininos, já devia ter captado alguma coisa errada no casamento.
Mas, foi relevando aquelas saídas e aqueles atrasos do marido. Na
Paraíba, para onde já se preparavam para partir, as coisas haveriam de
mudar, pois, longe das amizades de Natal, o marido se aquietaria.
Tonheca seguiu sozinho para Alagoa Grande; deveria alugar
77 A tatajubeira (Bagassa guianensis) ficava no meio da Rua Ferreira Chaves, no ponto em que
esta rua encontra a Frei Miguelinho.
110
casa e depois voltaria para buscar a família. Assim se verificou em
fins de dezembro de 1910. Naquela cidade, assumiria a direção da
banda municipal, seria mestre e não soldado músico como apenas lhe
foi possível em Natal. Ali, como acontecera em Belém, daria aulas
particulares e faria tocatas para melhorar o orçamento.
Alagoa Grande, Paraíba, entrada da cidade.
111
Alagoa Grande, Paraíba, antigos prédios da Praça da República.
112
ALAGOA GRANDE
D
epois de longa e cansativa viagem por trem, Tonheca
chegou, afinal, à cidade de Paraíba, progressista capital do
Estado do mesmo nome. Ali permaneceu o tempo suficiente
para providenciar a nova viagem para Alagoa Grande.
À medida que o trem se afastava da capital rumo ao interior,
a paisagem começava a mudar. Ao aparecerem as subidas que
prenunciavam a serra da Borborema, as elevações se delinearam no
horizonte e logo se aproximaram. Uma paisagem nova e diferente
surgia, distante, e passava, ligeira, pela janela do trem. Tonheca,
homem habituado ao sertão do seu Estado, onde as elevações são, em
geral, pedregosas e cobertas de palmas e cardeiros, contemplava os
montes cobertos de verde, anunciadores de terras férteis onde viçosas
macaíbas balançavam-se ao vento, e o canavial e as bananeiras eram
plantados até nos altos. O trem se arrastava, lento, soltando no ar forte
cheiro de fumaça e vapor que se misturavam ao perfume agreste que
vinha dos longos trechos de mata atlântica.
Tonheca recordava quando passara por aquela região pela
primeira vez, em 1903, quando se dirigia a Cabedelo e, dali, até o
Pará. Lembrou-se da filha Marfisa, que ficara aos cuidados de Ana
Florentina.
O sol já se punha à direita das janelas. Um poente
avermelhado destacava o perfil das elevações que se aproximavam e,
aos poucos, passavam do verde ao cinzento à medida que a luz
diminuía e o sol descambava por detrás da serra.
113
A noite descia lentamente e o verde dos campos, alegre e
vivo, pontilhava-se do branco das rezes que pastavam. Tonheca a tudo
observava, pensativo, tocado pela beleza nativa da região, imaginando
o que lhe reservava o destino outra vez por aquelas bandas.
Despertado pelo apito do trem, notou que a composição diminuía a
marcha, à medida que casas humildes iam surgindo.
Tonheca retirou a maleta do bagageiro e desceu na simpática
estação de Alagoa Grande, localizada em trecho alto da cidade. Dali
se via a cidade que se derramava pela parte baixa e a branca fachada
da matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, acentuada pelo
contraforte da serra em sua retaguarda, ainda destacada por um resto
de luz do pôr-do-sol. Um pouco mais à esquerda, via-se o brilho da
Lagoa Grande, que deu nome à cidade, refletindo o vermelho do final
da bela tarde de dezembro de 1910.
Alagoa Grande era, já em 1910, uma próspera cidade,
solidamente estruturada pela riqueza da cana-de-açúcar, sisal e
algodão. Isto havia atraído os trilhos da Great Western em 1905 e,
naquele ano, aproveitando o fácil e barato transporte por trem, ali se
instalara a potente firma Anderson & Clayton, aumentando ainda mais
o potencial econômico da cidade.
A praça da matriz era emoldurada por belas residências e, à
esquerda, imponentes sobrados atestavam a riqueza local. À direita, no
alto da Rua Pedro II, o majestoso Teatro Santa Ignez, construído em
1905, o terceiro mais antigo do Estado, gracioso e elegantemente
sóbrio em sua fachada neoclássica.
A arte floresce com mais vigor onde existe a motivação do
dinheiro e Alagoa Grande era uma comprovação; belas casas e uma
banda de música bem equipada, que era o orgulho da cidade.
Depois de ter a sua situação definida, salário acertado e casa
alugada, Tonheca retornou ao Rio Grande do Norte para trazer a
esposa e a filha com três anos de idade.78
78 Não foi possível localizar-se maiores informações sobre esta segunda passagem de Tonheca
por Alagoa Grande. Os seus contemporâneos mudaram de cidade ou já não existem mais. Não há
114
A vida corria normalmente em Alagoa Grande. Tonheca
trabalhava na banda, ensinava particular e tocava nas festas e
solenidades. Ainda sobrava tempo para compor umas valsas e
dobrados para oferecer aos amigos e vender a quem encomendasse. O
Dr. Francisco Peregrino de Albuquerque Montenegro ocupava, na
ocasião, o cargo de Vice-Governador do Estado.
Ana Florentina cuidava da casa, da filha Antônia e ainda de
Marfisa, que era criada como se fosse sua filha.
No dia 17 de janeiro de 1911 – havia cerca de um mês que
haviam chegado – Ana observou o marido muito concentrado
escrevendo uma carta e suas “antenas” captaram algo estranho.
Terminando de escrever, Tonheca colocou o envelope no bolso do
colete, armou uma rede na sala e deitou-se para uma soneca. Ana
esperou que o marido adormecesse e apanhou o envelope; estava
endereçado a Maria Leopoldina, em Natal. Nervosamente, retirou a
carta e leu:
Alagoa Grande, 7 de janeiro de 1911
Querida Leopoldina
Desejo que ao receber esta cartinha estejas
de perfeita saúde, bem como toda família.
Escrevo-te a presente cartinha para cumprir
o que prometi, cujo compromisso é dar- lhe
sempre notícias de Marfisa.
Ela fez boa viagem e está de perfeita saúde,
satisfeita.
Eu é que não estou satisfeito, isto é, não é
por causa de Marfisa, e sim porque desde que me
falaste com tanta crueldade que vivo
contrariadíssimo. Eu sei que eu fui um pouco
arquivo na cidade e a banda de música morre e ressuscita, conforme as preferências dos prefeitos
locais. Nela não se encontrou nenhuma música de Tonheca.
115
causador de tudo isto, porque eu não devia ir
buscar a família, mas o que eu havia de fazer se
não tinha recebido uma resposta sequer das
minhas cartas?
Aqui em casa não reina harmonia e sim
continua de mal a pior e é tanto que eu tenho de
mandar ela outra vez para Natal, para a casa da
mãe dela, de fevereiro até o princípio de março que é quando posso fazer esta despesa. Sei que sou
muito odiado por ti e que a paixão ardente que
tenho por ti ficará desolada! Não me atrevo mais a
fazer-te minha confissão de amor pelo motivo
acima exposto. Apenas te digo que estou firme no
que te disse nas minhas cartas anteriores.
Ainda não me foi possível encontrar uma
casa, porém se encontrar daqui para a festa
mandar-te-ei dizer.
Disponha do criado que é também um seu
admirador.
Antônio Pedro Dantas Tonheca 79
Não era preciso mais nada. Ana sentiu o corpo tremer de
raiva e revolta. Escondeu a carta que guardou durante toda a sua vida.
Tonheca acordou da sesta, vestiu-se e vou ali, disse; foi até a
estação postar a carta para Natal. Ao chegar, notou a falta do
envelope. Teria perdido na rua ou em casa? Voltou apressado e, ao
chegar, pelo olhar da esposa, compreendeu o que se passara. Seguiuse a discussão e os ânimos se exaltaram; o “senhor” seu marido não
podia aceitar que a esposa tivesse a audácia de mexer em coisas que
eram de sua estrita competência.
Para Ana Florentina, aquilo significava o máximo da
humilhação. Jamais perdoaria o marido e carregaria aquela mágoa
enquanto vivesse. Angustiada, comentou o fato com uma vizinha que,
79 Esta carta, cuja cópia está nos anexos do presente trabalho, foi conservada por Ana Florentina
durante toda a sua vida e pertence à filha do casal, Antônia Dantas da Silva.
116
ao invés de tentar acalmá-la, ainda mais atiçou o fogo da intriga. Se
fosse com ela, comentou, deixaria aquele homem agora mesmo.
Que fazer se, dependendo em tudo do marido, estava em
terra estranha onde não havia um só amigo ou parente para quem
apelar?
Eu pegava qualquer coisa da casa, vendia e ia embora para
minha terra, envenenou a vizinha.
Amor próprio ferido, Ana seguiu ao pé da letra a maliciosa
sugestão. Vendeu um objeto da casa e comprou as passagens de trem
e, renunciando a tudo, voltou para Natal trazendo a filha com três anos
e quatro meses. Ficaria na casa da mãe, na Rua Mossoró, mas não
admitiria aquela humilhação. Quanto a Marfisa que, conforme se pode
concluir do texto da carta a Luiza Leopoldina, era uma das causas da
desavença do casal, deixou com ele para que ele próprio cuidasse do
problema que não era dela.
Tonheca tentou por todos os meios demovê-la da decisão.
Escreveu, depois, várias cartas pedindo a sua volta e veio a Natal
tentar a reconciliação. Nada conseguiu. Ana mantinha-se irredutível e
não recuou em sua decisão.
Os problemas para ela não pararam de aparecer. Adoecendo
a irmã Maximina, Ana teve que viajar a Belém para cuidar dela,
deixando a pequena Antônia na casa de sua mãe, à Rua Mossoró. Com
o falecimento da irmã, Ana voltou para Natal trazendo os sobrinhos.
Certamente que, com muitos afazeres, menos lhe sobraria tempo para
pensar em seus problemas.
Em fins de 1911 Tonheca retornou a Natal, deixando tudo o
que conseguira em Alagoa Grande.
117
Carta manuscrita de Tonheca Dantas
118
119
VOLTANDO A NATAL
E
m 1911, Natal se beneficiava com inúmeras melhorias
inauguradas a partir do mês de outubro pelo governo de
Alberto Maranhão.80 A luz elétrica substituía definitivamente
os antiquados bicos de gás acetileno nas ruas e os candeeiros a
querosene usados nas residências, tornando inúteis os velhos e
românticos lampiões. A montagem de uma usina de energia elétrica
no “Oitiseiro”81 era base para as mudanças, como também para a
troca dos antigos bondes puxados a burros por novos veículos
movidos pela força elétrica.
Inaugurava-se a Avenida Hermes da Fonseca, a mais
distante das largas avenidas da chamada “Cidade Nova”.82
No alto de Petrópolis, então chamado “o Monte”,
inaugurava-se o novo prédio da moderna “Casa de Detenção”, que se
transferira das antigas e inadequadas instalações da Praça André de
Albuquerque, depois demolidas. Mais acima, o governo fizera
construir o novo Hospital de Caridade que, transferido das anteriores
instalações,83 funcionava sob a direção do jovem médico Januário
Cicco. Importante foi, também, a elevação de Natal a bispado,
80 ALBERTO Frederico de Albuquerque MARANHÃO (1872-1944) governou o Rio Grande do
Norte nos períodos de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914.
81 Baldo, local onde encontram as instalações da COSERN, na divisa dos bairros da Cidade Alta
e Alecrim.
82 Correspondia aos bairros do Tirol e Petrópolis.
83 O antigo Hospital de Caridade funcionava no prédio construído em meados do século passado
e localizado na Rua Presidente Passos. Com a mudança do hospital, sediou a Escola de Artífices,
depois o quartel do Batalhão de Segurança e, no momento, a Casa do Estudante.
120
desligando-se da diocese da Paraíba e instalando-o com o seu primeiro
bispo, Dom Joaquim Antônio de Almeida.
O ensino ministrado por escolas particulares e oficiais, como
o Atheneu e a Escola Normal, recebera no ano anterior o valoroso
reforço da Escola de Aprendizes Artífices, integrando a área do ensino
profissional.
Na área musical, a cidade viveu, com toda a certeza, o ponto
mais alto de atividade. Fato decisivo foi a criação, em 31 de março de
1908, da Eschola de Música, anexa ao Teatro Carlos Gomes. Essa
entidade foi reorganizada no ano seguinte e teve o seu currículo
definitivamente estabelecido por lei em 30 de novembro de 1909.
Previa-se o ensino de harmonia, contraponto, composição, canto coral
e individual, violino elementar e superior, piano elementar e superior,
violoncelo, viola, contrabaixo, flauta, instrumentos de madeira,
instrumentos de metal e percussão, além da obrigatoriedade de teoria
e solfejo.
Muitos alunos se beneficiaram com o ensino oferecido pela
Escola de Música, ministrado por professores contratados, muitos
deles vindos de outros Estados e, até mesmo estrangeiros.
A música era, àquele momento, elemento indispensável à
recreação das famílias, na ausência do radio e da televisão. Discos
havia desde 1902 e os antiquados aparelhos para reproduzi-los não
eram acessíveis a todas as classes sociais. As famílias de classe média
possuíam, geralmente, os seus pianos, e formavam, com seus
membros tocando diversos instrumentos, pequenas orquestras
particulares, consumindo avidamente as músicas impressas vendidas
nas livrarias. Para as moças casadouras, tocar piano ou outro
instrumento facilitava o encontro de um marido e a manutenção de um
lar feliz.
Profissionalmente, havia, para os mais modestos, a
possibilidade de tocar nas bandas militares do Batalhão de Segurança,
121
da 3ª Companhia de Caçadores (Exército) e do “Tiro Natalense”.84
O “Natal Club” reunia a aristocracia natalense e possuía
uma orquestra para animar os seus bailes.
A música erudita era cultivada pelas orquestras do Clube
Carlos Gomes85, que atuava mais na área da música religiosa e do
Teatro Carlos Gomes. Tinha como ponto alto os concertos realizados
no Salão Nobre do Palácio do Governo, onde tocavam sempre os
professores da Escola de Musica e outros convidados. Muito
populares eram as orquestras formadas pelo pessoal da cidade, como
Virgílio Carneiro, Augusto Monteiro, Joaquim Scipião (violinos),
Manoel Prudêncio Petit e Luís Carlos Wanderley (flautas), e José
Gomes (contrabaixo). De fora, vieram os espanhóis José Bernardo
Borrajo (clarinete), Ramón Palacin (violino) – este “abrasileirou-se”
como Raimundo Palácio – o italiano Thomaz Babini (violoncelo) e o
violinista paulista Nicolino Milano.
Foi este o ambiente que Tonheca encontrou ao voltar do
Estado da Parahyba em 1911, cheio de problemas de ordem familiar.
Não se sabe ao certo de que viveu Tonheca durante este
período. Certamente, ensinou música e instrumentos, compôs por
encomenda ou fez alguma composição para homenagear alguém e
receber algum dinheiro por isso, como era comum na época.
No ano seguinte, a orquestra do Teatro Carlos Gomes – a
maior que Natal havia visto até então – parecia estar desativada, o que
fazia grande falta à cidade e à sensibilidade dos músicos. Em 30 de
março, o violoncelista Thomaz Babini lançava um convite para uma
reunião na sede do Tiro Natalense, visando à fundação de uma
sociedade musical. Eram nominalmente convidados os músicos de
maior destaque no cenário local: Joaquim Scipião, Augusto Monteiro,
Virgílio Carneiro, João Monteiro Galvão, Luís Carlos Wanderley,
84 Instituição que proporcionava o serviço militar aos estudantes natalenses, fornecendo-lhes
certificado de reservista.
85 Sociedade musical criada em 1892, que funcionava como entidade recreativa e escola de
música. Existiu até cerca de 1912.
122
Barôncio Guerra, José Bernardo Borrajo, Antônio Magalhães, José
Gomes, Aristóteles Costa, Eduardo Medeiros, João Moreira e
Tonheca Dantas.86 Não há mais notícias da sociedade musical e podese atribuir este fato à doença de Babini e sua viagem à Itália, cuja
licença foi requerida ao Congresso Estadual, em novembro daquele
ano.
Em 19 de abril, entretanto, realizou-se na casa de Joaquim
Scipião uma reunião cujo objetivo era reorganizar a antiga orquestra
do Teatro Carlos Gomes. Para tal fim, Barôncio Guerra, na qualidade
de Capitão do Tiro de Guerra Natalense, que possuía uma banda de
música, conseguiu a adesão de vários músicos daquela entidade para
ajudarem na luta de Scipião e Babini. A orquestra deveria contar com
os membros da antiga orquestra e componentes do Tiro de Guerra.
Não foi possível verificar se Tonheca participou da iniciativa.87
Nesse período, supõe-se que Tonheca ganhava a vida
ministrando aulas particulares e participando de orquestras para bailes
e tocatas, pois o jornal “A República”, de 24 de maio, publicou um
Edital para contratação de músicos para o Batalhão de Segurança e
não há registro de seu reingresso na corporação.
A cidade crescia e exibia o seu progresso. Os bondes
elétricos, que, desde 1911 ofereciam transporte necessário e eficiente,
ampliavam o alcance de suas linhas; os percursos para o Alecrim,
Ribeira e Petrópolis eram acrescidos do trecho que ia até o Tirol,
inaugurado em 13 de abril e, partindo da Rua Coronel Pedro Soares
(atual João Pessoa), até a “Solidão”.88 Em 10 de maio, o jornal “A
República” publicou a relação dos primeiros assinantes de telefones.
Com o advento do cinema, outra fonte de trabalho abriu-se
para ele e os músicos em geral. O cinema mudo tornara indispensável
a presença de um pianista ou conjunto musical, para tocar antes,
86 “A República”, 30 de março de 1912.
87 “A República”, 19 de abril de 1912.
88 Trecho da cidade que tinha como limites ao norte, a Avenida Prudente de Morais; a leste, a
Rua Mossoró; a oeste, as dunas e ao sul, os terrenos em direção à saída da cidade pela Avenida
Hermes da Fonseca.
123
durante e ao terminarem os filmes.
O primeiro cinema cuja inauguração foi noticiada pelos
jornais foi o Internacional Cinema, aberto em 10 de agosto de 1911 e
funcionando no salão da antiga Casa Moderna, anexa ao Hotel
Internacional,89 cujo proprietário chamava-se Evaristo Leitão.
Em 8 de dezembro do mesmo ano, abria as portas o Cine
Polytheama, de propriedade dos senhores João Gurgel e José
Petronilo de Paiva, instalado à Praça Augusto Severo.90
Livre dos compromissos e obrigações da vida conjugal,
Tonheca vivia e desfrutava da situação de “solteiro” e do prestígio que
lhe dava o exercício de sua arte.
Por mais que desfrutasse de liberdades e facilidades no amor,
Tonheca não esquecia a esposa Ana Florentina e remoía desejos de
conhecer a filha Antônia, que vira pela última vez em ocasião da
separação do casal. Por sua vez, Ana procurava um meio para se
manter com dignidade e educar a filha. Assim, em 1912, voltou a
Belém, onde morava Generosa, a irmã mais moça. Hábil e eficiente
nos trabalhos de costureira, Ana logo conseguiu um emprego numa
fábrica de roupas masculinas. Durante o dia, costurava camisas
brancas com nervuras na frente, cuecas de cós longos e bordados, de
acordo com a última moda masculina... À noite e nos dias feriados,
aceitava costuras particulares.
Um dia, alguém bateu à porta e Generosa foi atender.
– Ana, seu marido Tonheca está na sala querendo falar com
você.
Ana estremeceu de emoção ao lembrar os fatos passados há
tão pouco tempo e que destruíram a sua vida conjugal. Que havia de
querer Tonheca ali em Belém?
– Não deixe Antônia ir para a sala que eu vou ver o que é
que ele quer.
89 Esquina da Rua Chile com a Avenida Tavares de Lira, atual ECOCIL.
90 O cinema Polytheama localizava-se na Praça Augusto Severo, no local que tem hoje o
número 252, ocupado pelo Armazém Ribeira.
124
Ana encontrou o ex-marido abatido e nervoso. Vinha, como
o fizera outras vezes, propor a reconciliação e pedir para ver a filha.
Aparentando frieza e decisão, Ana desfez logo qualquer esperança.
– Pelo menos me empreste algum dinheiro para que eu possa
comprar minha passagem de volta, disse Tonheca, amargando sua
decepção.
Ana entrou para a sala de costura onde Generosa entretinha a
pequena Antônia.
– Ele vem de novo com essa conversa de reconciliação,
como se eu pudesse ainda confiar nele. E ainda me pediu dinheiro
emprestado para poder voltar para Natal, você imagine...
– Minha irmã, deixe ao menos ele ver Antônia... Afinal, é
filha dele e ele passou esse tempo todo sem ver a menina...
Ana ainda pensou um pouco e resolveu abrir uma concessão.
– Antônia, vá lá na sala, dê este dinheiro àquele homem que
está lá e diga a ele que não precisa devolver. Vá e volte logo.
A menina fez o que a mãe mandara, voltou para as suas
bonecas e não se lembrou do que se passou. É de se imaginar o quanto
de dor e decepção trouxe Tonheca consigo de volta para Natal.
125
MAIS CONFUSÃO COM MULHERES
N
ão demorou muito para que nova experiência amorosa lhe
atravessasse o caminho. Conheceu, por volta de 1913, a
senhorita Francisca Lucas, que não hesitou em aceitá-lo
como esposo através do casamento civil.91 Tudo foi muito bem até que
a sua nova esposa se convencesse que, embora casado, o irrequieto
marido mantinha a mesma vida de solteiro, ausentando- se sempre
para algumas cervejas, longos períodos na mesa de jogo e, até mesmo,
algumas passadas lá pela Ribeira, onde simpáticas senhoritas estavam
sempre disponíveis.
Francisca não enfrentou o problema com a calma e a
determinação de Ana Florentina: partiu para a luta, defendeu o que
considerava seu patrimônio em muitas e muitas cenas de ciúme e
desespero. Grávida do primeiro filho, deu à luz a Antônio Pedro
Dantas Filho (o primeiro com este nome)92 e isto em nada ajudou a
acalmar o marido farrista. O resultado não podia ser outro: separaramse com cerca de um ano de casados. Tonheca continuou na boêmia,
sem mais ninguém a perturbá-lo, mas, manteve sempre com Francisca
um relacionamento tão pacífico e cordial que a mesma concordara em
ficar com Marfisa, para quem sempre foi muito boa madrasta.
Num dos seus passeios pela Ribeira, haveria de acontecer
91 Não foi possível precisar-se a data daquele casamento, pois o Livro de Registro de
Casamentos do Cartório do 1° Ofício de Notas, referente ao período de setembro de 1911 a
janeiro de 1913, foi queimado durante a revolução de 1935.
92 Único filho daquele casamento; faleceu em Natal, em 1964.
126
um fato que, pelo seu conteúdo trágico, mais se assemelha a um lance
de novela barata. Numa das casas de prostituição da Rua Ferreira
Chaves, encontrou uma jovem alva e bonita, um belo tipo de
seridoense. Atraído pela nova moradora da casa, Tonheca começou a
puxar conversa:
– De onde você é?
– De Carnaúba dos Dantas.
– Pois é minha conterrânea, animou-se o “D. Juan”.
– De quem você é filha?
– Minha mãe deixou meu pai quando eu ainda era criança.
Aos 15 anos, eu fugi de casa e me perdi.
– E como se chama seu pai?
– Meu pai eu não conheci. Sei que ele era músico e se
chamava Tonheca Dantas.
Tonheca sentiu todo o sangue lhe fugir do corpo e as pernas
começaram a tremer.
– Seu pai sou eu, disse, retirando-se do ambiente, sentindo
na alma algo que jamais havia sentido.
127
NOVAS MUDANÇAS
A
s possibilidades de trabalho da cidade não pareciam ser das
melhores. É provável que Tonheca vivesse de tocatas e do
ensino particular de música. A Escola de Música não
passava por boa fase, os jornais não publicaram mais nada sobre o
projeto de reviver a orquestra do Teatro Carlos Gomes e é possível
que não tenha vingado, pois Babini viajou para a Europa em
dezembro do mesmo ano.
Algumas breves participações em orquestras foram
registradas pelos jornais. Em janeiro de 1913, em uma manifestação
prestada no Natal Club ao ex-Governador Joaquim Ferreira Chaves, a
orquestra para as danças esteve composta dos violinos de Augusto
Coelho e Virgílio Carneiro, da flauta de Luís Carlos Wanderley, do
contrabaixo de José Gomes e do clarinete de Tonheca Dantas. Em
março, no 5º aniversário do governo Alberto Maranhão, a orquestra
que tocou no baile era formada por Virgílio Carneiro, Felipe Silva,
José Gomes, Luís Carlos Wanderley e os primos seridoenses
Tonheca, Manoel (“Fumaça”) e Enéas Hipólito Dantas.
O único trabalho que foi possível registrar com segurança foi
o seu acesso como professor de música da Escola Normal de Natal, o
que se deu em 2 de maio de 1913.
Em 1911, o cargo de professor de música daquele
estabelecimento era ocupado pelo violinista paulista Nicolino Milano,
que fora aprovado em concurso de títulos em março daquele ano e
nomeado em caráter efetivo. Ocupava, também, as funções de
128
ensaiador da Banda de Música do Batalhão de Segurança e era regente
da orquestra, naquele tempo apenas um sexteto, do Teatro Carlos
Gomes.
Em abril, Nicolino obteve licença para viajar à Europa a fim
de representar a Escola Normal na Exposição Internacional, a se
realizar em Roma e Torino. Para substituí-lo, foi nomeado o flautista
professor Luís Carlos Wanderley.
Em 3 de novembro, o jornal “A República” informou que o
governo do Estado declarara vaga a cadeira de música da Escola
Normal, por não ter o respectivo serventuário, depois de terminada a
comissão em que se achava, reassumido o exercício de sua função no
prazo legal. Nomeava, para substituir Nicolino Milano – que na
ocasião não retornara da Europa – o violoncelista italiano Tomaz
Babini, em caráter provisório.
No ano seguinte, em fevereiro de 1912, Babini era nomeado
por haver-se habilitado em concurso. Mas, em 28 de novembro,
recebia do Congresso Estadual licença de um ano para tratamento de
saúde. O professor despediu-se de Natal, em “festa artística”, no
cinema Politeama, e partiu para a Europa em 6 de dezembro.
Com a ausência de Babini, o governo nomeou, em 6 de
fevereiro de 1913, para substituí-lo na 9a cadeira de música da Escola
Normal, o clarinetista espanhol José Bernardo Borrajo, que residia em
Natal há cerca de dez anos.
Inesperadamente, os jornais relatam a demissão de Borrajo,
concedida a pedido, em 1o de maio e, no dia seguinte, é nomeado
Tonheca Dantas, em ato datado de 30 de junho. A cadeira de música
da Escola Normal ainda iria dar muito o que falar no ano seguinte.
O ano de 1913 trouxe muita movimentação com a
proximidade das eleições para indicarem o substituto do Governador
Alberto Maranhão. O candidato de preferência do governador era o
então Senador Ferreira Chaves, que já governara o Estado
anteriormente. Na ocasião da chegada do candidato, que vinha do Rio
de Janeiro, muitas festas e homenagens lhes foram prestadas. No dia
129
12 de abril, realizou-se um grande banquete oferecido pelos
comerciantes, no Teatro Carlos Gomes, com presença de Alberto
Maranhão, senador Ferreira Chaves, bispo diocesano, autoridades e
representantes das chamadas “classes conservadoras”.
Na entrada do Teatro, um enorme letreiro saudava o político:
Ao candidato do povo, senador Ferreira Chaves, o commercio do
Estado applaude solenemente. À espera dos convidados, tocava na
porta a Banda do Batalhão de Segurança.
Durante o banquete, que se prolongou até as 23 horas, tocou
uma orquestra composta pela “prata da casa”: Augusto Coelho,
Virgílio Carneiro, Luís Carlos Wanderley, Pedro Cabral, Felipe José
da Silva e os primos Manoel Hypolito Dantas (“Fumaça”) e Tonheca
Dantas.
Em outubro de 1913 o Governador Alberto Maranhão
comemorou o último aniversário de sua administração, pois seria
substituído, no ano seguinte, pelo governador eleito Joaquim Ferreira
Chaves. Um grande baile no Teatro Carlos Gomes reuniu o melhor da
sociedade potiguar e a orquestra foi composta por Soriano Robert
(professor de piano contratado para a Escola de Musica), Julio Corona
(professor de violino da mesma escola) e o pessoal da casa: Augusto
Coelho, Virgílio Carneiro, José Gomes, Felipe José da Silva, Luís
Carlos Wanderley e Tonheca Dantas.93
A sucessão de Alberto Maranhão ainda iria trazer grandes
problemas para a música do Estado.
93 A REPÚBLICA, 3 de outubro de 1913.
130
Fachada do Royal Cinema, esquina das ruas Ulisses Caldas e Vigário
Bartolomeu, atualmente modificada. Note-se à esquerda que o prédio
da Prefeitura ainda não havia sido construído. A foto é, portanto,
anterior a 1922. Foto pertencente ao arquivo do Diário de Natal.
131
Prédio da Intendência (hoje Prefeitura) Municipal de Natal,
inaugurado em 1922. Ao fundo, o Cinema Royal. Foto da Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do RN, Vol. XIX, n° 1 e 2, 1922.
132
TOCANDO A VIDA
O
sucesso do novo divertimento do cinema, que desde os fins
do século passado, aparecia esporadicamente em Natal,
animou os empresários locais a tentar um empreendimento
definitivo. Assim, em 10 de agosto de 1911 o cinema Internacional
começava as suas atividades em Natal e, em 8 de dezembro do mesmo
ano, inaugurava-se o Polytheama. O ano de 1913 trouxe mais dois
cinemas para a cidade: em 19 de fevereiro, Antônio Serrano Filho
fazia inaugurar, na Avenida Tavares de Lira, o Pathè Cinema e, em 14
de março, os jornais noticiavam a construção do Royal Cinema.
Além das aulas na Escola Normal, Tonheca continuou a
participar, esporadicamente, de conjuntos musicais diversos. No dia 2
de outubro, foram prestadas significativas homenagens ao
Governador Alberto Maranhão, que completava 41 anos de idade.
Após as solenidades, realizou-se, no Salão Nobre do Teatro Carlos
Gomes, um concorrido baile que reunia a mais alta sociedade
natalense e que se prolongou até alta madrugada. Da orquestra,
participaram músicos da terra e professores “de fora” que lecionavam
na Escola de Música: Soriano Robert (piano), Júlio Corona, Augusto
Coelho, Virgílio Carneiro (violinos), José Gomes (contrabaixo),
Felipe José da Silva e Luís Carlos Wanderley (flautas), e Tonheca
Dantas com seu clarinete.
Em outubro, iniciaram-se as atividades do Royal Cinema,
primeiro da Cidade Alta, localizado em ponto da maior importância
para o bairro, à esquina das ruas Ulisses Caldas e Vigário
133
Bartolomeu,94 em cujo cruzamento foram armados os palanques para
as bandas de música tocarem os carnavais da cidade, que se
realizavam naquela última rua. Na esquina em frente, ficava o café
Potyguarania,95 ponto de encontro elegante dos boêmios e intelectuais
da cidade.
José Petronilo de Paiva havia investido cerca de 80 contos
de réis na construção do Politeama e se achava endividado. Circulou
na cidade a notícia de que o comerciante Miguel Barra, proprietário
da loja “Rosa dos Alpes”,96 intencionava instalar um cinema no bairro
da Cidade Alta, que ainda não possuía nenhum. Então, associando- se
ao seu irmão João Gomes de Paiva, José Petronilo iniciou, em março
daquele ano, a construção do Royal Cinema. Terminada a obra, a
empresa trouxe do Recife o Sr. Alberto Leal para as funções de
gerente do novo cinema.97 No dia 14 de outubro de 1913, o elegante
cinema foi aberto ao público. Possuía duas salas de bilhar e uma de
espera, além da sala de projeções. Com a presença da melhor
sociedade local, foi exibido o filme “O Club dos Elegantes”. A
entrada custou 200 réis...
94 O prédio foi completamente descaracterizado e abriga, no momento, a Secretaria de
Administração da Prefeitura de Natal.
95 Mais tarde se denominaria Café Magestic, no momento, lamentavelmente demolido.
96 Esquina direita das ruas Ulisses Caldas com Vaz Gondim.
97 Conforme depoimento, em 11 de abril de 1980, da senhora Zulmira Paiva China (1897-1986),
filha do proprietário do Royal Cinema.
134
135
A VALSA “ROYAL CINEMA”
O
primeiro filme a possuir som próprio foi “O Cantor de Jazz”,
feito em Hollywood em 1927. A novidade chegaria a Natal
com a inauguração do cinema falado do Cine-Teatro São
Pedro, em 8 de abril de 1931. Em 7 de julho do mesmo ano,
inaugurava-se o cinema sonoro do Teatro Carlos Gomes e, em 13 de
outubro, era a vez do Royal entrar naquele caminho da modernidade.
Com a chegada do cinema sonoro, os velhos cinemas iriam
perder muito de seu encanto em troca das novidades trazidas pelo
progresso. Problemas sociais surgiriam com o desemprego de muitos
músicos que tinham no cinema sua principal ou única fonte de renda.
Enquanto isso não acontecia, entre 1911 e 1927, o silêncio
do filme mudo era compensado pelos pianos ou conjuntos musicais
que tocavam durante a exibição. Os pianistas mais conhecidos que
tocaram no Royal foram Generosa Garcia, Garibaldi Romano e o
popularíssimo Paulo Lyra; o piano solista era para as sessões comuns
e dias de semana. Para dias especiais, com festas ou solenidades,
tocava um conjunto, como o composto por Paulo Lyra ao piano,
Manoel Prudêncio Petit na flauta, Cândido Freire no saxofone,
Calazans Carneiro no contrabaixo e João Cosme na bateria. Um grupo
que tocou durante longos períodos no Royal Cinema era formado por
Eduardo Medeiros98 ao violão, Tibiro99 no saxofone e Tonheca no
98 Conhecido violonista, clarinetista e compositor (1887-1961), autor de canções, valsas, choros,
popularizou-se mais por haver composto a melodia para os versos do poeta Othoniel Menezes,
da “Serenata do Pescador” (Praieira, 1922), considerada por lei municipal como a “Canção
136
clarinete. O repertório era o comum para a época e as músicas se
adaptavam ao tipo de cena que o filme apresentava; música alegre
para filmes cômicos e langorosas valsas para cenas românticas.
Inaugurado o Cinema Royal o proprietário, Sr. José
Petronilo de Paiva, teve a ideia de caracterizar o seu estabelecimento
com uma música nova, somente tocada ali. Para tanto encomendou a
Tonheca Dantas, já conhecido como compositor, uma valsa para ser
ouvida na abertura e fim das sessões.
Com pouco tempo, José Petronilo recebia a partitura
manuscrita e dedicada a ele, tendo numa face a valsa intitulada
“Royal Cinema” e na outra a valsa “Boas Festas”.
O compositor recebeu cinquenta mil réis como pagamento
pela valsa que o tornaria, rapidamente, o mais popular compositor da
cidade. Recebido o pagamento, Tonheca saiu do Royal para o Café
Potyguarania, bem em frente, para festejar com os amigos. “Rico” e
feliz, financiou bebida para quem quisesse, numa alegre
comemoração, que terminou quando terminou o dinheiro...
A valsa “Royal Cinema” tomou-se logo conhecida por toda
cidade. Sua melodia expressiva e cativante caiu logo no gosto do
povo, invadindo bem cedo os saraus familiares através da sua
partitura para piano que, impressa no Rio de Janeiro, estava à venda
nas livrarias da cidade.100 Instrumentada para banda de música pelo
autor, de imediato passou a ser presença constante nas retretas,
ganhando espaço nas bandas de música da capital, do interior e de
outros Estados. Na sala do cinema, a orquestra se postava para tocar
enquanto se esperava o início da projeção. Ao terminar a sessão,
enquanto os presentes se retiravam, tocava-se também e, assim,
“Royal Cinema” popularizou-se, desde os pianos das famílias aos
salões de bailes populares ou aristocráticos.101
Tradicional da Cidade.”.
99 Joaquim de Souza Freire, conhecido músico de Natal.
100 Publicada em 1914 pela Casa Bevilacqua, do Rio de Janeiro.
101 A valsa “Royal Cinema” recebeu letra do poeta Joaquim BEZERRA JUNIOR, por volta de
1923. O conjunto letra e música não logrou o mesmo êxito que a melodia apenas , quando tocada
por piano e, principalmente, por banda de música.
137
A VERDADE SOBRE A ORIGEM DE ROYAL
CINEMA
F
Foi observada e existência de três versões sobre a origem da
valsa “Royal Cinema.” Na primeira delas, a senhora Zulmira
de Paiva China, filha de José Petronilo de Paiva, proprietário
do Royal Cinema e ex-aluna do compositor na Escola Normal, relatou
que seu pai encomendara a Tonheca uma valsa para ser tocada pela
orquestra, durante a exibição dos filmes mudos. Tonheca entregou a
peça em manuscrito, tendo no verso a valsa “Boas Festas”, e
recebendo em pagamento a quantia de 50 mil réis.
A segunda versão é fornecida pelo ex-soldado músico e
companheiro de Tonheca na Banda da Polícia Militar, José Dias
Rodrigues. Por ele, sabe-se que Tonheca compôs a peça quando de
sua estadia em Belém, por encomenda do Dr. Sílvio Chermont, para
ser dada à sua noiva, conforme já relatado em capítulo anterior. Essa
partitura, igual ou modificada, seria a mesma que foi vendida ao
proprietário do Royal Cinema.
O professor Antônio Fagundes, ex-aluno de Tonheca na
Escola Normal, relata a terceira versão: Certo dia, durante uma aula
de música aos alunos do 3º ano da Escola Normal, o professor
Tonheca fez um intervalo e perguntou quem na classe tocava piano.
Apenas a aluna Maria Aparecida de Carvalho se apresentou. O
professor, então disse: Nas minhas noites de insônia, costumo tomar
papel e arranjar alguns compassos de música, mas em seguida, os
coloco em uma gaveta.
138
E acrescentou que o seu amigo e colega José Gomes, então
regente da Banda da Polícia Militar, insistentemente lhe solicitava
novas composições para o repertório daquela banda que, esse tempo,
fazia retretas semanais, muito apreciadas, aliás, nos jardins das praças
Augusto Severo e André de Albuquerque. Desejoso de atender aos
sucessivos pedidos do amigo, porém sem a necessária inspiração
para realizar qualquer nova composição, recorri ao acervo da gaveta
e dali retirei esta valsinha e, como estava na ordem do dia o nome
Royal Cinema para a nova casa de exibição cinematográfica da
Cidade Alta, achei por bem aceitar o mesmo nome para esta
composição.
Assim, passou às mãos da aluna Maria Aparecida de
Carvalho o manuscrito da valsa, harmonizada para piano, tendo ela
sido a primeira pessoa a tocar “Royal Cinema” em Natal.102
Diante dos três relatos acima, parece ser possível uma
compatibilização entre os mesmos que, na realidade, em nada se
opõem.
102
Conforme relato do professor Antônio Fagundes, publicado no jornal “A Diocésia” de
24/06/74, cujo texto integral encontra-se anexo.
139
Primeira página da valsa “Louca por Amor” de Tonheca Dantas.
140
Coreto da Praça André de Albuquerque, hoje demolido. (Foto de
Manoel Dantas)
141
O GOVERNO FERREIRA CHAVES
A
proximando-se o fim do mandato do Governador Alberto
Maranhão, movimentavam-se os seus partidários para
apresentarem um candidato à sua sucessão. O nome cogitado
e divulgado pelo jornal situacionista “A República” era o do exGovernador Ferreira Chaves. Os oposicionistas, apoiados pelo jornal
“O Diário do Natal”, iniciaram protestos contra o que eles
denominavam “a oligarquia dos Maranhões”.
Desde a proclamação da República em 1889, o Estado vinha
sendo governado pelos parentes e partidários de PEDRO VELHO de
Albuquerque Maranhão (1856-1907). Alberto Maranhão governou
duas vezes: de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914. Antônio de Souza
governou de 1907 a 1908, completando o mandato de Tavares de
Lyra (que era cunhado de Alberto Maranhão) e ainda governaria de
1920 a 1924. Ferreira Chaves teve seu mandato de 1896 a 1900 e
ainda governaria de 1914 a 1920.
É quando surge a figura do Capitão do Exército José da
Penha Alves de Souza, nascido em Angicos, que passa a liderar forte
e agressiva oposição ao governo, lançando o nome de Leônidas
Hermes, filho do Presidente Hermes da Fonseca, para o governo do
Rio Grande do Norte. Incidentes violentos foram se sucedendo até
que circularam notícias de que José da Penha iria, com seus
comandados, invadir o palácio do governo e depor Alberto Maranhão.
O Batalhão de Segurança tomou posição, cercando a casa
em que estava José da Penha, no local onde hoje se encontra o Grande
142
Hotel. Um tiro partido da casa fez iniciar o tiroteio entre ambas as
partes, que duraria toda a noite. Na madrugada de 21 de julho, José da
Penha escapa e refugia-se no quartel do 29° Batalhão de Caçadores.103
Os seus amigos se rendem, são presos e depois libertados pelo
Governador Alberto Maranhão.
O ano de 1914 iria trazer sensíveis modificações ao
ambiente musical de Natal. A administração de Alberto Maranhão,
que tantos progressos trouxe à cidade, foi igualmente importante na
área da música, por se tratar da arte preferida pelo governador. Este,
em tempos anteriores, havia participado de recitais cantando árias
com sua voz de barítono.
Marcos decisivos foram a criação da Eschola de Musica
anexa ao Teatro Carlos Gomes, em 1908, animada por inúmeros
professores natalenses e, principalmente, pelos contratados vindos de
outros Estados, que formavam conjuntos musicais e se apresentavam
periodicamente no Salão Róseo do Palácio do Governo. Tais
apresentações eram um acontecimento marcante na vida social da
cidade, acessível – evidentemente – ao círculo de amigos e partidários
do governador. Essas realizações e mais outras fizeram que a
administração pública chegasse às mãos do novo governador Joaquim
Ferreira Chaves bastante endividada e onerada por tantas despesas e
empréstimos contraídos na administração anterior.
Na noite de 2 de janeiro de 1914, era oferecida uma
homenagem ao ex-Governador Alberto Maranhão nos salões do Natal
Club. A música esteve presente numa orquestra composta pelo
clarinete de Tonheca, os violinos Augusto Coelho e Virgílio Carneiro,
a flauta de Luís Carlos Wanderley e o contrabaixo de José Gomes,
todos gente da terra. Os músicos de outros Estados não participaram
do conjunto.
Os jornais passaram a estampar em manchetes as medidas de
economia que o novo governo necessitava fazer. Ficava cada vez mais
103 Onde hoje se localiza o Colégio Winston Churchill.
143
evidente o rompimento político entre o governador e o seu antecessor,
que o apoiara na campanha e colaborara com a sua eleição.
Sintomaticamente, os primeiros atos de economia de Ferreira Chaves
atingiram diretamente as realizações de Alberto Maranhão no terreno
da música.
Assim, o Decreto n° 1, datado de 6 de janeiro de 1914 – o
primeiro do novo governo – se dirigiu contra a Escola de Música, pois
rescindiu o contrato de 22 de agosto de 1913 de Júlio Corona,
professor de violino, visto ter sido suprimida, por decreto de hoje, a
mesma cadeira, que não atendia a interesses inadiáveis do bem
público. Outro decreto, com redação semelhante à anterior, rescindiu
o contrato da professora Felice Ordugna Perez da cadeira de piano e
canto. Na lei que aprovou aqueles decretos, o ato foi justificado pela
situação financeira do Estado e pelo fato de que as cadeiras de
violino, viola, piano e canto não correspondem, à necessidade
pública, tanto que têm insignificante frequência.
A economia atingiu também outras áreas, reduzindo o
número de praças do Esquadrão de Cavalaria104 e o número de
cavalos, vendendo os excedentes em hasta pública.
Mas, o que parecia supérfluo e dispensável eram os gastos
com a cultura. Em 7 de fevereiro, foi suprimido o lugar de ensaiador
da Banda do Batalhão de Segurança e se recomendava ao comando da
corporação tornar sem efeito o contrato do clarinetista espanhol José
Bernardo Borrajo. Nem mesmo o professor Tomaz Babini escapou à
ceifa do governo. Chegado da Europa em fevereiro, deveria,
entretanto, ter-se apresentado em 1o de dezembro do ano anterior. Em
20 de fevereiro, foi exonerado por haver perdido o prazo de
apresentação de seu cargo de secretário do Teatro Carlos Gomes.
A situação de pobreza do governo provocava atitudes
inusitadas: funcionários autorizavam descontos de 5% de seus
vencimentos em benefício do erário público.
104 Unidade pertencente ao Batalhão de Segurança, instituída a 1º de março de 1914 e instalada
no local da propriedade “Solidão”, onde hoje se situa a Escola Doméstica.
144
A realidade era que a Escola de Musica era composta por
quatorze membros, um secretário, uma inspetora de alunos, um
arquivista, um contínuo e mais onze professores, que recebiam
vencimentos entre 3.000$000 e 1.000$000 (três contos de réis a um
conto e oitocentos mil réis), onerando o erário público com a despesa
anual de 30.360$000.105
Como referência, considere-se que o quilo de carne custava,
em janeiro de 1914,700$000 (setecentos réis) a dianteira com osso,
800$000 a traseira com osso e 1.000$000 (mil rés) a traseira sem
osso.106
Esses fatos atingiram diretamente a vida de Tonheca, mas,
decerto que se refletiram por todo o ambiente musical de Natal, pois
no dia 14 de março, deixou de haver retreta da Banda do Batalhão de
Segurança por causa da baixa de alguns músicos que a compunham.107
O mês de março culminou com acontecimentos que, desde
há algum tempo se prenunciavam em Natal.
Ainda em fevereiro, o governo do Estado, através de um
“Novo Código de Ensino”, pretendeu dar nova estrutura à atividade
musical subsidiada pelo Estado. Assim, no seu artigo 114, ficou
previsto que O estudo das Belas Artes será feito nas cadeiras que o
governador criar junto ao Teatro Carlos Gomes, tendo por a fim a
cultura estética e o aproveitamento imediato das vocações
artísticas.108
O noticiário posterior dos jornais não informou sobre as
providências tomadas a respeito do movimento musical, tudo
indicando que voltou aos baixos níveis do passado.
105 “Leis e Decretos do Rio Grande do Norte.” Dados referentes ao ano de 1909.
106 “A República”, 19 de janeiro de 1914.
107 “A República”, 14 de março de 1914.
108 “A República”, 17 de fevereiro de 1914.
145
PROFESSOR DE PROFESSORES
E
nquanto isto se passava na esfera do governo, Tonheca ia
vivendo dentro das limitações de seu ambiente na pequena
cidade, tocando nas orquestras dos cinemas, em tocatas
particulares, ensinando particular e na Escola Normal. Em março, o
governador anunciou concurso para a cadeira de música da Escola
Normal, uma boa providência que poderia efetivar Tonheca na
função.
Pouco se sabe de sua atividade como compositor nessa fase.
Em abril, presenteou a Banda do Corpo Policial com a marcha
“Batalhão de Segurança.”109
Em junho, o jornal “A República” publicou a seguinte
notícia:
O inteligente professor de música Tonheca Dantas teve a
gentileza de oferecer-nos um exemplar de sua inspirada valsa Royal
Cinema, impressa na casa E. Bevilacqua & Cia. do Rio de Janeiro. A
magnífica composição acha-se à venda na Livraria Cosmopolita do
Sr. Fortunato Aranha, a 2$000 o exemplar.110
O jornal noticiou, ainda, a publicação da valsa para piano
“Amor Constante”, oferecida a Exma. Sra. Ana Florentina da Silva,
sua esposa, à venda na mesma livraria pelos mesmos 2$000 (dois mil
réis).111 Embora a publicação dessa última valsa possa parecer uma
109 “A República”, 18 de abril de 1914.
110 “A República”, 9 de setembro de 1914.
111 “A República”, 26 de junho de 1914.
146
reaproximação com a esposa, tal fato nunca aconteceu. Tonheca
tentou, inúmeras vezes reconciliar-se com Ana Florentina. Esta,
endurecida em seus sentimentos, jamais aceitou suas propostas e
escondia-lhe a filha, não permitindo aproximação com a pequena
Antônia.
Em maio, realiza-se o concurso para a cadeira de música da
Escola Normal e os candidatos foram o maestro italiano Tomaz
Babini e o nosso sertanejo Tonheca Dantas.112 Habilitados os dois
concorrentes, esperou-se até julho para que o governo decidisse qual
seria o professor a ser nomeado. O escolhido foi Babini.113
Não foi possível descobrir-se a razão da preferência por
Babini em detrimento de Tonheca. É possível que motivos sociais
tenham influído. É mais provável que, além da competência, os
diplomas que o maestro obtivera na Itália pesassem mais do que a
capacidade autodidata do sertanejo genial. Não se pode deixar de
considerar, entretanto, que Tonheca vinha exercendo a função de
professor de música da Escola Normal por nomeação do Governador
Alberto Maranhão que, naquele momento, não era pessoa grata ao
novo governador e seus partidários. As disputas mesquinhas têm
sempre vez nos meios pequenos em dimensão material e
intelectual.114
No dia 24 de julho, uma notícia deve ter abalado a
sensibilidade do compositor: falecia José Petronilo de Paiva,
proprietário dos cinemas Royal e do Politeama, que havia
encomendado a Tonheca a sua composição mais famosa. Pessoa
conhecida e estimada na cidade, teve o seu nome ligado à valsa que
112 Não foi possível localizar-se o arquivo da antiga Escola Normal de Natal.
113 "A República”, 8 de julho de 1914.
114 Pouco antes de falecer, Tonheca Dantas pediu ao filho do mesmo nome para recuperar
duzentas e quarenta composições – um volume com cerca de 16 quilos! – que apresentara na
prova de títulos do concurso a que se submeteu e que ficaram arquivadas na Escola Normal. A
diligência foi efetuada depois de sua morte, nada podendo ser recuperado. Grande número de
suas composições ficaram, assim, irremediavelmente perdidas.
147
_
foi a ele dedicada.
Novidades no campo da música foram apenas a criação da
banda “Charanga Natalense”, sociedade musical orientada por
Barôncio Guerra. A nova banda, que funcionou a partir de março,
ficou sob a direção de Joaquim de Souza Freire, mais conhecido por
Tibiro, exímio saxofonista. Não foi possível saber se Tonheca
participou do novo conjunto que, tudo indica, teve vida breve.
Natal continuava a sua vida pacata e simples, tendo a agitála alguns marcos que indicavam o seu progresso cultural. A educação,
que além das escolas particulares, baseava-se no Atheneu, Escola
Normal e Escola de Aprendizes Artífices, abriria novos horizontes
com a inauguração da Escola Doméstica, em 1o de setembro daquele
ano115.
Os jornais noticiaram que um automóvel chocara-se com um
bonde no cruzamento da Rua Vigário Bartolomeu com a Coronel
Pedro Soares (atual João Pessoa) e pediam-se providências contra a
velocidade dos carros. Efeitos do progresso...
As retretas voltaram aos coretos das praças Augusto Severo
e André de Albuquerque, realizadas sempre pelas bandas da 3a
Companhia de Caçadores (Exército) e do Batalhão de Segurança.
Algumas trocas de instalações foram efetuadas no fim
daquele ano. No prédio da Rua Presidente Passos, onde, no século
passado, funcionava o Hospital de Caridade, instalara-se, desde 1909,
a Escola de Aprendizes Artífices. O Batalhão de Segurança, que tinha
como quartel provisório um prédio na Avenida Rio Branco,116 passa a
ocupar o velho edifício da “Salgadeira”117 e a escola federal foi para a
cidade alta.
Em 28 de setembro, o Batalhão de Segurança desfilou pela
116 Instalada em prédio atualmente ocupado pelo INANPS, na Praça Augusto Severo, Ribeira.
117 Prédio onde, depois de reformas e ampliações, seria instalada a Escola de Aprendizes
Artífices, futura Escola Industrial de Natal e, em outro local, o atual Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).
117 Local onde hoje passa a Avenida Rafael Fernandes. Tinha esse nome por se encontrar perto
do então matadouro público e o riacho do Baldo, que hoje passa por baixo da avenida. Mulheres
lavavam e salgavam as vísceras dos animais. Perto havia, também, um local onde salgavam-se
couros.
148
cidade, tendo à frente o Capitão Antônio Pereira de Brito, deixando o
prédio da Avenida Rio Branco e ocupando as instalações da Rua
Presidente Passos.
De resto, poucas novidades; concluía-se o calçamento da
Rua Ulisses Caldas e inaugurava-se a Praça Sete de Setembro. A
Escola Normal diplomava, no fim do ano, a turma (única) onde
lecionara o professor Tonheca Dantas.
Enquanto isto, na Europa, iniciava-se a Primeira Guerra
Mundial.
149
SUCESSO EM SANTANA DO MATOS
O
ano de 1915 trouxe grandes novidades para a vida de
Tonheca Dantas. Em Natal, os jornais publicavam as
relações dos funcionários estaduais que autorizavam
descontos em seus vencimentos para ajudarem à economia pública,
indicando que a situação financeira ainda continuava difícil. Para
completar o quadro, rigorosa seca castigou os sertões por muito
tempo. A nova direção que tomou a sua vida está esboçada no teor da
carta que uma pessoa não identificada da cidade de Santana do Matos
dirigiu ao jornal “A República”, sendo publicada na edição de 24 de
março daquele ano:
Acaba de chegar a esta vila o conhecido
maestro Tonheca Dantas, que vem dirigir a Filarmônica
Cel. Carvalho. Os apreciadores da bela arte que
imortalizou Mozart, a cuja frente se encontra o nosso chefe
local Cel. Carvalho e o nosso digno vigário padre Lúcio
Gambarra proprietário e diretor da referida banda,
prepararam ao festejado maestro digna recepção.
Logo a uma légua de distância foi o
homenageado recebido por crescido número de cavaleiros,
em cuja frente se via o Cel. Baracho, fazendo entrada na
nossa urbs ás cinco horas da tarde do dia 20 deste, em meio
às vivas expressões de alegria e entusiasmo.
O trecho principal da vila por onde tinha
150
que passar o cortejo estava galhardamente ornamentado
por arcos e bandeiras de diversos modelos. Em frente à
residência do padre Gambarra, de quem é hóspede o
maestro Tonheca, estava postada a nossa banda, que
executou por ocasião um belíssimo dobrado, enquanto
foguetes fendiam os ares. Logo após os primeiros
cumprimentos trocados entre o recém-chegado e os distintos
cavalheiros que o esperavam, foi o simpático maestro
saudado pelo inteligente bahiano Antônio Mussi, que num
surto de entusiasmo, fez inspirado discurso.
Mais tarde, às 17 horas, lauto banquete,
presença de diversas famílias santanenses, local
profusamente iluminado a acetilene. Durante o jantar tocou
a banda. Falou, ainda, o amigo Antônio Mussi, erguendo um
brinde ao Cel. Carvalho. Deste modo foi o mestre da
Filarmônica Cel. Carvalho recebido entre nós. Tonheca
assumiu a regência de nossa banda, abriu uma aula de
música para moças, que funciona na residência do nosso
chefe.
Tonheca é bem conhecido, já dirigiu bandas
em Natal e Paraíba. Compositor, ocupou a cadeira de
música da Escola Normal. Pode-se dizer sem a menor
contestação que Tonheca é o melhor músico do RN.
A notícia acima, copiada na íntegra, dá conta exata do
prestígio e popularidade de Tonheca, sempre recebido com provas de
admiração e amizade pelas cidades por onde passou.
Na pequena Santana do Matos, Tonheca reinou absoluto,
estribado na autoridade que lhe conferiam o prestígio dos seus
conhecimentos na arte musical.
A Filarmônica desempenhou altivamente o seu papel,
convergindo as atenções onde estivesse, fosse em festivas retretas na
praça principal, em bailes animados nos salões improvisados, ou
151
mesmo em enterros solenes dos poderosos do lugar. Indispensável nas
novenas de maio, nas festas da padroeira em 26 de julho, com
alvorada e novenário, nas comemorações de Natal e Ano Novo,
marcava sua presença nas alvoradas festivas e nos desfiles patrióticos;
bons instrumentos e bom repertório preparado por um bom mestre.
Além da função de mestrear a banda, Tonheca aceitou o
convite de alguns “coronéis” do lugar para lecionar música a suas
filhas, elemento importante na educação e dote intelectual das moças
casadouras de então. Muitas jovens santanenses receberam dele a
iniciação e os conhecimentos musicais que lhes davam condições de
abrilhantar saraus familiares com o produto da sua arte. Estudaram
com ele Francisca Gazzaneo (Cabral), Dulce, filha do coronel Antônio
Carvalho, Maria Lemos Felipe, Josefina e Natércia Pinheiro (Chaves),
filhas do coronel João Pinheiro, Dulce de Carvalho, Graziela Lemos,
Chiquita de Bemvinda, Anita, irmã de seu amigo Aristófanes
Fernandes e muitas outras mais. Essas “meninas”, aproveitando as
ocasionais ausências do professor, divertiam-se soprando nos
instrumentos da banda guardados na sala da aula de música...118
Participava sempre das festas e “dramas” organizados pelas
moças e senhoras da cidade, com objetivos geralmente beneficentes.
Organizava a parte da banda, preparava as músicas, ensaiava o
pessoal e tocava o seu clarinete.
Para afastar o tédio das longas horas vagas, gostava de se
reunir com os amigos para intermináveis partidas de pôquer onde,
intercalando com uma cerveja e mais outras, perdia mais do que
ganhava.
Em suas viagens a Natal, era sempre bem recebido por
Francisca Lucas, de quem nunca se separara oficialmente e que
cuidava de Marfisa. Mas, quando procurava Ana Florentina,
encontrava somente a frieza de um tratamento apenas formal. A filha
Antônia nunca aparecia e ele sabia que a menina era sempre
escondida, como se fosse o castigo que lhe impunha a esposa traída.
118 Informação da Sra. Francisca Gazzaneo Cabral, de Natal.
152
Tonheca Dantas, em fotografia de 1922.
153
MAIS UM CASAMENTO...
L
onge de Natal e vivendo sozinho, não tardou para que nova
figura feminina aparecesse em sua vida. Inquieto e
inconstante em seus amores, Tonheca haveria de encontrar ali
a companheira que, adaptando-se ao seu temperamento, saberia
contornar as situações que poderiam pôr em risco a união dos dois, a
tudo suportando e desculpando em benefício daquela união.
Francisca Lino Bezerra era paciente e compreensiva. Na sua
sabedoria instintiva, pressentia que os cabelos grisalhos de Tonheca já
anunciavam o começo de sua decadência física, e que decerto ele
estava perto de começar a mudar o seu jeito de ser, cansado de tanto
trabalho e de tanta aventura. Uni os parágrafos. Assim, distribuiu com
as madrinhas e parentes os cinco filhos de outro casamento e uniu-se
a Tonheca, dando-lhe mais oito filhos.
Confiante e tranquila nos seus objetivos, pouco lhe
perturbaram a existência de Francisca Lucas e de Ana Florentina, que
viviam em Natal, bem como das três filhas que ele já tinha. Viveria
sempre ao seu lado e haveria de acompanhá-lo em suas futuras
andanças e para onde se dirigisse a inquietação do marido, até o fim
de sua vida.
Em 1o de junho de 1916, nasceu Antônio Pedro Dantas Filho
(o segundo com este nome), o único a herdar do pai a inclinação para
a música.119 Vieram depois Afonso, José, Mirto, Salvador, Ivone,
119 Tonheca Filho é conhecido trombonista. Acompanhou o pai em suas andanças, ingressou
como músico na Polícia Militar e, depois, na Aeronáutica, de onde foi para a reserva como
154
Cleto e Evilásio.
O governo do Estado, por Decreto de 26 de janeiro de 1917,
criou Mesas de Renda120 para as cidades de Açu e Santana do Matos.
Não foi possível saber-se como nem a data exata, mas o mestre
Tonheca vai ser encontrado, de agora em diante, como funcionário da
recém-criada repartição, na função de Guarda de Mesa de Rendas. É
possível que os chefes políticos do lugar houvessem pleiteado para ele
aquela nomeação, o que atesta, ainda mais, o prestígio de que gozava
na cidade. É mais provável que o seu compadre José Augusto Bezerra
de Medeiros, que fora Secretário Geral do Estado no governo Ferreira
Chaves e havia sido eleito deputado federal para o período de 1915 a
1917, tenha sido o responsável pela indicação.
O trabalho da banda era feito pela manhã e as tardes eram
ocupadas com o expediente: um trabalho com números, contas e
dinheiro, que não era, certamente, o seu forte. Mas, a melhoria do
orçamento doméstico valia o sacrifício e não era preciso afastar- se de
seus compromissos com a música. Modesto e desligado da política,
não poderia decepcionar os seus patronos “coronéis” de Santana do
Matos. Havia no Estado a previsão orçamentária para cinquenta
Guardas de Mesa de Rendas; o ordenado de Tonheca era 100$000
(cem mil réis) mensais, mais uma gratificação de 125$000.121
Desde muito que o atormentava a lembrança da filha que
não via há tanto tempo. Num desses momentos de tristeza e
depressão, compôs uma das suas mais belas valsas, a qual intitulou
“Saudades de Minha Filha.”122
A pequena Antônia, por sua vez, sentia a maior tristeza por
não conhecer o pai. Invejava as meninas da escola quando falavam,
felizes, de seus pais. Sempre abordava a mãe sobre o assunto, mas,
ela, com muito jeito, desviava do assunto e tudo ficava como antes.
suboficial.
120 Assim se denominavam as atuais Coletorias Estaduais.
121 A República, 12 de novembro de 1926.
123 Esta valsa recebeu letra do poeta Joaquim BEZERRA JUNIOR.
155
Em um dia de 1922123, Tonheca resolveu quebrar o gelo da
indiferença de Ana Florentina. Chegando a Natal, dirigiu-se à casa da
sogra na Rua Mossoró, naquele tempo, distante e sem calçamento, e
expôs a ela, sinceramente, o seu objetivo.
– Antônia, vá mudar de roupa e venha conhecer seu pai.
A alegria da mocinha não teve limites. Afinal, ela não era
mais uma filha sem pai. Chegando à porta da sala, olhou, ansiosa e
encabulada, aquele homem de cabelos grisalhos, bigodinho fino, terno
de casimira azul-marinho e gravata vermelha, que a esperava em pé e
que tentava esconder os olhos marejados. A menina também continha
o choro e nada podia dizer.
Abraços e conversas reaproximaram os dois, depois de
tantos anos de ausência:
– Vamos ali que eu quero comprar um presente pra você.
E saíram pela cidade, mãos dadas como dois namorados e
uma alegria grande a transbordar de ambos. Para ele, aos cinquenta e
dois anos de idade, muitas aventuras e desventuras passadas, aquele
era um dos mais emocionantes momentos que já vivera. A jovem de
quinze anos não continha o seu contentamento e queria mostrar a
todos na rua que ela tinha um pai, que aquele era seu pai, um músico
que tocava bem, mestreava bandas e fazia músicas bonitas.
Da primeira loja em que entraram, a “Nova Aurora”, saíram
com um grande pacote de cortes de fazenda.
– Agora vamos à Ribeira comprar um par de sapatos para
você na “Paris em Natal.” 124
Antônia chegou à sua casa carregada de presentes, cansada
de tanto andar pela cidade; tinha vivido o dia mais feliz de sua vida. E
o pai prometera que toda vez que viesse a Natal, viria visitá-la. A
partir daquele dia, ela era uma nova pessoa.
124 A loja “Paris em Natal” se localizava na esquina da Praça Augusto Severo com a Travessa
Aureliano.
156
Um dia, Tonheca voltou a Natal e pediu a Ana Florentina
para deixar Antônia passar as férias com ele. Ao chegar a Santana do
Matos, “Antonieta” – assim o pai a chamava – foi bem recebida por
Francisca, conheceu os seus meio-irmãos e reencontrou a também
mocinha Marfisa, a primeira das filhas de Tonheca. Na separação do
casal, em 1911, ambas ainda eram muito crianças, Marfisa ficara com
o pai enquanto Ana Florentina voltou para Natal trazendo apenas a
filha Antônia. Uni os parágrafos. O pai a levava para onde fosse; ao
ensaio da banda, ao trabalho na Mesa de Rendas, às tocatas e ao sítio
que arrendara nas imediações da cidade.
Antônia e Marfisa tornaram-se boas amigas e alegres
companheiras para os passeios pela cidade e arredores. Nas festas da
igreja, cantavam os cânticos sacros que o pai cuidadosamente
ensaiava, Marfisa fazendo a primeira voz, Antônia a segunda e o
próprio Tonheca a terceira voz. O pagamento que lhe fazia o padre
Lúcio Gambarra por aqueles trabalhos era sempre empregado em
comprar roupas para os filhos.
No ano de 1922, todas as cidades do Estado comemoraram a
passagem do 1o Centenário da Independência. Em Natal, foram
desenvolvidas extensas solenidades promovidas pelo governo de
Antônio de Souza.125
A Banda do Batalhão de Segurança era, na ocasião, regida
pelo maestro italiano Luigi Maria Smido e participava ativamente das
solenidades, retretas, desfiles e concertos realizados no Teatro Carlos
Gomes. Organizou-se, também, sob a direção daquele maestro, uma
orquestra com participação dos melhores músicos da cidade para atuar
naquele Teatro. Se Tonheca estivesse em Natal, certamente teria
participado dela.
Acontecimento na área musical foi a instituição de um
125 ANTÔNIO José DE Melo e SOUZA (1867-1955) elegeu-se duas vezes Governador do
Estado, para os períodos de 1907 a 1908 (completando o mandato de Augusto Tavares de Lyra
que fora nomeado Ministro da Justiça e Negócios Interiores do governo Afonso Pena) e de 1920
a 1924. Jornalista e romancista, escrevia sob o pseudônimo de Policarpo Feitosa.
157
concurso premiando quem melhor musicasse versos de poetas
potiguares. Os poemas escolhidos foram: “Caminho do Sertão”, de
Auta de Souza, “De Natal ao Pará”, de Ferreira Itajubá e “Olhos”, de
Segundo Wanderley. O maestro Abdon Trigueiro126 ganhou dois
prêmios, musicando o primeiro e o terceiro dos poemas citados,
enquanto Virgílio Carneiro127 ficou com o prêmio para o poema de
Ferreira Itajubá.
Se estivesse por aqui, Tonheca teria participado daquele
concurso? Provavelmente não, pois musicar versos nunca foi o seu
forte. Continuava em Santana do Matos, mas a sua inquietação ainda
o estimulava a buscar novidades.
Mesmo estando fora de Natal, registrou-se a introdução de
uma composição sua em uma das muitas oportunidades em que se
festejou o Centenário da Independência, em 1922. Durante a
realização do evento denominado “Serenata dos Antigos e Modernos
Tempos”, uma peça de Tonheca achou-se relacionada entre as
composições de autores locais executadas. Tratava-se da valsa
“Saudades de Minha Filha”, que compusera num momento de
lembranças da sua pequena Antônia. Embora a valsa tivesse letra do
poeta Joaquim Bezerra Júnior, não há indicação de que tenha sido
cantada. Tudo faz crer que foi tocada por uma orquestra composta de
bandolins, violões, flautas, oboé, fagote, clarone, violinos e
contrabaixo.128
Uma outra de suas composições, a valsa “Saudades de
minha noiva”, foi composta em 1923. Júlio Soares, filho do coronel
José Soares, do Açu, era um apaixonado pela música e pelo clarinete.
Por essas qualidades, teria que, fatalmente, se encontrar com
Tonheca. Fizeram boa amizade. O pai teria a maior felicidade se visse
126 ABDON Álvares TRIGUEIRO (1868 -1941) exerceu, em diversas ocasiões, a regência das
bandas do Exército e do Batalhão de Segurança, reformando-se como major, em 1929. Compôs
principalmente hinos religiosos evangélicos.
127 VIRGÍLIO CARNEIRO da Cunha (1889 -1953) violinista e compositor.
128 Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Volume XIX, n° 1 e 2,
Natal, 1922.
158
o filho formado, com belo anel no dedo e tratado por doutor. Júlio foi
mandado para o Rio de Janeiro para estudar. Passou algum tempo
pela capital, mas o que ele gostava mesmo era de música.
Estudou clarinete e esqueceu que devia ser doutor.
Enveredou pela boêmia e voltou para a sua terra sem título nem anel,
mas hábil e experiente na execução ao clarinete, para desgosto do
velho coronel. A noiva, por quem Júlio nutria sincera afeição, por
imposição da família ou por decisão própria, resolveu acabar o
casamento com o músico boêmio, bom rapaz, mas sem futuro. Júlio
sofreu a rejeição e, em um momento emocional, escreveu um poema
onde lamentava as suas mágoas.129
Em viagem a Santana do Matos, encontrou-se com Tonheca,
remoeu a roedeira e tentou escapar com grandes bebedeiras.
Apresentou ao amigo o poema que fizera e lhe pediu que o musicasse.
Isto nunca foi o forte de Tonheca, que desculpou- se da incumbência.
Júlio insistiu e, para não magoar ainda mais o sofrido poeta, Tonheca
compôs a bela valsa que tem o título do poema do amigo boêmio.
O relacionamento social de Tonheca continuava ativo. Os
seus amigos e colegas de música sempre o procuravam e com ele se
encontravam nas idas a Natal ou quando eles o visitavam em Santana
do Matos. Em 1923, chegaram os amigos Eduardo Medeiros, Tibiro e
Joca Leiros para participarem das festas da padroeira.
Confraternização, boas lembranças, boas conversas, muita cerveja e a
amizade mantida até o próximo encontro.
Era sempre convidado para ir a Currais Novos, para tocar
nas festas de Sant’ Ana. Ali, em 1923, compôs um minueto para
orquestra de sopros, destinado a tocar na igreja ao acender das velas
para a novena. Nele, as flautas e os clarinetes imitavam o canto das
seriemas.130
Melhor notícia não poderia chegar para Tonheca Dantas: o
129 Os versos de “Saudades de minha noiva” estão transcritos no final deste livro.
130 Informação do músico Avelino Faustino Costa, em entrevista concedida ao autor, em 22 de
outubro de 1979.
159
compadre José Augusto, padrinho de batismo da pequena Antônia,
havia sido eleito Governador do Estado! As coisas para ele, que
estavam boas, certamente melhorariam. Continuaria em Santana do
Matos ganhando das aulas particulares, da mestrança da banda e do
emprego estadual na Mesa de Rendas, com um terreno arrendado e
plantado; tudo indica que essa foi a melhor fase da vida do músico.
O relacionamento com a filha Antônia continuou sempre
muito amistoso. Todos os anos, a mocinha passava as férias com o pai
em Santana do Matos, onde encontrava a meia-irmã Marfisa, agora
grandes amigas. Nas férias do ano de 1925, “Antonieta” não
encontrou Marfisa, como sempre acontecia. Ela, que passara uns
tempos na casa da madrasta Francisca Lucas, conhecera e se casara,
naquele ano, com Clodoveu Madureira, e já residia em Natal. Do
registro do casamento, consta que Marfisa nascera em 24 de julho de
1906, sendo natural deste Estado; a mãe, Olívia Dantas, era falecida
em 1907.131
José Augusto assumiu o governo em 1o de janeiro de 1924 e
teve de enfrentar, logo de saída, um grande problema no sertão, desta
vez não causado pelas secas, mas pelo excesso de chuvas. Uma
grande inundação se espalhou pelo Estado, causando vítimas e um
sem número de flagelados. Isso significou uma fonte de despesas
imprevistas e bastante vultosas. Medidas de economia se fizeram
necessárias, tanto é que o governo, em 1o de dezembro, publicou a Lei
n° 611, em que considera licenciados, com direito à metade de seus
vencimentos, todos os funcionários efetivos do Estado, para os quais
a lei orçamentária a vigorar em 1926 não consignou as verbas
necessárias. O seu artigo 2o previa que nas vagas que ocorrerem, os
funcionários licenciados serão aproveitados nas categorias
correspondentes aos cargos que exerciam, entendendo-se que
perderão as vantagens do licenciamento se não aceitarem os lugares
para onde forem designados. E, ainda (Art. 3o ) Não serão admitidos
funcionários extraordinários em quaisquer das repartições
131 Arquivo do Cartório do Primeiro Ofício de Notas, Natal.
160
administrativas do Estado.
Logo em seguida, em 6 de janeiro de 1926, saiu o primeiro
ato baseado na Lei n° 611. Por ele, o governo resolve considerar
licenciados com direito à percepção da metade dos vencimentos, os
seguintes funcionários, para os quais a lei orçamentária a vigorar no
ano de 1926 não consignar as verbas necessárias: a lista é
encabeçada pelo poeta Othoniel Menezes, que exercia as funções de
1o oficial da Secretaria Geral do Estado, num total de quarenta e oito
funcionários estaduais. Dos Guardas do Tesouro e do Departamento
da Fazenda, estão relacionados José Graciano Cavalcanti, Luís José
Soares de Macedo, Urbano Fagundes, João Ferreira Nobre Filho,
Francisco Pignataro, João Batista Fernandes, Laurentino Ferreira de
Moraes e Antônio Pedro Dantas Tonheca.132
No ano de 1926, as atenções gerais se concentravam nas
notícias do avanço dos revoltosos componentes da “Coluna Prestes”
desde o ano anterior, principalmente quando os contingentes do 29°
Batalhão de Caçadores e a Polícia Militar foram mandados para
combater os revoltosos.
No campo da música, Waldemar de Almeida partia para
Paris em abril, para estudar piano, e Maurillo Lyra retornava, depois
de três anos na capital da França, após apresentar-se em audição
pública dos alunos de piano da Escola Margueritte Long,
apresentando em novembro um recital no Teatro Carlos Gomes.
Um bom celeiro de musicistas fermentava na Escola
Doméstica, sob o comando dos professores Tomaz Babini e Adelina
Leitão. O curso de música destacava nomes como Lélia Petrovich,
Netércia Maranhão, Dhalia Freire, Leonor Fernandes, Lourdes Couto,
Bertilde Guerra, entre outras.
Em Recife, falecia Heronides de França, violonista e
compositor de inúmeras e belíssimas modinhas para poesias de
autores locais.
132 A República, 9 de janeiro de 1926.
161
A melhor notícia, entretanto, é a criação do Instituto de
Música “Santa Cecília” em 1o de maio de 1926, sob a liderança de
Alcides Cicco133. A entidade tinha como professores: piano, Ana
Maria e Maria do Carmo Cicco; violino, José Monteiro Galvão,
Cecília de Paula e João de Brito Namorado; flauta, Manoel Prudêncio
Petit; oboé, Barôncio Guerra; contrabaixo, José Calazans Carneiro;
canto, Alcides Cicco; solfejo, Capitão Abdon Trigueiro; História da
Música, Dr. Manoel Onofre.
Por essa época, Tonheca é transferido para Caraúbas do
Apodi, hoje Caraúbas, e para lá se mudou com a família, ali passando
cerca de um ano. Obrigado pelo dever a deixar Santana do Matos,
onde havia feito tantas amizades, trabalhado e ensinado com tanta
dedicação, levou a família em mais uma mudança.
133 ALCIDES Bruncti CICCO (São José de Mipibu, 1886 - Natal, 1959) cantor, professor de
canto, diretor do Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão.
162
VOLTANDO AO SERTÃO
D
epois de breve passagem em Caraúbas, retornou a Santana
do Matos e reiniciou seus trabalhos musicais. Nova
transferência lhe é ordenada, desta vez para Jardim do
Seridó. Incomodado com a nova mudança em sua vida e sem poder
discutir uma ordem do governo, obedeceu ao que lhe era imposto.
Assim, com esposa e filhos, rumou a cavalo para Jardim do Seridó.
A viagem foi feita sem problemas além da distância a
percorrer. Tonheca feriu o pé no estribo do cavalo; a ferida inflamou e
foram todos obrigados a parar em Currais Novos para que se tratasse.
Instalaram-se em uma casa onde esperou sarar a ferida, o que durou
cerca de vinte dias.
O tempo em que passou doente pode ter-lhe dado o ensejo
para pensar e decidir sobre o que faria de sua vida. É naquele
momento que lhe chega a notícia sobre a redução pela metade dos
vencimentos, assim como diversos outros funcionários do Estado. Se,
por um lado, a diminuição do salário trazia problemas para o sustento
da família, o tempo livre que lhe restava permitia trabalhar em outro
lugar e voltar a se dedicar à regência de bandas e ao ensino da música.
Ali, em Currais Novos, soube que os trabalhos de construção
do açude Cruzeta estavam necessitando de gente. Decidiu mudar-se
para Acari e tentar aquela nova chance.
Chegando a Acari e se instalando com a família, conseguiu o
emprego no escritório da firma que construía o Açude Cruzeta e,
todos os dias, rumava para o trabalho, percorrendo dezoito
163
quilômetros na cabine de caminhões que passavam carregados de
material para a construção. Ali, recomeçou os seus contatos com
Alagoa Grande, escrevendo para os amigos que havia deixado lá.
Tonheca manteve sempre uma boa amizade com o primo e
também músico, Felinto Lúcio Dantas. Vinte e oito anos mais moço
que Tonheca, Felinto despertara para a música, ainda muito jovem, ao
ouvir composições de sua autoria. Seguiam vidas artísticas com
semelhanças e contrastes. Além das músicas típicas para bandas,
Felinto dedicou-se, também, à composição de músicas sacras, onde
predominavam as partes para coro a diversas vozes. Professor de
incontáveis alunos e regente de grandes qualidades, Felinto Lúcio
Dantas foi, durante muito tempo, a maior liderança musical da região
do Seridó, sendo chamado com sua banda para todas as festas da
região.
Diferente de Tonheca, Felinto levava uma vida sóbria e
equilibrada, nunca havendo saído de seu sertão. Austero e
disciplinado, católico praticante, levava a sério todas as atividades de
sua vida, mantendo sempre os velhos costumes sertanejos com que
edificara seu caráter. Exercendo as funções de Secretário da Prefeitura
Municipal de Acari, deslocava-se a pé, todos os dias, de Carnaúba dos
Dantas. Depois de aposentado, dedicava-se ao cultivo de um sítio,
para onde se deslocava a pé, antes de nascer o sol, enxada às costas,
trabalhando sozinho no cultivo da terra e voltando a pé para casa, na
hora do almoço.134
Certa ocasião, Felinto era regente da banda de música de
Acari e preparava o seu conjunto para a festa da padroeira.
Aproveitando a estada de Tonheca na cidade, pediu a sua colaboração
na banda ao assumir a parte de clarinete, que era de difícil execução e
exigia um músico mais experiente. Tonheca se comprometeu com
maestro e compareceu aos ensaios. No dia da festa, deram cinco horas
da manhã e ele não apareceu para a alvorada. Felinto estranhou, mas
135 FELINTO LÚCIO Dantas (Carnaúba dos Dantas, 23 de março de 1898 - 11 de setembro de
1986).
164
não teve problemas, pois a alvorada não tinha partes difíceis para o
clarinete. Entretanto, não poderia dispensar a sua presença na missa.
Terminada a alvorada e preocupado com a missa solene às nove
horas, o maestro saiu pela cidade perguntando por Tonheca e
ninguém dava notícia dele até que alguém clareou a cena:
– Mestre, eu vi Tonheca lá em cima, no bar de Zé Nunes,
jogando...
Felinto não teve dúvidas; saiu à procura do primo. Subiu as
escadas do bar de Zé Nunes. Lá dentro, numa roda de pôquer onde
havia passado a noite, Tonheca estava mais do que concentrado, mas
reconheceu o ruído das alpercatas de Felinto nos degraus da escada.
Sentindo que o mestre havia parado na porta e bem às suas costas,
Tonheca, sem se virar para trás e sem esperar que Felinto falasse, foi
logo dizendo:
– Mestre, pode descontar a tocata... disse, sem tirar os olhos
das cartas abertas na mão esquerda.
– Não, Tonheca... não se trata disso. É que eu queria pedir
para você não faltar à missa, pois eu preciso de você no clarinete...
– Se aperreie não, mestre; eu termino aqui e vou...
Um pouco antes das nove, Tonheca chegou com a caixa do
clarinete debaixo do braço, a cara de cansado e os olhos vermelhos da
noite em claro na mesa de jogo. E executou a sua parte na missa,
soltando as notas do clarinete com aquela segurança e naturalidade,
como só ele sabia fazer.135
As passagens de Tonheca por Acari, como por outras
cidades do interior nordestino, têm muitas histórias que vivem na
boca do povo.
Conta-se que, de uma feita, certo vigário de
Acari encomendou a Tonheca um hino laudatório a N.
Sa. da Guia, padroeira daquela cidade. O texto poético
a ser musicado era de autoria de festejado vate potiguar.
135 Episódio relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas que, por sua vez,
ouviu do próprio Felinto Lúcio Dantas.
165
Tonheca, além de não ser muito chegado à Igreja, ele
próprio fazia restrições à sua veia para música sacra,
confessando sua pouca habilidade para compor hinos
laudatórios para santos... Entretanto, não querendo
deixar escapar a oportunidade de ganhar uns cobres,
aceitou a encomenda. Ajustado o preço com o vigário,
foi incontinente à casa de seu primo Felinto Lúcio, muito
mais destro no manejo da composição sacra, a quem
pediu que compusesse o hino que lhe fora encomendado.
Felinto Lúcio recusou- se, protestando o seu
ressentimento com o vigário, que anteriormente lhe
havia encomendado o referido hino e depois, sem lhe
dar qualquer satisfação, passara a incumbência a
Tonheca. Mas, diante da insistência do primo, Felinto
Lúcio não teve outro jeito senão aceitar o encargo,
embora com indisfarçável má vontade. Entretanto,
Felinto impôs uma condição; o hino seria dado à
publicidade como sendo de autoria de Tonheca; seu
nome não apareceria. A condição foi aceita. Os versos
foram musicados com inspiração religiosa adequada; a
melodia, como por encanto, surgiu do próprio texto
poético.
No dia da festa da padroeira, em Acari, todos
ficaram encantados com aquela esplêndida fusão
poético-musical. Foram exagerados os louvores que
Tonheca recebeu, após a missa festiva. O vigário
exultava! Acontece que, embora o preço do trabalho
tivesse sido previamente ajustado, passaram-se os dias,
sem que o padre se manifestasse, com respeito ao
pagamento.
Assim
ele
esperou
inutilmente.
Desapontado, vendo que não lhe pagavam, voltou à casa
de Felinto Lúcio, e foi lhe dizendo:
– Você sabe, Felinto, estive pensando e me parece que,
166
no resguardo do meu nome, aquele hino em louvor a N.
Sa. da Guia deve ser divulgado mesmo como sendo de
sua autoria.
Felinto rejeitou a idéia, lembrando a condição
combinada, mas Tonheca foi categórico: o hino era dele
e tornava-se necessário que todo mundo soubesse disso;
e estava acabado. Esse estranho comportamento do
primo surpreendeu Felinto Lúcio, que só mais tarde veio
a saber do logro de que tinha sido vítima o músico
carnaubense. Dias depois, em Acari, corria de boca em
boca que o padre ludibriara Tonheca, mas que ele
próprio fora enganado, porque, em represália, Tonheca
fez saber a todo mundo que o tão aclamado hino a N. Sa.
Guia tinha sido composto por Felinto Lúcio...136
Este período em Acari teve curta duração. Desligando- se do
emprego, Tonheca resolveu passar uns tempos com os irmãos em
Carnaúba dos Dantas, sua cidade natal. Ali chegou em princípios de
1926 e encontrou a banda de música de sua terra desativada. Com a
sua chegada, as coisas tomariam novo impulso. Reuniu o pessoal para
começar a ensaiar. Com o prestígio de seu nome, todos os músicos
acorreram a seu chamado, vindo gente até do meio rural, léguas de
distância e instrumento no saco, para o ensaio da banda.
Por esse tempo, a cidade de Caicó instituiu um concurso de
bandas e o pessoal de Carnaúba se alvoroçou para participar. Tonheca
preparou cuidadosamente a rapaziada e incluiu no programa a sua
composição “Delírio”. Tudo pronto, rumaram para Caicó.
Muitas bandas boas participaram, representando as cidades
da região seridoense. Quando se apresentou a Banda de Carnaúba,
falou mais alto a experiência do regente somada ao entusiasmo dos
136 Trecho extraído do discurso do maestro Oswaldo de Souza na Academia Norte-RioGrandcnse de Letras quando, em 22 de agosto de 1968, tomou posse na cadeira n° 33, cujo
patrono é Tonheca Dantas. Publicado na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras,
ano XX, n° 9, Natal, 1971.
167
músicos; o resultado final foi um grande primeiro lugar trazido para
Carnaúba, para alegria dos músicos, o orgulho das suas famílias e de
todos os carnaubenses.
Ao chegar à sua casa, uma carta da Paraíba o aguardava e
nela um convite para voltar a Alagoa Grande e mestrear a banda da
cidade; escrevia-lhe “Biló” Montenegro, filho do Dr. Francisco
Peregrino de Albuquerque Montenegro, pessoas de grande prestígio
no local. Tonheca não teve a menor dúvida; arrumou as malas e
tomou destino a mais uma peregrinação por conta de sua arte.
168
OUTRA VEZ EM ALAGOA GRANDE
D
e novo em Alagoa Grande, encravada por entre colinas
verdes e acolhedoras como acolhedora lhe fora a gente do
lugar e os bons amigos que fizera ali. A cidade continuara a
crescer, fruto do trabalho da agricultura e indústria locais. Novas ruas
e novos prédios confirmavam a riqueza econômica. No alto da Rua
Pedro II, construíra-se, em 1920, a “Vila Bella Vista”, residência de
fazer inveja a qualquer cidade grande. Ao lado dela, desde 1919,
iniciara seus trabalhos o Colégio das Freiras de Nossa Senhora do
Rosário, em elegante arquitetura e vizinho à igreja do mesmo nome.
O ambiente continuava propício para o trabalho das artes.
Depois, Tonheca poderia mandar buscar a família, instalar-se,
começar tudo de novo, mestrear a banda, escrever músicas, ensinar
aos componentes as novas músicas que trouxera. Nas horas vagas,
ensinar particular.
“Biló” (Severino Nóbrega) Montenegro137 administrava o
Engenho Mundaú, de propriedade da família. Era um dos maiores da
região do agreste, dominando extensa faixa de terra com cinquenta
casas de moradores. Apaixonado pela música, continuava a tocar
clarinete, instrumento que escolhera ainda jovem, decerto sob a
influência de Tonheca, nas primeiras vezes que estivera em Alagoa
Grande. Nessa oportunidade, mesmo que fosse vinte e seis anos mais
moço que o antigo professor, a velha amizade ainda mais se
137 Nascido a 23 de setembro de 1896, “Biló” Montenegro faleceu a 26 de outubro de 1964.
169
estreitava, baseada no gosto pela música e na intimidade do mesmo
instrumento.
Vizinha a Alagoa Grande, distante apenas vinte e cinco
quilômetros em estrada de barro, está Alagoa Nova, outra simpática
cidade da região. Alguns dias na semana, Tonheca viajava para lá e
mestreava a banda da cidade. Como em todo o lugar por onde
passava, muitos eram os jovens que o procuravam para o ensino da
música.
Em uma certa ocasião, Tonheca ensaiava em segredo um
dobrado que compusera para ser tocado de surpresa e pedira aos
alunos músicos que não falassem a ninguém sobre o assunto.
Uma manhã de calor forte fez Tonheca procurar o Riachão
para uns mergulhos e se refrescar quando, para sua surpresa, ouviu
alguém assobiando o dobrado que ele ensaiava em segredo. Intrigado
com o que ouvia, aguardou mais um pouco e ouviu o dobrado inédito
sair completo pelo “bico” do assobiador. Resolvendo ver quem havia
descoberto seu segredo, encontrou dois meninos tomando banho no
mesmo rio e alegremente assobiando o dobrado.
Tonheca se aproximou e, discretamente, conversou com os
meninos. Eles contaram que ficavam nas imediações do local do
ensaio para ouvir as músicas. O mestre sentiu que estava em frente a
pessoas de ouvido apurado e amor nascente pela música, o que
prenunciava futuros bons músicos. Então, pediu aos irmãos que o
levassem à presença de seu pai.
Chegando à modesta casa nos arredores de cidade, Tonheca
foi recebido pelo pai dos meninos e pediu a ele que permitisse que os
seus dois filhos José Eduardo e João Eduardo entrassem na banda
como aprendizes. O pai se desculpou alegando falta de condições
financeiras para comprar os instrumentos e arcar com outras despesas
necessárias. Tonheca insistiu, responsabilizando-se pelo empréstimo
dos instrumentos, e prometeu a sua ajuda pessoal no que os meninos
precisassem. O que ele não podia era deixar duas fortes inclinações
musicais sem os elementos necessários para o desabrochar da arte que
170
traziam inata.
Ao deixar Alagoa Grande e Alagoa Nova para mestrear a
Banda da Polícia Militar em João Pessoa, muitos meninos ficaram
com conhecimentos musicais suficientes para serem bons ouvintes de
música e outros tantos se dedicaram a ela profissionalmente. Os dois
irmãos eram terra fértil para as sementes lançadas pelo professor.
João Eduardo foi para o Rio de Janeiro, estudou violino e fixou
residência em Milão, na Itália, como músico profissional. José
Eduardo ficou em João Pessoa e mestreou as bandas da Polícia
Militar e do Exército.138
Em certa ocasião, Tonheca deu um passeio ao vizinho estado
de Pernambuco e, ao passar por uma cidadezinha, ouviu o som de
uma banda a ensaiar a sua valsa Royal Cinema. Aproximou- se e ficou
na porta, escutando. Ao terminar o ensaio, um dos músicos se
aproximou e perguntou:
– O senhor parece que toca...
– Eu tenho muita vontade de aprender – disse ele, irônico. O
músico resolveu, então, levar o visitante na troça e o chamou para
perto dos outros.
– Pegue um instrumento aí que “nós ensina”.
Tonheca pegou um clarinete e fez um jeito de quem nunca
tinha visto nada parecido. Os outros músicos ficaram em roda para
gozarem da cena.
– Sopre aqui, “ensinou” o músico.
Tonheca começou a soprar errado e o clarinete dava apitos
estridentes. Todos riam com a situação ridícula da qual ele participava
sabendo, e aguardava o momento para virar o jogo.
Em dado momento, saiu uma nota certa e limpa. O mestre se
aproximou, bateu no ombro dele e disse:
– Moço, o senhor é músico.
– É, pro senhor eu não vou negar. Eu sou músico e vou tocar
138 Fato relatado em Alagoa Nova pelo Sr. Manoel Vicente Filho (“seu” Eliseu), 83 anos que,
por sua vez, ouviu contar por sua mãe.
171
essa valsa que a banda estava tocando.
E soltou o clarinete na Royal Cinema.
Ao terminar e gozando da cara de espanto dos músicos,
puxou do bolso a carteira de identidade e mostrou:
– Sou Tonheca Dantas, o autor desta valsa.139
Em outra ocasião, chegou a uma cidade do interior da
Paraíba e, mais uma vez, foi atraído pelo som de uma banda que
tocava Royal Cinema. Aproximou-se e pediu permissão para entrar e
ouvir o ensaio. Verificou, então, que a música estava sendo tocada
com muitos erros. Terminada a execução da valsa, dirigiu-se ao
regente:
– Mestre, essa música não está tocada certo.
O mestre, surpreso, disse:
– É melhor ficar calado, pois o senhor não sabe o que é
música!
– Eu não sei, porém, esta valsa que o senhor está ensaiando
tem o nome de Royal Cinema e é de minha autoria.
– Esta valsa é uma composição de Tonheca Dantas.
– Pois eu sou Tonheca Dantas – disse, mostrando a carteira
de identidade. O mestre deve ter tomado um bruto de um susto.
– Me dê aí a batuta que vou mostrar como se toca essa valsa.
E foi corrigindo os erros...140
139 Fato relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas.
140 Fato relatado pelo major reformado da Polícia Militar do RN, Enéas de Araújo.
172
NA CIDADE DE PARAHYBA
N
ão passou muito tempo e lhe chegava uma carta vinda de
Parahyba, capital do Estado. Para sua surpresa e emoção, era
um seu ex-aluno que lhe escrevia. O jovem Elysio
Sobreira141, que havia estudado flauta com ele por volta de 1911 e se
tornara bom amigo e companheiro de atividades musicais, era o
comandante do Batalhão de Segurança.142 Com a patente de TenenteCoronel e sabendo de sua permanência em Alagoa Grande, fazia-lhe
um convite para mestrear a banda de música da sua corporação, na
capital do Estado.
Tonheca não esperou por mais nada e em começos de junho
de 1927 já tomava o trem de volta, desta vez com destino à cidade de
Parahyba. No Batalhão de Segurança, Tonheca deveria substituir o
regente Pedro Rodrigues que, ingressando no Exército, ia ser
transferido para o Rio de Janeiro.
Incluído no corpo da tropa, Tonheca não poderia passar
diretamente a mestre sem as etapas necessárias; apenas foi dispensado
do período de treinamento por já ter sido militar anteriormente. Já no
dia 8 de junho, o Boletim Regimental manda-o para a inspeção de
141 ELYSIO Augusto de Araújo SOBREIRA. (Esperança, Paraíba 20/08/78 - João Pessoa
30/05/ 1942).
142 O Capitão Elysio Sobreira foi promovido pelo Governador João Suassuna, a major fiscal a
13 de novembro de 1924 e, a 14 do mesmo mês, o Decreto n° 3918 o designou comandante da
Polícia Militar da Paraíba, no posto de Tenente-Coronel. O acontecimento está noticiado, em
primeira página, pelo jornal “A União” e o decreto publicado no Diário Oficial do Estado da
Paraíba, no dia 15 de novembro. Elysio Sobreira é o patrono da Polícia Militar da Paraíba.
173
saúde.
Assim, encontra-se em seus assentamentos:143
1927, junho. A 9, foi incluído no estado efetivo da força e
desta Cia., tomando o número acima ( 477 ) por ter verificado praça
voluntariamente, de acordo com o Art. 173 do R.F., ficando
considerado pronto por já ter servido no Corpo de Bombeiros de
Pará e na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, sendo sua inclusão
de ordem superior. Na mesma data passou a empregado como
aprendiz de música. A 11, foi transferido para o PE por ter sido
elevado a músico de Ia classe.
O Boletim de 9 de junho daquele ano de 1927 publica:
Alistamento: seja incluído no estado efetivo da Força e da 3a Cia.
tomando o número 477 por ter verificado praça voluntariamente, de
acordo com o R.F., o civil Antônio Pedro Dantas Tonheca, filho de
João José Dantas, com 44 anos de idade, natural do Estado do Rio
Grande do Norte, casado civilmente, sabe ler e escrever, vacinado,
com 1,75 de altura, barba raspada, cor morena, cabelo grisalho,
olhos castanhos e rosto oval. Fica considerada praça pronta por já
ter servido no Corpo de Bombeiros de Pará e na Polícia Militar do
Rio Grande do Norte, sendo esta inclusão de ordem superior.
Aprendiz de Música. Passa a aprendiz de música o soldado
n° 477 Antônio Pedro Dantas Tonheca.
A 11 de junho: Seja elevado a soldado-músico de 1ª classe,
de ordem superior, o soldado n°477 Antônio Pedro Dantas Tonheca;
sendo por tal motivo transferido para o P/E, onde fica agregado.
O Livro do Estado Menor da Polícia Militar da Paraíba
consigna, à página 86, o rápido progresso na hierarquia daquela
corporação:
Em 1927, junho. A 11, foi incluído nesta unidade, vindo com
transferência da 3a Cia., por ter sido elevado a músico de 1a classe,
de ordem superior. A 13, foi promovido ao posto de 3o sargento
143 4º Livro de Assentamento de Praças da 3a Companhia. Arquivo da Polícia Militar da
Paraíba.
174
músico, conforme proposta apresentada pelo Sr. tenente ajudante
secretário.
E, para continuar sua rápida evolução, o Boletim do dia 13
de mesmo mês: Promovo ao posto de 2º sargento-músico, o soldadomúsico de 1a classe agregado Antônio Pedro Dantas Tonheca,
conforme proposta do 1o tenente-ajudante interino, nesta data. Para
tão rápidas promoções valeram, certamente, além da competência do
músico, o reconhecimento de seus valores pelo comandante, seu
companheiro de tantos anos atrás.
Enquanto o mestre não se desligava do posto, Tonheca era
designado contramestre da banda.
Em 1927, a Banda de Música do Batalhão de Segurança do
Estado da Paraíba era formada por 40 integrantes, sendo 13 músicos
de 1a classe, 13 de 2a e 14 de 3a classe. Como 2o Sargento, Tonheca
deveria receber a importância de 5$000 (cinco mil réis) mensais.
Ocasionalmente, Tonheca realizava viagens a Natal com o
objetivo de receber seus vencimentos reduzidos pela metade e pagos
pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, referentes ao
emprego que ainda mantinha em disponibilidade, na Mesa de Rendas
de Santana do Matos. Essas viagens eram sempre incômodas, mas
tinha que voltar a Parahyba, pois estavam lá a esposa Francisca e oito
filhos. Na verdade, as suas raízes sertanejas vibravam fortes em suas
veias e a saudade da terra de origem falavam alto nos momentos de
maior sensibilidade. Certamente, foi num momento desses que
Tonheca compôs e instrumentou para banda de música uma das suas
mais belas valsas, datada de – Paraíba, 1927 e intitulada “A
Desfolhar Saudades.”
O ano de 1928 trouxe para o Rio Grande do Norte a
mudança do governo de José Augusto para Juvenal Lamartine,144
agora com o título de Presidente do Estado e não mais Governador. E,
logo em 19 de janeiro, o Diário Oficial publicou: O Presidente do
144 JUVENAL LAMARTINE de Faria (1874 - 1956) governou o Estado de 1928 a 1930.
175
Estado, usando de atribuição legal e tendo em vista que, na lei
orçamentária para o exercício vigente, não foi consignada verba
própria para as despesas com os seguintes funcionários Antônio
Pedro Dantas Tonheca (poeta Othoniel Menezes e mais diversos
outros funcionários) resolve dispensar os referidos funcionários dos
cargos anteriormente ocupados pelos mesmos. Terminava, assim, a
frustrante carreira de um artista forçado a ser funcionário burocrático.
Não mais eram necessárias as longas viagens a Natal para receber a
metade do salário no Tesouro do Estado. Entretanto, extinguia-se uma
fonte de recursos que, mesmo pequena, iria fazer falta no orçamento
familiar, Agora, era sobreviver apenas com o soldo pago pela Polícia
Militar da Paraíba.
Fora este acontecimento, o ano passou sem mais novidades.
No quartel, os assentamentos apenas disseram: 1928, março. A 26 foi
vacinado. Dezembro, a 17 foi promovido ao posto de 1o sargento
músico. Decerto que foi nesta ocasião que passou de contramestre a
mestre, com a transferência do mestre Pedro Rodrigues.
A sucessão do Presidente Washington Luís provocou
acontecimentos políticos de grande importância em todo o país. Na
Paraíba, o presidente do Estado, João Pessoa145, teve de enfrentar a
grave crise causada pela revolta do deputado José Pereira, seu antigo
correligionário.
Rompendo com João Pessoa às vésperas da eleição realizada
em fevereiro de 1930, José Pereira passou a apoiar Júlio Prestes,
candidato do Presidente Washington Luís.146 Em seguida, refugiou-se
na cidade de Princesa Isabel, declarando-a território livre da
autoridade estadual e passou contar com o serviço de “cangaceiros” e
do governo de Washington Luís, que o apoiava fornecendo armas e
munições.
145 O Presidente do Estado da Paraíba, JOÃO PESSOA Cavalcanti de Albuquerque, governou
de 22 de outubro de 1928 a 26 de julho de 1930, dia em que foi assassinado no Recife, fato que
precipitou a Revolução de 30.
146 JÚLIO PRESTES de Albuquerque foi eleito a 10 de março de 1930, não tomando posse por
conta da “Revolução de 30.”
176
Ao governo da Paraíba não era facilitado acesso ao
armamento e às munições de que carecia, mas a Polícia Militar, sob o
comando do coronel Elysio Sobreira, cercou a cidade de Princesa
Isabel, oportunidade em que se deram sangrentos conflitos.
Na noite 17 para 18 de agosto do mesmo ano, agravada a
situação, o quartel da Polícia Militar entrou em prontidão. Naquela
noite, se deu a vitória contra José Pereira, quando tropas do Exército
reforçaram as forças estaduais.
Na capital, o comandante da Polícia Militar, considerando
desnecessária a presença do regente da banda de música no quartel
numa situação em que seus serviços não seriam requisitados,
dispensou o 1o Sargento Tonheca do pernoite, autorizando-o a dormir
em sua residência, por sinal, bem próxima do quartel.
No dia seguinte, como consequência da vitória e
considerando que o pessoal que ficara de prontidão participara de uma
ação de combate, o governador resolveu promover a 2o Tenente todos
os primeiros sargentos.
Tonheca, que tinha ido dormir em casa, perdeu a
oportunidade, permanecendo como Sargento, enquanto seus colegas
passavam a oficiais.
Destacado para lecionar e formar uma banda para uma
escola agrícola em Pindobal, próxima à cidade de Mamanguape,
transferiu-se com a família para aquele lugar e iniciou logo os seus
trabalhos. Da casa de onde moravam para a escola agrícola, o
professor tinha que atravessar o rio Mamanguape que, quando enchia,
dava-lhe com água pelos peitos. Três vezes por semana, ensinava aos
rapazes e moças da cidade, enquanto esperava a chegada do
instrumental para a formação da banda. O tempo passou, os
instrumentos nunca chegaram e o mestre, por fim, recebeu ordem para
voltar para a capital.
Dezembro de 1931; sua idade não passou despercebida. A 16
foi excluído por haver concluído o tempo de serviço o qual se obrigou
a servir a não poder continuar servindo nesta corporação por ter
177
excedido a idade estipulada pelo regulamento.147
Para a Polícia Militar do Estado da Paraíba, Tonheca estava
sendo desligado por ter chegado à sua idade limite para ser soldado,
que era a de 48 anos. Declarara haver nascido em 1883 e assim consta
de seus assentamentos iniciais. Seu amigo Tenente-Coronel Elysio
Sobreira continuava afastado do comando e, como Assistente Militar
do Interventor Federal do Estado, não poderia interferir nos atos do
comandante da corporação policial. Sua idade naquele ano era,
efetivamente, 61 anos, pois nascera em 1870 e, assim, enganou a
corporação desde o dia em que foi incorporado...
147 9º Livro de assentamento de Praças da 2ª Cia do 1º RJ. Arquivo da Polícia Militar da
Paraíba.
178
179
RETORNANDO A NATAL
A
o voltar para o Rio Grande do Norte em fins de dezembro de
1931 – desta vez, definitivamente – Tonheca encontrou o
Estado com a sua constituição política mudada. Desde o dia
6 de outubro daquele ano de 1930, a chamada “revolução de 30” se
instalara também no Estado e o Governador Juvenal Lamartine, que
substituíra José Augusto, fora forçado pelas forças revolucionárias a
deixar o cargo, exilando-se em Paris.
Imediatamente, assumiu o governo do Estado uma Junta
Governativa Militar, composta pelos oficiais do Exército, Major Luiz
Tavares Guerreiro, Capitão Abelardo Torres da Silva Castro e pelo
Tenente Júlio Perouse Pontes. O governo do Estado, que era exercido
com o título de Presidente do Estado, foi substituído pelo de
Interventor Federal, sendo os seus titulares nomeados pelo governo
federal. Inúmeros foram os militares nomeados Interventores Federais
para o Rio Grande do Norte, muitos com breves passagens pelo
poder, sendo substituídos por políticos locais. No momento da
chegada de Tonheca a Natal, o Estado era governado pelo exGovernador Antônio de Souza, em substituição ao Capitão-Tenente
Hercolino Cascardo, Interventor Federal desde 31 de julho de 1931
até 3 de fevereiro de 1932.
As retretas das bandas de música haviam retornado às praças
públicas e as músicas de Tonheca voltaram a ser tocadas.
A música popular continuava participada pelos velhos
seresteiros, ainda persistentes no costume das serenatas. O conjunto
180
"Alma do Norte” continuava suas apresentações de músicas matutas e
seresteiras o os “Irmãos Carolino” entusiasmavam o público com suas
audições ao violão. Enquanto isto, começa a despontar a jovem
cantora Ademilde Fonseca. No Rio de Janeiro, o violonista
conterrâneo Henrique Brito prosseguia a sua carreira de sucesso,
como componente do “Bando de Tangarás”, como compositor e
solista de violão.
Na área da música erudita, destacam-se as audições dos
alunos do curso Waldemar de Almeida, que continuava revelando
talentosos pianistas, havendo de se destacar, entre eles, o menino
Oriano de Almeida.
No ano seguinte, um grupo liderado pelo professor Severino
Bezerra de Melo apresentou ao Interventor Bertino Dutra, um pedido
para que fosse criada uma escola de música em Natal e, em 31 de
janeiro de 1933, o mesmo Interventor criava o Instituto de Música do
Rio Grande do Norte, nomeando o maestro Waldemar de Almeida
para seu primeiro diretor. Prenunciavam-se melhores dias para a arte
musical potiguar.
181
DE VOLTA À POLÍCIA MILITAR
E
m Natal, novamente, com uma família numerosa e sem
emprego. Que fazer se não valer-se, outra vez, do Regimento
Policial Militar148 de seu Estado, onde outras vezes encontrara
abrigo? Naquela oportunidade, as coisas pareciam bem mais fáceis,
pois o regente da banda era o seu primo, Enéas Hípólito Dantas.149
Cansado de tantas andanças e incertezas, Tonheca procurou
o quartel da corporação no velho prédio da Rua Presidente Passos.150
Reencontrou velhos colegas e sentiu que aquele lugar tinha para ele a
dimensão de um segundo lar. Voltava abatido e alquebrado; a
insegurança e as preocupações lhe causavam sempre dores no
estômago que os médicos diziam ser o começo de uma úlcera.
Submetido a dieta, melhorava, mas perdia peso e se sentia
enfraquecido. Os amigos notavam e ele justificava que era da idade...
A sua doença tinha um sintoma muito curioso; sentia dores no
estômago sempre que bebia água. Deixou, então, de beber água – e o
fez por cerca de dez anos, substituindo-a por líquidos diversos. Uma
cervejinha não lhe causava nenhum problema, o que permitia – por
sorte! – tomá-las com frequência... A dificuldade na digestão levou-o
148 A Polícia Militar, pelo Decreto n° 469, de 4 de fevereiro de 1930, passou a se denominar
Regimento Polícia Militar.
149 Enéias Hípólito Dantas (Carnaúba dos Dantas, 01/06/1880 - Natal, 11/03/1942). Duas vezes
mestre da Banda de Musica da Polícia Militar, faleceu no posto de 1o Tenente comandante da 2a
Cia. de Fuzileiros. Regente e compositor, foi várias vezes mestre da Banda da Polícia Militar.
Era irmão de Manoel Hipólito, o já conhecido “Fumaça”.
150 O antigo prédio do Hospital de Caridade, atual Casa do Estudante, serviu como Quartel da
Polícia Militar de setembro de 1914 a maio de 1953.
182
a se alimentar de alimentos leves, de preferência pastosos e líquidos.
Almoçava e jantava sempre uma sopa, acompanhada de uma
cerveja...
Encontrando o mestre Enéas Hipólito Dantas, Tonheca lhe
expôs o seu desejo de voltar a incorporar-se no Regimento Policial
Militar.
– Tonheca, você está me trazendo um grande problema, pois
você sabe que não tem mais idade para ser incorporado. O exame de
saúde vai reprovar você com certeza e eu, por mais que queira um
músico de sua qualidade para reforçar a banda, não posso fazer nada
contra o parecer dos médicos...
Tonheca saiu ainda mais abatido do que chegara. Ensinar
música, somente, não era o suficiente para sustentar uma família
numerosa como a sua.
Os colegas músicos, que esperavam ansiosos pela sua volta
à banda, ficaram decepcionados com a notícia. Um deles chamou
Tonheca em particular:
– Faça uma valsa, ponha o nome da esposa do comandante e
traga para a gente tocar. Assim você chama a atenção dele e quem
sabe...
– Como se chama a esposa do comandante?
– Lydia... Lydia Cavalcanti.
Pelo caminho de volta para casa, as primeiras frases
melódicas da valsa já iam se delineando na cabeça. Ao chegar, antes
mesmo de contar para Chiquinha o resultado de sua conversa, pegou o
clarinete, uma caneta e papel de música e começou a rascunhar os
primeiros compassos.
À tarde, depois do almoço, a terceira parte já estava escrita.
Depois da ceia, começou a fazer a harmonização, imaginando o efeito
que cada frase de cada instrumento poderia causar nos ouvintes,
passando tudo para a “grade” de maestro. Em seguida, copiaria cada
parte e daria os retoques finais, trabalho exaustivo que, para ele, com
a prática que tinha, saiu a contento. Mas, o galo já cantava o começo
183
da madrugada... Tonheca ainda se deitou, mas não conseguiu dormir.
A preocupação fizera voltar as dores no estômago. Tomou um café
ligeiro e voltou ao quartel procurando o amigo que lhe dera a
sugestão;
– Já está pronta a valsa? Deixe comigo que eu vou pedir
para que ela seja entregue ao comandante.
– O Tenente Sandoval Cavalcanti151 chegou ao seu gabinete
para o expediente e encontrou sobre sua mesa uma encomenda a ele
endereçada. Abriu o envelope e retirou o conteúdo: a partitura e
instrumentação de uma valsa com o título “D. Lydia Cavalcanti”, o
nome de sua esposa, e o autor, Antônio Pedro Dantas Tonheca, a
quem não conhecia. Curioso, o comandante mandou chamar o regente
da banda, entregou a ele as partes musicais, dizendo que gostaria de
ouvir aquela valsa que tinha o nome de sua esposa. O mestre Enéas
Hipólito combinou avisar-lhe quando a música estivesse no ponto de
ser ouvida e, ao ver quem era o autor da valsa que trazia o nome da
esposa do comandante, sentiu logo que havia ali alguma matreirice do
velho Tonheca. Resolveu colaborar em tudo que pudesse ajudar o
primo naquela hora de necessidade.
Voltando ao alojamento da banda, distribuiu as partes a cada
membro e deu uma passada na música para reconhecimento. A
melodia fluiu suave e delicada, no estilo tão peculiar ao compositor.
Já podia chamar o comandante Sandoval para ouvir a valsa, mas
pensou que seria melhor que o compositor estivesse presente para ser
apresentado e, até mesmo, fazer o seu pedido. Assim, mandou um
recado para Tonheca para que ele comparecesse ao quartel no dia
seguinte.
Na hora combinada, Tonheca se apresentou no alojamento
da banda. Modestamente vestido, estava abatido por uma nova crise
da úlcera gástrica. Postou-se reservadamente, enquanto Enéas
151 O 1° Tenente do Exército SANDOVAL CAVALCANTI de Albuquerque comandou o
Regimento Policial Militar do Rio Grande do Norte de 1°de agosto de 1931 a 1°de junho de
1932. Foi nomeado Prefeito Provisório de Natal a 19 de junho de 1932, exercendo aquela função
até 17 de janeiro de 1933.
184
Hipólito mandava avisar ao comandante que poderia ouvir a valsa de
sua esposa. O Tenente Sandoval não se fez esperar. O regente lhe
ofereceu uma cadeira um pouco distante dos músicos para que
pudesse ouvir melhor o conjunto e subiu ao seu estrado, dando início
à execução da música.
Tonheca, do outro lado da sala, observava a fisionomia do
comandante, que depois das primeiras repetições da primeira e
segunda partes, demonstrava um ar de satisfação.
Terminada a execução, o comandante Sandoval aproximouse do regente:
– Muito bem. Muito bonita esta valsa. Minha esposa vai
ficar muito satisfeita em poder ouvi-la. E o autor, é algum dos nossos
músicos?
– Não comandante, o autor é um dos mais renomados
compositores do Estado que acaba de chegar da Paraíba. Ele está ali.
E, virando-se para o autor:
– Tonheca venha cá para eu apresentá-lo ao comandante!
Tonheca se aproximou, com seu jeito acanhado.
– Meus parabéns pela linda valsa e muito obrigado pela
homenagem à minha esposa. Ela vai ficar muito lisonjeada com a sua
gentileza. O Sr. trabalha onde?
– Tonheca está desempregado, comandante – adiantou- se o
mestre.
– Ele é um músico de primeira qualidade, compositor de
muitas peças e clarinetista de mão cheia. Ele até me pediu para ver se
conseguia colocá-lo aqui na banda, mas...
– E qual é o problema? – perguntou o comandante.
– Bem... é que ele já não tem mais idade para ser
incorporado.
– E o que é que tem a idade a ver com um músico se ele é
bom profissional e vai contribuir para melhorar a nossa banda? Se ele
fosse para o corpo da tropa, onde se exige muito do físico, ainda se
justificava, mas para ser músico, o importante é que toque bem.
185
– Eu também acho, comandante, mas... e a inspeção de
saúde? Ele será reprovado por causa da idade...
– Pois, então, ele não vai fazer inspeção de saúde. Mande
incorporar o homem!
O comandante apertou a mão de Tonheca e do regente e se
retirou.
Enéas Hipólito olhou para o primo com um ar de riso, como
se dissesse: “Você conseguiu!” e nada comentou na frente dos
músicos que, mal saiu o comandante, partiram para o novo colega,
entre abraços e parabéns, certos de que a banda iria ter um novo e
forte reforço.
Tonheca subiu de um fôlego só a ladeira da Rua das
Laranjeiras, só pensando em chegar à sua casa e contar tudo a
Chiquinha.
No domingo à tardinha – 31 de março de 1932 – um
numeroso público já se aglomerava em volta do tablado erguido na
Praça 7 de setembro, como sempre acontecia, para ouvir mais uma
retreta da Banda da Polícia Militar. Rapazes e moças elegantemente
trajados circulavam pela praça, no delicioso jogo do flerte e do
namorico. Casais colocavam suas cadeiras mais perto para melhor
desfrutarem do esperado momento. Enquanto isto, os vendedores de
sorvetes, pipocas, amendoins e castanhas confeitados ofereciam seus
produtos em insistente cantilena.
O sol já se punha pelo outro lado do Potengi. Tonheca, mais
uma vez, vestia a farda de brim amarelo-pardo do Regimento Policial
Militar. Estava orgulhoso por ter voltado à corporação, mas, naquela
tarde, estava um pouco ansioso. Era a sua primeira retreta na sua
terra, depois de tantos anos de ausência. Ocupou a cadeira do 1o
clarinetista e arrumou na estante as suas partes. Olhando para o
público, viu que, bem à sua frente estavam sentadas muitas famílias,
entre elas o comandante Sandoval Cavalcanti com sua esposa.
Tonheca sentiu-se um pouco inseguro pela reação dela. Será que ela
gostaria da valsa? Logo despertou de suas interrogações quando o
186
contramestre pediu silêncio aos músicos e deu o sinal para Tonheca
tocar o Lá do diapasão. Todos os músicos afinaram seus instrumentos
por aquele som básico, até que, ouvindo cada naipe, considerasse a
banda afinada.
O mestre subiu ao estrado e agradeceu aos aplausos do
público. Erguendo os braços, deu sinal para as primeiras notas do
Prelúdio da ópera “A Última Noite”, do maestro Luigi Maria Smido.
As músicas foram se sucedendo, os aplausos calorosos, e o
público decerto nem se apercebia de que a bonita tarde de março já se
mudara em noite.
Chegou a vez da última peça: o mestre Enéas Hipólito
anunciou a valsa D. Lydia Cavalcanti, uma homenagem do
compositor Tonheca Dantas à excelentíssima senhora esposa do
comandante, 1o Tenente Sandoval Cavalcanti. Terminada a execução,
ainda se ouviam os aplausos e o comandante e a esposa subiram ao
palanque para cumprimentarem o autor.
– Muito agradecida pela sua gentileza de me oferecer uma
valsa tão bonita, disse dona Lydia.
Tonheca guardou o clarinete no estojo e voltou para casa,
certo de que, dali por diante, a sua vida seria mais sossegada.152
152 A valsa “D. Lydia Cavalcanti” foi tocada em público, pela primeira vez, em retreta realizada
pela Banda do Regimento Policial do Estado na Praça 7 de Setembro, em 31 de março de 1932,
conforme noticia “A República” do mesmo dia.
187
188
LEVANDO A VIDA
F
im de dia na quieta Natal dos fins dos anos 30.
Às cinco horas da tarde, em geral, terminava o trabalho em
todas as áreas, encerrava-se o expediente nas repartições
públicas e o comércio fechava as suas portas. Todos voltavam para
suas casas. Era a hora de relaxar um pouco das canseiras do dia, o
melhor momento para se botar as cadeiras nas calçadas, reunir a
família e os amigos para uma palestra, aproveitando a gostosa brisa
que soprava do mar.
Na calçada de sua residência, à Avenida Junqueira Aires
448, o médico Aderbal de Figueiredo esperava a visita de alguns
amigos para um ritual diário de amizade e tradição.
Aos poucos, iam chegando. Primeiro, o seu vizinho,
desembargador Silvino Bezerra Neto, muitas vezes acompanhado de
seu filho Luís. Depois, mais três amigos e clientes do Dr. Aderbal: o
escritor Eloi de Souza, diretor do jornal “A Razão”, Manoel
(Nezinho) Alves Filho e o industrial João Câmara, sentavam-se para a
palestra diária.
Logo chegava Tonheca Dantas, acompanhado do amigo
poeta Damasceno Bezerra. Vinha do quartel, ainda fardado e trazendo
uma pasta com papéis de música.
Ali, confortavelmente sentados, conversavam sobre os
assuntos do dia; as últimas notícias da guerra eram sempre as mais
constantes.
O desembargador Silvino lembrava, com Tonheca, os seus
189
tempos de menino em Acari, quando juntamente com seu irmão José
Augusto Bezerra de Medeiros, estudavam música tendo o próprio
Tonheca como professor e sonhavam – os dois, desfilarem em
garbosas bandas, como profissionais da música. O destino havia
traçado um caminho diferente para eles.
Tonheca, entretanto, sempre vivera de música e ainda vivia
a música, apesar das decepções e canseiras de tantos anos de tantas
lutas.
O poeta Damasceno Bezerra, sempre falastrão e exaltado,
aguardava o momento para, terminada a reunião, sair para tomar um
ou mais aperitivos antes do jantar. Certo dia, invertera a ordem e já
chegara “meio alto”, com muitos aperitivos anteriormente tomados.
Trazia nas mãos um pombo vivo.
– Damasceno, para que esse pombo?
– Isto é para a “parede”153, desembargador! Para a “parede”!
Tonheca, sempre modesto, ouvia tudo e falava pouco. Entre
aquelas pessoas – médico, jurista, político, intelectual, o maior
empresário do Estado – era o menos aquinhoado economicamente.
Vivia de seu modesto soldo da Polícia Militar e com ele sustentava
uma numerosa família. A arte que tão carinhosamente cultivara não
lhe havia recompensado com riqueza material por tanto tempo de
fidelidade e dedicação, mesmo que o seu valor naquele campo fosse
tão grande ou até maior do que o de seus companheiros de palestra,
em suas respectivas áreas.
As luzes amareladas dos postes da “Força e Luz” começam
a se acender. O sol, que pintava com o vermelho do poente as
fachadas das casas da frente, já se recolhera para o outro lado do
Potengi. Um ou outro automóvel subia ou descia a ladeira, quebrando
o silêncio daquela tarde quase noite.
153 Parede: o mesmo que “tira-gosto”
190
TERMINANDO A MISSÃO
N
a última e mais e mais longa permanência na Polícia de seu
Estado, iniciada em 10 de março de 1932, Tonheca alistouse voluntariamente neste Btl. para servir por dois anos,
conforme publicou o Boletim Regimental da mesma data, ficando
incluído no P.E. como músico de 1a classe. 154 O restante do ano
passou sem maiores alterações.
Em casa, organizou-se para lecionar e tentar melhorar o
orçamento doméstico. Comprou um quadro negro e arrumou a sala
para as aulas particulares e ensinava, também, aos candidatos a
concursos para bandas militares. Os alunos foram chegando, atraídos
pelo seu prestígio desde há muito tempo divulgado. Residia, logo ao
retornar a Natal, em um sítio onde hoje é a Rua Régulo Tinoco. A
esposa Chiquinha sempre lhe pedia para ensinar música aos filhos e
ele se negava, argumentando que “a música era muito ingrata.”
Vale salientar que os soldados músicos de 1a classe
percebiam soldos iguais aos de um 1o Sargento: 245$000 (duzentos e
quarenta e cinco mil réis). Compare-se com o soldo de um soldado de
1a classe (185$000) e o da maior patente, um major (900$000).
Em 21 de abril de 1933, foi, pelo Sr. Tenente-Coronel
Abelardo de Castro, comandante deste Btl, louvado pela dedicação e
disciplina com que se conduziu durante o seu comando.
Naqueles tempos, era comum aos prefeitos do interior
solicitarem ao Comandante do Regimento Policial Militar que
passassem à disposição de suas prefeituras músicos experimentados
154 Os assentamentos dos anos de 1932 e 1933 constam do Livro n° 2, do Pelotão
Extranumerário. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.
191
para mestrearem bandas de música nas suas cidades. Assim, no ano
de 1935, encontra-se Tonheca em Açu, com a esposa Chiquinha e os
filhos, mestreando a banda municipal. Desse período, ficou a valsa
“Laurita”, que está dedicada Ao illustre Dr. João Celso Filho off. a
presente composição musical de minha autoria, como uma prova de
alto apreço. Está datada de 1o de abril de 1935.155 Laurita, filha do Dr.
João Celso Filho, chamava-se Laura Dantas da Silveira e, naquele
ano, tinha 12 anos de idade.
Em 23 de novembro, os acontecimentos resultantes da
“revolução comunista” trariam graves problemas para a Polícia
Militar, entre outros o ataque ao seu quartel da Rua Presidente Passos.
Por volta das 19 horas do dia 23, teve início o levante
armado, partindo dos praças do quartel do 21° Batalhão de
Caçadores.156 Portando armas, os revoltosos tomaram as ruas da
cidade, verificando-se intensa fuzilaria, atacando a Casa de Detenção
e o Pelotão Montado. No quartel, o Capitão Joaquim Teixeira de
Moura liderou a resistência. Ao toque de recolher, poucas praças
acorreram ao quartel, que foi duramente atacado por volta do meiodia do dia 24, quando os revoltosos utilizaram metralhadoras e
granadas de mão. Esgotada a munição por volta das 15 horas, o
quartel foi submetido ao saque, falecendo na ocasião, vítima de tiros,
o soldado Luís Gonzaga.
Teve sorte Tonheca em estar fora de Natal em 1935.
Em 1937, era regente da Banda do Regimento Policial o
Tenente Luís Gonzaga César de Paiva, sendo mestre o Brigada
Euclides Moreira e Silva e contramestre o 1o Sargento Enéas de
Araújo. Em vista de muitos músicos estarem deslocados para o
interior, na missão de mestrear bandas de música, causando a
ausência dos mesmos grandes problemas, decidiu o Tenente Luís
Gonzaga César de Paiva solicitar ao então comandante, Coronel
155 O original da valsa “Laurita” pertence ao Sr. Celso da Silveira e está, infelizmente,
incompleta, faltando-lhe partes de diversos instrumentos.
156 Local onde se encontra o colégio Winston Churchill
192
André Fernandes de Souza, que ele mandasse voltar aqueles seis
músicos que estavam à disposição de prefeitos do interior. Tonheca,
que estava mestreando a Banda de Santana do Matos, apresentou- se
ao quartel, para reassumir as suas funções.
Vinha abatido pelos problemas de saúde que ultimamente se
agravavam. O Tenente Luís Gonzaga César tomou a iniciativa de, em
consideração ao renome e passado de Tonheca, em vista de sua idade
e, também, de sua saúde precária, dispensá-lo das atividades militares
ordinárias, como os ensaios, desfiles e tocatas, atribuindo-lhe a
incumbência de apenas copiar músicas e fazer instrumentações,
sendo-lhe dispensada até mesmo a presença no quartel, podendo
realizar o seu trabalho em casa. Por esses tempos, Tonheca Dantas
Filho, que ingressara na banda da corporação em 16 de dezembro
daquele ano e ali permaneceria até 14 de junho de 1946, tornara-se
colega do pai na farda e na música, embora nunca tenham tocado
juntos nas apresentações da banda.
Respeitado e admirado por todos os demais músicos que o
tinham como mestre, Tonheca gozou de uma situação privilegiada,
fruto do prestígio que conseguira, por tantos e tantos anos dedicados
ao cultivo da música.
Consta nos registros do quartel que Tonheca, em 3 de janeiro
de 1938, em virtude da reorganização da Força foi, conforme consta
do Boletim n° 1, incluído nesta sub-unidade (Companhia Extra) vindo
do antigo Pelotão Extranumerário.
No dia 27 do mesmo mês, apresentou-se, vindo da cidade de
Santana do Matos, licenciado, a esta capital.
Em 5 de abril, seguiu destacado para São José de Mipibu e,
em 19, foi mandado continuar a servir no estado efetivo desta Força,
dependendo a concessão do engajamento do resultado da inspeção de
saúde a que deve ser submetido quando vier à capital. Em 31 de
dezembro, foi, pelo Sr. Cmt. Geral, louvado pelo amor à disciplina e
à dignidade da farda.157
157 Os assentamentos do ano de 1938 constam do 1º Livro da Companhia Extra. Arquivo da
Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.
193
Uma nova incumbência, desta vez em São José de Mipibu, e
a repetição dos mesmos fatos, mudado apenas o ambiente de trabalho:
reunir aprendizes e ensinar teoria e um instrumento; escolher os mais
experientes e formar a banda, fazer arranjos, cópias, instrumentações,
ensaiar e ensaiar, apresentar-se nos dias festivos – sejam patrióticos,
sejam religiosos – tocar para os grandes do lugar. Afinal, assim tinha
sido a sua vida; a esta atividade tinha dedicado a sua mocidade e, aos
69 anos, ainda assim este era o seu maior prazer. Nas horas vagas,
compor; o ímpeto criador não cessara com o passar do tempo. Antes,
se estabilizara e solidificara. E era, ainda, uma forma de acrescer
alguma coisa ao orçamento magro com que vivia.
Compôs, em São José de Mipibu, uma de suas mais belas
valsas; intitulou-a “Dagmar Duarte Dantas”, nome de uma das filhas
de João Beckmam Dantas, proprietário do Engenho “Olho d’Água”. O
manuscrito original é uma versão para piano, autografada pelo autor e
dedicada Ao Sr. Cel. João Dantas, como prova de estima. É bem
provável que esta tenha sido a sua última composição. Era o seu canto
de cisne.
194
Manuscrito de Tonheca Dantas. (Propriedade do Sr. Carlos José
Marques de Carvalho).
195
196
197
ADEUS AO SERTÃO
O
utubro de 1938. Tonheca atendia, mais uma vez, ao apelo de
suas origens sertanejas e, na boleia de um caminhão misto,
sulcando as estradas poeirentas do Seridó, buscou, mais uma
vez, a sua cidade natal. Como o fizera tantas vezes, voltava para
participar das festas de Nossa Senhora das Vitórias, padroeira de
Carnaúba dos Dantas, realizada em 25 de outubro.
Durante a viagem, o demorado percurso era amenizado pela
animada conversa dos viajantes, todos conhecidos e quase todos
parentes, que contavam os mais recentes “causos”. Lembrava,
decerto, quantas vezes fizera aquele percurso no lombo de cavalo, sol
a pino, e a estrada a não mais findar. Naquele momento, convivia com
o progresso; o caminhão rasgava a estrada e num dia de viagem
chegava a Acari. Muito tempo havia passado desde aquele distante
1898, quando ele, jovem e cheio de esperanças, buscava Natal para
tentar a vida. Dali em diante, tantas estradas, tanta gente, tanta vida,
tanta música.
Dia 25 de outubro, Carnaúba dos Dantas; alvorada pela
banda de música de madrugada, foguetões, missa solene com
orquestra e cânticos. Almoço festivo na mesa farta do sertanejo. À
tarde, a procissão, muita gente da cidade e dos arredores, devoção,
promessas, banda de música. Na igreja, benção solene e, ao som da
música, a descida da bandeira da santa encerrava os festejos
religiosos.
Depois, a parte profana: o esperado baile nos salões do
198
Grupo Escolar Caetano Dantas. Muita gente vinha das cidades
vizinhas, as famílias disputavam as mesas mais bem colocadas e os
rapazes e moças, vestindo as melhores roupas, preparavam-se para ser
notados e sonhavam encontrar o par que lhes faltava.
Há uma contagiante vibração no ar. Vão chegando os
músicos da orquestra, os melhores da região: Severino Leopoldino,
Zezinho Felipe, Nicandro Alberto, os irmãos Pedro e Felinto Lúcio
Dantas e outros, sob o comando do mestre Pedrinho Arboés. Como
sempre acontecia, o conjunto recebia o reforço de Tonheca.
Após a coroação da rainha da festa, dançou-se a valsa, o
ponto alto do baile. Como em outras vezes, a valsa escolhida foi
Royal Cinema. Tonheca tomou o clarinete e deu alguns passos à
frente. A melodia tão conhecida, mas sempre nova e envolvente,
atingia a todos e poucos ficaram sentados, contagiados pela melodia
da velha e querida valsa.
Acordes finais, aplausos. Tonheca senta-se e as palmas
continuam. Será que todos haviam tido a intuição de que Tonheca
estava tocando para seus conterrâneos pela última vez?
Continuavam os aplausos. O músico levanta-se, agradece,
troca algumas palavras com o mestre Pedro Arboés, apanha um
saxofone e se põe de novo frente à orquestra. O aplauso cresce e para.
Outra vez, Royal Cinema, agora em solo de saxofone, enchia
o salão do Grupo Escolar Caetano Dantas. A noite já ia alta e a
melodia ainda ecoava pela rua deserta. Mais aplausos calorosos. O
músico agradece sensibilizado, a sentir – quem sabe? – a sensação de
que aquela seria a última visita à sua terra.158
158 Fato relatado por Pedro Arboés Dantas, residente em Currais Novos, que esteve presente ao
baile.
199
PROBLEMAS COM A SAÚDE
A
saúde cada vez o atormentava mais. Nem mesmo as boas
amizades e os bons ares de São José de Mipibu o ajudavam,
pois a alimentação, o principal para a sua subsistência,
continuava prejudicada. Continuava a se alimentar apenas de líquidos
e pastosos, a almoçar e jantar sopas, sempre acompanhadas por uma
cerveja. Permaneceu naquela cidade de 5 de abril de 1938 até 9 de
junho de 1939, quando recolheu-se à sede da Força, procedente do
destacamento de São José de Mipibu. Aos 16 dias do mesmo mês, foi
elogiado pela dedicação com que se entrega à cultura da música, à
qual, ainda na sua velhice, consagra as horas de folga que lhe
cabem.159
Doente e abatido, recebeu a visita do amigo Aristófanes
Fernandes, que o convidou para uma temporada em Santana do
Matos. Autorizado pelos seus superiores, Tonheca se deslocou para
aquela cidade, no meio do ano. Ali, entre os velhos amigos feitos em
tantas outras passagens por lá, esperava melhorar da saúde. Na sua
fazenda “Timbaúba”, perto da cidade, Aristófanes se dedicava à
criação de gado. Tonheca repousava, passeava pelo açude, andava a
cavalo e procurava se fortificar com o generoso leite ao pé da vaca, ao
raiar da manhã. Dona Maria do Céu, esposa do amigo, providenciava
uma comidinha mais leve para o estômago doente. Abrigando-se do
sol quente, Tonheca sentava-se junto a uma mesa, espalhava papéis de
159 Livro 2 – Geral. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.
200
música, compunha, instrumentava. Em homenagem ao amigo,
compôs o dobrado “Aristófanes Fernandes”. Reunia na própria
fazenda os músicos da redondeza e ensaiava para tocar nas festas da
cidade e solenidades religiosas, em conjuntos que ele mesmo regia.
A sua permanência em Santana do Matos realizou-se com o
conhecimento de sua corporação, pois os livros de anotações
registraram que, em 27 de julho de 1939, destacado em Santana do
Matos, lá reverteu.
Seu valor como compositor não estava, entretanto,
esquecido. Nas comemorações do 103° aniversário da corporação
policial norte-rio-grandense, a banda, sob a regência do Tenente Luís
Gonzaga César de Paiva, tocou a “Invocação” e a “Ave Maria”, da
ópera O Guarani, de Carlos Gomes, o “Romance em Fá” de Luigi
Maria Smido, páginas de von Suppé e Verdi. Entre elas, a “Melodia
do Bosque” e Tonheca, o único artista local a figurar no meio
daqueles nomes de grande conceito na música internacional. Sobre o
fato, assim comentou o jornalista Danilo (Aderbal de França) em sua
coluna “Sociais”: E, entre outras, uma das muitas composições
daquela figura que faz parte da Banda, curvado hoje ao peso dos
anos, mas sempre lembrado e sempre criador de beleza: o velho
TONHECA Dantas. 160
Diversas testemunhas informam terem ouvido composições
de Tonheca, irradiadas pela BBC (British Broadcasting Company) de
Londres, em programas dirigidos ao Brasil, naqueles tempos em que
se desenrolava a 2ª guerra mundial. Uma das testemunhas era o
Desembargador Silvino Bezerra Neto, seu ex-aluno quando criança,
na Banda de Acari. Em conferência realizada no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, assim se pronunciou:
Na fase da última guerra europeia, quem tinha rádio
procurava ouvir o noticiário dos últimos acontecimentos.
À noite, eu sempre ouvia, em casa, as emissões da
160 A REPÚBLICA, 15 de novembro de 1939.
201
estação da BBC de Londres que, ao fim, nos seus estúdios,
exibia uma parte musical. Em certa noite, ouvi nitidamente
daquela potente estação internacional de rádio a música da
valsa “Royal Cinema”, precedendo o espíquer do
esclarecimento de que se tratava de uma valiosa produção de
compositor brasileiro.
Sabe-se que se referia ao nosso homenageado,
donde se vê que o mérito de Tonheca ultrapassara as
fronteiras do nosso país. É, pois, um episódio a mais, digno
de registro. 161
Muitas pessoas tiveram a oportunidade de ouvir
composições de Tonheca transmitidas por estações de rádio europeias.
O Sr. Walter Canuto de Souza informou que ouvia sempre a Rádio
Berlim, pouco antes de o Brasil entrar na guerra contra a Alemanha,
quando aquela estação transmitia programas todas as tardes para o
Brasil. Em duas oportunidades distintas, afirmou que ouviu serem
irradiadas as valsas de Tonheca, “Royal Cinema” e “A Desfolhar
Saudades”.162 Familiares do compositor confirmaram haver ouvido
Royal Cinema através da BBC de Londres, em suas transmissões para
o Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Ao iniciar-se o mês de janeiro de 1940, recolheu-se à sede
da Força, procedente do destacamento de Santana do Matos.163
161 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO
NORTE, Volumes LXVI1I-LXIX, Natal, 1976-1977, pg. 106. O autor tentou, por
correspondência e pessoalmente, na própria BBC, localizar as partituras de Tonheca. A
transmissão da música somente poderia ser feita através de execução por músicos locais, visto
que Royal Cinema ainda não havia sido gravada em discos. A investigação não logrou êxito;
explicaram na BBC que poderia ter havido perda de material durante a guerra. A pesquisa,
entretanto, não pode ser considerada concluída, em vista do grande número de departamentos
daquela emissora, o que demandaria muito tempo.
162 Informação do Sr. Walter Canuto de Souza ao autor, em 1997.
163 Em 1940, a Força Policial Militar tinha 41 oficiais na ativa, 5 aspirantes a oficial e 1074
praças, soldados, cabos e sargentos. Na Banda de Música, havia 10 músicos de 1ª classe, 12 de 2 a
e 18 de 3a classe. Um Coronel recebia 18:000$, um 2o Tenente, 4:660$, um músico de 1a classe
como Tonheca recebia 2:160$, um de 2a, 1:800$ e um de 3a classe 1:400$. Era possível entrar na
corporação como voluntário.
202
AS NOTAS FINAIS
D
urante os dias 4, 5 e 6 de fevereiro, Natal viveu as alegrias
do carnaval. Na Avenida Tavares de Lira, blocos e troças
desfilaram animadamente, liderados pelos “Índios
Guaranis” e pelos “Tubarões do Norte”, alternando-se ao concorrido
corso de automóveis, onde elegantes moças e rapazes desfilavam sob
intensa batalha de confetes e serpentinas. Nos locais elegantes da
cidade, Aero Club e Teatro Carlos Gomes, foram realizados animados
bailes. O serviço de alto-falantes de Natal e a recém-inaugurada
Rádio Educadora de Natal levavam a toda a cidade o som dos frevos,
sambas e marchinhas carnavalescas.
Na casa de Tonheca, entretanto, apreensão e cuidados; ele
piorara bastante. No dia 7, quarta-feira de cinzas, seu estado se
agravava, vindo a falecer às 16:20. Assinou o atestado de óbito o Dr.
Feijó de Melo, havendo declarado no cartório competente o filho
Afonso Dantas Tonheca.
Em fevereiro, dia 8, o seu último assentamento: excluído do
estado efetivo desta Força e da Cia. Extranumerária, por haver
falecido.164
No dia seguinte, a coluna “Sociais” do jornal “A
República”, assinada por Danilo165, publicou: Às 16,30 horas de
ontem faleceu, na sua residência à Rua Paula Barros, n° 568, o sr.
164 Os assentamentos de 1939 e 1940 constam do Livro 2 – Geral. Arquivo da Polícia Militar do
Rio Grande do Norte, Natal.
165 Pseudônimo do jornalista Aderbal de França.
203
Antônio Pedro Dantas, antigo músico da Força Policial do Estado. O
extinto, popularmente conhecido por Tonheca, era casado com
Francisca Lino Bezerra Dantas, que lhe sobrevive, de cujo consórcio
deixa cinco filhos. Desaparece aos 68 anos de idade. Contando um
largo círculo de relações de amizade nesta capital, foi sua morte
bastante sentida, devendo ao seu enterro, que se verificará hoje, pela
manhã, comparecer elevado número de pessoas conhecidas da
família enlutada.
As despesas com o seu sepultamento foram pagas pelo
comando da Polícia Militar.
No 7° dia, não foi publicado convite para missa. Na data, o
mesmo cronista Danilo escreveu em “A República” sobre matérias
variadas, como se estivesse sem assunto, e nada comentou sobre
Tonheca. A coluna “Acta Diurna”, de Luís da Câmara Cascudo, da
mesma edição, versou sobre André de Albuquerque, herói de 1817, e
nunca Tonheca mereceu um destaque naquela sua crônica diária.
Apenas o poeta Damasceno Bezerra evocou suas lembranças numa
crônica sentimental:
Uma das recordações mais suaves que
guardo de minha distante meninice é a do tempo em que
eu morava na Rua 13 de maio, a tradicional e vetusta
Rua dos Tocos.
As serenatas obrigadas a modinhas, os
“dramas” na casa de Antônio Elias, os banhos do
“Baldo”, as Lapinhas, os brinquedos de “mancha” ao
clarão do luar que nunca mais verei – todas as coisas
que faziam o encantamento da antiga Natal – passam e
perpassam na minha memória, alojadas por uma
saudade que é, ao mesmo tempo, suplício e
enternecimento.
Nessa época, o quartel do Batalhão de
Segurança Pública, hoje Força Policial, ficava situado
onde funciona, atualmente, o Ginásio Industrial, ex204
Escola de Aprendizes Artífices. O alojamento da banda
de música era na parte traseira, que olhava para a Rua
dos Tocos.166 Depois das aulas, na escola do meu
inesquecível mestre e amigo José Ildefonso Emerenciano
China – o bonachão e coletivamente estimado “professor
Zuza”, eu e outros colegas íamos ver e ouvir os ensaios
da banda, através das janelas do alojamento.
Royal Cinema constituía a atração do
momento. E nós ficávamos embevecidos, a escutar os
sons da valsa magistral, assimilando inconscientemente,
dentro do ser, aquele punhado de melodias que nos
despertava emoções desconhecidas até então.
TONHECA era o autor de “Royal Cinema” e o seu
nome, eu ouvia dizer, estava conhecido até no
estrangeiro...
TONHECA morreu há poucos dias. Morreu
pobre, quase esquecido, ao contrário de suas
composições, que serão sempre lembradas. Sua voz
emudeceu por toda a eternidade, mas harmonias por ele
criadas, tais como “Royal Cinema”, “Delírio”,
“Melodia do Bosque”, “As três da Manhã”,167 e
centenas de outras, terão a força e o poder dessa mesma
eternidade.
Existisse, realmente, um ponto no universo
chamado pelos que ainda acreditam na existência de
Deus, de Paraíso Celestial, e eu diria parodiando um
festejado poeta matuto, que “Tonheca foi jazer valsas no
céu.” 168
166 Assim se chamava a Rua Princesa Isabel, no começo do século. O quartel do Batalhão de
Segurança se localizava no prédio onde seria a futura Escola Industrial, depois Escola Técnica
Federal, na Avenida Rio Branco.
167 A valsa “As três da manhã”, citada pelo poeta, não é de autoria de Tonheca.
168 A República, 11 de fevereiro de 1940.
205
A ausência física de Antônio Pedro Dantas Tonheca não
apagou a beleza que a sua alma sensível fez brotar e florescer. Suas
composições ultrapassaram o limite estadual e, muito além do
Nordeste, fazem parte do repertório de incontáveis bandas de música.
Na banda de sua corporação, que tantos músicos de grande qualidade
produziu, sua presença é uma constante, como um grande espírito
protetor, benéfico e inspirador, e seu nome é venerado como um
mestre que teve a sublime missão de criar belezas.
Na tardinha do dia 10 de novembro daquele 1940, no coreto
da Praça Pedro Velho, a Banda da Força Policial realizou mais uma
concorrida retreta. Entre tantos autores e belas melodias, a saudade do
velho Tonheca, na sua valsa “A Desfolhar Saudades”
206
Serra da Rajada, chegada à Carnaúba dos Dantas.
207
Ana Florentina, nascida em 21 de março de 1883, faleceu
em 13 de fevereiro de 1977, aos 94 anos. De Rosa de Lima, Francisca
Lino e Francisca Lucas, não foi possível localizar as datas do
falecimento nem mais informações. Olivia faleceu em 1907,
conforme consta no registro do casamento de Marfisa com Clodoveu
Madureira.
Marfisa faleceu em Recife, em 3 de julho de 1996.
Tonheca Dantas foi sepultado em cova rasa, no cemitério do
Alecrim, em terreno à direita de quem está em frente à capela.
Passado o tempo, túmulos de alvenaria foram construídos no lugar. É
impossível, portanto, encontrar-se hoje, o local de sua sepultura.
_
208
PATRONO DA ACADEMIA
A Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, tendo como
presidente o escritor Manuel Rodrigues de Melo, decidiu, em uma
reforma de seus Estatutos, aumentar de trinta para quarenta o número
de suas cadeiras, cujos patronos são nomes marcantes da cultura do
RN.
Em reunião da Assembleia Geral, realizada no dia 13 de
abril de 1967, foram eleitos os novos dez sócios, entre eles o escritor
e musicista Oswaldo Câmara de Souza169. Em 27 de abril do mesmo
ano, numa reunião convocada para que os novos sócios escolhessem
os seus patronos, o maestro Oswaldo de Souza, que ocuparia a cadeira
de n° 33, escolheu o nome de Tonheca Dantas.
Sua posse se verificou em solenidade realizada no dia 22 de
agosto de 1968, quando Oswaldo de Souza apresentou o seu discurso
sob o título “Tonheca Dantas”. A sessão teve a participação da Banda
de Música da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, que executou
peças de Tonheca. O discurso de Oswaldo de Souza foi publicado na
“Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras”, n° 9,
referente ao ano de 1971.
169 OSWALDO Câmara DE SOUZA (1904 - 1995), escritor, pesquisador, compositor de
renome nacional.
209
ANEXOS
210
POEMAS EM HOMENAGEM A TONHECA
DANTAS.
INGRESSO DO TONHECA NA BANDA DO BATALHÃO DE
SEGURANÇA
À memória do compositor Tonheca
Dantas, do desembargador Ferreira
Chaves, ex-governador, e do Coronel
Lins Caldas, ex-comandante do Batalhão de Segurança.
É história sem malícia:
Vieram lá do sertão
Músicos com pistolão,
Sentar praça na Polícia.
Circunstância bem propícia
Pra ter uma colocação:
Há vaga de mestre, então,
Na musicada milícia.
Quem tiver mais competência,
Disse ao Caldas Dr. Chaves,
Coloque de preferência.
Era assim Sua Excelência,
– Em casos simples ou graves
Não tolerava indecência.
211
Fez o velho Coronel
Concurso para julgar
A quem devia entregar
A batuta do quartel.
Eis do concurso o painel:
Dantas em tudo a tocar,
E um no trombone a soprar,
Qual balança sem fiel.
Este saiu-se mal.
Para que no exame entrou,
Conhecendo o seu rival!?...
Deputado Estadual
De Acari, foi quem guiou
Tonheca para Natal.
Silvino Bezerra, “REMINISCÊNCIAS DE NATAL DE
OUTRORA”, Natal, 1962.
212
A MINHA FLAUTA E O MEU FRACASSO
EM DUAS AULAS DE MÚSICA
(1898 - 1901 a 1905)
À memória dos meus professores Tonheca
Dantas e Luiz Coelho Montenegro, do amigo
Teodorico Guilherme e a Manoel Varela Burity,
ex-colega.
Lá no Recife comprada,
Tive flauta no Acari.
Mas dela não me servi,
Foi história já contada.
Com aula iniciada,
No sertão, tentei aqui
Nova “entrée”, mas desisti,
Pois não aprendia nada.
Tonheca – escala, solfejo,
No Ateneu, Luiz Monteiro:
Dó, ré, mi – o seu cotejo.
Sem vocação, sem desejo,
Andei bem deixar ligeiro
As aulas naquele ensejo.
Silvino Bezerra, “REMINISCÊNCIAS DE NATAL DE
OUTRORA”, Natal,1962.
213
TEMPLO DE NOSSA SENHORA DA GUIA E A BANDA DE
CARNAÚBA
A Pedro Arbués e à memória do Padre José
Pinto e de José Venâncio, Antônio Pedro
(Tonheca), Francisco Justino, José Maria,
No sertão do Seridó se admirava
De Zé Venâncio a banda harmoniosa;
Para festa da Virgem Gloriosa
Com antecedência ao mestre se falava.
Desde o dia da bandeira ela tocava
Nos ofícios da igreja majestosa,
Neste Estado a maior e mais vistosa,
Pois de Acari num alto se ostentava.
O mestre, seus irmãos e outros parentes
Na Carnaúba eram da charanga
Os hábeis musicistas competentes.
De Tonheca recordo os estridentes
Sons de pistão no hino do Ipiranga,
Do baixo de Justino os sons dolentes.
Silvino Bezerra, “OUTRAS REMINISCÊNCIAS”, Natal,
1958.
214
NÃO APRENDI MÚSICA
À memória de Antônio
(TONHECA), meu mestre
conhecido compositor.
Pedro Dantas
de Música e
Advogado ou juiz, homem de beca,
Era no que meu pai me destinava
E pra me ver tocar flauta me destinava
Que fosse estudar em... Seca ou Meca.
Na charanga do irmão de Tonheca
Quem mais ao metier se dedicava,
Em vários instrumentos assoprava,
Té manobrava cordas de rabeca.
Para formar a banda da cidade,
Tonheca ao Acari levou as malas
E a meta conseguiu com brevidade.
Eu porém não achei facilidade
De na flauta tocar suas escalas,
Embora fosse o mestre autoridade.
Silvino Bezerra,"OUTRAS REMINISCÊNCIAS “, Natal,
1958.
215
Trechos do “SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR”, de
Othoniel Menezes, em que se refere a Tonheca Dantas.
Tonheca... Magro, anzolado,
é um gênio. Strauss, reencarnado,
compondo valsas gentis
– mas, de sol! de tardes quentes!
– de serranias dolentes,
de arrulhos de juritis...
Canto 8, página 143.
No patamar, seu Veríssimo
bate no peito. É o Santíssimo.
Repique. Recende, o altar.
Viva, a música sapeca
Uma polca de Tonheca.
Rompem cem fogos-do-ar.
Canto 13, página 237.
Othoniel Menezes, “SERTÃO DE ESPINHO E DE
FLOR”, Departamento de Imprensa, Natal, 1952.
216
Acordo, ao som dos acordes
Da valsa Royal Cinema.
O dia pára pra ouvir,
A vida vira poema.
Deífilo Gurgel, SETE SONETOS DO RIO E OUTROS
POEMAS, Editora Universitária, Natal, 1983.
ROYAL CINEMA
Maestro, toque “Royal Cinema.” É excepcional
a sua fama. Outrora, essa valsa se ouvia
na terra natalense, obtendo a primazia
nos bailes, na retreta, em toda a capital.
Lembra um tempo feliz da vida de Natal.
Valsa de sentimento e grande simpatia,
é muito nossa e em toda a parte se aprecia,
pela simpleza, a graça e a força emocional.
Melodia que vem do passado e que exprime
a alegria da vida, o elogio do amor,
o elogio do amor, feito na arte sublime –
arte que, em nós, um mundo de cinzas ressuscita.
Glória a Tonheca, seu inspirado cultor,
que compôs na província a valsa mais bonita.
Edinor Avelino “SÍNTESES” Pongetti, RJ, 1968
217
CARNAÚBA, TONHECA E SUA ARTE
Dedicado a Tonheca Filho e Antônia Dantas.
Carnaúba – o distrito sertanejo,
Que domina um vale pequenino
entre serras. Torrão que revejo,
Dando da música o dom genuíno...
Quem ali nasce, recebe o bafejo
Da brisa sonora do estro divino,
Tendo a virtude, o condão, o desejo
De ser da música o melhor paladino...
E aquela gleba é berço natal,
Desse Tonheca – valor musical,
Que fora, em vida, um feliz criador
De valsas que evocam dramas da vida
Como expressão anímica e sentida,
Tornando imortal o nome do autor!
Abel Rodrigues de Carvalho
(Publicado no Diário de Natal de 8 de março de 1944)
218
HOMENAGEM A UM CONTERRÂNEO
Francisco Rafael Dantas (França)
Tonheca Dantas hoje é
Uma glória do passado
De um Seridó castigado
E do rio Grande do Norte.
Carnaúba teve a sorte
De ganhar da natureza
Este gênio de grandeza,
Um músico superdotado
Que no seu tempo atrasado
Semeou arte e beleza.
Tonheca foi alegria
Ao desfolhar da saudade,
Delírio da humanidade
E no bosque da melodia.
“Royal Cinema” devia
Ser o hino mundial
Para este gênio imortal
Ficar mais reconhecido
E não ser tão esquecido
No cenário musical.
Carnaúba dos Dantas, 14/05/1998.
219
Composições de Tonheca Dantas que
receberam (ou para a quais foram feitas)
letras.
Royal Cinema
Versos de Joaquim Bezerra Júnior
Anjo do céu, flor de minh’alma
Por que me deixas no deserto, amor?
Vivo sofrendo entre ruínas
Entregue ao dissabor
De tua ausência atroz eu fico a soluçar.
Ai! do pranto que derramo
Jamais teu pobre gaturamo vai
Gemer, oh astro do meu sonho
Como outrora em ternos carmes
Decantava estrema a trescalar do olor
Deste amor.
Ai! sorrindo me dizias,
Oh meu astro de poesias
Só a morte roubará
Nosso amor, nosso amor.
Que será!
Mas o tempo foi bastante
Pra teu amor inconstante,
Entre urzes do martírio
Me deixar, me deixar.
Oh!
Me deixas entregue aos dissabores
E vais em busca de outro amor,
Levando a alma cheia de esplendores
Que dera com loucura ao teu pobre cantor.
Lamentando a tua ausência eterna
Esta alma devaneia
220
Como um astro salutar e atroz
E a minha voz é um funeral de horror
Meu amor, do pobre trovador...
(Saraiva, Gumercindo, TROVADORES POTIGUARES,
1962.)
SAUDADES DE MINHA NOIVA.
Versos de Júlio Soares
Ai! Na tarde em que partiste
Oh! Divina irmã das flores,
Meu coração triste
Soluçava sozinho
No jardim da saudade
Qual tristonho passarinho
Ai! Quanta saudade,
Ai! Quanto amargor
No meu coração, Senhor!
Feliz o coração de noivo
Que não conhece a negra ausência!
Sou mais triste que o goivo
Distante da inocência do teu riso singular,
Oh lírio cor do mar.
Minh’alma vive agora em pranto
Sem ver a luz do seu divino olhar.
Ah! talvez no campo santo
Não deixarei de te amar
Teu nome cor do céu
221
Em noite de luar.
222
Deus, mostra-me agora os olhos
Da piedosa irmã dos lírios.
Entre os meus abrolhos
E na luz dos círios.
E cristal
Alegre como a aurora Desse amor sacramental.
Hoje a minh’ alma chora Entre um mar de fel
Da separação, cruel.
Informação: Antônia Dantas da Silva
SAUDADE DE MINHA FILHA
Versos de Joaquim Bezerra Júnior
Vem cantar, meu doce amor,
A saudade pungente!
Vem sorrir, sidéria flor,
Arcanjo inocente.
Padecendo assim
Longe de te beijar, amor.
Como um pobre lírio
Vou pendendo sem fim,
Neste degredo atroz Sorvendo o fel
Do amargo dissabor.
É vasto esse deserto onde habito,
Oh! filha, vem!
Nunca imaginaste a dor que o ermo tem.
Sentindo este abandono
Eivado ao sol do outono
Errante a caminhar, desfeito
223
Em pranto, em tristes ais,
Sem ver-te aqui, jamais.
Oh, filha ingrata, vem
Cantar
Nesta noite trevosa
Daqui,
Arcanjo tutelar.
Sem ti
Só me chega a tristeza
Ao luar!
Oh filha ingrata, vem
Beijar
A fronte rugosa
De quem te ama.
Ouve a voz de teu pai
Que te chama
Neste ermo tristonho
A chorar.
Informação: José Rodolfo de Lima/Antônia Dantas da Silva.
224
A VALSA “ROYAL CINEMA”
Antônio Fagundes
A respeito da origem da apreciadíssima valsa “Royal
Cinema”, tenho ouvido algumas referências que fogem à realidade
dos fatos.
Sem o intuito de crítica e apenas com o desejo de firmar a
verdade, ouso rabiscar estes esclarecimentos.
Corria o ano de 1914.
Cursava o 3o ano da Escola Normal de Natal, quando o
musicista coestaduano Antônio Pedro Dantas substituía na cadeira de
Música o catedrático Thomaz Babini, então licenciado.
Após uma das aulas, o professor Tonheca, tomando de sobre
a mesa uma folha de papel, perguntou qual daquelas moças tocava
piano.
Informado de que somente a aluna Maria Aparecida de
Carvalho dedilhava e era fã desse instrumento, o professor Tonheca
falou mais ou menos assim:
Nas minhas noites de insônia, costumo tomar papel e
arranjar alguns compassos de música, mas em seguida, os coloco
numa gaveta.
E acrescentou que o seu amigo e colega José Gomes, então
regente da Banda de Música da Polícia, insistentemente lhe solicitava
novas composições para o repertório daquela banda que, nesse tempo,
fazia retretas semanais, muito apreciadas, aliás, nos jardins das praças
Augusto Severo e André de Albuquerque.
Desejoso de atender aos sucessivos pedidos do amigo,
porém sem a necessária inspiração para realizar qualquer nova
composição, disse ele, recorri ao acervo da gaveta e dali retirei esta
valsinha, e como estava na ordem do dia o nome Royal Cinema para a
nova casa de exibição cinematográfica na Cidade Alta, achei por bem
aceitar o mesmo nome para esta composição.
225
E assim falando, o professor Tonheca passou o papel às
mãos de Aparecida.
Dessa ocorrência, poderemos ter a confirmação da própria
professora Maria Aparecida de Carvalho, hoje Maria Aparecida de
Carvalho Ferreira, mãe de família, residente nesta capital.
Agradabilíssima surpresa experimentaram os inúmeros
frequentadores das retretas semanais quando, posteriormente, a Banda
de Música da Polícia fez ressoarem os maviosos acordes da valsa tão
simplesmente qualificada pelo modesto autor, porém deveras genial.
Tal a impressão agradável dos que a ouviram pela primeira
vez que se acercaram do coreto solicitando entusiasticamente a sua
repetição.
Desde então, a valsa disseminou-se por toda a cidade em
pianos, violinos, violões, flautas e até em assobios da garotada,
quando da execução de pequenas e rudes tarefas.
Está ela, desde então, plenamente vitoriosa, fazendo parte
dos repertórios os mais seletos. A própria orquestra da BBC, de
Londres, a tem executado várias vezes. Tornou-se universal.
Eis o que há, na realidade, a seu respeito. Tudo o mais que
se afirmar será o produto de falsas informações.
A valsa ROYAL CINEMA nascera, assim, de uma noite de
insônia, para iluminar o espírito humano, para deleite dos românticos,
tal como, dentre nuvens brumosas, nasce uma rutilante estrela.
Artigo escrito pelo professor ANTÔNIO Gomes da Rocha
FAGUNDES, e publicado no jornal “A Diocésia”, Natal, 24/06/1974.
226
Gumercindo Saraiva, na coluna DE ARTES: “As músicas de
Tonheca vão ser impressas”, publicada em A ORDEM, edição de 14
de março de 1943. Refere-se à organização de um álbum pelo Tenente
Luís Gonzaga César de Paiva, regente da Banda da Polícia Militar.
Informa que todas as providências foram tomadas e recebidos os
orçamentos fornecidos pela editora. Aguardava-se o pronunciamento
do Departamento da Fazenda do Estado. Com a saída do Interventor
Aldo Fernandes, as providências foram sustadas. Gumercindo cobrou
a publicação ao Interventor, na ocasião General Fernandes Dantas, a
quem citou como parente de Tonheca. Mesmo assim, a publicação não
se efetivou.
Em 7 de março de 1951, o DIÁRIO DE NATAL, publicou o
editorial “Pela edição de composições do músico Tonheca Dantas”. O
Agente do SAPS (Serviço de Alimentação e Previdência Social), Sr.
Manoel Macedo Filho encaminhou um ofício ao Governador Dix-Sept
Rosado sugerindo que o Governo do Estado publicasse as
composições do músico potiguar. Refere-se a que tal apelo fora
anteriormente feito em 1943, ao Interventor Aldo Fernandes, que
acolheu a iniciativa. O governo, entretanto, não cumpriu o
compromisso. Alega o Agente que Tonheca havia deixado uma
família paupérrima e a providência não só homenageava sua memória
como ajudaria financeiramente sua família. Vale a pena lembrar que o
SAPS tinha um restaurante a preços populares e uma discoteca com o
nome de Tonheca Dantas. O generoso apelo do Agente do SAPS teve
o mesmo destino do compromisso assumido em 1943.170
170 Texto do ofício do agente do SAPS publicado no DIÁRIO DE NATAL, 7 de março de 1951.
227
O Deputado Aristófanes Fernandes apresentou projeto de lei
propondo abertura de crédito especial de cem mil cruzeiros para
publicação das partituras de todas as composições de Tonheca Dantas,
em agosto de 1956. Integra do projeto:
PROJETO DE LEI
Art. 1o - Fica o Poder Executivo autorizado a abrir o crédito
de cem mil cruzeiros para a publicação da obra musical de Tonheca
Dantas.
Art. 2o - A Secretaria de Educação promoverá as medidas
necessárias à publicação, incumbindo-se, inclusive, de sua
catalogação e posterior distribuição.
Sala
das
Sessões
Aristófanes Fernandes
Justificação
Melhor justificação não posso apresentar por este projeto de
lei, do que a carta seguinte de D. José Adelino, bispo de Caicó:
Caicó, 26 de agosto de 1956
Aristófanes,
Meu abraço. Nunca lhe pedi nada na vida. Por
nunca tê-lo feito me arrisco a bater na porta hoje. Façoo cheio de confiança e esperança. Existe atualmente em
Natal, dentro mesmo do Palácio Potengi, se não me
engano, um tesouro riquíssimo e preciosíssimo,
pertencente ao Seridó, quero dizer, originário do Seridó,
que foge a seu conhecimento. Trata-se das composições
de Tonheca Dantas, uma centena, talvez, que no governo
do general Dantas, foram catalogadas e até agora
228
arquivadas, aguardando publicação. De minha parte,
não fora a minha pobreza, esse tesouro já teria vindo a
lume. E como soube que você é grande admirador de
Tonheca e muito amigo de nosso Seridó, lembrei-me de
fazer um apelo, em nome da família Dantas do Seridó, no
sentido de patrocinar a divulgação do acervo artístico de
um dos mais inspirados músicos do nosso Estado. Seu
primeiro passo seria o de entrar em contato com o major
César Paiva, da Polícia Militar, ou com o escritor
Câmara Cascudo. Ambos trabalharam carinhosamente
na reunião das mil peças desgarradas e sabem onde elas
se acham atualmente. Então, prezado Aristófanes, vai
mesmo prestar um dos mais prestimosos benefícios à
cultura musical do Rio Grande do Norte? Você é a
primeira porta que eu bato e não desejo bater outras,
certo de que a primeira se abrirá generosamente. Sei de
seus laços, de seus muitos laços que o prendem à terra de
Tonheca. Mais uma oportunidade surge agora, num
plano o mais elevado, de esses laços se estreitarem e se
unirem para sempre. Aqui fica o meu apelo. Pode fazer,
se quiser, uso destas linhas, até mesmo para publicidade.
Um grande abraço do amigo e conterrâneo.
(a) D. José Adelino, Bispo de Caicó.
Este projeto não foi, igualmente, levado a efeito.
229
Gumercindo Saraiva, em artigo intitulado INTERVENTOR
ALDO FERNANDES E A MÚSICA DE TONHECA DANTAS,
publicado na “Tribuna do Norte” de 26 de maio de 1974, transcreveu
o prefácio de Luís da Câmara Cascudo para um álbum de músicas de
Tonheca Dantas, que se pretendeu publicar.
Numa de suas investiduras como interventor, no
início de 1943, o Dr. Aldo Fernandes, atendeu a uma
turma de intelectuais, no sentido de ordenar a impressão
de um Álbum, contendo músicas de Tonheca, falecido
três anos antes. Pela vontade do Interventor, o “ÁLBUM
DE MÚSICAS DE TONHECA” teria 20 composições,
mas diante das considerações de uma dos promotores
desse notável empreendimento, o competente mestre da
Banda de Música da Polícia Militar do Estado, Coronel
Luís Gonzaga César Paiva (na época Tenente) a obra
somente poderia comportar dez músicas, escolhidas
assim:
1.
ROYAL CINEMA
2.
MELODIA DO BOSQUE
3.
DELÍRIO
4.
A DESFOLHAR SAUDADES
5.
LÍDIA CAVALCANTI
6.
LÚCIA PIRES LEMOS
7.
IAPERINA GUERRA
8.
ODETE FERNANDES
9.
IVANISA ROSADO FERNANDES
10. EDI FERNANDES
O Dr. Aldo Fernandes, recebendo a seleção de
músicas, foi à residência de Cascudo pedindo-lhe um
prefácio, contendo fatos relacionados com a vida de
Tonheca. O mestre do folclore brasileiro não se fez de
rogado, tendo em seguida, entregue um resumo
biográfico, que iniciava as primeiras páginas do álbum,
230
de cuja cópia retiramos este trecho:
— ANTÔNIO DANTAS TONHECA
nasceu em Carnaúba, município de Acari – Rio Grande do
Norte, a 13 de junho de 1871 e faleceu em Natal a 7 de fevereiro de
1940. Foi um autodidata. Viveu escrevendo música em terra de
surdos. Deixou mil e cem composições (sic). Andou como um Judeu
Errante, ensinando solfejo, batendo compassos, riscando figuras nos
pentagramas, assobiando baixinho os temas apaixonantes, teve
várias vagas, uns sopros de oportunidade despertando-lhe pelo
entusiasmo fogo- de-palha que algumas valsas causavam.
O vento passava e o silêncio reinava, cobrindo o nome do
compositor humílimo. No sertão Antônio é TONHO ou TONHECA.
Antônio Pedro Dantas Tonheca depressa teve o nome mudado para o
apelido. Conheciam todos TONHECA. E para identificar o todo pela
parte Antônio Pedro acabou escrevendo nas assinaturas: - Antônio
Pedro Dantas Tonheca. E ficou, para sempre, apenas TONHECA.
Esse cognome familiar e doméstico indicava um dos nossos
maiores músicos. O maior no sentido da força de expressão, da
facilidade inspiradora, grandes Valsas, Valsas de Coleção, Pequenas
Valsas, Dobrados, Marchas Graves, Sambas, Choros, Polcas,
Mazurcas e Schottischs. Ficou servindo na Polícia da Paraíba, do
Rio Grande do Norte e do Pará (sic), compondo sempre, sem
ambiente, sem auxílios, sem estímulos. Compunha pela mesma razão
de que os pássaros voam e os peixes nadam. Por uma exigência
psicológica irreprimível.
Cascudo, que já prefaciou mais de duzentos livros de
autores de toda parte, terminou o pórtico assim:
231
Essa Coleção inicia uma justiça legítima e os
louvores caberão aos que se interessam em reviver e
premiar aqueles que desapareceram no sofrimento e na
obscuridade. E, nas noites brasileiras, quando as
bandas militares encherem os céus com essas melodias
deliciosas, lá por cima das nuvens, inesquecido dos
ritmos e das músicas que compôs, Tonheca
acompanhará sua ressurreição, batendo o compasso
com as estrelas...171
A publicação do referido álbum nunca se
realizou.
171 Conforme foi anteriormente descrito, Tonheca fez parte da Banda do Corpo de Bombeiros
do Pará, e não da Polícia Militar daquele Estado. Quanto ao número de suas composições, nada
se pode hoje provar. É possível que fosse grande o número de partituras que o autor disse haver
deixado na Escola Normal, quando do concurso que prestou em 1913. O número de obras citado
por Câmara Cascudo, baseado de certo em informações orais, parece bastante exagerado.
232
HOMENAGEM NO ANIVERSÁRIO DE TONHECA
Dia 18 de junho de 1962, promovida pela Rádio Poti, com
participação da Banda da Policia Militar, sob a regência de Luís
Gonzaga César de Paiva. Foram apresentadas as músicas: Tenente
José Paulino, Correio do Norte, A Desfolhar Saudades, Melodia do
Bosque, Lúcia Pires Lemos, Lídia Cavalcanti, Delírio, Joana
Machado, Maria Leonor, Royal Cinema. As músicas foram gravadas
e depois transmitidas. Manchete de O Diário de Natal: Autor de mais
de mil composições, Tonheca Dantas teria feito 92 anos se estivesse
vivo.
Publicado em 20 de junho de 1962.
233
INVENTÁRIO DE JOÃO JOSÉ DANTAS (1° Cartório
Judiciário de Acari)
Inventariante: José Venâncio de Maria.
TÍTULO DE HERDEIRO
JOSÉ VENÂNCIO DE MARIA, casado.
PEDRO CARLOS DE MARIA, casado.
MANOEL NICOLAU DANTAS, casado.
JOÃO PEDRO DANTAS, casado.
LUÍS FELIPE DANTAS, casado.
ANTÔNIO PEDRO DANTAS, casado.
FRANCISCA URÇULINA DA CONCEIÇÃO, casada
com João Francisco de Carvalho.
MARIA CLARA DO MONTE-FALCO, falecida,
representada pelos filhos:
ANDRÉ CORCINO PEREIRA (2o)
MARIA CLARA DO MONTE-FALCO, de 15 anos
FRANCISCA JANUÁRIA DE JESUS, de 14 anos
VICÊNCIA, de 12 anos
ANTÔNIO FELIPE, de 11 anos
ANA, de 8 anos
INÊS, de 7 anos
234
TÍTULO DE BENS MÓVEIS
Um santuário com oito imagens pequenas, por cinquenta mil réis
com que se vai
50$000
Uma alavanca velha, por cinco mil réis
5$000
Uma lanceta ordinária, por cinco mil réis
5$000
Uma bolsa grande, por dois mil réis
Uma bolsa menor, por dois mil réis
Um ferro de fuso e sinal, por cinco mil réis
2$000
2$000
5$000
TÍTULO DE BENS MÓVEIS DE CASA
Uma mesa velha, por dezesseis mil réis
16$000
TÍTULO DE CAVALAR
Um cavalo velho, por quarenta mil réis
Outro velho castrado, por trinta mil réis
40$000
30$000
TÍTULO DE GADO VACUM
Uma vaca parida, por setenta mil réis
70$000
Cinco vacas solteiras, sendo cada uma a sessenta e seis mil réis, e
todas por trezentos e trinta mil réis,
330$000
Duas novilhotas, sendo cada por vinte e oito mil réis,
e ambas por cinquenta e seis mil réis
56$000
Dois garrotes, sendo cada um por dezoito mil réis,
e ambos por trinta e seis mil réis
36$000
Um boi castrado, por quarenta mil réis
40$000
Duas garrotas, sendo cada uma por dezoito mil réis,
e ambas por trinta e seis mil réis
36$000
235
TÍTULO DE BENS DE RAIZ
Vinte e sete braças de terra no Sítio Carnaúba,
por cento e trinta e cinco mil réis
135$000
Vinte braças no mesmo sítio, por oitenta mil réis
80$000
Onze braças no mesmo sítio, por trinta e três mil réis
33$000
Trinta e um coqueiros na mesma terra, por cento
e cinquenta mil réis,
150$000
Trinta e um coqueiros, na mesma terra, por noventa e três mil réis,
com que se vai
93$000
Doze pés de coqueiros, por doze mil réis
12$000
Uma casa de residência no Sítio Carnaúba,
por seiscentos mil réis, com que se vai
600$000
TÍTULO DE. DÍVIDAS
Aos herdeiros
Pedro Carlos
José Venâncio
Manoel Nicolau
João Pedro
Luís Felipe
Antônio Pedro
Francisca Urçulina
Falecida Maria Clara
As diversas irmandades, vinte mil réis
40$000
96$200
180$000
70$000
60$000
60$000
350$000
180$000
20$000
Por ocasião do seu inventário, seu funeral já se achava pago.
236
TESTAMENTO DE JOÃO JOSÉ DANTAS.
(1 º Cartório Judiciário de Acari)
Testamento Cerrado
Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito
Santo, três Pessoas distintas e um só Deus verdadeiro.
Eu, o Tenente Coronel João José Dantas, natural da
Freguesia de Nossa Senhora da Guia da Vila de Acary, Estado do Rio
Grande do Norte, filho legítimo de Manoel Hipólito do Sacramento e
Dona Maria Joaquina da Conceição, como Cristão Católico,
Apostólico Romano que sou, em cuja religião nasci, criei-me e fui
educado e espero morrer, deliberando-me fazer meu testamento como,
como faço de minha livre vontade, e em perfeito juízo e laude, faço as
minhas disposições de última vontade, pela maneira e forma que se
seguem.
1o Que meu herdeiro e testamenteiro, logo que eu faleça
tenha o meu tenha o meu corpo de dar-se à sepultura, recomende que
eu seja envolvido em mortalha preta, para ser enterrado no cemitério
de Acary, na catacumba em que foi enterrado o cadáver de minha
finada mulher Dona Ignez Manuela da Annunciação.172
2o Que é por minha vontade que por minha morte se me faça
o enterro com a solenidade compatível com as minhas forças, e de
acordo com o dito da Santa Igreja, havendo as encomendações que a
mesma ordena em toda simplicidade e humildade próprias de Cristão,
sem omissão da visita da cova no trigésimo dia depois da minha
morte.
3o Que também é minha vontade que por minha alma se
mande dizer uma Capela de Missas, para que o meu herdeiro ou
testamenteiro distribuirá quantia necessária.
172 Por engano do escrevente, consta Annunciação, em vez de Conceição.
237
Declaro que fui casado com Dona Ignez Manoela da
Annunciação que faleceu sem que deixasse filhos, ficando eu sem
descendentes legítimos ou ascendentes, e que depois tive de Vicência
M a r i a d o Espírito Santo, com quem ultimamente casei-me
religiosamente, os seguintes filhos: Pedro Carlos de Maria, José
Venâncio de Maria, Manoel Nicolau Dantas, Francisca Urçulina da
Conceição e Maria Clara do Monte-Falco já falecida, de quem
existem os seguintes filhos: André, Antônio, Francisco, Vicência, Ana
e Ignez, pela cuja, não devendo em quantia alguma, quer que seja,
instituo pelo presente, meus universais herdeiros, a minha referida
mulher Vicência Maria do Espírito Santo a quem deixo a casa do Sítio
Carnaúba e mais trinta braças de terras no lugar da mesma, e aos
meus referidos filhos as demais terras de mesmo Sítio Carnaúba, com
todas as suas benfeitorias, bem como as partes de terras que possuo na
Data do Bico, que serão partilhadas entre os mesmos, com a devida
igualdade.
Nomeio para meu testamenteiro em primeiro lugar José
Venâncio de Maria, em segundo Luís Felipe Dantas, em terceiro João
Pedro Dantas, pela confiança que tenho na boa fé e amizade que
sempre me tributaram, a cada um dos quais dou por abonado em juízo
ou fora dele.
Declaro, finalmente, que se vejo e tenho como multa e dou
por nenhum quaisquer outros testamentos e covecilos que antes deste
eu tenha feito por palavra ou por escrito, ou em qualquer maneira,
para que não valha, e seja meu testamento, e assim poder valer, ou por
meu covecilo, ou pela via do direito, que muito possa valer, porque
esta é a minha última disposição e minha vontade; lendo assim
acabado e concluído este meu testamento, que é por mim assinado.
Carnaúba, 23 de novembro de 1897
João José Dantas
238
GENEALOGIA DE TONHECA DANTAS
Antônio Pedro
Dantas
( Tonheca )
Vivência Maria do
Espírito Santo*
João José Dantas
Maria Joaquina da
Conceição
Luzia Maria do
Espírito Santo
Antônia de Morais
Valcácer (2a)
Manoel Hipólito do
Sacramento
Caetano Dantas
Correia (2º)
Sebastião de
Medeiros Matos
Josefa de Araújo
Pereira
Pantaleão Pinto de
Aguiar
Ana Maria de
Santa Helena
Caetano Dantas
Correia
* Ascendentes desconhecidos
239
DESCENDÊNCIA DE ANTÔNIO PEDRO DANTAS
(TONHECA)
Do matrimônio de TONHECA com Rosa de Lima, proveio:
F 1 - Auta
Do relacionamento de TONHECA com Olívia, nasceu:
F 2- MARFISA, que contraiu matrimônio com Clodoveu
Madureira. Do casal nasceram:
N 1. Maria de Lourdes Madureira Ferreira.
N 2. Nélio Dantas Madureira
N 3. Terezinha Dantas Madureira
N 4. Edward Dantas Madureira
N 5. Paulo Dantas Madureira
N 6. Luci Madureira Matos
Do 2o casamento de TONHECA, com Ana Florentina, nasceu:
F 3 - ANTÔNIA DANTAS DA SILVA, casada com
Manoel Gomes da Silva, pais de:
N 7. José de Arimatéa Gomes da Silva
N 8. Maria de Lourdes Gomes da Silva
N 9. Maria Dalva da Silva Rabelo
N 10. Helena Gomes de Lima
N 11. Maria da Salete Gomes da Silva
N 12. Maria Luci Gomes Nunes
N 13. Marilene da Silva Gomes
N 14. Manoel Gomes da Silva Filho
N 15. Marinete Gomes de Brito
N 16. Maria das Neves Gomes da Silva
240
Do 3º casamento de TONHECA, com Francisca Lucas, nasceu:
F 4 - ANTÔNIO PEDRO DANTAS FILHO (1o)
Do 4o casamento de TONHECA, com Francisca Lino Bezerra,
nasceram:
F 5 - ANTÔNIO PEDRO DANTAS FILHO (2o), casado
com Maria Bezerra Dantas, que tiveram os filhos:
N 17. Marcos Antônio Dantas
N 18. Mércia Dantas Tonheca
N 19. Márcia Dantas Tonheca
N 20. Mary Dantas Tonheca
N 21. Marcília Dantas Tonheca
N 22. Marcílio Dantas Tonheca
N 23. Marcelo Dantas Tonheca
N 24. Márcio Dantas Tonheca
N 25. Mara Dantas Tonheca
F 6 - AFONSO
F 7 - JOSÉ
F 8 - MIRTO
F 9 - SALVADOR
F 10 - IVONE
F 11 - CLETO
F 12 – EVILÁSIO
____________
Legenda:
F= Filho (F 1, F 2, etc.)
N=Neto (N 1, N 2 etc.)
241
Primeira gravação de Royal Cinema. Disco “Jangada”, em 78 rpm,
pela Banda de Música do 14º Regimento de Infantaria, de João
Pessoa, PB.
Disco lançado em solenidade no Grande Ponto, Natal, em 12 de
setembro de 1959, com a presença do Governador Dinarte Mariz e
autoridades, e mais a esposa, filhos e netos de Tonheca Dantas. Na
ocasião, houve retrata da Banda da Polícia Militar, que tocou seis
músicas do compositor.
242
DISCOGRAFIA
Em 78 RPM
ROYAL CINEMA - A DESFOLHAR SAUDADES. Banda de
Música do 14° Regimento de Infantaria, regência de Manoel Gadelha.
Gravação “Jangada” - Promoções Musicais do Nordeste, João Pessoa,
Paraíba. Fabricado por Discos Rosenblit, Recife, Pernambuco. Sem
data.
E m 3 3 R P M - Compacto, 10 polegadas.
ROYAL CINEMA e A DESFOLHAR SAUDADES. Banda de
Música do 14° Regimento de Infantaria, regência de Manoel Gadelha.
Gravação “Jangada” - Promoções Musicais do Nordeste, João Pessoa,
Paraíba. Fabricado por Discos Rosenblit, Recife, Pernambuco. Sem
data.
Em 33 RPM, LP 12 polegadas.
1 – ROYAL CINEMA, no LP “Músicas de Sempre”, Orquestra de
Câmera, Arranjos do maestro Baptista Siqueira, regência de Milton
Calazans. Gravação “Uirapuru”, fabricada pela Companhia Industrial
de Discos, Rio de Janeiro. Sem data. Biografia de Tonheca no encarte
redigido por Baptista Siqueira.
2 – ROYAL, CINEMA e DELÍRIO, no LP “Banda de Música de
Ontem e de Sempre” Conjunto Musical regido por Luiz Gonzaga
Carneiro. Gravação “FENAB”, fabricada por RCA Eletrônica Ltda.
Produzido pela Federação das Associações Atléticas Banco do Brasil
(FENAB), 1983. Dados biográficos e foto de Tonheca no encarte
redigido por Vicente Salles.
243
3 – ROYAL CINEMA, DELÍRIO, LÚCIA PIRES LEMOS, A
DESFOLHAR SAUDADES, MELODIA DO BOSQUE e JOSÉ
PAULINO, no LP Royal Cinema”, produzida pelo Projeto Memória
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1983. Fabricado por
Gravações Elétricas S. A, Rio de Janeiro.
4 – ROYAL CINEMA, no LP “Quarteto de Cordas da UFRN”,
editado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Fundação de Pesquisa e Cultura, 1988. Fabricado por Gravações
Elétricas S. A, Rio de Janeiro.
5 – ROYAL CINEMA, no LP “IVANILDO, O SAX DE OURO”,
volume 1, gravado pela Companhia Industrial de Discos, Rio de
Janeiro, 1979.
DISCOGRAFIA ESPECIAL
1 - SUITE RETRETA (Maxixe, Valsa, Polca, Mazurca, Dobrado)
Dedicada a Tonheca Dantas. Autor: Antônio Madureira (bisneto de
Tonheca Dantas), gravada pelo Quarteto Romançal no CD
“ROMANÇAL”, Gravação “ANCESTRAL”, março de 1997.
EVENTO ESPECIAL
1 - Espetáculo de balé “BRASÍLICA – O ROMANCE DA NAU
CATARINETA” Autor: Antônio Madureira, encenado nas
festividades de 15° aniversário do Balé Popular do Recife, sob a
direção de André Madureira (bisneto de Tonheca Dantas).
244
B I B L I O G R A F I A
1. Almanak do Rio Grande do Norte, propriedade Renaud e Cia.
Natal, 1897.
2. Araújo, Enéas, VIDA E MORTE DE ANTÔNIO PEDRO
DANTAS TONHECA, Manuscrito. Sem data.
3. Augusto, José, FAMÍLIAS SERIDOENSES, Pongetti, Rio de
Janeiro, 1940.
4. BASTOS, Sebastião de Azevedo, NO ROTEIRO DOS
AZEVEDO E OUTRAS FAMÍLIAS DO NORDESTE, João Pessoa,
Paraíba, Gráfica Comercial, 1954.
5. Bezerra Neto, Silvino, OUTRAS REMINISCÊNCIAS, Natal,
1958.
6. Bezerra Neto, Silvino, REMINISCÊNCIAS DE NATAL DO
OUTRORA, Natal, 1962
7. Bezerra Neto, Silvino, TONHECA DANTAS, Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volumes
LXVIII-LXIX, 1976-1977.
8. Dantas, Donatila, CARNAÚBA DOS DANTAS, TERRA DA
MÚSICA, Papelaria H. P. Mendes, Brasília, 1989.
9. Dantas, Jorge Ribeiro, O ROYAL E SUA HISTÓRIA, Natal,
1957.
10. Dantas,
José Adelino, HOMENS E FATOS DO SERIDÓ
ANTIGO, sem indicação de editora e data.
11 .Dantas, José Adelino, O CORONEL DE MILÍCIAS CAETANO
DANTAS CORREIA, sem indicação de editora e data.
12. Fagundes, Antônio, A VALSA ROYAL CINEMA, A Diocésia,
Natal, 24 de junho de 1974.
13. Freire,
Antônio, REVOLTAS E REPENTES, João
Pessoa,1974.
14. Galvão, Claudio, OSWALDO DE SOUZA, O CANTO DO
NORDESTE, Funarte, Rio de Janeiro, 1986.
15. Lelis, João, A CAMPANHA DE PRINCESA (1930), União
245
Editora, João Pessoa. Sem data.
16. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM,
Tipografia de Alfredo Augusto Silva, Belém, 1904.
17. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo
da Intendência Municipal, Belém, 1905.
18 Lemos,Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo
da Intendência Municipal, Belém, 1906.
19. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo
da Intendência Municipal, Belém, 1907.
20. Lima, João Baptista de, O PATRONO DA POLÍCIA MILITAR
DA PARAÍBA, Cópia xerox, sem data.
21. Medeiros Filho. Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ,
Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília, 1981.
22. Medeiros Macêdo, Elder Alexandre, A MÚSICA NA
CARNAÚBA DOS DANTAS DE OUTRORA, inédito, 1998.
23. Medeiros Macedo, Helder Alexandre, CARNAÚBA DOS
DANTAS, inédito.
24. Medeiros Macedo, Helder Alexandre, RAÍZES DE UMA
CARNAÚBA SERIDOENSE, inédito.
25. Melo, Veríssimo, PATRONOS E ACADÊMICOS, volume I,
Pongetti, Rio de Janeiro, 1974.
26. Rocque, Carlos, ANTÔNIO LEMOS E SUA ÉPOCA, Editora
CEJUP, 2a edição, Belém, 1996.
27. Sales, Vicente, MÚSICA E MÚSICOS DO PARÁ, Conselho
Estadual de Cultura, Belém, 1970.
28. Salles, Vicente, SOCIEDADES DE EUTERPE, Edição do Autor,
Brasília, 1985.
29. Santa Rosa, Jayme Nóbrega, ACARI, FUNDAÇÃO, HISTÓRIA
E DESENVOLVIMENTO. Editora Pongetti, Rio de Janeiro, 1974.
30. Saraiva, Gumercindo, DE ARTES - AS MÚSICAS DE
TONHECA DANTAS VÃO SER IMPRESSAS, A Ordem, Natal, 14
de março de 1944.
31. Saraiva, Gumercindo, INTERVENTOR ALDO FERNANDES
246
E A MÚSICA DE TONHECA DANTAS, Tribuna no Norte. Natal,
26 de maio de 1974.
32. Saraiva, Gumercindo, TONHECA DANTAS, GLO R I A E
DISSABORES (1) Tribuna do Norte, Natal, 13 de outubro de 1974.
33. Saraiva, Gumercindo, TONHECA DANTAS, GLÓRIA E
DISSABORES (2) Tribuna do Norte, Natal, 27 de outubro de 1974.
34. Saraiva, Gumercindo, TONHECA, Jornal do Comércio, Natal, 3
de agosto de 1957
35. Saraiva, Gumercindo, TONHECA, O STRAUSS DO RIO
GRANDE DO NORTE (1), Tribuna do Norte, Natal, 2 de novembro
de 1974.
36. Saraiva, Gumercindo, TROVADORES POTIGUARES, Saraiva
S.A., 1962: São Paulo, SP.
37. Souza, Oswaldo, TONHECA DANTAS, Discurso de posse na
Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, a 22 de agosto de 1968.
Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Ano XX, n°9,
Natal, 1971.
38. Tavares, Eurivaldo Caldas, SOLDADO PARAIBANO,
ORGULHO DO PRESIDENTE, João Pessoa, 1978
39. WANDERLEY, Rômulo, HISTÓRIA DO BATALHÃO DE
SEGURANÇA, Edições Walter Pereira S/A, Natal, 1969.
247
INFORMANTES E COLABORADORES
1. Andréa Cristina dos Santos (Acari)
2. Antônia Dantas da Silva
3. Antônio Pedro Dantas Filho
4. Antônio Ribeiro Dantas
5. Augusto Carlos Galvão
6. Aurino Fernandes e Silva
7. Avelino Faustino Costa
8. Carlos José Marques de Carvalho
9. Celso Dantas da Silveira
10. Dagmar Dantas Emerenciano
11. Deoclides de Brito Diniz, Cônego (Acari)
12. Enéas de Araújo
13. Eugênio Lima de Souza
14. Felinto Lúcio Dantas
15. Fernando Augusto Correia de Miranda, Capitão do Corpo de
Bombeiros (Belém, Pará)
16. Francisca Gazzaneo Cabral
17. Francisco Rafael Dantas (Carnaúba dos Dantas)
18. Helder Alexandre de Medeiros Macedo (Carnaúba dos Dantas)
19. Hilário Felix Dantas (Acari)
20. 1venete dos Santos Rocha (Alagoa Nova, Paraíba)
21. José Avelar Freire (Alagoa Grande)
22. José Silas Xavier (Juiz de Fora, Minas Gerais)
23. José Venâncio Dantas Filho (Currais Novos)
24. José Venâncio Dantas Neto
25. Luís Gonçalves Meira Bezerra
26. José Rodolfo de Lima
27. Manoel Morais dos Santos, Cabo do Corpo Municipal de
Bombeiros (Belém, Pará)
28. Manoel Vicente Filho (Alagoa Nova, Paraíba)
29. Maria do Céu Pereira Fernandes
30. Maria Guia dos Santos (Acari)
31. Mario Quintano Dragon, ex-componente da Banda do Corpo de
Bombeiros (Belém, Pará)
248
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
Olavo de Medeiros Filho
Oswaldo Câmara de Souza
Patrício Torres de Medeiros.
Paulo de Tarso Fernandes
Pedro Arbués Dantas (Currais Novos)
Santa Venâncio Menezes
Teresa do Menino Jesus Dantas (Acari)
Wascyli Simões dos Anjos
Waldson José Bastos Pinheiro
Walter Canuto de Souza
Zulmira Paiva China
249
ARQUIVOS CONSULTADOS
Instituto Histórico e Geográfico do RN
Arquivo Público do Estado
Arquivo do Departamento Estadual de Imprensa
Arquivo Paroquial de Acari
Arquivo do 1o Cartório Judiciário de Acari
Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte
Arquivo da Polícia Militar do Estado da Paraíba
Arquivo da Polícia Militar do Estado de Pernambuco
Arquivo da Polícia Militar do Estado do Pará
Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará
Arquivo do 2o Cartório do Ofício de Natal
Arquivo do Cartório do 1º Ofício de Notas
Arquivo da antiga Escola Normal de Natal
Arquivo do Conselho Estadual de Cultura do Pará, Belém
Arquivo do Diário de Natal
Biblioteca Pública Municipal de Belém.
250
QUADRO DAS COMPOSIÇÕES DE
TONHECA DANTAS
Título
1. A desfolhar
Saudades
2. Acydalia
Gênero Localização
Propriedade
Fonte
Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
Valsa Mossoró,RN Filarmônica
Felinto
Lúcio
Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
Felinto
Polca
Manuscrito
Oswaldo de Souza
3. Afeto de Mãe
4. Aí, Barrigudo173
Data
Lúcio
Dantas
5. Alma em Delírio
174
6. Amor Constante
7. Aristófanes
Fernandes
8. Batalhão de
Segurança
9. Boas Festas176
10. Capitão André
Fernandes
11. Carli Fernandes
Valsa
Manuscrito
Valsa
Publicada
Banda de Música deAntônio Gomes
Caraúbas
de Sales
+- 1908
Dobrado Ignorada
Marcha Ignorada
A República175
18/04/1913
Valsa
A República
A República
29/08/1923
17/05/1944
A República
10/09/1932
A República
08/05/1919
Ignorada
Dobrado Ignorada
Valsa
Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
12. Cecília Medeiros Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
13. Comandante Nei Dobrado Instrumentação Banda da PM/RN
Peixoto
do autor
Dobrado Ignorada
14. Comandante
Vitoriano
Dobrado Ignorada
15. Coronel Pedro
Soares
16. Correio do Norte Dobrado Banda PM/RN
17. Dagmar Dantas177 Valsa Instrumentação
do autor
18. Delírio
Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
19. Desilusão
Valsa Ignorada
+- 1908
173 “Os três corcovados” e “Aí barrigudo” conservam-se em manuscritos incompletos e são,
segundo Felinto Lúcio Dantas, as mais antigas composições conhecidas de Tonheca. Arquivo de
Claudio Galvão.
174 Dedicada à esposa Ana Florentina Dantas.
175 As indicações do Jornal A República Referem-se a programas de retretas das bandas da
Polícia Militar e do Exército Nacional, quando as citadas composições foram executadas.
176 Conforme informação da Senhora Zulmira Paiva China, esta valsa estava no verso da
partitura de Royal Cinema, entregue pelo autor a seu pai, José Petronilo de Paiva, proprietário do
Cinema Royal, em 1913.
177 Dagmar Duarte Dantas Emerenciano, filha de João Beckman Dantas, proprietário do
engenho “Olho d’água”. Arquivo de Carlos José Marques de Carvalho.
251
Título
20. Edi Fernandes
Gênero Localização
Valsa Instrumentação
do autor
Dobrado Manuscrito
(Incompleto)
Marcha Instrumentação
do autor
Valsa Ignorada
Dobrado Ignorada
21. Embaixador da
Paraíba
22. Força Pública
(Marcha Solene)
23. Guiomar
24. Gumercindo
Saraiva
25. Hino ao Duque de Hino
Caxias
26. Iolanda178
Valsa
27. Iremita
Valsa
Medeiros179
28. Ivanisa Fernades Valsa
Propriedade
Banda da PM/RN
Data
Banda Artur Paraguai
Banda da PM/PB
Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
Ignorada
Ignorada
Fonte
Antônia Dantas +- 1905
da Silva
A República
04/08/1933
Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
29. Joana Machado Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
30. Joel de Oliveira Dobrado Ignorada
A República
12/03/1933
31. José Rocha
Dobrado Manuscrito
Banda de Música de Antônio Gomes
Caraúbas
de Sales
32. Laurita180
Valsa Instrumentação
+- 1935
do autor
181
33. Louca por Amor Valsa Publicada
+- 1908
34. Lúcia Pires Lemos Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
35. Lydia Cavalcanti Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
36. Maria de Lourdes Valsa Ignorada
Banda de Música deAntônio Gomes
Caraúbas
de Sales
37. Maria Leonor
Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
38. Matilde
Valsa Ignorada
Oswaldo de Souza
39. Melodia do
Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
Bosque
40. O velho Sabido182 Samba- Ignorada
Choro
41. Odete Fernandes Valsa Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
Felinto
Lúcio
42. Os três
Maxixe Manuscrito
Oswaldo de Souza
Dantas
Corcovados
43. Paisagens do
Dobrado Ignorada
Oswaldo de Souza
Acari
178 Dedicada à filha do comandante do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará, conforme
informação de Antônia Dantas da Silva, filha do autor.
179 Homenagem de Tonheca à esposa do regente da Banda da PM, Luís Gonzaga César de
Paiva, filha do compositor Eduardo Medeiros.
180 Arquivo de Celso da Silveira.
181 Dedicada à esposa Ana Florentina Dantas. Arquivo de Claudio Galvão.
182 Existe uma parte de pistom, copiada pelo músico Rubino Tito. Arquivo de Claudio Galvão.
252
Título
44. Perfume do
Coração
45. Pinto não é Galo
46. Ramos de Rosas
47. Republicana
(Marcha de Procissão)
48. Royal Cinema
Gênero Localização
Valsa Ignorada
Propriedade
Samba Ignorada
Valsa Ignorada
Marcha Instrumentação Banda da PM/RN
do autor
Valsa Publicada paraBanda da PM/RN
piano
Dobrado Ignorada
49. Sargento Luís
Gonzaga
50. Saudades de
Valsa Manuscrito
Minha Filha183
51. Saudades de
Valsa Ignorada
minha noiva
52. Saudades do Pará Dobrado Ignorada
53. Silvino Cabral
Valsa Ignorada
54. Sou imperoso
Maxixe Ignorada
porque posso...
55. Tenente Augusto Dobrado Instrumentação
Toscano
do autor
56. Tenente João
Dobrado Ignorada
Machado
57. Tenente Luís
Dobrado Instrumentação
Cândido
do autor
58. Teresinha França Valsa Ignorada
59. Triunfo da VirgemMarcha Instrumentação
do autor
60. Troca de Beijos Gavota Ignorada
61. Vivaldo Pereira Dobrado Manuscrito
Fonte
Enéas Araújo
Data
Tonheca Filho
+- 1932
1913
A República
Banda de Música de Antônio Gomes
Caraúbas
de Sales
Antônia Dantas
da Silva
184
Oswaldo de Souza
A República
Francisco
Rafael Dantas
Banda da PM/PB
A República
04/08/1933
1922
1923
13/03/1932
+- 1909
12/03/1933
Banda da PM/RN
Banda da PM/RN
A República
21/04/1932
Banda de Música deAntônio Gomes
Caraúbas
de Sales
62. Xiquexique
Maxixe Ignorada
63. Yaperina Guerra Valsa Ignorada
A República
64. Zé Grande
Choro Instrumentação José Amâncio Filho185 Tonheca Filho
do autor
65. Zuzuca
Xote
Ignorada
10/09/1932
183 Dedicada à filha Antônia Dantas (da Silva).
184 Títulos de composições citados pelo maestro Oswaldo de Souza – esta e as de números 4,
37, 42, 43 e 52 – em discurso na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras a 22 de agosto de
1968. Publicado na revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, ano XX, nº 9, Natal,
1971.
185 Proprietário residente no Rio de Janeiro.
253
ROYAL CINEMA
Partitura para piano
Por mais que se procurasse no Estado e fora dele, não foi
possível encontrar nenhum exemplar da edição para piano da valsa
“Royal Cinema”, impressa pela Casa Bevilacqua do Rio de Janeiro,
em 1913, conforme foi exposto anteriormente.
Para a reprodução que aqui se insere, foi utilizada a cópia
manuscrita pelo maestro Oswaldo de Sousa que se encontra na
publicação “Patronos e Acadêmicos” (ver bibliografia) que, por sua
vez, baseou-se em cópia anterior feita pelo conhecido músico Enéas
de Araújo.
Considerando-se que Enéas de Araújo foi contemporâneo e
colega de farda de Tonheca Dantas, é de se crer que a sua cópia seja
idêntica ao original impresso.
Antes de se adotar a presente versão, o manuscrito de
Oswaldo de Souza foi submetido à revisão pelos musicistas Tonheca
Dantas Filho e Wacyli Simões dos Anjos, o que tornou possível a
correção de pequenos erros de cópia.
Devidamente revisada na presente versão, poderá ser
fotocopiada com ampliação, esperando-se que possa ser de proveito
para os musicistas.
Editoração eletrônica da partitura: Claudio Galvão.
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Lançamento do livro A Desfolhar Saudades. 1988. Antônia Dantas
da Silva (Filha de Tonheca), Claudio Galvão e Tonheca Dantas
Filho.
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O livro - 100 Anos de Royal Cinema