Artigo Original
Fatores ambientais e socioeconômicos
relacionados à distribuição
de casos de leptospirose no Estado
de Pernambuco, Brasil, 2001–2009
Environmental and socioeconomic factors related to the distribution of
leptospirosis cases in the state of Pernambuco, Brazil, 2001–2009
Cíntia Honório Vasconcelos1, Fernanda Rodrigues Fonseca2,
Michael Laurence Zini Lise3, Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky4
Resumo
No Brasil, a leptospirose é endêmica, de caráter sazonal, ocorre em áreas urbanas e rurais, com picos de incidência nos meses
de verão, em que ocorre a elevação de índices pluviométricos que favorecem a ocorrência de enchentes e a infecção humana.
O objetivo deste estudo foi identificar os principais fatores ambientais e socioeconômicos que estão relacionados à transmissão
da leptospirose no Estado de Pernambuco, no período de 2001 a 2009. Para entender as possíveis causas associadas à
leptospirose, foram utilizadas no estudo variáveis ambientais, socioeconômicas e epidemiológicas da doença nos municípios
do Estado de Pernambuco, utilizando o método da regressão linear múltipla. De acordo com o modelo gerado, observou-se que
quanto maior a densidade demográfica (β=0,65; p=0,000) e pessoas com nenhuma escolaridade (β=1,19; p=0,000), maiores
são as chances de ocorrer leptospirose. Esse modelo explica 63% (R2=0,63) dos casos de leptospirose nessa área de estudo.
A leptospirose é uma doença relacionada à baixa condição socioeconômica e precárias condições de infraestrutura e de
serviços, que ficam ainda mais debilitados em situações de desastres naturais causados por fortes chuvas.
Palavras-chave: leptospirose; riscos ambientais; fatores socioeconômicos.
Abstract
In Brazil, the disease is endemic, of seasonal frequency, occurs in urban and rural areas, with peak of incidence in summer
months, where the elevation of pluviometric levels take place, favoring the occurrence of floods and human infection. The
objective of this study was to identify the key environmental and socioeconomic factors that are related to the transmission
of leptospirosis in the state of Pernambuco, in the period between 2001 and 2009. To understand the possible causes
associated with leptospirosis, the study used environmental, socioeconomic and epidemiological variables of the disease
in the municipalities of the state of Pernambuco, using the predictive method as from multiple regression analysis. According to the model generated, it was observed that the higher population density (β=0.65; p=0.000) and people with no
schooling (β=1.19; p=0.000), the greater are the chances for leptospirosis to occur. This model explains 63% (R2=0.63) of
leptospirosis cases in this study area. Leptospirosis is a disease related to low socioeconomic status and poor conditions
of infrastructure and services, which are even weaker in situations of natural disasters caused by heavy rains.
Keywords: leptospirosis; environmental risks; socioeconomic factors.
Trabalho realizado na Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental, Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Secretaria de Vigilância em
Saúde do Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
1
Doutora em Ciências Ambientais; Consultora técnica da Coordenação de Saúde Ambiental; Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST);
Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS); Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
2
Mestre em Sensoriamento Remoto; Consultora técnica da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental; DSAST/SVS; Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
3
Mestre em Epidemiologia; Consultor técnico da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental; DSAST/SVS; Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
4
Mestre em Saúde Pública; Consultora técnica do Departamento de Vigilância Epidemiológica; SVS; Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
Endereço para correspondência: Cíntia Honório Vasconcelos – SCS – Quadra 04 – Bloco A – 5º Andar – Edifício Principal – CEP: 70304-000 – Brasília (DF), Brasil –
E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: nenhuma.
Conflito de interesse: nada a declarar.
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Cíntia Honório Vasconcelos, Fernanda Rodrigues Fonseca, Michael Laurence Zini Lise, Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky
INTRODUÇÃO
A leptospirose é uma doença infecciosa causada por
espiroquetas do gênero Leptospira. O espectro da doença é
bastante amplo, variando desde infecção subclínica a síndrome severa com infecção de múltiplos órgãos e alta letalidade1,
sua relevância é demonstrada pela alta incidência de casos e
letalidade dos casos graves2.
A fonte de infecção no homem é o contato direto ou indireto com a urina de animais infectados; os reservatórios são
os animais domésticos e silvestres. O principal reservatório
são os roedores sinantrópicos comensais (Rattus norvegicus,
Rattus rattus e Mus musculus) sendo o R. norvegicus o principal portador da L. icterohaemorrhagiae, a mais patogênica
ao homem. Outros reservatórios de importância são caninos,
bovinos, suínos, equinos, ovinos e caprinos2.
A doença apresenta distribuição cosmopolita e sua incidência é significativamente maior em países tropicais de clima
quente e úmido1. No Brasil, a doença é endêmica, de caráter
sazonal, ocorre em áreas urbanas e rurais, com picos de incidência nos meses de verão, em que ocorre a elevação de índices
pluviométricos que favorecem a ocorrência de enchentes e a
infecção humana2,3.
A distribuição da doença no mundo mostra desigualdades
e denota a importância do ambiente social, quando se verifica
que a doença acomete mais frequentemente as populações
de países subdesenvolvidos, que convivem com importantes
problemas socioeconômicos4.
No Brasil, entre os anos de 2001 e 2009, foram notificados
121.274 casos, sendo 31.134 confirmados de leptospirose e
uma letalidade de 10,8%. Destes, 70,0% dos casos ocorreram
nas Regiões Sul e Sudeste, 19,6% na Nordeste, 8,9% na Norte
e 1,5% na Região Centro-Oeste5.
A leptospirose é endêmica no Estado de Pernambuco e
apresenta surtos anuais sazonais nos meses de índices pluviométricos elevados, sendo o estado responsável por 7,5% dos
casos confirmados do país (um dos seis estados com maior
frequência de casos), assim, tendo Recife como um dos municípios elencados como prioritários da doença no País MS
20105.
Em áreas urbanas, o homem se infecta principalmente pelo
contato da pele ou mucosas com água ou lama contaminadas
pela urina dos roedores infectados, em locais de infraestrutura sanitária precária2,6,7. Alguns fatores são fundamentais
para predispor a ocorrência de um caso humano, tais como
condições de saneamento insuficientes ou inexistentes, alta
infestação de roedores, grupos socioculturais, fatores ocupacionais e comportamentais, meio ambiente favorável à manutenção da espiroqueta e do contato do agente com a população
suscetível8,9. Em alguns países, a leptospirose é considerada
50
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uma doença ocupacional predominante de zona rural, ligada a atividades agropastoris. No Brasil, fatores como êxodo
rural e a ocupação desordenada das cidades (principalmente
próximas a córregos e riachos) e a organização das redes de
saneamento básico, aliados a alta aglomeração populacional
de baixa renda e a altas infestações de roedores favoreceram o
aumento na incidência de casos no meio urbano e periurbano.
Desse modo, a doença ocorre com maior frequência em áreas
urbanas e em regiões metropolitanas, onde as condições sanitárias precárias e a alta infestação de roedores aumentam o
risco de contato com o agente infeccioso. Em análise descritiva
realizada no Brasil, nos anos de 2001 a 2003, constatou-se que
o local provável de infecção dos casos confirmados foi a área
urbana (72%), sendo 65% deles em ambiente domiciliar10.
Isto posto, o objetivo deste estudo foi identificar os
principais fatores ambientais e socioeconômicos que estão
relacionados à transmissão da leptospirose no Estado de
Pernambuco, no período de 2001 a 2009.
METODOLOGIA
Para entender as possíveis causas associadas à leptospirose,
foram utilizadas no estudo variáveis ambientais, socioeconômicas e epidemiológicas da doença nos municípios do Estado
de Pernambuco.
Foram utilizadas na análise variáveis ambientais, obtidas
pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos11,
por meio do aplicativo Sistema de Informações Ambientais
(SISAM), do ano de 2008, são elas: temperatura do ar (máxima, média e mínima); umidade relativa do ar (máxima, média
e mínima) e precipitação acumulada mensal (2008 e 2009).
As variáveis socioeconômicas utilizadas possuem como
fonte o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
extraídas do Atlas de Vulnerabilidade Socioambiental12: Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal (2000): renda, escolaridade e longevidade; Índice de Gini da renda familiar per
capita (2000); percentual de pessoas com renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo e 1/2 do salário mínimo
(2000); vínculos empregatícios com renda (2008); PIB municipal per capita (2006); taxa de analfabetismo da população de
15 anos ou mais (2000); densidade demográfica (2008); grau
de urbanização (2008).
As variáveis epidemiológicas basearam-se naquelas presentes nas fichas de vigilância epidemiológica (VE), do Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), referente
aos casos dos casos estudados, as quais foram utilizadas como
variáveis independentes. Os dados de incidência foram obtidos no Sinan, para o período de 2001 a 20095. O software utilizado para a tabulação dos dados foi o Tabwin 3.2. Variáveis
Fatores ambientais e socioeconômicos relacionados à distribuição de leptospirose em Pernambuco, 2001–2009
utilizadas: incidência de casos no Estado de Pernambuco no
período de 2001 a 2009 distribuídas por:
• Exposição ou não a situações de risco (não excludentes)
nos últimos 30 dias antes do início de sintomas: contato com água, lama ou enchente; contato com animais;
contato com cursos d’água, contato com fossa ou esgoto; contato com lavoura; atividades de limpeza de caixa
d’água; contato com lixo; contato com roedores
• Escolaridade em anos de estudo (nenhum, de 1 a 3, de 4 a
7, de 8 a 11 e 12 anos ou mais);
• Faixa etária (menor de 1 ano, de 1 a 9, de 10 a 19, de 20 a
49 e 50 ou mais de idade);
• Sexo (masculino e feminino);
• Local provável de infecção (LPI) definido, excluindo-se
os campos ignorados ou em branco (domiciliar, trabalho,
lazer, urbano, rural e outro);
• Número de desastres hidrometeorológicos, no período
de 2004 a 2009 reconhecidos pela Secretaria Nacional de
Defesa Civil13. Esse período foi considerado porque os
dados da defesa civil começaram a ser disponibilizados a
partir de 2003 e melhor consolidados a partir de 2004.
As variáveis epidemiológicas consideradas foram traduzidas por indicadores de saúde e calculadas por meio de taxas e
percentuais, que apresentam forte peso socioeconômico, o que
sugere traduzir a qualidade de vida da população estudada.
O Estado de Pernambuco foi selecionado como área
de estudo para a aplicação da análise de regressão linear
múltipla, para caracterizar a distribuição da leptospirose,
considerando-se todas as variáveis citadas anteriormente
e, além da análise de regressão, foram realizadas análises
descritivas. O método da regressão múltipla avalia um determinado problema analisando o seu grau de relação entre
uma ou mais variáveis.
No presente estudo teve-se como variável dependente (Y)
o número de casos de leptospirose no período de 2001 a 2009
nos municípios do estado e como variáveis independentes
(X) (explicativas), as variáveis socioeconômicas, ambientais e
epidemiológicas, citadas acima.
A seguir são descritas sucintamente as etapas para a elaboração de modelos preditivos, a partir da regressão linear
múltipla:
1. Coleta dos dados e preparação das variáveis independentes: nessa etapa, as variáveis independentes foram correlacionadas com a variável dependente (casos de leptospirose
entre 2001 a 2009 no Estado de Pernambuco). Para melhorar a correlação obtida, foram testadas transformações na
variável dependente e independentes com a finalidade de
se normalizar e linearizar a relação entre elas. A variável
2.
3.
4.
5.
selecionada para compor o estudo foi sempre a que apresentou maior normalidade.
Redução do número de variáveis independentes: no trabalho, essa etapa foi realizada através da análise detalhada
da correlação das variáveis independentes, descartando
as variáveis com baixa correlação com a variável dependente (abaixo de 0,8 – 95% de confiança) e as variáveis
preditivas com alta correlação entre si, por meio do teste
de multicolinearidade.
Geração de possíveis modelos de regressão: baseado nos
resultados da etapa anterior. Foram selecionados alguns
prováveis modelos de regressão.
Refinamento e seleção do melhor modelo: dentre os possíveis modelos, foi selecionado o melhor deles, por meio da
análise de resíduos, em que foram avaliados se os resíduos
possuíam distribuição gaussiana, variância constante e se
não eram autocorrelacionados.
Validação do modelo: por fim, foi realizada a validação do
modelo selecionado, com base em um conjunto de amostras separadas inicialmente.
Para obter um resultado mais próximo da realidade do
estado de Pernambuco, devido à grande disparidade entre
áreas do semiárido, do agreste e da zona da mata, foi aplicado
o método Skater de regionalização de áreas14,15, utilizandose da precipitação pluviométrica como a variável referência
para se realizar a separação de áreas mais homogêneas, para
posterior aplicação da regressão linear múltipla. Foi delimitada a separação do estado em duas áreas, onde a área 1
corresponde aos municípios de baixa pluviosidade e a área
2 aos municípios com pluviosidade mais elevada. O Skater
é um método de regionalização de áreas que permite agrupar áreas menores (municípios, bairros) em áreas maiores,
que, além de serem contíguas, têm também semelhança
segundo os atributos associados. Constitui uma análise de
conglomerados que leva em conta a localização espacial dos
objetos14,15. Para tal, foi utilizado o software livre Terraview
4.0, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No período do estudo, ocorreram 2.333 casos confirmados
no estado, com 303 óbitos e uma letalidade de 13,0%.
Na Figura 1, observa-se a distribuição espacial da leptospirose em Pernambuco, no período de 2001 a 2009. Os
municípios com a maior frequência de casos concentram-se
na região litorânea do estado, principalmente nos municípios de Recife e região metropolitana (Recife, Jaboatão dos
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0
>0 a 50
>50 a 150
>150 a 250
>250 a 835
Figura1. Distribuição dos casos de leptospirose em Pernambuco no período de 2001 a 2009
Guararapes, Olinda, Paulista e Camaragibe), responsáveis por
73,1% do total dos casos de leptospirose naquele estado.
No Brasil, as maiores epidemias geralmente ocorrem em
grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador e Recife, principalmente nos períodos de chuvas,
quando ocorrem as enchentes e aumenta o contato do homem
com água contaminada16.
Em estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), no período de 1970 a 1982, foram analisados
884 pacientes de leptospirose internados, provindos principalmente do Rio de Janeiro e diagnosticados sorologicamente
com a doença. Na grande Rio, foi observada uma frequência
maior da doença entre janeiro e abril (53,7%); o sexo masculino concorreu para 89,9% dos casos; e a faixa etária mais atingida compôs-se de indivíduos entre 16 e 45 anos (74,9%)17.
Em Pernambuco, no período estudado, 53,0% dos casos
tiveram contato com lama ou águas de enchente, sendo esta a
principal fonte de infecção para a doença16,18.
Esse fato também foi observado num estudo retrospectivo
em que foram selecionados 9.335 casos de leptospirose no
Estado de São Paulo, utilizando-se dados laboratoriais disponíveis no período de 1969 a 1997. Os casos ocorreram principalmente em janeiro a abril de cada ano e o maior número
de casos foi notificado 2–3 semanas depois de intensa chuvas,
sugerindo que o contato com enchentes e águas contaminadas
pela urina do roedor foram o provável modo de transmissão.
Adultos com idade entre 20–39 anos foram os mais infectados
(32,40%), sendo 87,0% dos casos do sexo masculino19.
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Apesar de a leptospirose ser considerada uma doença de
risco ocupacional, podendo afetar trabalhadores de canaviais,
tratadores de animais, veterinários, coletores de lixo, entre
outras profissões18, no Brasil, a doença é mais frequentemente
relacionada à ambiente domiciliar, o que sugere a associação dos casos com situação de moradia e infraestrutura
sanitárias10.
O Brasil sofreu uma intensa transformação demográfica
entre 1960 e 1996, causada pela migração populacional rural
para as áreas urbanas; houve um aumento de 350% na população urbana, o que contribuiu para a criação das favelas,
onde a infraestrutura sanitária precária favoreceu a instalação
de roedores e a consequente transmissão de leptospirose20.
Em Pernambuco, dos casos que tiveram área mais provável de infecção definida (1.618), a área urbana ocorreu com
maior frequência (87,7%); dos casos que tiveram ambiente
definido (1.415), o mais frequente foi o domiciliar (61,1%) e o
de trabalho (23,8%). A frequência de casos em ambiente domiciliar pode indicar a precariedade dos locais de moradia e a
alta vulnerabilidade às enchentes nos períodos de chuvas21.
Na Figura 2, encontra-se a relação entre o número de casos e a pluviometria mensal para o município de Recife nos
anos de 2008 e 2009. Nesse gráfico, podemos observar que,
nos períodos de maior precipitação, ocorreu um aumento
na frequência de casos a seguir e, quando ocorre um pico de
precipitação pluviométrica, a exposição pode ocorrer uma ou
mais vezes, dependendo da ocorrência de enchentes recorrentes. Desse modo, a partir do período de incubação da doença
Participação Acumulada
dez/09
nov/09
out/09
set/09
ago/09
jul/09
jun/09
mai/09
abr/09
mar/09
fev/09
jan/09
dez/08
nov/08
0
out/08
0
set/08
50
ago/08
5
jul/08
100
jun/08
10
mai/08
150
abr/08
15
mar/08
200
fev/08
20
jan/08
Número de Casos
Fatores ambientais e socioeconômicos relacionados à distribuição de leptospirose em Pernambuco, 2001–2009
precipitação (mm/mês)
casos de leptospirose
Figura 2. Distribuição mensal de casos de leptospirose e precipitação pluviométrica no município de Recife, Pernambuco, no período de 2008 a 2009
14000,00
12000,00
8,00
10000,00
6,00
8000,00
6000,00
4,00
4000,00
2,00
0
PIB
Incidência Leptospirose
10,00
2000,00
Camaragibe
Jaboatão dos
Guararapes
Olinda
Paulista
Recife
0,00
Incidência de leptospirose, por 100 mil habitantes, 2006
Produto Interno Bruto (PIB) municipal per capita (2006)
Figura 3. Incidência de leptospirose em relação ao PIB municipal per capita em 2006
(1–30 dias), observou-se um aumento na frequência de casos,
conforme evidencidado nos meses de abril, maio e junho de
2008 e em março, abril e junho de 2009. Sendo assim, após 30
dias da última enchente, o número de casos pode permanecer
elevado ou se elevar, também em virtude do contato com a
lama no momento de limpeza e desinfecção de ambientes
após as águas baixarem.
No estado, 55,3% dos casos de leptospirose ocorreram
em indivíduos de 20–49 anos de idade, e 80,8% dos casos em
pessoas do sexo masculino, sendo esse perfil semelhante ao
de outras localidades. O perfil de pacientes internados em
Salvador, acometidos pela leptospirose, chegou a resultados
parecidos, em que o sexo masculino correspondeu a 80,1%
dos casos e a média de idade foi de, aproximadamente, 35
anos22. Casos de leptospirose ocorridos entre janeiro de 1970
a dezembro de 1982, no Rio de Janeiro, foram registrados
em 89,9% em pessoas do sexo masculino e idade média de
34 anos17. Acredita-se que o sexo masculino esteja mais exposto à leptospirose pela maior participação dos homens em
situações ou práticas que facilitem o contato com as fontes de
infecção, principalmente em casos de enchentes.
Nas Figuras 3 e 4, observa-se o comportamento da
leptospirose em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)
municipal per capita e o percentual de pessoas com acesso a
esgotamento sanitário, nos cinco municípios de Pernambuco
que apresentaram as maiores incidências de casos entre 2001
a 2009. O município de Camaragibe apresentou a situação
mais precária de infraestrutura, com apenas 19,7% da população com acesso à esgotamento sanitário e a maior taxa de
incidência (80,05) nesse período. A tendência é que quanto
maior o PIB e a cobertura de esgotamento sanitário, menores serão as taxas de leptospirose. Valores muito baixos do
PIB indicam a existência de segmentos sociais em precárias
condições de vida.
Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (1): 49-56
53
90,00
80,00
80,00
70,00
70,00
60,00
60,00
50,00
50,00
40,00
40,00
30,00
30,00
20,00
20,00
10,00
10,00
0,00
Camaragibe
Jaboatão dos
Guararapes
Olinda
Paulista
Recife
% pessoas
Incidência de Leptospirose
Cíntia Honório Vasconcelos, Fernanda Rodrigues Fonseca, Michael Laurence Zini Lise, Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky
0,00
Incidência média de leptospirose, por 100 mil habitantes, 2001 a 2006
% de pessoas com acesso a esgotamento sanitário (2000)
Figura 4. Incidência de leptospirose em relação ao percentual de pessoas com acesso à esgotamento sanitário nos municípios que
apresentaram as maiores incidências em Pernambuco, 2001 a 2009
Na Figura 4, observa-se que a relação de acesso ao esgotamento sanitário não é diretamente proporcional em todos os
municípios, como no caso de Olinda, onde, apesar de ter 52%
da população com acesso à esgotamento sanitário, apresenta a
segunda maior taxa de incidência de leptospirose. Mesmo em
municípios dotados de boas condições de infraestrurura sanitária, em momentos críticos como nos casos de enchentes,
pode haver rompimento da rede de água e esgoto, propiciando
o contato da população com água contaminada. No entanto,
ressalta-se que outros fatores devem ser considerados para
esse resultado, tais como a topografia e a declividade do terreno, tempo de escoamento das águas nas áreas de enchentes,
pH do solo, tempo de imersão do indivíduo nessas águas,
presença de aglomerações populacionais de baixa renda em
áreas de risco da doença, presença de lixo e altas infestações
de roedores, dentre outros, que podem predispor um caso
humano da doença.
O maior valor do PIB e de esgotamento sanitário tende a
diminuir a incidência de leptospirose nos municípios estudados, entretanto, vale mencionar que algumas áreas localizadas
nos grandes centros urbanos, que contemplam o maior PIB
do Estado de Pernambuco, apresentaram altas incidências
da doença, demonstrando a existência de segmentos sociais
localizados com menor cobertura dos serviços públicos de
saneamento e saúde, em que outros fatores também devem
ser considerados para esse resultado.
Estudo realizado em Recife, analisando a relação entre
fatores socioambientais e a ocorrência da leptospirose, no
período entre 2001 e 2005, mostrou que onde existe a pior
situação de renda, um destino inadequado de lixo e maior
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Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (1): 49-56
densidade da rede de drenagem na cidade, também existe pior
situação da doença. Os resultados obtidos neste estudo foram
relevantes, pois permitiram identificar áreas prioritárias para
a ação de controle da doença23.
Para reduzir a variabilidade das variáveis utilizadas no
estudo, o Estado de Pernambuco foi particionado em duas
áreas, considerando a variável pluviosidade, onde a área 1
corresponde aos municípios de alta pluviosidade e a área 2,
aos municípios com pluviosidade mais baixa. Na Figura 5,
encontra-se o mapa do estado de Pernambuco separado em
áreas de alta e baixa pluviosidade.
Para a área com baixa precipitação, não foi possível obter
nenhum modelo de regressão por apresentar apenas 5 municípios com registro de leptospirose, totalizando 10 casos no
período de 9 anos.
Para a área com pluviosidade mais elevada, foi obtido e
validado o seguinte modelo com duas variáveis:
ŷ = -2,41 + 1,19x1 + 0,65x2; (p<0,000)
(1)
sendo: ŷ = número de casos de leptospirose de 2001 a 2009;
x1= nenhuma escolaridade;
x2= densidade demográfica.
De acordo com o modelo gerado, observou-se que quanto
maior a densidade demográfica (r=0,68) e pessoas com nenhuma escolaridade (r=0,69), maiores são as chances de ocorrer
leptospirose. Esse modelo explica 63% (R2=0,63) dos casos de
leptospirose nessa área de estudo. A densidade demográfica é
um dos principais aspectos para o surgimento de epidemias,
Fatores ambientais e socioeconômicos relacionados à distribuição de leptospirose em Pernambuco, 2001–2009
Área 1 - alta pluviosidade
Área 2 - baixa pluviosidade
Figura 5. Estado de Pernambuco dividido em duas áreas com alta e baixa pluviosidade
principalmente se as condições de saneamento ambiental
forem precárias. A urbanização desordenada, principalmente
em áreas de favelas e periferias dos grandes centros urbanos
com frequente exposição à contaminação ambiental durante
os períodos de precipitação, são fatores fundamentais para a
ocorrência da leptospirose em área urbana24.
A população com baixa ou nenhuma escolaridade, geralmente encontra-se nas periferias dos grandes centros urbanos, com condições precárias de moradia e baixa renda, ou
seja, em localidades com pouca infraestrutura e acesso aos
serviços de saúde, situação agravada em casos de enchentes.
CONCLUSÕES
A leptospirose é uma doença relacionada à baixa condição socioeconômica e precárias condições de infraestrutura
sanitária, que ficam ainda mais debilitadas em situações de
desastres naturais causados por fortes chuvas.
Como recomendação, sugere-se às Secretárias Estaduais de
Saúde (SES), em parceria com as Secretárias Municipais de Saúde
(SMS), verificar a capacidade de detecção e mapeamento oportuno
de áreas inundáveis nos municípios junto à defesa civil, instrumentalizar previamente as equipes de saúde no diagnóstico de áreas
vulneráveis e realizar o manejo ambiental e o controle de roedores
sistematicamente em áreas prioritárias por equipes capacitadas
para tais atividades. Para tal, devem estimular a elaboração de um
plano integrado de resposta em situações de desastres naturais,
articulado à vigilância epidemiológica, ambiental, sanitária, assistência e outros órgãos relacionados ao problema, a fim de evitar a
ocorrência e prevenir surtos e epidemias da doença.
Autoria
Declaro que todos os autores contribuíram substancialmente
para a concepção, planejamento e na interpretação dos dados,
além de participarem da aprovação da versão final do manuscrito.
Referências
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Recebido em: 14/10/2011
Aprovado em: 15/12/2012
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Fatores ambientais e socioeconômicos relacionados à